Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
192/23.0T8GDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA MORAIS
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
Nº do Documento: RP20240923192/23.0T8GDM.P1
Data do Acordão: 09/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A antecedência prevista no artigo 1097º do Código Civil reporta-se ao prazo que estiver em curso: o de duração inicial ou da sua renovação.
II - Para efeitos do artigo 10º NRAU, as comunicações consideram-se realizadas, ainda que a carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la ou o aviso de recepção seja assinado por pessoa diferente do destinatário.
III - Esse regime não se aplica, se o aviso não for levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais, caso em que o senhorio deve remeter nova carta registada com aviso de recepção decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta.
IV - O envio da segunda carta vale como condição de eficácia da primeira comunicação enviada: é relativamente a esta que se tem de observar o prazo (no caso) de 120 dias; quanto à segunda, a lei exige que seja enviada no prazo de 30 a 60 dias, após a devolução da primeira. A comunicação só pode ser considerada recebida, observadas estas formalidades.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 192/23.0T8GDM.P1

Acordam as Juízas da 5.ª Secção (3ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto, sendo

Relatora: Anabela Mendes Morais;

Primeira Adjunta: Ana Paula Amorim; e

Segunda Adjunta: Maria de Fátima Almeida Andrade

I – Relatório

Os Autores AA e BB, casados entre si, intentaram contra os Réus CC e DD, a presente acção com processo comum, pedindo que:
i. seja declarado extinto o contrato de arrendamento pela oposição à renovação operada pelos Autores;
ii. sejam os Réus condenados a entregar aos Autores a fracção autónoma designada pela letra “C” sita na Rua ..., ..., ... freguesia ..., concelho de Gondomar, descrita na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o número ...73 e inscrita na matriz predial urbana com o n.º ...41;
iii. sejam os Réus condenados, de forma solidária, no pagamento de indemnização pelo atraso na restituição do locado, que, no momento, perfaz o valor global de € 2.650,00 (dois mil seiscentos e cinquenta euros).
iv. sejam os Réus condenados nas custas e demais encargos processuais com a presente acção.

Alegaram, em síntese, que:

_ São legítimos proprietários da fracção autónoma designada pela letra “C” sita na Rua ..., ..., ... freguesia ..., concelho de Gondomar, descrita na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o nº ...73 e inscrita na matriz predial urbana com o n.º ...41;

_ Por contrato celebrado a 10 de Agosto de 2015, cederam ao Réu, o gozo dessa fracção autónoma, pelo prazo de um ano, com início a 1 de Setembro de 2015 e termo a 31 de Agosto de 2016, renovável por iguais e sucessivos períodos de um ano, mediante o pagamento da renda anual de €6.360,00, pagável em duodécimos de €530,00.

_ Nos termos da alínea c) da cláusula terceira do contrato de arrendamento outorgado entre as partes, os senhorios poderiam por termo ao contrato desde que, por escrito e por carta registada com aviso de receção, o comunicassem ao inquilino com uma antecedência não inferior a 60 (sessenta) dias do termo do contrato.

_ Através de carta registada com aviso de receção que remeteram ao Réu em 17 de Dezembro de 2021, comunicaram-lhe que não pretendiam a renovação do contrato a partir de 31 de Agosto de 2022, manifestando assim a sua vontade de resolução contratual, carta enviada com a antecedência de 240 (duzentos e quarenta dias) exigida pelo artigo 1097.º do Código Civil

_ Essa carta foi devolvida porque não foi reclamada, pelo que os Autores remeteram nova carta registada com aviso de receção com data de 03 de Janeiro de 2022, a qual foi novamente devolvida porque não foi reclamada pelo Réu.

_ Face à devolução destas duas missivas, a Mandatária dos Autores remeteu novas missivas (uma registada com aviso de receção e outra registada) reiterando as comunicações anteriores e solicitando a entrega do locado até ao dia 31 de Agosto de 2022. As cartas registadas com aviso de recepção foram devolvidas por não terem sido levantadas. As cartas com registo simples foram ambas entregues ao destinatário.

_ Na carta enviada pela Mandatária dos Autores, foi o Réu alertado de que, apesar de não ter procedido ao levantamento das missivas/comunicações (que foram remetidas em cumprimento do artigo 10.º n.º 2 alínea c) e n.º 3 do mesmo artigo - Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro), a lei determina que a comunicação posterior se considerava recepcionada pelos mesmos – cfr. n.º 4 da aludida norma legal.

_ O Réu não se opôs à declaração de oposição à renovação, mas não entregou o locado e continua a pagar a renda mensal, pelo que se constituiu no dever de indemnizar os Autores pagando a renda em dobro, nos termos do art. 1045.º, n.º 2, do Cód. Civil, contabilizada na quantia de €2.650,00, desde Setembro de 2022, correspondente a €530,00 por mês.

_ A Ré deve ser condenada nos precisos termos, e de forma solidaria, uma vez que renunciou ao benefício da excussão prévia – cfr. Cláusula oitava do contrato de arrendamento.

_ Os Autores encontram-se sem possibilidade de arrendar o imóvel da forma que gostariam e de rentabilizar o seu património, tudo decorrente da conduta dolosa dos Réus que deliberadamente não entregam as chaves ao locatário como lhes competia.

I.1_ Citados ambos os Réus, o Réu CC apresentou contestação.

Aceitou a celebração do contrato e a não oposição à renovação do contrato, alegando que o contrato se mantém em vigor porquanto, os Autores não cumpriram o prazo legal de 240 dias de antecedência – fixado no artigo 1097º, nº1, do Código Civil - de oposição à renovação do contrato:

_ Os Autores enviaram uma primeira carta ao Réu, em 17/12/2021, que foi devolvida pelos CTT por não ter sido reclamada pelo Réu.

_ Em face de tal facto, os AA enviaram nova carta para o Réu, em 03/01/2023, que também foi devolvida por não ter sido reclamada.

_ Após, a Ilustre Mandatária dos AA enviou uma carta para o Réu, em 05/04/2022 que foi recebida por este em 07/04/2022. (cfr. doc. nº 5 da P.I).

Conclui que os AA não cumpriram o prazo previsto no artº 1097º, nº 1, al. a), do CC e, as disposições legais previstas no nº 2 al. c); nºs 3 e 4 do artº 10 do NRAU, porquanto o Réu tinha, obrigatoriamente, de ter recebido a comunicação até às 23:59 do dia 3 de Janeiro de 2022, o que não sucedeu, pelo que o contrato de arrendamento foi renovado automaticamente, não sendo devida qualquer indemnização.

I.2_ A Ré DD apresentou contestação, deduzindo defesa por excepção e por impugnação. Concluiu, pedindo que seja julgada procedente a excepção invocada, reconhecendo-se o benefício da excussão da Ré e, em consequência, ser a mesma absolvida do pedido. Caso assim não se entenda, deve a presente acção ser julgada improcedente, por não provada e, em consequência, ser a Ré absolvida do pedido.

I.3_ Por requerimento de 6/9/2024, os Autores vieram desistir do pedido relativamente à Ré, desistência que foi homologada, por sentença de 22/9/2023, e declarado extinto o direito que os mesmos pretendiam fazer valer contra a Ré DD, sendo as custas da desistência “suportadas pelos Autores na proporção de 50%, nos termos do disposto no art. 537.º, n.º 1 do C.P.Civil, relegando-se para final a decisão quanto à responsabilidade pelas custas dos restantes 50%”.

I.4_ Por despacho 20/10/2023, foi dispensada a realização da audiência prévia e determinada a notificação das partes para, em 10 dias, querendo, alegarem por escrito, o que fizeram.

I.5_ Proferido saneador-sentença, constando do dispositivo:

Nos termos supra expostos, julgo a presente ação totalmente procedente e, em consequência:

a) declaro que o contrato de arrendamento celebrado entre os Autores AA e BB e o Réu CC cessou em 31 de agosto de 2022;

b) condeno o Réu CC a entregar aos Autores AA e BB o locado (fração autónoma designada pela letra “C” sita na Rua ..., ..., ... freguesia ..., concelho de Gondomar, descrita na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o número ...73 e inscrita na matriz predial urbana com o n.º ...41);

c) condeno o Réu CC a pagar aos Autores AA e BB a quantia de € 2.650,00 (dois mil, seiscentos e cinquenta euros).

Custas pelo Réu.

Registe e notifique”.

I.6_ Inconformado com essa decisão, o Réu interpôs recurso da mesma, formulando as seguintes conclusões:

“1.- O Réu não concorda com a matéria de facto dada como provada na sentença no ponto 6), isto porque, não deve constar deste facto provado que a Mandatária dos AA enviou a 06 de abril de 2022 uma carta registada com A/R ao Réu, mas sim, que foi enviada a 05.04.2022 e, apenas, registada, devendo, pois, este ponto 6), passar a ter a seguinte redacção: “Face às devoluções das ditas missivas, a Mandatária do Autores, enviou, a 05 de abril de 2022, nova carta registada, entregue ao Réu a 07 de abril, reiterando as comunicações anteriormente enviadas pelos Autores, comunicando-lhe que o contrato cessaria a 31 de agosto de 2022 e solicitando a entrega do locado até essa data.

2.- Os AA não cumpriram com o formalismo previsto no artº 9º e 10º do NRAU para a comunicação da oposição à renovação do contrato de arrendamento.

3.- A carta enviada pela Mandatária dos AA não foi registada com A/R, como é imposto pela norma do artº 9 nº1 do NRAU e, simultaneamente, não refere qual o prazo de oposição à renovação, apenas, reitera o conteúdo da anteriores cartas enviadas, que, não foram recebidas pelo Réu, logo ineficazes.

4- Depois, atento o facto de a primeira carta enviada pelos AA ter sido devolvida, teriam os AA que enviar uma segunda carta passados 30 a 60 dias, o que não sucedeu, isto porque, os AA enviaram uma nova carta passados apenas 17 dias, isto é, em 03.01.2022.

5- Mais, a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento deve conter de forma explicita qual o prazo de oposição à renovação, não basta referir que o arrendatário, aqui recorrente, tem que abandonar o locado até ao dia 31 de agosto de 2022.

6.- Acresce que, o prazo de oposição à renovação do contrato de arrendamento sub judice é de 240 dias, atento o facto de o contrato ter uma duração superior a 6 anos, não sendo, como foi decido na sentença de 120 dias, tudo, conforme decidido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, no Proc. nº 2848/18.0YLPRT.P1, em que foi Relator o Sr. Juiz Desembargador Carlos Portela, de 10-12-2019.

7.- Acresce ainda que, se os AA invocam na P.I que o prazo de oposição à renovação é de 240 dias, portanto concedendo este prazo ao Réu, não deve, o Tribunal “a quo”, porque, frustra a legitima expectativa do Réu, decidir que o prazo é menor, isto é, de 120 dias, porque viola o principio da boa fé, principio da segurança jurídica e do principio da protecção da confiança.

8.- Os AA não se opuseram à renovação do contrato de arrendamento atempadamente, cumprindo o prazo legal de 240 dias, previsto no artº 1097º nº 1 al. a) do CC, tendo, em consequência, o contrato de arrendamento renovado automaticamente.

9.-Por fim, caso não seja procedente o supra exposto e, consequentemente, o aqui recorrido absolvido dos pedidos formulados pelos AA, deve o Réu ser absolvido da condenação dos 2.650,00€, isto porque, a indemnização prevista no artigo 1045 nº 2 do CC só é devida quando o Réu entrar em mora, o que só sucede com a interpelação para entrega do locado pelo senhorio, o que não aconteceu.

10.- Violou assim a douta sentença, entre o mais, o disposto nos artigos 9º nº 1 e do nº 2 al. c); nº 3 e 4 do artº 10 do NRAU e artº 1097º nº 1 al. a) e 1045º nº 2 do CC.”.

I.7_ Notificados, os Autores apresentaram resposta, formulando as seguintes conclusões:

“I. No que diz respeito aos formalismos da missiva remetida pela mandatária, a mesma cumpre os preceitos normativos, previstos no artigo 9.º e 10.º do NRAU, certo é que a mesma foi enviada registada, mas as anteriores missivas relativas à oposição à renovação automática do contrato de arrendamento remetidas pelos Autores foram enviadas registadas com aviso de receção, como consta dos autos.

II. Nos termos da alínea c) da cláusula terceira do contrato de arrendamento outorgado entre as partes, os senhorios poderiam por termo ao contrato desde que, por escrito e por carta registada com aviso de receção, o comunicassem ao inquilino com uma antecedência não inferior a 60 (sessenta) dias do termo do contrato.

III. Nos termos contratualizados, em bom rigor, foi aceite pelas partes que, independentemente do prazo de duração do contrato de arrendamento, os senhorios poderiam por termo ao contrato existente entre as partes, com uma antecedência nunca inferior a 60 (sessenta) dias do termo do contrato.

IV. Em relação a tal prazo contratualmente estabelecido entre as partes, ao abrigo da liberdade contratual – 405.º do Código Civil – parecem não existir duvidas que o mesmo foi cumprido pelos Autores sendo tal aceite pelo Réu, como analisado pelo teor das duas peças processuais.

V. Não obstante, os Autores, pretendendo dar cumprimento à lei, e ao estabelecido na mesma, impediram a renovação automática do contrato de arrendamento, remetendo carta registada com aviso de receção para o Réu, manifestando assim a sua vontade de resolução contratual, a vigorar a partir da data de 31 de agosto de 2019, missiva essa que foi enviada na data de 17 de dezembro de 2021 e com a antecedência bem superior a 240 (duzentos e quarenta dias) e até 120 (cento vinte dias) exigida pelo artigo 1097.º do Código Civil – tanto na nova como na anterior redação.

VI. Tal carta veio devolvida, porque não reclamada pelo remetente, aqui Réu.

VII. Em cumprimento novamente da lei, - artigo 10.º n.º 3 da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro os Autores remetido nova carta, com o mesmo teor, registada com aviso de receção, datada de 03 de janeiro de 2022, carta essa que veio novamente devolvida porque não reclamada pelo Réu. VIII. O n.º 3 do artigo 10.º da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro, estabelece que, sic: o remetente deve enviar nova carta registada com aviso de receção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta. – ou seja, 17 de janeiro ou até 16 de fevereiro.

IX. Sendo que os Apelados, e por mera cautela enviaram nova carta a 03 de janeiro de 2022, ou seja, depois de passados 17 (dezassete) dias sobre o envio da primeira, sendo assim zelosos para que o Réu rececionasse o quanto antes a intenção de não renovação.

X. Foi o Réu/Apelado arrendatário alertado na missiva enviada pela mandataria subscritora de que, apesar de não ter procedido ao levantamento das missivas/comunicações (que foram remetidas em cumprimento do artigo 10.º n.º 2 alínea c) e n.º 3 do mesmo artigo - Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro), a lei determina que a comunicação posterior se considerava rececionada pelo mesmo.

XI. Tendo apenas o Réu rececionado a missiva quando enviada pela mandatária dos Apelados.

XII. As cartas foram enviadas pelos Autores para o domicílio convencionado – clausula décima nona do contrato de arrendamento.

XIII. Como se sabe, com a estipulação de domicílio convencionado fica o senhorio dispensado de remeter uma segunda carta ao arrendatário, quando este não levante a primeira no prazo previsto no regulamento dos serviços postais.

XIV. Sendo estabelecido domicílio convencionado (como no caso dos autos) não era sequer necessário aos Autores remeter a segunda comunicação! Mas ainda assim, estes últimos enviaram nova missiva,

XV. O Réu, conhecedor e devidamente notificado para o efeito, não se opus à oposição de renovação do contrato de arrendamento em causa nos presentes autos, aceitando-a.

XVI. Os Autores, ou a mandatária subscritora, não rececionaram qualquer resposta à comunicação devidamente rececionada.

XVII. O Réu aceitou a oposição sem reservas.

XVIII. Acontece que, o Apelante não entregou o imóvel livre dos seus bens, nem na data de 31 de agosto de 2022 (data de resolução contratual), nem até aos dias de hoje, mantendo na sua posse as chaves do locado.

XIX. Sendo de se aceitar como válidas as comunicações de oposição à renovação aliás como doutamente decidido na sentença que se recorre.

XX. O Tribunal não está vinculado ao alegado pelas partes, com efeito, o n.º 3 do artigo 5.º do C.P.C. prevê que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.

XXI. O contrato teve seis anos de duração, pelo que, seria sempre de 120 dias, atendendo a alínea b) do artigo 1097.º do Código Civil, redação atual.

XXII. Sendo o entendimento legal de antecedência mínima de 120 ou 240 dias a verdade é que os Apelados cumpriram ambos os prazos legais estabelecidos.

XXIII. Devendo nesta medida se manter a sentença proferida nos seus exatos termos, manter-se nessa conformidade a condenação do Apelado nos termos decretados na douta sentença.

Normas Violadas: A Sentença recorrida não viola nenhuma disposição nem normativo legal.”

I.8_ Por despacho de 21/2/2024, foi admitido o recurso.

I.9_ Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.

II_ Questões

Nos termos dos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º1, do CPC, é pelas conclusões do Recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, perante as conclusões constantes das alegações do Recorrente há que apreciar as seguintes questões:

1_ Impugnação da decisão da matéria de facto por referência ao facto ínsito no ponto 6 dos factos provados.

2_ Comunicação da oposição à renovação do contrato de arrendamento: cumprimento das formalidades prescritas nos artigos 9º e 10º da Lei nº6/2006 e nos artigos 1096º, nº3, e 1097º do Código Civil.

3_ Direito dos Autores à indemnização prevista no artigo 1045º, nºs 1 e 2, do Código Civil, desde Setembro de 2019 até à restituição do locado, no valor mensal de €530,00.

III_ Fundamentação de facto

O Tribunal a quo considerou os seguintes factos:

Factos provados

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos estão provados os seguintes factos:

1. Através de escrito particular intitulado “Contrato de Arrendamento Habitacional com Prazo Certo e com Fiança”, outorgado em 10 de agosto de 2015, entre os Autores e o Réu, aqueles deram de arrendamento a este, pelo prazo de um ano com início a 01 de setembro de 2015 e termo a 31 de agosto de 2016, renovável por iguais e sucessivos períodos de um ano salvo se denunciado por qualquer das partes nos termos da lei, a fração autónoma designada pela letra “C”, correspondente ao primeiro andar, do prédio em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., ..., em ..., Gondomar, inscrita na matriz sob o artigo ...41... e descrita na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o nº ...73, mediante o pagamento da renda anual de € 6.360,00, pagável em duodécimos de € 530,00. (artigos 1.º, 2.º, 3.º e 4.º)

2. Nos termos da alínea c) da cláusula terceira do contrato de arrendamento outorgado entre as partes, os Autores/senhorios poderiam pôr termo ao contrato desde que, por escrito e por carta registada com aviso de receção, o comunicassem ao Réu/inquilino com uma antecedência não inferior a 60 (sessenta) dias do termo do contrato;

3. Através de carta registada com aviso de receção enviada a 17 de dezembro de 2021, remetia pelos Autores ao Réu, aqueles comunicaram-lhe que o contrato cessaria a 31 de agosto de 2022, solicitando a entrega do imóvel livre de pessoas e bens e no estado de conservação e limpeza em que se encontrava à data da celebração do contrato, devendo proceder à entrega das chaves. (artigo 6.º)

4. Essa carta foi devolvida com a menção “objeto não reclamado”; (artigo 7.º)

5. Os Autores remeteram ao Réu, a 03 de janeiro de 2022, nova carta registada com aviso de receção, com o mesmo teor, a qual veio a ser devolvida com a menção “objeto não reclamado”. (artigo 8.º)

6. Face às devoluções das ditas missivas, a Mandatária do Autores, enviou, a 06 de abril de 2022, nova carta registada com aviso de receção, entregue ao Réu a 07 de abril, reiterando as comunicações anteriormente enviadas pelos Autores, comunicando-lhe que o contrato cessaria a 31 de agosto de 2022 e solicitando a entrega do locado até essa data;

7. O Réu mantem na sua posse as chaves do locado e continua a pagar a renda mensal.

Consigna-se que o Tribunal não se pronuncia sobre os demais factos alegados, por não revestirem interesse para a decisão da causa.”.

IV_ Fundamentação de direito

1ª Questão

Dissente o Recorrente da decisão da matéria de facto considerada assente quanto ao ponto 6, sustentando que “conforme resulta dos documentos nº 5, 6 e 7, juntos com a P.I, a carta enviada pela Ilustre Mandatária dos AA, ao Réu, está datada de 05.04.2022 e foi enviada nessa mesma data, ao que acresce, o facto de a mesma ter sido envida apenas registada e não registada com A/R.”.

Pugna pela alteração do ponto 6 dos factos provados passando a constar do mesmo a seguinte redacção: “Face às devoluções das ditas missivas, a Mandatária do Autores, enviou, a 05 de abril de 2022, nova carta registada, entregue ao Réu a 7 de abril, reiterando as comunicações anteriormente enviadas pelos Autores, comunicando-lhe que o contrato cessaria a 31 de agosto de 2022 e solicitando a entrega do locado até essa data.”.

Na sua resposta, os Recorridos admitem assistir razão ao Recorrente quanto à data e modo de envio da carta.

Cumpre apreciar e decidir.

O documento nº 5 junto pelos Autores com o requerimento de 18/1/2023, corresponde à cópia da carta, datada de 5 de Abril de 2022, enviada ao Réu, pela Ilustre Mandatária dos Autores.

Da leitura do documento nº 6 que consiste no impresso dos CTT facilmente se constata que a carta deu entrada nos Correios no dia 5 de Abril de 2022. Da leitura do documento nº 7 resulta que a carta foi entregue no dia 7 de Abril de 2022. Destes dois documentos decorre que a carta não foi enviada com aviso de recepção mas, apenas, registada.

Assim, procede a impugnação da decisão da matéria de facto pelo que se altera o ponto 6 dos factos provados, passando a constar do mesmo a seguinte redacção:

Após as devoluções das missivas referidas nos pontos 3 e 5 dos factos considerados assentes, a Ilustre Mandatária dos Autores enviou a 5 de Abril de 2022, ao Réu que a recebeu no dia 7 de Abril de 2022, a carta registada, com o assunto “oposição à renovação de contrato de arrendamento – Esclarecimento”, constando da mesma o seguinte:

Relembrando que deve entregar o locado livre de pessoas e bens, no mesmo estado em que o recebeu, bem como proceder à entrega das respectivas chaves até àquela data de 31 de Agosto de 2022.”.

2ª Questão

Insurge-se o Recorrente contra a decisão proferida pelo Tribunal a quo sustentando que os Autores não cumpriram as formalidades previstas nos artigos 9º e 10º do NRAU para a comunicação da oposição à renovação do contrato de arrendamento: (i) a carta enviada pela Mandatária dos AA não foi registada com A/R, como é imposto pelo artigo 9º, nº1, do NRAU; (ii) essa carta não refere qual o prazo de oposição à renovação, reiterando, apenas, o conteúdo da anteriores cartas enviadas que não foram recebidas pelo Réu, logo ineficazes, não bastando referir que o arrendatário tem que abandonar o locado até ao dia 31 de Agosto de 2022; (iii) os AA enviaram uma nova carta, após a primeira, passados apenas 17 dias, ou seja, em 3/01/2022 e não passados 30 dias; (iv) o prazo de oposição à renovação do contrato de arrendamento sub judice é de 240 dias, atento o facto de o contrato ter uma duração superior a 6 anos, e não de 120 dias, posição que sustentam no Acórdão de 10/12/2019, proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, no Processo nº 2848/18.0YLPRT.P1.

Advoga, ainda, que tendo os AA invocado, na petição inicial, que o prazo de oposição à renovação é de 240 dias, prazo este concedido ao Réu, “não deve, o Tribunal a quo, porque, frustra a legítima expectativa do Réu, decidir que o prazo é menor, isto é, de 120 dias, porque viola o principio da boa fé, principio da segurança jurídica e do principio da protecção da confiança”.

Sustentam os Recorridos que:

_ Consta da alínea c) da cláusula terceira do contrato de arrendamento que os senhorios poderiam por termo ao contrato desde que, por escrito e por carta registada com aviso de receção, o comunicassem ao inquilino com uma antecedência não inferior a 60 (sessenta) dias do termo do contrato, tendo sido cumprido esse “prazo contratualmente estabelecido entre as partes, ao abrigo da liberdade contratual – 405.º do Código Civil…“. Nas conclusões XX e XXI, sustentam que o Tribunal não está vinculado “às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” e que tendo o “contrato (…) seis anos de duração, (…) seria sempre de 120 dias, atendendo a alínea b) do artigo 1097.º do Código Civil, redação actual”, a antecedência mínima. Na conclusão XXII, referem os Recorridos que sendo “o entendimento legal de antecedência mínima de 120 ou 240 dias (…)”, cumpriram ambos os prazos legais estabelecidos”.

_ As duas cartas que antecederam a carta de 7 de Abril, foram registadas com aviso de recepção e impediram a renovação automática do contrato de arrendamento: foi enviada, em 17 de Dezembro de 2021, a carta registada com aviso de recepção, manifestando a vontade de resolução contratual[1], a vigorar a partir da data de 31 de Agosto de 2019, ou seja, “com a antecedência bem superior a 240 (duzentos e quarenta dias) e até 120 (cento vinte dias) exigida pelo artigo 1097.º do Código Civil – tanto na nova como na anterior redação.” Essa carta veio devolvida porque não foi reclamada pelo Réu. Em cumprimento do artigo 10.º n.º 3, da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro, os Autores remeteram nova carta, com o mesmo teor, registada com aviso de receção, carta essa que veio novamente devolvida porque não reclamada pelo Réu. Esta segunda carta foi enviada a 3 de Janeiro pelos Autores, depois de passados 17 (dezassete) dias sobre o envio da primeira, por mera cautela”, “sendo assim zelosos para que o Réu rececionasse o quanto antes a intenção de não renovação”. Apesar de não ter sido reclamada, a lei determina que a comunicação posterior se considera recepcionada pelo destinatário.

_ As cartas foram enviadas pelos Autores para o domicílio convencionado – clausula décima nona do contrato de arrendamento. Estipulado o domicílio, os Autores encontravam-se dispensados de remeter uma segunda carta ao arrendatário, no caso de este não levantar a primeira no prazo previsto no regulamento dos serviços postais.

_ O Réu, conhecedor e devidamente notificado para o efeito, não se opus à oposição de renovação do contrato de arrendamento em causa nos presentes autos, aceitando-a, “sem reservas”.

Cumpre apreciar e decidir.

Não suscitou controvérsia a qualificação do contrato celebrado entre as partes como de arrendamento para fins habitacionais, com prazo certo, renovado automaticamente no seu termo.

Pelo Tribunal a quo foi perfilhado o entendimento que “foi intenção do legislador estabelecer um prazo mínimo de renovação, nos casos em que as partes não tenham convencionado a exclusão da renovação”, ou seja, “no seu termo, os contratos de arrendamento com prazo para habitação permanente renovam-se automaticamente, por períodos sucessivos de igual duração ou, se esta for inferior, de três anos, em conformidade com o estipulado no número 1 do artigo 1096º do Código Civil. O que significa que, se o contrato de arrendamento foi celebrado por prazo inferior a três anos, e não foi excluída a renovação, o contrato se irá renovar automaticamente sempre por períodos mínimos sucessivos de três anos, em face do prazo mínimo imperativo previsto na referida disposição legal”.

Foi, ainda, decidido que o “artigo 1096.º do Cód. Civil (na redação conferida pela Lei 13/2019.02.12) sobre o conteúdo da relação jurídica de arrendamento, e abstraindo a mesma do facto que lhe deu origem, (…) se aplica ao contrato em causa nos autos, visto que o mesmo se encontrava em vigor aquando da sua entrada em vigor, pois a renovação do contrato ocorreu em 31 de agosto de 2019”.

Nesta parte, a decisão não foi objecto de recurso, pelo que transitou.

O fundamento para a cessação do contrato de arrendamento, invocado pelos Autores, é a declaração de oposição à renovação do contrato.

A oposição à renovação é aplicável aos contratos em relação aos quais tenha sido estipulado um prazo renovável e apenas pode ocorrer no fim desse prazo, impedindo que o contrato se renove por períodos subsequentes.

Dispõe o artigo 1097º do Código Civil, relativo aos arrendamentos para habitação, com a epígrafe “Oposição à renovação pelo senhorio”:

“1 - O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte:
a) 240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos;
b) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos;
c) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis meses e inferior a um ano;
d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a seis meses.

2- A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.”

Nos termos do artigo 1080º do Código Civil, “As normas sobre a resolução, a caducidade e a denúncia do arrendamento urbano têm natureza imperativa, salvo disposição legal em contrário”, pelo que, contrariamente ao defendido pelos Recorridos, as partes não podiam, “…ao abrigo da liberdade contratual – 405.º do Código Civil…“, estabelecer antecedência inferior à estipulada no artigo 1097º do Código Civil.

Salvo o devido respeito por entendimento contrário, é irrelevante, para o efeito, o período de duração que o contrato já tenha. A lei é clara: o prazo que releva é o de duração inicial ou da sua renovação.

Refere Elsa Sequeira Santos[2] que “A antecedência prevista neste artigo reporta-se ao prazo que estiver em curso. Assim, p.ex., um contrato celebrado por dez anos, renovável por período de dois anos, a oposição à renovação pode fazer-se com a antecedência de 240 dias para impedir a primeira renovação contratual, e com a antecedência de 120 dias para impedir as renovações subsequentes”.

Por último, não assiste razão ao Réu ao pretender fixar em 240 dias a antecedência mínima para a oposição à renovação com fundamento na factualidade narrada, pelos Autores, na petição inicial. O Tribunal não se encontra vinculado ao enquadramento jurídico da matéria de facto alegada, pelas partes. Assim, se entender que a solução jurídica do caso, em face dos concretos factos alegados e provados, é diferente da propugnada pelas partes, deve decidir em conformidade. Em segundo lugar, na petição inicial, não foi conferido, pelos Autores, ao Réu qualquer prazo para o exercício de um direito. A data em que ocorreria o termo do contrato não sofre qualquer alteração, quer se trate de 240 dias ou 120 dias a antecedência mínima para a oposição à renovação automática do vínculo, pelo senhorio. Assim, carece de sentido a alegação de que o Tribunal, ao decidir que antecedência mínima é de 120 dias e não 240 dias, “viola o principio da boa fé, o principio da segurança jurídica e o principio da protecção da confiança”.

Posto isto e sem necessidade de mais considerandos, atento o disposto no artigo 1097º, nº1, alínea b), do Código Civil, concorda-se com o decidido pelo Tribunal a quo: a comunicação pelo senhorio, de oposição à renovação do contrato, teria de ser efectuada com 120 dias de antecedência relativamente ao dia 31/08/2022.

Atendendo às regras de cômputo do termo, previstas no art.º 279º do Código Civil, a comunicação do senhorio, a manifestar a sua oposição à renovação do contrato, teria de ter lugar até ao dia 03/05/2022.

A questão que se coloca é a de saber se se pode considerar que o Réu/Recorrente (arrendatário) foi notificado com a antecedência de 120 dias relativamente ao termo do prazo e se foram observadas as formalidades prescritas nos artigos 9º e 10º da Lei nº6/2006.

À data do envio das cartas em questão nestes autos, vigorava o artigo 9º da Lei nº 6/2006, de 27/02, na redacção da Lei nº 43/2017, de 14 de Junho (com início de vigência a 15 de Junho de 2017), que, relativamente à forma de comunicação entre senhorio e arrendatário, estabelece:

1- Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção.

2 - As cartas dirigidas ao arrendatário, na falta de indicação por escrito deste em contrário, devem ser remetidas para o local arrendado.

3 - As cartas dirigidas ao senhorio devem ser remetidas para o endereço constante do contrato de arrendamento ou da sua comunicação imediatamente anterior.

4 - Não existindo contrato escrito nem comunicação anterior do senhorio, as cartas dirigidas a este devem ser remetidas para o seu domicílio ou sede.

5 - Qualquer comunicação deve conter o endereço completo da parte que a subscreve, devendo as partes comunicar mutuamente a alteração daquele.

6 - O escrito assinado pelo declarante pode, ainda, ser entregue em mão, devendo o destinatário apor em cópia a sua assinatura, com nota de receção.

7 - A comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, é efetuada mediante:

a) Notificação avulsa;

b) Contacto pessoal de advogado, solicitador ou agente de execução, comprovadamente mandatado para o efeito, sendo feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original;

c) Escrito assinado e remetido pelo senhorio nos termos do n.º 1, nos contratos celebrados por escrito em que tenha sido convencionado o domicílio, caso em que é inoponível ao senhorio qualquer alteração do local, salvo se este tiver autorizado a modificação.”.

Relativamente às vicissitudes das comunicações entre senhorio e arrendatário, estabelece o artigo 10º da Lei nº6/2006, na redacção da Lei 13/2019, de 12 de Fevereiro (com início de vigência a 13 de Fevereiro de 2019), que:
1- A comunicação prevista no n.º 1 do artigo anterior considera-se realizada ainda que:
a) A carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la;
b) O aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário.

2 - O disposto no número anterior não se aplica às cartas que:
a) Constituam iniciativa do senhorio para a transição para o NRAU e atualização da renda, nos termos dos artigos 30.º e 50.º;
b) Integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respetivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo anterior.
c) Sejam devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais.

3 - Nas situações previstas no número anterior, o remetente deve enviar nova carta registada com aviso de receção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta.
4 - Se a nova carta voltar a ser devolvida, nos termos da alínea a) do n.º 1 e da alínea c) do n.º 2, considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio.

5 - Nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 7 do artigo anterior, se:
a) O destinatário da comunicação recusar a assinatura do original ou a receção do duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, o advogado, solicitador ou agente de execução lavra nota do incidente e a comunicação considera-se efetuada no próprio dia face à certificação da ocorrência;
b) Não for possível localizar o destinatário da comunicação, o senhorio remete carta registada com aviso de receção para o local arrendado, decorridos 30 a 60 dias sobre a data em que o destinatário não foi localizado, e considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio.”.
Refere Luís Menezes Leitão[3], “[o] NRAU veio estabelecer um formalismo especial a que devem obedecer as comunicações entre as partes no âmbito do arrendamento urbano, regulada nos seus artigos 9º e ss.”, acrescentando “sempre que esteja em causa a cessação do contrato de arrendamento (…) a respectiva comunicação deve constar de escrito assinado pelo declarante remetido por carta registada com aviso de recepção (artigo 9º, nº1, NRAU). Sendo o arrendatário o destinatário, as cartas devem ser remetidas para o local arrendado, salvo indicação por escrito dele em contrário (artigo 9º, nº2, RNAU).(…)Nos contratos em que tenha sido convencionado o domicilio, a comunicação pode ainda ser feita por escrito assinado e remetido pelo senhorio, por carta registada com aviso de recepção, caso em que é inoponível ao senhorio qualquer alteração do local, salvo se este tiver autorizado a modificação (artigo 9º, nº7 c) NRAU).”
No contrato celebrado entre Autores e Réu foi convencionado o domicílio deste e da fiadora, no locado (Rua ..., ..., ..., ... ...) – cfr. cláusula 19º.
Ensina Luís Menezes Leitão [4], “As comunicações entre as partes estão sujeitas ao regime geral das declarações negociais recipiendas, previsto no art.º 224º do Código Civil, sendo consequentemente eficazes logo que cheguem ao poder do destinatário ou sejam dele conhecidas (art.º 224º, nº 1), sendo ainda consideradas eficazes se só por culpa do destinatário não são recebidas (art.º 224º n.º 2), e sendo em qualquer caso ineficazes se são recebidas em condições de, sem culpa do destinatário, não poderem ser dele conhecidas (artigo 224º, nº3)”.

No entanto, o artigo 10º NRAU procede a algumas adaptações em relação ao regime da eficácia das comunicações entre as partes, estabelecendo que as comunicações por carta registada consideram-se realizadas, ainda que a carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la ou o aviso de recepção seja assinado por pessoa diferente do destinatário (artigo 10º, nº1, NRAU). No entanto, esse regime não se aplica (…) se o aviso não for levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais”, caso em que o “senhorio deve remeter nova carta registada com aviso de recepção decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta. Se essa nova carta vier a ser devolvida por o senhorio se ter recusado a recebê-la ou por não ter sido levantada no prazo previsto no regulamento dos serviços postais, considera-se a comunicação realizada no 10º dia posterior ao do seu envio (artigo 10º, nº4, do NRAU)”.

A comunicação só pode ser considerada recebida, observadas estas formalidades.

No mesmo sentido, refere Salvador da Costa[5], “Face ao disposto no nº2, alínea c), o previsto no nº1 não se aplica quando a carta seja devolvida por não ter sido levantada no prazo previsto no regulamento dos serviços postais”.

O envio da segunda carta vale como condição de eficácia da primeira comunicação enviada: é relativamente a esta que se tem de observar o prazo (no caso) de 120 dias; quanto à segunda, a lei exige que seja enviada no prazo de 30 a 60 dias, após a devolução da primeira.

Como refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9/9/2021[6], “devolvida a carta registada com aviso de recepção – enviada com vista, além do mais, a servir de base a procedimento especial de despejo, como é o caso dos autos em que o senhorio pretende a cessação do contrato e o consequente despejo do locado, por efeito da oposição à renovação do contrato para 30/06/2019 – e enviada outra, passados 30 dias do envio da primeira, e sendo a segunda carta recebida pelo destinatário inquilino, a declaração de oposição à renovação do contrato opera na data do recebimento desta segunda carta – tese defendida pela 1ª instância e pelo inquilino/recorrido – ou opera em face da primeira carta enviada?

Pois bem, segundo entendemos, a solução é esta segunda, visto que a segunda carta, se enviada entre 30 e 60 dias após o envio da primeira, opera como condição de eficácia da declaração de, no caso, oposição à renovação do contrato, declarada pela primeira carta.”.

No mesmo sentido, decidiu esta Relação no Acórdão de 13/1/2023, proferido no processo nº 5632/21.0T8PRT.P1, no qual a ora relatora foi adjunta: “no âmbito do contrato de arrendamento, as comunicações, exigidas por lei, entre senhorio e arrendatário, relativas a cessação do contrato de arrendamento, realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção (regra esta que, contudo, comporta exceções) tem, para que a comunicação se estabeleça e a declaração seja eficaz e possa operar, a carta de ser recebida pelo destinatário ou, a não o ser e devolvida, por não ter sido levantada, o senhorio de remeter nova carta registada com aviso de receção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta, caso este em que, a vir novamente devolvida, a comunicação se considera recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio - cfr. arts. 9º e 10º, do NRAU.”.

Revertendo ao caso dos autos, resulta da matéria de facto assente que:

_ Através de carta registada com aviso de receção, enviada a 17 de Dezembro de 2021, pelos Autores ao Réu, aqueles comunicaram-lhe que o contrato cessaria a 31 de Agosto de 2022, solicitando a entrega do imóvel livre de pessoas e bens e no estado de conservação e limpeza em que se encontrava à data da celebração do contrato, devendo proceder à entrega das chaves.

_ Essa carta foi devolvida com a menção “objeto não reclamado”.

_ Os Autores remeteram ao Réu, a 3 de Janeiro de 2022, nova carta registada com aviso de recepção, com o mesmo teor, a qual veio a ser devolvida com a menção “objeto não reclamado”.

Conforme se referiu, no caso da carta ter sido devolvida por não ter sido levantada no prazo previsto no regulamento dos serviços postais, para que essa comunicação seja eficaz e possa operar, o senhorio deve remeter nova carta registada com aviso de receção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta. Esta segunda carta, enviada na janela temporária fixada na lei, opera como condição de eficácia da declaração de oposição à renovação do contrato, remetida através da primeira carta registada com aviso de recepção. Este formalismo não foi observado, tendo a segunda carta sido remetida em período diverso do fixado na lei.

Advogam os Recorridos que o disposto no artigo 10º, nº2, alínea c), e nº3, da Lei nº 6/2006, só é aplicável no caso de não ter sido convencionado o domicílio. Estipulado o domicílio no contrato e remetidas as cartas para o domicílio convencionado – clausula décima nona do contrato de arrendamento, os Autores encontravam-se dispensados de remeter uma segunda carta ao arrendatário, no caso de este não levantar a primeira no prazo previsto no regulamento dos serviços postais.

Salvo o devido respeito, não se acompanha o entendimento perfilhado pelos Recorridos. No nº 2 do artigo 10º da Lei nº6/2006, na redacção da Lei nº 13/2019, o legislador estabeleceu três excepções ao regime fixado no nº1, tendo atribuído relevância ao domicílio convencionado no caso da situação prevista na alínea b) e não também nas alíneas a) e c). Assim, caso a carta tenha sido devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la ou o aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário, tratando-se de cartas que integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respectivamente, existindo domicílio convencionado, considera-se realizada a comunicação. A lei não confere igual relevância à existência de domicílio convencionado, no caso de cartas devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais.

Salvo o devido respeito por entendimento contrário, entende-se que a posição do arrendatário é diversa, no caso de cessação do contrato de arrendamento por oposição à renovação, relativamente ao arrendatário que vê o contrato de arrendamento terminado por resolução contratual. No segundo caso, a extinção do contrato tem como fundamento o incumprimento das obrigações do arrendatário (cfr. artigos 1083º, nº1, e 801º, do Código Civil) que pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento. No primeiro caso, o senhorio não necessita invocar qualquer fundamento para a cessação do contrato.

Perfilhando este Tribunal o entendimento que o envio da segunda carta vale como condição de eficácia da primeira comunicação enviada, é relativamente a esta que se tem de observar o prazo (no caso) de 120 dias. A segunda carta deve ser enviada no prazo de 30 a 60 dias, após a devolução da primeira, para se considerar que operou a comunicação efectuada através da primeira carta enviada. Não sendo enviada a segunda carta no prazo de 30 a 60 dias após a devolução da primeira, não se verifica a condição de eficácia da declaração de oposição à renovação do contrato, declarada por esta.

Assim, não tendo os Autores enviado a segunda carta registada com aviso de recepção, no prazo fixado no nº3 o artigo 10º da Lei 6/2006, na redacção da Lei 13/2019, não se pode considerar recebida a comunicação no 10.º dia posterior ao do seu envio - cfr. arts. 9º e 10º, do NRAU.”.

E quanto à carta enviada pela Ilustre Mandatária do Autores, no dia 5 de Abril de 2022? Não se tratando de carta registada com aviso de recepção, não é eficaz para operar a comunicação da oposição à renovação do contrato (segmento final do nº1 do artigo 9º da Lei nº 6/2006, na redacção da Lei 13/2019).

Procede, assim, o recurso pelo que se impõe a revogação da decisão recorrida na parte em que declarou extinto o contrato de arrendamento pela oposição à renovação operada pelos Autores e condenou o Réu a entregar-lhes a fracção autónoma designada pela letra “C” sita na Rua ..., ..., ... freguesia ..., concelho de Gondomar, descrita na conservatória do registo predial de Gondomar sob o número ...73 e inscrita na matriz predial urbana com o n.º ...41.

3ª Questão

Pretendem os Autores a condenação do Réu no pagamento de indemnização, correspondente ao valor da renda em dobro, nos termos do art. 1045.º, n.º 2, do Cód. Civil, contabilizada no valor de €2.650,00, desde Setembro de 2022 até à data da instauração da presente acção, sendo o fundamento o atraso na restituição do locado.

Tendo este Tribunal concluído que não ocorreu a cessação do contrato de arrendamento com fundamento na oposição à sua renovação automática, não se verifica a obrigação de o arrendatário proceder à entrega do locado (artigo 1081º, nº1, do Código Civil).

Procede, assim, o recurso, na íntegra.


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Custas

Atento o disposto no art. 527º, n.º 1, do CPC, as custas da acção e do apelação são integralmente da responsabilidade dos Recorridos face à procedência do recurso.


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V_ Decisão

Pelos fundamentos acima expostos, julga-se o presente recurso procedente e, em consequência:


i. Revoga-se a decisão recorrida;
ii. Absolve-se o Réu de todos os pedidos.

Custas da acção e do recurso pelos Recorridos (artº 527, nº1 e 2, do C.P.C.).


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Sumário:

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Porto, 23/9/2024.

Anabela Morais

Ana Paula Amorim

Fátima Andrade


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[1] Pese embora os Autores mencionem a “vontade de resolução contratual”, o objecto dos  presentes autos respeita a outra forma de extinção do contrato de arrendamento consistente na oposição à renovação do contrato. -  cfr. Luís Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 10ª edição, Almedina, 2020,  pág. 141.
[2] Elsa Sequeira Santos, Código Civil Anotado – Ana Prata (Coord.), Vol. II,  2ª edição, revista e actualizada, Almedina, 2022- reimpressão, pág. 393.
[3] Luís Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 10ª edição, Almedina, 2020,  pág. 118.
[4] Luís Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 10ª edição, Almedina, 2020,  pág. 119.
[5] Salvador da Costa, O Procedimento de Injunção em Matéria de Arrendamento, Almedina, 2022,  pág. 12.
[6] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9/9/2021, proferido no processo nº2149/19.7YLPRT.L1-6, acessível em www.dgsi.pt.