Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1886/11.9JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOAQUIM GOMES
Descritores: PROVA POR RECONHECIMENTO
RECONHECIMENTO DE PESSOAS
FORMALIDADES ESSENCIAIS
Nº do Documento: RP201303131886/11.9JAPRT.P1
Data do Acordão: 03/13/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: REJEITADO O RECURSO.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I – O reconhecimento de uma pessoa é uma operação procedimental de identificação que comporta uma estrutura complexa, de modo a garantir um elevado grau de atendibilidade dessa identificação pessoal e, por outro lado, a desprender a mesma de influências sugestivas que podem viciar a sua integridade.
II - Trata-se de um meio de prova formalmente vinculado, havendo que distinguir as formalidades essenciais ou primárias, cuja preterição levam à inutilização desse meio de prova (147.°, n.° 7 do CPP), daquelas outras que são não essenciais ou secundárias e que, por isso, se reconduzem a meras irregularidades (123.°, n.° 3 do CPP).
III – Há três modalidades de reconhecimento: a) a descritiva (n.° 1); b) a presencial, mediante confronto directo (n.° 2) ou indirecto (n.° 3); e c) a documental (n.° 5).
IV – O reconhecimento presencial assenta em três formalidades essenciais, que são: (i) a presença de mais duas pessoas do que a pessoa a reconhecer no painel de identificação; (ii) a existência de maiores semelhanças possíveis entre aquelas e esta última; (iii) a colocação de todas elas numa situação de paridade.
V – A exigência das “maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário”, não significa uma completa homogeneidade física ou mesmo uma completa parecença, porquanto isso seria completamente impossível ou de muito difícil exequibilidade.
VI – Há, no entanto, com vista a salvaguardar a autenticidade do reconhecimento pessoal, que fazer duas exigências essenciais: (i) A primeira é que entre os participantes no reconhecimento não existam assimetrias acentuadas, mormente em razão do género, da raça e mesmo da sua aparência externa, como seja em relação ao vestuário, que viciem esse reconhecimento presencial. (ii) A segunda é que não sejam criadas ou induzidas circunstâncias, tanto no início como no decurso do reconhecimento, que possam falsear essa identificação individual.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 1886/11.9JAPRT.P1
Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjunta: Paula Guerreiro.
Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.- RELATÓRIO

1. No PCC n.º 1886/11.9JAPRT da 2.ª Vara Criminal da Comarca do Porto, em que são:

Recorrente/arguido: B…..

Recorrido: Ministério Público.

foi o primeiro arguido condenado, entre outras coisas, por acórdão de 2012/Nov./14, a fls. 604-615, pela prática, como autor material, de um crime de roubo p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1 e 2 al. b) do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão.
2. O arguido interpôs recurso por fax expedido em 2012/Dez./17 a fls.618 e ss. pedindo a revogação daquela sentença e a sua absolvição, concluindo e muito resumidamente que:
1.º) O arguido não se conforma com a sua condenação, porquanto existe erro na apreciação da prova (410.º, n.º 2, al. c) C. P. Penal), valoração de prova proibida, nos termos do artigo 147.º C. P. Penal, bem como insuficiência da prova produzida na sustentação da matéria de facto considerada provada, impondo, por isso, a reapreciação da prova que foi produzida (1-3);
2.º) Existem contradições nos depoimentos das testemunhas C…. e D…. quanto ao modo como se realizou o reconhecimento presencial do arguido no decurso do inquérito, que segundo aquela integravam pessoas fisicamente distintas e de acordo com o segundo seriam semelhantes, não tendo, por isso, sido observadas as formalidades imposta pelo artigo 147.º do C. P. Penal para o reconhecimento das pessoas, pelo não pode ser utilizado como meio de prova, o mesmo sucedendo com aquele outro efectuado na audiência de julgamento (4-8; 13-22)
3.º) Tais contradições fragilizam os depoimentos destas duas testemunhas, motivo mais que suficiente para se colocar em causa a credibilidade e a fiabilidade dos seus depoimentos (9-12)
4.º) Tanto mais a testemunha C….., aquando do sucedido estava em estado de choque, tendo ficado em pânico, para além do seu ângulo de visão em relação ao agente se ter centrado na cintura deste (23-29);
5.º) Da demais prova produzida também não é possível concluir que o arguido tenha sido o autor material do crime de roubo aqui em causa, nomeadamente pela utilização do telemóvel da ofendida, bem como na sequência do depoimento da testemunha E…. ou mediante a utilização do cartão SIM da rede daquele mesmo telemóvel (30-38);
6.º) O tribunal olvidou que as declarações do arguido são consistentes com os documentos juntos aos autos e que o depoimento daquela testemunha foi contrariado pelas testemunhas F…. e G…., no sentido de que o arguido apenas utilizou o telemóvel da ofendida apenas durante um único dia, bem como que o cartão SIM 966540592 associado a esse telemóvel foi utilizado no mesmo dia do roubo, cerca de três horas depois deste, não tendo sido identificado o seu utilizador nem que tal cartão seja do arguido (39-52);
7.º) Através do depoimento da testemunha H….. que o arguido nunca se dirigiu à sua oficina com outra viatura para ver se a mesma teria peças compatíveis com a sua própria viatura, a qual estava avariada à espera de arranjo, não tendo sido encontrado na sua viatura peças do veículo roubado, tendo desconsiderado três vestígios digitais e dois vestígios palmares, para além da testemunha F….. ter dito que na ocasião do roubo esteve com o arguido (53-60);
8.º) O arguido tem mudado o seu estilo de vida, tendo-se afastado da prática de actos ilícitos, tendo feito tratamento de desintoxicação e conseguido abandonar a dependência do consumo de estupefacientes, tendo um novo relacionamento amoroso, o que lhe traz estabilidade e outras perspectivas de vida, tendo tido uma total cooperação no âmbito do presente processo (61-66)
3. O Ministério Público respondeu em 2013/Jan./04 a fls. 690-705 pugnando que o recurso não merece provimento, porquanto e em suma:
1.º) O recorrente limita-se a pôr em causa o processo lógico-dedutivo que conduziu à convicção do tribunal, contrapondo a sua versão dos factos àquela que foi a apreciação da prova efectuada pelo colectivo de juízes, segundo as regras da experiência e da sua livre convicção;
2.º) O recorrente limita-se a tecer considerações quanto à prova e como esta devia ser interpretada.
4. Recebidos os autos nesta Relação, onde foram registados em 2013/Jan./14, e indo com vista ao Ministério Público foi por este emitido parecer em 2013/Jan./17 a fls. 714-717, concluindo pela improcedência do recurso, mas donde se extraem as seguintes conclusões:
1.ª) No que respeita à apreciação e valoração da prova testemunhal e documental produzida, analisada a motivação verifica-se que o recorrente põe em causa a decisão, questionando a credibilidade conferida ao depoimento das testemunhas indicadas pela acusação, a ofendida, o agente da PJ e outras testemunhas, conferindo ele próprio relevância ao seu depoimento e ao das testemunhas de defesa, sua companheira e colega de trabalho, bem como em ralação às informações fornecidas pela Vodafone e pela TMN, mas partindo exclusivamente de uma leitura pessoal das mesmas;
2.ª) A prova por reconhecimento, mais precisamente o “auto de reconhecimento de pessoas” levado a efeito em 15 de Março de 2012, no decurso do inquérito e constante a fls. 97/99, foi realizado com a observância das formalidades legais previstas no artigo 147.º do Código de Processo Penal, não tendo o arguido suscitado qualquer anomalia em relação à mesma, só o fazendo em sede de recurso;
3.ª) Não se questiona, evidentemente, que o recorrente possa discutir a convicção que o tribunal formou quanto à prova, mas no caso em apreço a prova produzida e examinada em audiência não impõe uma decisão diversa da proferida, não se vislumbrando nenhuma razão para se introduzir qualquer alteração da decisão da 1.ª instância.
5. O arguido replicou em 2013/Fev./06 a fls. 720-724, sustentando que no seu recurso apresenta factos objectivos que impõem a revogação da decisão recorrida, tendo nas suas alegações finais suscitado a referida “anomalia” na composição do painel aquando do reconhecimento presencial, referindo ainda ser falso que a testemunha I…. tenha efectuado uma descrição do autor do crime em análise nos presentes autos coincidente com a efectuada pela ofendida, para além de que os resultados lofoscópicos efectuados às impressões deixadas pelo autor do crime não se limitaram a ser inconclusivas, mas que as mesmas não correspondiam à do arguido.
6. Colheram-se os vistos legais, nada obstando que se conheça do mérito do presente recurso, muito embora e previamente se deva apreciar o sentido da impugnação que o mesmo faz em relação às suas condições pessoais.
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a) Das condições pessoais do arguido e do seu interesse em agir em recurso
Os direitos fundamentais, os quais estão constitucionalmente vertidos, assim como aqueles que se encontram assimilados através dos tratados internacionais a que estamos vinculados e que, por isso, integram igualmente o nosso ordenamento jurídico (8.º, n.º 1, 16.º, n.º 1 Constituição), não consagram expressamente e através de uma norma específica um direito geral ao recurso em relação a toda e qualquer decisão judicial.
No entanto tem sido comum encontrar esse direito ao recurso a partir do direito fundamental e constitucional de acesso ao direito e de tutela jurisdicional efectiva, que na nossa Constituição tem uma consagração unívoca, como decorre do seu artigo 20.º. Para o efeito constata-se que a plenitude do acesso ao direito e da obtenção de uma tutela efectiva só tem relevância se esta compreender o direito ao recurso, enquanto uma das manifestações do princípio “pro actione”, não na vertente de acesso à jurisdição (fase inicial), mas de acesso às sucessivas instâncias (fase posterior).
Trata-se, no entanto, de um direito fundamental de configuração legal, na medida em que se deixa para as leis processuais a tramitação do regime de recursos. Uma das excepções centra-se no direito ao recurso enquanto uma das garantias de defesa em processo penal, possibilitando que o condenado impugne a declaração da sua culpabilidade e a condenação numa reacção penal (32.º, n.º 1 da Constituição). Outra excepção será quando as restrições em recorrer representarem uma vulnerabilidade ostensiva desse direito, por corresponderem a uma violação do direito a uma tutela jurisdicional efectiva.
No entanto a admissibilidade e a tramitação desse recurso é deixada à lei adjectiva penal, que no caso passa pelo Código de Processo Penal[1]. Assim e de acordo com os seus princípios gerais (399.º a 404.º), os recursos correspondem a um meio processual mediante o qual se submete uma resolução judicial, mais precisamente o seu “thema decidendi”, a uma reapreciação jurisdicional com vista à sua à sua correcção ou mesmo revisão. Daí que os mesmos despoletem uma nova fase judicial decisória em relação a uma fase judicial pretérita, em virtude de uma das partes ter manifestado uma pretensão impugnatória dirigida à primeira resolução judicial, de modo a tirar, em seu proveito, um efeito jurídico.
Por sua vez, a concepção legal de recurso, como é tradição no nosso sistema processual penal, como se evidencia no artigo 412.º, corresponde a uma visão limitada do recurso, sujeita ao impulso do recorrente e ao objecto que este pretende impugnar, surgindo, por isso, como uma autêntica “revisio prioris instantiae”. Daí que o objecto do recurso seja sempre dirigido à decisão impugnada, partindo-se da mesma matéria de facto e de direito, ainda que com carácter excepcional possam surgir novos meios de prova ou então a renovação destes.
No entanto, e, em regra, o conhecimento do recurso encontra-se limitado às suas conclusões, estabelecendo-se, para o efeito, no citado artigo 412.º, um autêntico ónus de impugnação recursiva, sendo a partir das mesmas que se centram as razões do correspondente pedido de impugnatório de revisão.
Por outro lado, só tem interesse em fazê-lo (interesse em agir) caso essa pretensão de recurso vise obter consequências favoráveis para quem recorre. Está assim vedado aos recursos estatuir questões meramente académicas, sem qualquer relevância ou consequências jurídico-penais ao nível da relação processual e ao mérito da decisão.
Nesta conformidade e em regra, o recurso surge essencialmente como um meio específico de impugnação de uma decisão judicial anterior (1), mediante o reexame da matéria, de facto ou de direito, apreciada pela decisão recorrida (2), que culmina com uma pretensão recursória declarativa, mediante a anulação, revogação ou alteração do que foi decidido, traduzindo-se numa consequência jurídico-material (3).
Assim e segundo o artigo 401.º, n.º 1, “Não pode recorrer quem não tiver interesse em agir”, considerando-se como tal o proveito pessoal ou funcional decorrente da procedência do recurso, através da obtenção de uma utilidade directa e efectiva (Ac. TRPorto 2007/Jan./24, acedido em www.dgsi.pt). Concretizando esse interesse em agir, já se decidiu nesta Relação que “O Ministério Público não tem interesse em agir, se recorre da sentença que condenou o arguido pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez apenas com vista à correcção do valor da alcoolemia, não apresentando qualquer pretensão em sede de direito.” (Ac.TRPorto de 2008/Jun./06, acessível em www.dgsi.pt).
No caso em apreço o pedido recursivo do arguido passa única e exclusivamente pela sua absolvição, pois diz que “face aos concretos fundamentos invocados, deverá ser dado provimento ao presente recurso, e por via dele, ser revogada a sentença condenatória, sendo o Arguido absolvido e posto em liberdade”. Assim, quando o mesmo se reporta às suas condições pessoais nos pontos 99 a 124 da sua motivação, considerando errado que o tribunal “a quo” tenha efectuado um juízo de desvalor quanto à sua personalidade, “impondo-se outras conclusões dos depoimentos prestados em sede de audiência e supra mencionados”, o mesmo não retira daí qualquer consequência jurídico-penal. Diverge da racionalidade do julgador, mas não extrai qualquer efeito prático, seja em sede de declaração de culpabilidade, seja quanto à sua condenação.
Daí que o recurso não seja admissível neste preciso segmento, por falta de interesse em agir por parte do arguido recorrente, impondo-se a sua rejeição e consequente sancionamento (420.º, n.º 3).
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O objecto do recurso passa pela validade do reconhecimento presencial (a) e o reexame da matéria de facto (b).
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II. FUNDAMENTAÇÃO
1- O acórdão recorrido
Na parte que aqui releva, transcrevem-se as seguintes passagens:
B) Factos Provados
Da instrução e discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
Da acusação
1. O arguido é funcionário da Câmara Municipal do Porto, onde tem a categoria profissional de cantoneiro, a que essencialmente correspondem funções de varredor de rua, sendo que, desde data incerta de 2010, a sua área de actuação era a denominada “Zona 2”, que abarca as áreas da Campanha, Constituição e Carvalhido.
2. Nesta área do Carvalhido está incluída a denominada área dos “Combatentes”, que, por sua vez, abrange a rua Costa Cabral, bem como a rua do …., onde a ofendida C….. tem residência fixa, mais concretamente no n°…, ….° esquerdo, Porto.
3. A ofendida C….. trabalha por turnos, fazendo com frequência o turno da noite, que termina à meia noite, altura em que regressa à sua residência naquela morada, utilizando – até ao dia 14.10.2011 - para se deslocar no seu dia-a-dia, especialmente de casa para o trabalho e vice-versa, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca “Wolkswagen”, modelo “Polo”, de cor cinza metalizado, com a matrícula ..-..-XN, que geralmente, após o turno da noite, estacionava na via pública à porta de casa.
4. O arguido, é proprietário de um veículo da mesma marca - “Wolkswagen” e modelo “Polo” -, com a matrícula ..-..-FZ, o qual se encontrava parado por problemas ao nível do motor, e que carecia da substituição de peças.
5. Cerca das 00h20 do dia 14 de Outubro de 2011, o arguido encontrava-se nas imediações da residência da ofendida C….., na rua do ….;
6. Quando a ofendida regressou a casa, cerca da 00h20, e estacionou o aludido veículo com a matrícula ..-..-XN nas proximidades da entrada da sua casa e quando já se encontrava parada e acabava de colocar um tapa sol sob o vidro da frente, preparando-se para sair da viatura, o arguido abeirou-se da mesma e, empunhando um objecto com a aparência de uma arma de fogo, que apontou à mesma, disse-lhe «Sai daí! Deixa ficar tudo», o que esta, surpreendida e intimidada com aquela actuação, para mais a uma hora em que não se encontrava ninguém na rua, acatou, impossibilitada que estava de oferecer qualquer espécie de resistência.
7. Acto sucessivo, o arguido introduziu-se no interior da aludida viatura, com o valor aproximado de € 5.000,00, atirou para o exterior da mesma o referido tapa sol, bem como um porta-chaves e uma caixa com uns óculos, após o que abandonou o local ao volante da mesma, conduzindo-a para local desconhecido, tendo-lhe, posteriormente, dado destino igualmente não apurado, tal como aos demais objectos que se encontravam no seu interior, a saber:
• toda a documentação referente à viatura;
• uma bolsa de ganga da marca ‘Salsa”, com alças cm pele castanha, avaliada em cerca de € 80,00;
• os documentos pessoais da ofendida C….., tais como carta de condução, cartão de cidadão, vários cartões de loja, um cartão de débito do “Millennium-BCP”;
• um perfume de marca ‘Noa”, avaliado em cerca de €40,00;
• uma aliança em ouro branco com pedras incrustadas, contendo a gravação J….. 20-03-2009”, no valor de, pelo menos, €300.00;
• um lápis de pintar os olhos da marca “Yves Saint Laureni”, no valor de €20,00;
• dois batons das marcas Chanel” e “Guerlain”, no valor de € 60,00;
• um porta moedas da marca “Mango”, com um amuleto, no valor de €10,00;
• uma carteira da marca “Cachorrinho”, no valor de pelo menos, €90,00;
• um telemóvel da marca “LG”, modelo “Cook”. dc cor preta com o IMEI 353821030990447, no valor de, pelo menos, €50,00;
• um auto-rádio, de marca, modelo e valor não concretamente apurados;
• uma camisa da marca “Salsa”, de cor preta, tamanho “M”. avaliada em cerca de €60,00, e,
• cerca de €20,00 em notas e moedas do BCE.
8. Tudo, veículo incluído, no valor aproximado de € 5.730,00.
9. O telemóvel acima referido, de que o arguido se apoderou, com o IMEI 353821030990447, foi pelo mesmo utilizado numa ocasião no dia 15 de Novembro de 2011, que, para o efeito, lhe inseriu o seu cartão de acesso 917622439.
10. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente com o propósito concretizado de fazer seu o aludido veículo com a matrícula ..-..-XN, bem como todos os objectos contidos no seu interior, que sabia não lhe pertencerem, fazendo para o efeito intimidatório uso de ameaça com utilização quer da força física, quer de um objecto com a aparência de uma arma de fogo, além de se aproveitar do efeito surpresa e da calada da noite, processo que procurou e sabia ser adequado e idóneo, por um lado, a afastar qualquer espécie de resistência por parte da C....., e, por outro, por via disso, a alcançar aquela finalidade. Tinha consciência da censurabilidade desse seu comportamento, bem sabendo que o mesmo lhe era vedado por lei e que agia contra a vontade da C......
B
11. Por factos praticados em 26/11/2010, integradores do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292° n°1 e 69° n° 1, al. A). Ambos do Código Penal, o arguido foi condenado no processo sumário n° 66/10.5GTSJM do 3° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, por sentença proferida em 03/12/20 10, transitado em julgado em 14/07/2011, na pena de seis meses de prisão efectiva, a cumprir em dias livres mediante a privação de liberdade por 36 períodos correspondentes a fins de semana, tendocada período a duração de 36 horas, das 21 horas de sexta-feira às 9h do domingo subsequente. Cujo cumprimento se encontra a decorrer.
12. Os factos referidos sob o item A desta peça acusatória, foram praticados pelo arguido depois daquela condenação no aludido processo n.° 66/10.5GTSJM, o que, atento o circunstancialismo descrito em A, demonstra não só que o mesmo, censuravelmente, continua ligado ao mundo do crime como ainda que aquela condenação e execução da respectiva pena de prisão ali aplicada não se revelou suficiente para o afastar da criminalidade em geral.

Das condições pessoais do arguido
13. O processo de crescimento e socialização do B….. decorreu junto do agregado de origem (pais e uma irmã mais velha), onde ressaltavam os hábitos de trabalho dos pais, assim como o esforço dos mesmos em assegurar estratégias educativas marcadas pela transmissão de regras e valores socialmente aceites, sem problemáticas disfuncionais.
14. A inserção escolar decorreu em idade própria, abandonando o sistema de ensino, com cerca de 15/16 anos, após conclusão do 6° ano, iniciando percurso profissional, registando experiências diversificadas, acabando por em 1999 integrar os serviços de jardinagem da C. M. do Porto, actividade que manteve até Março de 2007, data da sua primeira reclusão.
15. Dependente do consumo de estupefacientes de grande poder aditivo, com início na adolescência, facto que originou conflitos entre os pais e o arguido.
16. Efectuou várias tentativas de tratamento, mas nunca conseguiu concretizar um afastamento consistente, motivo pelo qual a conflituosidade com a família se agravou, acabando por abandonar o núcleo familiar, em 2006, passando então a viver como sem-abrigo.
17. Manteve de 2000 a 2004 uma relação de facto, da qual nasceu um descendente, actualmente com 10 anos.
18. Após a sua libertação em Dezembro de 2007, alternou residência entre a habitação dos pais e de amigos, em função dos desentendimentos, que perduravam com a família de origem.
19. Chegou também a residir num quarto na cidade do Porto, custeado pela Segurança Social, trabalhando como jardineiro e comercializando ferro velho e artigos usados.
20. Na sequência dum processo disciplinar, instaurado pelos serviços da C. M. do Porto, foi-lhe aplicada a medida de suspensão de funções sem retribuição pelo período de 1 ano, (11/2007 a 11/2008), colmatando a ausência de vencimento com o exercício de tarefas na área da jardinagem numa empresa privada. Reiniciou em Janeiro de 2010, as funções de assistente operacional na Câmara Municipal do Porto.
21. À data dos factos dos autos mantinha enquadramento laboral na C. M. do ….. e vivência com a actual companheira. No início da relação, há cerca de 3 anos e durante 2 anos, o casal viveu junto dos pais da companheira, em Gondomar, embora num espaço anexo à habitação, que lhes proporcionava a necessária independência e privacidade. Em Nov/2011 arrendaram o seu próprio espaço habitacional, sito na …., no Porto.
22. A situação económica do casal embora modesta era considerada adequada às despesas com a manutenção da casa, €400 de renda, e com a subsistência do casal, situação assegurada com recurso aos rendimentos auferidos pelo arguido e companheira, num total de €969, embora ocorressem alguns períodos de maior instabilidade, dada a irregularidade laboral da companheira, a desempenhar tarefas, nomeadamente na área da restauração por períodos curtos de tempo.
23. Relativamente à sua problemática aditiva, o arguido após um período de ausência às consultas especializadas no CRI Central, retomou as mesmas em Março de 2010 que voltou a abandonar dois meses depois. Apesar do acompanhamento e sensibilização por parte destes serviços da DGRS, no âmbito do acompanhamento do arguido durante execução de medidas na comunidade, o mesmo registou irregularidade na comparência ao CRI, denotando reduzido investimento e motivação para a prossecução deste tipo de acompanhamento especializado, mantendo consumos regulares de haxixe e ocasionais de álcool em excesso, não os problematizando.
24. No EP do Porto onde se encontra desde 16/03/2012, o arguido mantém proximidade relacional com elementos significativos de suporte, com recurso a visitas regulares da actual companheira e da irmã.
25. Quanto projecto de futuro em liberdade, manifesta alguma indecisão e inconsistência, designadamente ao nível laboral, alegando não saber da possibilidade de continuar a desempenhar as anteriores funções, assim como relativamente ao seu enquadramento habitacional e familiar, já que a companheira, na sequência da reclusão daquele, e por falta de condições económicas foi obrigada a entregar a casa ao senhorio e regressar a casa da sua família de origem.
26. O arguido já sofreu múltiplas condenações por diversos tipos legais de crime, designadamente de Resistência e coacção, Roubo, ofensas corporais e sequestro..
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Não se provaram quaisquer outros factos susceptíveis de influir na decisão da causa, e designadamente, não se provou:
- que o arguido tomasse conhecimento previamente à ocorrência dos factos que o veículo da marca “Wolkswagen” e modelo “Polo” com a matrícula ..-..-XN, propriedade da ofendida C..... se encontrasse em regra estacionado no local onde ocorreu o assalto e que conhecesse as rotinas da sua proprietária, a ofendida C.....;
- que o arguido conhecesse o horário de trabalho da ofendida e aguardasse que aquela terminasse o turno da noite para a assaltar;
- que o veículo da ofendida valesse €5.200,00.
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C) Motivação
O Tribunal fundou a sua convicção sobre a veracidade dos factos apurados, analisando e valorando os seguintes meios de prova:
1. Declarações do arguido na parte em que confessou o desempenho de funções na Câmara Municipal do … como varredor de rua (facto 1º da matéria de facto apurada) e que é proprietário de um veículo marca “Volkswagen”, modelo “Pólo” com a matrícula ..-..-FZ, o qual se encontrava parado por necessitar de reparação e substituição de peças (facto descrito sob o nº4 da matéria de facto apurada). Confessou também que manteve o telemóvel da ofendida na sua posse durante cerca 12 a 14 horas e que lhe colocou o seu cartão de telemóvel com o qual efectuou algumas chamadas. Deu como explicação para ter mantido a posse daquele telemóvel durante aquele período de tempo, a circunstância a de necessitar de um novo telemóvel e ter proposto a aquisição do mesmo ao seu amigo E…. (também testemunha no âmbito dos presentes autos), que lho entregou. O arguido manteve a posse do mesmo durante o referido tempo mas, como não se adaptou ao mesmo, decidiu devolvê-lo. Esta versão do arguido mostrou-se inverosímil e, de resto, ouvido o referido E…. como testemunha de acusação, negou de forma convincente e segura que algum dia fosse proprietário de um telemóvel da marca “LG” e que em nenhuma ocasião vendeu ou tentou vender ao arguido um telemóvel fosse de que marca fosse.
2. Depoimento seguro, coerente e convincente da testemunha de acusação K….. (que sem revelar qualquer dúvida ou hesitação, reconheceu o arguido como sendo o autor do roubo que a vitimou; descreveu de forma coerente e no essencial coincidente com a descrita na acusação, a dinâmica do roubo de que foi vítima; enunciou de forma que se mostrou criteriosa e sem exageros os valores dos bens de que foi desapossada);
3. Também os depoimentos das demais testemunhas de acusação D…. (Inspector da P.J. que dirigiu a investigação; referiu a generalidade dos actos investigatórios praticados, designadamente que o veículo circulou após os factos pela A 42, fazendo o percurso similar a outros veículos que são roubados em idênticas circunstâncias, sendo do conhecimento da P.J. que é a direcção de um receptador deste tipo de veículos; tal detecção apenas foi possível por localização celular uma vez que o telemóvel da ofendida estava ligado), I….. (que naquela noite se encontrava a guardar um estabelecimento existente nas proximidades da casa da ofendida. Viu uma pessoa que procurava ocultar-se por trás de uma viatura; pouco depois começou a correr e viu depois um veículo a arrancar a grande velocidade. Pouco depois, a ofendida dirrigiu-se-lhe procurando ajuda e o depoente telefonou para a P.S.P.; descreve o refertido indivíduo apenas como aparentando ter entre os 30 e os 40 anos de idade), H….. (mecânico auto que procedeu à reparação de um veículo do arguido e que aquele demorou a efectuar o pagamento; posteriormente foi contactado pelo arguido para efectuar a reparação de outro veículo e, porque exigiu o pagamento adiantado, não chegou a concretizar a reparação), E….. (que referiu os factos já supra exposto, fazendo-o de forma segura e convincente), L….. (encarregado de serviços da C.M. …., superior hierárquico do arguido que descreveu as competências do mesmo e respectivas áreas de actuação, de forma no essencial coincidente com a descrita na acusação).
4. Também a notificação de fls. 43 e descrição de infracção de fls. 44 dirigidas à ofendida exigindo o pagamento de da taxa de portagem do seu veículo no 21.10.2011, quando aquele já lhe havia sido roubado e, ainda, a informação de fls. 67 e 68 prestada pela Vodafone.
5. Ainda o relatório social sobre as condições pessoais de vida do arguido (conjugado com os depoimentos das testemunhas de defesa) e o CRC também junto aos autos sobre os antecedentes criminais.
Sobre os factos não provados não se fez prova bastante.
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2. Fundamentos do recurso
a) O reconhecimento pessoal
O Código Processo Penal estipula no seu artigo 379.º, n.º 1, al. c) que “É nula a sentença: Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”[2]. Esta nulidade encontra-se relacionada com o objecto do processo, seja ao nível do “thema probandum”, seja ao nível do “thema decidendum”, e os poderes de cognição do tribunal, que se encontram vinculados à acusação e à defesa, bem como ao conhecimento oficioso que é imposto ao tribunal (340.º, 365.º, n.º 2, 368.º, 369.º).
Por sua vez, o regime de proibições de prova no âmbito do processo penal está sujeito às directrizes constitucionais e ao regime legal estabelecido no Código de Processo Penal. Daquelas salienta-se, desde logo, as garantias de defesa enunciadas no artigo 32.º, n.º 8 da Constituição, segundo o qual “São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”. Das segundas ressalta do artigo 125.º o princípio da legalidade das provas, segundo o qual só “São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei” enunciando-se de seguida no subsequente artigo 126.º quais são os métodos proibidos de prova, catalogando as mesmas como nulas, havendo ainda as disposições específicas que disciplinam a obtenção dos meios de prova.
Por outro lado, a prova realizada na audiência de julgamento está sujeita ao regime do contraditório (355.º), não só como decorrência das garantias de defesa (32.º, n.º 5 Constituição), mas também como uma das dimensões exigidas pelo direito a um processo equitativo (20.º, n.º 4 Constituição; 10.º, DUDH; n.º 14.º, n.º 1 PIDCP; 6.º, n.º 1 CEDH; 47.º § 2 CDFUE).
Deste bloco normativo, podemos desde logo assentar que a realização da justiça penal num Estado de Direito Democrático assenta no respeito e na garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos, mormente na preservação da sua dignidade humana. Para o efeito, o Código de Processo Penal instituiu o regime da legalidade da prova, enquanto “imperativo de integridade judiciária”, o qual tanto versa sobre os meios de prova (título ii), considerando-se como tal os elementos que servem para formar a convicção relativamente aos factos sujeitos a julgamento, como incide sobre os meios de obtenção de prova (título iii), os quais dizem respeito aos instrumentos de que se servem as autoridades judiciárias para investigar e recolher a prova. Tal regime vem assim comprimir o princípio da livre apreciação da prova decorrente do artigo 127.º, estabelecendo as correspondentes proibições de produção ou de valoração de prova.
Por outro lado e como segunda conclusão, tratando-se de prova proibida, a mesma deve ser oficiosamente conhecida e declarada em qualquer fase do processo, surgindo como autênticas nulidades insanáveis, a par daquelas que expressamente integram o catálogo do artigo 119.º.
A prova por reconhecimento de pessoas encontra-se regulada no artigo 147.º, aí se estabelecendo no seu n.º 1 que “Quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa, solicita-se à pessoa que deva fazer a identificação que a descreva, com indicação de todos os pormenores de que se recorda. Em seguida, é-lhe perguntado se já a tinha visto antes e em que condições. Por último, é interrogada sobre outras circunstâncias que possam influir na credibilidade da identificação”.
Mas, como se acrescenta no seu n.º 2, “Se a identificação não for cabal, afasta-se quem dever proceder a ela e chamam-se pelo menos duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário, com a pessoa a identificar. Esta última é colocada ao lado delas, devendo, se possível, apresentar-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que procede ao reconhecimento. Esta é então chamada e perguntada sobre se reconhece algum dos presentes e, em caso afirmativo, qual”.
Por sua vez, a Revisão decorrente da Lei n.º 48/2007, de 29/Ago., que entrou em vigor a 15 de Setembro desse ano, veio alterar de forma relevante a regulação do reconhecimento de pessoas. Desde logo aditou-se a possibilidade da junção aos autos, das fotografias das pessoas que intervieram no processo de reconhecimento (147.º, n.º 49, bem como das pessoas que não tiverem sido reconhecidas (174.º, n.º 6), se para isso as mesmas consentirem – o mesmo se passará com os filmes ou gravações daqueles que também não foram reconhecidos. Por sua vez, “O reconhecimento por fotografia, filme ou gravação realizado no âmbito da investigação criminal só pode valer como meio de prova quando for seguido de reconhecimento efectuado nos termos do n.º 2” (147.º, n.º 5). Por último, “O reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer” (147.º, n.º 7).
Como resulta do que ficou enunciado, o reconhecimento de uma pessoa é uma operação procedimental de identificação que comporta uma estrutura complexa, de modo a garantir um elevado grau de atendibilidade dessa identificação pessoal e, por outro lado, a desprender a mesma de influências sugestivas que podem viciar a sua integridade. Trata-se de um meio de prova formalmente vinculado, porquanto a inobservância das respectivas formalidades essenciais do reconhecimento pessoal conduzem à sua indisponibilidade probatória, tendo as mesmas consequências que a prova proibida. Resta agora saber quais são essas formalidades essenciais na perspectiva de assegurar as garantias de defesa.

Para o efeito este meio prova, mediante o qual uma pessoa é chamada a identificar uma outra, encontra-se regulado de modo a comportar três modalidades de reconhecimento: a) a descritiva (n.º 1); b) a presencial, mediante confronto directo (n.º 2) ou indirecto (n.º 3); c) a documental (n.º 5), entendida esta como um meio técnico que tanto pode abranger a fotografia, o filme ou a gravação – a definição legal de documento encontra-se no artigo 255.º, n.º 1, al. a) do Código Penal. Trata-se de um meio de prova formalmente vinculado, porquanto a inobservância das respectivas formalidades essenciais do reconhecimento pessoal conduzem à sua indisponibilidade probatória, tendo as mesmas consequências que a prova proibida. Resta agora saber quais são essas formalidades essenciais na perspectiva de assegurar as garantias de defesa.
Foi sempre acolhido no regime do reconhecimento de pessoas a existência das suas três modalidades, acrescentando-se com a Revisão de 2007 que todos os procedimentos aí contemplados valem para qualquer fase processual. Isto significa que se optou claramente pelo posicionamento seguido pelo Tribunal Constitucional no seu Ac. n.º 137/2001, de 28/Mar. – aqui decidiu-se “Julgar inconstitucional, por violação das garantias de defesa do arguido, consagradas no nº 1 do artigo 32º da Constituição, a norma constante do artigo 127º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de admitir que o princípio da livre apreciação da prova permite a valoração, em julgamento, de um reconhecimento do arguido realizado sem a observância de nenhuma das regras definidas pelo artigo 147º do Código de Processo Penal”. Assim, o sentido primordial da Revisão de 2007 foi, sem sombra de dúvidas, afastar qualquer possível entendimento contrário, segundo o qual o formalismo contido no instituto do reconhecimento pessoal, na sua modalidade presencial, encontrava-se excluído da fase de julgamento, como era posição praticamente unânime do STJ (ac. 1994/Set./22, 1996/Fev./01, 1996/Out./02, 2000/Mai./11, 2003/Mai./28, in respectivamente BMJ 439/448, CJ (S) I/198; BMJ 460/534; 497/293; CJ (S) II/194). Nesta conformidade, aquilo que antes se designava por reconhecimentos presencial de pessoas atípicos ou informais ocorridos no decurso de julgamento, passa a estar sujeito ao mesmo regime legal daqueles tidos por típicos ou formais.
Por outro lado, no regime do reconhecimento pessoal presencial, temos de distinguir a existência de formalidades essenciais ou primárias, cuja preterição levam à inutilização desse meio de prova (147.º, n.º 7), daquelas outras que são não essenciais ou secundárias e que, por isso, se reconduzem a meras irregularidades (123.º, n.º 3), as quais devem ser suscitadas pelo interessado e de modo atempado (Ac. TRP de 2011/Dez./20, em www.dgsi.pt).
Como podemos constatar do regime de reconhecimento de pessoas, a modalidade de reconhecimento presencial assenta em três formalidades essenciais, que são: a presença de mais duas pessoas do que a pessoa a reconhecer no painel de identificação (i); a existência de maiores semelhanças possíveis entre aquelas e esta última (ii); a colocação de todas elas numa situação de paridade (iii).
No entanto, a exigência das “maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário”, não significa uma completa homogeneidade física ou mesmo uma completa parecença, porquanto isso seria completamente impossível ou mesmo de difícil exequibilidade. De tal modo que já se decidiu que “A semelhança dos indivíduos sujeitos ao acto de identificação não é um requisito essencial da validade do acto, pois o que se pede é que as pessoas (duas, pelo menos) que se chamam ao acto apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive no vestuário, com a pessoa a identificar” (Ac. STJ de 2007/Mar./15, www.dgsi.pt).
Assim e tentando salvaguardar a autenticidade do reconhecimento pessoal, no âmbito de um processo justo e equitativo, haverá que fazer duas exigências essenciais. A primeira é que entre os participantes no reconhecimento não existam assimetrias acentuadas, mormente em razão do género, da raça e mesmo da sua aparência externa, como seja em relação ao vestuário, que viciem esse reconhecimento presencial. A segunda é que não sejam criadas ou induzidas circunstâncias, tanto no início como no decurso desse reconhecimento, que possam falsear essa identificação individual. Em suma e tentando objectivar e concretizar os traços dessas “maiores semelhanças possíveis”, os mesmos devem corresponder àqueles que permitem uma maior correspondência em razão do género, da raça, da compleição ou da estrutura física, como também do vestuário, e que sejam naturalmente exequíveis.
No caso em apreço, não resulta do auto de reconhecimento de pessoas realizado em 2012/Mar./15, a fls. 97/98, ou seja, cerca de cinco meses depois do ocorrido assalto, quando a memória visual é mais recente, nem mesmo da transcrição do depoimento das testemunhas em causa apontadas pelo arguido, que são as testemunhas C….. e D….., que tenha havido a preterição dos enunciados requisitos essenciais no reconhecimento presencial do arguido, o qual foi identificado por aquela primeira testemunha como tendo sido o autor desse mesmo assalto. Daí que improceda este fundamento de recurso.
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b) O reexame da matéria de facto
Decorre do disposto no artigo 428.º, n.º 1 do Código Processo Penal, que as relações conhecem de facto e de direito, acrescentando-se no artigo 431.º que “Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do n.º 3, do artigo 412.º; ou c) Se tiver havido renovação da prova.”
Assim e de acordo com o precedente artigo 412.º, n.º 3, “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas”. Acrescenta-se no seu n.º 4 que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”
Por sua vez, decorre do artigo 410.º, n.º 2 que “Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras de experiência comum:” algum dos vícios adiante assinalados relativamente à insuficiência da decisão [a)], à contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão [b)] ou erro notória na apreciação da prova [c)].
Porém, o recorrente não suporta qualquer destes vícios a partir do “texto da decisão recorrida” ou conjugado com “as regras de experiência comum”, como sucede nesta possibilidade de revista alargada, mas invocando os depoimentos que transcreve ou a que faz referência. Por isso, temos que esta referência aos vícios do artigo 410.º, n.º 2 não tem por base qualquer fundamento ou suporte motivatório idóneo, resultando antes de uma incompreensão, por parte do arguido recorrente, deste instituto, confundindo-o com o reexame da matéria de facto. E isto porque os vícios do artigo 410.º, n.º 2 surgiram inicialmente com o actual Código de Processo Penal, para possibilitar a revista alargada, quando o recurso era normalmente estrito à matéria de direito, quando só posteriormente é que se veio permitir o recurso alargado à matéria de facto (Lei n.º 59/98, de 25/Ago.; Lei n.º 48/2007, de 29/Ago.). Assim sendo e atendendo ao alinhamento que o arguido deu ao seu recurso, todo ele próprio do reexame da matéria de facto, ficar-nos-emos apenas neste último e preciso fundamento recursivo.
Para se proceder à revisão da factualidade apurada em julgamento, deve o recorrente indicar os factos impugnados (i), a prova de que se pretende fazer valer (ii), identificando ainda o vício revelado pelo julgador aquando da sua motivação na livre apreciação da prova (iii). Convém, no entanto, precisar que o reexame da matéria de facto não visa a realização de um novo julgamento, mas apenas sindicar aquele que foi efectuado, despistando e sanando os eventuais erros procedimentais ou decisórios cometidos e que tenham sido devidamente suscitados em recurso (Ac. STJ de 2005/Jun./16 (Recurso n.º 1577/05) e de 2006/Jun./22 (Recurso n.º 1426/06).
Por outro lado, o recurso sobre a matéria de facto não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso de todos os elementos de prova que foram produzidos e que serviram de fundamento à sentença recorrida, mas apenas e tão-só a reapreciação da razoabilidade da convicção formada pelo tribunal “a quo”, a incidir sobre os pontos de factos impugnados e com base nas provas indicadas pelo recorrente (Ac. STJ de 2007/Jan./10). Daí que esse reexame esteja sujeito a este ónus de impugnação, sendo através do mesmo que se fixam os pontos da controvérsia e possibilita-se o seu conhecimento por esta Relação (Ac. STJ de 2006/Nov./08).
Como é sabido e muito embora, segundo o disposto no artigo 127.º, o tribunal seja livre na formação da sua convicção, existem algumas restrições legais ou condicionantes estruturais que o podem comprimir. Tais restrições existem no valor probatório dos documentos autênticos e autenticados (169.º), no efeito de caso julgado nos Pedido de Indemnização Cível (84.º), na prova pericial (163.º) e na confissão integral sem reservas (344.º). Aquelas condicionantes assentam no princípio da legalidade da prova (32.º, n.º 8 Constituição; 125.º e 126.º) e no princípio “in dubio pro reo”, enquanto emanação da garantia constitucional da presunção de inocência (32.º, n.º 2, Constituição; 11.º, n.º 1 DUDH[3]; 6.º, n.º 2 da CEDH[4]].
Por tudo isto, este princípio da livre apreciação das provas não tem carácter arbitrário nem se circunscreve a meras impressões criadas no espírito do julgador, estando antes vinculado às regras da experiência e da lógica comum, bem como às provas que não estão subtraídas a esse juízo, sendo imprescindível que este seja motivado, estando ainda sujeito aos princípios estruturantes do processo penal, como o da legalidade das provas e “in dubio pro reo”. Este último, enquanto emanação da injunção constitucional da presunção da inocência do arguido, na vertente de prova (32.º, n.º 2 Constituição), inculca que o ónus probatório cabe a quem acusa e que em caso de dúvida, séria e razoável, relativamente aos factos que consubstanciam a prática de um crime por parte do arguido, deve tal incerteza ser resolvida a favor deste.
Assim e para além da violação daquelas restrições legais ou das apontadas condicionantes estruturais, o juízo decisório da matéria de facto só é susceptível de ser alterado, em sede de recurso, quando a racionalidade do julgamento da matéria de facto corresponda, de um modo objectivo, a um juízo desrazoável ou mesmo arbitrário da apreciação da prova produzida.
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Muito embora o recorrente não especifique concretamente, os factos que o mesmo impugna consistem na sua autoria dos factos alinhados sob os itens 5, 6, 7, partindo essencialmente das argumentações que a seguir se indicam e desde logo se apreciam.
A primeira resultaria das contradições reveladas pelos depoimentos das testemunhas C….. e D….. quando ao modo como decorreu o reconhecimento presencial, que prejudicam a credibilidade e a fiabilidade dos seus depoimentos, bem como que aquela testemunha ficou em estado de choque e pânico quanto ao sucedido, pelo que não poderia ter uma revelação coerente do sucedido.
Ora o depoimento destas duas testemunhas é distinto na revelação do sucedido, porquanto a primeira foi vítima do assalto e a segunda investigou o mesmo, pelo que aquilo que presenciaram é naturalmente distinto, devendo ser apreciado de modo complementar. E isto quanto aos acontecimentos que rodearam o assalto, no que concerne à primeira testemunha, e à investigação desse mesmo assalto, no que diz respeito à segunda testemunha.
Por sua vez, não vemos como é que o depoimento da testemunha C….. pode ser “menorizado” só pela simples razão de ter sido vítima de uma assalto, porquanto isso seria, só por si, conferir-lhe uma “capitio deminutio” testemunhal à mesma, que pelas mesmas razões, seria extensível a qualquer vítima de um roubo, o que não é minimamente admissível nem configura qualquer razão válida para se desatender um depoimento testemunhal.
O recorrente sustenta, em segundo lugar, que da demais prova produzida também não é possível concluir que o mesmo tenha sido o autor material do crime de roubo aqui em causa, nomeadamente pela utilização do telemóvel da ofendida ou então pela versão trazida pela testemunha E…., o qual negou ter vendido ou cedido qualquer telemóvel ao arguido, que teria sido o subtraído àquela primeira testemunha e que se encontrar no interior do veículo igualmente roubado. Naturalmente, que esta afirmação desta testemunha não é suficiente para se aquilatar da veracidade da mesma, porquanto poderia ter sido o mesmo o autor do referido assalto ou então ter sido o receptador desse mesmo telemóvel. No entanto temos que conjugar esse depoimento com o prestado pela testemunha C….. e com o que ficou exarado cerca de cindo meses depois do referido assalto no mencionado auto de reconhecimento de pessoas, quando aquela identificou o arguido como tendo sido o autor do mesmo. Certo é também que a utilização do telemóvel da apontada vítima do assalto após este ter sido realizado nada adianta para determinar a autoria do assalto nem para excluir o arguido de ter sido o seu autor, tratando-se de um meio de obtenção de prova inconclusivo ou se se preferir neutro.
O recorrente invoca, em terceiro lugar, que as suas declarações são consistentes com os documentos juntos aos autos e que o depoimento da testemunha E…. foi contrariado pela versão das testemunhas F….. e G….., no sentido de que o arguido apenas utilizou o telemóvel da ofendida apenas durante um único dia, bem como que o cartão SIM 966540592 associado a esse telemóvel foi utilizado no mesmo dia do roubo, cerca de três horas depois deste, não tendo sido identificado o seu utilizador nem que tal cartão seja do arguido.
Quanto à consistência dessas declarações e à base dessa sustentabilidade, convenhamos que não encontramos qualquer elemento de prova objectivo que o possa sustentar, a não ser que se faça uma leitura descontextualizada de toda a prova que foi produzida, tendo apenas por base a recolha dos “três vestígios digitais e dois vestígios palmares que assentavam no pára-sol entregue para exame” e que estaria no carro roubado ou então o detalhe do tráfego remetido pelas operadoras TMN e Vodafone. E isto porque naquele exame, que se encontra a fls. 24/25 consta que “Efectuadas buscas nos ficheiros dactiloscópicos e quiroscópico existentes nesta Policia, verifica-se que os vestígios recolhidos não foram identificados até à presente data”. Das informações de fls. 65/66 e 67/68 das referidas operadoras telefónicas também nada resulta, mas tanto num sentido, como no outro. E isto porque a ausência de qualquer identificação daqueles exames periciais ou o registo de tráfego das comunicações telefónicas aí mencionadas, não afastam que o arguido foi identificado pela testemunha C….. ou então o depoimento da testemunha I…., que presenciou o sucedido, tendo referido que o autor do assalto era do sexo masculino e teria entre os 30 e 40 anos de idade [03:17-03:20].
Por último, sustenta que através do depoimento da testemunha H…. que o arguido nunca se dirigiu à sua oficina com outra viatura para ver se a mesma teria peças compatíveis com a sua própria viatura, a qual estava avariada à espera de arranjo, não tendo sido encontrado na sua viatura peças do veículo roubado, para além da testemunha F….. ter dito que na ocasião do roubo esteve com o arguido.
No que concerne ao depoimento da testemunha H….. o mesmo é igualmente neutro quanto à autoria do assalto. E quanto à versão trazida pela testemunha F….., companheira do arguido, quando a mesma afirma que “o B….. não saía minimamente à noite sem sair com ele” [03:07-03:21] ou então que “quando ele saía eu saía com ele” [04:10-04:15], para além deste relato ser dificilmente verosímil, pois não se vê que alguém tenha sempre que sair à noite com a pessoa com quem vive, o certo é que essa versão também não invalida que o arguido não tenha cometido o assalto em causa, pois podia muito bem a testemunha ter acompanhado o arguido nessa saída nocturna e por uma ou outra razão a ter deixado por momentos.
Por tudo, isto não temos nenhuma censura a fazer ao acórdão recorrido.
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III. DECISÃO
Nos termos e fundamentos expostos rejeita-se o recurso do arguido B….. quando o mesmo suscita a apreciação das suas condições pessoais, negando-se provimento quanto ao demais e, em consequência, confirma-se o acórdão recorrido.

Condena-se o recorrente na taxa de justiça de 5 UC e nas correspondentes custas, acrescidas da sanção de 3 UCs (420.º, n.º 3, 513.º, 514.º, do C. P. Penal).

Notifique.

Porto, 13 de Março de 2013
Joaquim Arménio Correia Gomes
Paula Cristina Passos Barradas Guerreiro
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[1] Doravante são deste diploma os artigos a que se fizer referência sem indicação expressa da sua origem.
[2] Este segmento normativo foi introduzido pela Lei n.º 59/98, de 25/Ago.
[3] Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 Dezembro de 1948.
[4] Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que foi aprovada, para ratificação, pela Lei n.º 65/78, de 13/Out.