Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
14427/22.3T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA OLÍVIA LOUREIRO
Descritores: PEDIDO RECONVENCIONAL
CONVITE À SUPRESSÃO DE IRREGULARIDADES
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Nº do Documento: RP2024052014427/22.3T8PRT.P1
Data do Acordão: 05/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULAÇÃO DA DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Tendo o réu deduzido pedido reconvencional sem cumprimento das formalidades previstas no artigo 583º, números 1 e 2 do Código de Processo Civil deve o tribunal convidá-lo a suprir tais irregularidades nos termos do artigo 590º, número 3 do Código de Processo Civil;
II - Não tendo tal convite sido feito não pode na sentença decidir-se da procedência ou improcedência desse pedido reconvencional, que não foi deduzido, tramitado e admitido expressamente e a que, portanto, a parte contrária não pôde responder em réplica, sob pena de nulidade da sentença por excesso de pronúncia.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo número 14427/22.3T8PRT.P1, Juízo Central Cível, Juiz 2

Relatora: Ana Olívia Loureiro

Primeiro adjunto:  Manuel Fernandes

Segunda adjunta: Maria Fernanda Fernandes de Almeida

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório:

1. Em 25-08-2022 A..., SL, pessoa coletiva de direito espanhol, intentou processo comum contra AA, alegando ter celebrado com esta contrato-promessa de compra e venda de fração urbana, que disse ter sido incumprido pela Ré e reclamando desta o pagamento em dobro do sinal de 30.000 €, que afirmou ter-lhe entregue, acrescido de juros de mora desde a citação e até pagamento.

Segundo alegou o incumprimento da Ré decorreu da sua não comparência, sem qualquer justificação ou resposta, no dia e hora designados para celebração da escritura de compra e venda que a Autora marcou e para a qual a interpelou.

Admite que não procedeu ao pagamento das sete prestações que as partes acordaram dever ser pagas antes celebração do contrato definitivo, a título de sinal e princípio de pagamento, num total de 700.000 €, alegando dificuldades decorrentes da situação pandémica. Todavia, afirma, a Ré nunca a interpelou para efetuar tais pagamentos, nomeadamente nos termos estabelecidos na cláusula sexta do contrato promessa, pelo que, conclui, as referidas prestações estavam apenas em mora à data em que interpelou a Ré para celebrar o contrato definitivo.

2. Citada, a Ré contestou, alegando que apenas recebeu da Autora 17.500 € a título de sinal e princípio de pagamento e que a mesma não pagou, nas datas estipuladas, as demais prestações acordadas e devidas antes da celebração do contrato definitivo tendo-se todas as seis prestações vencido antes do início da pandemia pelo que não colhe a justificação avançada na petição inicial para o seu não pagamento. Alega que interpelou a Autora para proceder aos pagamentos em falta por diversas vezes tendo-lhe a Autora enviado oito cheques em 30 de junho de 2019, que titulavam um total de 42.800 €, e que foram devolvidos por falta de provisão depois de apresentados a pagamento, com o diz ter despendido 259,42 €. Desde então, afirma, a Autora nada mais pagou nem respondeu às interpelações subsequentes da Ré, efetuadas quer diretamente à Autora quer ao seu mandatário que outorgou como procurador no contrato-promessa em análise.

Entende que foi a Autora a incumprir o contrato promessa, ao emitir cheques sem provisão e ao não proceder ao pagamento do sinal acordado, pelo que, em face do seu comportamento concluiu que a mesma não tinha capacidade nem vontade de cumprir o contrato, tendo intrepretado a sua falta de resposta e a emissão de cheques sem provisão como desinteresse definitivo pela celebração do contrato prometido. Alegou ter respondido à carta de interpelação da Autora com vista à celebração do contrato definitivo, tendo invocado o incumprimento grosseiro e definitivo da Autora e informado que faria suas as quantias recebidas a título de sinal.

Terminou pedindo:

“Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Ex.ª doutamente suprirá, deve a presente acção ser julgada improcedente por não provados os factos em que assente e, por força dessa procedência, ser a Ré absolvida do pedido formulado pela Autora.

Mais se requer, seja, ao invés, reconhecido o incumprimento contratual por parte da Autora e, consequentemente, o direito da Ré fazer suas as quantias recebidas.”.

Não autonomizou tal pedido como reconvencional e nem indicou qualquer valor para a reconvenção.

3 – A Autora apresentou, em 03-11-2022, articulado de resposta aos documentos juntos à contestação em  que impugnou o seu teor bem como o recebimento da carta de resposta da Ré à interpelação para a celebração do contrato definitivo já que a mesma foi devolvida e que a outra missiva, do mesmo teor, enviada pela Ré ao seu mandatário não consubstanciou comunicação à Autora, uma vez que o referido mandatário não tinha poderes de representação da mesma senão os outorgados para a celebração do contrato promessa.

4 – A 30-11-2022 foi proferido despacho a notificar as partes para, em 15 dias se pronunciarem sobre a possibilidade de chegarem a acordo, enviando a respetiva transação para os autos, ou, não o alcançando, dispensarem a audiência prévia.

5 – Ambas as partes declararam não ser possível a celebração de acordo e não se oporem à dispensa da audiência prévia.

6 – A 24-01-2023 foi proferido novo despacho em que se afirmou que, melhor estudado o processo com vista a proferir saneador, se conclui que os autos permitiam o imediato conhecimento do mérito. Ali se designou tentativa de conciliação seguida de audiência prévia com vista a evitar que os intervenientes fossem surpreendidos com a decisão final.

7- A audiência prévia veio a ter lugar a 12 de abril de 2023, não foi gravada e da respetiva ata resulta que não foi possível a conciliação, que os Ilustres mandatários das partes usaram da palavra em “alegações” nos termos do artigo 591º, número 1 c) do Código de Processo Civil e que foi pedida e deferida a suspensão da instância por 30 dias com vista a alcançar acordo.

8 – A 30-05-2023 foram as partes notificadas para informarem, em 10 dias, se tinham logrado alcançar tal acordo.

9 – Ambas responderam não ter sido possível alcançar o acordo e pediram o prosseguimento dos autos.

10 – A 27-06-2023 foi novamente designada audiência prévia.

11 – Realizada a mesma a 17-10-2023 as partes novamente pediram e novamente viram deferido pedido de suspensão da instância por 30 dias, com vista a alcançar acordo, o que novamente se frustrou.

12 – Conclusos os autos a 15-11-2023, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Em conclusão, tudo ponderado e ao abrigo das disposições legais supra referidas, julgando a acção improcedente, por não provada, e procedente a reconvenção, decido:

A- Absolver a ré AA, do pedido contra si formulados nesta acção pela autora, A..., SL;

B- Declarar que a ré AA, tem direito a fazer suas as quantias que lhe foram entregues pela ré, A... SL, a título de sinal e princípio de pagamento.

Custas da acção pela autora.

Valor da acção: 30.000,00 euros (valor oferecido com a petição inicial).”.

II - O recurso:

É desta sentença que recorre a Autora, pretendendo a sua revogação com a consequente declaração de procedência da ação e invocando a sua nulidade por excesso de pronúncia

Para tanto, alega o que sumaria da seguinte forma em sede de conclusões de recurso:
I.“Vem o presente recurso interposto da douta decisão proferida nos autos que julgou improcedente a ação apresentada pela Recorrente.
II.Entendimento com o qual a Recorrente não se pode conformar, por entender e sustentar que o Tribunal a quo apesar da qualidade técnica que lhe é reconhecida, fez uma incorreta subsunção jurídica dos factos submetidos a escrutínio.
Senão vejamos,
III.A Recorrente instaurou ação de processo comum onde peticionou o reconhecimento da resolução do contrato promessa de compra e venda outorgado com a Ré e, que a final, lhe fosse restituído o dobro do sinal prestado, nos termos do nº 2 do artigo 442.º do Código Civil.
IV.Sustentou para tanto que, apesar do contrato prever a prestação de sinal e sucessivos reforços do mesmo e, não obstante a Recorrente não ter procedido ao pagamento atempado dos mesmos, nunca deixou de ter interesse na celebração do negócio prometido.
V.Apesar da mora em que se constituiu, nunca se verificou quanto a esta o incumprimento definitivo do contrato.
VI.Tanto assim é, que o contrato promessa de compra e venda outorgado pelas partes e junto como doc. 9 com a contestação, nos termos da cláusula sexta estabelecia que:

SEXTA “Em caso de incumprimento imputável à Segunda Outorgante de quaisquer obrigações que para si resultem do presente Contrato, nos termos aqui estabelecidos, confere à Primeira Outorgante a faculdade de, sem formalidades adicionais, resolver o presente Contrato e fazer suas todas as quantias que haja recebido a títulod e sinal e princípio de pagamento do preço, se, após notificação falta no prazo de 15 (quinze) dias contados da data da respetiva receção.”
VII.Ou seja, decorre da sobredita cláusula o incumprimento definitivo do contrato só se verificaria decorridos 15 dias após notificação à parte inadimplente para colocar termo à mora.
VIII.Compulsados os autos, constata-se que a Autora nunca foi notificada para colocar termo à mora.
IX.Neste conspecto, a Ré nunca procurou converter a mora da Recorrente em incumprimento definitivo de forma alcançar a resolução do negócio.
X.Assim, apesar dos atrasos verificados na entrega dos reforços do sinal, a verdade é que nunca a Recorrente entrou em situação de incumprimento definitivo.
XI.Encontrava-se em mora, é certo, mas procurou por cobro à mesma aquando da marcação e ulterior realização da escritura pública de compra e venda – momento em que procederia ao pagamento integral do preço do negócio.
XII.Tanto assim é que, ao abrigo do estabelecido na cláusula segunda do contrato promessa, a Recorrente notificou a Ré do local, dia e hora para a realização da escritura pública de compra e venda.
XIII.Não tendo a Ré comparecido e manifestando, já posteriormente, o propósito de não comparecer à escritura pública de compra e venda.
XIV.Os termos do contrato promessa de compra e venda (Cfr. Doc. 9) são claros, o mesmo sucedendo com a factualidade decorrente do mesmo, onde assumidamente existe mora da Recorrente e um claro incumprimento definitivo por parte da Ré.
XV.Visão contrária, teve o Tribunal a quo ao considerar que:

“Tal incumprimento, porém, apenas fez a autora incorrer em mora, pois o contrato, apesar da mora, continuava a ser possível.

Ora, podendo a autora colocar fim à mora em que se constituiu, pagando as quantias em dívida e, então sim, marcando a data para escritura e/ou efectuando interpelação admonitória à ré, não foi isso que fez.

Sabedora (assumidamente, repita-se) de que se encontrava em mora, marcou data para escritura, com a cominação de resolução contratual em caso de não comparência da ré (resolução que posteriormente confirmou por nova carta).

Sendo a autora quem estava em mora, não tinha a ré de comparecer na escritura, cabendo à autora fazer cessar a mora, pagando as quantias contratualizadas em falta e, então sim, querendo, marcar data para a escritura.

Ou seja e em conclusão, a mora é imputável à autora, não sendo legítima (por falta de justa causa) a sua comunicação de que declarava resolvido o negócio.”
XVI.Ora, o Tribunal a quo faz uma extrapolação sem qualquer estribo factual.
XVII.A Recorrente, ao marcar escritura pública de compra e venda, como lhe competia, manifestou de forma clara e unívoca a sua intenção de colocar termo à mora.
XVIII.Tanto mais que, resulta das regras da experiência e do normal acontecer das coisas – que a escritura pública de compra e venda só seria realizada se a Recorrente procedesse, logo ali, naquele ato, ao pagamento integral do preço do negócio o que era claramente a sua intenção!
XIX.Caso contrário, não agendaria a referida escritura pública de compra e venda, nem tão pouco tratava de toda a documentação a ela inerente.
XX.Isto posto, dúvidas inexistem que da parte da Recorrente não existiu um incumprimento definitivo que motivasse a decisão aqui em mérito.
XXI.Como preceitua o Acórdão do STJ de 23/06/2022, proferido no Proc. nº 831/19.8T8PVZ.P1.S1:“Há incumprimento definitivo numa de três situações: - Quando durante a mora o credor concede ao devedor um prazo suplementar final razoável para cumprir (interpelação admonitória) e este, mesmo assim, não cumpre (art. 808º, n° 1, II parte); - Quando durante a mora o credor perde o interesse na prestação (art. 808º, n° 1, I parte), o que ocorre quando a mesma deixa objetivamente de ter utilidade para si (art. 808º, n° 2), apreciado objetivamente à luz dos princípios da boa fé, segundo critérios de razoabilidade; - Quando o próprio devedor declara , em termos sérios e definitivos, que não irá cumprir (declaração de não cumprimento) e o credor, em consequência disso, considera a obrigação definitivamente incumprida. A interpelação admonitória (declaração intimativa) deve conter três elementos: a) a intimação para o cumprimento; b) a fixação de um termo perentório para o cumprimento; c) admonição ou a cominação(declaração admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo.”
XXII.A Ré nunca interpelou a Autora/Recorrente para o cumprimento.
XXIII.Ao invés, a Autora/Recorrente cumpriu nos precisos termos o determinado no contrato promessa de compra e venda e, bem assim, o estabelecido no artigo 808.º do Código Civil.
XXIV.Pelo que nenhuma dúvida subsiste quanto ao incumprimento definitivo do aludido contrato promessa por parte da Ré.
XXV.Com efeito, atento o incumprimento definitivo manifestado pela Ré, na esfera jurídica da Autora/Recorrente emergiu o direito a exigir daquela o pagamento do dobro do sinal prestado, in casu, 60.000,00 €, nos termos e para os efeitos do nº 2 do artigo 442.º do Código Civil.
XXVI.Ao decidir de modo diverso, a douta decisão aqui sob escrutínio violou o elenco normativo integrado pelas disposições dos artigos 405.º, 406.º, 410.º, 432.º, 441.º, 442.º, 808.º, nº 3 e 813.º do Código Civil

DA NULIDADE – EXCESSO DE PRONÚNCIA
XXVII.Analisados os pedidos formulados, facilmente se depreende que a douta decisão aqui em mérito é nula por excesso de pronúncia.
XXVIII.Na verdade, a decisão aqui tomada, ter-se-ia de deter pelo pedido formulado pela Autora.
XXIX.Ao invés, tomou conhecimento do pedido formulado pela Ré quando esta o não fez pelo expediente legalmente conferido para o efeito, ou seja, através do competente pedido reconvencional.
XXX.Com efeito, estaria o Tribunal a quo impedido de declarar que a Ré tinha o direito a fazer suas as quantias recebidas pela Autora em virtude da resolução contratual.
XXXI.Contudo, entendemos que tal decisão, poderia apenas ser tomada, no caso da Ré ter deduzido o competente pedido reconvencional.
XXXII.Descendo aos presentes autos e analisado o pedido formulado pela Ré “Mais se requer, seja, ao invés, reconhecido o incumprimento contratual por parte da Autora e, consequentemente, o direito da ré fazer suas as quantias recebidas.” facilmente se depreende que tal pedido, teria forçosamente de ser deduzido em sede de reconvenção, o que não foi feito.
XXXIII.Com efeito, atento o facto de a Ré não ter deduzido reconvenção tal pedido de reconhecimento de resolução contratual, com a subsequente atribuição da faculdade de fazer seu o sinal recebido, não poderia ter sido tido em conta por parte do Tribunal.
XXXIV.Inversamente, ao ter tomado conhecimento de tal pedido, a douta decisão é nula por excesso de pronúncia nos termos do artigo 615.º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil.
XXXV.Ao decidir de modo diverso ao por nós pugnado, a douta decisão em mérito violou o elenco normativo integrado pelas disposições dos artigos 405.º, 406.º, 410.º, 432.º, 441.º, 442.º, 808.º, nº 3 e 813.º do Código Civil e a alínea e) do nº 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

TERMOS EM QUE,

- Concedendo provimento ao recurso interposto e revogando a douta decisão recorrida, farão Vossas Excelências a acostumada, Justiça!”.


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A Ré contra-alegou, sustentando a confirmação da decisão recorrida e pedindo a condenação da Recorrente como litigante de má-fé.

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O recurso foi admitido por despacho de 23-02-2024 sem que o Mmº Juiz se tenha pronunciado sobre a alegada nulidade da sentença.

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Recebidos os autos neste Tribunal foi facultado à Recorrente o prazo de 10 dias para se pronunciar sobre o pedido da sua condenação como litigante de má-fé, o que a mesma fez por requerimento de 11-04-2023, defendendo a improcedência dessa pretensão, quer por não ter tido qualquer comportamento processual reprovável quer  porque, afirma, tendo tal pedido já sido feito em sede de contestação e não tendo a sentença dado provimento a tal pretensão, se formou caso julgado quanto à mesma.

III – Questões a resolver:
Em face das conclusões do Recorrente nas suas alegações – que fixam o objeto do recurso nos termos do previsto nos artigos 635º, números 4 e 5 e 639º, números 1 e 2, do Código de Processo Civil -, e a pretensão da Recorrida expressa nas contra-alegações são as seguintes as questões a resolver:
1 – Aferir se a sentença é nula por excesso de pronúncia e, em caso afirmativo, fixar as consequências dessa nulidade;
3 – Apurar, caso não ocorra nulidade da sentença, se os factos dados por assentes são bastantes à decisão de mérito ou se, pelo contrário, os autos deveriam ter prosseguido para julgamento, caso em que se devem fixar os factos relevantes que devem ser apurados;
2 – Aferir se a Ré pediu a condenação da Autora como litigante de má-fé em sede de contestação e, em caso afirmativo, se do facto de o tribunal não ter deferido tal pedido decorre caso julgado formal sobre tal questão impedindo-a de ser apreciada em sede de recurso;
4 – Caso se conclua pela suficiência dos factos selecionados pelo tribunal recorrido, apurar se a Ré incumpriu o contrato-promessa que celebrou com a Autora estando, por isso, obrigada, a devolver àquela o dobro do sinal recebido.

IV – Fundamentação:

Foram os seguintes os factos selecionados pelo tribunal recorrido como relevantes para a decisão da causa:

1- A autora, A... SL, é uma sociedade comercial de direito espanhol que se dedica com escopo lucrativo à compra e venda por grosso e a retalho de produtos têxteis, compra e venda de calçado e compra e venda de todo o tipo de bens imóveis;

2- A ré AA, por sua vez, é dona e legitima proprietária da fração autónoma identificada pela letra “B”, tipo habitação T3 no rés-do-chão B, lado nascente, Bloco ..., com terraço de 58,15 m2, jardim com 109,30 m2, 3 lugares de estacionamento no piso menos 2, identificados com os nºs 6, 7 e 8, e uma arrecadação no mesmo piso identificada com a letra da fração, com entrada pela Rua ..., união de freguesias ..., ... e ..., concelho do Porto, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial Do Porto sob o nº ...-... e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ... da união de freguesias ..., ... e ..., com o alvará de licença de utilização nº ..., emitido pela Câmara Municipal ... em 02.06.2008;

3- No exercício da respetiva atividade comercial a aqui autora (Segunda Outorgante) celebrou com a ré (Primeira Outorgante) um contrato promessa de compra e venda que teve por objeto o imóvel acima identificado;

4- Autora e ré convencionaram que o preço do negócio seria de € 1.290.000,00 € (um milhão duzentos e noventa mil euros) a ser pago da seguinte forma:

a) Até ao dia 30/06/2019 a quantia de 50.000,00 € (cinquenta mil euros), a título de sinal e de princípio do pagamento do preço.

b) Até ao dia 31/07/2019 a quantia de 50.000,00 (cinquenta mil euros), a título de sinal e de princípio do pagamento do preço.

c) Até ao dia 31/08/2019 a quantia de 100.000,00 € (cem mil euros), a título de sinal e de princípio do pagamento do preço.

d) Até ao dia 30/09/2019 a quantia de 100.000,00 € (cem mil euros), a título de sinal e de princípio do pagamento do preço.

e) Até ao dia 31/10/2019 a quantia de 100.000,00 € (cem mil euros), a título de sinal e de princípio do pagamento do preço.

f) Até ao dia 30/11/2019 a quantia de 100.000,00 € (cem mil euros), a título de sinal e de princípio do pagamento do preço.

g) Até ao dia 31/12/2019 a quantia de 200.000,00 € (duzentos mil euros), a título de sinal e de princípio do pagamento do preço.

3. O restante do preço, isto é, o montante de 590.000,00 € (quinhentos e noventa mil euros) será pago pela Promitente Compradora, no ato da escritura definitiva de compra e venda, a qual será outorgada até ao dia 31/01/2020;

5- A autora, a título de sinal e princípio de pagamento, procedeu ao pagamento à ré de um valor entre 17.500,00 e 30.000,00 euros (as partes divergem neste valor, o que, como veremos, não releva para decisão final);

6- No dia 26 de maio de 2022, autora remeteu carta registada para a morada da ré, comunicando dia, hora e local para a realização da escritura pública de compra e venda do imóvel objeto do contrato (doc. nº 1 junto com a petição inicial);

7- Nessa carta remetida à ré, a autora fez constar que:

Assim, desde já fixamos o dia 04 de julho de 2022, pelas 12:00 horas, no Cartório Notarial do Dr. BB, sito na Rua ..., ... Vila Nova de Famalicão, para a realização da escritura de compra e venda do imóvel objecto do contrato promessa de compra e venda entre nós celebrado.”;

8- Mais fez constar ainda nessa carta que:

Caso Vª Exª não compareça no dia e hora aprazado, consideraremos o presente contrato como definitivamente incumprido, momento a partir do qual, ficará o mesmo sujeito aos mecanismos previstos nos artigos 442.º e 830.º do Código Civil.”

9- No dia e hora designados pela autora para a realização da escritura pública de compra e venda, a ré não compareceu;

10- Nesse seguimento, no dia 07.07.2022 a autora endereçou à ré nova missiva na qual lhe comunicou a resolução do contrato promessa de compra e venda outorgando no dia 15 de junho de 2019 (doc. nº 3 junto com a petição inicial);

11- A autora remeteu à ré, em 30 de junho de 2019, 8 cheques, titulando os seguintes valores:

a) Cheque n.º …02, no valor de Eur: 5.000 euros, datado de junho de 2019;

b) Cheque n.º …03, no valor de Eur: 5.100 euros, datado de junho de 2019;

c) Cheque n.º …04, no valor de Eur: 5.200 euros, datado de junho de 2019;

d) Cheque n.º …05, no valor de Eur: 5.300 euros, datado de junho de 2019;

e) Cheque n.º …06, no valor de Eur: 5.400 euros, datado de junho de 2019;

f) Cheque n.º …07, no valor de Eur: 5.500 euros, datado de junho de 2019;

g) Cheque n.º …08, no valor de Eur: 5.600 euros, datado de junho de 2019;

h) Cheque n.º …09, no valor de Eur: 5.700 euros, datado de junho de 2019;

Num total de 42.800 euros (docs. nº 1 a 8 juntos com a contestação);

12- Tais cheques não obtiveram pagamento, por falta de provisão.


*

1 – Da nulidade da sentença por excesso de pronúncia:

De acordo com o artigo 609º do Código de Processo Civil a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.

A sentença recorrida, no ponto B do dispositivo, decidiu: “Declarar que a ré AA, tem direito a fazer suas as quantias que lhe foram entregues pela ré, A... SL, a título de sinal e princípio de pagamento”.

A Ré terminara a sua contestação com a seguinte solicitação: “Mais se requer, seja, ao invés, reconhecido o incumprimento contratual por parte da Autora e, consequentemente, o direito da ré fazer suas as quantias recebidas”.

A decisão acima transcrita fez, pois, proceder tal pedido.

Todavia, a Ré não anunciou em qualquer parte da sua contestação o expresso propósito de deduzir pedido reconvencional nem identificou o pedido formulado como tal.

Não foram, assim, cumpridos os ónus previstos no artigo 583º, número 1 do Código de Processo Civil para a dedução de reconvenção que são a sua expressa identificação e dedução em separado.

Nos termos do número 2 do mesmo preceito o reconvinte deve, ainda, indicar o valor da reconvenção. Não o fazendo a reconvenção não deixa de ser recebida, mas o reconvinte é convidado a indicar tal valor.

No caso, com exceção da pretensão expressa no final da contestação, não se mostra evidenciada em separado a pretensão da Ré deduzir reconvenção já que nem a individualizou nem afirmou expressamente a vontade de a deduzir, tampouco tendo indicado o respetivo valor.

Todavia, a Ré expressou claramente a pretensão de ver declarado o incumprimento do contrato pela Autora e o seu direito de fazer suas as quantias que dela recebeu.

Cumpre pois aferir se tal pretensão vai além da mera defesa – sumariada na pretensão final expressa na contestação de improcedência da ação e da sua absolvição do pedido -, já que a Ré claramente pede que lhe seja reconhecido o direito de fazer suas as quantias recebidas, ou se tal “pedido” é apenas aparente e mais não visa do que concluir a defesa no sentido de que nada tem a devolver à Autora, como por esta pedido.

Prevê o artigo 590º, número 3 do Código de Processo Civil que o juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam dos requisitos legais.

No caso, concluindo-se que a Ré pretendeu, de facto, deduzir pedido autónomo, deveria ter tido lugar o convite ao aperfeiçoamento do seu articulado por forma a que a mesma sujeitasse a sua pretensão aos requisitos previstos no artigo 583º, números 1 e 2 e a omissão desse dever redundará em nulidade da decisão por falta de

Caso contrário, isto é, concluindo-se que a Ré não pretendeu deduzir pedido de reconhecimento de um direito, tal dever de convite ao aperfeiçoamento não se verifica e, não aceitando que dedução da pretensão em apreço como visava a formulação de pedido autónomo, reconvencional, não pode a sentença julgá-lo procedente ou improcedente, por não ser objeto da ação, o que redundará na nulidade da sentença por excesso de pronúncia nos termos do artigo 615º, número 1 e) do Código de Processo Civil.

De uma forma ou de outra, portanto, a decisão recorrida padecerá do vício de nulidade já que não pode o tribunal pronunciar-se sobre um pedido que não foi formulado autonomamente pela Ré sob a forma de reconvenção e a que a Autora não pode responder em réplica.

Tendo em conta a formulação da pretensão da Ré no final da contestação (“Mais se requer, seja, ao invés, reconhecido o incumprimento contratual por parte da Autora e, consequentemente, o direito da ré fazer suas as quantias recebidas”) deve concluir-se que foi intenção clara da mesma deduzir pedido expresso de reconhecimento de um direito – como, aliás, foi entendido pelo Tribunal a quo, que conheceu de tal pedido, declarando-o procedente.

Tal pretensão, de que o Tribunal reconhecesse um direito seu é distinta da mera defesa e consubstancia a dedução de um pedido contra a Autora nos termos previstos no artigo 266º, número 1 do Código de Processo Civil. Assim, aliás, terá entendido o Tribunal recorrido, pois tomou conhecimento de tal pedido no dispositivo da sentença.

Ora, tendo sido deduzido pedido contra a Autora, ou seja, pedido reconvencional, nos termos do artigo 266º, número 1 do Código de Processo Civil e não tendo o mesmo cumprido os requisitos previstos no artigo 583º, números 1 e 2 do mesmo Diploma, deveria ter sido convidada a Ré a aperfeiçoar a sua contestação/reconvenção, identificando expressamente a reconvenção e indicando o respetivo valor nos termos das disposições conjugadas dos artigos 583, número 2 e 593º, número 2 b) e número 3 do Código de Processo Civil.

Da violação desse dever decorreu, nomeadamente, a não apresentação de réplica, a que a Autora teria direito e que não pôde apresentar, vendo-se agora confrontada com uma decisão de condenação que não teve ensejo de contestar.

A prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento – seja para suprir irregularidades dos articulados, nomeadamente quando não careçam dos requisitos legais ou para suprir imprecisões ou insuficiências da decisão da matéria de facto -, não consubstancia o exercício de poder discricionário, sendo antes um dever dependente da verificação dos requisitos legais – os expressos no artigo 590º do Código de Processo Civil -, o que claramente resulta do número 4 do mesmo artigo quando ali se optou pela seguinte redação legal Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido”. (sublinhado nosso). Também o número 3 do mesmo artigo, que é aqui aplicável, não deixa margem para dúvidas sobre a obrigatoriedade da sua aplicação.

Ali se lê: “O juiz convida as partes a suprir as irregularidade dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam dos requisitos legais (…)”
Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa defendem que  “a formulação conferida ao nº 4 do art. 590º pôs termos à discussão que vinha existindo, por referência ao art. 508º, nº 3, do CPC de 1961, acerca da natureza do despacho destinado ao aperfeiçoamento dos articulados, ficando agora (mais) claro o seu carácter vinculado, arredando a possibilidade de o juiz optar entre proferir ou não tal despacho.[1]
A obrigatoriedade do convite à correção de deficiências dos articulados visa alcançar a justa composição do litígio e, no caso, a mesma só pode atingir-se se a pretensão reconvencional da Ré for corrigida e permitir o subsequente contraditório, por via de réplica.
Sobre o dever de suprimento da irregularidade da reconvenção indevidamente formulada pode ler-se no sumário do Acórdão da Relação de Lisboa de 22-06-2023 que: “(…), foi formulado pedido reconvencional de condenação da contraparte no pagamento de €10.000,00. V) A não inserção dessa pretensão no desfecho de tal peça processual não torna inepta a reconvenção, uma vez que o vício em questão tem natureza exclusivamente formal, não contendendo com a permanência ou ausência da correspondente pretensão, já expressa no articulado, nem atinando com qualquer direito tutelável da contraparte, consubstanciando uma irregularidade sanável.VI) A instrumentalidade dos mecanismos processuais em face do direito substantivo e o princípio da prevalência das decisões de mérito sobre as formais, expressa no princípio de gestão processual a que se reporta, em particular, o artigo 6.º do CPC, determinam que o juiz deva promover a regularização do articulado e, não, julgando inepta a reconvenção, sem conferir ao réu a possibilidade de suprir tal vício.”
A omissão de prolação do convite ao aperfeiçoamento da reconvenção nos termos sobreditos acarreta a nulidade da sentença que se pronunciou sobre um pedido que, tendo embora sido efetivamente formulado, não foi admitido, tramitado, apreciado e decidido como pedido reconvencional,  do que decorreu a falta de contraditório sobre o mesmo e a falta de produção de prova sobre os factos que o suportam – desde logo não podia o tribunal dar como provado que a Autora “(…) a título de sinal e princípio de pagamento, procedeu ao pagamento à ré de um valor entre 17.500,00 e 30.000,00 euros.”. Não colhe, a este propósito, a afirmação do Tribunal recorrido de que “as partes divergem neste valor, o que, como veremos, não releva para decisão final”. Não pode, de facto, afirmar-se que a Ré tem direito a fazer sua uma determinada quantia sem se curar de apurar que quantia é essa o que tem desde logo reflexos na fixação do decaimento.
Como vem sido entendido e foi já objeto de várias decisões de tribunais superiores, a consequência da omissão do despacho de aperfeiçoamento que se evidencie na sentença porque nesta se profere decisão baseada em articulado cuja deficiência/imprecisão não foi alvo de convite a correção, não acarreta a nulidade do processado, mas a nulidade da decisão resultante de omissão de dever do juiz que é suscetível de influir a decisão da causa.
A falta de dedução de reconvenção na forma legalmente exigida levou, no caso, a que a mesma fosse alvo de decisão sem que a Autora tivesse podido replicar.

Neste sentido se decidiu no acórdão desta secção de 11-01-2021 em cujo sumário se pode ler: “Tal nulidade de decisão ocorre por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC), pois o tribunal conhece de matéria que, perante a omissão do dever de cooperação, não pode conhecer, e a mesma só poderia ter sido evitada se, antes do proferimento da decisão, tivesse sido dirigido à parte um convite ao aperfeiçoamento do articulado” [2].

Tal solução é defendida, na doutrina, entre outros por Abrantes Geraldes [3], Miguel Teixeira de Sousa [4]

Tal via não é unânime havendo quem defenda que se estará, nestes casos, perante uma verdadeira nulidade do processado. Neste sentido, Paulo Pimenta[5] defende que se a deficiência do articulado comprometer o êxito da ação ou da defesa, a omissão do convite ao aperfeiçoamento constituirá nulidade processual como prevista no artigo 201º do Código de Processo Civil (hoje artigo 195º do Código de Processo Civil).

Não nos parece que esta via seja a adequada, sendo que a mesma coloca várias dificuldades. Desde logo não se trataria de nulidade processual tipificada e nem seria de conhecimento oficioso e a parte que a pretendesse arguir poderia apenas dela ter conhecimento – e assim seria por regra -, quando, mediante notificação da sentença, percebesse que a omissão do dever de colaboração/correção do tribunal tinha redundado em decisão que lhe foi desfavorável. Ora, além da limitação imposta pelo prazo de arguição dessa nulidade que decorre do artigo 199º do Código de Processo Civil de que poderia decorrer que a mesma se considerasse sanada ao tempo da prolação da sentença a mesma teria, por regra, que ser arguida perante o tribunal que a cometeu só excecionalmente podendo ser invocada perante o tribunal de recurso.

Socorremo-nos das palavras de Miguel Teixeira de Sousa: “… a relevância da omissão do convite ao aperfeiçoamento só pode descortinar-se no momento da decisão, dado que, até lá, a parte não pode saber que o tribunal considera essencial a falta de um facto complementar que ela tinha o ónus de alegar. Sendo assim, cabe perguntar: como é que a parte, antes do proferimento da decisão, pode ter o ónus de reclamar de algo de que não pode conhecer? Mais em concreto: como é que a parte pode ter o ónus de reclamar de uma nulidade processual que ainda não se verificou?

Como as respostas a estas perguntas são evidentes, resta a alternativa de considerar que a relevância concedida na decisão à falta de factos complementares que poderia ter sido corrigida através de um convite ao aperfeiçoamento constitui um vício da própria decisão (em concreto, uma situação de excesso de pronúncia: art. 615.º, n.º 1, al. d), 666.º, n.º 1, e 685.º CPC), contra o qual se reage nos termos gerais (art. 615.º, n.º 1, al. d), 666.º, n.º 1, e 685.º CPC).”[6]. Ainda neste sentido, afirma-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-12-2021 que “Encontrando-se a nulidade processual coberta pela decisão judicial que a acolhe (in casu, o saneador-sentença recorrido), o meio adequado para invocar essa infracção às regras do processo é o recurso contra a decisão de mérito, a apresentar junto da instância superior (se for admissível), e não a sua reclamação directamente perante o juiz a quo.”.

No caso em apreço a omissão do convite ao aperfeiçoamento da contestação/reconvenção nos termos do artigo 590º, número 3 do Código de Processo Civil determinou desde logo que os autos tivessem prosseguido sem apresentação de réplica, muito embora a sentença tenha conhecido da pretensão da Ré deduzida na contestação como pedido autónomo, que é.

Donde, está também em causa a violação do direito ao contraditório, suscetível de influir na decisão da causa – cfr. artigo 3º, número 1 do Código de Processo Civil.

Não consta da ata da audiência prévia senão que “(…) o Mmº. Juiz advertiu os ilustres mandatários das partes nos termos do disposto nº 591º, nº 1, al). b) do CPC, tendo-lhes dado a palavra para alegações, os quais da mesma usaram. Sobre o sentido da decisão que pretendia proferir o Mmº Juiz ou sobre o que alegaram as partes nada se diz em ata e nem ocorreu gravação da audiência prévia, pelo que não consta dos autos que a Ré tenha sido convidada a retificar a reconvenção nos termos das disposições conjugadas dos artigos 590º, número 3 e 583º, números 1 e 2  do Código de Processo Civil ou que a Autora tenha sido convidada a responder a tal pedido reconvencional pelo que decisão do tribunal quando se pronuncia sobre o pedido em apreço consubstancia uma nulidade por excesso de pronúncia porquanto o tribunal conheceu de questões de que não podia, nessas circunstâncias, tomar conhecimento.

Por tudo o exposto deve anular-se a sentença por violação do dever de prolação de despacho de suprimento da irregularidade da contestação/reconvenção que acarretou a falta de apresentação de réplica e de produção de prova, devendo os autos regressar à primeira instância para que tal convite seja deduzido nos termos dos artigos 590º, número 3 e 583º, números 1 e 2 do Código de Processo Civil.


*

Regressando os autos à primeira instância e daí decorrendo a possibilidade de apresentação de novo articulado e de produção de prova fica prejudicado o conhecimento do demais objeto do recurso.

Não obstante, salienta-se desde já que a Ré alegou, na sua contestação, ter interpelado a Autora a cumprir a obrigação de pagamento do sinal de acordo com as prestações acordadas – cfr. artigo 7º, 8º e 16º da contestação -, factos que não foram selecionados na sentença, mas se revelam essenciais à defesa já que a Ré sustenta o incumprimento da referida obrigação pela Autora e esta defende estar apenas em mora no cumprimento de tal obrigação. Não tendo sido apresentada réplica a Autora não tomou posição expressa sobre esta alegação e inexiste cominação para a falta de impugnação desses factos. Como tal, não foram os mesmos julgados assentes. Todavia, devendo os autos regressar à fase dos articulados afigura-se que, estando controvertidos factos essenciais à defesa que não foram sujeitos a instrução, os mesmos devam considerar-se relevantes para a solução de direito.

V – Decisão:

Nestes termos, julga-se procedente o recurso e anula-se a sentença, devendo os autos regressar à primeira instância para que seja deduzido convite à Ré, nos termos dos artigos 590º, número 3 e 583º, números 1 e 2 do Código de Processo Civil, após o que os autos devem prosseguir os seus trâmites, com eventual apresentação de réplica, saneamento e eventual produção de prova com vista a apurar os factos controvertidos que sejam relevantes para a decisão.

Custas pela Recorrida, nos termos do previsto no artigo 527º, número 1 do Código de Processo Civil.


Porto, 20/5/2024
Ana Olívia Loureiro
Manuel Domingos Fernandes
Fernanda Almeida
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[1] Código de Processo Civil Anotado, Almedina, vol. I, pág. 681.
[2] Processo 3163/19.8T8OAZ.P1 disponível em https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/d8614bcdfd0c2aa380258686003aaa8f?OpenDocument&Highlight=0,11%2F01%2F2021
[3] Recursos em processo civil, 7ª edição atualizada, Almedina páginas 28, 29.
[4] https://blogippc.blogspot.com/ em artigos de 16-06-2014, 19-01-2015 e de 20-05-2020, entre outros.
[5] Processo Civil Declarativo, 2014, Almedina, páginas 230 a 232 e revista Julgar online, número 17, ano de 2017, página 128.
[6] https://blogippc.blogspot.com/2020/02/jurisprudencia-2019-168.html