Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOÃO DIOGO RODRIGUES | ||
Descritores: | EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE INDEFERIMENTO LIMINAR CULPA GRAVE DEVERES DE INFORMAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP202409106856/23.1T8VNG.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/10/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | Viola, com culpa grave, os deveres de informação o insolvente que, não obstante ter sido notificado – por duas vezes com a cominação de indeferimento do pedido – para prestar nos autos informações relevantes para a apreciação do pedido de exoneração do passivo restante, não cumpriu essa determinação, nem apresentou nenhuma justificação para a sua falta definitiva de cumprimento. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 6856/23.1T8VNG.P1
* Sumário: ………………………….. ………………………….. ………………………….. *
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório 1- No âmbito do processo de insolvência de AA, foi, por decisão judicial proferida no dia 02/04/2024, indeferido o pedido de exoneração do passivo restante por aquele formulado. 2- Inconformado com essa decisão, dela recorre o insolvente, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões: “1º- O Douto Despacho não faz a correta aplicação do direito aos factos. 2º- Dispõe o art. 238.º, nº 1, al. g), do C.I.R.E. que “o pedido de exoneração é liminarmente indeferido se o devedor, com dolo ou culpa grave, tiver violado os deveres de informação, apresentação e colaboração que para ele resultam do presente Código, no decurso do processo de insolvência.”. 3º- O pedido de exoneração é liminarmente indeferido nos casos taxativamente enumerados no n.° 1 do art. 238° do C.1.R.E., nos quais se definem, pela negativa, os requisitos de cuja verificação depende a exoneração. 4º- O primeiro requisito é ordem processual (o prazo em que deve ser formulado o pedido) e os restantes, de ordem substantiva. 5º- Estes últimos reconduzem-se a três grupos diferentes: - a) o primeiro, respeitante a comportamentos do devedor relativos à sua situação de insolvência que, de algum modo, para ela contribuíram ou a agravaram (alíneas b), d) e e) do n.º 1 do art. 238º do C.1.R.E.) - b) o segundo, respeitante a situações ligadas ao passado do art. 238° do insolvente (alíneas c) e 1) do n.° 1 do C.LR.E.) e, finalmente, - c) o terceiro, relacionado com condutas adoptadas pelo devedor que consubstanciem violação dos deveres que lhe são impostos no decurso do processo de insolvência (alínea g) do n.° 1 do art. 238° do C.I.R.E.). 6º- Se não houver motivo para indeferimento liminar, diz o art. 239° n.° 1 do Código em apreço que deve ser proferido despacho inicial que determina que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência (período de cessão), o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a entidade (fiduciário) escolhida pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência. 7º - No caso em apreço, refere-se no douto Despacho em crise: …«No caso em apreço, o insolvente foi notificado para juntar aos autos o seu certificado do registo criminal a fim de se poder aferir se já havia sido ou não condenado em algum dos crimes previstos e punidos nos artigos 227.º a 229.º do Código Penal nos 10 anos anteriores à data da entrada em juízo do pedido de declaração da insolvência ou posteriormente a esta data, bem como para comprovar que está desempregado e a sua inscrição no centro de emprego, tendo o mesmo sido advertido que a ausência de junção desses documentos conduziria ao indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante. A verdade é que não deu qualquer resposta ao tribunal, não tendo comprovado que está desempregado e inscrito no centro de emprego e se tem ou não antecedentes criminais. Tal ausência de resposta advém de culpa grave do insolvente porquanto este não alegou qualquer impossibilidade de junção dos documentos que lhe foram solicitados. Por outro lado, o seu certificado do registo criminal é documento essencial à admissão do benefício em causa, sendo certo que esse documento é acessível ao insolvente. Ao não dar qualquer resposta às notificações que lhe foram dirigidas para junção de documentos, nada alegando, o insolvente agiu culposamente impedindo que o tribunal pudesse aferir se reúne ou não condições para a concessão desse benefício. Em consequência, tendo o insolvente incumprido com culpa grave os seus deveres de informação e colaboração, indefere-se liminarmente o benefício de exoneração do passivo restante.» 8º - Ora, ainda que possa admitir-se que o Requerente/Recorrente nem sempre prestou as informações solicitadas, também é certo que as mesmas poderiam, parcialmente, ser obtidas por via dos elementos já constantes dos autos. 9º - Por outro lado, essas omissões não chegam para se concluir que tenha havido uma intenção de, com dolo ou culpa grave, violar os deveres de informação, apresentação e colaboração, muito menos que tais omissões tivessem a finalidade de impedir o tribunal de obter elementos, dos quais decorresse o incumprimento do dever a que alude o nº 1, da alínea d), do citado art. 238º do CIRE. 10º - Não se afigura legítima a conclusão final de que a Insolvente violou o dever previsto no art. 83º, nº 1 a) do CIRE de forma grave porquanto a omissão praticada não permite ao tribunal aferir designadamente, se ocorre ou não culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do art. 186º do CIRE. 11º - Com efeito, este normativo, refere no seu n.º1 que a insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação dolosa ou com culpa grave do devedor, nos três anos anteriores ao início do processo e no n.º 2, com referência à sua alínea a), acrescenta que se considera sempre culposa a insolvência do devedor que não seja pessoa singular quando os administradores tenham, além do mais, “destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor”. Finalmente, o artigo 186.º, n.º4 esclarece que o disposto no seu n.º 2 é aplicável, com as necessárias adaptações, à actuação da pessoa singular insolvente. 12º- De facto, sem mais, não pode afirmar-se que a devedora actuou com a finalidade de causar a impossibilidade de cumprir as suas obrigações vencidas ou agravar essa situação (dolo directo), ou que, prevendo essa impossibilidade ou o seu agravamento como consequências necessárias e seguras da sua conduta (dolo necessário), ou mesmo que actuou (comportamento omissivo) não confiando que essa impossibilidade ou agravamento não viessem a ocorrer (dolo eventual). 13º- Pode pensar-se que tenha havido alguma imponderação, falta de diligência e de cautela, porém à Insolvente também não foi dada a possibilidade de demonstrar que essa omissão não se deveu a mero esquecimento, ou quiçá à falta de tais elementos, sendo certo que os credores possuem na sua contabilidades dados sobre a data de constituição dos empréstimos, do início do incumprimento e dos valores exatos. 14º- Mas, para além da falta de elementos fácticos dos quais se conclua a existência de dolo ou negligência grave, também não serve de argumento a conclusão constante da decisão recorrida, de que se tratou de omissão dolosa, pelo que referir que preenche a previsão do art. 238º, nº 1 al. g) do CIRE», afigura-se prematura. 15º- Com efeito, ainda que não seja unânime a jurisprudência, sobre a quem compete alegar e provar os requisitos a que alude o artigo 238.º, n.º 1, CIRE, enquanto factos impeditivos do direito. Para uma orientação, cabe ao devedor a prova de tais requisitos. Para outra, a que aderimos, a prova destes requisitos compete aos credores e administrador, considerando que estamos perante factos impeditivos do direito. 16º - Assim, para quem conclua que não é ao devedor que cabe fazer prova dos requisitos do artigo 238.º, n.º 1, CIRE, pois estes constituem fundamento de indeferimento liminar e não factos constitutivos do seu direito, sempre seriam os credores e o administrador da insolvência, que se pretendam prevalecer do indeferimento liminar, nos termos do artigo 342.º, n.º 2, CC, deveriam ter vindo aos autos elementos que inviabilizassem o deferimento do pedido de exoneração. 17º- Convém não esquecer que estamos em sede de despacho de indeferimento liminar, ainda que sui generis por ser antecedido da audição de credores e do administrador da insolvência (artigo 238.º, n.º 2, CIRE), não estando o tribunal impedido de apurar se houve da parte do Insolvente a intenção de omitir informações ou falsear a verdade. 18º- O incidente de exoneração do passivo restante não fica logo decidido definitivamente com o deferimento a proferir nesta fase processual e na ponderação dos interesses em conflito (devedores versus credores). 19º- Como resulta do art. 239.º/1 e 2, o despacho inicial determina que, durante os três anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, que a lei denomina período da cessão, o rendimento disponível auferido pelo devedor se considere cedido ao fiduciário, que distribui os rendimentos do devedor nos termos do art. 241.º/1. 20º- E mesmo antes de terminado o período da cessão, deve o juiz recusar a exoneração, a requerimento fundamentado de algum credor da insolvência, do administrador da insolvência, ou do fiduciário, quando o devedor incorra em alguma das situações descritas nas alíneas do n.º 1 do art. 243.º do CIRE. 21º - Nesta fase, o que se lhe faculta ao Insolvente é um período experimental, como que a ver se merece que, a final, lhe seja concedida a exoneração. 22º - Não estão, pois, salvo melhor opinião, provados factos que permitam concluir pela existência de dolo, culpa grave, a intenção de prejudicar os credores, a intenção de se frustrar a pagar aos credores, o prejuízo dos credores e respetivo nexo causal, e a culpa no agravamento da situação como é exigido nas diversas alíneas referidas no despacho de indeferimento. 23º- Mostra-se necessária comprovação da existência de dolo ou culpa grave e que as condutas consubstanciadoras das mesmas tenham sido levadas a cabo com vista à obtenção de crédito ou de subsídios de instituições ou com o fim de evitar pagamentos aos credores, o que, no caso não se mostra de todo demonstrado. 24º- Inexistem, assim, nos autos, elementos que preencham, nomeadamente, o disposto no art. 238º, nº 1, al. g) do CIRE. 25º- O Douto Despacho recorrido, viola por errada interpretação a aplicação do disposto nos artigos 238º e 243 do CIRE e art.º 18º CRP”. Termina pedindo que se julgue procedente o presente recurso e que se revogue a decisão recorrida. 3- O Ministério Público respondeu pugnando pela confirmação do julgado. 4- Recebido o recurso e preparada a deliberação, importa tomá-la. * II- Mérito do recurso A- Definição do seu objeto Inexistindo questões de conhecimento oficioso, o objeto deste recurso, delimitado, como é regra, pelas conclusões das alegações do recorrente, cinge-se a saber se não se mostram preenchidos os pressupostos para o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante, formulado pelo insolvente. * B- Fundamentação de facto Na decisão recorrida julgaram-se provados os seguintes factos: 1) AA apresentou-se à insolvência em 13/9/2023, requerendo a exoneração do passivo restante. 2) Por despacho de 19/9/2023 foi o mesmo notificado para, entre outras coisas, juntar o seu certificado do registo criminal a fim de oportunamente ser apreciado o pedido de exoneração, bem como para juntar documento que comprove que está desempregado, que não aufere qualquer rendimento e documento que comprove que está inscrito no centro de emprego. 3) O mesmo, em 26/9/2023, protestou juntar o seu CRC, Certidão Nascimento e Comprovativo de inscrição no Centro de Emprego, que ainda não ficaram prontos. 4) Por despacho de 14/2/2024 foi determinada a notificação do insolvente para, em 10 dias, juntar aos autos o seu certificado do registo criminal e comprovativo da inscrição no centro de emprego que havia protestado juntar em 26/9/2023, sob pena de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante. 5) Em 4/3/2024 o insolvente apresentou requerimento a requerer a prorrogação do prazo, por um período não inferior a 5 dias para que possa reunir os documentos em falta. 6) Em 11/3/2024 foi proferido despacho determinando a notificação do insolvente para em 5 dias, juntar aos autos o seu certificado do registo criminal e comprovativo da inscrição no centro de emprego que havia protestado juntar em 26/9/2023, sob pena de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante, com a advertência que não serão deferidas mais prorrogações do prazo uma vez que há vários meses que o mesmo tem vindo a protelar a junção desses documentos. 7) O insolvente foi notificado desse despacho em 12/3/2024, não tendo junto aos autos qualquer documento. * C-Fundamentação jurídica Como vimos, a única questão a solucionar no presente recurso é a de saber se, como defende o Apelante, não se mostram preenchidos os requisitos necessários para o indeferimento do pedido de exoneração do passivo restante, decretado na decisão recorrida. Isto porque o Apelante, embora reconheça que “nem sempre prestou as informações solicitadas”, considera, ainda assim, que parte dessas informações “poderiam, parcialmente, ser obtidas por via dos elementos já constantes dos autos” e, por outro lado, que “essas omissões não chegam para se concluir que tenha havido uma intenção de, com dolo ou culpa grave, violar os deveres de informação, apresentação e colaboração, muito menos que tais omissões tivessem a finalidade de impedir o tribunal de obter elementos, dos quais decorresse o incumprimento do dever a que alude o nº 1, da alínea d), do citado art. 238º do CIRE”. Ora, desde já se diga que esta última alusão é, neste contexto, despropositada. Na verdade, o pedido de exoneração formulado pelo Apelante foi indeferido não com base no disposto no artigo 238.º, n.º 1, al. d), do CIRE, isto é, por o insolvente não se ter apresentado, oportunamente, à insolvência, mas por ter incumprido, com culpa grave, os seus deveres de informação e colaboração. E, de facto, assim sucedeu. Com efeito, o Apelante, apesar de reiteradamente notificado para juntar aos autos o seu registo criminal, esclarecer e comprovar a sua situação de desempregado, não o fez. Isto, não obstante lhe tenha sido feita a advertência, por mais de uma vez, de que a falta de resposta poderia implicar a consequência gravosa que agora questiona, ou seja, o indeferimento liminar do seu pedido de exoneração do passivo restante, sendo que se trata de documentos que, como foi indicado no primeiro despacho, eram necessários para a apreciação desse pedido. Ora, o artigo 238.º, n.º 1, al. g), do CIRE é bem claro a este propósito: o pedido de exoneração deve ser liminarmente indeferido quando, “[o] devedor, com dolo ou culpa grave, tiver violado os deveres de informação, apresentação e colaboração que para ele resultem do presente Código, no decurso do processo de insolvência”. E, entre esses deveres, encontra-se o de “fornecer todas as informações relevantes para o processo que lhe sejam solicitadas pelo administrador da insolvência, pela assembleia de credores, pela comissão de credores ou pelo tribunal” (artigo 83.º, n.º 1, al. a), do CIRE). Não pode, pois, o devedor recusar-se a prestar essas informações, nem a juntar aos autos os documentos que lhe sejam solicitados, desde que relevantes para o processo. Ora, prevendo a lei que o pedido de exoneração é liminarmente indeferido se “[o] devedor tiver sido condenado por sentença transitada em julgado por algum dos crimes previstos e punidos nos artigos 227.º a 229.º do Código Penal nos 10 anos anteriores à data da entrada em juízo do pedido de declaração da insolvência ou posteriormente a esta data” e que o juiz, no despacho liminar, deve determinar que, durante os três anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência (período da cessão), o rendimento disponível que o devedor venha a auferir seja cedido ao fiduciário, havendo necessidade de o concretizar (artigos 238.º, n.º 1, al. g), e 239.º, n.º 2, do CIRE), logo se vê a relevância dos elementos pedidos. Não se escamoteia com isto que, nos termos do artigo 8.º, n.º 2, al. a), da Lei nº 37/2015 de 05/05, o juiz pode aceder à informação do registo criminal para decisão do incidente de exoneração do passivo restante do devedor no processo de insolvência de pessoas singulares. Mas, no caso, além do Apelante ter protestado juntar esses elementos e de ter pedido, depois, a prorrogação do prazo para o fazer na sequência de nova notificação que lhe foi dirigida para o efeito, a verdade é que o mesmo também não juntou aos autos nenhuma informação relativa aos seus rendimentos ou à sua alegada situação de desempregado. Todos estes elementos, no entanto, são, como dissemos, relevantes para a decisão do referido incidente. Seja, em razão da consequência prevista para a prática dos já citados crimes no período legalmente previsto, seja em razão da necessidade de concretização do rendimento disponível, que passa inelutavelmente pelo conhecimento da situação sócio económica do insolvente, devidamente atualizada. Matérias que este tem todo o interesse em clarificar, quando lhe são favoráveis. Acontece que o Apelante, como dissemos, não o fez. Nem depois de advertido para as consequências gravosas da sua omissão. Neste contexto, portanto, não pode deixar de se concluir que o mesmo atuou, no mínimo, com culpa grave. Isto é, atuou, no mínimo, com negligência grosseira. A tal ponto que se pode considerar, em tal enquadramento, que “só um devedor especialmente descuidado no cumprimento das suas obrigações é que não teria cumprido ou cumprido com verdade a obrigação de informação que recaia sobre si”[1]. No fundo, só uma pessoa particularmente negligente é que teria procedido de modo semelhante[2]. O que não pode deixar de ser particularmente censurável. Até porque nos encontramos no âmbito de um incidente que visa a reabilitação económica do devedor. O princípio geral nesta matéria – como se assinala no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18/03 - é o de poder ser concedida ao devedor pessoa singular a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou no período de cessão. A efetiva obtenção de tal benefício supõe, portanto, que, após a sujeição a processo de insolvência, o devedor permaneça no período de cessão - ainda adstrito ao pagamento dos créditos da insolvência que não hajam sido integralmente satisfeitos. “Durante esse período, ele assume, entre várias outras obrigações, a de ceder o seu rendimento disponível (tal como definido no Código) a um fiduciário (entidade designada pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência), que afectará os montantes recebidos ao pagamento dos credores. No termo desse período, tendo o devedor cumprido, para com os credores, todos os deveres que sobre ele impendiam, é proferido despacho de exoneração, que liberta o devedor das eventuais dívidas ainda pendentes de pagamento. A ponderação dos requisitos exigidos ao devedor e da conduta recta que ele teve necessariamente de adoptar justificará, então, que lhe seja concedido o benefício da exoneração, permitindo a sua reintegração plena na vida económica”. Ora, se já antes de iniciado o procedimento de exoneração (mas durante o processo de insolvência), o devedor demonstra um acentuado desleixo ou negligência grosseira no cumprimento das obrigações a que está adstrito, nomeadamente, no que concerne aos deveres de informação e colaboração em relação a informações e documentos relevantes para a decisão desse incidente, este não pode deixar de ser liminarmente rejeitado, como, de resto, se prevê no já citado artigo 238.º, n.º 1, al. g), do CIRE. E não se diga, como alega o Apelante, que parte das informações em falta poderiam ser obtidas pelos elementos constantes dos autos. Com efeito, se é verdade que o Apelante caracterizou, em parte, a sua situação sócio económica no requerimento que juntou aos autos no dia 26/09/2023, na sequência da notificação que anteriormente lhe fora dirigida nesse sentido (cfr. despacho de 19/09/2023), também é certo que não a comprovou, apesar de ter sido advertido para o fazer. Por outro lado, se é igualmente verdade que o Administrador Judicial faz referência a essa situação no relatório que elaborou e juntou aos autos no dia 08/01/2024, tudo aponta para que a mesma tenha sido colhida junto do próprio Apelante, nada permitindo concluir nem que seja certa, nem atualizada. Até porque nenhum documento junta nesse sentido. Donde só se pode concluir que nenhum dos fundamentos invocados neste recurso pode ser acolhido. E, sendo assim, como é, a decisão recorrida não pode deixar de ser confirmada. * III - Dispositivo Pelas razões expostas, acorda-se em negar provimento ao presente recurso e, consequentemente, confirma-se a decisão recorrida. * - Em função deste resultado, as custas serão pagar pelo Apelante – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Porto, 19/9/2024. João Diogo Rodrigues Rodrigues Pires João Proença _____________________________ [1] Ac. RC de 30/03/2020, Processo n.º 2846/18.4T8VIS-D.C1, consultável em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, Ac. RE de 13/05/2021, Processo n.º 7610/19.0T8STB-C.E1, consultável em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRE:2021:7610.19.0T8STB.C.E1.9E, no qual se exarou o seguinte sumário, com o qual concordamos: “Culpa grave, para efeitos do disposto na alínea g) do artigo 238.º do CIRE, corresponde à negligência grosseira, à conduta do devedor que, consciente dos deveres a que se encontrava vinculado, e da possibilidade de conformar a sua conduta de acordo com esses deveres, não o faz, em circunstâncias em que a maioria das pessoas teria atuado de forma diversa, pressupondo, portanto, um comportamento particularmente descuidado e, por isso, merecedor de viva censura”. [2] Neste sentido, por exemplo, Inocêncio Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7ª Edição, Wolters Kluwer/Coimbra Editora, pág.354. |