Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00040475 | ||
Relator: | AUGUSTO DE CARVALHO | ||
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO DIREITO DE DEFESA | ||
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Nº do Documento: | RP20070711709 | ||
Data do Acordão: | 07/04/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Indicações Eventuais: | LIVRO 493 - FLS 125. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Nos processos de contra-ordenação é assegurado ao arguido o direito de audiência e defesa, nos termos do art. 50º do DL 433/82, não se limitando esse direito à possibilidade de o arguido ser ouvido, mas abrangendo também o direito de intervir no processo, apresentando provas e requerendo diligências. II - Tendo sido preteridas diligências requeridas pelo arguido (audição de testemunhas arroladas), com o fundamento de que “não iriam trazer declarações significativas que alterassem o sentido presente do procedimento”, a decisão da autoridade administrativa é nula. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto. Inconformado com o despacho proferido no processo nº …./06.2TBVFR, do .º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, que declarou nula a decisão administrativa, bem como os actos posteriores dela dependentes, O Ministério Público recorreu para esta Relação, formulando, em síntese, as seguintes conclusões: - A decisão administrativa proferida nestes autos não padece de qualquer nulidade. - Mesmo que se entenda de forma diversa, a nulidade em causa seria sempre a prevista no artigo 120º, nº 2, alínea d), do C. P. Penal. - Assim sendo, essa nulidade terá ficado sanada com a impugnação judicial apresentada pela arguida, de acordo com o disposto no artigo 121º, nº 1, alínea c), do C. P. Penal. - Ao não se entender assim, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 41º, 54º e 62º, do DL nº 433/82, de 27 de Outubro, e nos artigos 119º, nº 1, alínea c), 120º, nº 2, alínea d), e 121º, nº 1, alínea c), todos do C. P. Penal. Nestes termos, deverá ser determinada a anulação da decisão proferida e substituída por outra que designe dia para a realização da audiência de julgamento, de acordo com o disposto no artigo 65º, do DL nº 433/82, de 27 de Outubro. A arguida não respondeu. Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, concordando com a motivação do Ministério Público da 1ª instância. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, não houve resposta. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir: Vejamos o teor do despacho recorrido: B………., Lda., não se conformando com a decisão proferida pela CCDRN (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte), a qual lhe aplicou uma coima única de 2.800 €, pela prática da contra-ordenação, prevista e punida na alínea v) do n.º 1 do art. 86.º do DL n.º 46/94, de 22 de Fevereiro, dela veio interpor recurso, com os fundamentos constantes de fls. 33 ss, invocando diversas nulidades, sobre as quais se pronunciou o Ministério Público a fls. 116 ss. O Tribunal é competente e o processo é o próprio. Comecemos então a analisar as invocadas nulidades. Alega a recorrente que quando foi “notificada em cumprimento do disposto no art. 50.º do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, não foi a mesma advertida nos termos e para os efeitos do disposto no art. 53.º, n.º 1, daquele diploma, segundo o qual o arguido da prática de uma contra-ordenação tem o direito de se fazer acompanhar de advogado, escolhido em qualquer fase do processo”, considerando que face à complexidade do processo a falta de advertência e/ou nomeação de defensor oficioso configura uma nulidade de todo o processo. O art. 32º, nº 10, da CRP consagra que nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa, e em conformidade com este preceito constitucional o art. 41.º, n.º 1, do DL. N.º 433/82, de 27OUT, com as alterações introduzidas pelo DL. N.º 244/95, de 14SET, determina que são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal. Por sua vez, o art. 53.º do DL n.º 433/82, de 27OUT, prevê que o arguido tem o direito de fazer acompanhar de advogado, escolhido em qualquer fase do processo, sendo que a autoridade administrativa nomeia defensor ao arguido, oficiosamente ou a requerimento deste, sempre que as circunstâncias do caso revelarem a necessidade ou a conveniência em o arguido ser assistido. Ou seja, o referido preceito consagra tal possibilidade, mas não a impõe, sendo certo que nem na fase jurisdicional a lei consagra tal obrigatoriedade. Assim se decidiu, nomeadamente, no Ac. RP de 16.6.2004, in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf onde se refere expressamente que “a falta de nomeação de defensor ao arguido na fase administrativa do processo de contra-ordenação não constitui nulidade”, bem como no Ac. RL de 13.11.2002 que refere que “nos processos de impugnação de contra-ordenação a regra geral é a da não obrigatoriedade de comparência do arguido à audiência, salvo se o juiz a considerar necessária ao esclarecimento dos factos - art. 67º, nº 1 do Dec. Lei 433/82 de 27/10 o que não dispensa a notificação da data de julgamento, podendo fazer-se representar por advogado com procuração escrita. O patrocínio do arguido por advogado, em tais processos, não é obrigatório como resulta dos arts. 53º, 59º, nº 2 e 68º, nº1 do Dec. Lei 433/82 de 27/10”. Improcede, pois, a invocada nulidade. Alegou também a recorrente que não lhe foram fornecidos «todos os elementos necessários para que ficasse a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o que configura uma nulidade». Para sustentar tal posição, a recorrente invoca o Assento n.º 1/2003, de 16.10.2002 e publicado no DR I Série - A, de 27 de Janeiro de 2003, segundo o qual “quando, em cumprimento do disposto no artigo 50.º do regime geral das contra-ordenações, o órgão instrutor optar, no termo da instrução contra-ordenacional, pela audiência escrita do arguido, mas, na correspondente notificação, não lhe fornecer todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o processo ficará doravante afectado de nulidade, dependente de arguição, pelo interessado / notificado, no prazo de 10 dias após a notificação, perante a própria administração, ou, judicialmente, no acto de impugnação da subsequente decisão / acusação administrativa”. No entanto, e como se escreveu na douta promoção que antecede, pode ler-se no citado arresto que “se a notificação, tendo lugar, não fornecer (todos) os elementos necessários para que o interessado fique a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o vício será o da nulidade sanável (artigos 283.º, n.º 3 do Código de Processo Penal e 41.º, n.º 1 do RGCO) arguível, pelo interessado/notificado (artigos 120.º, n.º 1 do CPP e 41.º, n.º 1 do RGCO), no prazo de 10 dias após a notificação (…), perante a própria administração ou, judicialmente, no acto da impugnação (artigos 121.º, n.º 3, al. c) e 41.º, n.º 1 RGCO). Se a impugnação se limitar a arguir a nulidade, o tribunal invalidará a instrução administrativa, a partir da notificação incompleta, e também por dela depender e a afectar, a subsequente decisão administrativa (…). Todavia, se o impugnante se prevalecer na impugnação judicial do direito preterido (abarcando na sua defesa, os aspectos de facto ou de direito omissos na notificação, mas presentes na decisão/acusação), a nulidade considerar-se-á sanada [artigos 121.º, n.º 1, alínea c) do CPP e 41.º, n.º 1 do RGCO]”. No caso concreto e tal como resulta quer da defesa escrita apresentada ainda na fase administrativa, quer do teor da impugnação judicial, a recorrente manifesta ter percebido perfeitamente qual o sentido da imputação subjectiva que estava subjacente à descrição dos factos que lhe eram imputados, de tal modo que a mesma não se limitou, no recurso que interpôs, a invocar a alegada nulidade. Neste mesmo sentido se decidiu também no Ac. RP de 30.6.2004, escrevendo-se que “as nulidades processuais cometidas no decurso do processo administrativo de contra-ordenação social ficam sanadas, se o arguido impugnar a decisão administrativa prevalecendo-se do direito preterido”, nomeadamente quando o(a) “recorrente, na impugnação judicial apresentada, não se limita a arguir a nulidade em causa, antes tendo, com a maior amplitude, contestado os factos que sustentam a decisão administrativa, arrolando testemunhas e juntando documentos. Ao assim proceder, exerceu o direito ao contraditório, que lhe tinha sido preterido, agora com mais garantias, porque perante um órgão judicial”. Assim sendo, improcede também esta alegada nulidade. Por outro lado, alegou também a recorrente que foram omitidas diligências de prova por si requeridas aquando do exercício do seu direito de defesa, o que prejudicou este último, pelo que, em seu entender, se verifica nulidade de todo o processado. Compulsados os autos, verificamos que efectivamente a recorrente requereu que fosse oficiado à C………., para que esta fornecesse determinados elementos, e se procedesse à inquirição das testemunhas indicadas a fls. 68. A tal propósito, na decisão recorrida escreveu-se que “face aos factos objectivos e concretos precedentes, considerou-se desnecessária a audição das testemunhas arroladas, tendo em conta que seguramente não iriam trazer aos presentes autos declarações significativas que alterassem o sentido presente deste procedimento, além de que estas não são ajuramentadas”. Nos termos do art. 50.º RGCO “não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre”. Tal disposição legal é um corolário do preceituado no art. 32.º, n.º 10 da CRP, onde se consagra que também nos processos de contra-ordenação são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa. Ora, a possibilidade de efectivo exercício deste direito pressupõe necessariamente que ao arguido seja dado conhecimento, antes de proferida a decisão de aplicação da sanção, dos factos que lhe são imputados, seu enquadramento jurídico e das sanções que a autoridade administrativa entende serem aplicáveis no caso concreto. Como referem Simas Santos e Lopes de Sousa, in Contra-Ordenações – Anotações ao Regime Geral, Vislis Editores, 2001, p. 295, “a não concessão ao arguido da possibilidade de ser ouvido sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre parece dever considerar-se uma nulidade insanável, enquadrável na alínea c) do n.º 1 do art.119.º. Com efeito, embora nesta norma se preveja como nulidade insanável a ausência do arguido ou do seu defensor quando a lei exigir a respectiva comparência, o objectivo evidente desta obrigatoriedade de comparência é a concessão ao arguido da possibilidade de exercer os direitos de defesa que a lei e a CRP impõem que lhe seja concedida e, por isso, esta norma deve ser interpretada extensivamente como visando todas as situações em que não foi concedida ao arguido, antes de lhe ser aplicada uma sanção, possibilidade de exercer direitos de defesa que obrigatoriamente lhe deve ser proporcionada”. Neste sentido, entre muitos outros, vejam-se os seguintes acórdãos: Ac. RE de 24.3.1992, CJ 1992, t. II, p. 308, Ac. RP de 4.6.2003, in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf, Ac. RE de 28.4.1998, BM J 476, 506. Neste sentido se pronunciaram os Ac. RL de 5.2.1997 proferidos nos processos com o n.º convencional JTRL00008235 e JTRL00008238, onde se refere expressamente que “não tendo num processo de contra-ordenação sido inquiridas pela autoridade administrativa as testemunhas indicadas pela arguida, cometeu-se nulidade consistente das omissões de diligências essenciais para a descoberta da verdade”, e o Ac. RC de 7.12.2000, proferido no proc. 2070/2000, in www.trc.pt. Na verdade, uma das formas de a arguida exercer o seu direito de defesa é precisamente através da indicação de meios de prova que, em seu entender, podem infirmar ou impor uma diferente valoração, nomeadamente jurídica, dos factos que lhe são imputados, podendo tal limitar-se designadamente à apreciação do elemento subjectivo da infracção. Como referem Simas Santos e Lopes de Sousa, ob. cit., p. 294, “o direito de defesa não se limita à possibilidade de o arguido ser ouvido no processo de contra-ordenação, abrangendo o direito de intervir neste, apresentando provas ou requerendo a realização de diligências”. Mais referem também que “caberá, no entanto, à entidade dirige o processo de contra-ordenação deferir ou não a realização das diligências requeridas, devendo abster-se de realizar as que se lhe não afigurem de utilidade para a descoberta da verdade”. Igualmente, neste sentido, se pronunciam António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, in Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, Almedina, 2.ª edição, p. 139, ao referirem que “questão diversa será a de saber se a autoridade administrativa está obrigada à prática dos actos requeridos pelo arguido e aí entendemos que a resposta terá de ser negativa. Na verdade, se aquela entidade preside à investigação e instrução apenas deverá praticar os actos que se proponham atingir as finalidades daquela fase processual o que pode não coincidir, necessariamente, com os actos propostos”. Mas se é pacífico que a autoridade administrativa se não encontra obrigada à realização de todas as diligências requeridas, consideramos que, ao preteri-las deverá justificar tal decisão, o que no caso concreto não foi feito de forma válida e fundamentada. Ora, é certo que, como se refere na promoção que antecede, não se poderá considerar que se verificou ausência absoluta do inquérito, uma vez que foram realizadas as diligências que a autoridade administrativa reputou de essencial e que, no caso concreto, se parecem ter limitado à apreciação dos diversos autos de notícia de contra-ordenação juntos ao processo. Por outro lado, também não resulta da decisão impugnada que a mesma tenha levado em consideração os elementos avançados pela recorrente, no seu exercício do direito de defesa, tendo-se limitado a autoridade administrativa a elencar tais argumentos, sem tecer quaisquer considerações críticas acerca dos mesmos e referindo, singela e conclusivamente, que “face aos factos objectivos e concretos precedentes, considerou-se desnecessária a audição das testemunhas arroladas, tendo em conta que seguramente não iriam trazer aos presentes autos declarações significativas que alterassem o sentido presente deste procedimento, além de que estas não são ajuramentadas”. Ora, se não é minimamente tido em conta o alegado pela arguida, nem que seja para se considerar que improcede a argumentação expendida (e porquê) de que serve efectivamente a notificação prevista no art. 50.º RGCO? Poder-se-à considerar que foi correctamente facultada a possibilidade de exercício do direito de defesa? Cremos, sinceramente, que não. Em tal situação, não obstante não se verificar ausência absoluta de inquérito, consideramos que foram efectivamente preteridas diligências que, em abstracto, se poderiam considerar relevantes para a decisão final a proferir. Assim sendo, tendo-se omitido diligências requeridas pela recorrente, e não se tendo ponderado minimamente a sua argumentação decorrente da notificação efectuada nos termos do art. 50.º RGCO, cremos que foi negado à recorrente a real e efectivo exercício do direito de defesa. Pelo exposto, declaro nula a decisão administrativa recorrida, bem como os actos posteriores dela dependentes, ao abrigo das disposições conjugadas dos art. 50.º RGCO e art. 119.º, n.º 1, al. c) CPP, e consequentemente ordeno o arquivamento dos presentes autos. Sem custas. Após trânsito, extraia certidão integral do processado e remeta à entidade administrativa recorrida, com vista à sanação do vício. Os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões da sua motivação, sem embargo de outras que sejam de conhecimento oficioso – artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal. A questão a decidir consiste em saber se a não realização das diligências requeridas e, designadamente, a falta de audição de três testemunhas arroladas pela arguida, no âmbito do processo contra-ordenacional, integra a nulidade prevista no artigo 119º, nº 1, alínea c), do C. P. Penal. O despacho recorrido declarou nula a decisão administrativa, bem como os actos dela dependentes, por se entender que a não realização pela entidade administrativa das diligências solicitadas pela arguida integrava a nulidade prevista no citado artigo 119º, nº 1, alínea c), do C. P. Penal, conjugado com o disposto no artigo 50º, do Dec. Lei nº 433/82, de 27 de Outubro. Cremos, porém, que a nulidade de que enferma a decisão administrativa não é esta, mas a prevista no artigo 120º, nº 1, alínea d), do C. P. Penal. De facto, a entidade administrativa decidiu que, “face aos factos objectivos e concretos precedentes, considerou-se desnecessária a audição das testemunhas arroladas, tendo em conta que seguramente não iriam trazer aos presentes autos declarações significativas que alterassem o sentido presente deste procedimento, além de que estas não são ajuramentadas”. A arguida tomou conhecimento dos factos que lhe eram imputados, das contra-ordenações que os mesmos integravam e das respectivas sanções e pronunciou-se por escrito sobre eles, indicando também as diligências de prova que pretendia ver realizadas. A decisão de realizar ou não essas diligências cabe, nos termos do artigo 54º, nº 2, do DL 433/82, de 27 de Outubro, à entidade administrativa e o comportamento desta, em abstracto, apenas pode integrar a nulidade consistente na “insuficiência do inquérito ou da instrução e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade” – artigo 120º, nº 2, alínea d), do C. P. Penal. O DL 433/82 não estabelece qualquer sanção para a violação do disposto no citado artigo 54º, nº 2. Daí que, seja necessário recorrer ao processo penal, por força do disposto no artigo 41º, do DL 433/82. Assim, tem vindo a ser decidido que «o conjunto de actos de investigação e de instrução realizados pela autoridade administrativa e que serviu de base à “acusação” em processo contra-ordenacional, passa a equivaler à fase que no processo penal se designa por “inquérito” e que tem por finalidade investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação – artigo 262º, nº 1, do CPP. Assim, a omissão da inquirição de testemunhas arroladas pela arguida tem que ser entendida como redundando na insuficiência do inquérito, o que constitui uma nulidade, embora dependente de arguição, como dispõe o artigo 120º, nº 2, do CPP (aplicável ao caso, por força do artigo 41º, nº 1, do RGCO). cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, de 16.11.2006, in www.dgsi.pt. Todavia, «a insuficiência do inquérito é uma nulidade genérica que só se verifica quando se tiver omitido a prática de acto que a lei prescreve como obrigatório e desde que para essa omissão a lei não disponha de forma diversa. A omissão de diligências de investigação não impostas por lei não determina a nulidade do inquérito por insuficiência, pois a apreciação da necessidade dos actos de inquérito é da competência exclusiva do Ministério Público». Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pág. 91. E também os tribunais superiores têm vindo a entender que só a ausência absoluta de inquérito ou a omissão de diligências impostas por lei determinam a nulidade do inquérito por insuficiência. cfr. acs. da RL, de 21.10.1999, CJ, Tomo IV, pág. 158; e da RP, de 24.5.2006, in www.dgsi.pt. Portanto, o comportamento da entidade administrativa, ao não realizar as diligências de prova requeridas pela arguida, designadamente, não ouvindo as testemunhas arroladas por aquela, apenas pode integrar a nulidade prevista no citado artigo 120º, nº 2, alínea d), do C. P. Penal, e não a do artigo 119º, nº 1, alínea c), do mesmo diploma legal. Não se verifica, no caso concreto, uma ausência total de inquérito, mas as diligências requeridas são obrigatórias, pois, a não realização das mesmas ofende o direito de defesa da arguida. Nos processos de contra-ordenação são assegurados ao arguido os direitos de audiência e de defesa, nos termos do artigo 50º, do RGCO, que estabelece o seguinte: “não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre”. O princípio de que ninguém pode ser punido sem que previamente lhe tenham sido asseguradas garantias de defesa é, hoje, considerado inquestionável e constitui um dos pilares fundamentais de todos os sistemas jurídicos. Mas, o direito de defesa não se limita à possibilidade de o arguido ser ouvido no processo de contra-ordenação, abrangendo também o direito de intervir neste, apresentando provas ou requerendo diligências. Na verdade, e como se refere no despacho recorrido, uma das formas de a arguida exercer o seu direito de defesa é precisamente através da indicação de meios de prova que, em seu entender, podem infirmar ou impor uma diferente valoração, nomeadamente, jurídica dos factos que lhe são imputados, podendo limitar-se à apreciação do elemento subjectivo da infracção. Não foi facultada a possibilidade do exercício da defesa à arguida, pois, é absolutamente inaceitável considerar que as testemunhas arroladas “não iriam trazer aos autos declarações significativas que alterassem o sentido presente deste procedimento”, sem proceder à respectiva audição. A autoridade administrativa não fundamentou, de forma válida e eficaz, a decisão de não efectuar as diligências requeridas pela arguida. E, sendo certo que tais diligências se devem considerar obrigatórias, aquela entidade administrativa não as podia preterir de livre vontade e sem fundamentação cabal. Portanto, o citado artigo 50º, do DL 433/82, de 27 de Outubro, consagra o direito de defesa do arguido, exigindo que lhe seja assegurada a efectiva possibilidade de produzir as provas que considere indispensáveis para poder defender, de forma válida e eficaz, a sua posição. Ao não proceder à realização das diligências requeridas e, nomeadamente, à inquirição das testemunhas arroladas, nem o fundamentando convenientemente, nos termos do artigo 120º, nº 2, alínea d), do C. P. Penal, aplicável “ex vi”, do artigo 41º, do DL 433/82, de 27/10, a decisão da autoridade administrativa é nula. Ao contrário do que defende o recorrente, tal nulidade só poderia considerar-se sanada, nos termos do artigo121º, nº 1, alínea c), do C. P. Penal, se essas mesmas testemunhas tivessem sido ouvidas na audiência que houvesse julgado a impugnação judicial da coima imposta pela autoridade administrativa, situação que, no caso concreto, não ocorreu, pois, o tribunal decidiu por simples despacho, nos termos do artigo 64º, do DL 433/82, de 27 de Outubro. Improcedem, assim, todas as conclusões formuladas, não tendo sido violado o disposto nos artigos 120º, nº 2, alínea d) e 121º, nº 1, alínea c), do C. P. Penal, e nos artigos 41º, 54º e 62º, do DL 433/82, de 27 de Outubro. Decisão: Pelos fundamentos expostos, os Juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam em negar provimento ao recurso e, consequentemente, embora com fundamento diverso, confirmar o despacho recorrido. Sem custas. Porto, 4 de Julho de 2007 António Augusto de Carvalho António Guerra Banha Jaime Paulo Tavares Valério |