Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
564/13.9GBOAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RENATO BARROSO
Descritores: FUNDAMENTAÇÃO
EXAME CRÍTICO DAS PROVAS
IMPUGNAÇÃO AMPLA DA MATÉRIA DE FACTO
CRIME DE EXTORSÃO
Nº do Documento: RP20151216564/13.9GBOAZ.P1
Data do Acordão: 12/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O exame crítico das provas, não exige a descrição pormenorizada dos testemunhos prestados mas também não se basta com o elencar dos testemunhos ouvidos e dos documentos examinados, sendo necessário que a decisão descreva, com clareza, o raciocínio efectuado pelo juiz, que o conduziu a dar determinados factos como provados ou não provados.
II – Na impugnação ampla da matéria de facto exige-se que o recorrente indique a sua decisão de facto em alternativa à decisão de facto que consta da decisão recorrida, justificando, em relação a cada facto alternativo, a razão porque deveria o Tribunal ter decidido de forma diferente.
III – São elementos típicos do crime de extorsão: a violência ou ameaça ou sujeição do ofendido à impossibilidade de resistir; a prática de actos pelo ofendido de disposição patrimonial, em situação de constrangimento; esses actos acarretem, para ele ou para terceiro prejuízo patrimonial efectivo, e a intenção do agente de, com a sua actuação, conseguir enriquecimento ilegítimo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 564/13.9GBOAZ.P1
1ª Secção

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

1. RELATÓRIO

A – Decisão Recorrida

No processo comum singular nº 546/13.9GBOAZ, da Comarca de Aveiro, Instância Local de Oliveira de Azeméis, Secção Criminal, J1, foram condenados os arguidos:

- B…, pela prática, em concurso efectivo e em co-autoria e autoria, respectivamente, de um crime de extorsão, p.p., pelo Artº 223 nº1 do C. Penal e um crime de injúria, p.p. pelo Artº 181 nº1 do mesmo Código, nas penas, também respectivamente, de 4 (quatro) meses de prisão e 1 (um mês) e 15 (quinze) dias de prisão e em cúmulo jurídico destas penas, na pena única de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, com a condição de pagar à assistente C… a quantia de €750,00 (setecentos e cinquenta euros), no prazo de 6 meses a contar do trânsito em julgado da sentença;

- D…, pela prática, em concurso efectivo e em co-autoria e autoria, respectivamente, de um crime de extorsão, p.p., pelo Artº 223 nº1 do C. Penal e um crime de injúria, p.p. pelo Artº 181 nº1 do mesmo Código, nas penas, também respectivamente, de 4 (quatro) meses de prisão e 1 (um mês) e 15 (quinze) dias de prisão e em cúmulo jurídico destas penas, na pena única de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, com a condição de pagar à assistente C… a quantia de €750,00 (setecentos e cinquenta euros), no prazo de 6 meses a contar do trânsito em julgado da sentença;

- E…, pela prática, em autoria, de um crime de injúria, p.p. pelo Artº 181 nº1 do Código Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz o total de € 300,00 (trezentos euros).

Mais foram condenados, em sede de indemnização civil, a pagar à demandante C…, os arguidos:
- B… e D…, solidariamente, pelos danos morais resultantes dos crimes de extorsão e de injúria, respectivamente, as quantias de € 1,000.00 (mil euros) e € 500,00 (quinhentos euros), acrescidas de juros deste a data da sentença até efectivo e integral pagamento;
- E…, pelos danos morais resultantes do crime de injúria, a quantia de € 100.00 (cem euros), acrescida de juros deste da data da sentença até efectivo e integral pagamento;

B – Recursos

Inconformados com o assim decidido, recorreram os arguidos B… e D....

B.1. Recurso do arguido B…

Este arguido concluiu as suas motivações do seguinte modo (transcrição):

1. O presente recurso reporta-se à impugnação da matéria de facto dada como provada, ao enquadramento jurídico-penal dos factos (fundamentação de facto) e à medida da pena aplicada – 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano subordinada a condição.
2. A falha na gravação dos depoimentos da arguida E… e testemunha F… constitui irregularidade processual relevante que em concreto “pode afetar” o acto, como resulta do citado artigo 123º ou que possa ter "efeito no exame ou decisão da causa", como refere o artigo 195º, nº1 do Novo Cód. Proc. Civil, lei subsidiária do processo penal (artigo 4º do CPP). Este entendimento resulta ainda do disposto no artigo 122º, nº3 do Cód. Proc. Penal que determina que "ao declarar uma nulidade o juiz aproveita todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela". Esta irregularidade influi na decisão da causa por obstar, quer à fundada impugnação da matéria de facto pelo ora Recorrente com base na gravação, quer à reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação, deverá, assim, proceder-se à invalidade do ato viciado.
3. O Arguido foi condenado em co-autoria material, de um crime de extorsão, previsto e punido pelo artigo 223º, nº 1 e em autoria um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181º, nº 1 todos do Cód. Penal numa pena de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano subordinada à condição de efectuar o pagamento da quantia de € 750,00 à assistente C….
4. O Tribunal a quo deu na sentença recorrida, como provados os factos seguintes (como se transcreve):
Em data que não foi possível determinar em concreto, mas a partir de meados de Agosto de 2013 e até ao dia 23 de Setembro do mesmo ano, e imputando à assistente C… a falta de pagamento de quantia monetária a título de rendas da casa onde aquela viveu e propriedade da arguida E…, os arguidos B… e E… decidiram que este último se deslocaria ao respetivo local de trabalho “G… de Oliveira de Azeméis”, onde aquela havia, em Novembro de 2012 iniciado o trabalho de funcionária na secção de frescos, pedindo-lhe o pagamento da quantia monetária não concretamente apurada e supra referida.
Assim o arguido B… dirigiu-se ao identificado local abordando a assistente e solicitando-lhe o pagamento da aludida quantia que lhe imputava em dívida. Uma vez que a assistente negava a existência de qualquer dívida e recusava o respetivo pagamento, o arguido B… juntamente com o arguido D…, decidiram entre si começar a intimidar a assistente, e de comum acordo e em conjugação de esforços traçaram um plano de perseguições e deslocações ao local de trabalho respetivo e decidiram executá-lo, com o objectivo de a pressionar e conseguirem assim obter montante pecuniário de valor não apurado e que sabiam não legitimamente devido.
Na execução desse plano previamente traçado os arguidos B… e D… dirigiram-se, várias vezes, ao “G… de Oliveira de azeméis e concretamente ao local de trabalho/secção de frescos onde aquela se encontrava a trabalhar de atendimento ao público e a ela se dirigindo apelidavam na de “puta” ao mesmo tempo que lhe diziam “paga o que deves, caloteira”.
De uma das vezes, os arguidos B… e D… dirigindo-se à ofendida, no local de trabalho da mesma, e em tom alto e proferindo as expressões: “Paga o que deves, sua puta, caloteira”, foi necessário que as testemunhas H…, chefe dos frescos, superiora hierárquica direta da assistente e F…, diretora de Loja, interviessem tendo esta última necessidade de contatar o segurança daquela área comercial por forma a controlar a situação.
Nessa mesma altura foi exigido pelos arguidos a presença desta última testemunha, à qual o arguido D… exigiu a identificação do número mecanográfico da assistente com vista a denunciar a mesma, ao que a aludida testemunha recusou.
Nesta altura e ante tal recusa o arguido D… insistindo pela aludida identificação exibiu o seu documento de elemento da GNR, identificando-se como autoridade, ao que a identificada Diretora F… manteve a recusa na cedência de tais elementos, questionando-o se ele consigo trazia algum elemento judicial que a obrigasse a ceder a aludida identificação, ao mesmo tempo que o encaminhou para o departamento jurídico, tendo ambos os arguido dali se ausentando.
Nessa altura e depois de interpolada pela superior hierárquica no sentido de que os assuntos pessoais não podiam ser resolvidos no local de trabalho, a assistente telefonou à arguida E… pedindo-lhe que o marido parasse de a incomodar ao que esta a apelida de “puta, caloteira que só andava com homens casados”
No dia 23 de Setembro de 2013, pelas 22 horas e 30 minutos, e na hora de saída do turno da assistente, os arguidos B… e D… dirigiram-se num veículo automóvel o para as imediações do “G…”, o primeiro conduzindo o veículo e o segundo no lugar de passageiros e a fim de aguardarem novamente pela saída da C…, de a perseguirem e de modo a continuar a intimidação a que se haviam proposto.
Quando esta caminhava no passeio em direção á sua residência e se aproximava junto às piscinas municipais, os dois arguidos aproximaram-se da mesma, colocando o veículo ao lado dela, momento em que o arguido D…, abriu a respetiva janela e o arguido B… exibindo uma pequena faca em punho, em tudo idêntica a uma faca de cozinha, ambos disseram à mesma: “Puta, paga o que deves, se não pagas a bem vais pagar a mal”, o que obrigou a assistente a colocar-se em fuga”.
5. Tendo o Tribunal a quo formado a sua convicção no depoimento da assistente C… e da testemunha I…, pai da sua filha.
6. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo julgou incorrectamente os referidos factos, porquanto em relação aos mesmos não foi produzida prova.
7. O Tribunal a quo não valorou convenientemente a prova produzida.
8. Os depoimentos prestados em audiência, nomeadamente as testemunhas I…, F…, K…, L…, M… não foram correctamente valorados.
9. Por outro lado, a prova produzida impunha decisão diversa da obtida pelo Tribunal a quo, ou seja, não podia ser dado como provado os factos elencados na sentença.
10. Pelo que, a prova produzida nos presentes autos impunha ao Tribunal a quo uma decisão oposta à que resulta plasmada na sentença recorrida.
11. Desta forma, o Tribunal a quo violou, entre outros o artigo 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa (princípio in dubio pro reo), os artigos 97º, nº5, 127º, 340º, 355º, e 374º, nº 2, todos do Cód. Proc. Penal.
12. Por outro lado, do texto da sentença recorrida resulta a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova, a que alude o artigo 410º, nº 2 alíneas a) e c) do Cód. Proc. Penal.
13. O preenchimento dos elementos que compõem os crimes imputados ao arguido, a existir, verificar-se-ia, como é natural, no momento em que este se dirige à assistente C….
14. Nos autos não foi invocado, muito menos demonstrado, que o arguido tivesse a intenção de obter para si um enriquecimento ilegítimo e que tenha infligido um prejuízo à Assistente ou que a tenha injuriado.
15. Pelo que não se encontram preenchidos os elementos do crime de extorsão e do um crime de injúria.
16. O Tribunal a quo fez uma subsunção errada dos factos ao crime de extorsão previsto e punido pelo artigo 223º, nº 1 e ao crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181º, nº 1 todos do Cód. Penal.
17. A Sentença ora objecto de recurso encontra-se, assim, ferido de uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, nos termos do artigo 410º, nº 2 alínea b) do Cód. Proc. Penal.
18. Existe, a nosso ver, nulidade da sentença por violação do disposto no artigo 379º, nº 1, alínea a), do Cód. Proc. Penal:
18.1. Dispõe o artigo 379º, nº 1, alínea a) que é nula a sentença que não tiver as menções referidas no artigo 374º, nº 2 e 3 alínea b) do C.P.P..
18.2. Este dever de fundamentar uma decisão judicial decorre do disposto no artigo 205º, nº 1, da C. R. P.. Na perspectiva do arguido é mesmo uma das suas garantias pessoais de defesa (Artigo 32º nº 1 da C.R.P.).
18.3 Para se aferir se uma decisão judicial está fundada na Lei, torna-se imperioso conhecer as razões que a sustentam. Como decorre do disposto no artigo 97º, nº 5, C. P.P. ao estabelecer que “Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”.
18.4. A sentença de que se recorre não cumpre o disposto artigo 374º, nº 2 do C.P.P., no sentido em que não cumpre a “ … exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão…” nem cumpre o obrigatório “… exame crítico das provas que serviram para tomar de base para formar a convicção do Tribunal formar a convicção do Tribunal”.
18.5. A douta Sentença recorrida, na motivação da decisão recorrida, no que se refere à prova testemunhal, elenca, sem descrever: “ declarações que foram prestadas pela assistente C…”, não quantifica, nem qualifica a valoração que lhe deu.
18.6. Com o que não cumpre o exigido no referido preceito legal.
18.7. A convicção do Tribunal recorrido não se pode traduzir em qualquer convicção subjectiva, mas antes numa convicção objectiva e motivável.
18.8. Pelo que resta ao Recorrente pedir ao Tribunal a que recorre que conheça de todos os erros que não impliquem a “reformacio in pejus”, mesmo os não especificados, atento o princípio da verdade material, que rege o processo penal, e perante uma situação que se traduz na liberdade de um cidadão cuja inocência é protegida constitucionalmente até trânsito em julgado da condenação, não há que impor entraves formais para evitar erro judiciário.
19. Mesmo assim, caso V. Exas. entendam pela condenação do arguido na pena de prisão suspensa, a pena é desajustada e demasiado punitiva.
20. Considerando-se a prática do crime de de extorsão e o crime de injúria, a pena de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano subordinada a condição de efectuar o pagamento da quantia de € 750,00 à assistente revela-se, com o devido respeito, desajustada à conduta do arguido, à inexistência de exigências de prevenção especial a acautelar e às demais circunstâncias processuais, porquanto a conjugação dos elementos probatórios dos autos permitia concluir pela aplicação ao recorrente de uma pena de multa.
21. Dispõe o artigo 71º do Cód. Penal que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e, na sua determinação concreta, o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, as condições pessoais do agente, a conduta anterior ao facto e a posterior a este.
22. De acordo com o artigo 40º do Cód. Penal, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.
23. O Arguido nunca demonstrou perigosidade nem os factos em que foi condenado são de tal modo graves para lhe ser aplicada uma pena privativa da liberdade, ainda que suspensa na sua execução e sob condição.
24. Nos termos do artigo 70º do Cód. Penal “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
25. O Arguido não tem antecedentes criminais e encontra-se inserido a nível pessoal e profissional.
26. Ao ter decidido, como decidiu, o Tribunal a quo violou os artigos 97º, nº 5, 123º, 127º, 243º, 246º, 283º, nº 3 alínea b), 285º 340º, 355º, nº 3, 374º, nº 2 e nº 3, alínea b), 379º, nº 1, alínea a) 410º, nº 2 alínea a) e c) e 412º do Código de Processo Penal, os artigos 40º, nº 1 e 2, 40º, 43º, 70º,71º, 72º, 223º, nº 1 e 181º, nº 1 do Código Penal, bem como os artigos 32º, nº 1 e nº 2 e 205º, nº 1 da Constituição República Portuguesa.
27. Nesta conformidade deverá a Douta Sentença proferida ser revogada e substituída por outra que absolva o Arguido da pena e do pedido de indemnização cível a que foi condenado com base em fundadas dúvidas sobre a prática dos factos por parte do Arguido, dado não ser verosímil atento os factos provados e não provados, que o Arguido tenha cometido o crime de extorsão e o crime de injúria.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a Douta Sentença proferida em primeira instância absolvendo-se o arguido da pena em que foi condenado, com todas as demais consequências legais.

B.2. Recurso do arguido D…

E este arguido da seguinte forma (transcrição):

I. Nos termos da sentença proferida, objeto deste recurso, o arguido B… foi condenado: em concurso efetivo e em co-autoria num crime de extorsão p. e p. pelo art. 223º, nº 1 do C.P., na pena de 4 meses de prisão; em concurso efetivo e em autoria num crime de injúria p. e p. pelo art. 181º, nº 1, do C.P., na pena de 1 mês e 15 dias de prisão; em cúmulo jurídico na pena única de 4 meses e 15 dias de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, subordinada à condição do arguido pagar à assistente C… quantia de 750,00 € no prazo de 6 meses a contar do trânsito em julgado desta sentença, desse pagamento devendo fazer prova nos autos; e, ainda, a pagar, solidariamente com os demais arguidos, à assistente/demandante a quantia de 1.000,00 € a título de indemnização pelos danos decorrentes do crime de extorsão, acrescido de juros, e, solidariamente com o arguido B…, a pagar à demandante a quantia de 500,00 €, acrescida de juros, a título de indemnização pelos danos decorrentes do crime de injúria.
II. O Recorrente ao pretender impugnar a decisão proferida quanto à matéria de facto verificou, pelo menos, falha na gravação dos depoimentos da arguida E…, aos 08:00 minutos, e da testemunha F…, a partir dos 11:15 minutos, prestados em Audiência, o que constitui irregularidade processual, nos termos do artigo 123º do Cód. Proc. Penal.
III. A inexistência ou falha do conteúdo das gravações dos depoimentos acarreta uma irregularidade relevante que em concreto “pode afetar” o ato (artigo 123º CPP) ou pode ter "efeito no exame ou decisão da causa" (art. 195º, nº1 do Novo Cód. Proc. Civil ex vi artigo 4º do CPP), por obstar, quer à fundada impugnação da matéria de facto pelo ora Recorrente com base na gravação, quer à reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação.
IV. O artigo 122º, nº3 do Cód. Proc. Penal determina que "ao declarar uma nulidade o juiz aproveita todos os atos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela".
V. Deverá, assim, proceder-se à invalidade do ato viciado na parte em que influi na decisão da causa e dos atos posteriores que dele dependam, nomeadamente a sentença recorrida.
VI. O Código de Proc. Penal vigente refere expressamente no artigo 97º, nº 5, o princípio geral que vigora sobre a fundamentação dos atos decisórios.
VII. O artigo 374º, nº 2, do C.P.P. impõe como requisito da sentença que: “ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal”.
VIII. O artigo 379º, nº 1, alínea a), do CPP dispõe que é nula a sentença que não tiver as menções referidas no artigo 374º, nº 2 e 3 alínea b), sendo que este dever de fundamentar uma decisão judicial decorre do disposto no artigo 205º, nº 1, da C. R. P., sendo uma das garantias pessoais de defesa do arguido (artigo 32º, nº 1, da C.R.P.).
IX. A sentença de que se recorre não cumpre o disposto no artigo 374º nº 2 do Cód. Proc. Penal, pois, a título exemplificativo, na motivação da decisão recorrida, no que se refere à prova testemunhal, elenca-se, sem se descrever, “ declarações que foram prestadas pela assistente C…”, não o tendo, porém, feito em concreto e pormenorizadamente e a convicção do Tribunal recorrido não se pode traduzir em qualquer convicção subjetiva, mas antes numa convicção objetiva e motivável.
X. A douta sentença proferida foi muito para além do que resulta do depoimento da assistente e das testemunhas indicadas por si, pelo que deve-se concluir pela nulidade de valoração das provas apresentadas.
XI. Para além de que a douta sentença de que se recorre encontra-se com algumas das suas partes imprecisas e sem sequência de texto, o que a torna, por vezes, obscura e pouco clara e, obviamente, acarreta a sua nulidade.
XII. O tribunal a quo considerou provado que:
“Em data que não foi possível determinar em concreto, mas a partir de meados de Agosto de 2013 e até ao dia 23 de Setembro do mesmo ano, e imputando à assistente C… a falta de pagamento de quantia monetária a título de rendas da casa onde aquela viveu e propriedade da arguida E…, os arguidos B…e E… decidiram que este último se deslocaria ao respetivo local de trabalho “ G… de Oliveira de Azeméis”, onde aquela havia, em Novembro de 2012 iniciado o trabalho de funcionária na secção dos frescos, pedindo-lhe o pagamento da quantia monetária não concretamente apurada e supra referida.
Assim o arguido B… dirigiu-se ao identificado local abordando a assistente e solicitando-lhe o pagamento da aludida quantia que lhe imputava em dívida. Uma vez que a assistente negava a existência de qualquer dívida e recusava o respetivo pagamento, o arguido B… juntamente com o arguido D…, decidiram entre si começar a intimidar a assistente, e de comum acordo e em conjugação de esforços traçaram um plano de perseguições e deslocações ao local de trabalho respetivo e decidiram executá-lo, com o objectivo de a pressionar e conseguirem assim obter montante pecuniário de valor não apurado e que sabiam não legitimamente devido.
Na execução desse plano previamente traçado os arguidos B… e D… dirigiram-se, várias vezes, ao “G… de Oliveira de Azeméis e concretamente ao local de trabalho/secção de frescos onde aquela se encontrava a trabalhar de atendimento ao público e a ela se dirigindo apelidavam na de “puta” ao mesmo tempo que lhe diziam “paga o que deves, caloteira”.
De uma das vezes, os arguidos B… e D… dirigindo-se à ofendida, no local de trabalho da mesma, e em tom alto e proferindo as expressões: “Paga o que deves, sua puta, caloteira”, foi necessário que as testemunhas H…, chefe dos frescos, superiora hierárquica direta da assistente e F…, diretora de Loja, interviessem tendo esta última necessidade de contatar o segurança daquela área comercial por forma a controlar a situação.
Nessa mesma altura foi exigido pelos arguidos a presença desta última testemunha, à qual o arguido B… exigiu a identificação do número mecanográfico da assistente com vista a denunciar a mesma, ao que a aludida testemunha recusou.
Nesta altura e ante tal recusa o arguido D… insistindo pela aludida identificação exibiu o seu documento de elemento da GNR, identificando-se como autoridade, ao que a identificada Diretora F… manteve a recusa na cedência de tais elementos, questionando-o se ele consigo trazia algum elemento judicial que a obrigasse a ceder a aludida identificação, ao mesmo tempo que o encaminhou para o departamento jurídico, tendo ambos os arguido dali se ausentado.
Nessa altura e depois de interpolada pela superior hierárquica no sentido de que os assuntos pessoais não podiam ser resolvidos no local de trabalho, a assistente telefonou à arguida E… pedindo-lhe que o marido parasse de a incomodar ao que esta a apelida de “puta, caloteira que só andava com homens casados”
No dia 23 de Setembro de 2013, pelas 22 horas e 30 minutos, e na hora de saída do turno da assistente, os arguidos B… e D… dirigiram-se num veículo automóvel o para as imediações do “G…”, o primeiro conduzindo o veículo e o segundo no lugar de passageiros e a fim de aguardarem novamente pela saída da C…, de a perseguirem e de modo a continuar a intimidação a que se haviam proposto.
Quando esta caminhava no passeio em direção á sua residência e se aproximava junto às piscinas municipais, os dois arguidos aproximaram-se da mesma, colocando o veículo ao lado dela, momento em que o arguido D…, abriu a respetiva janela e o arguido B… exibindo uma pequena faca em punho, em tudo idêntica a uma faca de cozinha, ambos disseram à mesma: “Puta, paga o que deves, se não pagas a bem vais pagar a mal”, o que obrigou a assistente a colocar-se em fuga.
A assistente não chegou a dar o dinheiro aos arguidos e desde esta data aqueles não mais a abordaram porquanto esta se dirigiu à GNR no dia imediato (24/09/2013) denunciando os factos e disso a testemunha I…, pai da filha da assistente, pessoalmente dirigindo-se junto dos arguidos D… e B… deu conhecimento dizendo-lhes para não mais incomodar a assistente.
Por via destes factos a assistente sempre que se desloca ao seu local de trabalho ou dele se ausenta em direção a sua casa tem receio que os arguidos apareçam e concretizem o ameaçado, sentindo-se em constante angústia, sofrimento, medo e receio pela vida, elevando-lhe os níveis de ansiedade e nervosismo.
A assistente vive sozinha com a sua filha menor de idade, sendo considerada pessoa reservada na sua relação social e profissional e trabalhadora.
A assistente sentiu-se envergonhada na sua honra e consideração pessoal e profissional, tanto mais que as expressões proferidas pelos arguidos B… e D… em tom de viva voz, publicamente e no seu local de trabalho.
Ao atuar pela forma descrita, em conjugação de esforços e de vontades, tinham os arguidos B… e D… consciência de que estavam a forçar a ofendida por meios violentos e intimidatórios a fazer-lhes a entrega de uma quantia monetária a que sabiam não ter direito do modo assim levado a cabo, causando à mesma constrangimento físico e intimidação de morte, o que conseguiram.
Não lograram obter a quantia monetária que exigiam por motivo alheio à vontade dos arguidos e nos termos supra descritos e bem sabiam ser a sua conduta proibida e punida pela lei criminal.
Ao proferir as palavras e expressões supra descritas cada um dos arguidos E…, B… e D… agiram com o propósito de ofender a assistente na sua honra, nome, reputação e consideração e idoneidade pessoal e profissional, como efetivamente aconteceu.
Mais sabiam estes arguidos que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, agindo voluntária, livre e conscientemente.
XIII. Na formação da sua convicção o Tribunal teve, principalmente, em consideração as declarações da ofendida C…, os depoimentos dos arguidos B… e E… e o depoimento prestado pela testemunha I….
XIV. No entanto, se ouvirmos com atenção as declarações da ofendida, nomeadamente ao minuto 00:38 a 01:01 e minuto 24:52 a 25:19 constatamos inequivocamente que a mesma declarou que nem sequer conhece o arguido B…, aqui recorrente, para além de que a mesma deu uma versão diferente dos factos na audiência de julgamento em relação à versão participada e conhecida no seu local de trabalho.
XV. Quanto aos depoimentos dos arguidos B… e E…, para além de ambos negarem a prática dos factos relatados nas acusações, em parte alguma dos seus depoimentos referem que o arguido D… teve qualquer envolvimento em qualquer factualidade suscetível de consubstanciar a prática de um crime.
XVI. Quanto à testemunha I…, cujo depoimento prestado na audiência de julgamento de 16.03.2015, desde as 15:25:31 horas às 15:58:38 horas, tal como consta da douta sentença proferida a dado passo, este declarou “não ter presenciado qualquer facto”.
XVII. Não podem, assim, restar dúvidas que das declarações das testemunhas sobreditas, no seu conjunto, não é possível aferir com um grau de certeza razoável, que o arguido tenha praticado os factos que foram dados como provados na douta sentença recorrida. Antes pelo contrário.
XVIII. Assim, o Tribunal a quo devia ter julgado como não provados todos os factos constantes da sentença que aí constam como provados e, principalmente, os imputados ao arguido B… e acima indicados na conclusão XII, ora objeto de recurso, pelo que se considera, para efeitos da al. a), nº 3, do art. 412º do C.P.P., que os mesmos foram incorretamente julgados.
XIX. Depois de uma análise rigorosa e nomeadamente às declarações e depoimentos através do registo áudio, constatamos que o Meritíssimo Julgador não atendeu e devia ter atendido às declarações das testemunhas H…, K… (o filho do arguido D…, aqui recorrente), L... e M….
XX. No que diz respeito à testemunha H…, que depôs na sessão de julgamento de 18.02.2015, desde as 16:27:24 horas até 17:01:54 horas, audível em suporte digital, por referência à ata, com início a 00:00:01 e o seu termo a 00:44:29, são relevantes as passagens do seu depoimento entre o minuto 09:14 a 12:04 e o minuto 14:36 a 18:18.
XXI. Por sua vez, a testemunha L…, que depôs na sessão de julgamento de 16.03.2015, desde as 16:00:07 horas até às 16:09:00 horas, audível em suporte digital, por referência à ata, com início a 00:00:01 e o seu termo a 00:08:52, são relevantes as passagens do seu depoimento entre o minuto 02:33 ao 08:50, donde nada resulta que possa ser imputado aos arguidos.
XXII. O mesmo se dizendo quanto depoimento da testemunha K…, realçando-se o que este declarou desde o minuto 08:11 a 08:38 e do minuto 08:53 a 09:55 e do minuto 15:30 a 16:17, que também inquina a factualidade dada como provada na sentença.
XXIII. O mesmo se diga quanto à testemunha M…, nomeadamente no que esta declarou ao minuto 03:49 a 04:43 e minuto 05:43 a 05:56 do seu depoimento.
XXIV. Por conseguinte, do depoimento de todas estas testemunhas, nem de qualquer outra, não resulta prova bastante de que o arguido D… tenha praticado a factualidade que consta como lhe sendo imputada na douta sentença proferida e a condenação do recorrente assenta, no fundo, como já atrás se disse, apenas nas declarações da assistente e na testemunha I…, pai da filha da assistente, cujos depoimentos se apresentam contraditórios, vagos e inseguros.
XXV. O Tribunal a quo ao dar como provados, designadamente, os factos que constam como tal na sentença ora objeto de recurso, os quais não resultaram de prova rigorosa produzida em audiência de julgamento, violou, entre outros, o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º do C.P.P. e violou, ainda, o disposto no art. 355º, nº 1, do C.P.P..
XXVI. Por outro lado, a prova produzida criou, na melhor das hipóteses, apenas dúvidas sobre a veracidade os factos.
XXVII. Pelo que, é evidente a insuficiência probatória para a decisão da matéria de facto provada.
XXVIII. Pelo exposto, o tribunal a quo, condenando o recorrente, violou, ainda, o princípio do «in dubio pro reo», consagrado no nº 2, do art. 32º da C.R.P., o qual devia ter sido interpretado e aplicado no sentido da sua absolvição.
XXIX. A douta sentença proferida violou ainda o artigo 223º, nº 1 e o art. 181º, nº 1 do C. Penal.
XXX. Isto porque de toda a prova produzida nos autos, fácil é de concluir que o arguido D… não praticou os crimes de que vem acusado e que não se verificam no caso preenchidos todos os elementos dos tipos legais de crime de que o mesmo vem acusado.
XXXI. São elementos típicos do crime de extorsão: a violência ou ameaça ou sujeição do ofendido à impossibilidade de resistir; prática de atos, pelo ofendido, de disposição patrimonial, em situação de constrangimento; que esses atos acarretem, para ele ou para terceiro, prejuízo patrimonial efectivo; e intenção do agente de, com a sua atuação, conseguir enriquecimento ilegítimo. O que indubitavelmente não se verifica no caso dos autos.
XXXII. Por último, nenhuma prova foi produzida no sentido de que o arguido D… dirigiu à assistente palavras e imputações concretas ofensivas da sua honra e consideração.
XXXIII. Os elementos dos tipos legais dos crimes de extorsão e injúria não se encontram todos preenchidos, pelo que o Tribunal a quo fez uma subsunção errada dos factos aos crimes previstos nos arts. 223º, nº 1, e 181º, nº 1, do CP, os quais deviam ter sido interpretados e aplicados no sentido da absolvição do recorrente.
XXXIV. O Tribunal a quo não teve em conta a personalidade do Arguido e a sua integração na sociedade.
XXXV. O Arguido não tem antecedentes criminais e muito menos relevantes para o caso em apreço.
XXXVI. Ficou provado na douta sentença que o Arguido está bem integrado social e familiarmente, o que faz diminuir as exigências de prevenção geral e especial.
XXXVII. Não se compreende por que razão o recorrente foi condenado em pena de prisão pela alegada prática de um crime de injúria, pena essa que é assim demasiado punitiva em face dos elementos concretos carreados para o processo, que, neste caso, é absolutamente infundamentada.
XXXVIII. Aquando da decisão de aplicar-lhe pena de prisão pela prática de um crime de injúrias, o Meritíssimo Juiz a quo não teve em atenção a personalidade, a integração social e situação pessoal do arguido, apresentando-se a mesma desajustada e demasiado punitiva em face do preceituado nos artigos 71º, nº 2, 72º e 73º do Código Penal.
XXXIX. O mesmo se passando com a pena aplicada ao arguido pelo crime de extorsão, que é totalmente infundamentada.
XL. A douta decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo violou, assim e também, o disposto nos artigos 41º, 43º, nº 1 e 47º do Código Penal.
XLI. Não tendo o recorrente praticado os crimes em que foi condenado, deve o pedido de indemnização civil ser julgado improcedente por não provado, sem prejuízo de que o montante indemnizatório, que foi fixado a título de danos não patrimoniais, é manifestamente excessivo e injustificado.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida e, em consequência, o recorrente ser absolvida dos crimes em que foi condenado, bem como do respectivo pedido de indemnização civil, fazendo-se, assim, a habitual e necessária Justiça.

C – Respostas aos Recursos

Quer o M. P, junto do tribunal recorrido, quer a assistente, responderam aos recursos.

C. 1. Resposta do M.P. ao recurso do arguido B…

Na sua resposta a este recurso, o M.P. concluiu assim (transcrição):

1. Da audição da gravação da presente audiência de julgamento não detectamos qualquer falha no depoimento prestado pela testemunha F…, sendo o mesmo perfeitamente perceptível e audível.
2. No que concerne ao depoimento da arguida E…, a alegada falha na gravação deve-se simplesmente ao facto da arguida estar literalmente a “gritar” para o microfone, fazendo feed-back, o que dificulta, mas não impede a percepção do que por esta foi dito(sem qualquer relevância para a prova, diga-se).
3. O Tribunal “a quo” apreciou devidamente os factos integradores dos crimes de extorsão e de injúria pelos quais o recorrente foi condenado na pena única de 4 meses e 15 dias de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano.
4. O Tribunal “a quo” ao dar como provados e não provados os factos vertidos na predita Sentença, fê-lo com base no conjunto da prova produzida em audiência de discussão e julgamento e no uso do princípio da livre apreciação da prova.
5. Na verdade, não resulta do texto da sentença recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, que tenha ocorrido alguma das situações descritas no artigo 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal, maxime, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ou falta dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação do exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
6. Conforme se constata da leitura do enquadramento jurídico efectuado na douta sentença recorrida, a Mma. Juiz a quo apreciou cuidadamente a factualidade dada como provada, articulando-a com os elementos objectivos e subjectivos dos crimes em apreço, entendendo e bem, que estaríamos perante um crime de extorsão na forma tentada.
7. Da leitura de toda a fundamentação de facto e de direito da douta sentença recorrida constata-se, de forma evidente, que, por mero lapso e esquecimento, a Mma. Juiz a quo, no dipositivo da sentença não indicou que o crime de extorsão em apreço seria na forma tentada e não consumada, motivo pelo qual a prática do referido crime pelos arguidos não acarretou efectivo prejuízo para a ofendida.
8. De igual forma, tendo sido dado como provado que os arguidos B… e D… haviam dito à assistente “paga o que deves sua puta, se não pagas a bem pagas a mal”, inexiste qualquer dúvida de que tal conduta integra os elementos do tipo do crime de injúria, pelo qual foram condenados.
9. A Mma. Juiz a quo explicitou de forma bem esclarecedora os critérios que fundamentaram a escolha e a medida concreta da pena a aplicar aos arguidos, critérios esses, que em nosso entender, são de total correcção e justeza, não merecendo qualquer critica.
Pelo exposto, entendemos que negando-se provimento ao recurso, confirmando-se a Sentença recorrida, farão, V. Ex.as, como sempre Justiça

C. 2. Resposta do M.P. ao recurso do arguido D…

E nesta resposta, concluiu desta forma (transcrição):

1. Da audição da gravação da presente audiência de julgamento não detectamos qualquer falha no depoimento prestado pela testemunha F…, sendo o mesmo perfeitamente perceptível e audível.
2. No que concerne ao depoimento da arguida E…, a alegada falha na gravação deve-se simplesmente ao facto da arguida estar literalmente a “gritar” para o microfone, fazendo feed-back, o que dificulta, mas não impede a percepção do que por esta foi dito(sem qualquer relevância para a prova, diga-se).
3. O Tribunal “a quo” apreciou devidamente os factos integradores dos crimes de extorsão e de injúria pelos quais o recorrente foi condenado na pena única de 4 meses e 15 dias de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano.
4. O Tribunal “a quo” ao dar como provados e não provados os factos vertidos na predita Sentença, fê-lo com base no conjunto da prova produzida em audiência de discussão e julgamento e no uso do princípio da livre apreciação da prova.
5. Na verdade, não resulta do texto da sentença recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, que tenha ocorrido alguma das situações descritas no artigo 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal, maxime, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ou falta dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação do exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
6. Conforme se constata da leitura do enquadramento jurídico efectuado na douta sentença recorrida, a Mma. Juiz a quo apreciou cuidadamente a factualidade dada como provada, articulando-a com os elementos objectivos e subjectivos dos crimes em apreço, entendendo e bem, que estaríamos perante um crime de extorsão na forma tentada.
7. Da leitura de toda a fundamentação de facto e de direito da douta sentença recorrida constata-se, de forma evidente, que, por mero lapso e esquecimento, a Mma. Juiz a quo, no dipositivo da sentença não indicou que o crime de extorsão em apreço seria na forma tentada e não consumada, motivo pelo qual a prática do referido crime pelos arguidos não acarretou efectivo prejuízo para a ofendida.
8. De igual forma, tendo sido dado como provado que os arguidos B… e D… haviam dito à assistente “paga o que deves sua puta, se não pagas a bem pagas a mal”, inexiste qualquer dúvida de que tal conduta integra os elementos do tipo do crime de injúria, pelo qual foram condenados.
9. A Mma. Juiz a quo explicitou de forma bem esclarecedora os critérios que fundamentaram a escolha e a medida concreta da pena a aplicar aos arguidos, critérios esses, que em nosso entender, são de total correcção e justeza, não merecendo qualquer critica.
Pelo exposto, entendemos que negando-se provimento ao recurso, confirmando-se a Sentença recorrida, farão, V. Ex.as, como sempre Justiça.

C. 3. Resposta da assistente aos recursos dos arguidos
A assistente respondeu aos recursos dos arguidos na mesma peça, concluindo do seguinte modo (transcrição):

1) Devem os presentes recursos apresentados pelos arguidos/recorrentes, B… e D…, serem rejeitados liminarmente, porquanto,
2) Os recorrentes ao impugnar a matéria de facto dada como provada referenciados em “(...) II – Fundamentos de facto: (...)” constantes da sentença proferida objecto dos recursos interpostos (vide páginas 3, 4, 5, 6 e 7), têm de cumprir com o estabelecido na lei processual, relativamente á prova gravada (artigos 412º; 413º e 428º, todos do CPP), o que nas motivações apresentadas não se verifica.
Logo,
3) Os arguidos/recorrentes nos seus recursos, a que ora se responde, violam o disposto no artigo 412º do CPP, pois, a falta de indicação, nas conclusões da motivação de qualquer das menções contidas nas alíneas a); b) e c), tem como efeito a rejeição liminar dos recursos apresentados pelos arguidos/recorrentes,
4) Tendo o preceituado no artigo 412º do CPP, caracter imperativo, e,
5) Não tendo os recorrentes indicado com exactidão as passagens da gravação em que fundamentam a sua impugnação,
6) Devem os respectivos recursos ser rejeitados ab initio. Porém,
7) Caso, V.Ex.as, assim o não entendam, sempre dirá a recorrida que, a douta sentença proferida será de manter em toda a sua extensão, porquanto,
8) O tribunal recorrido fez a correcta aplicação das normas constitucionais e legais da admissibilidade e valoração da prova carreada para os presentes autos.
9) Não era de aplicar o princípio do “ in dúbio pro reo”, a ambos os arguidos, e, portanto não houve qualquer violação do mesmo,
10) Só haveria lugar á aplicação de tal princípio, se o tribunal “ a quo”, concluída a valoração da prova, tivesse aportado a uma situação de dúvida razoável, relativamente aos pontos da matéria de facto dada como provada, o que não se verificou.
11) O tribunal recorrido fez uma correcta apreciação da prova produzida em audiência, no que toca á totalidade dos pontos referenciados em, II – Fundamentação dos factos, da matéria de facto dada como provada.
12) Bem andou, pois, o Tribunal recorrido ao condenar os arguidos/recorrentes pela prática dos crimes de injúria e extorsão, na pena única de quatro meses e quinze dias de prisão, para cada um dos arguidos, suspensa na sua execução pelo período de um ano, subordinada à condição de pagamento á assistente dos valores aí indicados, (€ 750,00 a cada um dos arguidos), a titulo de compensação pelos danos para a mesma resultantes da conduta ilicita dos mesmos.
13) A sentença recorrida mostra-se devidamente fundamentada, de facto e de direito, não ostentando qualquer dos vicíos apontados pelos recorrentes, pelo que,
14) O Tribunal “á quo”, não violou os preceitos normativos insertos nos artigos 127º e 410º do CPP e artigos 40º n.º 2; 70º; 71º; 72º n.º 1 alínea d) e 73º alíneas a) e b), do Código Penal.
15) Aliás as penas parcelares e única aplicadas aos arguidos, quando muito e no humilde entendimento da assistente/recorrida, afiguram-se injustas, porque, diminutas, desadequadas e desproporcionais, atendendo á natureza e gravidade dos factos dados como provados, ao grau de culpa e personalidade dos agentes, e aos demais elementos pessoais e sociais carreados para os autos.
16) Não existe qualquer violação da disposição do artigo 374º do C.P.P. e, consequentemente, da constante na alínea a) do n.º 1 do artigo 379º do CPP, pelo que,
17) Mantendo-se e confirmando-se a decisão recorrida, na sua globalidade, e, os factos provados constantes da matéria dada como provada, far-se-á inteira Justiça

D – Tramitação subsequente

Aqui recebidos, foram os autos com vista ao Exmº Procurador-geral Adjunto, que pugnou pela manutenção da decisão recorrida.
Observado o disposto no Artº 417 nº2 do CPP, não foram apresentadas respostas.
Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

A – Objecto do recurso

De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/"www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria) o objecto do recurso define-se pelas conclusões que os recorrentes extraem da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Na verdade e apesar dos recorrentes delimitarem, com as conclusões que extraem das suas motivações de recurso, o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, este contudo, como se afirma no citado aresto de fixação de jurisprudência, deve apreciar oficiosamente da eventual existência dos vícios previstos no nº2 do Artº 410 do CPP, mesmo que o recurso se atenha a questões de direito.
As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem, assim, da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no nº 2 do Artº 410 do CPP, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no nº1 do Artº 379 do mesmo diploma legal.
In casu, constata-se que os recursos dos arguidos são muito semelhantes e levantam as mesmas questões, que são as seguintes, alinhadas de uma forma lógica e sistemática:

1) Deficiente gravação da prova;
2) Nulidade da sentença;
3) Erro de Julgamento;
4) Preenchimento dos crimes de extorsão e injúrias;
5) Alteração das penas;
6) Improcedência do pedido de indemnização civil;

B – Apreciação

Definidas as questões a tratar, importa considerar o que se mostra fixado, em termos factuais, pela instância recorrida.
Aí, foi dado como provado e não provado, o seguinte (transcrição):

II- Fundamentos de facto:
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos, com interesse para a decisão a proferir:
Em data que não foi possível determinar em concreto, mas a partir de meados de Agosto de 2013 e até ao dia 23 de Setembro do mesmo ano, e imputando à assistente C… a falta de pagamento de quantia monetária a titulo de rendas da casa onde aquela viveu e propriedade da arguida E…, os arguidos B… e E… decidiram que este último se deslocaria ao respetivo local de trabalho “G… de Oliveira de Azeméis”, onde aquela havia, em Novembro de 2012 iniciado o trabalho de funcionária na secção dos frescos, pedindo-lhe o pagamento da quantia monetária não concretamente apurada e supra referida.
Assim o arguido B… dirigiu-se ao identificado local abordando a assistente e solicitando-lhe o pagamento da aludida quantia que lhe imputava em dívida.
Uma vez que a assistente negava a existência de qualquer divida e recusava o respetivo pagamento, o arguido B… juntamente com o arguido D…, decidiram entre si começar a intimidar a assistente, e de comum acordo e em conjugação de esforços traçaram um plano de perseguições e deslocações ao local de trabalho respetivo e decidiram executá-lo, com o objetivo de a pressionar e conseguirem assim obter montante pecuniário de valor não apurado e que sabiam não legitimamente devido.
Na execução desse plano previamente traçado os arguidos B… e D… dirigiram-se, várias vezes, ao “G… de Oliveira Azeméis” e concretamente ao local de trabalho/secção de frescos onde aquela se encontrava a trabalhar de atendimento ao público e a ela se dirigindo apelidavam na de “puta” ao mesmo tempo que lhe diziam “ paga o que deves, caloteira”.
De uma das vezes, os arguidos B… e D… dirigindo-se à ofendida, no local de trabalho da mesma, e em tom alto e proferindo as expressões: “Paga o que deves, sua puta, caloteira”, foi necessário que as testemunhas H…, chefe dos frescos, superiora hierárquica direta da assistente e F…, diretora de Loja, interviessem, tendo esta última necessidade de contatar o segurança daquela área comercial por forma a controlar a situação.
Nessa mesma altura foi exigido pelos arguidos a presença desta última testemunha, à qual o arguido D… exigiu a identificação do número mecanográfico da assistente com vista a denunciar a mesma, ao que a aludida testemunha recusou.
Nesta altura e ante tal recusa o arguido D… insistindo pela aludida identificação exibiu o seu documento de elemento da GNR, identificando-se como autoridade, ao que a identificada Diretora F… manteve a recusa na cedência de tais elementos, questionando-o se ele consigo trazia algum elemento judicial que a obrigasse a ceder a aludida identificação, ao mesmo tempo que o encaminhou para o departamento jurídico, tendo ambos os arguido dali se ausentado.
Nessa altura e depois de interpolada pela superior hierárquica no sentido de que os assuntos pessoais não podiam ser resolvidos no local de trabalho, a assistente telefonou à arguida E… pedindo-lhe que o marido parasse de a incomodar ao que esta a apelida de “puta, caloteira que só andava com homens casados”
No dia 23 de Setembro de 2013, pelas 22 horas e 30 minutos, e na hora de saída do turno da assistente, os arguidos B… e D… dirigiram-se num veiculo automóvel o para as imediações do “G…”, o primeiro conduzindo o veiculo e o segundo no lugar de passageiros e a fim de aguardarem novamente pela saída da C…, de a perseguirem e de modo a continuar a intimidação a que se haviam proposto.
Quando esta caminhava no passeio em direção á sua residência e se aproximava junto às piscinas municipais, os dois arguidos aproximaram-se da mesma, colocando o veículo ao lado dela, momento em que o arguido D…, abriu a respetiva janela e o arguido B… exibindo uma pequena faca em punho, em tudo idêntica a uma faca de cozinha, ambos disseram à mesma: “Puta, paga o que deves, se não pagas a bem vais pagar a mal”, o que obrigou a assistente a colocar-se em fuga.
A assistente não chegou a dar o dinheiro aos arguidos e desde esta data aqueles não mais a abordaram porquanto esta se dirigiu à GNR no dia imediato (24/09/2013) denunciando os factos e disso a testemunha I…, pai da filha da assistente, pessoalmente dirigindo-se junto dos arguidos D… e B… deu conhecimento dizendo-lhes para não mais incomodar a assistente.
Por via destes factos a assistente sempre que se desloca ao seu local de trabalho ou dele se ausenta em direção a sua casa tem receio que os arguidos apareçam e concretizem o ameaçado, sentindo-se em constante angustia, sofrimento, medo e receio pela vida, elevando-lhe os níveis de ansiedade e nervosismo.
A assistente vive sozinha com a sua filha menor de idade, sendo considerada pessoa reservada na sua relação social e profissional e trabalhadora.
A assistente sentiu-se envergonhada na sua honra e consideração pessoal e profissional, tanto mais que as expressões proferidas pelos arguidos B… e D… em tom de viva voz, publicamente e no seu local de trabalho.
Ao atuar pela forma descrita, em conjugação de esforços e de vontades, tinham os arguidos B… e D… consciência de que estavam a forçar a ofendida por meios violentos e intimidatórios a fazer-lhes a entrega de uma quantia monetária a que sabiam não ter direito do modo assim levado a cabo, causando à mesma constrangimento físico e intimidação de morte, o que conseguiram.
Não lograram obter a quantia monetária que exigiam por motivo alheio à vontade dos arguidos e nos termos supra descritos e bem sabiam ser a sua conduta proibida e punida pela lei criminal.
Ao proferir as palavras e expressões supra descritas cada um dos arguidos E…, B… e D… agiram com o propósito de ofender a assistente na sua honra, nome, reputação e consideração e idoneidade pessoal e profissional, como efetivamente aconteceu.
Mais sabiam estes arguidos que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, agindo voluntária, livre e conscientemente.
Os arguidos E… e B… são casados um com o outro e vivem em casa própria propriedade daquela.
A arguida E… é reformada, auferindo cerca de 250€ mensais, exercendo o arguido B… trabalhos na área da construção civil auferindo cerca de €600,00 mensais e são bem considerados pelos seus amigos.
Os arguidos costumam ter a viver no r/c e anexos da respetiva residência várias pessoas não se logrando concretamente apurar ou quantificar os benefícios ou contribuições monetárias que deles recebem.
O arguido D… encontra-se em situação de reformado da GNR auferindo mensalmente o valor de €1004,00, vive sozinho e em casa própria pela qual e a titulo de amortização bancária despende a quantia de €186,00 mensais
Os arguidos são primários.
*
Factos não provados:
Da audiência de julgamento não resultou provado que:
“Por três ocasiões, o arguido D… exibiu o seu cartão de militar da GNR e, dirigindo-se à ofendida, no local de trabalho da mesma, disse-lhe: “ou pagas ou prendo-te”; Dirigindo-se à diretora do hipermercado onde a assistente trabalha lhe disse: “Você é que é a Directora? Tá a ver quem eu sou? E exibindo o seu documento de elemento da GNR enquanto reformado disse “Olhe bem para este cartão, quero imediatamente a identificação da funcionária C….” E para além do dado como assente, o arguido D… tivesse dito “Não preciso de mandado nem notificação nenhuma, eu sou polícia, posso exigir-lhe a identificação da funcionária”; Todos os arguidos fizeram sucessivas chamadas telefónicas efetuadas para o telemóvel da ofendida a pedido da referida arguida E…; que os factos levados ao acervo probatório e referentes à deslocação, expressões e comportamento descritos nos fatos provados pelos arguidos B… e D… fosse do conhecimento da arguida E… ou a mando da arguida E… ou juntamente com a arguida fosse traçado o aludido nos termos executados pelos arguidos B… e D… nos factos positivos, agindo esta de forma deliberada e em conjugação de esforços com os demais arguidos com vista a obter a quantia monetária em causa; Para além das expressões referidas nos factos provados pela arguida E… esta tivesse, noutras ocasiões proferido iguais expressões ou dito à assistente que “ela queria o seu marido, que lhe queria destruir o casamento ou ainda lhe tenha dito “se não pagas a bem pagas a mal”.
Estabelecida a base factual pela sentença em análise, importa apreciar da bondade do peticionado pelos recorrentes:

B.1. Deficiência da gravação;

Invocam os arguidos a nulidade do julgamento por deficiente registo da prova produzida, nomeadamente, no que respeita às declarações da arguida e da testemunha F….
Entendem os recorrentes, que tal circunstância os impede de sindicar a matéria de facto constante da sentença condenatória, o que terá de acarretar a nulidade parcial do julgamento com a sua necessária repetição.
Esta matéria tem sido apreciada e decidida, de forma algo dispersa e divergente pela jurisprudência, na medida em que estamos na presença de um vício que, caberia, em primeira mão, ao tribunal de julgamento repará-lo pois compete-lhe velar pela conformidade legal do processado.
Em sede de qualificação jurídica deste vício, a questão ficou, de algum modo, resolvida, com a alteração introduzida pela Lei nº 48/07 de 29/08 no Artº 363 do CPP, ao plasmar a imperatividade da documentação da prova oralmente recolhida na audiência em todas as formas de processo, sob pena de nulidade, assim se considerando caducada a jurisprudência fixada no Acórdão do STJ nº 5/02, que definia o aludido vício como uma irregularidade, a qual, tendo sido sendo sanada, por não ter sido arguida no prazo legal, tornava inviável o seu conhecimento pelo tribunal de recurso.
Legalmente definido o vício decorrente da omissão de documentação da prova oralmente prestada em audiência, como uma nulidade, parece claro que tal natureza deve abranger, quer os casos de absoluta falta de documentação da prova, quer também nas situações em que a mesma se revela deficiente, por inaudível ou incompreensível.
Com efeito, uma deficiente documentação da prova, designadamente, por imperceptibilidade da gravação, traduz realidade exactamente igual à traduzida pela sua falta ou omissão.
Em ambas as situações, o que está em causa é a garantia de um efectivo duplo grau de jurisdição no recurso em matéria de facto, que só pode ser assegurada se o tribunal superior estiver em condições de ouvir as declarações das testemunhas que levaram o tribunal recorrido à decisão que é alvo de censura pelo recorrente.
Assim sendo, a deficiente gravação das declarações constitui nulidade, sujeita ao regime de arguição e de sanação, composto pelos Artsº 105 nº1, 120 nº1 e 121, todos do CPP, conjugados com o Artº 9 do D.L. 39/95 de 16/02.
Este era o entendimento que já anteriormente se defendia como o mais consentâneo com o vício em causa, o que implicava, sob pena da sua sanação, que fosse atempadamente invocado, ou seja no prazo geral de 10 dias a contar da data em que tivesse ocorrido, ou seja, da sessão de julgamento em causa em que se tivessem verificado as alegadas deficiências de gravação da prova.
Isto mesmo veio a ser reafirmado pelo Pleno das Secções Criminais do S.T.J, que na sua sessão de 03/07/14, fixou, sobre esta matéria, jurisprudência nos seguintes termos: «A nulidade prevista no Artº 363 do CPP deve ser arguida perante o tribunal da 1ª instância, em requerimento autónomo, no prazo geral de 10 dias, a contar da data da sessão da audiência em que tiver ocorrido a omissão da documentação ou a deficiente documentação das declarações orais, acrescido do período de tempo que mediar entre o requerimento da cópia da gravação, acompanhado do necessário suporte técnico, e a efectiva satisfação desse pedido pelo funcionário, nos termos do nº3 do Artº 101 do mesmo diploma, sob pena de dever considerar-se sanada»
Nessa medida, descendo ao concreto da situação - e sem prejuízo de se entender que os testemunhos em causa, são, no essencial, perceptíveis – a verdade é que são os próprios recorrentes que admitem que apenas anotaram na questão em sede de recurso, o que torna evidente que, nessa data, já se mostrava esgotado o prazo para arguir a nulidade.
Termos em que terá de improceder, sem necessidade de mais fundamentação, esta invocada questão prévia.

B.2. Nulidade da sentença;

Dizem os recorrentes que a sentença recorrida é nula por carecer do exame crítico exigido pela lei, sendo insuficiente no que respeita à fundamentação da motivação, designadamente, no que toca à razão de ciência das testemunhas e aos motivos de credibilidade das mesmas.
Como se diz no Acórdão 229/09.2GAGLG.E1, do Tribunal da Relação de Évora, relatado pela Exma Desembargadora Ana Brito:
«A exigência de fundamentação consiste na imposição de que “as decisões sejam eficazmente motivadas em matéria de facto e de direito”. “Motivar, na sua aproximação mais óbvia, é justificar a decisão adoptada para que possa ser controlada do exterior …
O caminho percorrido desde a entrada em vigor do Código de Processo Penal de 1987 sedimentou o entendimento, que temos hoje por incontroverso, de que a motivação da matéria de facto exige exame crítico das provas, de todas as provas conducentes ao conjunto dos enunciados fácticos afirmados na sentença, no sentido de que não basta enumerar, mencionar, transcrever ou reproduzir provas, impondo-se exteriorizar em que medida a prova influenciou o julgador, convencendo-o em determinado sentido.
Logo nos primeiros trabalhos de interpretação e de elaboração dogmática realizados sobre o novo Código de Processo Penal, divulgados pelo Centro de estudos Judiciários em 1988, dizia Marques Ferreira: “A obrigatoriedade de tal motivação surge em absoluta oposição à prática judicial na vigência do Código de Processo Penal de 1929 e não poderá limitar-se a uma genérica remissão para os diversos meios de prova fundamentadores da convicção do tribunal (…). De facto, o problema da motivação está intimamente conexionado com a concepção democrática ou antidemocrática que insufle o espírito de um determinado sistema processual (…). No futuro processo penal português, em consequência com os princípios informadores do Estado de Direito democrático e no respeito pelo efectivo direito de defesa consagrado no art. 32º, nº1 e 210º, nº1 da Constituição da República Portuguesa, exige-se não só a indicação das provas e dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal mas, fundamentalmente, a expressão tanto quanto possível completa ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão.
Estes motivos de facto (…) não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência” (Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, 1988, 229/230)
Ao motivar, o tribunal tem de dar a conhecer “as razões – necessariamente racionais e objectivas – da decisão (…) O tribunal dará cumprimento à norma, tendo em conta o art. 205º da CRP, ao identificar as provas que foram produzidas ou examinadas em audiência e ao expor as razões de forma objectiva e precisa porque é que determinadas provas serviram para alicerçar a convicção e porque é que outras não serviram (…) Ela destina-se a justificar, de forma racional e objectiva, a convicção formada” (Sérgio Poças, Sentença Penal – Fundamentação de Facto, Rev. Julgar, nº3).
Abundante é, também, a jurisprudência do Tribunal Constitucional. No Acórdão n.º 198/2004, de 24.03.2004, por exemplo, chama-se a atenção para que “esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).»
Como se sabe, a decisão proferida em processo penal integra três partes distintas: o relatório, a fundamentação e o dispositivo.
A fundamentação abrange a enumeração dos factos provados e não provados relevantes para a decisão e que o tribunal podia e devia investigar, expõe os motivos de facto e de direito que a fundamentam e indica, procedendo ao seu exame crítico e explanando o processo de formação da sua convicção, as provas que serviram para basear a decisão do tribunal.
Ensina Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III, 294:
«A fundamentação dos actos é imposta pelos sistemas democráticos com finalidades várias. Permite a sindicância da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando por isso como meio de autodisciplina. (…) No actual sistema processual português, os tribunais de recurso não podem substituir-se ao tribunal de julgamento em 1ª instância na apreciação directa da prova, mas pode e deve apreciar, nos termos do artº 410º, nº 2, se o tribunal de 1ª instância fez correcta aplicação dos princípios jurídicos em matéria de prova; deve poder julgar em recurso se houve ou não erro notório na apreciação da prova ou contradição insanável na fundamentação. Para tanto, necessário se torna que a sentença indique a motivação dos juízos em matéria de facto, para que o tribunal de recurso possa apreciar da legalidade da decisão».
Também Marques Ferreira, “Meios de Prova” (in Jornadas de Direito Processual Penal, 228 e segs), diz que “exige-se (…) a exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão. Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados

(thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.
A fundamentação ou motivação deve ser tal que, intraprocessualmente, permita aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via de recurso (…). E extraprocessualmente, a fundamentação deve assegurar pelo conteúdo, um respeito efectivo pelo princípio da legalidade na sentença e a própria independência e imparcialidade dos juízes uma vez que os destinatários da decisão não são apenas os sujeitos processuais mas a própria sociedade”.
Como é jurisprudencialmente pacífico, o exame crítico das provas, não exigindo a descrição pormenorizada dos testemunhos prestados, também não se basta com o mero elencar das testemunhas ouvidas e dos documentos examinados, sendo necessário que a decisão descreva, com clareza, o raciocínio efectuado pelo juiz, que o conduziu a dar determinados factos como provados ou não provados.
Ora, com o devido respeito por opinião contrária e como se verá, com maior evidência, no segmento seguinte do recurso, o tribunal recorrido levou a cabo um aprofundado exame crítico do acerbo probatório dos autos, explicando, com precisão e minúcia, as razões que o levaram a dar por assente uns factos e a desconsiderar outros, raciocínio que, como melhor infra se explanará, foi feito com base em critérios objectivos, assente nas regras da experiência e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, não tendo por isso e ao contrário do que enunciam os recorrentes, nada de arbitrário.
Lendo o texto das motivações dos recursos dos arguidos, verifica-se que estes invocam o vício do Artº 379 nº2 al. a) do CPP porque, no fundo, discordam da forma como o tribunal deu como provados os factos, do modo como conjugou os depoimentos da assistente, dos arguidos e das testemunhas e por ter entendido dar credibilidade ao depoimento daquela.
A fundamentação da sentença recorrida, para além de conter a enumeração dos factos provados e não provados, contém ainda uma exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentaram a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formular a convicção do Tribunal, que é feito, aliás, de forma profusa, não merecendo, por isso, as críticas que lhe são assacadas pelos recorrentes.
É certo que os recorrentes dele discordam, mas esse facto não se traduz em qualquer vício da sentença, mas apenas e tão só, no legítimo desacordo na forma de ver a prova, de a analisar e dessa aferição retirar as necessárias consequências, pelo que, os invocados vícios, não se situam no contexto e quadro de funcionamento legal dos mesmos, mas apenas e tão só, no plano do desentendimento do juízo sobre a prova.
Assim sendo, ter-se-á que concluir pela improcedência do recurso, nesta parte.

B.3. Erro de julgamento;

Invocam em seguida os recorrentes o erro de julgamento, por o tribunal recorrido ter dado por assente a factualidade que levou à condenação pelos crimes de extorsão e injuria que lhes eram imputados.
Aduzem assim os recorrentes, na essência, um erro de julgamento, decorrente do Artº 412 nº3 do CPP, e não, um erro/vício da sentença previsto no nº2 do Artº 410 do mesmo diploma legal.
A base desta parte do recurso relativo à matéria de facto é a incorrecta e deficiente apreciação da prova testemunhal produzida na audiência de julgamento pelo tribunal recorrido, por ter valorizado alguns depoimentos em detrimento de outros, o que, na perspectiva dos arguidos recorrentes, consubstancia um erro nesta aferição, da qual não deveriam ter resultado como provados, nos termos em que o foram, os factos que permitiram as condenações pelos mencionados ilícitos.
É sabido que constitui princípio geral que as Relações conhecem de facto e de direito, nos termos do estatuído no Artº 428 do CPP, sendo que, no tocante à matéria de facto, é também sabido que o Tribunal da Relação deve conhecer da questão de facto pela seguinte ordem: primeiro, da impugnação alargada, se tiver sido suscitada, incumbindo a quem recorre o ónus de impugnação especificada, previsto no Artº 412 nsº3 e 4 do citado diploma, condição para que a mesma seja apreciada e, depois e se for o caso, dos vícios a que alude o artigo 410 nº2 do aludido Código.
O erro de julgamento, ínsito no Artº 412 nº3, do CPP, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Nesta situação, de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância.
Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão recorrida, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova produzida em audiência de julgamento, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nsº3 e 4 do Artº 412 do CPP.
É que nestes casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição das gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
E é exactamente porque o recurso em que se impugne amplamente a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes, um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando (violação de normas de direito substantivo) ou in procedendo (violação de normas de direito processual), que se impõe, ao recorrente, o ónus de proceder a uma tríplice especificação, nos termos constantes do nº3 do Artº 412 do CPP.
Assim, impõe-se-lhe a especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, o que só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que considera indevidamente julgado.
Mais se lhe atribui, a individualização das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, o que se traduz na anotação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que acarreta decisão diversa da recorrida, acrescendo a necessidade de explicitação da razão pela qual essa prova implica essa diferente decisão, devendo, por isso, reportar o conteúdo específico do meio de prova por si invocado ao facto individualizado que considera mal julgado.
Por fim, é-lhe ainda assacada a pormenorização das provas que devem ser renovadas, o que só se compraz com a informação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em sede de 1ª instância, dos vícios referidos nas alíneas do nº2 do artº 410 do CPP e das razões para crer que aquela renovação da prova permitirá evitar o reenvio do processo (Cfr. Artº 430 nº1 do citado diploma)
No fundo, o que está em causa e se exige na impugnação mais ampla da matéria de facto, é que o recorrente indique a sua decisão de facto em alternativa à decisão de facto que consta da decisão revidenda, justificando, em relação a cada facto alternativo que propõe, porque deveria o Tribunal ter decidido de forma diferente.
Ou, por outras palavras, como se afirma no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 08/03/12, publicado no D.R., I Série, nº 77, de 18/04/12:
«Impõe-se ao recorrente a necessidade de observância de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta especificação dos concretos pontos da matéria de facto, que considera incorrectamente julgados, das concretas provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, tudo com referência ao consignado na acta, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso. Esta exigência é de entender como contemplando o princípio da lealdade processual, de modo a definir em termos concretos o exacto sentido e alcance da pretensão, de modo a poder ser exercido o contraditório.
A reapreciação por esta via não é global, antes sendo um reexame parcelar, restrito aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, necessário sendo que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam, não bastando remeter na íntegra para as declarações e depoimentos de algumas testemunhas.
O especial/acrescido ónus de alegação/especificação dos concretos pontos de discórdia do recorrente (seja ele arguido, ou assistente), em relação à fixação da facticidade impugnada, bem como das concretas provas, que, em seu entendimento, imporão (iam) uma outra, diversa, solução ao nível da definição do campo temático factual, proposto a subsequente tratamento subsuntivo, justifica-se plenamente, se tivermos em vista que a reapreciação da matéria de facto não é, não pode ser, um segundo, um novo, um outro integral, julgamento da matéria de facto.
Pede-se ao tribunal de recurso uma intromissão no julgamento da matéria de facto, um juízo substitutivo do proclamado na 1ª instância, mas há que ter em atenção que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em segunda instância, não impõe uma avaliação global, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida e muito menos um novo julgamento da causa, em toda a sua extensão, tal como ocorreu na 1ª instância, tratando-se de um reexame necessariamente segmentado, não da totalidade da matéria de facto, envolvendo tal reponderação um julgamento/reexame meramente parcelar, de via reduzida, substitutivo.».
Postos estes considerandos e sem os olvidarmos, importa dizer, desde já, que os recorrentes não esboçaram, sequer, o cumprimento mínimo da tripla exigência do nº3 do Artº 412 do CPP, o que logo acarretaria o naufrágio dos recursos, nesta parte.
De todo o modo, veja-se como na sentença recorrida se justificou a decisão de facto (transcrição):

Motivação:
Na formação da sua convicção, o tribunal apreciou de forma livre, crítica e conjugada a prova produzida em audiência de harmonia com o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127º do Código de Processo Penal, o qual impõe uma apreciação e análise critica e globalmente apreciada de acordo com critérios lógicos e objetivos que determinem uma convicção racional, objetivável e motivável.
Desde logo, na formação da sua convicção, essencialmente positiva, baseou-se o Tribunal nas declarações que foram prestadas em sede de audiência de julgamento pela assistente C… a qual, pese embora o seu interesse direto no desfecho da causa, atenta a posição processual que lhe assiste nos autos, relatou os factos de modo que se apresentou sincero, verosímil, coerente e de forma abundante e pormenorizadamente circunstanciada no tempo, modo e lugar, tendo-nos assim merecido credibilidade.
Aliás, essa convicção veio a ser corroborada pela análise global da demais prova produzida, inclusive das declarações dos próprios arguidos B… e E…, conforme infra analisaremos, todos a descrevem como pessoa reservada na sua vida e intimidade pessoal, social, familiar e profissional, trabalhadora e empenhada, ressaltando por todos a sua vulnerabilidade, não só porque dependendo do emprego que conseguiu arranjar em Novembro de 2012 (do conhecimento e confirmado pelos identificados arguidos, pela assistente e testemunhas H… e F…), até esta altura dependente dos apoios do pai da filha menor.
Ademais, descre em pormenor o modo como foi abordada pelos arguidos e a exigência de quantia referente a cerca de dois meses de renda que lhe imputam em dívida, ainda que não lhe sendo concretizado valore, que não seja essa referencia global, nos exatos termos em que se deu como assente.
Aliás, declarou a assistente os sentimentos desencadeados com o comportamento perpetrado pelos arguidos B… e D…, esclarecendo as circunstâncias da sua vivencia / sozinha com a filha menor/ e como havia arranjado, pela primeira vez trabalho, o desespero sentido no receio de ser despedida por via daquele comportamento e as precauções que passou a tomar quando se desloca, ainda, a pé da residência ao seu local de trabalho, onde labora por turnos e consequente necessidade de estar sempre em contacto telefónico com a testemunha I…, pai da sua filha, ao longo desse percurso e ainda que sempre em passo apressado.
Ora, tal versão dos factos apresentada, viu o tribunal reforçada a verificação da sua ocorrência, pela coerência mantida ao longo das aludidas declarações e coincidente nos seus pontos essenciais, com o demais testemunhado e negado pelos arguidos.
Com efeito, os arguidos negaram a prática dos factos.
No entanto ao longo das respetivas declarações tomadas em separado ressaltam à evidencia contradições entre si.
E desde logo, e no que respeita á negação da existência de dívidas monetárias, ressalta à clarividência que a tomada de declarações em separado aos arguidos assim permitiu, que se a arguida E… negando perentoriamente a existência de qualquer divida a titulo de renda (porquanto só a titulo de mero favor ali a manteve, contradizendo as suas declarações aquando da afirmação de que a mandou embora porque a mesma não pagava a luz, imputa àquela a falta de pagamento de 288€ devidos a titulo de consumo de eletricidade e danos num vidro de um fogão, no entretanto imputando expressamente no decurso das suas declarações que a titulo de “renda” e instanda ante o anteriormente declarado diz “ter-se enganado”), o arguido B… depois de concretamente em audiência ter pormenorizado os valores em divida a titulo de eletricidade acaba por concluir aquela dever cerca de €50€ de luz, mas perentório em afirmar que apenas estava em causa um abotija de gás não entregue pela assistente quando de lá se ausenta.
Ora, ambos os arguidos afirmam que o arguido B… se deslocou ao local de trabalho da assistente “G…” na sequencia de um telefonema efetuado pela assistente ao que ela própria solicitava a presença do arguido a fim de lhe entregar uma botija de gás ao mesmo tempo que dizia “mas o dinheiro não posso entregar” (ainda que estranhamente o arguido B… sobre o declarado nos termos reproduzidos, não conseguisse explicar ao tribunal a que quantia monetária a assistente se referia, pois que afirma àquela nada lhe era pedido, à exceção da botija de gás).
Ora, não deixa de ser estranho que a ser verdade tal voluntariedade e assunção na entrega de uma botija de gás, com agendamento de dia e hora, esta se recusasse sistematicamente a entrega-la (recorde-se que a arguida E… afirma que o seu marido ali se deslocou pelo menos “três vezes”) ao arguido e ainda a haver acordo nessa matéria o arguido B… necessitasse falar alto, ou sequer a identificação da assistente á diretora comercial, conforme descrevem os arguidos B… e D… e corroborado pelo declarado pelas testemunhas H… e F…, nos termos destes dois depoimentos globalmente analisados, e complementados entre si, ante lapsos de memória desta última testemunha, compreensíveis pelo decurso do tempo que em nada lhe retira credibilidade, ainda que no essencial convergentes e no demais, em apelo ao principio mais favorável aos arguidos, levado aos factos não provados.
e neste particular e esta confirma………… e ainda alegasse ter sido pro esta ameaçado.
Se da análise destas declarações e depoimentos assim prestadas o tribunal viu reforçada a credibilidade conferida às declarações de C…, também a testemunha I…, pai da filha da assistente e quem lhe presta apoio económico, descrevendo não ter presenciado qualquer facto, além de ter presenciado a condução de um veiculo pelos dois arguidos e depois de já em alerta para a situação ter o cuidado de tentar estar próximo da assistente nos momentos em que aquele sai do trabalho, descreve as razões e o conteúdo do declarado aos arguido B… e D…, não desmentido pelos arguidos que até ao fim do julgamento prestaram declarações não infirmaram, na sua deslocação á residência destes arguidos e a eles expressamente revelando encontrar-se com pena de prisão suspensa e ainda assim, de forma cordata conforme explicou, ter expressamente a eles referido que “jamais admitiria aos arguidos continuassem a ameaçar a assistente”, dando-lhes conta que a mesma, por sua indicação, iria apresentar formalizar queixa crime na GNR, o que fez.
Tal como esta testemunha também a assistente é perentória em afirmar que depois de se deslocar à GNR, por indicação do identificado I…, não mais foi abordada pelos arguidos B… ou D….
As demais contradições de pormenor e relevantes no que respeita à deslocação dos dois arguidos ao “G…” em confronto com os depoimentos das testemunhas H… e F… e as declarações da assistente, alicerçaram a convicção do tribunal.
Todavia, não foi possível apurar se existiu uma combinação entre estes dois arguidos (B…/D…) com a arguida E… ou se estes dois primeiros atuaram com conta própria e em conjugação de esforços sem o respetivo conhecimento, ainda que a mesma demonstrasse ser sabedora de contactos com a assistente, porém, elementos insuficientes para, em segurança, assim o afirmar.
No que respeita às expressões injuriosas proferidas pela arguida E… o tribunal não carreou elementos probatórios seguros de que a mesma em diversas ocasiões e por diversas vezes tivesse apelidado a assistente de 2puta, caloteira, que andava com homens casado, para além daquela circunstanciada pela assistente ou, nesta ocorrência outras expressões a ela imputadas na acusação particular e levadas ao acervos não probatório.
Com efeito, de forma espontânea é a própria assistente ter afirmado a existência de um contacto telefónico por parte dela em direção á arguida E…, no qual aquela lhe pedia transmitisse aos arguidos B… e D… a deixasse em paz e não se deslocassem mais ao seu local de trabalho, ao que afirma de forma inequívoca ter a arguida E… retorquido:“ puta rota, andas com homens casados”.
Tal telefonema é confirmado pelos arguidos E… e B…, ainda o circunscrevam numa marcação de dia e hora para que aquela entregasse uma botija de gás (que nos termos supra apreciados e analisados, versão que não mereceu acolhimento).
Neste enquadramento e credibilidade que conferimos ás declarações da assistente que de forma uniformizada e circunstanciada descreveu os factos, sustentados em pormenores da vida e de circunstancia verosímeis e credíveis quando analisados à luz das regras da experiência e normalidade, assim alicerçou o tribunal a sua convicção.
Tomou-se, ainda, em consideração o teor do certificado de registo criminal dos arguidos.
Quanto aos factos não provados os mesmos resultaram de falta de prova, nos termos critica e globalmente considerados supra.
No que diz respeito aos pedidos de indemnização civil, a convicção do Tribunal quanto aos factos que a propósito se deram como provados, resultou desde logo das regras da experiência comum, pois que, é absolutamente normal, expectável e compreensível que uma pessoa que seja apelidada de puta, caloteira, que só andava com homens casados “local de trabalho “G…” se sinta ferida na sua honra e consideração pessoal e profissional, como é absolutamente normal que sendo tais expressões proferidas em tom de voz alto à vista de olhares indiscretos, a pessoa que é alvo dessas ofensas, evidentemente que se sentirá humilhada e envergonhada.
Ainda no demais circunstanciado, o estado de nervosismo, ansiedade, medo, receio pela vida, afetação do estado psicológico da assistente seja uma consequência inevitável ante o modo de execução dos factos e a vulnerabilidade da mesma, nos termos supra analisados.

Como já atrás se disse, os recorrentes invocam, genericamente, que o tribunal recorrido não poderia dar por assente a factualidade que assumiu por provada, sem concretizarem a que matérias se reportam e sem também cristalizarem, como exigido pelo nº3 do Artº 412 do CPP, quais os meios de prova cuja análise exigira uma outra decisão.
Os recorrentes transcrevem partes dos depoimentos produzidos em Audiência, sem contudo explicitar em que medida é que os mesmos foram indevidamente valorados e quais são as respectivas passagens cuja interpretação, concertada com a demais prova, levaria a uma distinta motivação factual e em concreto, sobre que matérias.
Nada disto foi levado a cabo pelos recorrentes, que mais não fazem, no fundo, do que discordar, em bloco, da aquisição probatória levada a cabo pelo tribunal a quo, que esquecem, contudo, que a mesma foi realizada ao abrigo do já referenciado princípio da sua livre apreciação, ínsito no Artº 127do CPP e onde se estipula que: Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
Tal princípio assenta, fundamentalmente, em duas premissas:
A de que o juiz decide de forma livre e de acordo com a sua íntima convicção, formada a partir do confronto das provas produzidas em audiência.
E que tal convicção há-de ser formada com base em regras de experiência comum.
Nestes termos, o juiz não está sujeito a critérios de valoração de cada um dos meios probatórios, legalmente pré-determinados, sistema da prova legal, sendo o tribunal livre na apreciação que faz da prova e na forma como atinge a sua convicção.
Contudo, sendo esta uma apreciação discricionária, não é a mesma arbitrária, tendo a referida apreciação os seus limites.
Não verdade, livre convicção não pode ser sinónimo de arbitrariedade.
Ou seja, a livre apreciação da prova tem sempre de se traduzir numa valoração "racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência (…), que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão” de modo a que seja possível, por qualquer pessoa, entender porque é que o tribunal se convenceu de determinado facto, ou, dito de outro modo, porque é que o juiz conferiu credibilidade a uma testemunha e descredibilizou outra, por exemplo.
«A sentença, para além dos factos provados e não provados e da indicação dos meios de prova, deve conter os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituam o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados na audiência.»- Ac. do STJ de 13/02/92, CJ Tomo I, pág. 36.
O que o juiz não pode fazer nunca é decidir de forma imotivada ou seja, decidir sem indicar o iter formativo da sua convicção, «é o aspecto valorativo cuja análise há-de permitir (…) comprovar se o raciocínio foi lógico ou se foi racional ou absurdo» (Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, II, pág. 126 e sgs.).
Como diz o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, 1º Vol., Coimbra Editora, 1974, págs. 202/203, «a liberdade de apreciação da prova é uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a verdade material -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo».
Por outro lado, e segundo o mesmo, «a livre ou íntima convicção do juiz não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável. (...) Se a verdade que se procura é uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal, mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros.
Uma tal convicção existirá quando e só quando o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável».
Também o Prof. Cavaleiro Ferreira, in «Curso de Processo Penal», 1986, 1° Vol., pág. 211, diz que o julgador, sem ser arbitrário, é livre na apreciação que faz das provas, contudo, aquela é sempre «vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório ».
Directamente ligada a esta apreciação livre das provas, e determinante na formação da convicção do julgador, está o princípio da imediação, que Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 232, define como «a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão».
«(...) Só estes princípios (também o da oralidade) permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. E só eles permitem, por último, uma plena audiência destes mesmos participantes, possibilitando-lhes da melhor forma que tomem posição perante o material de facto recolhido e comparticipem na declaração do direito do caso».
Nessa avaliação probatória e na aferição global de toda a prova produzida, designadamente, como a da situação sub judice, o juiz deve fazer essa exegese segundo as regras da experiência comum, com bom senso e de acordo a normalidade da vida e o sentido das coisas.
Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, não assiste qualquer razão aos recorrentes, atenta a forma clara e isenta de dúvidas pelas quais foi definido o cenário factual dos autos, num processo explicativo que se mostra suficientemente objectivado e motivado, capaz, portanto, de se impor aos outros.
Com efeito, o que se impunha ao tribunal recorrido é que explicasse e fundamentasse a sua decisão, pois só assim seria possível saber se fez a apreciação da prova segundo as regras do entendimento correcto e normal, isto é, de harmonia com as regras comuns da lógica, da razão e da experiência acumulada.
E isso foi feito, poder-se-á dizer, de modo perfeitamente inteligível para qualquer leitor, que logo compreenderá o modo de valoração das provas e o juízo resultante dessa mesma aferição efectuado pelo tribunal a quo, sendo manifesto que as razões que presidiram à motivação da prova provada e não provada, e à credibilização de umas testemunhas em detrimento de outras, se apresentam como lógicas, racionais e coerentes, com o conjunto da prova produzida.
O raciocínio consequente pelo qual o tribunal recorrido deu por assente uns factos e não provados outros, configura-se, por isso, como adequado às regras de experiência, à normalidade da vida e à razoabilidade das coisas, razão pela qual, não merecendo censura, não é sindicável por este tribunal, inexistindo por isso motivos para ser alterado.
O modo de valoração das provas e o juízo resultante dessa mesma aferição, efectuado pelo tribunal a quo, ao não coincidir com a perspectiva dos recorrentes nos termos em que estes os analisa e nas consequências que daí derivam, não traduz, face ao que se expôs, qualquer erro ou vício.
Importa trazer à colação o já afirmado em Acórdão deste Tribunal da Relação, em 03/05/07, proferido no processo n.º 80/07-3 disponível no sítio da internet www.dgsi.pt,
«O erro na apreciação das provas relevante para a alteração da decisão de facto pressupõe, pois, que estas (as provas) deveriam conduzir a uma decisão necessária e forçosamente diversa e não uma decisão possivelmente diferente; se a interpretação, apreciação e valoração das provas permitir uma decisão, diversa da proferida, mas sem excluir logicamente a razoabilidade desta, neste caso pode haver erro na apreciação das provas, mas não será juridicamente relevante para efeitos de modificação da matéria de facto pelo Tribunal Superior; a decisão proferida com base numa interpretação e valoração (ainda que discutíveis) fundamentadas nas provas produzidas contida no espaço definido pela livre apreciação das provas e pela convicção por elas criada no espírito do juiz, não pode ser alterada, a menos que contra ela se apresentem provas irrefutáveis, já existentes nos autos e desconsideradas ou supervenientes.
Por outras palavras: a sindicância da decisão de facto deve limitar-se à aferição da sua razoabilidade em face das provas produzidas …
… A segunda instância em matéria de facto não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova), mas tão só apreciar se a convicção expressa pelo tribunal a quo na decisão da matéria de facto tem suporte razoável …»
A decisão, nesta matéria, do tribunal recorrido, foi proferida com base numa interpretação e valoração que se mostra suficientemente fundamentada, quer nas provas produzidas, quer pela livre convicção por elas criada no espírito do julgador, só podendo ser alterada, se contra si se meios de prova irrefutáveis, existentes nos autos e que tivessem sido desconsiderados, ou se a mesma se configurasse como totalmente irrazoável, contrária às mais elementares regras de experiência ou ao sentido das coisas.
Mas nenhuma destas condições é o caso sub júdice, em que o decidido pelo tribunal recorrido, se desenha com lógica e razoabilidade necessárias, de modo que se deve concluir como no aresto citado: «… se a interpretação, apreciação e valoração das provas permitir uma decisão, diversa da proferida, mas sem excluir logicamente a razoabilidade desta, neste caso pode haver erro na apreciação das provas, mas não será juridicamente relevante para efeitos de modificação da matéria de facto pelo Tribunal Superior
Discordar, sem qualquer fundamento legal, leva simplesmente à sua improcedência, como já por este Tribunal foi afirmado em Acórdão de 23/03/01: «A divergência quanto à decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto será relevante na Relação apenas quando resultar demonstrada pelos meios de prova indicados pelo recorrente a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, sendo necessário para que ele se verifique, que os mencionados meios de prova se mostrem inequívocos no sentido pretendido pelo recorrente ».
O presente tribunal só poderia assim alterar o decidido factualmente pela 1ª instância se existissem provas nos autos que impusessem decisão diferente e in casu, embora a prova produzida, eventualmente e no entender do recorrentes, permitisse uma decisão de facto em sentido diverso, ela não impunha decisão distinta, pelo que o pretendido por aqueles está destinado ao fracasso.
Por fim, há que anotar que assim decidindo, inexiste qualquer violação do princípio in dubio pro reo, que só ocorre, quando, em sede de prova, perante uma dúvida objectiva e intransponível, o tribunal decide desfavoravelmente ao arguido.
Sendo ele uma emanação do princípio constitucional da presunção de inocência, surge como resposta ao problema da incerteza em processo penal, impondo a absolvição do acusado quando a produção de prova não permita resolver a dúvida inicial que está na base do processo.
Se, a final, persistir uma dúvida razoável e insanável acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da actuação do acusado, esse non liquet na questão da prova terá de ser resolvido a seu favor, por imposição do estatuído no Artº 32 nº1 da Constituição da República Portuguesa.
Ora resulta, com toda a clareza, da fundamentação da sentença recorrida, que não existiu qualquer dúvida no espírito do julgador, na construção do cenário factual dos autos, após a apreciação, livre mas responsável, livre mas motivada, da prova produzida em Audiência de Julgamento, corroborada com a já existente nos autos.
Nessa medida, não tem cabimento a aplicação do referenciado princípio in dubio pro reo, pois o tribunal a quo entendeu que havia sido produzida suficiente prova do cometimento dos factos pelos arguidos, entendimento que foi sufragado ao abrigo da já escalpelizado princípio da livre apreciação da aprova, ínsito no Artº 127do CPP.
Inexiste assim qualquer erro na avaliação da prova por banda do tribunal a quo nem a violação de algum preceito legal, ou do princípio in dubio pro reo, pelo que, ter-se-á que finalizar pela improcedência do recurso, nesta parte.

B.4. Do preenchimento dos crimes de extorsão e injúria;

Invocam os recorrentes, também genericamente, não estarem preenchidos os pressupostos dos crimes de extorsão e injúria, por não se ter provado que praticaram os respectivos factos, acrescentado ainda o arguido B…, que a factualidade apurada, tal como já vinha da acusação, não contêm o dia e a hora e as circunstâncias em que os crimes imputados foram cometidos.
Por sua vez, o arguido D… afirma não resultar provado um constrangimento da sua parte, em relação à assistente, que lhe tenha provocado prejuízo, nem a intenção de conseguir para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, inexistindo um prejuízo efectivo daquela.
Importa, antes de mais, atentar no que, a tal propósito, se escreveu na decisão recorrida (transcrição):

III- Fundamentos de direito:
a) Do crime de extorsão imputado, em co-autoria, aos três arguidos:
Os arguidos vem acusado da prática de um crime de extorsão, previsto e punido pelo artigo 223º, n.º 1 do Código Penal, na forma consumada, o qual dispõe que “Quem, com intenção de conseguir para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, constranger outra pessoa, por meio de violência ou ameaça com mal importante, a uma disposição patrimonial que acarrete, para ela ou para outrem, prejuízo, é punido com pena de prisão até 5 anos”.
O bem jurídico protegido pela incriminação do artigo 223º do Código Penal é a liberdade de disposição patrimonial, na medida em que o objetivo direto da extorsão é precisamente a obtenção de uma vantagem patrimonial à custa de um prejuízo do extorquido, daí estarmos perante um crime, em primeiro lugar, “contra o bem jurídico património” (neste sentido, AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo II, página 343).
São elementos do tipo objetivo de ilícito o ato de exercer violência ou ameaça de mal importante sobre uma terceira pessoa, como meio de a constranger à disposição patrimonial. Quer o meio de constrangimento seja a violência, quer seja a ameaça, é necessário que entre ele e o ato de disposição patrimonial haja uma relação de adequação, sendo certo que, para haver extorsão, é necessário que a disposição patrimonial constitua um enriquecimento ilegítimo para o agente ou para terceiro, e um prejuízo para a vítima ou para terceiro. Não basta, pois, para haver extorsão, a mera lesão da liberdade de disposição patrimonial.
No que respeita ao elemento subjetivo do tipo, trata-se o presente de um crime essencialmente doloso.
Ainda importa tecer as seguintes considerações jurídicas que tem gerado alguma controversa na jurisprudência uma vez que tratando-se de um crime Formal (não material nem de resultado) saber se punível na forma tentada.
E, neste sentido perfilhamos a jurisprudência e a doutrina e jurisprudência de que, não obstante a natureza formal do crime, no caso em que nenhuma ação praticou a vítima, em função da ameaça sofrida, faltam elementos necessários para a caracterização da forma consumada do delito, quando esta não se consuma porque comunicando o fato à polícia e por via disso os arguidos não lograssem obter a vantagem económica exigida.
Conforme lição de Nelson Hungria, em anotação ao Código Penal Brasileiro (art. 158º do CPB), acontecendo que o ameaçado vença o temor inspirado e deixe de atender à imposição quanto ao facere, pati ou omittere, preferindo arrostar o perigo ou solicitar, confiantemente, a intervenção policial, é inquestionável a existência da tentativa de extorsão.
Há muito se debate em torno da possibilidade ou não da tentativa nos crimes classificados como formais, por motivo de suas características. E se os crimes podem ser classificados, dentre outras formas, como materiais (onde o tipo descreve um resultado e exige que ele seja alcançado para que haja consumação), de mera conduta (não precisa de nenhum resultado naturalístico para se consumar), e crimes formais que por sua vez são aqueles onde o tipo até descreve o resultado naturalístico, mas este não precisa ser alcançado para que o crime seja considerado consumado, ou seja, “possuem um resultado, mas o legislador antecipa a consumação à sua produção”, como é o crime de extorsão formal cuja execução se desdobra em vários atos sucessivos e por isso a ação e o resultado típico acontecem em momentos distintos, como é o caso dos crimes materiais. E, assim, a tentativa é a execução iniciada de um crime, que não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.
Ainda nas lições de Nelson Hungria (Comentários ao Código Penal Brasileiro, pag. 68) encontramos o seguinte: “No tocante à extorsão apesar de se tratar de crime formal, admite-se a tentativa, pois não se perfaz único actu, apresentando-se um iter a ser percorrido. Assim toda vez que deixa de ocorrer a pretendida ação, tolerância ou omissão da vítima, não obstante a idoneidade do meio de coação deixa este, já em execução, de se ultimar...” Também em anotação a este tipo Legal de Crime, pág. 615 em “Comentário do Código Penal”, Paulo Pinto Albuquerque defende “ a tentativa do crime de extorsão é punível (…) a violência ou ameaça constitui mero ato de execução do crime de extorsão. “.
Aqui chegados e concluindo pela punibilidade do crime de extorsão na forma tentada importa analisar o citado art.º 22.º, n.º 1, do CP, o qual refere que “há tentativa quando o agente praticar atos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se”.
Na tentativa, o iter criminis surge incompleto, porquanto inexiste o resultado típico do crime.
Como refere Jesheck[1], a tentativa representa um tipo dependente, cujos elementos constitutivos se analisam quando referidos a uma determinada forma de delito que, no caso presente, é o crime previsto no artigo 223º do C. Penal.
A tentativa pressupõe o cumprimento de determinados pressupostos, quais sejam a intenção do agente, a execução começada e incompleta dos actos que deviam produzir o crime consumado – actos de execução -, que a execução do crime tenha sido suspensa por circunstâncias independentes da vontade do agente e que o crime consumado seja punível com pena de prisão superior a três anos ou a lei expressamente declarar punível a tentativa desse crime (cfrs. arts. 21º, 22º e 23º, do CP).
Desta feita, face à formulação legal, o primeiro pressuposto de toda a tentativa punível é o dolo do tipo consumado. Sem este elemento subjetivo o praticar atos de execução não teria qualquer sentido; é o que resulta, desde logo, do n.º1 do citado art.º 22.º, “a decisão de cometer um crime”. Na tentativa torna-se, por isso, necessário que se encontrem preenchidos os elementos subjetivos do facto criminoso, ou seja, a decisão de cometer o crime, durante o qual o arguido idealiza o seu plano, passando depois à execução do mesmo, só não chegando este a consumar-se.
Sem uma referência ao dolo, ao menos como “dolo-do-tipo”, isto é, como conhecimento e vontade de realização do tipo-de-ilícito objetivo, como refere Figueiredo Dias, “não é possível fundamentar tipicamente o ilícito da tentativa, não é possível, por outras palavras, realizar, relativamente à tentativa, a função de tipicização do ilícito”[2].
Como se sabe, são elementos estruturais do dolo, a consciência e a vontade de praticar o facto ilícito que são inseparáveis. O dolo, mesmo o eventual, não prescinde de qualquer um deles, tal como está previsto no art.º 14.º, do CP.
Tem sido discutido, quer na doutrina quer na jurisprudência, a questão de saber se a tentativa é configurável com o dolo eventual.
Tradicionalmente a jurisprudência vem-se manifestando no sentido da admissibilidade de um crime tentado cometido por dolo eventual[3].
Os elementos materiais da tentativa caracterizam-se pela prática de actos de execução – elemento positivo. Para Figueiredo Dias[4] “haverá acto de execução e portanto tentativa, quando um certo acto preencha um elemento constitutivo de um tipo-de-ilícito ou – apreciado na base de um critério de idoneidade, normalidade ou experiência comum, ou na base do plano concreto da realização – apareça como parte integrante da execução típica.”
O n.º 2, do citado art.º 22.º adopta um critério objectivo para a definição de actos de execução. Diz-nos este artigo que:
São actos de execução:
a)Os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime;
b)Os que forem idóneos a produzir o resultado típico; ou
c)Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores.”

Simultaneamente e prévia a subsunção dos factos dados como provados ao tipo legal de crime em apreço, imputado aos arguidos a prática do crime em co-autoria, imprta referir que de harmonia com o artigo 26.º do Código Penal há comparticipação criminosa na prática do facto sob a forma de co-autoria quando todos os agentes tomam a decisão conjunta de o cometer e tomam parte directa na sua execução.
Deste preceito emerge que a co-autoria só é configurável mediante um acordo prévio de todos os interessados, bastando a mera consciência – vontade de colaboração de várias pessoas na realização do tipo de crime -, juntamente com outro ou outros - , ou seja quando embora não tenham um acordo expresso, as circunstâncias em que os arguidos actuaram indiciam um acordo tácito, assente na consciência e vontade de colaboração, aferidas aquelas à luz da experiência comum.
Ora, são pois elemntos da co-autoria:
● Os que executam a acção típica
● Os que levam outros a executar a acção típica
● Os que tomam parte na execução da acção típica
A última situação prevista neste preceito é denominada de co-autoria.
São co-autores aqueles que participam na execução do crime, isto é, aqueles que praticam atos de execução, ainda que não pratiquem todos os atos de execução. Porém, para que se verifique a co-autoria, é necessário que o dolo dos agentes abranja a atuação conjunta, isto é, que os agentes atuem em conjugação de esforços, e com a intenção de atuarem em conjunto. Ou seja: é necessário que atuem de acordo com um plano, embora a conduta deles não necessite ser idêntica, ambos cooperam no cometimento do crime.
O co-autor, portanto, nada mais é do que outro autor, ou seja, aquele que também pratica a conduta descrita no tipo penal;

qui chegados cumpre-nos apreciar se no caso em apreço o primeiro dos pressupostos da tentativa ou seja se houve qualquer ato de execução do crime por parte dos arguidos que de comum acordo e em conjugação de esforços decidiram cometer se encontra verificado, tendo em conta a factualidade provada.
Conforme resulta dos factos provados, era intuito dos arguidos B… e D… que a assistente C… lhes desse dinheiro, que imputavam devido por aquela ao primeiro arguido e a título de rendas não pagas. Para a realização desse plano assim delineado não só estes dois arguidos se deslocaram ao local de trabalho ameaçando-a a assistente “paga o que deves. Isto não fica assim” como a perseguiram no percurso que esta seguia do emprego à respetiva residência, vindo a intersetá-la de carro e do seu interior, ao mesmo tempo que o arguido B… exibia uma faca à assistente, ambos diziam “ paga o que deves sua puta, se não pagas a bem pagas a mal” com o propósito de assim a intimidar e conseguir desta dinheiro que sabiam não ser legitimamente devido.
Tais atos preenchem os elementos constitutivos do tipo de crime de extorsão, subsumindo-se a sua conduta à disposição contida no artigo 22º, al. a), porquanto o crime obteria consumação, não fora a circunstância externa à respetiva vontade, e designadamente de esta formalizar na GNR queixa contra os arguidos e ao comportamento do pai da filha de ambos ter pessoalmente contactado os arguidos B… e D… dando-lhes conta da denuncia crime junto da GNR ao mesmo tempo que lhes dizia para não mais se aproximarem da mesma.
Desta forma podemos concluir que ambos os arguidos B… e D…, em co-autoria, cometeram um crime de extorsão na forma tentada.
Do mesmo modo e da simples análise dos factos dados como provados, como supra se aludiu, permite concluir pela co-autoria destes arguidos, porquanto atenta a matéria de facto provada, é inequívoco que os arguidos atuaram com consciência e vontade de colaboração, não se verificando apenas uma mera atuação paralela.
Antes e no caso em apreço, é manifesto que os arguidos atuaram em conjunto e em conjugação de esforços e ante um plano previamente concertado.
Com efeito, após assim planearem dirigiram-se ao local de trabalho e perseguirem a assistente atuando em comunhão de esforços e na execução de um plano previamente traçado entre ambos, com a intenção de obrigar a assistente ao pagamento de uma quantia que sabiam não ser legitimamente devida e, mediante o uso da ameaça e intimidação e ofensa moral, exibindo-lhe uma faca disseram-lhe “puta, paga o que deves. Se não pagas a bem pagas a mal”.
Assim sendo, e por todo o exposto, concluímos que os dois arguidos cometeram, em co-autoria, um crime de extorsão.
Encontram-se, pois, preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do crime pelo qual os arguidos B… e D… vinham acusados e nos termos comunicados ao abrigo do disposto no artigo 358º/3 do Código de Processo penal, sem que se verifiquem qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.
Já conclusão inversa se impõe quanto ao apuramento da responsabilidade criminal pela prática de um crime de extorsão, ainda que na forma tentada, imputado em co-autoria à arguida E…, porquanto nenhum relação ou conhecimento por parte desta foi apurado em audiência conforme decorre da motivação dos factos não provados.
*
b)Quanto ao crime de injúrias, imputado a todos os arguidos B…, E… e D…:
Os arguidos vêm acusados, em autoria material, da prática de um crime de injúria, previsto e punido pelo art.º 181º do Código Penal, que prescreve no seu nº 1 “Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivas da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias”.
O bem jurídico protegido por este normativo legal é a honra.
Como refere o Prof. José de Faria Costa, no Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 602 ss, a concepção de honra que se coaduna com a legislação portuguesa, mais precisamente com o aludido art.º 181º do Código Penal, consiste numa conceção dual, em que a conceção normativa de honra (cujo ponto de partida é “um momento da personalidade do indivíduo (…), um bem que respeita a todo o homem por força da sua qualidade de pessoa” - cfr. obra supra citada, pág. 605, que cita Musco) é temperada com uma dimensão fáctica (que será uma alteração empiricamente comprovável de certos elementos de factos, de ordem psicológica ou social).
Assim, a honra será vista como “um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior” (cfr. obra supra citada, pág. 607).
Se considerarmos que, como entendem Manuel Leal-Henriques e Manuel Simas Santos, no Código Penal Anotado, 2º vol., 3ª edição, Edit. Rei dos Livros, a pág. 469, “honra é a dignidade subjetiva, ou seja, o elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui” e que “consideração será o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, a reputação, a boa fama, a estima, a dignidade objetiva, que é o mesmo que dizer, a forma como a sociedade vê cada cidadão”, verificamos que no artigo 181º do Código Penal protege-se ambos os valores e que, em conjunto, serão entendidos como honra em sentido amplo, pois a honra “objetivamente, é a opinião dos outros sobre o nosso mérito; subjetivamente… o nosso receio diante dessa opinião” (citação de Shoppenhauer feita por Nelson Hungria, in Comentário ao Código Penal Brasileiro, VI, p. 39/40, e referido por Leal-Henriques e Simas Santos, na obra supra citada, pág. 469).
Ora, para estarmos perante uma conduta punível pelo art.º 181º nº 1 do Código Penal é necessário a verificação de vários pressupostos, quais sejam:
a) Que o agente impute factos a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita; ou dirija palavras a outra pessoa;
b) Que a imputação de tais factos ou as palavras dirigidas ofendam a honra ou consideração da outra pessoa;
c) Que tal conduta seja praticada a título doloso.
Assim, e no que se refere ao elemento objetivo deste ilícito, o agente terá de imputar factos a outra pessoa, ainda que sob a forma de suspeita, que ofendam a honra ou consideração desta.
No entanto, o crime de injúrias pode também ser enquadrado mediante a direção a outra pessoa, por parte do agente, de palavras; palavras essas que têm, necessariamente, de ser ofensivas da honra e consideração daquela.
Sendo certo que “o significado das palavras, para mais quando nos movemos no mundo da razão prática, tem um valor de uso. Valor que se aprecia, justamente, no contexto situacional, e que ao deixar intocado o significante ganha ou adquire intencionalidades bem diversas, no momento em que apreciamos o significado” (cfr. José de Faria Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal, pág. 630).
Saliente-se que, ao contrário do que sucede no crime de difamação, previsto e punido pelo art.º 180º do Código Penal, para haver lugar à punição do agente pelo crime de injúrias, é ainda necessário que a imputação de factos ou as palavras proferidas sejam feita de forma direta, no sentido da conduta ser endereçada ao próprio ofendido e na presença dele.
Por último, será ainda necessário que os factos imputados, ou as palavras dirigidas ao ofendido, ofendam a sua honra e consideração (na noção supra explicitada), no sentido de constituir uma injúria.
Entendendo-se injúria como “a manifestação, por qualquer meio, de um conceito ou pensamento que importe ultraje ou vilipêndio contra alguém” (cfr. Nélson Hungria, in Comentário ao Código Penal Brasileiro, VI, 90/91, citado por Leal-Henriques e Simas Santos, no Código Penal Anotado, 2º vol., pág. 494).
Pois neste crime, “não se protege, pois, a suscetibilidade pessoal de quem quer que seja, mas tão só a dignidade individual do cidadão, expressa no respeito pela honra e consideração que lhe são devidas” (cfr. obra citada, pág. 494).
Assim, não basta a pronúncia de palavras ou expressões que constituam falta de educação, ou indelicadeza para estarmos perante um crime de injúrias; é necessário mais do que isso: que tais palavras ou expressões ofendam a honra e consideração do seu destinatário.
Convém ainda referir que a injúria tem um carácter relativo, no sentido de só poder ser apreciada caso a caso, pois como foi já mencionado, o carácter injurioso de uma palavra varia consoante as condições de tempo, lugar ou circunstâncias de cada caso concreto.
No que se refere ao seu elemento subjetivo, o crime de injúrias é um crime essencialmente doloso, bastando, para uma plena imputação subjetiva, o mero dolo eventual, como resulta da conjugação do art.º 13º do Código Penal com o art.º 181º nº 1 do mesmo diploma legal.
Sendo que, dolo eventual verifica-se quando o agente prevê, como consequência possível da sua conduta, o preenchimento de um tipo legal de crime, punível, e se conforma com essa possibilidade, embora não querendo diretamente o resultado dessa ação (cfr. art.º 14º do Código Penal).
Saliente-se ainda que, como vem sendo entendido pela jurisprudência, este crime basta-se, para a sua consumação, com a verificação de dolo genérico (traduzido na consciência de que as expressões utilizadas são suscetíveis de produzir ofensa da honra e consideração do destinatário), não sendo necessário a existência de dolo específico (no sentido de haver uma especial intenção de injuriar).
Neste sentido, veja-se, entre outros, o Acórdão do STJ de 01/07/1987, in BMJ 369-593; Acórdão da RL de 18/05/1988, in CJ XIII, 3, 180; Acórdão da RP de 30/11/1988, in CJ XIII, 5, 221.
Analisado o tipo legal de injúria agora em causa, cumpre, e tendo em conta os seus elementos típicos, verificar se o mesmo se encontra ou não preenchido pela conduta imputada a cada um dos três arguidos.
Da factualidade dada como provada resultou que entre meados de Agosto e até 23 de Setembro de 2013, os arguidos B… e D…, e por diversas vezes, dirigindo-se ao local de trabalho da assistente nos termos levados ao acervo probatório, de viva voz, a chamavam de “puta, paga o que deves, caloteira”, sendo que em data não concretamente apurada mas em dias anteriores a 23 de Setembro de 2013 e na sequência de um telefonema efetuado pela própria assistente à arguida E…, após ser interpolada pelas suas superiores hierárquicas, pedindo-lhe que o marido não a incomodar, injuriar e não a procurasse no seu local de trabalho, esta apelidou-a de “puta”, “caloteira” e “que só andava com homens casados”.
Ora, a nosso ver, as expressões proferidas são objetivamente suscetíveis de ofenderem a honra e consideração de qualquer pessoa, para além de que são graves.
Além disso, provado está que os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito conseguido de atingir o assistente na sua honra e consideração, bem sabendo que tal conduta era proibida e punida por lei.
Encontram-se assim, deste modo, preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo de ilícito em questão, impondo-se a condenação de cada um dos arguidos pela prática do mesmo.

Como se vê, dificilmente poderia o tratamento conceptual dos ilícitos em jogo ter sido mais aprofundado e mais relacionado com a factualidade apurada, da qual resulta, inequivocamente, a prática pelos arguidos dos crimes que lhes eram imputados, sendo certo que a negação desta asserção pelos recorrentes se baseia, no fundo, em continuarem a fundar tal conclusão na circunstância de não terem cometido os factos que se deram como provados.
Pouco mais haverá a acrescentar, sob pena de redundância, mas, sempre se consignará o seguinte:
Dispõe o Artº 223 nº1 do C. Penal que “quem, com intenção de conseguir para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, constranger outra pessoa, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, a uma disposição patrimonial que acarrete, para ela ou para outrem, prejuízo…” pratica o crime de extorsão.
Nessa medida e tendo em conta a factualidade apurada, o preenchimento deste crime é manifesto, o qual tem, como elementos típicos: a violência ou ameaça ou sujeição do ofendido à impossibilidade de resistir; a prática de atos, pelo ofendido, de disposição patrimonial, em situação de constrangimento; que esses atos acarretem, para ele ou para terceiro, prejuízo patrimonial efectivo; e a intenção do agente de, com a sua atuação, conseguir enriquecimento ilegítimo.
Ora, dos factos provados resulta que era intuito dos arguidos obter da assistente dinheiro, que imputavam devido por aquela ao ora recorrente B… a título de rendas não pagas, sendo que na concretização desse plano, não só se deslocaram, por várias vezes, ao local de trabalho da assistente, ameaçando-a com expressões do tipo “paga o que deves, isto não fica assim” como a perseguiram no percurso que esta seguia do emprego à respetiva residência, abordando-a e exibindo-lhe uma faca, insistindo em tal propósito criminoso, ambos dizendo, “ paga o que deves sua puta, se não pagas a bem pagas a mal” numa evidente intenção de a intimidar e levá- a entregar-lhes o dinheiro que sabiam não ser legitimamente devido.
A ausência de prejuízo efectivo, que é reclamada pelo recorrente D…, prende-se com a circunstância de se tratar de um crime de extorsão na forma tentada, o que, só por mero lapso material, não foi indicado no dispositivo da sentença.
Na verdade, como bem se diz na sentença recorrida, «Tais atos preenchem os elementos constitutivos do tipo de crime de extorsão, subsumindo-se a sua conduta à disposição contida no artigo 22º, al. a), porquanto o crime obteria consumação, não fora a circunstância externa à respetiva vontade, e designadamente de esta formalizar na GNR queixa contra os arguidos e ao comportamento do pai da filha de ambos ter pessoalmente contactado os arguidos B… e D… dando-lhes conta da denuncia crime junto da GNR ao mesmo tempo que lhes dizia para não mais se aproximarem da mesma.»
Por outro lado, diz o Artº 181 nº1 nº 1 do mesmo Código, que “quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras ofensivas da sua honra e consideração…” pratica o crime de injúria.
De igual forma, tendo em atenção que os recorrentes apelidaram a assistente de puta, parece evidente que a dita expressão, proferida nas circunstâncias de tempo, modo e lugar apuradas, - ao contrário do que, incompreensivelmente, neste domínio, alega o arguido B… - integra os elementos do tipo do crime de injuria pelo qual foram os ora recorrentes condenados, na medida em que a mesma foi utilizada em condições e com o intuito de atingir, de modo penalmente censurável, a honra ou a consideração da assistente, ou, dito de outra forma, o seu bom nome ou a sua reputação, que são, como se sabe, os valores protegidos pela incriminação do Artº 181 do C. Penal.
Sendo conceitos, ambos, largamente dissecados, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, mas apenas se dirá, na esteira dos ensinamentos de Beleza dos Santos (RLJ, 3152-142), que a honra, é a essência da personalidade humana, referindo-se à probidade, rectidão, carácter e a consideração, é o valor atribuído por alguém ao juízo do público, isto é, do apreço ou, pelo menos, da não desconsideração que os outros tenham por ele.
É sabido que o nosso Código Penal adoptou uma concepção dualista da noção de honra e consideração, na medida em que esta é vista, quer pelo valor pessoal ou interior de cada indivíduo, o juízo valorativo que cada um de nós faz de si mesmo (honra subjectiva), quer pela reputação ou consideração exterior que o mesmo tem na comunidade ou no grupo social em que se insere (honra objectiva).
Daqui se infere uma enorme relatividade na definição destas noções, pelo que importa cotejar o circunstancialismo concreto de cada situação para podermos concluir se uma determinada expressão é, ou não, susceptível de ser injuriosa para a honra ou consideração de terceiro.
Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, entende-se que a expressão, puta, dirigido pelos arguidos à assistente, é, objectiva e subjectivamente, ofensiva da honra desta, conclusão ainda mais evidente se tivermos em conta o circunstancialismo com que foi proferida pelos arguidos, dissipador de quaisquer dúvidas sobre o tom injurioso da ofensa e sobre a intenção de atingir a honra da queixosa, tendo os arguidos, para tanto, usado uma expressão que, objectivamente, obtêm esse resultado, como aliás é reconhecido pela comunidade.
Em conclusão, bem andou o tribunal a quo ao considerar que os arguidos cometeram os crimes de extorsão e de injúria, aquele na forma tentada, pelo qual estavam acusados, não podendo os recursos deixar de improceder nesta parte.
B.5. Da alteração das penas;

Entendem os recorrentes, em síntese, que as penas aplicadas pelo tribunal a quo são excessivas face às especificidades do caso concreto e às razões de prevenção geral e especial, não tendo sido considerado facto dos arguidos não terem antecedentes criminais e estarem integrados, familiar e socialmente, devendo haver lugar para uma atenuação especial das penas.
Sobre esta matéria, escreveu-se na sentença sindicada (transcrição) :

III - Da escolha e medida da pena:
Da escolha da pena.
Ao crime de extorsão na forma tentada cometido pelos arguidos, cabe a moldura penal de prisão de um mês a três anos e quatro meses – art.º 41.º, n,º 1 e 223.º, 23.º, n.º 2 e 73.º, n.º 1, al. a) e c) todos do Código Penal).
O crime de injúria p. e p. pelo art. 181º do Código Penal é punido com a pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias.
Como este crime prevê a punição em pena de prisão ou em pena de multa, cumpre proceder à escolha da pena, nos termos do disposto no artigo 70º do Código Penal.
*
Prevendo o crime de injúria em apreço a pena de prisão e de multa urge, antes de mais, determinar a opção entre a pena de prisão ou a pena de multa.
Estipula o artigo 70.º, do Código Penal, que, quando forem aplicáveis, em alternativa, pena de prisão e de multa, deverá dar-se preferência à segunda, sempre que esta responder de forma suficiente às finalidades de prevenção, isto é aquelas definidas no artigo 40.º, n.º 1 – a proteção de bens jurídicos (prevenção geral positiva) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial positiva). Assim, conforme se decidiu no Acórdão da Relação de Coimbra de 21 de Março de 2001 (CJ, Ano XXVI, T. II, p.49) só será de aplicar a pena de prisão quando esta “se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafática das expectativas comunitárias” e “se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária, ou em todo o caso, provavelmente mais conveniente”.
Assim, o critério de determinação da pena concreta aplicável encontra-se condicionado pelo momento prévio de necessária escolha da pena, atendendo aos requisitos impostos pelo mencionado artigo 70.º. Prevendo os preceitos incriminadores das condutas dos arguidos a possibilidade de aplicação de uma pena alternativa de multa, será esta aplicável se com tal se compatibilizarem as exigências de prevenção.
As necessidades de prevenção geral no tipo de ilícito de injúria simples revelam-se elevadas, dado que se protege o bem jurídico da honra e integridade moral, a que deve corresponder um dever de abstenção de imputação de expressões ou comportamentos que idóneos a “destruir” a imagem e a dignidade pessoal e moral por parte de todos os cidadãos e tendo ainda em consideração a elevada frequência com que o mesmo é cometido.
As necessidades de prevenção geral no que concerne ao crime de injuria revelam-se, pois, elevadas, pela crescente frequência com que são proferidas e pelo facto de terem a suscetibilidade de alterarem e afetarem psicológica, social e profissionalmente o comportamento dos visados.
As necessidades de prevenção geral quanto ao crime de extorsão, num contexto de crescendo deste tipo de criminalidade numa conjuntura económica como aquela que vivenciamos são, de igual modo, elevadas, impondo-se contrariar e infletir a sua prática.
As necessidades de prevenção especial em relação aos arguidos, pese embora nunca antes terem sido condenados por qualquer ilícito penal, a verdade é que a atitude e postura dos mesmos no decurso da audiência de julgamento e o modo de execução dos factos revelaram in casu uma personalidade agressiva e não dotada de auto-censura, persistindo numa atitude de negação perante os factos que lhes são imputados, pois que querendo voluntariamente prestar declarações estavam em condições de confessando os factos revelar arrependimento.
Na verdade, e mais concretamente quanto aos arguidos B… e D… importa ter em conta que a atitude dos arguidos não se tratou de um caso irrefletido e potenciado por alguma circunstância que pudesse ter desencadeado uma reação de momento (como decorre dos factos provados quanto à arguida E…, nos termos da motivação e no que concerne aos factos não provados que lhe vinham imputados), mas antes aqueles dois arguidos revelaram na prática dos factos serem pessoas agressivas, com tendência a perderem o controle da racionalidade e para atuarem impulsivamente, o que resulta impressivamente dos factos provados, mais concretamente a persistência na perseguição da assistente que sabiam residir sozinha com uma filha menor e que numa situação de desemprego prolongado havia “arranjado” trabalho no decurso do mês de Novembro de 2012 (altura em que ainda residia em casa dos arguidos B… e E…), demonstrando estes conhecimento das suas carências económicas e a necessidade de manutenção do emprego por parte daquela e ainda assim, ao terem-se deslocado, por várias vezes, ao posto de trabalho dela, numa das vezes, de viva voz a insultando, chamando-a de puta, caloteira e ameaçando-a nos termos dados como assentes, tendo levado à intervenção hierárquica da assistente, aliás, pelos mesmos insistida no sentido de lograr obter o respetivo numero mecanográfico e denunciar factos menos abonatórios á entidade patronal e que imputavam à assistente.
Ainda nesse contexto e visando o pagamento de quantia económica que lhe imputavam dever, decidiram, de comum acordo e em conjugação de esforços, intersetá-la, de noite e quando esta se deslocava sozinha e a pé do trabalho à respetiva residência, exibindo uma faca ao mesmo tempo que a apelidavam de “puta, caloteira, se não pagas a bem pagas a mal”.
E só não lograram os seus intuitos/pagamento porquanto por indicação da testemunha I…, pai da filha de ambos, a mesma denunciou à autoridade policial os factos e este pessoalmente contactou os arguidos dando-lhe conhecimento dessa denuncia e expressamente afirmando para não mais a incomodarem.
Acresce a este modo de execução ser o arguido D… à data dos factos militar da GNR (ainda que conforme declarou em situação de pré-reforma) e nessa veste ser-lhe exigível outro comportamento, pelo que mais censurável se torna a sua identificação nessa qualidade para obter informação para proveito pessoal e nos termos visados e descritos no acervo probatório.
Ademais, sabedor desta circunstancia e movido pelo interesse próprio de a todo o custo lograr obter a aludida quantia monetária, que sabia não ser legal e legitimamente exigivel, ao arguido B… se imputa um crescendo idêntico de censurabilidade.
Assim, face a esta personalidade dos arguidos B… e D…, consistente o perigo de reincidência caso os mesmos não sejam advertidos com seriedade e não sintam perigar a sua liberdade se o fizer, tanto mais que mantêm o mau relacionamento para com a assistente, não o assumido, antes tentando a todo o custo passar (os arguidos B… e E…) a imagem de sempre terem ajudado a assistente ou qualquer pessoa, acolhendo qualquer um que se lhe aparecesse em casa, e bem assim o arguido B… numa tentativa de fazer “colar o filme : fui apanhado enquanto andava às compras e não sei como, nem porquê…” e a própria condenação dos arguidos terá a virtualidade de, como é da experiência comum, agravar o estado emotivo e a predisposição agressiva dos arguidos.
Além disso, a gravidade e censurabilidade da conduta dos arguidos, traduzidas no modo de execução dos crimes, nas consequências físicas e psíquicas provocadas na assistente, e designadamente o medo, o susto, o receio a vulnerabilidade da mesma que sem meio de transporte se desloca da residência ao trabalho a pé e vive sozinha com uma filha menor, conjugada com a personalidade dos arguidos revelada na prática dos factos, exigem a aplicação de pena privativa de liberdade aos arguidos B… e D…, ainda que não efetiva, pois só esta natureza de sanção se mostra adequada e não defraudar as expectativas da comunidade e a assegurar a ressocialização dos arguidos, na perspetiva de garantir o seu respeito pela integridade física, bens e tranquilidade alheia.
Na verdade, a conduta dos arguidos, além de totalmente injustificada, extravasa os limites “normais” da conflitualidade inerente à convivência social, manifestando os arguidos nestes factos, uma predisposição para, com facilidade e indiferença face ao bem jurídico protegido, atingir a integridade física, moral, a paz e tranquilidade e o património alheios.
Face ao exposto, tudo conjugado implica a conclusão de que a proteção de bens jurídicos e a consciencialização dos arguidos para a importância de os respeitar, reconduzindo-se, no fundo, ao afastamento dos arguidos da prática de novos crimes e ao reforço do sentimento de segurança por parte da assistente e da comunidade, exigem a aplicação de uma pena que mantenha, pelo menos durante algum tempo, os arguidos alertados para as consequências negativas que para si podem advir da prática de algum ato ilícito como o ora sob censura.
Neste sentido a pena de multa afigura-se-nos insuscetível de realizar de forma adequada as finalidades da punição quanto aos arguidos B… e D…, optando-se, pois, pela pena detentiva de liberdade, porque apenas esta se mostra apta a alcançar a reinserção dos arguidos dissuadindo-os da prática de futuros crimes, pese embora a sua inserção social e profissional, bem como a ausência de antecedentes dos arguidos.
Já quanto à arguida E… acrescendo ao que já se deixa no que a lei concerne se expôs, as exigências de prevenção especial são diminutas, atenta a ausência de condenações da arguida pela prática de crimes da mesma natureza e/ou de outra, pelo que, atenta a factualidade pontual que se deu como assente, sem prejuízo de igual postura em julgamento aos demais arguidos nos termos supra refletidos, não se vislumbram exigências de prevenção geral ou especial que a pena de multa não consiga, por ora, satisfazer, pelo que, se opta pela mesma.
*
Da medida da pena.
Conforme dispõe o artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, para determinação da medida da pena dentro dos limites definidos na lei, deve o julgador atender à culpa do agente e às exigências de prevenção, geral e especial. Para tal operação deverão ainda ser atendidas todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham a favor ou contra o arguido (n.º 2), elencando a lei, a título meramente exemplificativo, algumas dessas circunstâncias.
A determinação da medida concreta da pena a aplicar aos arguidos será feita em função da culpa (que atua como limite e referência) e tendo em conta, num segundo momento, mas ao mesmo nível, as necessidades de prevenção de futuros crimes - cfr. Ac. RC, de 17/01/96, CJ 1996, tomo 1º, pag. 38 e Anabela Miranda Rodrigues in “A determinação da medida da pena privativa de liberdade”, Coimbra Editora, 1995, “maxime” a pags. 478 e 481.
Neste sentido vai o art. 71º, nº 1 e 2 do Código Penal, ora aplicável, assentando o nosso sistema penal no “princípio da culpa”, segundo o qual toda a pena há-de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, sem prejuízo da consideração dos fins de prevenção geral e especial, estes ligados à reinserção social do delinquente, os de prevenção geral ligados à contenção da criminalidade e à defesa da sociedade (cfr., v.g., Ac STJ, de 24/02/88, BMJ 374, 229).
Assim há a considerar, no caso concreto, que a ilicitude se mostra consideravelmente elevada, uma vez que os arguidos se queriam aproveitar da fragilidade da vítima, traduzida na circunstancia de a saberem pessoa recatada e a viver sozinha com a filha menor e agora empregada para lhe extorquir dinheiro que sabiam não terem legitimamente direito.
Quanto à culpa, ela situa-se ao nível do dolo direto: os arguidos B… e D…, sabiam que ameaçavam a assistente para se aproveitar dela tirando-lhe dinheiro através de ameaças contra a sua vida ao mesmo tempo que cada um dos arguidos proferiam expressões injuriosas à sua honra e consideração pessoal, aqueles dois de viva voz e no local de trabalho da assistente (funcionária de atendimento ao balcão no serviço de frescos/peixes e fruta).
O grau de ilicitude é elevado revelado no modo de execução dos factos e persistência refletida pelas deslocações ao local de trabalho por parte dos arguidos B… e D…, mediana relativamente à arguida E…, ante o ato isolado ainda que destabilizante para a assistente o respetivo conteúdo injurioso.
- As consequências dos factos são consideráveis atento os danos morais, o medo, a ansiedade, o receio, a inquietação da concretização da ameaça, em referência à condição de militar do arguido D… e a vergonha, a humilhação sentidas pela mesma com chamada da mesma à superior hierárquica onde trabalha para a situação e imagem do identificado estabelecimento comercial.
Há a considerar, por outro lado e a favor dos arguidos, que aos arguidos não são conhecidos antecedentes criminais, se encontram inseridos familiar e profissionalmente.
Consideradas em conjunto as exigências de prevenção geral e especial, entendo que as condutas dos arguidos E…, B… e D… devem ser censuradas com as seguintes penas concretas:
- 4 meses de prisão, para cada um dos arguidos, B… e D…, pela prática em co-autoria, do crime de extorsão, previsto e punido pelo artigo 223ºdo Código Penal, dado que as suas condutas são homogéneas e não se pode graduar uma mais do que outra;
- 1 mês e 15 dias de prisão, para cada um dos arguidos B… e D…, pela prática em autoria material, do crime de injúria, p. e p. art.º 181.º do Código Penal,
- 50 dias de multa, pela prática da arguida E…, de um crime de injúria, p e p art.º 181.º do CP.
Quanto ao quantitativo diário da multa a aplicar à arguida E…, a fixar entre €5 (cinco euros) e € 500,00 (quinhentos euros), deve atender-se à situação económica e financeira da arguida e aos seus encargos pessoais, conforme o disposto no artigo 47º, nº 2 do Código Penal, tendo presente, por um lado, a “dignificação da pena de multa enquanto medida punitiva e dissuasora”, e por outro, que aquele quantitativo não deve exceder o montante de que o agente possa dispor, sem prescindir da satisfação das suas necessidades básicas.
No caso concreto, atento o rendimento do agregado familiar no valor global de 850€ mensais, não se apurando, com segurança outros rendimentos decorrentes de “ajudas ou contribuições económicas“ daqueles que dizem albergar em casa, entendendo-se por isso ser de aplicar uma taxa diária próxima do mínimo legal que se fixa em €6 (seis euros).
***
Do concurso de crimes
Atendendo ao facto de os arguidos B… e D… terem preenchido dois tipos legais de crime, estamos perante um concurso real e efetivo de crimes, devendo os seus agentes serem punidos numa pena única, nos termos conjugados das disposições dos artigos 30.º, n.º 1, e 77.º, n.º 1 e 2, todos do Código Penal.
Em primeiro lugar, devemos encontrar a pena única aplicável, dentro da moldura abstrata do concurso, e tendo em conta, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
O limite da pena a aplicar resulta da soma das penas concretamente aplicadas por cada crime, sendo o limite mínimo resultante da pena parcelar mais elevada.
Assim, deste modo, temos:
No que diz respeito a ambos os arguidos como limite mínimo 4 meses de prisão e máximo de 5 meses e 15 dias de prisão;
Ora, apreciando em conjunto os factos e as personalidades dos arguidos, pormenorizadamente analisadas e ponderadas aquando da escolha da pena e aqui dadas por integralmente reproduzidas, julgo como justas e adequadas as penas únicas de:
- 4 meses e 15 dias de prisão a cada um dos arguidos B… e D…;
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Cumpre, agora, aferir da aplicabilidade de pena de substituição à pena de prisão.
Quando se aplica ao arguido pena de prisão não superior a um ano haverá que considerar a possibilidade de substituição dessa pena por: multa; suspensão; trabalho a favor da comunidade; regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância; por dias livres; pelo regime de semidetenção.
Desde logo há que ter presente a atual redação do art.º 43.º do C. Penal, que prevê a substituição da pena de prisão aplicada em medida não superior a 1 ano por pena de multa.
No caso concreto, de acordo com as considerações anteriormente expandidas, nomeadamente, relevando a personalidade dos arguidos revelada na pratica dos factos e para a gravidade e censurabilidade dos crimes, a prevenção de novos crimes, não se pode deixar de considerar que a não substituição da prisão é exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, nos termos já supra explanados e daí que não deva ser substituída por multa, ou outra pena de substituição nos termos do art. 43.º do C. Penal.
*
Vejamos agora da suspensão da pena de prisão.
Dispõe o art.º 50.º do C. Penal que “(...) o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (...).
Assim, como referem Leal-Henriques e Simas Santos, in Código Penal Anotado, 3ª edição, 1º vol., Rei dos Livros, pp. 637 e ss., (...) na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável ao arguido, ou seja, uma esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime. (...) Devem ser valoradas todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, atendendo somente às razões da prevenção especial (...).
Ora, subjacente à decisão de suspensão da execução da pena está um juízo de prognose favorável sobre o futuro comportamento do arguido, ou seja quando seja de prever que o arguido não cometerá futuros crimes o que acreditamos que acontecerá neste caso.
Assim, considerando que os arguidos se encontram bem inseridos a nível pessoal e profissional ao facto de não terem antecedentes criminais, afigura-se que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do crime, podendo a prisão surtir um efeito negativo e mesmo contrário ao visado com a aplicação da pena.
Trata-se de solução preferível à da efetivação de uma pena de prisão, pelo menos enquanto se mantiver um juízo de prognose favorável à reinserção dos arguidos, em liberdade.
De acordo com o n.º 5 do artigo 50.º do mesmo Código, o período da suspensão é fixado em período de duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da sentença.
Em suma, tudo visto e ponderado, entende-se que estão reunidos os pressupostos necessários para a suspensão da execução da pena de prisão aplicada aos dois arguidos, devendo a mesma ser suspensa pelo período de um ano;
Sendo essa suspensão a que melhor se adequa à situação pessoal dos arguidos, correspondendo a um período para que estes possam compreender e interiorizar a gravidade das suas condutas.
Em todo o caso, tendo primacialmente em conta os fins de prevenção geral e especial da pena, com especial enfoque na necessidade de, por um lado, reafirmar perante a comunidade e a assistente a validade da norma jurídica violada e de, por outro lado, ressocializar os arguidos, através da assunção dos seus erros e da sua responsabilização, apenas serão adequadamente prosseguidos se aos arguidos for imposto o dever de repararem do mal dos crimes, dentro de parâmetros razoáveis e provados pelo tribunal, ou seja, o dever de pagarem à assistente compensação pecuniária, conforme vem previsto no art.º 51.º, n.º 1, al. a), do CP, o que é admissível mesmo que não tenha sido deduzido pedido cível, o que não é o caso.
Assim, impõe-se aos arguidos como condição da suspensão da execução da pena de prisão que lhes foi aplicada, o pagamento à assistente do valor a fixar em termos de indemnização civil.
Destarte, a suspensão da execução das penas de prisão aplicadas aos arguidos deve ser condicionada ao pagamento à assistente C… da quantia a fixar em termos de indemnização civil a cada arguido, sendo que in caus, ante a obrigação solidária e por forma a impedir pagamento duplicado de quantias a arbitrar, se fixará para cada um, metade da quantia total a fixar como obrigação de pagamento a titulo de condição da aludida suspensão.
Apenas desta forma, poderá verificar-se a fundada expectativa de reabilitação dos arguidos que, a acontecer junto da comunidade que os viu delinquir, conduzirá à reafirmação da validade do próprio sistema de justiça.

Como se sabe, na determinação da pena concreta, importa ter em conta, nos termos do Artº 71 do C. Penal, as necessidades de prevenção geral e especial que nos autos se imponham, bem como, as exigências de reprovação do crime, não olvidando que a pena tem de ser orientada em função da culpa concreta do agente e que deve ser proporcional a esta, em sentido pedagógico e ressocializador.
Como ensina Figueiredo Dias in Direito Penal, Parte Geral, Tomo 2, As consequências jurídicas do crime. 1988, pág. 279 e segs :
«As exigências de prevenção geral, ... constituirão o limiar mínimo da pena, abaixo do qual já não será possível ir, sob pena de se pôr em risco a função tutelar do Direito e as expectativas comunitárias na validade da norma violada;
As exigências de culpa do agente serão o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas, por respeito ao princípio politico-criminal da necessidade da pena (Artº 18 nº2 da CRP) e do principio constitucional da dignidade da pessoa humana (consagrado no nº1 do mesmo comando)
Por fim, as exigências de prevenção especial de socialização, sendo elas que irão determinar, em último termo e dentro dos limites referidos, a medida concreta da pena»
Importa ainda ter em conta que:
«A função primordial de uma pena, sem embargo dos aspectos decorrentes de uma prevenção especial positiva, consiste na prevenção dos comportamentos danosos incidentes sobre bens jurídicos penalmente protegidos.
O seu limite máximo fixar-se-á, em homenagem à salvaguarda da dignidade humana do condenado, em função da medida da culpa revelada, que assim a delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que social e normativamente se imponham.
O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que em concreto ainda realize eficazmente essa protecção dos bens jurídicos.
Dentro destes dois limites, situar-se-á o espaço possível para resposta às necessidades da reintegração social do agente.
Ainda, embora com pressuposto e limite na culpa do agente, o único entendimento consentâneo com as finalidades de aplicação da pena é a tutela de bens jurídicos e, (só) na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade - cf. Anabela Miranda Rodrigues, RPCC, Ano 12º, nº 2, pág. 182» – Ac. do STJ de 4-10-07, Proc. nº 2692/07 - 5ª »
Ora, cotejando estes critérios com o decidido pela instância recorrida, entende-se, salvaguardando o devido respeito por opinião contrária, que não assiste razão aos recorrentes e que as penas ali fixadas se mostram adequadas e proporcionais às exigências de prevenção geral e especial que no caso concorrem, bem como, às finalidades punitivas que supra se plasmaram.
Na verdade, o tribunal recorrido, sopesou, na sua devida conta, todos os factores em jogo, incluindo os que agora são reclamados pelos recorrentes, quer desfavoráveis, quer favoráveis, nomeadamente, o grau da ilicitude, a intensidade do dolo, a inserção profissional dos arguidos, as condições de vida, as suas idades, o desvalor social da acção delitiva, o juízo de censura susceptível de ser formulado, a ausência de antecedentes criminais, a gravidade das condutas e as circunstâncias em que as mesmas ocorreram.
Finda tal operação, fixou, de forma criteriosa, as penas parcelares aplicáveis, tendo por referência a dimensão média das respectivas molduras penais, bem como, a pena única resultante do necessário cúmulo jurídico, configurando-se, todas elas, como proporcionais àqueles vectores e à tutela dos bens jurídicos em concreto.
Como muito acertadamente se consigna na decisão recorrida, «As necessidades de prevenção especial em relação aos arguidos, pese embora nunca antes terem sido condenados por qualquer ilícito penal, a verdade é que a atitude e postura dos mesmos no decurso da audiência de julgamento e o modo de execução dos factos revelaram in casu uma personalidade agressiva e não dotada de auto-censura, persistindo numa atitude de negação perante os factos que lhes são imputados, pois que querendo voluntariamente prestar declarações estavam em condições de confessando os factos revelar arrependimento.»
Daí que se perceba a conclusão no sentido de «… a atitude dos arguidos não se tratou de um caso irrefletido e potenciado por alguma circunstância que pudesse ter desencadeado uma reação de momento…mas antes aqueles dois arguidos revelaram na prática dos factos serem pessoas agressivas, com tendência a perderem o controle da racionalidade e para atuarem impulsivamente, o que resulta impressivamente dos factos provados, mais concretamente a persistência na perseguição da assistente que sabiam residir sozinha com uma filha menor e que numa situação de desemprego prolongado…»
Há assim um intenso desvalor social da acção, um especial juízo de censurabilidade, decorrente de, a todo o custo, tentarem extorquir dinheiro da assistente, valendo-se o arguido D… da circunstância de ser militar da GNR em situação de pré-reforma, para desse modo, conseguir intimidar aquela com a veemência necessária para prossecução dos seus intentos criminosos.
Concorda-se assim com o tribunal a quo quando afirma que «…a gravidade e censurabilidade da conduta dos arguidos, traduzidas no modo de execução dos crimes, nas consequências físicas e psíquicas provocadas na assistente, e designadamente o medo, o susto, o receio a vulnerabilidade da mesma que sem meio de transporte se desloca da residência ao trabalho a pé e vive sozinha com uma filha menor, conjugada com a personalidade dos arguidos revelada na prática dos factos, exigem a aplicação de pena privativa de liberdade aos arguidos B… e D…, ainda que não efetiva, pois só esta natureza de sanção se mostra adequada e não defraudar as expectativas da comunidade e a assegurar a ressocialização dos arguidos, na perspetiva de garantir o seu respeito pela integridade física, bens e tranquilidade alheia. »
Há uma manifesta indiferença dos arguidos para com os bens jurídicos protegidos pelas normas em causa, uma facilidade em configurar a melhor forma de atingir a integridade física, moral, a paz e tranquilidade e o património alheios, que, para além de totalmente injustificada, excede, consideravelmente, os parâmetros normais da conflitualidade social.
Nessa medida, entende-se, na esteira do decidido pela 1ª instância, que as exigências de prevenção geral radicadas na proteção de bens jurídicos e as demandas da prevenção especial, introduzidas pela necessidade de consciencializar os arguidos para a importância de os respeitar, implicam a aplicação de uma pena que reforce a interiorização do gravidade desses comportamentos e da indispensabilidade deles não se repetirem, assim se reforçando o sentimento de segurança por parte da assistente e da comunidade.
Tais desideratos parecem inalcançáveis pela aplicação de penas de multa, mau grado a inserção social e profissional dos arguidos e a ausência de antecedentes criminais, estando afastada a reclamada atenuação especial da pena, tendo em conta que os arguidos nem sequer assumiram a prática dos factos, que é, como se sabe, o primeiro degrau para a interiorização da respectiva culpa.
A ilicitude é elevada, pelo aproveitamento que os arguidos tentaram obter da fragilidade pessoal familiar e laboral da assistente, o dolo é directo e as consequências dos factos são consideráveis, atentos os danos morais provocados, traduzidos na ansiedade e no medo da concretização da ameaça, para além da humilhação sentida pela assistente, decorrente de ter sido chamada à presença da sua superior hierárquica no local onde trabalha.
Tudo conjugado, entende-se que os critérios pelos quais se determinaram as penas parcelares a aplicar aos arguidos, bem como, as penas únicas, se mostram correctos e adequados, quer às exigências de prevenção geral e especial que no caso concorrem, quer às finalidades punitivas, não merecendo, por isso, qualquer crítica.
Assim sendo, os recursos dos arguidos terão, também nesta parte, de improceder.
B.6. Do pedido de indemnização civíl

Por fim, defendem aos recorrentes que por não terem praticado os crimes em que foram condenados, deve o pedido de indemnização civil ser julgado improcedente por não provado, sendo que o montante indemnizatório fixado a título de danos não patrimoniais é manifestamente excessivo, tendo em conta a situação económica dos arguidos.
Nesta matéria, consta o seguinte da decisão recorrida (transcrição):

Dos pedidos de indemnização civil deduzido pela assistente/demandante C….
A demandante C…, deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos, demandados civis E…, B… e D…, peticionando a condenação destes solidariamente, a pagar-lhe a quantia de €600,00 a título de danos patrimoniais pelos danos causados e sofridos decorrentes do crime de injúria e €1.000,00 a título de danos não patrimoniais decorrentes das consequências do crime de extorsão, quantias acrescidas de juros desde a notificação até integral pagamento (ante o principio da adesão e não tendo sido recebido a acusação pelo crime de ameaça, nesta parte nada haverá que referir quanto ao valor a este crime peticionado).
De acordo com o disposto no artigo 129.º do Código Penal “a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil”.
A indemnização em processo-crime tem atualmente natureza cível enquadrando-se nos parâmetros do direito civil.
Nos termos do artigo 483.º do Código Civil “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer outra disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Assim, para haver obrigação de indemnizar o citado artigo 483.º exige a concorrência simultânea dos seguintes requisitos: o facto, a sua ilicitude, o vínculo de imputação do facto ao agente, o dano e a relação de causalidade entre o facto e o dano.
1) Facto Voluntário - no sentido de controlável pela vontade humana, embora não tenha que ser “querido”, sob pena de não ser punível a negligência inconsciente. Tanto pode ser um ato positivo como omissivo (neste caso só quando exista, por força de lei, negócio jurídico ou contrato, o dever de praticar o ato, nos termos do artigo 486º do Código Civil).
2) Ilicitude- reprovação da conduta do agente no plano geral e abstrato da lei, em contraposição à culpa que se reporta a um comportamento concreto. Engloba a violação de um direito de outrem e a violação de lei que protege interesses alheios.
3) Culpa- imputação do facto ao lesante, a título de dolo (direto, necessário ou eventual) ou negligência (consciente ou inconsciente).
A culpa é apreciada em relação ao caso concreto, tendo como padrão a diligência de um bom pai de família (artigo 487º n.º 2 do Código Civil).
4) Dano- pode ser real (lesão causada no interesse juridicamente tutelado), patrimonial (reflexo do dano real na situação patrimonial do lesado, englobando os danos emergentes e os lucros cessantes) ou não patrimonial (o que é insuscetível de avaliação pecuniária, ou seja, o dano que apenas pode ser compensado, conforme ocorre in casu).
5) O Nexo de Causalidade- só há responsabilidade relativamente aos danos que o lesado provavelmente não sofreria se não fosse aquela conduta, estando, entre nós, consagrada a teoria da causalidade adequada, na sua formulação positiva (cfr. artigo 563º do Código Civil).
Importa agora averiguar se estão reunidos, no caso sub judice, os elementos constitutivos da responsabilidade civil.
Quanto ao primeiro elemento, resulta da matéria provada que ocorreu uma ação voluntária por parte dos demandados.
Concentremo-nos no segundo elemento – a ilicitude – pode esta apresentar-se através de duas formas: pela violação de um direito de outrem ou pela violação de uma norma legal a proteger interesses alheios.
Ora, no caso em análise, se relativamente aos danos decorrentes do crime de extorsão os demandados B… e D… ao agirem da forma descrita, em co-autoria, violaram de forma ilícita e culposa, o direito á livre disposição patrimonial, à liberdade de decisão e de ação bem como a paz individual que é condição da realização da liberdade pessoal da assistente B… e ainda o direito à propriedade, por seu turno, estes dois demandados e a demandada E… violaram ainda ilicitamente e de forma culposa o direito à honra e dignidade pessoais devidas á assistente .
Quanto à imputação do facto ao lesante, era necessário que tivessem procedido com culpa, o que também se provou.
No que concerne à existência de danos, ela também é clara, se considerarmos a factualidade dada como provada, e designadamente a vergonha, o nervosismo, a ansiedade, o medo e receio de andar sozinha e da consumação da ameaça.
Por último, e quanto ao nexo de causalidade entre os factos e os danos, igualmente não existe qualquer dúvida quanto ao seu preenchimento.
Presentes todos os elementos necessários à responsabilidade civil dos demandados, resta fixar o quantum indemnizatório.
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A reparação dos prejuízos causados pela prática de um ato ilícito imputável a alguém a título de dolo ou negligência, compreende as seguintes realidades: danos emergentes, os quais incluem os prejuízos diretos ou necessários (prejuízos diretos e despesas imediatas); ganhos cessantes; lucros cessantes; danos futuros e prejuízos de ordem não patrimonial (v. entre outros, o Ac. do S.T.J. de 20 de Janeiro de 1994, Col. de Jur.- Acs. do S.T.J., Ano II, tomo 1, pág. 203).
No que respeita aos danos não patrimoniais aplicam-se quanto a estes o critério definido pelo art.º 496.º, n.º 1 do C.C., ou seja, aqueles que têm que ter a gravidade suficiente para merecer a tutela do direito.
Os danos não patrimoniais são aqueles que não atingem o património do lesado e são insuscetíveis de avaliação patrimonial e correspondem à angústia, ao sofrimento, ao abalo psíquico-emocional, complexos e frustrações de ordem psicológica nos termos dados como assentes.
Quanto a tal tipo de danos não há uma indemnização verdadeira e própria mas antes uma reparação ou seja a atribuição de uma soma pecuniária que se julga adequada a compensar e reparar dores e sofrimentos através do proporcionar de um certo número de alegrias ou satisfações que as minorem ou façam esquecer.
Ao contrário da indemnização cujo objetivo é preencher uma lacuna verificada no património do lesado, a reparação destina-se a aumentar um património intacto para que, com tal aumento, o lesado possa encontrar uma compensação para a dor.
Por isso que o valor dessa reparação deva ser proporcional à gravidade do dano, devendo ter-se em conta, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida. Isso mesmo se colhe da lei, nomeadamente dos artigos 495.º, 496.º, n.º 3 e 497.º, todos do Código Civil.
Face ao exposto, no que respeita a este ponto, dúvidas não restam.
O tribunal tem, diferentemente dos danos patrimoniais, não que verificar quanto as coisas valem, mas sim que encontrar “o quantum necessário para obter aquelas satisfações que constituem a reparação indireta possível” in Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6.ª Ed. Coimbra, Editora, 1989, pág. 377. O dinheiro não tem a virtualidade de apagar o dano, mas pode ele ser contrabalançado, “mediante uma soma capaz de proporcionar prazeres ou satisfações à vítima, que de algum modo atenuem, ou em todo o caso, compensem esse dano” in Pinto Monteiro, Sobre a Reparação dos Danos Morais, Revista Portuguesa do Dano Corporal, Set. 1992, n.º 1, 1.º ano, pág. 20.
Por outras palavras, o art.º 496.º, do C.C. fixou “não uma conceção materialista das vida, mas um critério que consiste em conceder ao ofendido uma quantia em dinheiro considerada adequada a proporcionar-lhe alegrias ou satisfações que, de algum modo, contrabalancem as dores, desilusões, desgostos, ou outros sofrimentos que o ofensor tenha provocado” in Ac. do STJ, 16.04.91, BMJ, pág. 618.
O que acaba de se expor é conseguido através de juízos de equidade referidos no art.º 496.º, n.º 3 do C.C., o que evidentemente importa uma certa dificuldade de cálculo.
In casu apurou-se que o demandante sentiu medo, receio, angustia e um crescendo de nervosismo, passando a recear pela consumação das ameaças e tendo cautelas acrescidas quando se desloca diariamente a pé da sua residência ao local de trabalho e vice versa e ainda sente com as ameaças perpetradas pelos arguidos B… e D…; Também sentiu-se humilhada, envergonhada com as expressões injuriosas que lhe foram dirigidas por parte de todos os arguidos/demandados.
Tais danos, pela sua gravidade, merecem indiscutivelmente a tutela do direito (artigo 496º, n.1 do Código Civil).
Assim, ponderando o grau de culpabilidade dos arguidos, a sua respetiva situação económica e as demais circunstâncias do caso (artigo 494.º ex vi do artigo 496.º, n.º 2, ambos do Código Civil), fixa-se a indemnização devida por danos não patrimoniais nas seguintes quantias, por estas se nos afigurarem equilibradas e adequadas ao tipo de lesões sofridas, às consequências psicológicas que dos factos advieram e às circunstâncias concretas em que os factos ocorreram:
- €1000,00 (mil euros) a quantia devida, solidariamente, pelos demandados B… e D… a pagar à demandante C…, pelos danos não patrimoniais decorrentes da prática dos factos subsumíveis ao crime de extorsão;
- €600 (seiscentos euros) a quantia que se fixa pela compensação dos danos morais decorrentes pela prática do crime de injúria devida na proporção de 250€ para cada um dos arguidos B… e D… que se diferencia da quantia de € 100,00 a ser paga pela demandado E…, atento o modo de execução dos dois primeiros e reiteração das aludidas expressões em contraste com o ato isolado e telefonicamente imputado à assistente nos termos dados como assentes.
Quanto a juros:
De acordo com o entendimento sufragado pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2002, uma vez que o tribunal recorreu à equidade para alcançar o valor referido e, nessa medida, efetuou um cálculo tendo em conta as condições e o valor monetário atuais, não deverá os mesmos vencerem juros desde a notificação do pedido cível, como pretende o demandante, mas apenas desde a sentença.

A este nível, duas são as pretensões dos recorrentes.
Por um lado, a afirmação que não é devida qualquer indemnização, na medida em que não foram praticados actos criminosos, matéria de todo destituída de sentido, atenta a factualidade provada e o tudo o que para trás se disse, nada havendo agora a acrescentar, para além, como é evidente, do necessário insucesso desta argumentação.
Por outro lado, a asserção que o valor indemnizatório fixado pelo tribunal a quo se configura como excessivo, ainda que tal conclusão careça de fundamentação, pelo que, quando não se fundamenta, ainda que pela rama, um determinado pedido, não se pode esperar que o mesmo, por si só, tenha acolhimento.
Ora, como se vê do simples confronto da factualidade dos autos com os critérios legais de indemnização, torna-se evidente a ausência de razão dos recorrentes.
Os danos não patrimoniais – pois só estes é que estão em causa nos autos - atingem bens que não integram o património do lesado, são, por natureza, insusceptíveís de avaliação pecuniária, razão pela qual a obrigação de os ressarcir terá mais uma natureza compensatória do que indemnizatória.
A indemnização por danos não patrimoniais tem por finalidade compensar desgostos e sofrimentos suportados pelos lesados.
Como se escreve no Ac. STJ de 15.04.2009, in www.dgsi.pt., os danos não patrimoniais são os insusceptíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária, porque atingem bens, como a vida, a saúde, a integridade física, a perfeição física, a liberdade, a honra, o bom nome, a reputação, a beleza, dos quais resulta o inerente sofrimento físico e psíquico, o desgosto pela perda, a angústia por ter de viver com uma deformidade ou deficiência, os vexames, a perda de prestígio ou reputação, tudo constituindo prejuízos que não se integram no património do lesado, apenas podendo ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo mais uma satisfação do que uma indemnização, assumindo o seu ressarcimento uma função essencialmente compensatória, embora sob a envolvência de uma certa vertente sancionatória ou de pena privada.
A ressarcibilidade dos danos não patrimoniais deverá circunscrever-se, nos termos do art.496º do Cód. Civil, àqueles danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, como sucede in casu, na medida em que se provou que a assistente viu afectada os direitos á livre disposição patrimonial e à liberdade de decisão e de acção, bem como, à sua paz individual, sofrendo, em consequência da actuação dos arguidos, vergonha, nervosismo, ansiedade e o medo de andar sozinha e da consumação da ameaça.
Ora, estas dores psíquicas, a perturbação da pessoa e os sofrimentos morais, são danos que, apreciado em conjunto, merecem a tutela do direito, tendo sido adequadamente valorados pela instância recorrida, estabelecido que está o referido nexo de causalidade e tendo sido ponderado o grau de culpabilidade dos arguidos, a sua respetiva situação económica e as demais circunstâncias do caso, nos termos do Artº 494 ex vi Artº 496 n.º2, ambos do Código Civil, configurando-se os valores fixados como equilibrados, adequados ao tipo de lesões sofridas, às consequências psicológicas que dos factos advieram e às circunstâncias concretas em que ocorreram.
Ter-se-á assim que finalizar pela improcedência do recurso.

3. DECISÃO

Nestes termos, decide-se negar provimento aos recursos e em consequência, manter, na íntegra, a sentença recorrida.
Custas a cargo dos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça, atendendo ao trabalho e complexidade das questões suscitadas, em 4 UC, ao abrigo do disposto nos Arts 513 nº 1 e 514 nº 1, ambos do CPP e 8 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa.
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Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que o presente acórdão foi integralmente revisto e elaborado pelo primeiro signatário.
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Porto, 16 de Dezembro de 2015
Renato Barroso
Vítor Morgado
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[1] In “Tratado de Derecho Penal”, Bosch, Vol. II, pág. 703 e ss.
[2] In “Sobre o Estado Actual da Doutrina do Crime”, RPCC 1 (1991), pág. 50
[3] Acórdão do STJ in CJ do STJ de 21.1.99, Tomo I, pág. 198. Na doutrina podemos ver a defender que o dolo eventual é suficiente o Prof. Germano Marques da Silva in “Direito Penal Português” Vol II, pág. 241. Esta solução, no entanto, é rejeitada pelo Prof. Faria Costa, in “Formas do Crime, Jornadas de Direito Criminal” pág. 160.
[4] In “Direito Penal, Sumários e Notas Das Lições ao 1:º Ano do Curso Complementar de Ciências Jurídicas de Direito”, Coimbra, 1976, pág. 21.