Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1884/96.0JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE LANGWEG
Descritores: PRISÃO SUBSIDIÁRIA
DESPACHO
CONVERSÃO DA MULTA EM PRISÃO
AUDIÇÃO DO ARGUIDO
NULIDADE INSANÁVEL
Nº do Documento: RP201701111884/96.0JAPRT.P1
Data do Acordão: 01/11/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS N.º 704, FLS.286-294)
Área Temática: .
Sumário: I - A lei exige o cumprimento da garantia constitucional e processual penal do contraditório no incidente de conversão da multa em prisão subsidiária, por força do disposto no artigo 61°, n.° 1, alínea b) do Código de Processo Penal e 32°, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa: "o arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei, dos direitos de (…) Ser ouvido pelo tribunal (…) sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte.".
II - A falta de audição do arguido no caso em que a lei comina essa obrigatoriedade, por colidir com direitos fundamentais de defesa – como é o caso -, constitui nulidade insuprível [artigo 119º, c), do Código de Processo Penal, interpretado extensivamente], passível de ser suscitada em fase de recurso, nos termos do disposto no artigo 410°, n.º 3 do mesmo texto legal.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1884/96.0JAPRT.P1
Data do acórdão: 11 de Janeiro de 2017

Relator: Jorge M. Langweg
Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa
Origem: Comarca do Porto
Instância Local do Porto | Secção Criminal

Sumário:
1 - A lei exige o cumprimento da garantia constitucional e processual penal do contraditório no incidente de conversão da multa em prisão subsidiária, por força do disposto no artigo 61°, n.° 1, alínea b) do Código de Processo Penal e 32°, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa: "o arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei, dos direitos de (…) Ser ouvido pelo tribunal (…) sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte.".
2 - A falta de audição do arguido no caso em que a lei comina essa obrigatoriedade, por colidir com direitos fundamentais de defesa – como é o caso -, constitui nulidade insuprível [artigo 119º, c), do Código de Processo Penal, interpretado extensivamente], passível de ser suscitada em fase de recurso, nos termos do disposto no artigo 410°, n.º 3 do mesmo texto legal.
Acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto
nos presentes autos acima identificados, em que figura como recorrente o arguido B…;
I - RELATÓRIO
1. O arguido interpôs recurso do despacho proferido nos autos em 14 de Julho de 2014, apenas notificado em 24 de Maio de 2016, com o teor seguidamente reproduzido:
Dando aqui por integralmente reproduzidos os termos da douta promoção de fls. 744, por com os mesmos concordarmos, indefere-se o requerido a fls. 699.
Mais se indefere o requerido pagamento da pena de multa em prestações, bem como a requerida substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade, por os pedidos se revelarem manifestamente extemporâneos.
Notifique, sendo com cópia de fls. 744.
Após trânsito em julgado do presente despacho, passe e entregue mandados de detenção contra o arguido para cumprimento da pena de prisão subsidiária fixada, podendo o arguido a todo o momento obstar ao cumprimento da prisão pagando a multa a que foi condenado.
(…)»

2. Inconformado com o teor do despacho, o recorrente concluiu a motivação do seu recurso nos seguintes termos:
«Por decisão proferida, de fls 493 a 502, foi o arguido condenado, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de 5,00€ (cinco euros), perfazendo o total de 1.5000,00€ (mil e quinhentos euros).
Por razões de incapacidade económica o recorrente não efectuou o correspondente pagamento.
Do douto despacho de 14/07/2014, conclui-se não serem conhecidos quaisquer bens ou rendimentos ao recorrente, susceptíveis de serem penhorados que determinou, de forma automática e, desde logo, errática, a conversão da pena única de multa não paga em 200 (duzentos) dias de prisão subsidiária.
Entretanto, por requerimento de fls 699 e seguintes, o recorrente confirmou e documentou a manutenção do seu estado económico/financeiro precário.
Aqui alegou e provou que tal omissão de pagamento lhe não era imputável.
Desatendendo a tais factos, por douto despacho de 06/07/2016, foram indeferidos todos os fundamentos aduzidos no referido requerimento de fls 699 e segs, bem como o requerido pagamento da multa em prestações e ainda a prestação de trabalho a favor da comunidade, por extemporaneidade.
Consequentemente, foi ordenada, após trânsito, a emissão de mandados de detenção para cumprimento pelo recorrente da pena de prisão subsidiária fixada.
Sem prejuízo de a, todo o momento, poder o recorrente obstar a tal cumprimento mediante o pagamento da multa a que foi condenado.
O que nos permite concluir, desde logo, que foi ordenado o cumprimento de prisão subsidiária sem se esgotar o apuramento da verdadeira situação económica do recorrente.
Acresce que, por outro lado, jamais chegou a sequer ser tentada a sua cobrança coerciva.
Também, resulta evidente dos autos que ao recorrente não foi dado o direito de se pronunciar sobre as causas do não pagamento da multa em que fora condenado.
Resulta, pois, que não foi por causa imputável ao arguido que a multa de 1.500,00€ (mil e quinhentos euros) não foi paga.
Já que as informações reunidas nos autos sobre a situação económica do recorrente evidenciam uma situação económica depauperada, o que exclui a imputabilidade ao arguido da causa do não pagamento multa.
Pelo que é ilegal a conversão em prisão subsidiária da multa, mostrando-se violado o disposto no art° 49°, n° 1, do Código Penal.
Ainda, a não audição do arguido sobre as causas do não pagamento voluntário é conduta violadora do disposto no art° 61°, n° 1, al b), do Código de Processo Penal.
Acabando, assim, a decisão por ordenar o cumprimento de prisão subsidiária quando não só era teoricamente possível a cobrança coerciva, como não foi analisada a possibilidade de suspensão da execução da prisão subsidiária, mostrando-se violado o estipulado no art° 49° n° 3 do Código Penal.
Motivos pelos quais o recorrente não pode conformar-se com aquele douto despacho de 06/07/2016.
Já que poderia este recorrente ''pagar o seu pecado'' por recurso a penas / sanções não privativas da liberdade.
Quais sejam, a prestação de trabalho a favor da comunidade ou o pagamento prestacional da multa em que foi condenado.
Devendo a aplicação da pena de prisão, sempre, ser a derradeira e residual solução da Lei.»

3. O Ministério Público, junto do Tribunal a quo, respondeu à motivação do recurso, de forma fundamentada, pugnando pela sua improcedência, extraindo-se do seu teor as seguintes passagens mais impressivas:
«Pretende o arguido, ora recorrente, dizer, por um lado, ter sido ordenado o cumprimento da pena de prisão subsidiária sem se ter apurado a sua verdadeira situação económica ou tentada a cobrança coerciva da pena de multa, questionando nesta sede as informações fornecidas pelas autoridades policiais e, por outro, que antes de conversão da pena de multa em prisão subsidiária, o tribunal “a quo”, tem que proceder à audição do arguido para se poder pronunciar quanto às razões do não pagamento, procedimento que não foi cumprido em violação do disposto na al. b), do nº. 1, do art. 61º., do CPP, inviabilizando a conclusão de aquele não pagamento não lhe poder ser imputado, caso em que, por observância do disposto no nº. 3, do art. 49º., do Cód. Penal, a pena de prisão subsidiária deveria ter sido suspensa na sua execução, propondo-se o arguido fazer tal prova.
Sem razão, entendemos.
Salvo o devido respeito, a linha de raciocínio seguida pelo arguido, ora recorrente, revela-se contraditória, pois que, apesar de dizer que o tribunal “a quo” se bastou com informações policiais quanto à situação económica do seu agregado familiar, não identifica quais as diligências que foram omitidas na tentativa de identificar bens penhoráveis ou rendimentos e, acima de tudo, não concluí pela sua existência.
Ainda assim e, uma vez mais com o devido respeito, não se percebe quais as consequências que o arguido pretende retirar desse facto, pois que, apesar de notificado do teor da douta sentença proferida nestes autos, desinteressou-se do seu cumprimento na medida em que deixou de residir na morada dos autos sem disso dar conhecimento ao processo, inviabilizando dessa forma qualquer notificação pessoal.
Por outro lado, há que ter presente que o arguido só não foi ouvido quanto às razões do não pagamento da pena de multa por ser desconhecido o seu paradeiro.
Vejamos.
Dispõe o art. 61º., do Cód.Proc.Penal, soba a epígrafe, “Direitos e deveres processuais”, na parte que aqui importa considerar que e, citamos:
“1-O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei, dos direitos de:
a)(…);
b)Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte;”
No caso em apreço, o arguido, ora recorrente, alega a violação do disposto na al. b), do nº. 1, do art. 61º., do CPP.
No entanto, o arguido não identificou os motivos para o tribunal não ter observado o estatuído em tal preceito legal, ou seja, o facto de ser desconhecido o paradeiro do arguido apesar das diligências levadas a cabo para o localizar.
Por seu turno estabelece o art. 113.º., do CPP, sob a epígrafe, “Regras gerais sobre notificações”, que transcrevemos na parte que aqui importa considerar tendo em conta o alegado pelo ora recorrente quanto à falta de notificação:
“1-As notificações efectuam-se mediante:
a)Contacto pessoal com o notificando e no lugar em que este for encontrado;
b)Via postal registada, por meio de carta ou aviso registados;
c)Via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos casos expressamente previstos; ou
d)Editais e anúncios, nos casos em que a lei expressamente o admitir.
2-Quando efectuadas por via postal registada, as notificações presumem-se feitas no 3.º dia útil posterior ao do envio, devendo a cominação aplicável constar do acto de notificação.
3-Quando efectuadas por via postal simples, o funcionário judicial lavra uma cota no processo com a indicação da data da expedição da carta e do domicílio para a qual foi enviada e o distribuidor do serviço postal deposita a carta na caixa de correio do notificando, lavra uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto do depósito, e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efectuada no 5.º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto de notificação.
4-Se for impossível proceder ao depósito da carta na caixa de correio, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, apõe-lhe a data e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente.
(…)
10-As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar.
(…)”
Finalmente o art.196º., do CPP, sob a epígrafe,”Termo de identidade e residência”, estabelece que;:
“1-A autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal sujeitam a termo de identidade e residência lavrado no processo todo aquele que for constituído arguido, ainda que já tenha sido identificado nos termos do artigo 250.º
2-Para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha.
3-Do termo deve constar que àquele foi dado conhecimento:
a)Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado;
b)Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;
c)De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento;
d)De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.º
e)De que, em caso de condenação, o termo de identidade e residência só se extinguirá com a extinção da pena.
4-A aplicação da medida referida neste artigo é sempre cumulável com qualquer outra das previstas no presente livro.”
Da leitura conjugada destes dois preceitos legais resulta que, ao arguido, ora recorrente, porque prestou nos autos termo de identidade e residência, foi dado conhecimento que as posteriores notificações ser-lhe-iam feitas por via postal simples para a morada que indicou nos autos, excepto viesse a comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento, tendo ficado obrigado a não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde pudesse ser encontrado.
Assim, a regra geral em matéria de notificação ao arguido é a de que pode ser feita ao respectivo defensor ou advogado. Entre as ressalvas legais, de que a notificação deve ser feita cumulativamente ao arguido e ao defensor, não se encontra a notificação para o contraditório de promoção do Ministério Público para converter pena de multa em prisão subsidiária, pelo que não pode o agora recorrente invocar ter sido violado o disposto no citado art. 61º., do CPP.
Ora, dispõe o art. 49º., do Cod. Penal, sob a epígrafe “Conversão da multa não paga em prisão subsidiária” que e, citamos:
“1-Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do n.º 1 do artigo 41.º
2-O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.
3-Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta.
4-O disposto nos nºs. 1 e 2 é correspondentemente aplicável ao caso em que o condenado culposamente não cumpra os dias de trabalho pelos quais, a seu pedido, a multa foi substituída. Se o incumprimento lhe não for imputável, é correspondentemente aplicável o disposto no número anterior.”
Finalmente, acresce que, verificado o não pagamento da pena de multa, o arguido, pretendendo a suspensão da execução da prisão subsidiária, deve provar que a razão do não pagamento não lhe é imputável.
De facto, a primeira parte do nº. 3, do art. 49º., do Cod.Penal, impõe ao condenado o ónus da demonstração e, não apenas a invocação, de que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável.
Posto isto.
O regime de execução da pena de multa segue o disposto no citado art 49º., ou seja,:
-pagamento voluntário, a ser efectuado no prazo de 15 dias a contar da notificação para o efeito nos termos do disposto no art. 489º., nº. 2, do CPP;
-execução coerciva patrimonial, a que alude o art. 491º., do CPP; e
-cumprimento da prisão subsidiária, reduzida a 2/3-cfr. nº. 1, do citado art. 49º.;
No cumprimento voluntário inclui-se o pagamento em prestações e a prestação de trabalho a favor da comunidade, qualquer um destas formas de cumprimento voluntário deve ser requerida no referido prazo de 15 dias do pagamento voluntário.
O despacho que, ao abrigo do disposto no art. 49.º, n.º1, do Cód. Penal, converte a pena de multa em pena de prisão subsidiária, deve ser notificado ao próprio arguido, bem como ao respectivo defensor, nos termos do disposto na segunda parte do nº. 10, do art. 113º., do CPP e, tal como vem sendo entendido pela jurisprudência e, isto porque, está em causa a liberdade do visado.
Aquela notificação, tal como a notificação da sentença, tem que ser pessoal pois configura uma formalidade essencial, cuja violação gera nulidade, do art. 119.º, al. c), do CPP, por violação do art. 61º., nº. 1, al. b), do mesmo diploma legal.
O que aconteceu “in casu”.
No entanto e, não obstante o arguido, ora recorrente, ter tido conhecimento do teor da douta sentença proferida nestes autos, não veio, no prazo legal, requerer o pagamento da pena de multa em prestações ou a sua substituição por trabalho a favor da comunidade, sendo, nesta fase, extemporâneos tais requerimentos, motivo pelo qual foram os mesmos indeferidos.
Por outro lado, é pressuposto da suspensão da execução da prisão subsidiária que, o não pagamento da pena de multa, tenha ocorrido por motivo não imputável ao condenado (art. 49º., nº. 3, do CPP). Ou seja, o condenado tem o dever de provar que o não pagamento da pena de multa aconteceu por motivo que não lhe é imputável, o que não fez.
Assim sendo, pelos fundamentos de facto e de direito, a que alude a douta decisão recorrida e com os quais concordamos, deverá a mesma ser mantida nos seus precisos termos.»

4. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal a quo, subindo nos próprios autos, com efeito suspensivo.
5. Nesta instância, o Ministério Público teve vista dos autos (artigo 416º, nº 1, do Código de Processo Penal), emitindo parecer, do qual se extrai as passagens segintes:
«Como é sabido, antes de se determinar a conversão da multa não paga em prisão subsidiária, nos termos do disposto no art. 49.° do Cód. Penal, torna-se necessário apurar as razões do não pagamento, nomeadamente para se saber se são ou não imputáveis ao arguido.
Ora, na situação em apreço, dado não ter sido possível localizar o mesmo, apesar das diversas diligências efetuadas, não foi possível ouvi-lo ou notificá-lo, antes da prolação do despacho de conversão.
Só muito mais tarde, quase 2 anos depois, é que o arguido foi notificado pessoalmente de tal despacho e veio, então, invocar sérias dificuldades económicas para justificar não ter pago a multa e requerer o seu pagamento em prestações ou a sua substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade.
Sobre a pretensão do pagamento em prestações ou da prestação de trabalho a favor da comunidade, bem andou a Senhora Juiz em a ter indeferido, por extemporaneidade.
Todavia, não ignoramos que de acordo com a jurisprudência dominante, a notificação pessoal do despacho de conversão da multa não paga em prisão subsidiária, que é obrigatória, visa assegurar o direito ao recurso e o contraditório sobre as razões do não pagamento (Vide, por todos, o ac. do TRP de 28/9/2016, cujo relator é o Ex.mo Senhor Desembargador Manuel Soares, in www.dgsi.pt).
Ora, considerando a data da prática dos factos e as vicissitudes que o processo conheceu, não nos repugnaria que se concedesse agora oportunidade ao arguido para poder provar que a razão do não pagamento da multa em que foi condenado lhe não é imputável, tendo em vista a possibilidade prevista no art. 49.° n.° 3 do Cód. Penal, ou seja, uma eventual suspensão da prisão subsidiária, nos termos e nas condições ali consignados {Com uma posição não muito diferente, veja-se também, com muito interesse, o ac. do TRP de 26/10/216, do qual é relator o Ex.mo Senhor Desembargador Luís Coimbra, no sítio indicado).
Termos em que, ponderando-se em tudo que fica dito, somos de entendimento que o presente recurso deve ser julgado procedente, ainda que por razões não totalmente coincidentes com as aduzidas pelo recorrente.

6. Tendo sido dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, o recorrente não respondeu.
7. Não tendo sido requerida audiência, o processo foi à conferência, após os vistos legais, respeitando as formalidades legais [artigos 417º, 7 e 9, 418º, 1 e 419º, 1 e 3, c), todos, ainda do mesmo texto legal].

Questões a decidir
Do thema decidendum dos recursos:
Para definir o âmbito do recurso, a doutrina[1] e a jurisprudência[2] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito.
Das questões a decidir neste recurso:
Atento o teor do relatório atrás produzido, importa decidir as questões substanciais a seguir concretizadas, que sintetizam as conclusões do recorrente:
Erros em matéria de direito:
- Ilegalidade da conversão da multa em prisão subsidiária, por não se ter permitido ao arguido o exercício prévio do contraditório;
- Violação do disposto no art° 49°, n° 1, do Código Penal;

II – FUNDAMENTAÇÃO EM MATÉRIA DE FACTO PROCESSUAL
Tendo em conta o objeto do recurso, definido no relatório que antecede, interessa recordar os principais factos processuais documentados nos autos, pertinentes à apreciação da material controvertida.
1. Por sentença proferida em 30 de Outubro de 2012, o arguido foi condenado pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de 5€, num total de 1.500€.
2. No dia 27 de Novembro de 2012, o arguido foi notificado do teor da sentença condenatória, através de carta rogatória expedida às Justiças de Espanha.
3. A sentença transitou em julgado em 17 de Dezembro de 2012.
4. O arguido não procedeu ao pagamento voluntário da pena de multa aplicada na sentença condenatória.
5. O arguido prestou nos autos termo de identidade e residência antes da entrada em vigor das alterações introduzidas na redação do artigo 196º do Código de Processo Penal pela Lei nº20/2013, de 21 de fevereiro.
6. Foram realizadas diligências, das quais se concluiu que o arguido era residente em Espanha, não lhe sendo ainda conhecidos quaisquer bens ou rendimentos em Portugal.
7. Pelo exposto, foi promovida pelo Ministério Público a conversão da pena de multa na prisão subsidiária correspondente.
8. O arguido não foi pessoalmente notificado do teor dessa promoção e não pôde, assim, exercer o correspondente contraditório.
9. Seguiu-se um despacho judicial, que determinou a conversão da mencionada pena de multa em 200 dias de prisão subsidiária, nos termos do art. 49.° n.° 1 do Cód. Penal, em virtude de não se mostrar viável a cobrança coerciva do montante da multa, dado não serem conhecidos bens ou rendimentos ao arguido.
10. O arguido foi pessoalmente notificado do teor deste despacho em 24 de Maio de 2016.
11. Em 27 de Junho de 2016, o mesmo requereu o pagamento da multa em prestações ou a sua substituição do trabalho a favor da comunidade.
12. Seguiu-se o despacho recorrido, no qual foi indeferido, por extemporaneidade, o pagamento da multa em prestações, bem como a sua substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade.
III – FUNDAMENTAÇÃO EM MATÉRIA DE DIREITO
De acordo com as regras da precedência lógica a que estão submetidas as decisões judiciais (artigo 608º, nº 1 do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 4º do Código de Processo Penal), apreciar-se-á, primeiramente, o vício formal invocado pelo recorrente.
Apreciando a tramitação processual na sua sequência temporal:
O arguido não efetuou o pagamento da pena de multa em que foi, pacificamente, condenado, por sentença condenatória que lhe foi pessoalmente notificada e transitou em julgado.
Por esse motivo, seguiu-se a fase de cumprimento coercivo dessa pena.
O artigo 491°, n.° 2 do Código de Processo Penal estatui que tendo o condenado bens suficientes e desembaraçados de que o tribunal tenha conhecimento ou que ele indique no prazo de pagamento, o Ministério Público promoverá logo a execução patrimonial.
Daqui resulta, a contrario sensu, que não havendo bens conhecidos ou sendo estes insuficientes ou impenhoráveis, o Ministério Público não promove a execução, uma vez que esta constituiria um ato inútil, logo ilícito, à luz do disposto no artigo 130º do Código de Processo Civil.
Tendo sido efetuadas diligências, não foram identificados quaisquer bens ou rendimentos do condenado em território nacional.
Por esse motivo, o Ministério Público promoveu a conversão da multa em prisão subsidiária.
Seguiu-se o despacho judicial, a deferir tal conversão, sem previamente ser pessoalmente ouvido o arguido sobre a possibilidade de lhe vir a ser aplicada a supra mencionada prisão subsidiária.
O recorrente suscitou na motivação de recurso do despacho seguinte (que indeferiu por extemporaneidade, o pagamento da multa em prestações, bem como a sua substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade) que não foi pessoalmente notificado do teor dessa promoção e não pôde, assim, exercer o correspondente contraditório.
Apreciando.
A lei exige o cumprimento da garantia constitucional e processual penal do contraditório no incidente de conversão da multa em prisão subsidiária, por força do disposto no artigo 61°, n.° 1, alínea b) do Código de Processo Penal e 32°, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa: "o arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei, dos direitos de (…) Ser ouvido pelo tribunal (…) sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte."
Não há a menor dúvida que uma decisão de conversão de uma pena não privativa da liberdade para uma pena subsidiária privativa da liberdade afeta pessoalmente o arguido em causa, tornando obrigatória a sua prévia audição[3], de modo a poder exercer o contraditório, nos termos legais.
De resto, não tendo o condenado cumprido a pena de multa (voluntária ou coercivamente), interessava saber qual a razão da falta de cumprimento dessa obrigação, e só com esse conhecimento se decidir sobre a aplicação da prisão subsidiária: o artigo 49º, n.° 3 do Código Penal prevê que o mero incumprimento não conduz logo e irremediavelmente à aplicação da prisão subsidiária, uma vez que o condenado pode provar que o não pagamento lhe não é imputável. Mesmo havendo lugar à aplicação da prisão subsidiária, esta pode ser suspensa, nos termos do mesmo artigo, sendo certo que sempre é preciso dar, ao condenado, oportunidade de se pronunciar e eventualmente provar que o não pagamento lhe não é imputável.[4] Recorda-se que a lei também prevê a audição do arguido nos casos em que é apreciada a possibilidade de suspensão da execução da prisão subsidiária (conforme está subjacente ao disposto no artigo 49º, nº 3, do Código Penal), o que torna ainda mais premente a sua audição antes de ser decretada a pena de substituição uma vez que, nessa ocasião, também poderá ser desde logo ouvido sobre a possibilidade de suspensão da prisão subsidiária que poderá será aplicada.
Ora, a falta de audição do arguido no caso em que a lei comina essa obrigatoriedade, por colidir com direitos fundamentais de defesa – como é o caso -, constitui nulidade insuprível [artigo 119º, c), do Código de Processo Penal, interpretado extensivamente[5], passível, de ser suscitada em fase de recurso, nos termos do disposto no artigo 410°, n.º 3 do mesmo texto legal.
Por conseguinte, declara-se nulos os despachos judiciais que se seguiram à omissão da audição do arguido em relação à promoção da conversão da pena de multa na prisão subsidiária correspondente (v.g. o despacho que determinou a conversão da mencionada pena de multa em 200 dias de prisão subsidiária e o despacho que indeferiu por extemporaneidade, o pagamento da multa em prestações, bem como a sua substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade), devendo o arguido ser ouvido em relação a tal promoção, para exercer o necessário contraditório.
*
Perante tal declaração de nulidade, que incluiu o despacho recorrido, ficou prejudicada a apreciação da segunda questão suscitada pelo recorrente.
*
Das custas:
Sendo o recurso julgado parcialmente provido, não há lugar a custas.
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III – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes subscritores em julgar o recurso parcialmente provido e, em consequência:
a) declaram nulos os despachos judiciais que se seguiram à omissão da audição do arguido em relação à promoção da conversão da pena de multa na prisão subsidiária correspondente (v.g. o despacho que determinou a conversão da mencionada pena de multa em 200 dias de prisão subsidiária e o despacho que indeferiu por extemporaneidade, o pagamento da multa em prestações, bem como a sua substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade); e
b) determinam que o arguido seja pessoalmente notificado para exercer o contraditório em relação a tal promoção, no prazo de dez dias, seguindo-se os demais termos legais.
Sem custas.

Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.

Porto, em 11 de Janeiro de 2017.
Jorge Langweg
Maria Dolores da Silva e Sousa
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[1] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
[2] Como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo aplicada de forma uniforme em todos os tribunais superiores portugueses: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo nº. 30/09.7GCCLD.L1.S1, este pesquisável, nomeadamente, através do aplicativo de pesquisa de jurisprudência disponibilizado pelo ora relator, em http://www.langweg.blogspot.pt.
[3] Em sentido contrário, sustentando que "No momento da prolação do despacho a converter a multa em prisão não há que fazer qualquer avaliação das razões materiais que poderão ter originado a falta de pagamento. Por isso é que a lei não exige que o arguido seja previamente ouvido (…)", veja-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 28 de Setembro de 2016, disponível na rede digital global e acessível no endereço seguidamente identificado:
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/a2bbdcd888340cd28025804f004dde18?OpenDocument.
[4] O Ministério Público, junto do tribunal a quo, sustentou na sua resposta à motivação de recurso que "(…) ao arguido, ora recorrente, porque prestou nos autos termo de identidade e residência, foi dado conhecimento que as posteriores notificações ser-lhe-iam feitas por via postal simples para a morada que indicou nos autos, excepto viesse a comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento, tendo ficado obrigado a não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde pudesse ser encontrado.
Assim, a regra geral em matéria de notificação ao arguido é a de que pode ser feita ao respectivo defensor ou advogado. Entre as ressalvas legais, de que a notificação deve ser feita cumulativamente ao arguido e ao defensor, não se encontra a notificação para o contraditório de promoção do Ministério Público para converter pena de multa em prisão subsidiária, pelo que não pode o agora recorrente invocar ter sido violado o disposto no citado art. 61º., do CPP. (…)".
Porém, salvo o devido respeito, tal tese jurídica não tem fundamento.
Em primeiro lugar, as obrigações emergentes do termo de identidade e residência prestado nos autos cessaram com a prolação da sentença condenatória, uma vez que aquele foi prestado ainda antes da entrada em vigor das alterações introduzidas na redação do artigo 196º do Código de Processo Penal pela Lei nº20/2013, de 21 de fevereiro, altura a partir da qual o texto legal passou a prever que o termo de identidade e residência só se extinguirá com a extinção da pena.
Em segundo lugar, o despacho que vier a aplicar a pena de substituição da pena de multa é, substancialmente, complementar da sentença, traduzindo, nas expressivas palavras do Acórdão n.º 422/2005, do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 22 de Setembro de 2005, em relação a matéria semelhante «uma modificação do conteúdo decisório da sentença de condenação», «tendo como efeito directo a privação da liberdade do condenado», podendo assim a promoção do Ministério Público que dá origem ao incidente ser equiparado a uma acusação – necessariamente notificada pessoalmente ao arguido -.
As razões em que encontra fundamento a exigência de notificação da promoção em causa tanto ao arguido como ao seu defensor — necessidade de garantir um efetivo conhecimento do seu conteúdo por parte daquele em ordem a disponibilizar-lhe todos os dados indispensáveis para, em consciência, exercer o contraditório — também está relacionada com a fase processual em que a mesma ocorre — a fase da execução da pena, regulada no artigos 491.º do Código de Processo Penal — a ligação entre o condenado e o seu defensor, seja constituído ou nomeado, mas principalmente neste caso, é em regra mais frouxa que na altura da sentença, pois após o trânsito em julgado da sentença normalmente são quebradas as vias de comunicação com o defensor, designadamente por mudança de residência ou ausência prolongada, estando extinta a obrigação decorrente do artigo 196.º, n.º 3, alínea b), por força do disposto no artigo 214.º, n.º 1, alínea e), ambos do referido Código, na redação em vigor à data da prestação do T.I.R. em causa nestes autos.
[5] Os tribunais superiores têm enquadrado a preterição de audição prévia do arguido como nulidade insanável e, por conseguinte, de conhecimento oficioso pelo tribunal, nos termos do disposto no artº 119º, alínea c) do Código de Processo Penal, indicando-se, a título exemplificativo, os seguintes arestos: o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 4 de Março de 2009, disponível na rede digital global, no endereçohttp://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/54e000e3e03595a88025757400375f2b?OpenDocument, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15 de Março de 2011, acessível no endereço http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/2fd9cb2cf2fde45f802578840051f76d?OpenDocument, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 1 de Março de 2005, in Colectânea de Jurisprudência, tomo II, pág.123; o acórdão do mesmo Tribunal, de 10 de fevereiro de 2004, disponível no endereço eletrónico http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/5b667abc053553be80256e9200370f73?OpenDocument e o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 4 de Março de 2009, que poderá ser acedido também na rede digital global através do endereço eletrónico http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/54e000e3e03595a88025757400375f2b?OpenDocument.