Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1239/06.0PTPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL SOARES
Descritores: NOTIFICAÇÃO DO ARGUIDO
DESPACHO
CONVERSÃO DA MULTA EM PRISÃO
Nº do Documento: RP201609281239/06.0PTPRT-A.P1
Data do Acordão: 09/28/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 690, FLS.340-346).
Área Temática: .
Sumário: I – No despacho que converte a pena de multa em prisão não há que avaliar das razões materiais da falta de pagamento da multa.
II – Tal despacho deve ser notificado pessoalmente ao arguido, apenas podendo ser por via postal registado, se enviado para a residência constante do TIR se este foi prestado após a vigência da Lei 20/2013, ou aquela notificação foi efectivamente recebida pessoalmente pelo arguido.
III – A notificação de tal despacho visa assegurar o direito ao recurso e o contraditório sobre as razões do não pagamento da multa, caso o arguido pretenda provar que tal falta não lhe é imputável.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1239/06.0PTPRT-A.P1
Comarca do Porto
Instância Local do Porto, Secção Criminal, J8

Acórdão decidido em Conferência no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório

1.1 Decisão recorrida
Por despacho proferido em 4 de Fevereiro de 2016, a Sra. Juiz considerou validamente notificado e transitado em julgado o seu despacho de 10 de Novembro de 2015, em que tinha decidido converter em 80 dias de prisão subsidiária a pena de 120 dias de multa aplicada ao arguido B…, que ele não pagou.

1.2 Recurso
O Ministério Público não concordou com tal decisão e interpôs recurso, pedindo a revogação do despacho recorrido, de modo a que seja proferido outro a determinar a notificação pessoal do arguido.
Concluiu a motivação do recurso invocando o seguinte:
(transcrição integral das conclusões)
I - Por douta sentença de 24/02/2010 foi o arguido B…, julgado na ausência, condenado nos presentes autos na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 5 euros.
II - Em face da manifesta desactualização do T.I.R., prestado a 06/07/07, e na sequência de diligências de paradeiro, através das quais foi obtida uma morada do arguido no estrangeiro, foi o mesmo notificado da douta sentença condenatória mediante Carta Rogatória enviada directamente à Justiça da Confederação Suíça.
III - Liquidadas as responsabilidades decorrentes do trânsito em julgado da douta sentença condenatória, e não tendo sido efectuado o pagamento da pena de multa nem viabilizada a execução patrimonial, decidiu a Mm.ª Juiz a quo converter aquela pena em 80 dias de prisão subsidiária, determinando a oportuna emissão dos competentes mandados para o seu cumprimento, nos termos do douto despacho de 10/11/2015, exarado a fls. 280 dos autos, que se dá por reproduzido.
IV- Para efeitos de notificação ao arguido deste despacho foi-lhe enviada, por via postal registada, c/ A.R., a carta, datada de 13/11/2015, com a referência 359693410, de fls. 282, dirigida a outra morada do arguido no estrangeiro, conhecida nos autos através da menção aposta (manuscrita) na Nota de Envio de Cartas Rogatórias, devolvida pelo Tribunal requerido a 08/05/2015, conforme fls. 247 a 249.
V- S.m.e. não pode ser atribuída a tal menção aptidão para produzir os efeitos da comunicação de alteração de morada, no âmbito de T.I.R. válido e eficaz.
VI- O arguido não prestou novo T.I.R. conforme resulta da Carta Rogatória devolvida sendo certo que apenas nesse caso se verificariam os pressupostos para a aplicação do regime de notificação assente na prestação de T.I.R. na actual redacção do art.º 196.º do C.P.P. (De acordo com o entendimento expendido no douto Acórdão TRE de 22/04/2014 Relator: Ana Barata Brito, in: dgsi.pt./jtre.)
VII - O arguido deixou de estar sujeito às obrigações decorrentes de tal medida de coacção desde a data do trânsito em julgado da douta sentença condenatória (19/05/2015) nos termos do art.º 214.º, n.º 1, alínea e) do C.P.P.
VIII- O despacho que procede à conversão da pena de multa em prisão subsidiária é um despacho complementar da sentença, traduzindo “uma modificação do conteúdo decisório da sentença de condenação” cfr. Acórdão T.C. n.º 422/2005, de 17/08 citado in: ACTRE de 03/11/2015, “que, podendo ter como efeito directo a privação de liberdade do condenado (basta que o mesmo não pague totalmente a pena de multa), deve ser colocado no mesmo plano da sentença condenatória”.
IX- Importando a prisão subsidiária privação de liberdade, tal como a pena de prisão tout court, ainda que sujeita ao regime próprio, previsto para a sua execução, no citado art.º 49.º do C.P., subsistem as mesmas razões para que a notificação da decisão que a determina, tal como a notificação da sentença, seja efectuada, além do seu Defensor, pessoalmente, ao arguido.
X - O art.º 113.º do C.P.P., já anteriormente à entrada em vigor da Lei n.º 20/2013, de 21/02 previa a exigência de notificação pessoal aos sujeitos processuais, em determinadas situações, atendendo designadamente aos efeitos restritivos de direitos, e inerente necessidade de garantir o contraditório, como se entendeu na douta Decisão Sumária do T.R.L. de 30/06/2008, proferida no proc. n.º 5075/08 9.ª Secção , Desembargador: Margarida Veloso, sumariado in: pgdlisboa.pt.
XI- Atenta a relevância da decisão de conversão da pena de multa em prisão subsidiária, cerceadora da liberdade do arguido, apenas a sua notificação pessoal permite assegurar o efectivo conhecimento pelo mesmo do conteúdo da decisão.
XII- Acresce que o aviso de recepção dos Serviços Postais Nacionais, junto a fls. 284 tem aposto um nome próprio, diferente do nome do arguido, sem qualquer menção dos Serviços Postais da Suíça.
XIII - Por outro lado, os distribuidores dos serviços postais estrangeiros não se encontram vinculados aos deveres jurídicos previstos no art.º 113.º, designadamente na alínea c) do n.º 7, do C.P.P., que impendem sobre o distribuidor do serviço postal nacional, enquanto agente judiciário.
XIV- Atento o exposto não se mostra, em concreto, comprovada a efectiva notificação do arguido do douto despacho de conversão da pena de multa em prisão subsidiária.
XV - Não estando em causa qualquer presunção decorrente da prestação de T.I.R. nos termos do art.º 196.º, n.º 3, alínea e), do C.P.P., apenas a notificação pessoal do arguido permitiria alcançar a certeza de que o mesmo tomava efectivo conhecimento do conteúdo do douto despacho a quo, ficando habilitado a reagir perante o mesmo.
XVI- Não tendo sido dada ao arguido a possibilidade de se pronunciar sobre aquela decisão, que pessoalmente o afecta, conforme exigência constitucional e art.º 61.º, n.º 1, alínea b), aplicável ex vi art.º 27.º e art.º 32.º, n.º 5, da C.R.P., incorre o douto despacho a quo na nulidade prevista no art.º 119.º, n.º 1, alínea c) do C.P.P. com os efeitos previstos no art.º 122.º do C.P.P. e em violação do disposto no art.º 49.º do C.P.
(fim de transcrição)

1.3 Resposta do arguido
Notificada a defesa do arguido, não foi apresentada resposta.

1.4 Parecer do Ministério Público na Relação
O Ministério Público, nesta Relação, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, remetendo para as razões expostas na respectiva motivação e citando vários acórdãos dos tribunais superiores em que se tem decidido que neste caso é exigível a notificação pessoal do arguido.

2. Questões a decidir no recurso

A questão a decidir neste recurso é apenas a de saber se a notificação do despacho ao arguido foi feita de forma válida.

3. Fundamentação

3.1. Factualidade relevante
Da análise do processo extraímos os seguintes factos com relevo para a decisão:
- O arguido prestou Termo de Identidade e Residência (TIR) em 06JUL2007;
- Notificado na morada do TIR não compareceu ao julgamento e foi condenado, por sentença de 24FEV2010, na pena de 120 dias de multa.
- Foi pessoalmente notificado da sentença em 19ABR2015 por Carta Rogatória enviada directamente à Justiça da Confederação Suíça, numa morada que tinha sido apurada após várias diligências;
- Nos documentos devolvidos ao processo, no espaço onde assinou a notificação, o arguido escreveu à mão um “novo endereço” na Suíça;
- Por despacho de 10NOV2015, por falta de pagamento da multa e inviabilização da execução patrimonial, foi decidido convertê-la em 80 dias de prisão subsidiária e determinada a oportuna emissão dos competentes mandados para o seu cumprimento;
- O despacho foi notificado por via postal para o arguido, por carta com aviso de recepção enviada o referido “novo endereço” manuscrito pelo arguido, vindo o aviso de recepção a ser devolvido com os seguintes dizeres manuscritos no local da data e assinatura: “18.11.2015 x CATARINA G.” e em branco nos espaços próprios destinados às anotações a efectuar pelo distribuidor postal;
- A Sra. Juiz proferiu então o despacho recorrido.

3.2 O mérito do recurso
Não há norma que determine de forma expressa como se efectua a notificação ao arguido do despacho que deve ser proferido ao abrigo do artigo 49º nº 1 do CP, declarando verificados os pressupostos para a conversão da multa em prisão subsidiária. Numa interpretação literal da lei, poder-se-ia defender que esta notificação apenas tem de ser feita ao defensor do arguido, visto não estar ressalvada no nº 10 do artigo 113º do CPP.
Cremos que essa alternativa de interpretação literal da lei se encontra hoje afastada. Pelo menos a partir do Acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 6/2000, de 15 de Abril de 2010 (DR, I Série, 99, 21MAI2010), que considerou necessária a notificação ao arguido do despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão, tem sido entendimento da jurisprudência, por similitude de razões, que no caso do despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária também não basta a notificação ao defensor. Sem entrarmos no detalhe desnecessário, os tribunais superiores que têm analisado esta questão e considerado que o arguido tem de ser notificado daquele despacho, têm salientado não só a semelhança com a situação tratada naquele acórdão uniformizador, mas também a necessidade de uma efectiva protecção do direito de interposição de recurso, inerente às garantias de defesa, perante uma decisão que, embora posterior à sentença, tem por efeito a restrição de direitos fundamentais.
É também nosso entendimento que o despacho proferido ao abrigo do disposto no artigo 49º nº 1 do CP tem de ser notificado ao arguido e ao defensor. Aliás, nesta parte parece não haver divergência, uma vez que a Sra. Juiz ordenou a notificação ao arguido e ao defensor. Simplesmente, considerando-se necessária a notificação do arguido, a questão que emerge logo de seguida é a de saber como deve ser efectuada essa notificação. Ou seja, se basta a notificação postal ou se é necessária a notificação pessoal. E aqui, à falta de intervenção legislativa que ponha termos às dúvidas, a jurisprudência continua dividida e hesitante.
Há excelentes argumentos num e noutro sentido e ninguém até ao momento parece ter sido capaz de se mostrar “dono da razão” com um argumentário consensual. Evidentemente que por trás das dúvidas jurídicas também estão razões de ordem prática. A exigência da notificação pessoal ao arguido tem implicações sérias na tramitação dos processos e é sem dúvida uma fonte suplementar de morosidade. Todos conhecemos o penoso “calvário” de anos que é preciso percorrer para assegurar a notificação pessoal de arguidos que fornecem moradas erradas, mudam de residência sem comunicar ou, muitas vezes, fazem tudo para não serem notificados das decisões contrárias aos seus interesses subjectivos. O caso da notificação que estamos a analisar é um bom exemplo, porque um arguido que voluntariamente não paga a multa em que foi condenado dificilmente estará interessado em colaborar na execução da decisão que converte essa multa em prisão. Estas razões de ordem prática são importantes quando se analisam estas matérias mas não podem ser decisivas. Não podemos cair no extremo de procurar as soluções interpretativas como se a realidade não existisse e tudo se resumisse a um exercício académico para deleite dos juristas; como não podemos cair no oposto, de “torcer” a lei e sobretudo as garantias fundamentais do processo penal, por razões de pura eficácia e celeridade processual.
O parecer do Ministério Público nesta Relação indica várias decisões dos tribunais superiores que se pronunciaram num e noutro sentido. Salientamos, entre muitas outras que poderiam ser citadas, e para não sair do âmbito da jurisprudência desta Relação, no sentido de ser exigível a notificação pessoal, os acórdãos do TRP de 18MAI2011, 9MAR2011, 23FEV2011 e 20ABR2009[1]; e no sentido de bastar a notificação postal simples, o acórdão do TRP de 6ABRL2011[2]. São também ponderosos os argumentos avançados no Acórdão do STJ, de 26ABR2012, que deu provimento a um pedido de habeas corpus por considerar ilegal a prisão de arguido que estava a cumprir a pena de prisão subsidiária resultante da conversão da multa não paga, por não ter sido pessoalmente notificado dessa decisão[3].
Desses Acórdãos resultam, no essencial, os argumentos a favor de uma e outra solução que vamos sumariar de seguida.
No sentido da necessidade da notificação pessoal:
- É distinta a natureza da prisão subsidiária e da multa. Uma implica a privação da liberdade e a outra apenas sacrifício patrimonial. Logo, a conversão da multa em prisão subsidiária constitui uma modificação essencial da decisão condenatória em momento posterior à sentença.
- A efectividade do direito ao recurso, que faz parte das garantias de defesa, é melhor defendida com a notificação pessoal do arguido, única que assegura o efectivo conhecimento da decisão. Só a notificação pessoal satisfaz as exigências do processo equitativo, previstas no artigo 20º nº 4 da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
- A jurisprudência do Acórdão uniformizador nº 6/10 não é aplicável ao caso porque tratou da notificação ao arguido de decisão diferente e porque a cisão, ali defendida, entre uma parte da sentença transitada e outra não transitada, no caso da revogação da suspensão da execução da pena de prisão, não é transponível para a situação da conversão da multa em prisão subsidiária. Acresce que na situação tratada no Acórdão uniformizador o arguido tem garantido, em momento prévio ao despacho que se considerou poder ser notificado por via postal, o exercício do contraditório, com a audição do artigo 495º do CPP, o que não sucede previamente ao despacho de conversão da multa em prisão.
- As obrigações do TIR extinguem-se com o trânsito em julgado da sentença[4]. Não pode ficcionar-se que a notificação postal feita para a morada do TIR produziu um efectivo conhecimento da decisão pelo arguido, quando deixaram de subsistir as obrigações de manter a residência e de comunicar as alterações subsequentes.
- As consequências do despacho que converte a multa em prisão subsidiária são bem mais graves do que várias situações previstas o artigo 113º nº 10 do CPP em que se exige a notificação pessoal do arguido. Por isso não tem sentido, na harmonia do sistema, entender que neste caso basta uma notificação postal.
No sentido de ser bastante a notificação postal, os argumentos são de outra ordem:
- A partir da revisão do CPP de 2000 a notificação postal é a regra prevista para a comunicação dos actos processuais, inclusivamente ao arguido. Essa regra vale tanto durante a pendência do TIR como em momento posterior, porque a lei não distingue e o arguido mantém sempre essa qualidade no processo.
- A pena de multa convertida em prisão não altera a sua natureza de pena principal. O que se executa é ainda a pena principal fixada na sentença, através de uma “sanção de constrangimento”, visto que a todo o momento o arguido pode fazer cessar a prisão, por acto da sua exclusiva vontade, pagando a multa ou demonstrando impossibilidade de a pagar e pedindo a suspensão da prisão.
- O arguido condenado em pena de multa teve dela conhecimento pessoal e sabe que consequências terá a falta de pagamento. O despacho que determina a aplicação dessas consequências não constitui assim uma modificação superveniente do conteúdo da sentença que tenha de ser levada ao conhecimento pessoal do arguido.
- Apesar da extinção dos efeitos do TIR com o trânsito da sentença[5], as prescrições do artigo 196º do CPP que não têm efeitos restritivos nos direitos fundamentais, não constituem medidas de coacção e por isso podem manter-se para além desse momento[6].
- A partir da revisão de 2000, o arguido é também co-responsável pelo valor da celeridade processual. A notificação postal pressupõe sempre um contacto pessoal prévio, com a constituição de arguido e a prestação do TIR. A escolha do receptáculo postal pelo arguido e os mecanismos de certificação pelo agente dos serviços postais dão suficientes garantias de que a comunicação chega ao seu conhecimento.
Feita esta breve resenha dos argumentos interpretativos num e noutro sentido, devemos dizer que em nossa opinião são mais fortes as razões que levam a considerar necessária a notificação pessoal do despacho que converte a multa em prisão. Somos mais sensíveis às razões de protecção substancial das garantias de defesa do que às que decorrem da necessidade de assegurar o princípio da celeridade do processo, assentes num pressuposto da co-responsabilização do arguido.
Temos consciência de que esta posição acaba por não acolher as razões do Acórdão Uniformizador nº 6/2010. Contudo, não vemos que isso seja decisivo e deva levar-nos a hesitar. A questão analisada no Acórdão é distinta da que estamos a ver e há bons motivos para considerar que a solução legal quanto à forma de notificar o arguido não é a mesma nas duas situações.
Na verdade, se repararmos bem, as decisões de revogar a suspensão da pena e de converter a multa em prisão têm natureza muito distinta, face ao regime legal previsto nos artigos 47º a 49º e 55º a 57º do CP. A revogação da pena suspensa é necessariamente precedida de uma fase de instrução e contraditório e exige uma avaliação sobre (1) o incumprimento dos deveres inerentes à suspensão, (2) a gravidade ou reiteração desse incumprimento, (3) a avaliação da manutenção dos pressupostos que levaram à aplicação da pena de substituição e (4) a escolha da medida adequada: solene advertência, imposição de novos deveres, prorrogação do período de suspensão, revogação da suspensão ou extinção da pena. Trata-se, portanto, de uma decisão com uma estrutura muito próxima de uma sentença de mérito precedida de instrução e julgamento, em que se avaliam factos, se aplica o direito e se decide a consequência. No caso da segunda, porém, o juiz apenas tem de avaliar previamente se estão verificados três pressupostos formais: (1) se a multa não foi paga no prazo – único ou fraccionado e (2) se não houve execução para cobrança coerciva da multa e (3) se o arguido não requereu a substituição da multa por prestação de trabalho. No momento da prolação do despacho a converter a multa em prisão não há que fazer qualquer avaliação das razões materiais que poderão ter originado a falta de pagamento. Por isso é que a lei não exige que o arguido seja previamente ouvido. Só depois de convertida a multa em prisão é que se abre a fase do contraditório, podendo nesse momento o arguido pedir a suspensão da prisão subsidiária se provar que não lhe é imputável a falta de pagamento. Daqui decorre que, ao contrário da decisão que revoga a suspensão da pena de prisão, que avalia pressupostos materiais e necessita de contraditório prévio, a que converte a multa em prisão subsidiária apenas avalia pressupostos formais. Por isso, tem sentido que a forma de notificar uma e outra decisão ao arguido não seja a mesma. No caso da revogação da suspensão da prisão, em que o arguido já teve oportunidade de contraditar os pressupostos da decisão e está apenas em causa o direito ao recurso, pode dizer-se que a notificação postal – considerada suficiente no Acórdão uniformizador – assegura inteiramente os direitos de defesa porque da fase de audição prévia decorre o conhecimento de que se lhe seguirá uma fase decisória. Ao passo que no caso da conversão da multa em prisão, a notificação não visa assegurar apenas o direito ao recurso mas também, pela primeira vez, o contraditório sobre as razões do não pagamento da multa. Daí que se possa aceitar que neste caso a lei é mais exigente na forma de notificar o arguido, para garantir que a decisão chega efectivamente ao seu conhecimento, o que só é assegurado com a notificação pessoal.
Serão, porém, admissíveis, duas ressalvas.
Se o arguido tiver prestado TIR em momento posterior à vigência da redacção dos artigos 196º nº 3 e) e 214º nº 1 e) do CP, tendo, portanto, sido já advertido de que as obrigações e consequências inerentes se mantêm até cessar a execução da pena, consideramos defensável que se aceite que a notificação do despacho que converte a multa em prisão subsidiária se efectue apenas por via postal simples, desde que expedida para a morada do TIR ou para nova morada devidamente comunicada pelo arguido e observadas rigorosamente as respectivas formalidades.
Também consideramos defensável aceitar como suficiente a notificação por via postal registada nas situações em que a comunicação tenha sido efectivamente recebida pelo arguido e esteja devidamente certificado que foi ele quem assinou o respectivo aviso de recepção. Neste caso, será indiferente que a notificação tenha sido expedida para a morada do TIR, para outra indicada pelo arguido ou até para outra onde venha a ser localizado. O que importa é que a prova segura da recepção da notificação postal pelo arguido garante um efectivo respeito pelos seus direitos de defesa e torna dispensável a notificação por contacto pessoal.
Explicados os traços gerais do nosso entendimento nesta matéria, vamos ver se no caso concreto a notificação do arguido foi feita validamente.
Notificação pessoal do arguido não houve.
O arguido prestou TIR em momento anterior à actual redacção dos preceitos relevantes, introduzida pela Lei nº 20/2013. Quer isto dizer que os efeitos do TIR se extinguiram com o trânsito em julgado da sentença condenatória, por força do disposto no artigo 214º nº 1 al. e) do CPP. Não aderimos à tese de que o TIR anterior à actual lei tem efeitos não coactivos e não restritivos de liberdades que perduram para além da sentença. Aliás, se assim fosse, não teria sido necessário que o legislador tivesse consagrado expressamente essa extensão dos efeitos do TIR até à extinção da pena. Como se refere no primeiro Acórdão citado no parecer do Ministério Público nesta Relação (TRE de 9SET2014, proc. 2061/10.5TAPMT-B.E1), as alterações introduzidas pela Lei 20/2013 não se aplicam aos TIR anteriores, dado que neles não constava a advertência de que a morada indicada pelo arguido continuaria a produzir efeitos depois do trânsito da sentença condenatória.
Acresce que, de todo o modo, no caso, a notificação postal foi expedida para uma morada diferente do TIR, que tinha sido indicada pelo arguido numa anotação manuscrita. O artigo 196º nº 3 al. c) do CPP dispõe que as notificações podem ser expedidas para morada diferente da que consta no TIR, desde que o arguido comunique outra, “através de requerimento entregue ou remetido por via postal à secretaria onde os autos se encontrem”. Do nosso ponto de vista, aquela nota manuscrita não pode ser considerada suficiente para operar a comunicação da morada do TIR. As formalidades previstas para esta comunicação têm conteúdo substancial de garantia. Visam assegurar que a nova morada corresponde efectivamente àquela em que o arguido pretende vir a ser notificado. Ou seja, mesmo para quem entenda que os efeitos do TIR anterior à vigência da redacção introduzida nas normas pela Lei 20/2013 perduram para além do trânsito da sentença – que não é o nosso caso – não vemos como pudesse ser considerada suficiente a notificação enviada para morada diferente, que o arguido indicou sem cumprir as formalidades de garantia previstas.
Por outro lado, não se sabe quem é que recebeu a notificação nem que relação tinha com a morada para onde foi expedida ou com o arguido. O aviso tem um nome feminino manuscrito que não coincide com o do arguido e o agente postal não fez as certificações que devia ter feito no aviso. Sendo assim, mesmo que se considerasse que a morada indicada deficientemente ainda era ainda válida como receptáculo para as notificações, a falta das indicações previstas no artigo 113º nº 7 do CPP, que se destinam a assegurar a eficácia da notificação, sempre impediria que se considerasse que foi feita com plena validade.
Decorre do exposto que o arguido não foi validamente notificado do despacho da Sra. Juiz que converteu a multa em prisão subsidiária e que procede o recurso do Ministério Público.
A notificação terá de ser repetida e de observar uma das seguintes modalidades para poder ser considerada válida:
- Notificação por contacto pessoal;
- Notificação postal simples expedida para morada que o arguido forneça nos termos do artigo 196º nº 3 al. c) do CPP;
- Notificação postal registada, para qualquer morada, desde que o aviso de recepção seja comprovadamente assinado pelo arguido.

4. Decisão
Pelo exposto, acordamos em julgar o recurso procedente e em revogar a decisão recorrida, para ser substituída por outra que assegure a notificação por uma das formas acima indicadas.
Sem custas.

Porto, 28 de Setembro de 2016
Manuel Soares
João Pedro Nunes Maldonado
_______
[1] Podem ser consultados nos seguintes endereços electrónicos:
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[2] Pode ser consultado no seguinte endereço electrónico:
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[4] Naturalmente, este argumento é anterior à redacção das alíneas e) do artigo 196º nº 3 e e) do artigo 214º nº 1, ambos do CP, introduzida pela Lei 20/2013, de 21FEV.
[5] Este argumento também não leva em linha de conta as alterações introduzidas pela Lei 20/2013.
[6] Este argumento parece desconsiderar que as obrigações emergentes do TIR, de não mudar de residência sem comunicar ao processo, são ainda restritivas da liberdade de circulação e privacidade do arguido.