Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA JOÃO AREIAS | ||
Descritores: | CONTRATO-PROMESSA INCUMPRIMENTO DEFINITIVO SINAL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/01/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I - A fixação de uma data limite para a celebração do contrato promessa, decorrida a qual, se confere ao promitente comprador o direito de optar pela rescisão do contrato, configura o estabelecimento de um termo essencial subjectivo relativo (ou termo relativamente fixo), podendo o promitente comprador optar entre a rescisão e o cumprimento, findo tal prazo. II - A resolução do contrato e o funcionamento do sinal, por via de lei, só poderão ocorrer perante um incumprimento definitivo. III - A simples declaração de resolução do contrato, quando destituída de fundamento legal, consubstanciando um comportamento inequívoco de não cumprir, configura um incumprimento definitivo do contrato por parte do promitente-comprador. (Sumário da Relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa (7ª Secção): I. RELATÓRIO A (…), S.A., intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma ordinária contra B (…), S.A., alegando, em síntese: a 31.07.2006, a A. celebrou com a R. um contrato promessa de compra e venda de imóvel, tendo sido fixado como prazo limite para a outorga da escritura o dia 31 de Dezembro de 2008; a A. foi notificada pela Ré em 16 de Dezembro de 2008, com apenas cinco dias de antecedência, para escritura de compra e venda a outorgar no dia 22 de Dezembro de 2008, contrariamente ao estipulado na cláusula Quarta, nº 1, alínea a), do contrato; ao incumprimento do prazo de notificação, acresce o facto da carta notificadora ter sido remetida pela “I---”, sociedade que não é parte no contrato promessa, nem estava mandatada para o efeito; como até ao dia 6 de Janeiro de 2009, a Ré não contactou a Autora, esta, por carta remetida nessa mesma data, recebida pela Ré em 7 de Janeiro de 2009, comunicou-lhe a resolução imediata do contrato-promessa, por incumprimento imputável à Ré. Conclui, pedindo a condenação da Ré a pagar à A. a quantia de 298.500,00 €, (correspondente à devolução do sinal em dobro) acrescida de juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento. A Ré apresenta articulado de contestação/reconvenção, alegando, em síntese: a carta de 3 de Dezembro de 2008, registada e com aviso de recepção, foi efectivamente expedida em 4 de Dezembro de 2008, ou seja, não 15, mas sim 18 dias antes da data marcada para celebração da escritura de compra e venda; se é verdade que nos dias 6, 7 e 8 de Dezembro de 2008 seria impossível o levantamento da referida carta junto dos CTT, é igualmente verdade que a Autora poderia facilmente tê-lo feito nos dias 9, 10, 11, 12 e 15 do referido mês; acresce que o remetente da carta tinha precisamente a mesma sede que a “BF –(…)”; se dúvidas houvesse quanto ao remetente ou assunto em causa, poderia a Autora, a todo o tempo, pedido esclarecimentos ou informações à Ré, iniciativa que, note-se, nunca tomou; a Autora encerrou a sua sede pelo menos desde 05.12.2008 até 16.12.2008, sem efectuar o respectivo reencaminhamento de correspondência, durante um lapso temporal assinalável; a vontade da Autora de não querer cumprir o negócio acordado mais evidente se tornou quando, tendo a Ré marcado uma nova escritura e tendo procedido à sua notificação, por meio de carta registada com aviso de recepção, datada de 10 de Fevereiro de 2009 da data, hora e local da realização dessa segunda escritura – 2 de Março de 2009, pelas 17.00 horas – bem como de que a sua falta de comparência podia importar a resolução do contrato; a escritura marcada para o dia 2 de Março contou com a presença de um representante da Autora, não para celebrar a escritura antes e, para espanto e surpresa da Autora, para que fosse emitido um Certificado Notarial onde se certificasse as causas da recusa da Autora em outorgar a escritura; a escritura pública de compra e venda não foi outorgada por facto que é exclusivamente imputável à Autora; não existia qualquer causa que justificasse a conduta da Autora, a não ser, eventualmente, a falta de interesse da Autora na concretização do negócio, consubstanciado no seu comportamento; ao invocar desde logo a rescisão dos contratos, sem fundamento atendível, excedeu manifestamente os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes; a Ré tem ainda direito a ser indemnizada por todos os prejuízos causados pela actuação da Autora; caso a escritura pública de compra e venda da fracção objecto do contrato tivesse sido outorgada pela Autora na data, hora e Cartório Notarial indicados pela Ré, esta teria normalmente investido o produto da venda na sua actividade comercial, obtendo os respectivos lucros líquidos, nunca inferiores a 40%, em sucessivos ciclos económicos de investimento e reinvestimento, não superiores a três anos, permitindo a obtenção de um resultado líquido médio não inferior a 2.000,00€ por mês; a Ré sempre teria direito a uma indemnização por lucros cessantes, em valor nunca inferior a 8.000,00€. Conclui no sentido da sua absolvição do pedido, pedindo, em reconvenção: a) que seja declarada a resolução do contrato promessa, e que a Ré pode fazer seu o sinal prestado, no montante de 149.250,00€; b) a condenação da A. no pagamento à Ré do montante equivalente aos lucros cessantes emergentes da não celebração do contrato definitivo, nunca inferiores a 2.000,00€ mensais desde 22 de Dezembro de 2008 até decisão final, valor que, nesta data, ascende, a 8.000,00€. A Autora apresentou articulado de réplica, propugnando pela procedência da acção nos termos expostos. Procedeu-se a audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que, julgando a acção improcedente e a reconvenção parcialmente procedente: a) declarou a resolução do contrato promessa de compra e venda celebrado entre a A. e a Ré, b) declarou que a Ré tem direito a fazer seu o sinal prestado pela Autora, no valor de149,250€ (cento e quarenta e nove mil, duzentos e cinquenta euros); c) absolveu a Ré do pedido contra ela formulado pela Autora; d) absolveu a Autora do restante pedido reconvencional formulado pela Ré. A Autora interpôs recurso de apelação, concluindo a respectiva motivação, com as seguintes conclusões: 1. Autora e Ré celebraram entre si um contrato promessa de compra e venda, com cláusula que estabelecia um prazo absoluto e improrrogável para o cumprimento da obrigação da outorga do contrato prometido. 2. Estabelecia esse mesmo contrato a obrigação da Ré marcar a escritura pública e de notificar a Autora, por carta registada com A/R, com uma antecedência mínima de 15 dias, corridos do dia, hora e local da escritura, e de 7 dias de antecedência para a entrega de todos os documentos necessários para a escritura. 3. A A. apenas foi notificada em 16.12.2008, para a escritura a outorgar em 22.12.2008 (apenas 5 dias e dos quais só 3 úteis), e para a entrega dos documentos em 09.12.2008 (data já ultrapassada), pelo que considerou a notificação nula e ineficaz. 4. Para uma mais tardia demora no levantamento da notificação da Ré contribuiu decisivamente, o facto da notificação ter sido expedida por uma entidade (I---) não interveniente no contrato promessa e, ao tempo, absolutamente desconhecida da A., pois se a A. conhecesse o remetente ter-se-ia, seguramente, apressado no levantamento da carta. 5. Era inaceitável para a A. a escritura para além do dia 31 de Dezembro de 2008, em função dos condicionamentos à utilização do empréstimo bancário obtido para o efeito, entre os quais se destaca a utilização do mesmo até ao dia 31 de Dezembro de 2008 e necessidade do Banco ser avisado com 15 dias de antecedência da data da escritura. 6. Não criando as condições legais e contratuais para a outorga da escritura até 31 de Dezembro de 2008, apesar de ter estado totalmente em condições de o fazer a partir do dia 12.11.2008, a Ré, por sua exclusiva culpa e responsabilidade, colocou-se numa situação de incumpridora definitiva do contrato, com as correspondentes obrigações daí decorrentes. 7. Em face do incumprimento definitivo do contrato pela Ré, teve a A. o legítimo direito potestativo de resolução do contrato, com todos os seus efeitos legais. 8. A decisão proferida padece, deste modo, de uma manifesta falta de coerência na aplicação dos factos ao direito, e de uma incorrecta interpretação das cláusulas contratuais inscritas no contrato promessa. Conclui pela revogação da sentença. Apresentou a Autora as suas contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido. Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do art. 707º, do CPC, cumpre decidir do objecto do recurso. II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO. Considerando que as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal, as questões a decidir são as seguintes: 1. Natureza do prazo fixado para a realização da escritura. 2. Alegado incumprimento do contrato por parte da Ré. 3. Resolução do contrato por parte da Ré, promitente vendedora. III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DE RECURSO. A. Os Factos. São os seguintes os factos considerados como provados na sentença de que se recorre: A) A Autora é uma empresa que tem como objecto social a promoção imobiliária e turística, incluindo a compra e venda de imóveis e a revenda dos adquiridos para esse fim, a sua administração e gestão, podendo ainda dedicar-se ao exercício da indústria da construção civil e à prestação de serviços, nomeadamente nas áreas económico-financeira e o de contabilidade (alínea A) dos Factos Assentes). B) A Autora e a Ré celebraram um contrato denominado de “Contrato de promessa de compra e venda”, datado de 31 de Julho de 2006, com as seguintes cláusulas: "(...) 1ª CLÁUSULA "1. O primeiro contratante é o único dono e legitimo proprietário do imóvel a seguir identificado: "Terreno urbano para construção, sito em C... confrontando a nascente com a Av. ..., a sul com a Av. ..., a poente com a Av. ... e a norte com a Escola ..., Terrenos Municipais, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de C... sob o número ..., da freguesia de C..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo .... "2. No terreno urbano descrito no parágrafo anterior, o primeiro contratante tem em curso a construção de um conjunto imobiliário, em sistema de Condomínio Fechado, composto por cinco Edifícios, denominado "S... C...", para o qual a Câmara Municipal de C... já emitiu em 28 de Dezembro de 2005 os Alvarás de Obras de Construção nºs.1375, 1376 e 1377. "3. As alterações ao projecto de arquitectura no quadro de acções de compatibilização entre os projectos de execução da arquitectura e das especialidades, os ajustamentos que venham a ser efectuados na fracção autónoma no decurso da construção por necessidades de ordem técnica, assim como as alterações que não interfiram com a fracção autónoma objecto deste contrato, são desde já aceites pelo promitente comprador. "2ª CLÁUSULA "1. Pelo presente contrato promessa, o primeiro contratante promete e obriga-se a vender ao segundo contratante, e estes prometem e obrigam-se a comprar, com destino a revenda, livre de quaisquer ónus ou encargos e desocupado de pessoas e coisas, a fracção autónoma a constituir e que venha a corresponder ao rés-do-chão C, da Entrada 2, do Edifício B..., identificada nas plantas em anexo (ANEXO 1), composta por um T2 com área bruta interior de 126 m2, terraços de 51 m2 e jardim de utilização privada de 147 m2. A fracção inclui ainda 2 estacionamentos na cave, com os números 118 e 119, e uma arrecadação situada na cave, com o número 12. "2. A fracção autónoma a constituir será entregue nos termos e condições referidos no anexo 2 ao presente contrato promessa. "3. A obrigação do primeiro contratante constituir o edifício e submetê-lo ao regime de propriedade horizontal são elementos e condições essenciais para a realização do contrato promessa de compra e venda. "3ª CLÁUSULA "1. O primeiro contratante promete vender ao segundo contratante a fracção autónoma, os estacionamentos e a arrecadação identificados na cláusula anterior e na planta em anexo pelo preço global de 497.500,00 € (quatrocentos e noventa e sete mil e quinhentos euros), que de acordo com a vontade e interesse dos contratantes será pago nas seguintes datas e da seguinte forma: "a) 49.750,00 € (quarenta e nove mil, setecentos e cinquenta euros), correspondente a 10% do preço como sinal e princípio de pagamento, a receber na presente data pelo primeiro contratante, de que este dá a devida quitação com a boa cobrança do cheque agora recebido. "b) 49.750,00 €(quarenta e nove mil, setecentos e cinquenta euros), correspondente a 10% do preço e a título de reforço de sinal a pagar até ao dia trinta e um do mês de Janeiro do ano de 2007. Este pagamento está dependente da conclusão da betonagem da laje do piso zero do Edifício B.... "c) 49.750,00 € (quarenta e nove mil, setecentos e cinquenta euros), correspondente a 10% do preço e a título de reforço de sinal a pagar até ao dia trinta e um do mês de Julho do ano de 2007. Este pagamento está dependente da conclusão da estrutura do Edifício B.... "d) O remanescente do preço, ou seja, 348.250,00 € (trezentos e quarenta e oito mil, duzentos e cinquenta euros), correspondente a 70% do preço, será pago pelo segundo contratante, no acto da outorga da escritura pública de Compra e venda objecto deste contrato. Se a outorga da escritura ocorrer antes das datas previstas nas alíneas anteriores, os pagamentos previstos nestas deverão ser efectuados na data da escritura. "2. O segundo contratante reconhece que é factor determinante do presente contrato promessa de compra e venda, o recebimento pontual pelo primeiro contratante das prestações referidas no ponto 1) da 3ª Cláusula. "3. Em caso de incumprimento do promitente comprador de quaisquer obrigações que para si resultem do presente contrato de promessa de compra e venda, poderá o promitente vendedor rescindir unilateralmente o contrato e fazer suas as quantias que recebeu como sinal e reforço de sinal se, depois de notificado o promitente comprador para cumprir, este não satisfazer a obrigação em falta, no prazo de 30 dias, operando-se a rescisão, sem necessidade de qualquer outra interpretação, por simples declaração escrita enviada por correio registado com aviso de recepção. O promitente vendedor pode mesmo que o promitente-comprador cumpra, cobrar-se de juros sobre o montante em falta à taxa Euribor a 6 meses acrescido de 2 pontos percentuais. "4ª CLÁUSULA "1. a) A celebração da escritura pública de compra e venda objecto do presente contrato deverá realizar-se assim que existam condições legais para o efeito, nomeadamente estar emitida a licença de utilização, e até 31 de Dezembro de 2008, ficando a cargo do primeiro contratante a sua marcação, do que deverá notificar o segundo contratante por carta registada com aviso de recepção com a antecedência mínima de quinze dias corridos, do dia, hora e local em que a mesma terá lugar. "2. Ambos os contratantes obrigam-se, no prazo de sete dias corridos após a fixação a data da escritura a entregar os documentos que sejam da sua responsabilidade, necessários à outorga da mesma. "3. O primeiro contratante compromete-se a celebrar a escritura de propriedade horizontal do edifício, até à data da outorga de escritura de compra e venda, a qual poderá ser efectuada em simultâneo com a escritura de compra e venda objecto deste contrato. "4. Na eventualidade do promitente-comprador não poder outorgar a escritura pública de compra e venda, poderá solicitar por escrito ao promitente vendedor o adiamento dessa escritura para uma data que não exceda trinta dias sobre a primeira. Neste caso, o promitente-comprador deverá pagar sobre os montantes a liquidar na escritura os juros correspondentes a esses trinta dias calculados à taxa Euribor a 6 meses acrescida de dois pontos percentuais. "5. Se a escritura de compra e venda não for efectuada até 31 de Dezembro de 2008 por facto imputável directa e exclusivamente ao promitente vendedor, poderá o promitente-comprador optar pela rescisão do presente contrato e receber do promitente vendedor, em dobro, as quantias entregues a título de sinal. "6. Se a escritura pública de compra e venda não for efectuada até à data indicada no número anterior, por actos ou omissões de terceiros, isto é Entidades Administrativas poderá o promitente comprador, optar pela rescisão do presente contrato, recebendo em singelo, a totalidade das importâncias que pagou até à data da rescisão, acrescida dos juros calculados à Taxa Euribor a 6 meses acrescida de dois pontos percentuais, nada mais sendo exigível ao promitente vendedor. "7. Noutros casos de incumprimento, do presente contrato de promessa de compra e venda, pode a parte não faltosa recorrer ao disposto da lei civil nomeadamente à execução específica prevista do artigo 830º do Código Civil. "(...) 7ª CLÁUSULA "1. Nada foi convencionado entre os contratantes, directa ou indirectamente relacionado com a matéria do presente contrato, para além do que fica escrito nas suas cláusulas. "2. Quaisquer alterações a este contrato só serão válidas, desde que convencionadas por escrito, com menção expressa de cada uma das cláusulas eliminadas e da redacção que passa a ter cada uma das aditadas ou modificadas. "8ª CLÁUSULA "1. Todas as notificações a realizar entre os contratantes ao abrigo do presente contrato, deverão ser efectuadas por escrito ou por qualquer meio susceptível de confirmação da sua recepção pela outra parte, expedidas para os endereços indicados no corpo do presente contrato. "2. No caso de haver alteração nos endereços ora indicados, ficam os destinatários obrigados a comunicar aos remetentes essa alteração. "3. A recusa do recebimento de qualquer comunicação vale, para todos os efeitos como comunicação efectuada. (...)", cfr. documento de fls. 16 a 24, cujo teor se dá por reproduzido (alínea B) dos Factos Assentes) C) A “ I--- (…)” com morada na Av. ---, n.º ..., 0000-000 Lisboa, enviou à Autora para a morada Av. ---, n.º ..., 0000-000 C..., uma carta registada com aviso de recepção datada de 03/12/2008 com o seguinte teor: "(...) Fazemos referência ao Contrato-Promessa de Compra e Venda celebrado entre o "C", enquanto Promitente Vendedor, e V. Exa., enquanto Promitente Comprador relativo à Fracção autónoma identificada pela(s) letra(s) "---" correspondente ao --- do Edifício ---, sito no ---, nas Avenida ---, Avenida da --- Avenida ---, freguesia e concelho de ---, do prédio urbano mencionado em epígrafe (doravante abreviadamente designado de "Contrato-Promessa). "Vimos pela presente, nos termos e para os efeitos do número dois da Cláusula Quarta do Contrato-Promessa, notificar V. Ex.ª para a outorga da escritura pública de compra e venda da fracção autónoma em apreço, que terá lugar no próximo dia 22 de Dezembro de 2008, pelas 17.00 horas, no Cartório Notarial de ---, a cargo da Notária ---, sito na Alameda ---, Edifício ---, --- Piso, salas ----, em C.... "Aproveitamos desde já para solicitar a V. Ex.ª que, conforme previsto no número dois da Cláusula Quarta do Contrato-Promessa, nos remeta, até ao próximo dia 09/12/2008, todos os documentos necessários para a preparação e instrução da referida escritura pública, designadamente o comprovativo de pagamento do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT). (...)", cfr., documento de fls. 28 (alínea C) dos Factos Assentes). D) A carta referida em C) foi objecto de registo via CTT no dia 4 de Dezembro de 2008, tendo sido distribuída no dia 05 de Dezembro de 2008 (alínea D) dos Factos Assentes). E) A entrega da carta descrita em C) não foi conseguida no dia 09/12/2008 com o motivo “destinatário ausente, empresa encerrada, avisado na estação de C...” (alínea E) dos Factos Assentes). F) O aviso de recepção correspondente à carta registada referida em C) foi assinado em 16/12/2008, tendo a Autora recebido a carta nessa data (alínea F) dos Factos Assentes). G) Nos dias 6, 7 e 8 de Dezembro de 2008, os serviços dos CTT responsáveis pela entrega do correio, estavam encerrados por motivo de tais dias corresponderem a sábado, domingo e feriado, respectivamente (alínea G) dos Factos Assentes). H) A Autora enviou à “C”, com morada na Av. ---, n.º ---, 0000-000 Lisboa, uma carta datada de 17/12/2008, recebida a 18/12/2008, com o seguinte teor: "(...) Acusamos recebida, em 16 de Dezembro corrente, a carta de V. Exas., remetida via CTT registada, pela qual é notificada a sociedade --- para a outorga da escritura de compra e venda da fracção autónoma em epígrafe, a realizar no próximo dia 22 de Dezembro, solicitando ainda o envio, até 09/12/2008, de todos os documentos necessários para a preparação e instrução da escritura. "Sucede, desde logo, que se encontra já ultrapassada aquela data de 09/12/2008, do mesmo modo que se verifica que esse FUNDO, como promitente vendedor, não cumpriu o estabelecido no número dois da cláusula quarta do contrato promessa, já que notificou a sociedade promitente compradora com apenas cinco dias de antecedência, quando estava contratualmente obrigado a um prazo de, pelo menos, quinze dias. "Nestes termos, não pode esta sociedade considerar-se devida e validamente notificada, pelo que não comparecerá à outorga da escritura no referido dia 22 de Dezembro em curso. (...)", cfr. documento de fls. 34 (alínea H) dos Factos Assentes). I) A Autora enviou à "BF (…)" um fax datado de 18/12/2008, com o seguinte teor: “Vimos por este meio informar que enviamos ontem, dia 17 de Dezembro de 2008 carta referente a «Escritura Pública de Compra e Venda da Fracção Autónoma identificada pela(s) letra(s) BE, do Empreendimento S... C... sito em C...”, cuja cópia anexamos a este fax, para vossa informação.(...)”, conforme documento de fls. 36 (alínea I) dos Factos Assentes). J) A Autora enviou à “BF (…)” uma carta datada de 06/01/2009, recebida a 07/01/2009, com o seguinte teor: “Na ausência de qualquer resposta à n/carta de 17 de Dezembro de 2008, sobre a nulidade da notificação efectuada por V. Exas., para a celebração da escritura do contrato promessa de compra e venda em epígrafe, e verificando-se presentemente, a total impossibilidade de V. Exas. cumprirem com as obrigações estabelecidas na alínea a) do n.º1 da Cláusula Quarta do referido contrato, quer quanto ao prazo de notificação quer quanto ao prazo para celebração da escritura, vimos pela presente comunicar-vos a rescisão unilateral do citado contrato promessa, nos termos e com os fundamentos previstos no n.º 5 da mesma Cláusula Quarta. “Nestes termos, e em conformidade com o disposto na invocada disposição contratual, deverão V. Exas. proceder à devolução, em dobro, de todas as quantias recebidas a título de sinal e do seu reforço, as quais perfazem o valor de 149.250 Euros”, conforme documento de fls. 39 (alínea J) dos Factos Assentes). L) A Autora enviou à BF (…), na Avenida ---, n.º ---, 0000-000 Lisboa, uma carta datada de 10/02/2009, recebida a 11/02/2009, com o seguinte teor: “(...) Na ausência de qualquer resposta às n/cartas de 17 de Dezembro de 2008 e 06 de Janeiro de 2009, vimos informar que, na falta de qualquer resposta de V. Exas., no prazo de 10 dias, com vista ao encontro de um acordo para a resolução do problema, ver-nos-emos na necessidade de recorrer de imediato à interposição da competente acção Judicial (...)”, conforme documento de fls. 41 (alínea L) dos Factos Assentes). M) A “I---” enviou à Autora para a morada Av. --- ..., 2750 – 424 C..., uma carta registada datada de 10/02/2009, recebida a 12/02/2009, com o seguinte teor: “(...) Em resposta à vossa carta de 6 de Janeiro de 2009, somos a informar que, nos termos do Contrato-Promessa de Compra e Venda celebrado, bem como da lei Portuguesa, não existe incumprimento. “A notificação da data de realização da escritura pública foi enviada por carta expedida no dia 3 de Dezembro, ou seja, com 19 dias de antecedência da data de realização da escritura pública, em cumprimento do prazo estipulado no n.º 1 da Cláusula Quarta do Contrato-Promessa de Compra e Venda celebrado. “Nos termos do Contrato-Promessa de Compra e Venda celebrado, cada outorgante é responsável pela indicação do seu endereço, bem como da garantia que as notificações enviadas para o endereço indicado no contrato se realizem. “A impossibilidade de cumprimento do Contrato-Promessa de Compra e Venda que decorra da impossibilidade de notificação realizada nos termos do contrato é imputável à parte que indicou esse endereço, no caso concreto, V. Ex.ª. “Assim, somos por este meio notificar V. Ex.ª da nova data da escritura pública, a qual se realizará no dia 02/03/2009, pelas 17:00 horas, no Cartório Notarial de C..., da Notária ---, sito na Alameda ---, Edifício ---, ---º Piso, salas ---, em C.... “Ficam, igualmente, desde já notificados, que, não se realizando a escritura pública no dia indicado, por culpa de V. Exas., consideraremos que tal equivale a incumprimento definitivo de v. Parte, e nesse caso, iremos usar dos meios legais e contratuais ao nosso dispor para cumprimento do Contrato-Promessa de Compra e Venda celebrado (...)”, conforme documento de fls. 43 e 44 (alínea M) dos Factos Assentes). N) Consta de fls. 47 e 48 um certificado datado de 02/03/2009 emitido pelo Cartório Notarial de C... com o seguinte teor: “(...) Que se encontrava marcada para hoje neste cartório, pelas dezassete horas, uma escritura de compra e venda, tendo como objecto a fracção autónoma designada pelas letras “---” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito no lugar do ---, nas Avenida ---, Avenida --- e Avenida ---, denominado “---”, na vila, freguesia e concelho de C..., descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de C..., inscrito na matriz sob o artigo ----. “Que a escritura foi marcada pela parte vendedora, “BF (…)”, com o nipc ..., representada pela sociedade comercial anónima denominada “I--- (…)”, com sede na Avenida ---, ..., freguesia de ---, concelho de ---, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o número único de matrícula e nipc 5---, tendo sido entregue neste Cartório, procuração da entidade vendedora, a respectiva caderneta predial urbana, Alvará de licença de utilização, duplicado da ficha técnica e cancelamento de hipoteca e Certificado Energético estando a escritura em condições de ser realizada. “Que há hora marcada compareceram neste Cartório, a legal representante da parte vendedora, bem como um administrador da entidade compradora “ A (…), S.A.”. “Que a escritura não foi realizada dado que tal como declarado pela entidade compradora esta rescindiu o contrato-promessa de compra e venda com base na circunstância de a promitente vendedora não ter cumprido os prazos estabelecidos nas alíneas a) do n.º 1 da Cláusula 4ª, quer no que respeita ao prazo de quinze dias de notificação para a escritura, quer no que respeita à data limite para a outorga da mesma (31 de Dezembro de 2008). “Que ainda tal como declarado foi a entidade vendedora notificada por carta registada com aviso de recepção da alegada rescisão à data de 7 de Janeiro de 2009 (...)” (alínea N) dos Factos Assentes). O) A Autora enviou à “BF (…)”, na Avenida ---, n.º ---, 0000-000 Lisboa, uma carta datada de 19/12/2009, recebida a 23/12/2009, com o seguinte teor: “(...) Pela n/ carta datada de 6 de Janeiro de 2009, expedida com aviso de recepção e recebida nos por V. Exas. Em 07/01/2009, comunicou esta sociedade a resolução unilateral do contrato promessa de compra e venda da fracção identificada em epígrafe, por incumprimento do prazo para outorga da escritura, imputável a V. Exas. “Pela n/carta de 6 de Fevereiro corrente comunicámos a n/disponibilidade para estudar qualquer forma de acordo para resolver o litígio já iniciado com a resolução do contrato, continuando V. Exas., a não dar resposta quer a estas duas n/referidas cartas quer à carta remetida em 17 de Dezembro de 2008. “Não compreendemos, deste modo, que V. Exas. insistam, na v/ carta data de 10/02/2009, quer na marcação da escritura para o dia 02/03/2009, onde obviamente esta sociedade não estará presente, quer na fantasia de considerarem tal não comparência como incumprimento de um contrato que esta sociedade já rescindiu há mais de um mês. (...)”, conforme documento de fls. 49 (alínea O) dos Factos Assentes). P) A Autora entregou à Ré a quantia de 149.250€ a título de sinal, respeitante ao contrato descrito na alínea B) (alínea P) dos Factos Assentes). Q) Consta de fls. 116 um documento do Departamento de Supervisão da Intermediação e Estruturas de Marcado da CMVM dirigido ao Conselho de Administração do "…. – Gestão de Fundos, S.A.", datado de 25 de Outubro de 2007, pelo qual se comunica que “Em reunião de 24 de Outubro de 2007, o Conselho de Administração deliberou autorizar a substituição da entidade gestora “…", pela entidade gestora “I--- (…), S.A.” relativamente ao “BF (…)” (alínea Q) dos Factos Assentes). R) A actividade da Autora tem-se centrado, essencialmente, na compra e venda de imóveis, através do desempenho dos seus administradores/accionistas, tendo ao seu serviço apenas uma trabalhadora, que se ocupa dos trabalhos de recepção e exteriores (resposta ao quesito 1º). S) No momento da entrega do correio pelo funcionário dos CTT, não se encontrava presente qualquer administrador da Autora nem a sua trabalhadora, que pudessem assinar o aviso de recepção (resposta ao quesito 3º). T) Pelo menos até ao dia 16 de Dezembro de 2008, a Autora não teve conhecimento da substituição a que se reporta a alínea Q) (resposta ao quesito 4º). U) A carta esteve disponível para ser levantada, junto dos CTT, nos dias 9, 10, 11, 12 ou 15 de Dezembro (resposta ao quesito 5º). V) O empreendimento “---” foi construído de acordo com elevados padrões de qualidade (resposta ao quesito 7º). X) O empreendimento “---” tem cerca de 150 fracções (resposta ao quesito 8º). Z) A Ré logrou que fosse passado o alvará de utilização da edificação pela Câmara Municipal de C... no dia 12 de Novembro de 2008 e, após essa data, teve de contactar dezenas de promitentes-compradoras para agendar a outorga da escritura pública (resposta ao quesito 9º). AA) A Autora, pelo menos até à data da emissão do alvará referido na alínea Z), sabia que não era possível a celebração da escritura de compra e venda por não ter sido emitido tal documento (resposta ao quesito 10º). BB) A Autora levantou a carta no dia 16 de Dezembro de 2008 e não identificou a “I---” como sociedade relacionada com o promitente vendedor, sendo que, do aviso deixado pelos CTT não consta a morada do remetente (resposta ao quesito 12º). CC) Os serviços dos CTT mais próximos distam um quilómetro do escritório da Autora (resposta ao quesito 12º). B. O Direito. Considerando que a data fixada no contrato (31.12.2008) tinha a natureza de um prazo relativo, a sentença recorrida considerou que, à data em que a A. comunicou à Ré a resolução do contrato (06.01.2009), e ainda que mora houvesse por parte da Ré, a mesma não havia ainda sido convertida em incumprimento definitivo por parte da Autora, concluindo pela invalidade de tal resolução e pela improcedência do seu pedido de devolução do sinal em dobro. Na tese da apelante, tendo sido notificada pela Ré com menos de 15 dias de antecedência relativamente à data da escritura designada para 22.11.2008, tal notificação seria nula e ineficaz, pelo que, tendo sido ultrapassado o limite absoluto fixado na sentença – 31.12.2008 – ter-se-á verificado um incumprimento definitivo por parte da Ré, atribuindo à A. o direito potestativo à resolução do contrato, questões que passamos a analisar. 1. Natureza do prazo fixado para a celebração da escritura. Pretende a apelante que o limite de 31 de Dezembro de 2008 para a outorga da escritura do contrato prometido, constituiria um prazo absoluto ou fatal, socorrendo-se do teor dos seguintes pontos do contrato: 4ª CLÁUSULA: "1. a) A celebração da escritura pública de compra e venda objecto do presente contrato deverá realizar-se assim que existam condições legais para o efeito, nomeadamente estar emitida a licença de utilização, e até 31 de Dezembro de 2008, ficando a cargo do primeiro contratante a sua marcação (…). 5. Se a escritura de compra e venda não for efectuada até 31 de Dezembro de 2008 por facto imputável directa e exclusivamente ao promitente vendedor, poderá o promitente-comprador optar pela rescisão do presente contrato e receber do promitente vendedor, em dobro, as quantias entregues a título de sinal. "6. Se a escritura pública de compra e venda não for efectuada até à data indicada no número anterior, por actos ou omissões de terceiros, isto é Entidades Administrativas poderá o promitente comprador, optar pela rescisão do presente contrato, recebendo em singelo, a totalidade das importâncias que pagou até à data da rescisão, acrescida dos juros calculados à Taxa Euribor a 6 meses acrescida de dois pontos percentuais, nada mais sendo exigível ao promitente vendedor”. Haverá assim que indagar da natureza do prazo acordado para a celebração do contrato definitivo. O prazo da prestação não é, em regra, um elemento essencial na economia do contrato e daí que a simples mora ou atraso no cumprimento não seja, por si só, fundamento de resolução[1]. Contudo, por vezes, a essencialidade do termo decorre da própria natureza da prestação, pelo imediato desaparecimento da utilidade para o credor da prestação fora do prazo – ex., artista contratado para actuar num espectáculo com hora marcada, contrato de fornecimento de um copo de água para uma festa –, o que configura um essencialidade objectiva. Outras vezes, as partes determinam, expressa ou tacitamente, como essencial o termo fixado, o que configura uma essencialidade subjectiva, sendo que esta pode ser absoluta ou relativa: encontrar-nos-emos perante um termo subjectivo absoluto quando, a não observância do prazo implica um incumprimento definitivo; e perante um termo subjectivo relativo, quando a não observância do prazo confere ao credor o direito à resolução, o qual poderá recusar a prestação, mas também poderá optar por exigir ainda o cumprimento retardado[2]. “A estipulação de um prazo para a execução de um contrato não tem sempre mesmo significado: pode querer dizer que, decorrido o prazo, a finalidade da obrigação já não pode ser obtida (com a prestação ulterior), caducando, por isso, o contrato; mas pode também ser apenas uma determinação de termo que não obste à possibilidade de uma prestação ulterior, que satisfará ainda a finalidade da obrigação, caso em que o temo do prazo não importa a caducidade do contrato, mas tão somente a atribuição ao credor o direito a resolvê-lo. Na primeira hipótese, o contrato tem por objecto uma prestação que só pode ser feita no prazo determinado e se torna, assim, impossível, se não for realizada dentro dele: trata-se, pois, de um negócio fixo absoluto; na segunda, a prestação pode ainda ser feita ulteriormente, cabendo, todavia, ao credor, se o contrato for bilateral, o direito de resolução deste quando o prazo não for observado, mas sendo o devedor, se o credor não resolver o contrato, obrigado a cumpri-lo[3]”. A semelhante distinção recorre o Prof. Antunes Varela: “Reveste, por último, a maior importância a questão de saber qual o alcance que as partes pretendem dar à fixação do prazo, quanto à eficácia do negócio que serve de fonte à obrigação. Se a fixação do prazo significa que a prestação tem de ser efectuada dentro dele, sob pena de o negócio caducar, por a prestação já não ter interesse para o credor, há o que os autores chamam de negócio fixo absoluto. Se a fixação do prazo não envolve a necessária caducidade do negócio, mas apenas a faculdade de o credor, vencido o prazo sem que a obrigação seja cumprida, resolver o negócio ou exigir indemnização pelo dano moratório, há um negócio fixo relativo ou simples[4]”. Sobre a natureza do prazo certo no contrato promessa se pronuncia igualmente José Carlos Brandão Proença: “Importante é a indagação do significado do prazo certo fixado para serem emitidas as declarações de vontade e que terá de ser “deduzido” do material interpretativo fornecido pelas partes, da natureza da promessa, do comportamento posterior dos promitentes (existência ou não de prorrogações) ou de outras circunstâncias coadjuvantes. O fulcro da questão reside na essencialidade (subjectiva) ou não do termo fixado como característica inerente ao contrato, e na sua projecção no acordo celebrado[5]”. Se estivermos perante um “prazo fatal”, a sua inobservância, haja ou não imputação ou responsabilidade nesse desinteresse recíproco, gerará uma impossibilidade (rectius, inutilidade) definitiva de incumprimento, conducente a uma resolução automática ou a uma caducidade contratual. Pelo contrário, a inclusão, no conteúdo da promessa, de “termo relativamente fixo”, poderá fazer surgir, para o legitimado, um direito de resolução, ou ainda, a exigência de cumprimento tardio[6]. Como se afirma no Acórdão do TRL de 08-04-2008, a doutrina exposta respeita ao prazo que deve ser considerado como essencial (por contraposição ao não essencial) e é no seu âmbito que se estabelece a dicotomia termo absoluto e termo relativo, sendo que o decurso deste último sem cumprimento da obrigação não dá lugar a simples mora, antes gera, o direito do credor à resolução do contrato[7]. Por sua vez, Fernando Gravato Morais socorre-se de uma distinção mais simples, entre: a) termo fixo (ou absoluto), cuja inobservância gera um incumprimento definitivo e logo a resolução do contrato; b) termo não fixo (ou relativo), cuja inobservância importa tão só uma situação de atraso (mora) no incumprimento, exigindo-se a interpelação admonitória caso se pretenda converter a mora em incumprimento definitivo, uma vez que o simples decurso do prazo não acarreta, por si só uma perda objectiva do interesse do credor[8]. Encontrando-se fixado um prazo final, determinar se se trata ou não de um prazo essencial dependerá essencialmente da interpretação da vontade negocial, a deduzir “do material interpretativo fornecido pelas partes, da natureza da promessa, do comportamento posterior dos promitentes (existência ou não de prorrogações) ou de outras circunstâncias coadjuvantes[9]”. No caso concreto, não é alegado pela Autora nos seus articulados (petição inicial e réplica) qualquer facto justificativo do estabelecimento da data de 31 de Dezembro de 2008 como data limite para a realização da escritura pública. Assim sendo, a alegação que agora vem fazer, em sede de alegações de recurso, de que, tendo obtido do Banco ---- a aprovação de um financiamento no valor de 350.000,00 €, para utilizar até 31 de Dezembro, e utilizável desde que o Banco fosse avisado da data da escritura com 15 dias de antecedência, não se encontraria receptivo à outorga da escritura em data posterior (cfr., art. 22º das suas alegações de recurso), é absolutamente irrelevante e inócua. Por outro lado, a essencialidade do prazo não decorre da natureza das prestações em causa, podendo a escritura de compra e venda ser, objectivamente, celebrada posteriormente ao termo do prazo – resultando dos respectivos termos que a previsão de uma data limite terá sido fixada no interesse da promitente compradora (a inobservância de tal prazo apenas confere à promitente compradora o direito à rescisão do contrato, não o conferindo à promitente/vendedora), apenas se encontra alegado que a aquisição da fracção se destinava a revenda (a Autora dedica-se à compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos). Assente que a fixação de tal data final não importa uma essencialidade objectiva, vejamos se das respectivas cláusulas contratuais, ressalta uma essencialidade subjectiva (absoluta ou relativa) Acordaram as partes na clausula 4ª que a celebração da escritura “deverá realizar-se até 31 de Dezembro de 2008” e ainda que: - se a escritura de compra e venda não for efectuada até 31 de Dezembro de 2008, por facto imputável directa e exclusivamente ao promitente vendedor, poderá o promitente comprador optar pela rescisão do contrato e receber do promitente vendedor, em dobro, as quantias entregues a título de sinal; - se a escritura de compra e venda não for efectuada até à data indicada no número anterior, por actos ou omissões de terceiros, isto é, autoridades administrativas, poderá o promitente comprador optar pela rescisão do presente contrato, recebendo em singelo, a totalidade das importâncias que pagou até à data da rescisão. O estabelecimento de uma cominação para o não cumprimento do prazo – possibilidade de rescisão do contrato por parte da promitente compradora –, indicia, em princípio, a essencialmente do mesmo, pelo que nos encontraremos perante um termo essencial subjectivo. De qualquer modo, da respectiva redacção resulta afastada necessariamente a hipótese de nos encontrarmos perante um termo subjectivo absoluto: a expressão utilizada – poderá optar pela rescisão do contrato –, deixa claramente em aberto a possibilidade do promitente-comprador optar entre a rescisão e o cumprimento, apesar do decurso de tal data. E, por outro lado, constata-se que a opção pela rescisão do contrato com direito à devolução do sinal em dobro, apenas se encontra prevista para o caso de a escritura não se celebrar até ao dia 31 de Dezembro de 2008, “por facto imputável directa e exclusivamente ao promitente comprador”. De qualquer modo, valendo o princípio de que, em regra, o prazo essencial não é absolutamente fixo (não há por parte dos promitentes um interesse temporalmente delimitado), mas apenas relativamente fixo, “na dúvida, ou seja, se de um concurso inequívoco de circunstâncias se não conclui com segurança que o termo é absoluto, ele deve ser interpretado como relativo[10]”. Damos, assim, por assente que a fixação do dia 31 de Dezembro como data limite para a celebração do contrato configura um termo essencial subjectivo relativo. Vejamos, agora, se os factos dados como provados nos permitem chegar à conclusão de que a não celebração da escritura até 31 de Dezembro de 2008 terá ocorrido por facto imputável directa e exclusivamente ao promitente-comprador. 2. Alegado incumprimento do contrato por parte da Ré. Ficou estabelecido no contrato que a celebração da escritura pública “deverá realizar-se assim que existam condições legais para o efeito, nomeadamente estar emitida a licença de utilização, e até 31 de Dezembro de 2008”, ficando a respectiva marcação a cargo da Ré, que deveria avisar a A. com a antecedência mínima de 15 dias. A I--- (…), enviou à A. uma carta comunicando-lhe que a outorga da escritura teria lugar no dia 22 de Dezembro de 2008, carta que foi objecto de registo via CTT no dia 4 de Dezembro de 2008. Ou seja, tal carta foi enviada para a sede da Ré, com 18 dias de antecedência relativamente à data marcada para a escritura. Contudo, tal carta só foi recebida pela Autora a 16.12.2008, sendo que para tal atraso terão contribuído, entre outros, os seguintes factos: - nos dias 6, 7 e 8, de Dezembro de 2008, os serviços dos CTT encontravam-se encerrados por tais dias corresponderem a sábado, domingo e feriado, respectivamente; - a entrega não foi conseguida no dia 09.12.2008 com o motivo “destinatário ausente, empresa encerrada, avisado na estação de C...”; - a carta esteve disponível para ser levantada, junto dos CTT, nos dias 9, 10, 11, 12 e 15 de Dezembro. Para o facto de só ter ido levantar a carta a 16 de Dezembro, a Autora apresenta a justificação de que a mesma se encontrava em nome da sociedade I--- e não da Ré, razão pela qual não lhe terá dado relevância. E, não tendo recebido a carta com a acordada antecedência de 15 dias, a Autora, a 18.12.2008, enviou um fax à Ré comunicando-lhe que não iria estar presente na data marcada para a escritura. Ora, será que de tais factos poderemos retirar a conclusão que a escritura pública não se realizou até ao dia 31 de Dezembro de 2008, “por facto imputável à promitente vendedora”? A resposta a dar a tal questão terá de ser necessariamente negativa. Com efeito, embora o contrato promessa tenha sido celebrado a 31.07.2006, a escritura só poderia realizar-se “assim que existam condições legais para o efeito, nomeadamente estar emitida a licença de utilização”. Ora, encontra-se demonstrado que o alvará de utilização da edificação foi passado pela CM de C... no dia 12 de Novembro de 2008 e que, após esta data, a Ré teve de contactar dezenas de promitentes-compradoras para agendar a outorga da escritura pública (o empreendimento em que se insere a fracção prometida vender tem 150 fracções). Assim, o facto de ter enviado a carta a 4 de Dezembro, com 18 dias de antecedência relativamente à data designada para a escritura não poderá qualificar-se como um comportamento negligente por parte da Ré. É certo que a Autora só veio a receber a carta no dia 16 de Dezembro, sendo eventualmente discutível se tal atraso lhe é, ou não, inteiramente assacável, mas, seguramente, não o será a qualquer facto imputável à Ré. Sendo o dia 5 um dia útil, os dias 6 e 7, sábado e domingo e o dia 8, feriado, a entrega só não foi conseguida no dia 09.12.2008 porque, no momento da entrega do correio, não se encontrava ninguém presente na sede da Ré para assinar o aviso de recepção. Em tal data, ainda faltavam 13 dias para a data designada para a realização da escritura (prazo que seria mais que suficiente para a Autora proceder ao pagamento do IMT, enviando o respectivo comprovativo à Ré). Assim sendo, o atraso no recebimento da comunicação respeitante ao tempo que medeia entre o dia 9 e o dia 16 só à Autora é imputável (note-se que embora a carta lhe tenha sido dirigida pela I--- e não pela Ré, o respectivo endereço era o mesmo, correspondendo ao endereço acordado no contrato para as respectivas notificações). E, tendo a Autora ido levantar a carta somente a 16 de Dezembro, a 18 de Dezembro comunica, via fax, à I--- que “tendo notificado a promitente compradora com apenas cinco dias de antecedência, quando estava contratualmente obrigada a um prazo de, pelo menos quinze dias (…), não pode esta sociedade considerar-se devida e validamente notificada, pelo que não comparecerá à outorga da escritura no referido dia 22 de Dezembro”. E se, tendo recebido a comunicação da data da escritura somente a 16 de Dezembro (embora tal atraso lhe seja, pelo menos parcialmente imputável), se aceita que não lhe fosse exigível o comparecimento à escritura no dia 22 de Dezembro, como afirma o juiz a quo, a sua atitude restante revela-se inaceitável face ao princípio da boa-fé que deve nortear a execução de qualquer contrato. É que a Autora, em vez de chamar a atenção da Ré para o termo do prazo, (alertando, eventualmente, a Ré para o facto de o financiamento aprovado para o efeito ter de ser por si utilizado até ao dia 31.12.2008 – se é que tal facto é verdadeiro, sendo que o mesmo só em sede de alegações de recurso veio a ser referido pela Autora) requerendo a marcação de nova data para a realização da escritura para antes do dia 31 de Dezembro, remete-se, no mais, ao silêncio, aguardando pacientemente pelo dia 31 de Dezembro de 2008. No dia 6 de Janeiro de 2009 (dia 1 é feriado, e dias 3 e 4 correspondem a um sábado e um domingo), a Autora envia à I--- uma carta pela qual lhe comunica “a rescisão unilateral do citado contrato promessa, nos termos e com os fundamentos previstos no nº5 da mesma Clausula Quarta. Nestes termos e em conformidade com o disposto na invocada disposição contratual, deverão V. Exas. proceder à devolução, em dobro de todas as quantias recebidas a título de sinal e do seu reforço, as quais perfazem o valor de 149.250,00 €”. Podemos, assim, concluir que, à data do envio de tal comunicação por parte da Autora, não se encontrava, então, verificado o condicionalismo expressamente previsto no ponto 5 da Clausula 4 do contrato para a devolução do sinal em dobro – escritura não realizada até 31 de Dezembro de 2008, por facto imputável directa e exclusivamente ao promitente comprador. Independentemente da verificação das cláusulas resolutivas apostas no contrato-promessa, o mesmo poderia ainda ser objecto de resolução com fundamento na lei. Contudo, no caso concreto, também não se encontravam verificados os pressupostos gerais para a resolução do contrato por incumprimento, a operar pela Autora. Segundo a jurisprudência e doutrina dominantes, a resolução do contrato-promessa (e o funcionamento do regime do sinal), por via de lei, só poderá ocorrer perante um incumprimento definitivo (arts. 801º e 808º, do CC)[11], incumprimento que pode ocorrer: - quando, em consequência da mora, se verificar a perda de interesse (objectivamente apreciada) do credor na prestação; - quando a prestação não for realizada no prazo cominatório, suplementar e razoável, que o credor fixar; - quando o credor faça inequívoca e categoria declaração de que não pretende cumprir. Assente que nos encontramos perante um “termo essencial subjectivo relativo” (ou “termo relativamente fixo”), e ultrapassado o limite temporal fixado no contrato, poderemos concluir pela perda de interesse por parte da A./promitente compradora? A perda do interesse do credor deve de ser apreciada objectivamente – nº2 do art. 808º do CC. Ao impor que a perda de interesse seja apreciada objectivamente, “pretende-se evitar que o devedor fique sujeito aos caprichos do credor ou à perda infundada de interesse na prestação[12]”. “A objectividade do critério não significa de forma alguma que se não atenda ao interesse subjectivo do credor, e designadamente a fins visados pelo credor que, não tendo sido integrados no conteúdo do contrato, representam simples motivos em princípio irrelevantes. O que essa objectividade quer significar é, antes, que a importância do interesse afectado pelo incumprimento, aferida embora em função do sujeito, há-de ser apreciada objectivamente, com base em elementos susceptíveis de serem valorados por qualquer pessoa (designadamente pelo próprio devedor ou pelo juiz) e não segundo o juízo valorativo arbitrário do próprio credor[13]”. É ao credor que incumbe a prova da falta de interesse (art. 342º nº2 do CC)[14]. Ora, no caso em apreço, quer na carta que envia à I--- a comunicar a resolução do contrato e o pedido de devolução do sinal em dobro, quer nos articulados da presente acção, a Autora nem sequer alega que o facto de ter sido ultrapassada a data de 31.12.2011, lhe tenha acarretado uma perda de interesse na celebração do contrato prometido, nem qualquer facto de onde se possa deduzir ter ocorrido uma eventual perda de interesse. Assim como, tendo-se recusado a comparecer à escritura na data marcada pela Ré (ainda que, eventualmente por motivos atendíveis), não procedeu à notificação da Ré para que procedesse à marcação de uma nova data para a realização da escritura, nem sequer se tendo disponibilizado para comparecer em nova data a marcar pela Ré. Ou seja, se mora houvesse por parte da Ré, a Autora não despoletou os mecanismos necessários para transformar a mesma em incumprimento definitivo. Assim sendo, a resolução que a autora pretendeu exercer pela sua carta de 6 de Janeiro de 2006, têm-se por ilícita e, como tal, ineficaz, tendo necessariamente de improceder a sua pretensão à devolução do sinal em dobro. 3. Resolução por parte da Ré, promitente-vendedora. Em resposta a tal carta, a I--- enviou à A. nova carta registada, datada de 10.02.2009 e recebida a 12.02.2009, notificando-a da nova data da escritura a realizar no dia 02.03.2009, com a advertência de que não se realizando a escritura no dia indicado por culpa da A., considerariam que tal equivaleria a um incumprimento definitivo. No dia da escritura, compareceram um representante da promitente vendedora e um administrador da promitente compradora mas a escritura não se realizou face à declaração da promitente compradora de que havia rescindido o contrato. Tal comportamento da Autora é revelador da sua intenção de não proceder à celebração do contrato de compra e venda relativo à fracção em causa, integrando, de forma inequívoca, uma manifestação expressa da sua recusa em proceder ao cumprimento do contrato promessa. Tal recusa de cumprimento sempre dispensaria a promitente vendedora da fixação de qualquer prazo suplementar admonitório, incorrendo a A., promitente vendedora em incumprimento definitivo. De qualquer modo, para alguns autores, no que têm vindo a ser seguidos por alguma jurisprudência, a simples declaração de resolução do contrato, quando considerada ilegítima ou inválida por falta de fundamento legal, corresponde, desde logo, a uma recusa de execução do contrato, entendendo-se como uma declaração séria e firme de não cumprir, o que, no caso concreto, dispensaria a promitente vendedora de qualquer outro comportamento posterior destinado a obter o reconhecimento do incumprimento definitivo por parte da Autora[15]. Como tal, terá a Ré o direito a fazer seu o sinal prestado pela A., ao abrigo do disposto no art. 442º nº4 do CC, tal como foi decidido pelo tribunal a quo, cuja sentença não merece qualquer censura. IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida. Lisboa, 01 de Fevereiro de 2011 Maria João Areias Luís Lameiras Roque Nogueira ----------------------------------------------------------------------------------------- [1] João Batista Machado, “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, estudo publicado in “Obra Dispersa”, Vol.I, SCIENCIA IVRIDICA, Braga-1991, pag. 178. [2] Cfr., no sentido da distinção entre essencialidade objectiva e subjectiva (absoluta/relativa), João Batista Machado, estudo citado, pag. 187 a 189, Ana Prata in “O Contrato Promessa e o Seu Regime Civil”, Almedina, 2001, pag. 637, e João Calvão da Silva, “Sinal e Contrato Promessa”, 11ª ed., Almedina, pag. 138 e 139. [3] Vaz Serra, RLJ Ano 110, pag. 327. [4] “Das Obrigações Em Geral”, Vol. II, 4ª ed., pag. 44 e 45. [5] “Do Incumprimento do Contrato-Promessa Bilateral, A dualidade da execução específica”, 1987, pag. 110. [6] Cfr., Brandão Proença. obra citada, pag. 110 e 110. [7] Acórdão relatado por Rosa Ribeiro Coelho, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrl.pt. [8] Cfr., “Contrato-Promessa Em Geral, Contratos-Promessa em Especial”, Almedina, Abril 2009, pag. 182 e 183. [9] Cfr., Brandão Proença, obra citada, pag. 110. [10] Cfr., Baptista Machado, estudo e local citados, pag. 190. [11] Cfr., neste sentido, entre outros, na jurisprudência: Acórdãos do STJ de 25.11.2010, relatado por Gonçalo Silvano, de 22-06-2010, relatado por Fonseca Ramos, 09-03-2010 relatado por Moreira Alves; na doutrina: Antunes Varela, RLJ Ano 119, pag. 216, Galvão Teles in “Direito das Obrigações”, 7ª ed., pag. 129, e Ana Prata, segundo a qual não estando em causa que as partes possam, convencionalmente, estabelecer um sinal moratório, na falta de tal convenção, o incumprimento que é pressuposto pelo sinal será aquele que for definitivo, único sentido compatível com a resolução – cfr., obra citada, pag. 780, 781 e 782. [12] Cfr., Pires de Lima e Antunes Varela, II Vol., 3ª ed., pag. 72. [13] João Baptista Machado, “Pressupostos da Resolução Por Incumprimento”, estudo publicado in “Obra Dispersa, Vol. I, pag. 137 [14] Cfr., Pedro Romano Martinez, “Da Cessação do Contrato”, 2ª ed., pag. 141. [15] Cfr., neste sentido, Fernando Gravato Morais, “Contrato-Promessa em Geral (…), pag. 164 e 165, e Acórdão da Rel. De Lisboa de 03.12.2009, Acórdão da Rel. do Porto de07.12.2009, e Acórdão do STJ de 27.05.2010, disponíveis in http://www.dgsi.pt. |