Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
571/2008-7
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: CARTA PRECATÓRIA
RECURSO
TRIBUNAL COMPETENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/03/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: ANULAR O DESPACHO DE SUSTENTAÇÃO
Sumário: 1. No âmbito de carta precatória, é o tribunal deprecado que compete regular, de harmonia com a lei, o cumprimento da carta, só a devolvendo depois de devidamente cumprida (princípio da integralidade do cumprimento da deprecada) – nº1 do artigo 187º do CPC.
2. Cabe ao juiz deprecado tomar as decisões que se imponham no âmbito desse cumprimento.
3. O requerimento de interposição do recurso de tais decisões deve ser dirigido ao tribunal que as proferiu, nos termos do nº1 do artigo 687º do CPC e tal interposição deve ser feita para o tribunal a que está hierarquicamente subordinado o tribunal deprecado, nos termos do artigo 88º do CPC.
(PLG)
Decisão Texto Integral: TEXTO INTEGRAL:

Agravante : F…;

Agravados : C… e outros;

(Agravo em separado no Processo nº 137-B/2002 da 2ª Secção da 11ª Vara Cível de Lisboa).

1. O presente recurso de agravo foi interposto, para o Tribunal da Relação do Porto (fls. 47), do despacho da Exmª Juíza de direito do Tribunal Judicial da Comarca de Santa Maria da Feira, proferido em 10 de Maio de 2007, no decurso de uma venda judicial mediante abertura de propostas em carta fechada, no âmbito de uma carta precatória solicitada pelo Mmº Juiz da 11ª Vara Cível de Lisboa àquele tribunal. O despacho recorrido incidiu sobre um requerimento - que, por lapso, não foi junto a estes autos -, em que terá sido arguida a nulidade da venda com fundamento em pretensas irregularidades da respectiva publicitação, tendo então sido denegada tal arguição.

            Produzidas alegações ainda junto do tribunal recorrido, a deprecada foi, entretanto, devolvida à 11ª Vara Cível de Lisboa, onde foi exarado despacho de sustentação e mandado subir o recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.

            Por se afigurar que não é este o tribunal competente para conhecer do recurso, foram ouvidas as partes, as quais manifestaram a sua concordância em que o recurso deve ser remetido ao Tribunal da Relação do Porto.

            2. Porque a questão prévia em foco se afigura de simples resolução, profere-se decisão liminar sumária, ao abrigo do disposto nos artigos 700º, nº 1, alínea g), e 704º do CPC.

            3. A questão prévia que se coloca consiste em determinar qual o tribunal de relação competente para conhecer de um recurso interposto de decisão proferida no âmbito de uma carta precatória oriunda de um tribunal de 1ª instância sediado em distrito judicial diverso daquele em que se integra o tribunal deprecado. Questão similar já foi objecto de apreciação pelo STJ no acórdão, de 10 de Abril de 2002, no sentido de que é competente para apreciar o recurso o tribunal de relação com jurisdição no distrito judicial a que pertence o tribunal deprecado[1].     

            Em primeiro lugar, importa ter presente que, nos termos conjugados dos artigos 15º, nº 1, 19º, nº 1, e 21º, nº 1, da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro, os tribunais judiciais encontram-se hierarquizados, para efeitos de recurso, em consonância com as respectivas circunscrições territoriais, sendo que as decisões dos tribunais de 1ª instância estão submetidas à jurisdição recursória dos tribunais de relação do distrito judicial a que pertencem. Por sua vez, o artigo 88º do CPC determina que os recursos devem ser interpostos para o tribunal a que está hierarquicamente subordinado aquele de que se recorre.  

            No que respeita a decisões proferidas no âmbito de carta precatória, nos termos do preceituado no nº 1 do artigo 187º do CPC, é ao tribunal deprecado que compete regular, de harmonia com a lei, o cumprimento da carta, só a devolvendo depois de devidamente cumprida (princípio da integralidade do cumprimento da deprecada). Nessa medida, caberá ao juiz deprecado tomar as decisões que se imponham no âmbito desse cumprimento. O requerimento de interposição do recurso de tais decisões deve ser dirigido ao tribunal que as proferiu, nos termos do nº 1 do artigo 687º do CPC e tal interposição deve ser feita para o tribunal a que está hierarquicamente subordinado o tribunal deprecado, nos termos do já mencionado artigo 88º do CPC.

            Assim, o recurso da decisão proferida por um tribunal deprecado de distrito judicial diverso daquele a que pertence o tribunal deprecante deve ser interposto para o tribunal de relação do distrito judicial do tribunal deprecado, sob pena incompetência em razão da hierarquia, a qual é de conhecimento oficioso, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 110º com referência ao artigo 88º do CPC.

            No caso vertente, a decisão recorrida foi proferida pela Mmª Juíza do Tribunal de Santa Maria da Feira, na sua esfera de competência de juíza deprecada, pelo que era a ela que competia proferir despacho de sustentação ou de reparação do agravo e, no primeiro caso, mandar subir o recurso para o tribunal de relação a que está subordinada, que é o Tribunal da Relação do Porto.

            Consequentemente, a violação do referido factor de atribuição de competência em razão da hierarquia obsta ao conhecimento do recurso por parte deste Tribunal da Relação de Lisboa.

            4. Decisão

            Pelo exposto, decide-se :

a) - anular o despacho de sustentação de fls. 59 proferido pelo Mmº Juiz da 11ª Vara Cível de Lisboa;

            b) – ordenar a baixa dos autos à mesma Vara para que, por sua vez, os remeta ao Tribunal de Santa Maria da Feira, devidamente instruídos com os necessários elementos da carta precatória em causa, a fim de ser proferido despacho de sustentação ou reparação do agravo pelo Mmª Juiz deprecado e, em caso de não ser reparado o agravo, mandar subir o recurso para o Tribunal da Relação do Porto.

            Sem custas.

Lisboa, 3 de Março de 2008

Manuel Tomé Soares Gomes 

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[1] http://www.dgsi.pt, processo 01P4235 JSTJ000, relatado pelo Juiz Conselheiro Dias Bravo.