Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
893/13.1IDLSB.L1-5
Relator: SANDRA OLIVEIRA PINTO
Descritores: PRESCRIÇÃO DAS PENAS
SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/11/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: –Da natureza da suspensão da execução da pena de prisão como verdadeira pena autónoma, de substituição, decorre a sua necessária sujeição a prazo prescricional, autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída, sendo aquele prazo o de 4 anos a que se refere o artigo 122º, nº 1, alínea d), do Código Penal – que é o aplicável a todas as penas não contempladas nas três alíneas anteriores, que dispõem apenas sobre as penas de prisão.

–Nos casos de suspensão da execução da pena de prisão, concluído o período da suspensão, só a pendência de incidente por incumprimento dos deveres, regras de conduta ou do plano de readaptação (hoje, plano de reinserção), ou a pendência de processo por crime que possa determinar a sua revogação, poderão evitar a extinção da pena pelo decurso do período de suspensão (Art.º 57º, n.º 1, do C.P.), mas apenas enquanto não decorrer o prazo prescricional de 4 anos.


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I.–Relatório


No Processo Comum Singular nº 893/13.1IDLSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 13, em que é arguido AO (condenado por sentença datada de 27.04.2015, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo disposto no artigo 105º, nos 1, 2 e 4 do Regime Geral das Infrações Tributárias (outubro de 2011) na pena de 1 ano de prisão, e pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 105º, nos 1, 2 e 4 do RGIT (novembro e dezembro de 2012), com referência aos artigos 30, nº 2 e 79º, ambos do Código Penal, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão, e em cúmulo jurídico daquelas duas penas, na pena única de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com a condição de nesse período e imediatamente após o trânsito em julgado da sentença, nos termos do disposto no artigo 51º, nº 1, alínea c) do Código Penal, ex vi artigo 5º do RGIT, o arguido demonstrar nos autos todos os meses estar a cumprir com as obrigações de pagamento do plano que firmou com o fisco para pagamento da quantia em causa nos presentes autos e ainda em dívida), foi proferido, em 22.06.2021, o seguinte despacho:

DA PRESCRIÇÃO DA PENA APLICADA AO AUGUIDO

Por requerimento de 11/06, veio o arguido AO  invocar encontrar-se a pena em que foi condenado prescrita, requerendo, por tal, a sua declaração de extinção.

O Ministério Público pronunciou-se no sentido da não verificação da prescrição suscitada pelo arguido.

Cumpre apreciar e decidir.
Por sentença datada de 27/04/2015, transitada em julgado em 27/05/2015, foi o arguido, AO, condenado numa pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa por igual período, sujeita à obrigação de o arguido demonstrar todos os meses, durante 2 (dois) anos, estar a cumprir com a obrigação de pagamento do plano que firmou com o fisco para pagamento da quantia em causa nos presentes autos.

O artigo 122º, n.º 1, alínea c) do Código Penal, estabelece o prazo de prescrição de 10 anos para as penas iguais ou superiores a 2 anos de prisão, sendo que, estabelece, por sua vez, a al. d) deste mesmo artigo, ser o prazo de prescrição de 4 anos para os restantes casos não mencionados nas alíneas anteriores.

Mais prescreve, o n.º 2 daquele mesmo artigo, que o prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena.

O artigo 125º prevê os casos de suspensão do prazo de prescrição das penas, interessando-nos, no presente caso, a alínea a) desta disposição legal, segundo a qual a prescrição da pena se suspende durante o tempo em que por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar.

Assim, no caso de pena de prisão suspensa, há que contar o prazo da prescrição da pena substitutiva (pena suspensa) desde a data em que termina o período da suspensão, por até lá encontrar-se suspenso tal prazo.

O prazo de prescrição da pena suspensa inicia-se, portanto, neste caso, em 27.05.2017.

Aqui chegados, há que analisar, então, qual a alínea aplicável ao caso, se a al. c), destinada a penas de prisão iguais ou superiores a dois anos de prisão, que estabelece um prazo de prescrição de 10 anos, se a al. d), que estabelece um prazo de 4 anos para os restantes casos (que não são sejam penas de prisão concretamente superiores, portanto, a 10 anos de prisão (al. a)), iguais ou superiores a 5 anos de prisão (al. b)), ou, iguais ou superiores a 2 anos de prisão (referida al. c)).

Impõe-se por tal, e conforme suscitado pelo arguido, examinar a qual das alíneas se subsume uma pena de prisão suspensa na sua execução como a dos presentes autos.

Esta é uma questão que não o é pacífica em termos Jurisprudenciais.

No sentido, in casu, de à pena suspensa se aplicar o prazo de 10 anos, por força da duração da mesma, igual a 2 anos, veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-02-2018, disponível em www.dgsi.pt.

Conforme se pode ler neste Acórdão, Não se nos apresenta defensável a posição que, em abstracto, defende a aplicação do disposto na alínea d) do art. 122.º do CP (prazo de 4 anos) à pena de substituição (pena de suspensão da execução da pena de prisão)[3].Meter no mesmo caldeirão, da cit. alínea d), todas as penas de suspensão da execução da pena de prisão, que podem oscilar entre o prazo de 1 e 5 anos (art. 50.º, n.º 5 do CP--prazos de suspensão) e que, também, podem substituir penas de prisão até 5 anos (n.º 1 do cit. art. 50.º), é algo que pode contender, além do mais, com o próprio princípio da culpa[4]. Na referida alínea d) cabem todas as penas de prisão (inferiores a dois anos, suspensas ou não na sua execução, e penas de multa) não abrangidas nas alíneas anteriores.

Também se pode ver, defendendo a mesma posição, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 02/21/2019, disponível no mesmo sítio.

Por outro lado, e olhando a outras fontes Jurisprudenciais dos Tribunais Superiores, nota-se haver uma corrente prevalecente no sentido de subsumir as penas de prisão suspensas na sua execução à al. d) do artigo 122.º.

A tal subsunção presidem os argumentos de que a pena em causa se trata de uma pena de substituição autónoma que deve ser vista, precisamente, da perspetiva da substituição, sendo um caso específico de cumprimento de pena, dotado de autonomia, diferente da pena de prisão, não lhe sendo de aplicar os prazos de prescrição previstos nas al. a) a c), do referido artigo 122.º (vd. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/08/2017, disponível em www.dgsi.pt).

Entende-se, pois, que é, segundo este entendimento, de 4 anos o respetivo prazo de prescrição.

Como se pode ler no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06/16/2015, disponível no mesmo sítio: As penas de substituição constituem penas autónomas, a executar de imediato, em vez da pena principal, sendo elas mesmas susceptíveis de prescrição, se não forem cumpridas ou revogadas, o que vale tanto para multa de substituição e prestação de trabalho a favor da comunidade como para a pena suspensa, sendo o respectivo prazo prescricional de 4 anos – Art.º 122º, n.º 1, alínea d), do C.P. (…) Quer isto dizer que a pena suspensa prescreve se o processo estiver pendente 4 anos desde a data em que se completou o período de suspensão inicialmente fixado, sem que aquele prazo fosse prorrogado e sem que a suspensão tivesse sido revogada ou extinta nos termos do Art.º 57º, n.ºs 1 e 2 do supra mencionado Código.

Ora, pois bem, e perfilhando este Tribunal esta última posição, a qual se tem por mais consentânea com o tipo de pena em questão e com os próprios fins que a prescrição visa acautelar, tem-se que a pena suspensa em apreço se encontra prescrita, o que se verificou a 27/05/2021, não tendo ocorrido qualquer causa de suspensão ou de interrupção da prescrição (artigos 125.º e 126.º, Código Penal).
Atento o exposto, nos termos do artigo 122.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal, declara-se extinta, por prescrição, a pena de prisão de 2 anos suspensa na sua execução aplicada ao arguido AO nestes autos.
Notifique.
Remeta Boletim ao Registo Criminal.
Atenta a presente decisão, dá-se sem efeito a diligência agendada para o dia de amanhã, 23/06, pelas 09h30m.
Notifique e desconvoque pelo meio mais expedito.
DN.
Oportunamente, arquive-se.”

***

Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões:
I.-O presente recurso tem por objecto o douto despacho proferido nos autos em 22.06.2021, o qual declarou prescrita as penas de 2 anos de prisão suspensa na execução por igual período de tempo aplicadas aos arguidos.
II.-Com efeito, entendeu o Tribunal a quo estar em causa a al. d) do artigo 122º do C.Penal, que fixa em 4 anos o prazo prescricional das penas restantes,
III.- Quando é nosso entendimento que está em causa a al. c)[1] do cit. preceito, que fixa em 10 anos o prazo prescricional das penas iguais ou superiores a dois anos de prisão;
IV.-Tal interpretação que o Tribunal a quo faz da pena de substituição aplicada e respectivo prazo prescricional, não só viola a letra da lei, como cria entropias no sistema jurídico, desde logo se pensarmos numa pena de prisão de 5 anos suspensa na execução por igual período, que teria um prazo de prescrição inferior à própria pena aplicada.
V.-O Tribunal a quo baseia-se na classificação doutrinária da pena de prisão suspensa na execução como pena de substituição para fundamentar a aplicação da al. d) do artigo 122º do código penal, quando na verdade essa não é a intenção do legislador que apenas distingue entre penas privativas e não privativas da liberdade.
VI.-Declarar esta pena extinta e por prescrição, após a descoberta do sexto crime da mesma natureza cometido pelo arguido e este último no prazo de suspensão da pena que lhe foi aplicada nestes autos, não é fazer a devida justiça que o caso impõe.
Nestes termos e nos demais de direito aplicável, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o despacho de que ora se recorre ser revogado, decidindo V. Exas. pela não prescrição da pena em causa, determinando que o Tribunal a quo marque data para audição do arguido nos termos do artigo 495º do código de processo penal, com vista à apreciação da revogação ou não da suspensão da execução da pena de prisão de 2 [anos] aplicada ao arguido AO .”

***

O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, ao qual respondeu o arguido, concluindo:
1.-A pena de suspensão de execução da pena de prisão é uma pena de substituição autónoma, dotada de autonomia jurídica em relação à pena de prisão.
2.-Não pode ser procedente uma interpretação da lei que na sua letra não tenha um mínimo de correspondência verbal.
3.-O próprio artigo 122.º dispõe, claramente, que os prazos de prescrição de 10, 15 e 20 anos se aplicam a penas de prisão.
4.-Conforme ensinam M. Miguez Garcia e J.M. Castela Rio, Não pode deixar de dar-se razão à concepção vazada no Código Penal, aliás continuadora da tradição doutrinal portuguesa segundo a qual substituir a execução de uma pena de prisão traduz-se sempre em aplicar, na vez desta, uma outra pena”, Figueiredo Dias, 1993, p.89”.
5.-De acordo com os ensinamentos de Figueiredo Dias, A pena se suspensão de execução da prisão constitui entre nós a mais importante das penas de substituição.
6.-A suspensão da pena principal de prisão não é, de forma alguma, uma pena de prisão, mas, como já se disse, uma pena autónoma de substituição da pena de prisão.
7.-O prazo de prescrição da pena de suspensão da pena de prisão é de 4 anos, de acordo com o disposto no artigo 122.º, n.º 1, al. d), do Código Penal.
8.-Este entendimento é, de facto, unânime na jurisprudência portuguesa.
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o recurso ser julgado improcedente por não provado e, consequentemente, mantida a decisão recorrida.”

***

Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto aderiu aos fundamentos do recurso interposto pelo Ministério Público em 1ª instância, concluindo pelo respetivo provimento.
Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não tendo o arguido apresentado resposta.
Proferido despacho limiar e colhidos os “vistos”, procedeu-se a conferência.

***

II.–OBJETO DO RECURSO

Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, 1994, pág. 320, Simas Santos e Leal Henriques, Recursos Penais, 9ª ed., 2020, pág. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007, Processo nº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412º, nº 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»)

No caso, o objeto do recurso, tal como ressalta das respetivas conclusões, reconduz-se à questão de saber se a pena aplicada ao arguido AO  se encontra, ou não, prescrita – cabendo discutir se à pena de prisão suspensa na sua execução deve aplicar-se o prazo previsto na alínea c) do nº 1 do artigo 122º do Código Penal ou o prazo previsto na alínea d) daquele mesmo preceito legal.

***

III.–FUNDAMENTAÇÃO

Com interesse para a decisão, resulta dos autos que:
A)-AO foi condenado, por sentença datada de 27.04.2015, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo disposto no artigo 105º, nos 1, 2 e 4 do Regime Geral das Infrações Tributárias (outubro de 2011) na pena de 1 ano de prisão, e pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 105º, nos 1, 2 e 4 do RGIT (novembro e dezembro de 2012), com referência aos artigos 30, nº 2 e 79º, ambos do Código Penal, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão.
B)-Em cúmulo jurídico daquelas duas penas, foi o arguido condenado na pena única de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com a condição de nesse período e imediatamente após o trânsito em julgado da sentença, nos termos do disposto no artigo 51º, nº 1, alínea c) do Código Penal, ex vi artigo 5º do RGIT, o arguido demonstrar nos autos todos os meses estar a cumprir com as obrigações de pagamento do plano que firmou com o fisco para pagamento da quantia em causa nos presentes autos e ainda em dívida.
C)-A decisão condenatória transitou em julgado em 27.05.2015.
D)-Por ofício datado de 20.10.2017, foi o arguido notificado para comprovar os pagamentos mensais que tem efectuado em cumprimento do plano que firmou com a Autoridade Tributária, sendo certo que o seu cumprimento é condição para a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado – cf. refas Citius 370023171 e 370174054.
E)-O Serviço de Finanças Lisboa 4 informou, em 20.10.2017, que a última prestação paga pelo arguido ao abrigo do plano prestacional acordado com a Administração Fiscal (processo nº 504/13.5TYLSB) respeitava ao mês de março de 2015 (paga em abril de 2015), encontrando-se a correr dois processos de execução fiscal, com os nos 33012013301011588 (€ 8.837,86) e 3301201301021397 (€ 17.137,78) – cf. refª Citius 370174599.
F)-Em 14.12.2017, o Ministério Público promoveu que, em face do não cumprimento pelo arguido do plano prestacional junto da DGFinanças, se designasse data para a sua audição – art. 495º do CPPenal (cf. refª Citius 371794906), o que veio a ser feito por despacho datado de 19.12.2017, tendo sido designado o dia 10.01.2018 para o efeito (cf. refª Citius 371873451).
G)-Em 09.01.2018, o arguido atravessou nos autos o requerimento com a refª Citius 17488938, alegando ter procedido a pagamentos parciais da dívida para com a Administração Fiscal entre abril de 2015 e maio de 2017, e requerendo que se considerasse cumprida a condição da suspensão da execução da pena em que fora condenado.
H)-Em 10.01.2018, teve lugar a audição do arguido, nos termos que constam da ata com a refª Citius 372445627, na sequência da qual foi solicitada nova informação à Administração Fiscal (cf. refas Citius 372720874 e 374620024).
I)-Seguiram-se sucessivas informações (da Administração Fiscal) e notificações (ao arguido), bem como requerimentos do arguido reiterando ter cumprido a condição fixada na sentença (cf. refas Citius 18447572, 18843427, 24261321, 24276021, 24504921, 24744276, 25285069, 25598384, 27617396 e 27838321), até que, em 22.04.2021, o Ministério Público promoveu que se considerasse cumprida a referida condição e que, com vista à extinção da aludida pena, se solicitasse certificado de registo criminal atualizado do arguido (cf. refª Citius 404680469).
J)-Em 19.05.2021 foi junto aos autos novo certificado de registo criminal do arguido (refª Citius 405666436) e em 28.05.2021 certidão da sentença proferida em 03.03.2020, no processo nº 527/17.5IDLSB, do Juízo Local Criminal de Sintra (Juiz 2), transitada em julgado em 29.06.2020 (refª Citius 29395741), na qual se decidiu condenar o arguido AO, como autor material e na forma consumada, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal agravado, na forma continuada, previsto e punido, pelo artigo 105.º, ns.º 1, 2, 4, 5 e 7, do Regime Geral das Infracções Tributárias (“RGIT”), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05/06 e artigo 30.º, n.º 2, do Código Penal, aplicável ex vi do artigo 3.º, do RGIT, na pena de 4 (quatro) anos de prisão” e “suspender a pena de prisão aplicada por 5 (cinco) anos, a contar do trânsito em julgado da decisão, sujeita ao pagamento integral do montante apurado e ainda em dívida, tudo nos termos do disposto nos artigos 50.º, do Código Penal e 14.º, n.º 1, do RGIT – os factos apreciados nesse processo foram praticados entre o final de maio de 2016 e outubro de 2017.
K)–Por despacho datado de 02.06.2021 (refª Citius 406076287), foi designada data para a audição do arguido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 495º, nº 2 do Código de Processo Penal – diligência que o despacho recorrido viria a dar sem efeito.

***

Como acima se indicou, a questão fundamental em causa no recurso é a determinação do prazo de prescrição aplicável à pena em que o arguido AO foi condenado nestes autos, mantendo presente que se trata de uma pena única de 2 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo.

Importa, pois, ter em consideração o tipo de pena em causa, sabido que é que a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos previstos no artigo 50º, nº 1 do Código Penal, deve ocorrer quando o Tribunal,atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição– constituindo-se, então, como pena distinta, autónoma, da pena de prisão aplicada a título principal.

Na verdade, como se referiu no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04.06.2008 (no processo nº 63/96.1TBVLF.C1, Relator: Des. Jorge Gonçalves, disponível em www.dgsi.pt), cuja exposição, pela sua clareza, seguiremos de perto: “Traduzindo-se na não execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos (não superior a 5 anos, actualmente, com a revisão do Código Penal operada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro), entendemos, com o apoio da melhor doutrina, que a suspensão constitui uma verdadeira pena autónoma (com elementos relevantes sobre a natureza de pena autónoma, de substituição, da pena suspensa, veja-se o Acórdão da Relação de Évora, de 10.07.2007, Proc. n.º 912/07-1, www.dgsi.pt).

Já assim se devia entender face à versão originária do Código Penal de 1982, como se infere das discussões no seio da Comissão Revisora do Código Penal, em que a suspensão da execução da pena, sob a designação de sentença condicional ou condenação condicional (que no projecto podia assumir a modalidade de suspensão da determinação concreta da duração da prisão ou de suspensão da execução total da pena concretamente fixada) figurava como uma verdadeira pena, ao lado da prisão, da multa e do regime de prova, no art. 47.º do projecto de 1963, que continha o elenco das penas principais.

No seio da Comissão, o Prof. Eduardo Correia, autor do projecto do Código Penal, teve a oportunidade de sustentar o carácter autónomo, de verdadeiras penas, da sentença condicional e do regime de prova, contrariando o entendimento de que seriam institutos especiais de execução da pena de prisão (Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, Separata do B.M.J. Tem particular interesse a discussão travada na 17:ª sessão, de 22 de Fevereiro de 1964, e bem assim na 22.ª sessão, de 10 de Março).

O Prof. Figueiredo Dias, a propósito do projecto de 1963 e do Código Penal de 1982, recorrendo a algumas expressões que haviam sido utilizadas na discussão travada na Comissão Revisora, assinalou: «(…) as “novas” penas, diferentes da de prisão e da de multa, são “verdadeiras penas” – dotadas, como tal, de um conteúdo autónomo de censura, medido à luz dos critérios gerais de determinação da pena (art.º 72.º) -, que não meros “institutos especiais de execução da pena de prisão” ou, ainda menos, “medidas de pura terapêutica social”. E, deste ponto de vista, não pode deixar de dar-se razão à concepção vazada no CP, aliás continuadora da tradição doutrinal portuguesa segundo a qual substituir a execução de uma pena de prisão traduz-se sempre em aplicar, na vez desta, uma outra pena» (Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Aequitas-Editorial Notícias, 1993, p. 90).

O mesmo autor, definindo a suspensão da execução da pena de prisão como “a mais importante das penas de substituição” (e estas são, genericamente, as que podem substituir qualquer das penas principais concretamente determinadas), chama a atenção para o facto de, segundo o entendimento dominante na doutrina portuguesa, as penas de substituição constituírem verdadeiras penas autónomas (cfr. ob. cit., p. 91 e p. 329). Nas suas palavras, «a suspensão da execução da prisão não representa um simples incidente, ou mesmo só uma modificação da execução da pena, mas uma pena autónoma e, portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição» (cfr. ob. cit., p. 339).

A revisão do Código Penal, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, reforçou o princípio da ultima ratioda pena de prisão, valorizou o papel da multa como pena principal e alargou o âmbito de aplicação das penas de substituição, muito embora não contemple, como classificações legais, as designações de «pena principal» e de «pena de substituição».

A classificação das penas como principais, acessórias e de substituição continua a ser válida e operativa, ainda que a lei não utilize expressamente estas designações, a não ser no tocante às penas acessórias. Assim, do ponto de vista dogmático, penas principais são as que constam das normas incriminadoras e podem ser aplicadas independentemente de quaisquer outras; penas acessórias são as que só podem ser aplicadas conjuntamente com uma pena principal; penas de substituição são as penas aplicadas na sentença condenatória em substituição da execução de penas principais concretamente determinadas.”

As penas de substituição, com destaque para a suspensão da execução da pena de prisão – que é a que agora nos ocupa – possuem um regime legal próprio, quer nas circunstâncias suscetíveis de fundamentar a sua aplicação, quer no que se refere à respetiva execução – cf. artigos 50º a 57º do Código Penal e 492º a 495º do Código de Processo Penal – o que vem sublinhar a sua natureza de verdadeiras penas, com autonomia relativamente às penas previstas como penas principais (as penas de prisão e de multa).

Como esclarecedoramente se aponta no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10.07.2007 (no processo nº 912/07-1, Relator: Des. António Latas, acessível em www.dgsi.pt), “Das modalidades e aspectos do regime da suspensão da execução da pena de prisão ora referidos (e outros apenas mencionados infra, que não cabe desenvolver aqui), podemos concluir pela qualificação da pena suspensa como verdadeira pena, atendendo, em síntese, às seguintes razões:
1.–A pena de suspensão da execução da pena de prisão ou pena suspensa é uma pena de substituição do ponto de vista dogmático, pois é necessariamente aplicada na sentença condenatória em substituição da execução da pena de prisão concretamente determinada, de acordo com critérios gerais estabelecidos na parte geral do C. Penal;
2.–A pena suspensa tem o seu próprio campo de aplicação, determinado na lei, e um conteúdo político-criminal próprio, ainda que complexo;
3.–A pena suspensa dispõe de conteúdo e regime individualizados, os quais apresentam razoável complexidade e diversidade, podendo assumir várias modalidades;
4.–Respeitando à questão da determinação da sanção (cfr. arts. 369º a 371º, do CPP) como as demais penas de substituição, a aplicação da pena suspensa implica a sua escolha – entre as demais penas de substituição eventualmente aplicáveis – e a determinação concreta, quer do período de suspensão, quer da modalidade adequada ao caso concreto, decisões que devem ser fundamentadas. – Cfr arts. 50º nº4 do C. Penal e 375º nº1 do CPP;
5.–O capítulo II do Título III do Livro X do CPP dedicado às Execuções, regula a execução da pena suspensa em diversos aspectos o que, para além do mais, sempre representaria um argumento de ordem literal e sistemática a favor da consideração da pena suspensa como pena autónoma.
6.–A pena suspensa distingue-se, dogmaticamente, das penas de substituição na execução previstas nos arts 49º nºs 3 e 4 e 59º nº6 b), bem como de incidentes surgidos na fase de execução da pena prisão, como seja a suspensão da execução a que reportam os art. 457º (recurso de Revisão) e 473º, do CPP, ou casos de modificação da execução da pena de prisão de condenados afectados por doença grave e irreversível, mesmo quando a modificação possa ser decidida pelo tribunal de condenação, nos termos do art. 6º da Lei 36/96 de 29 de Agosto”.

Em coerência com esta autonomia – que temos por estabelecida – e vistos os moldes em que se articulam a determinação da pena de prisão aplicada a título principal e da pena de substituição correspondente à comummente designada «pena suspensa» (penas que, atualmente, após as alterações introduzidas no artigo 50º pela Lei nº 94/2017, de 23 de agosto, podem ter – e com regularidade têm – durações distintas[2]), no quadro das finalidades assinadas à estatuição de penas, cujo núcleo essencial se inscreve na proteção de bens jurídicos e na prevenção da prática de futuros crimes, e também das específicas circunstâncias suscetíveis de justificar a suspensão da pena de prisão, não sendo demais sublinhar que a aplicação de tal pena de substituição tem necessariamente de assentar num juízo de prognose favorável no sentido de que a mesma se mostrará adequada e suficiente a assegurar aquelas finalidades, estabelecido em função da personalidade do agente, das suas condições de vida, conduta anterior e posterior ao crime e circunstâncias deste (artigo 50º, nº 1 do Código Penal), justifica-se igualmente que para uma e outra penas se estabeleçam regimes prescricionais próprios, atendendo não apenas à natureza das referidas penas, mas também à compatibilização dos respetivos modos de execução – sabido que é que, sendo uma aplicada a título principal e outra enquanto pena de substituição, por isso coexistindo, em certo sentido, na mesma decisão, as duas não serão executadas em simultâneo.

Na verdade, embora na sentença condenatória seja desde logo fixada a pena de prisão aplicada a título principal, a pena cuja execução se inicia imediatamente após o trânsito em julgado daquela decisão é a suspensão da execução da pena de prisão, que aliás se cumpre com o simples decurso do tempo (independentemente do acatamento de deveres ou regras de conduta por parte do condenado ou da elaboração e homologação do respetivo plano de reinserção social). E, por outro lado, se não for revogada a suspensão da execução da pena de prisão, ou enquanto o não for, não pode iniciar-se o cumprimento da pena de prisão. 

Em consequência, o prazo de prescrição da pena de prisão só pode começar a correr após o trânsito em julgado da decisão que revogar a suspensão da execução da pena, como decorre do disposto no artigo 125º, nº 1, alínea a) do Código Penal – posto que até esse momento aquela pena não pode ser executada.

Retomando o raciocínio exposto no já citado acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04.06.2008[3], que nesta matéria faz eco do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10.07.2007 (também citado), partindo da compreensão da suspensão da execução como verdadeira pena de substituição, só com a decisão que revogue a pena substitutiva e determine a execução da prisão se inicia o prazo de prescrição desta pena principal.

Realmente, lê-se neste aresto: «não obstante a pena principal ser fixada definitivamente na sentença condenatória e, nessa medida, poder afirmar-se que, do ponto de vista da escolha e determinação concreta da pena (cfr. arts. 369.º a 371.º do CPP), a mesma é aí aplicada, não pode dizer-se que a sentença condenatória aplicou a pena de prisão para efeitos da sua execução, uma vez que a sua substituição por outra pena privou-a desse efeito-regra, o qual só virá a ser-lhe eventualmente reconhecido por nova decisão judicial, pois a eventual revogação de pena de substituição não ocorre ope legis em caso algum.»

E acrescenta: «Assim, nos casos de substituição não pode falar-se, para todos os efeitos, de aplicação da pena principal na sentença condenatória, pois só o trânsito em julgado de nova decisão judicial que revogue a pena de substituição pode determinar a execução da pena principal. Consequentemente, o dies a quo do prazo prescricional da pena principal, nos termos do art. 122.º n.º 2 do C. Penal, ocorre com esta última decisão e não com a decisão condenatória, nos casos em que é substituída por pena de substituição.»

Estas observações, que temos como inteiramente correctas, permitem-nos concluir que só com a decisão que revogue a pena substitutiva de suspensão e determine a execução da prisão se inicia o prazo de prescrição desta pena principal.

Assim, tendo por referência o caso dos autos, se é claro que o prazo prescricional aplicável à pena de prisão fixada em dois anos é de 10 anos (cf. artigo 122º, nº 1, alínea c) do Código Penal), é também inequívoco que tal prazo não se encontrava em curso durante o período de suspensão da execução da pena – e não se iniciaria a não ser que aquela pena de substituição viesse a ser revogada.

A suspensão da execução da pena de prisão, no entanto, iniciou-se após o trânsito em julgado da sentença condenatória, tendo decorrido o período de tempo na mesma fixado (o que ocorreu entre 27.05.2015 e 27.05.2017), sem que, nesse lapso de tempo, tivesse sofrido qualquer modificação ou revogação.

Porém, como já se referiu, o simples decurso do período de suspensão não importa, só por si, a extinção daquela pena, já que a lei impõe que se proceda a uma avaliação sobre o eficaz acautelamento das finalidades da punição – no fundo, sobre se o juízo de prognose favorável inicialmente formulado se mostrou ou não fundado – o que, desde logo, impõe averiguar se foram cometidos pelo condenado novos crimes, no período da suspensão, que constituam demonstrativo de que aquelas finalidades não foram alcançadas, reclamando o efetivo cumprimento da pena de prisão aplicada a título principal (cf. artigo 57º do Código Penal).

Note-se que, como refere Paulo Pinto de Albuquerque[4], “A condenação pelo crime em processo pendente pode ter lugar durante o período da suspensão ou depois do fim do período de suspensão, se o processo criminal já estiver pendente à data em que finda o período de suspensão e o incidente de revogação tiver ficado suspenso até à decisão final do processo criminal (artigo 57º, nº 2). Isto é, só depois do trânsito da decisão condenatória ela pode ser tida em conta para o efeito da revogação da suspensão, por força do princípio da presunção de inocência [acórdão do TEDH Böhmer v. Alemanha e Miguez Garcia e Castela Rio[5], 2014: 334, anotação 1ª al c) ao artigo 56º]”; e, por outro lado, “Caso se encontre pendente processo criminal por factos ocorridos no decurso da suspensão, o tribunal que aplicou a pena de suspensão deve ordenar a suspensão do incidente de revogação da suspensão até que seja proferida decisão final no dito processo”[6].

Ora, é precisamente neste momento – após a execução traduzida no decurso do período de suspensão fixado na sentença – que se mostra curial considerar a existência de um prazo de prescrição da pena de substituição.

Na verdade, como salientou o Tribunal da Relação de Évora, em acórdão de 25.10.2003 (no processo nº 2281/03-1, Relator: Des. Alberto Borges, disponível em www.dgsi.pt), em lado nenhum se estabelece qualquer limite temporal até ao qual pode ser revogada a suspensão da execução da pena, designadamente nos artigos 56º e 57º do Código Penal, a não ser o eventual decurso do prazo de prescrição da pena, pois estas (as penas) estão sujeitas a prazos de prescrição[7].

O que significa, afinal, que o condenado não pode ficar, indefinidamente, à espera que se declare a extinção da sua pena ou que a pena de substituição seja revogada, aguardando ad aeternum que o tribunal se decida, finalmente, num ou noutro sentido.

Entendemos, pois, em linha com a jurisprudência que vimos citando, que da natureza da suspensão da execução da pena de prisão como verdadeira pena autónoma, de substituição, decorre a sua necessária sujeição a prazo prescricional, autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída, sendo aquele prazo o de 4 anos a que se refere o artigo 122º, nº 1, alínea d), do Código Penal – que é o aplicável a todas as penas não contempladas nas três alíneas anteriores, que dispõem apenas sobre as penas de prisão.

Como se escreveu no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 16.06.2015 (já citado), “nos casos de suspensão da execução da pena de prisão, concluído o período da suspensão, só a pendência de incidente por incumprimento dos deveres, regras de conduta ou do plano de readaptação (hoje, plano de reinserção), ou a pendência de processo por crime que possa determinar a sua revogação, poderão evitar a extinção da pena pelo decurso do período de suspensão (Art.º 57º, n.º 1, do C.P.), mas apenas enquanto não decorrer o prazo prescricional de 4 anos” (neste sentido, também, o acórdão deste mesmo Tribunal da Relação de Lisboa de 22.01.2019, no processo nº 29/11.3IDLSB-A.L1-5, Relator: Des. Luís Gominho, também disponível em www.dgsi.pt).

Não subscrevemos, pois, o entendimento plasmado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.02.2018 (no processo nº 125/97.8IDSTB-A.S1, relatado pelo Conselheiro Vinício Ribeiro[8]) e acompanhado no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 21.02.2019 (no processo nº 387/07.4PEAMD.L1-9, relatado pelo Desembargador Abrunhosa de Carvalho), ambos acessíveis em www.dgsi.pt – de cuja argumentação, de resto, parece resultar ter sido desconsiderada a circunstância de o decurso do prazo de prescrição da pena de suspensão da execução da pena de prisão não correr enquanto aquela estiver a ser cumprida, ou seja, durante o período de suspensão fixado.

Muito embora não deixemos de concordar com o referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, quando afirma que “Uma pena só é de substituição enquanto subsiste, enquanto substitui. A partir do momento em que é revogada (é a hipótese a considerar nestes autos), estamos perante uma pena de prisão pura e simples, isto é, perante a pena substituída”, já não podemos aceitar a argumentação expendida no sentido de que a alínea d) do nº 1 do artigo 122º do Código Penal apenas abrange as penas de prisão inferiores a dois anos, sejam elas suspensas ou efetivas, já que tal posição se mostra ancorada na noção de que a «suspensão da pena» é apenas um modo de execução da pena de prisão – a qual, como cremos ter deixado claro, é de rejeitar face à dogmática que enforma o nosso Código Penal.

Ademais, salvo melhor opinião, a posição sustentada nestes dois acórdãos deixa por resolver a questão de determinar o prazo de prescrição quando a pena de prisão aplicada a título principal seja menor que a pena de substituição – imagine-se, p.ex., uma pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de cinco anos (hipótese, aliás, de verificação altamente provável) – nos casos em que não é proferida decisão de revogação da suspensão da pena, mas também não é declarada extinta a pena de substituição (o que, a não se tomar posição quanto ao decurso do prazo de prescrição, poderia levar a que o processo se mantivesse pendente indefinidamente – ou, aplicando o raciocínio exposto no citado aresto, teríamos a considerar um prazo de prescrição de 15 anos para a pena de substituição e um prazo de 10 anos para a pena principal…).

Posto isto, vejamos se a pena de suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos autos – e que não foi revogada – deve, ou não considerar-se prescrita.

Como se referiu acima, a sentença condenatória foi proferida no dia 27 de abril de 2015, não tendo sido objeto de recurso, pelo que transitou em julgado em 27 de maio desse mesmo ano.

A execução da pena suspensa e o respetivo período de suspensão iniciaram-se com o trânsito em julgado da sentença condenatória, conforme resulta do artigo 50º, nº 5 do Código Penal – tendo decorrido entre 27.05.2015 e 27.05.2017.

Apenas em 20.10.2017 (data em que o condenado foi notificado para comprovar o cumprimento do plano de pagamentos acordado com a Administração Fiscal que constituiu condição da suspensão) pode considerar-se iniciado incidente relativo ao incumprimento de deveres; e só muito mais tarde, em 28.05.2021, veio a ser junta aos autos certidão da decisão proferida no processo nº 527/17.5IDLSB (no qual o arguido foi condenado, em pena suspensa, por factos praticados durante o período da suspensão), sendo certo que aquela decisão se achava transitada desde 29.06.2020.

Conclui-se, pois, que o prazo prescricional de 4 anos se completou em 27.05.2021, não se verificando, após 27.05.2017, qualquer causa de interrupção ou suspensão da prescrição: a pendência do processo criminal no qual o arguido foi julgado posteriormente ao trânsito em julgado da sentença proferida nestes autos não se acha legalmente configurada como causa de suspensão ou interrupção nos artigos 125º e 126º do Código Penal (a lei apenas prevê que a conclusão do incidente de revogação deve aguardar o trânsito em julgado da decisão da proferir naquele segundo processo[9], o que, como vimos, no caso dos autos ocorreu antes de decorrido o mencionado prazo prescricional), pelo que a pena de suspensão da execução da pena de prisão pelo período de 2 anos aplicada ao arguido AO  deve considerar-se prescrita.

Ensina Paulo Pinto de Albuquerque[10] que “A prescrição da pena e da medida de segurança é um pressuposto negativo da punição. Tendo decorrido um prazo longo desde o trânsito em julgado da sentença que impõe uma pena ou medida de segurança sem que se inicie a respetiva execução, esfuma-se a carência de pena e, com ela, as necessidades de prevenção especial e geral da punição”. É o que sucede no caso dos autos, diremos, acrescentando que se afigura inteiramente justificado que a pena de substituição, cuja aplicação assentou num juízo de desnecessidade do efetivo cumprimento de uma pena privativa da liberdade, esteja sujeita a um prazo de prescrição mais curto do que o previsto para a pena de prisão fixada a título principal (o qual só teria aplicação se a suspensão da pena fosse, em devido tempo, revogada).

É esta, como cremos ter deixado claro, a solução que resulta da letra da lei – recordamos que as alíneas a) a c) do nº 1 do artigo 122º do Código Penal se reportam, expressamente, a penas de prisão, categoria em que não se inclui a pena suspensa, que assume carácter não detentivo – e é também a que se mostra axiologicamente conforme com a arquitetura das penas de substituição previstas no nosso sistema penal.

***

III.–Decisão:

Pelo exposto, acordam os juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.
Sem custas, por delas estar isento o recorrente.




Lisboa, 11 de janeiro de 2022




(texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)



Sandra Oliveira Pinto
José Manuel Simões de Carvalho



[1]Retificado em conformidade com o parecer do Ministério Público nesta Relação, sendo evidente a existência do lapso de escrita apontado.
[2]Não assim, porém, na redação em vigor à data da decisão condenatória. Como escreve Paulo Pinto de Albuquerque (em anotação ao artigo 50º, no Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição atualizada, Universidade Católica Portuguesa, 2021, pág. 334), “A Lei nº 59/2007 estabeleceu que o período de suspensão da execução da pena de prisão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença condenatória, mas nunca inferior a um ano (justamente críticos em relação a esta solução, António Latas, 2008: 115, Jorge Gonçalves, 2008: 27, André Leite, 2009a: 595, fazendo menção à minha crítica logo na reunião da UMRP, de 15.12.2005, e ainda Boaventura Sousa Santos  e Outros, 2009a: 501, reportando os problemas criados) (…) A Lei nº 94/2017, de 23.8, fixou o período de suspensão da execução da pena de prisão entre um e cinco anos, regressando à solução que vigorou até à revisão de 2007 do Código Penal. O propósito do legislador de 2017 foi o de «dissociar o tempo da pena de suspensão do tempo da pena de prisão e a reafirmar o princípio de que este deve ser determinado em função da culpa e das finalidades consignadas às penas» (Proposta de lei nº 90/XIII)”.
[3]E também no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 16.06.2015, no processo nº 1845/97.2PBCSC.L1-5, relatado pelo Desembargador Simões de Carvalho, que assina a presente decisão como Adjunto – disponível, como os demais citados, no endereço eletrónico www.dgsi.pt.
[4]Comentário..., anotação ao artigo 56º, pág. 345.
[5]Código Penal Anotado, Parte geral e especial com notas e comentários, Coimbra: Almedina.
[6]Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário…, anotação ao artigo 57º, nº 2, págs. 346-347.
[7]Com efeito, para além dos casos previstos na Lei nº 31/2004, de 22 de julho (crimes de genocídio, contra a humanidade e de guerra), não existem penas imprescritíveis.
[8]Embora se deva referir que, no acórdão em questão, o que estava em causa era o cumprimento da pena de prisão fixada a título principal, por já ter transitado em julgado a decisão que revogara a suspensão da execução da pena de prisão (o que ocorrera, na verdade, antes de completado o prazo de prescrição da pena de substituição) – pelo que a situação tida em vista, ao contrário do que poderia parecer, não é transponível para o caso dos presentes autos.
[9]O que, em abstrato, poderia configurar-se como suspensão final do prazo de prescrição, caso este se completasse na pendência do aludido incidente – construção jurídica que, no entanto, não cabe aqui discutir, posto que, como se disse, aquela segunda decisão condenatória já se achava transitada em julgado antes do esgotamento do prazo prescricional, pelo que nada obstava a que o incidente de revogação se concluísse dentro daquele prazo.
[10]Comentário…, anotação ao artigo 122º, pág. 529.