Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | NUNO COELHO | ||
Descritores: | SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO JUIZO DE PROGNOSE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/04/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | A suspensão da execução da pena de prisão, como pena de substituição com objectivo primeiro de evitar a efectivação da pena de prisão. Face à natureza de ultima ratio que esta pena assume, não deixa de estar vinculada às finalidades que o Art.º 40.º do Código Penal estabelece como critério fundamental na aplicação das penas. A decisão do tribunal, qualquer que ela seja, exige uma fundamentação específica, devendo explicitar as razões do juízo de prognose (positivo ou negativo) que formule quanto ao mencionado comportamento futuro do . É neste juízo de prognose – previsão sobre o comportamento futuro do arguido - que assenta essencialmente a especificidade desta pena e na razão de ser das suas virtualidades no leque de penas não detentivas substitutivas da prisão. Há que ponderar toda a factualidade que envolve: (i) a personalidade do arguido; (ii) as condições da sua vida; (iii) a sua conduta anterior e posterior ao crime; e (iv) as circunstâncias do crime. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 3.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO Nestes autos foi o arguido HC... condenado, como autor e em concurso efectivo, pela prática de um crime de injúria agravada, p. e p. nos Art.ºs 181.º n.º 1, 184.º, por referência ao Art.º 132.º n.º 2 al. l), todos do Código Penal, na pena de 3 (três) meses de prisão, e de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada, p. e p. nos Art.ºs 22.º, 23.º, 73.º, 143.º e 145.º n.ºs 1, al. a) e 2, com referência ao Art.º 132.º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão. Realizado o cúmulo jurídico, foi o mesmo arguido HC... condenado na pena única de 12 (doze) meses prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, com regime de prova (cfr. Art.ºs 50.º e 53.º, ambos do Código Penal). Não se conformando com esta sentença recorreu o Ministério Público para este tribunal da Relação, concluindo a sua motivação nos seguintes moldes: 1- Nestes autos, e na procedência da acusação contra ele deduzida, foi o arguido HC... condenado, pela prática, como autor material e em concurso efectivo, de um crime de injúria agravada, previsto e punido pelos artigos 181.º, n.º 1 e 184.º do Código Penal, na pena de 3 meses de prisão e de um crime de ofensa à integridade física na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º, 73.º, 143.º e 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão. 2- Operando o cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 12 (doze) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, com regime de prova. 3- Porém, tendo presente a teoria geral das finalidades das penas que enforma o nosso Direito Penal e a moldura abstracta da pena de prisão aplicável ao crime de ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada, pelo qual o arguido foi condenado nestes autos, uma rigorosa aplicação dos critérios de determinação da medida da pena enunciados no art.º 71.º do Código Penal imporá uma sensível agravação da pena de prisão feita corresponder a esse crime, ponderado que seja que: - no que respeita à culpa do arguido a mesma é de grau elevado, na medida em que o arguido agiu com dolo directo (modalidade mais intensa); - as exigências de prevenção geral positiva são, no caso, elevadas, atenta a crescente frequência com que são praticados ilícitos criminais que atentam contra a integridade física de agentes de autoridade. Por conseguinte, o mínimo de pena imprescindível ao restabelecimento da confiança colectiva na validade e vigência da norma violada situa-se consideravelmente acima do limite mínimo da moldura penal; - no plano da prevenção especial mostra-se necessária uma resposta punitiva que promova uma eficaz recuperação do arguido, prevenindo efectivamente a prática de comportamentos da mesma natureza, fazendo-lhe sentir a antijuridicidade e gravidade da sua conduta, visto que, conforme se retira da fundamentação da matéria de facto aduzida na sentença recorrida, o arguido não confessou os factos e demonstrou em audiência de julgamento não ter interiorizado de forma adequada o desvalor da sua conduta. Acresce que também não manifestou qualquer tipo de arrependimento, nem tão pouco resultou ter tomado alguma iniciativa, após os factos, no sentido de reparar o mal causado às vítimas, dirigindo-lhes, nomeadamente, um pedido de desculpas. Os antecedentes criminais do arguido evidenciam também claramente que são elevadas as exigências de prevenção especial que se fazem sentir. Com efeito, à data dos factos ora em apreço, o arguido já havia sofrido uma condenação por factos de elevadíssima gravidade, ocorridos em 11 de Março de 2014, pela prática de crimes que, entre outros, tutelam precisamente o mesmo bem jurídico que um dos crimes por que ora foi condenado nestes autos (ofensa à integridade física qualificada), tendo-lhe sido aplicada uma pena de 3 anos de prisão suspensa com regime de prova por Acórdão transitado em julgado em 5 de Maio de 2015 (cfr. Acórdão de fls 62 a 121). É precisamente no decurso deste período de suspensão que o arguido praticou os factos pelos quais foi condenado nestes autos, sendo certo que no período da suspensão também já havia praticado um outro crime de condução sem habilitação legal, pelo qual foi condenado por sentença transitada em julgado em 22 de Setembro de 2015; - dentro do tipo de ilícito cometido, é acentuada a gravidade objectiva/ilicitude da conduta do arguido, não só por ter sido cometida contra agentes de autoridade, como também pela forma gratuita (absolutamente imotivada) com que o arguido praticou os factos dados como provados na sentença. Acresce que, nem da matéria de facto dada como provada, nem da prova efectivamente produzida se retira que o arguido estivesse perturbado ou sob influência do álcool aquando da prática dos factos, pelo que tão-pouco se verifica qualquer mitigação da gravidade da conduta do arguido conforme refere o Tribunal a quo na fundamentação da medida da pena (fls. 137, 4.º parágrafo). 4- Todos os factores enunciados, de onde avultam as elevadas exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir (e não esquecendo as condições pessoais do arguido dadas como provadas na sentença e evidenciadas no relatório social de fls. 122 a 124, de onda resulta que se encontra inserido num meio social desviante, que tem beneficiado de um registo permissivo e desculpabilizante por parte do núcleo familiar em que se insere e que apresenta lacunas importantes ao nível das competências pessoais, nomeadamente falta de pensamento crítico e consequencial, falta de motivação para a mudança e dificuldade de autorregulação emocional e controle da impulsividade), impunham que se situasse a medida concreta da pena de prisão aplicada ao crime de ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada, acima do meio da moldura penal abstractamente aplicável, parecendo-nos adequada uma pena de 1 (um) ano e 5 (cinco) meses de prisão, com o consequente agravamento da pena única (resultante do cúmulo jurídico com a pena aplicada ao crime de injúria agravada) para, pelo menos, 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão. 5- Tanto mais que, no que se refere ao crime de injúria agravada (relativamente ao qual o arguido não tinha ainda antecedentes), o Tribunal aplicou ao arguido uma pena de 3 meses de prisão, ou seja, acima do meio da pena, usando de semelhante critério na determinação da medida concreta da pena única (também aplicada acima do meio da moldura abstracta). 6- Ao aplicar uma pena de 10 (dez) meses de prisão ao arguido pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º, 73.º, 143.º e 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal, o Tribunal a quo violou o estatuído nos artigos 40.º, n.º 1 e 71.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal. 7- Acresce que, uma rigorosa aplicação dos critérios legais de determinação da natureza da pena a aplicar, enunciados nos artigos 40.º, n.º 1, 50.º, n.º 1 e 70.º do Código Penal, imporá a aplicação ao arguido de uma pena de prisão efectiva, ponderados que sejam os seguintes aspectos (repisando-se alguns dos que já foram focados acima): - Dentro do tipo de crime pelo qual foi condenado é acentuada a ilicitude da conduta do arguido, não só por ter sido cometida contra agentes de autoridade, como também pela forma gratuita e imotivada com que o arguido praticou os factos dados como provados na sentença. Acresce que, nem da matéria de facto dada como provada, nem da prova efectivamente produzida se retira que o arguido estivesse perturbado ou sob influência do álcool aquando da prática dos factos, pelo que tão-pouco se verifica qualquer mitigação da gravidade da conduta do arguido conforme refere o Tribunal a quo a fls 137, 4.º parágrafo; - O arguido agiu com dolo, na modalidade mais intensa, i.e., dolo directo; - São muito elevadas, por tudo quanto já se disse acima, as necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, destacando-se a circunstância de ter sido precisamente no decurso do período de suspensão de uma pena de prisão de 3 anos aplicada por Acórdão transitado em 5 de Maio de 2015 (pela prática de, entre outros ilícitos muito graves e com uma imagem global muito negativa, um crime de ofensa à integridade física qualificada), que o arguido praticou os factos pelos quais foi condenado nestes autos, evidenciando, assim, que essa anterior pena de prisão suspensa na sua execução com regime de prova não surtiu qualquer efeito útil. - O arguido compareceu a julgamento mas, confrontado com os factos de que vinha acusado, negou-os, apresentando uma versão que visou desresponsabilizar-se dos ilícitos por que foi condenado, revelando não ter interiorizado o desvalor da sua conduta. Inexiste, por conseguinte, qualquer conduta objectiva de onde se possa inferir o seu arrependimento. - O arguido mantém-se profissionalmente desinserido há vários anos e nenhum esforço faz para encontrar ocupação laboral. - O arguido convive com pares desviantes, inserindo-se num meio social conotado com problemas de delinquência e marginalidade, tem beneficiado de um registo permissivo e desculpabilizante por parte do núcleo familiar em que se insere e não evidencia qualquer motivação para a mudança, tendo dificuldade de autorregulação e controle da impulsividade. - Conforme se retira do teor do relatório social de fls. 122 a 124, “os presentes autos não tiveram repercussões negativas na vida do arguido, sendo de registar a dificuldade do mesmo em fazer uma leitura crítica e de responsabilização da situação e enveredar, pelo contrário, por uma linha de vitimização.” 8- Pese embora a sua jovem idade (única circunstância apontada na sentença que, in casu, com inteiro rigor, nos parece militar a favor do arguido), foi esse já um dos factores que, há cerca de 2 anos atrás (tinha o arguido 18 anos) foi decisivamente tido em conta no âmbito do processo comum colectivo n.º 177/14.8PEOER, quando se decidiu conceder-lhe o benefício da suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado (cfr. fls. 111). 9- Decorridos dois anos desde o trânsito em julgado da anterior condenação (e sendo o arguido, consequentemente, dois anos mais velho), e pese embora o juízo de prognose favorável formulado pelo Tribunal da anterior condenação, o arguido manteve-se a ele indiferente, reiterando na prática de ilícitos da mesma natureza, ainda para mais contra agentes da autoridade pública, manifestando assim um absoluto desprezo relativamente à actuação do Estado e da justiça em particular. 10- Denota-se, assim, uma sua incontornável tendência para a delinquência. 11- O passado criminoso do arguido e a reiteração na ofensa ao mesmo bem jurídico, demonstram claramente, que a suspensão da execução da pena de prisão com regime de prova que lhe foi aplicada não é suficiente para assegurar as elevadas exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, e que não é possível, nos termos do artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal, fazer um juízo favorável quanto à sua capacidade de se conformar com o Direito e com os valores por ele tutelados. 12- Apesar da oportunidade que lhe foi concedida para emendar a sua conduta e dar um novo rumo à sua vida mediante o cumprimento de uma pena de prisão suspensa na sua execução com regime de prova, o arguido não a soube aproveitar, mantendo-se na senda da actividade delituosa e persistindo em revelar uma absoluta desconsideração pelos bens jurídicos tutelados pela norma incriminadora pela qual foi condenado nestes autos. 13- Apenas a execução efectiva da pena de prisão será adequada à satisfação das finalidades da punição que no caso se fazem sentir, sendo a única solução punitiva adequada a prevenir de forma eficaz o cometimento de novos crimes por parte do arguido e, acima de tudo, a garantir a reposição da confiança da comunidade na vigência das normas violadas. 14- Não o entendendo assim, o tribunal pôs em crise a crença da comunidade na validade das normas jurídicas violadas (artigos 181.º, n.º 1, 184.º, 143.º e 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal) e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais, e violou o disposto nos art.ºs 40.º, n. 1, 50.º, n.º 1 e 70.º do Código Penal. Deste modo, entendemos que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, determinando-se a condenação do arguido pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada e em cúmulo jurídico de penas nos apontados termos (conclusão 4) e determinando-se o cumprimento pelo arguido da pena única de prisão que vier a ser aplicada. Não foi apresentada resposta a este recurso. Nesta sede de recurso, a Ex.ma Procuradora-geral adjunta promoveu no sentido concordante com a motivação do recurso. *** II. QUESTÕES A DECIDIRConforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. Art.º 119.º, n.º 1; 123.º, n.º 2; 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPPenal, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25/6/1998, in BMJ 478, pp. 242, e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271). Tendo em conta este contexto normativo e o teor das conclusões efectuadas pelo Ministério Público no seu recurso, as questões que importa decidir sustentam-se em saber se existem fundamentos para revogar a sentença que determinou a suspensão da execução da prisão e/ou determinar de forma diferente a medida da mesma pena de prisão, tanto no seu cúmulo como nas respectivas penas parcelares. *** III. FUNDAMENTAÇÃOTendo em conta as questões objecto do recurso, da decisão recorrida importa evidenciar, na parcela que aqui importa analisar, a fundamentação da matéria de facto e de direito, incluindo a determinação e a medida da pena, dessa sentença que é a seguinte: “III. FUNDAMENTAÇÃO A. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO FACTOS PROVADOS Com relevância e interesse para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos: 1. No dia 3 de Abril de 2017, cerca das 0h40m, na Rua A..., na União das freguesias de Carnaxide e Queijas, na área do município de Oeiras, encontravam-se o ora arguido HC... e diversos agentes da Polícia de Segurança Pública, entre os quais estavam os agentes MC... e LL..., que estavam a realizar uma ação de fiscalização de trânsito, envergavam os uniformes da Polícia de Segurança Pública e estavam ao pé da viatura policial caracterizada. 2. No referido circunstancialismo, os agentes da Polícia de Segurança Pública solicitaram ao arguido para não sair do interior de uma viatura, cujo condutor estava a ser fiscalizado, porque ele não tinha nada a ver com a fiscalização deste. 3. Na sequência, HC... dirigiu-se ao agente LL... e disse “Eu saio e ando onde quiser, seus porcos do caralho!”. 4. Ato contínuo, o arguido aproximou-se de MC... e desferiu uma cotovelada no sentido da face deste, não o tendo conseguido atingir apenas porque este se desviou a tempo. 5. HC... previu e quis dirigir a expressão referida no ponto 3., com a intenção alcançada de colocar em causa a honra e consideração que são devidas ao ofendido, enquanto agente da autoridade, ciente de que este se tratava de agente da Polícia de Segurança Pública, em exercício de funções. 6. O arguido também previu e pretendeu aproximar-se de MC... para atingir a face deste com uma cotovelada, com o intuito de atingir o ofendido na sua integridade física e saúde, de modo a causar-lhe dores e ferimentos na face, bem sabendo que o mesmo se tratava de agente da Polícia de Segurança Pública, em exercício de funções. 7. O arguido agiu de modo livre, deliberado e consciente, sabendo ser as suas descritas condutas proibidas e punidas pela lei penal. 8. Lê-se no relatório social elaborado que «HC... tem 21 anos e desde sempre integra o agregado familiar de origem, atualmente constituído pela mãe, o padrasto e uma irmã quatro anos mais velha. O agregado familiar apresenta estabilidade e equilíbrio a nível relacional, fruto dos elos de afetividade e coesão que caracterizam a vivência familiar desde há muitos anos, pese embora dentro de um registo permissivo e desculpabilizante. Do ponto de vista económico, a situação familiar é caracterizada por algumas dificuldades, sendo a mãe empregada de limpezas e o padrasto trabalhador da construção civil. A irmã do arguido não trabalha por ser portadora de problemas de saúde que a incapacitam para o efeito. As fragilidades de HC... estão fundamentalmente ligadas ao seu grau de imaturidade e à influência do grupo de pares da zona onde vive com os familiares, um bairro conotado com problemas de delinquência e marginalidade. Tal contexto tem dificultado a melhoria de importantes competências pessoais e sociais, como sejam as que se relacionam com a consciência crítica, o pensamento consequencial, a resolução de problemas, a motivação para a mudança, bem como ainda a autorregulação emocional e o controle da impulsividade. Tais lacunas pessoais refletem-se, designadamente, na dificuldade do arguido em entrar de forma duradoura no mercado de trabalho, dada a falta de proatividade que revela ao nível da procura de emprego. As experiências que tem tido são de relativa curta duração, não obedecem a um registo de continuidade (períodos de inatividade laboral), não contribuindo, portanto, para a consolidação de hábitos de trabalho. Tal situação constitui um fator de risco ao contribuir para o aumento excessivo do tempo de lazer de HC... e do convívio do mesmo com pares da mesma faixa etária com idênticos problemas de inserção social. Esta equipa tem procurado trabalhar com o condenado estas fragilidades ao longo do tempo de acompanhamento do mesmo no âmbito do Pº177/14.8PEOER do Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo Central Criminal de Cascais – J2, em que foi condenado, pela prática dos crimes de sequestro, ofensa à integridade física qualificada e omissão de auxílio, em cúmulo jurídico, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com sujeição a regime de prova. O respetivo acórdão transitou em julgado em 05.05.2015, prevendo-se o termo da pena para 05.05.2018. Paralelamente, o arguido foi já condenado, após o referido trânsito em julgado, pela prática do crime de condução sem habilitação legal, tendo outros inquéritos crime em curso. Regista-se como positiva a adesão do condenado, no ano anterior, à frequência de um programa de competências pessoais e sociais, em grupo, ministrado pelos nossos serviços com recurso a estágios académicos na área da Psicologia. Os presentes autos não tiveram repercussões negativas na vida do arguido, sendo de registar a dificuldade do mesmo em fazer uma leitura crítica e de responsabilização da situação e enveredar, pelo contrário, por uma linha de vitimização.» 9. O arguido foi condenado nos autos de processo comum coletivo n.º 177/14.8PEOER que correu os seus termos no Juiz 2 do Juízo Central Criminal de Cascais do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, por factos praticados a 22 de Março de 2014 e acórdão transitado em julgado a 5 de Maio de 2015, pela prática de um crime de sequestro, um crime de ofensa à integridade física qualificada e um crime de omissão de auxílio, na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, com regime de prova. 10. Mais foi condenado nos autos de processo sumário n.º 334/15.0PGAMD que correu os seus termos no Juiz 1 do Juízo Local Criminal da Amadora do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, por factos praticados a 21 de Junho de 2015 e sentença transitada em julgado a 22 de Setembro de 2015, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 150 dias de multa à razão diária de 5€, pena esta que foi já declarada extinta pelo cumprimento. * FACTOS NÃO PROVADOSInexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa. * (…)B. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO (…) * IV. DETERMINAÇÃO DA PENASubsumidos os factos ao direito, importa agora aquilatar quais as penas a aplicar aos arguidos no caso sub judice. Dispõe o artigo 70.º do Código Penal que, «Se forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição». Temos, pois, que quando haja de se escolher entre uma pena privativa e uma pena não privativa da liberdade, estabelece o artigo 70.º que se dê prevalência à segunda, sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. De acordo com o artigo 40.º n.º 1 do Código Penal essas finalidades consistirão na prevenção geral, ou seja a estabilização das expectativas comunitárias da validade da norma violada, e na prevenção especial, ou seja a necessidade de socialização que o arguido demonstra. A pena mais do que um castigo para quem prevarica, deve servir de motivação a que o arguido não volte a prevaricar. No que respeita ao crime de ofensa à integridade física qualificada, não sendo admissível a condenação em pena de multa, tal questão não se coloca, sendo dentro da moldura da pena de prisão aplicável que será fixada a pena concreta a aplicar ao arguido. Relativamente ao crime de injúria agravada, considerando que o arguido tem antecedentes criminais pese embora esteja inserido social, familiarmente, considera-se que a condenação numa pena de multa já não é suficiente para acautelar as finalidades da punição que no caso se fazem sentir. * A determinação da medida da pena obedece ao critério geral que consta do artigo 71.º n.º 1 do Código Penal, onde se lê,«A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». A aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (artigo 40.º n.ºs 1 e 2 do Código Penal). Segundo o princípio da culpa “não há pena sem culpa e a medida da pena não pode em caso algum ultrapassar a medida da culpa”, a verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside numa incondicional proibição de excesso. A culpa não é fundamento da pena mas constitui o seu limite inultrapassável, limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas. A função da culpa é a de estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito Democrático. A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência coletiva (prevenção geral positiva ou de integração) é a finalidade primeira que se prossegue, no quadro da moldura penal abstrata, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização. Como refere Figueiredo Dias, (IN «CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO CRIME», EDITORIAL NOTÍCIAS, PÁG. 215), «através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente – limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção». Na determinação da medida concreta da pena ter-se-á ainda em conta o disposto no artigo 71.º n.º 2 do Código Penal, ou seja, o Tribunal deve atender a todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente, abstendo-se, no entanto, de considerar aquelas que já fazem parte do tipo de crime cometido (salvo nos casos em que a sua intensidade concreta supere aquela que foi considerada pelo legislador para determinação da moldura aplicável). Temos, pois de apreciar, nomeadamente, o grau de ilicitude dos factos, que se entende ser de grau médio, atento os tipos de ilícito cometidos e o facto de o terem sido contra um agente da autoridade, mitigado pelo facto do arguido se encontrar perturbado em virtude de ter anteriormente ingerido bebidas alcoólicas. A intensidade do dolo, na forma mais grave, dolo direto. A conduta anterior ao crime, sendo que o arguido tem antecedentes criminais pela prática dos crimes de sequestro, ofensa à integridade física qualificada, omissão de auxílio e condução sem habilitação legal. O arguido está social e familiarmente inserido. O crime de ofensa á integridade física qualificada é punido com uma pena de prisão até 4 anos (artigo 145.º n.º 1 al. a), por referência ao artigo 143.º n.º 1, ambos do Código Penal). Ou seja, a moldura penal abstrata é o mínimo de 1 mês (cf. artigo 47.º do Código Penal) e o máximo de 4 anos de prisão. Tendo o ilícito sido cometido apenas na forma tentada há que proceder à atenuação especial da pena a aplicar ao arguido ao abrigo do preceituado nos artigos 23.º n.º 2 e 73.º n.º 1 als. a) e b), todos do Código Penal. Assim a moldura penal abstrata da pena a aplicar ao arguido é o mínimo de 1 mês e o máximo de 2 anos e 8 meses de prisão O crime de injúria agravado é punido com pena de prisão até 4 meses e 15 dias ou com pena de multa até 180 dias (cf. artigo 181.º e 184.º do Código Penal). Temos, pois que por tudo o que fica dito, considera-se adequado condenar o arguido pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada na forma tentada na pena de 10 (DEZ) MESES DE PRISÃO e pela prática do crime de injúria agravada na pena de 3 (TRÊS) MESES DE PRISÃO. * Operando o cúmulo jurídico (artigo 77.º do Código Penal), ponderando as circunstâncias em que os factos foram praticados (estando a decorrer uma ação de fiscalização em que o arguido não tinha qualquer intervenção, devendo ter-se limitado a aguardar a sua realização calmamente no interior da viatura) e a personalidade revelada pelo arguido (que admitiu apenas parte dos factos que lhe eram imputados e só em relação a esses verbalizou arrependimento o que leva a concluir que não interiorizou o desvalor da sua conduta) decide-se condenar o arguido na pena única de 12 (DOZE) MESES DE PRISÃO.* Dispõe o artigo 50.º n.º 1 do Código Penal que,«O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.» A suspensão da execução da pena de prisão tem como pressuposto formal a pena de prisão aplicada não ser superior a 5 anos. A este pressuposto acresce ainda um pressuposto material que implica, nas palavras de Figueiredo Dias (IN «CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO CRIME», AEQUITAS, 1993, P. 242 E 243), que «…o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente: que a simples censura do facto e a ameaça da pena (…) bastarão para afastar o delinquente da criminalidade. Para a formulação de tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só a personalidade, ou só das circunstâncias de facto – o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto.» Nos presentes autos e considerando o ilícito em apreço, as necessidades de prevenção geral são elevadas uma vez que é cada vez mais patente a falta de respeito demonstrada pelas nossas forças policiais, sendo ainda elevadas as necessidades de prevenção especial atentas as anteriores condenações do arguido, mais concretamente, o facto de ter sido condenado pela prática de crimes graves (sequestro, ofensa à integridade física qualificada e omissão de auxilio), um dos quais por crime da mesma natureza em pena de prisão suspensa na sua execução e durante o período da suspensão da pena de prisão ter praticado os factos em causa nos autos. No entanto, ponderando que tal condenação remonta a 2014 e que desde então só foi condenado pela prática de um crime de diferente natureza (condução sem habilitação legal), a idade do arguido, o facto de estar a colaborar com os serviços da DGRSP no âmbito da suspensão da execução da outra pena de prisão em que foi condenado e considerando ainda que o arguido se encontra social e familiarmente inserido, ainda que não se encontre profissionalmente inserido por falta de proatividade da sua parte, conclui-se como no relatório social junto aos autos que a ameaça da prisão e a obrigação de se sujeitar ao plano de reinserção social que vier a ser delineado e que deverá passar pela obrigação de se inserir profissionalmente de forma mais consistente, acautelam de forma suficiente e adequada as necessidades de prevenção. Pelo que fica exposto, DECIDE-SE SUSPENDER A PENA DE PRISÃO APLICADA AO ARGUIDO, PELO PERÍODO DE 12 (DOZE) MESES, COM REGIME DE PROVA, A QUAL DEVERÁ PASSAR, ALÉM DO MAIS, PELA OBRIGAÇÃO DE DILIGENCIAR PELA INSERÇÃO LABORAL DE FORMA CONSISTENTE E DURADOURA. * IV. DISPOSITIVOPelo exposto e decidindo, julga-se a acusação procedente por provada e, consequentemente, CONDENA-SE o arguido HC..., da prática como autor material e em concurso real de: A) um crime de injúria agravada, p. e p. nos artigos 181.º n.º 1, 184.º, por referência ao arguido 132.º n.º 2 al. l), todos do Código Penal, na pena de 3 (TRÊS) MESES DE PRISÃO; e B) um crime de ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada, p. e p. nos artigos 22.º, 23.º, 73.º, 143.º e 145.º n.ºs 1, al. a) e 2, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal, na pena de 10 (DEZ) MESES DE PRISÃO; c) E, operando o cúmulo jurídico (artigo 77.º do Código Penal), condenado o arguido na pena única de 12 (DOZE) MESES DE PRISÃO, SUSPENSA NA SUA EXECUÇÃO PELO MESMO PERÍODO, COM REGIME DE PROVA (artigos 50.º e 53.º do Código Penal) Custas criminais pelo arguido as quais se fixam em 2 (duas) UC de taxa de justiça (artigo 8.º n.º 5 do Regulação das Custas Processuais e tabela III anexa a este diploma) e nos demais encargos do processo (cf. artigo 16.º do Regulamento das Custas Processuais). Proceda ao depósito. * Após trânsito:1. Remeta boletim à DSICC; 2. Solicite à DGRSP a elaboração de plano de reinserção social do arguido; 3. Extraia certidão da sentença proferida com nota de trânsito e remeta aos autos identificados em 9. para os efeitos tidos por convenientes. * Oeiras, 25 de Outubro de 2017”*** Cumpre agora, nesta sede, analisar dos fundamentos do recurso no que respeita à manutenção da suspensão da execução da prisão e no que concerne à medida e determinação das penas, tanto as parcelares como a resultante do cúmulo.Nas suas alegações o Ministério Público defende a agravação das penas parcelares e da pena resultante do cúmulo e a revogação da condenação para prisão efectiva, fazendo alusão, desde logo, aos factores de prevenção geral neste tipo de situações em que a suspensão da execução da prisão constitui um abalo na confiança da comunidade no direito. Faz também alusão aos factores de prevenção especial, em que não é possível fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao arguido, o qual possui uma personalidade revoltada e com fraca auto-estima e com as demais características evidenciadas no relatório social. Mais advoga que o regime de prova decretado não se demonstra como viável. Cumpre apreciar das questões suscitadas por este recorrente. Na concretização da pena, a efectuar em função da culpa do agente, deverá ter-se em conta o disposto no Art.º 71.º do CPenal, sabendo-se que segundo o vertido no Art.º 40.º do mesmo Código a aplicação de uma pena visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo em caso algum essa pena ultrapassar a medida da culpa. O arguido encontra-se incurso, em autoria e concurso efectivo, na prática de um crime de injúria agravada, p. e p. nos Art.ºs 181.º n.º 1, 184.º, por referência ao Art.º 132.º n.º 2 al. l), todos do Código Penal, e de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada, p. e p. nos Art.ºs 22.º, 23.º, 73.º, 143.º e 145.º n.ºs 1, al. a) e 2, com referência ao Art.º 132.º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal. O crime de ofensa à integridade física qualificada é punido com uma pena de prisão até 4 anos (Art.º 145.º, n.º 1, al. a), por referência ao Art.º 143.º n.º 1, ambos do Código Penal). Ou seja, a moldura penal abstracta é o mínimo de 1 mês (cf. artigo 47.º do Código Penal) e o máximo de 4 anos de prisão. Tendo o ilícito sido cometido apenas na forma tentada há que proceder à atenuação especial da pena a aplicar ao arguido ao abrigo do preceituado nos Art.ºs 23.º n.º 2 e 73.º n.º 1 als. a) e b), ambos do Código Penal. Assim a moldura penal abstracta da pena a aplicar ao arguido é o mínimo de 1 mês e o máximo de 2 anos e 8 meses de prisão O crime de injúria agravado, por seu turno, é punido com pena de prisão até 4 meses e 15 dias ou com pena de multa até 180 dias (cf. Art.ºs 181.º e 184.º, ambos do Código Penal). No que respeita à escolha e determinação da pena de prisão e da sua medida para este arguido HC..., há que considerar os seguintes critérios e factores. Quanto à execução do facto (pensada em termos globais - Art.º 71.º/2, a), b) e c), do CPenal), assume especial importância: - a forma intencional da vontade criminosa do arguido (a intensidade da vontade no dolo); - as circunstâncias em que os factos são praticados, as vítimas, o local e as circunstâncias temporais; - o modo de preenchimento da conduta, tal como acima se encontra descrita; - as consequências para as vítimas do comportamento ilícito do arguido; e - os estímulos externos que o determinaram ao crime. Quanto à personalidade do agente (cfr. Art.º 71.º/2, alíneas d) e f), do CPenal) tivemos em conta a sua idade, o percurso pessoal conturbado e a sua actual vivência familiar, profissional e social. Diz-se nos “factos provados”, que: 8. Lê-se no relatório social elaborado que «HC... tem 21 anos e desde sempre integra o agregado familiar de origem, atualmente constituído pela mãe, o padrasto e uma irmã quatro anos mais velha. O agregado familiar apresenta estabilidade e equilíbrio a nível relacional, fruto dos elos de afetividade e coesão que caracterizam a vivência familiar desde há muitos anos, pese embora dentro de um registo permissivo e desculpabilizante. Do ponto de vista económico, a situação familiar é caracterizada por algumas dificuldades, sendo a mãe empregada de limpezas e o padrasto trabalhador da construção civil. A irmã do arguido não trabalha por ser portadora de problemas de saúde que a incapacitam para o efeito. As fragilidades de HC... estão fundamentalmente ligadas ao seu grau de imaturidade e à influência do grupo de pares da zona onde vive com os familiares, um bairro conotado com problemas de delinquência e marginalidade. Tal contexto tem dificultado a melhoria de importantes competências pessoais e sociais, como sejam as que se relacionam com a consciência crítica, o pensamento consequencial, a resolução de problemas, a motivação para a mudança, bem como ainda a autorregulação emocional e o controle da impulsividade. Tais lacunas pessoais refletem-se, designadamente, na dificuldade do arguido em entrar de forma duradoura no mercado de trabalho, dada a falta de proatividade que revela ao nível da procura de emprego. As experiências que tem tido são de relativa curta duração, não obedecem a um registo de continuidade (períodos de inatividade laboral), não contribuindo, portanto, para a consolidação de hábitos de trabalho. Tal situação constitui um fator de risco ao contribuir para o aumento excessivo do tempo de lazer de HC... e do convívio do mesmo com pares da mesma faixa etária com idênticos problemas de inserção social. Esta equipa tem procurado trabalhar com o condenado estas fragilidades ao longo do tempo de acompanhamento do mesmo no âmbito do Pº177/14.8PEOER do Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo Central Criminal de Cascais – J2, em que foi condenado, pela prática dos crimes de sequestro, ofensa à integridade física qualificada e omissão de auxílio, em cúmulo jurídico, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com sujeição a regime de prova. O respetivo acórdão transitou em julgado em 05.05.2015, prevendo-se o termo da pena para 05.05.2018. Paralelamente, o arguido foi já condenado, após o referido trânsito em julgado, pela prática do crime de condução sem habilitação legal, tendo outros inquéritos crime em curso. Regista-se como positiva a adesão do condenado, no ano anterior, à frequência de um programa de competências pessoais e sociais, em grupo, ministrado pelos nossos serviços com recurso a estágios académicos na área da Psicologia. Os presentes autos não tiveram repercussões negativas na vida do arguido, sendo de registar a dificuldade do mesmo em fazer uma leitura crítica e de responsabilização da situação e enveredar, pelo contrário, por uma linha de vitimização.» 9. O arguido foi condenado nos autos de processo comum coletivo n.º 177/14.8PEOER que correu os seus termos no Juiz 2 do Juízo Central Criminal de Cascais do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, por factos praticados a 22 de Março de 2014 e acórdão transitado em julgado a 5 de Maio de 2015, pela prática de um crime de sequestro, um crime de ofensa à integridade física qualificada e um crime de omissão de auxílio, na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, com regime de prova. 10. Mais foi condenado nos autos de processo sumário n.º 334/15.0PGAMD que correu os seus termos no Juiz 1 do Juízo Local Criminal da Amadora do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, por factos praticados a 21 de Junho de 2015 e sentença transitada em julgado a 22 de Setembro de 2015, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 150 dias de multa à razão diária de 5€, pena esta que foi já declarada extinta pelo cumprimento. Quanto aos factores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto (Art.º 71.º/2, e), do CPenal), aponta-se: a presença dos mencionados antecedentes criminais. Após elaboração do cúmulo jurídico das penas, nos termos do disposto no Art.º 77.º do Código Penal, considerando os factos, a personalidade do arguido e a moldura penal abstracta aplicável que, nos termos do n.º 2 do preceito é de 10 meses a 13 meses de prisão, entendeu o tribunal a quo como adequada a pena única de 12 meses de prisão. Neste sentido, ponderando todos estes dados, entendemos como adequadas, ao invés do que defende o Ministério Público, que são ponderadas as penas concretas aplicada a este arguido e também o cúmulo jurídico também daí resultante. Munidos do conjunto de factos como ilícito global, além dos critérios gerais da medida da pena atrás aludidos - Art.º 71.º do CPenal -, utilizou-se o critério especial do Art.º 77.º/1, 2.ª parte, do CPenal, avaliando-se a conexão e o tipo de conexão que entre os crimes concorrentes se verificou. No seu conjunto os factos e a personalidade do agente não dizem coisas muito diferentes daquelas que já foram atrás apontadas. As exigências de prevenção - atenuando o efeito previsível da pena sobre o compor¬tamento futuro do agente condenado e, agravando, os especiais imperativos da prevenção geral positiva - fazem colocar a pena concreta naquele coeficiente. Concorda-se com o tribunal a quo na sua apreciação sobre a gravidade dos ilícitos em presença (um crime tentado de ofensa à integridade física e outro crime de injúria agravado) e também com o balanceamento dos factores de prevenção geral e especial. Aliás, face às circunstâncias do caso, aos antecedentes e à personalidade do arguido, não se conseguem objectivar razões suficientes para encontrar outro equilíbrio nas penas concretas fixadas (parcelares e em cúmulo) que não aquele encontrado pelo tribunal a quo, em face das molduras concretas definidas. Assim, face a estes elementos, considera-se que as medidas das penas de prisão encontradas pelo tribunal a quo são ponderadas e razoáveis. Questiona-se agora, face às circunstâncias do crime, se a pena de prisão (de cúmulo) determinada pelo tribunal a quo deverá continuar suspensa na sua execução. Diz o Código Penal que «O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição» - cfr. Art.º 50.º, n.º 1, do Código Penal. A suspensão da execução da pena de prisão, como pena de substituição, não deixa de estar vinculada às finalidades que o Art.º 40.º do Código Penal estabelece como critério fundamental na aplicação das penas. O que está em causa, na opção de aplicar uma pena de substituição é a protecção de bens jurídicos e da reintegração do agente na sociedade (n.º 1 deste Art.º 40.º do citado Código), sendo que a opção sobre a suspensão da execução da pena privativa de liberdade radica na concretização de um juízo de prognose efectuado no sentido de apurar se face ao circunstancialismo provado relativo à personalidade do arguido é possível evidenciar-se que as finalidades subjacentes à aplicação da pena não necessitam da efectivação da pena de prisão. A suspensão da execução da pena de prisão, como pena de substituição com objectivo primeiro de evitar a efectivação da pena de prisão, face à natureza de ultima ratio que esta pena assume, não deixa de estar vinculada às finalidades que o Art.º 40.º do Código Penal estabelece como critério fundamental na aplicação das penas. A decisão do tribunal, qualquer que ela seja, exige uma fundamentação específica, devendo explicitar as razões do juízo de prognose (positivo ou negativo) que formule quanto ao mencionado comportamento futuro do condenado (cfr., entre outros, os Acs. do STJ, de 20/2/2003, CJ/Acs STJ, 2003, t1, 206, e de 11/2/2010, este disponível em www.dgsi.pt/jstj, e o acórdão desta RL de 27/1/2010, também disponível em www.dgsi.pt/jtrl; jurisprudência que acolhe a doutrina de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, op. cit., p. 341-342), constituindo a falta de pronúncia expressa uma nulidade que é de conhecimento oficioso, nos termos do Art.º 379.º, n.ºs 1, al. c), e 2, do CPPenal (cfr. Acórdão do STJ de 20/2/2008, em www.dgsi.pt/jstj). É neste juízo de prognose que assenta essencialmente a especificidade desta pena e na razão de ser das suas virtualidades no leque de penas não detentivas substitutivas da prisão. O juízo de prognose de que aqui se fala nada mais é que uma previsão sobre o comportamento futuro do arguido, ou seja, trata-se de saber se, tendo em conta a sua personalidade, as suas condições de vida, a conduta anterior e posterior ao facto punível e as circunstâncias deste, é possível concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, sobretudo se bastarão para afastar o arguido da criminalidade, pois é esta a finalidade precípua do instituto da suspensão. Entram aqui razões de prevenção geral, ligadas com os bens jurídicos protegidos tendo por destinatários a comunidade política e social, mas também de prevenção especial, ligadas com as circunstâncias concretas do caso e também do âmbito de subjectividade do arguido e do seu contexto social de vida. Sendo considerações de prevenção geral e de prevenção especial (de (res)socialização) que estão na base da aplicação das penas de substituição, o tribunal recusará essa aplicação “quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente” ou, não sendo o caso, a pena de substituição só não deverá ser aplicada “se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias” – cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, op. cit., pp. 333, e o acórdão desta RL de 17/4/2012, processo n.º 232/11.6JELSB.L1-5, em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/db3db3a0dede0789802579e6003e95fa?OpenDocument&Highlight=0,suspens%C3%A3o,da,execu%C3%A7%C3%A3o,pris%C3%A3o. Se é certo que a existência de condenações anteriores constitui um índice de exigências acrescidas de prevenção, também se aceita facilmente que essa circunstância não é impeditiva a priori da concessão da suspensão. Relativamente ao juízo de prognose que importa efectuar – e é só esse que neste momento importa fazer – há que ponderar toda a factualidade que envolve: (i) a personalidade do arguido; (ii) as condições da sua vida; (iii) a sua conduta anterior e posterior ao crime; e (iv) as circunstâncias do crime. O tribunal a quo justificou assim a suspensão da execução das penas de prisão do arguido, com regime de prova e cumprimento de deveres. Dispõe o artigo 50.º n.º 1 do Código Penal que, «O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.» A suspensão da execução da pena de prisão tem como pressuposto formal a pena de prisão aplicada não ser superior a 5 anos. A este pressuposto acresce ainda um pressuposto material que implica, nas palavras de Figueiredo Dias (IN «CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO CRIME», AEQUITAS, 1993, P. 242 E 243), que «…o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente: que a simples censura do facto e a ameaça da pena (…) bastarão para afastar o delinquente da criminalidade. Para a formulação de tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só a personalidade, ou só das circunstâncias de facto – o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto.» Nos presentes autos e considerando o ilícito em apreço, as necessidades de prevenção geral são elevadas uma vez que é cada vez mais patente a falta de respeito demonstrada pelas nossas forças policiais, sendo ainda elevadas as necessidades de prevenção especial atentas as anteriores condenações do arguido, mais concretamente, o facto de ter sido condenado pela prática de crimes graves (sequestro, ofensa à integridade física qualificada e omissão de auxilio), um dos quais por crime da mesma natureza em pena de prisão suspensa na sua execução e durante o período da suspensão da pena de prisão ter praticado os factos em causa nos autos. No entanto, ponderando que tal condenação remonta a 2014 e que desde então só foi condenado pela prática de um crime de diferente natureza (condução sem habilitação legal), a idade do arguido, o facto de estar a colaborar com os serviços da DGRSP no âmbito da suspensão da execução da outra pena de prisão em que foi condenado e considerando ainda que o arguido se encontra social e familiarmente inserido, ainda que não se encontre profissionalmente inserido por falta de proatividade da sua parte, conclui-se como no relatório social junto aos autos que a ameaça da prisão e a obrigação de se sujeitar ao plano de reinserção social que vier a ser delineado e que deverá passar pela obrigação de se inserir profissionalmente de forma mais consistente, acautelam de forma suficiente e adequada as necessidades de prevenção. Pelo que fica exposto, DECIDE-SE SUSPENDER A PENA DE PRISÃO APLICADA AO ARGUIDO, PELO PERÍODO DE 12 (DOZE) MESES, COM REGIME DE PROVA, A QUAL DEVERÁ PASSAR, ALÉM DO MAIS, PELA OBRIGAÇÃO DE DILIGENCIAR PELA INSERÇÃO LABORAL DE FORMA CONSISTENTE E DURADOURA. Acompanhamos também aqui a reflexão do tribunal a quo, que nos diz ser de apostar ainda, numa última oportunidade, na ressocialização deste arguido HC..., sabendo-se que o mesmo não deixou de estar condicionado a um regime de prova, com uma vigilância qualificada e vocacionada. Pensamos que aqui a pena de prisão efectiva traria ao aqui condenado um gravame superior às exigências que estão ínsitas à finalidade das penas. A idade do arguido, o seu percurso de vida atribulado e sobretudo a sua inserção familiar fazem acreditar que ainda é possível apostar na ressocialização deste arguido. Essa decisão radica no carácter favorável da prognose em relação ao seu comportamento - como já se deixou veiculado em sede de medida da pena (esta circunstância não é contrariada pelo princípio da proibição da dupla valoração - veja-se Figueiredo Dias, "Velhas e Novas Questões sobre a Pena de Suspensão de Execução da Prisão", RLJ 124, 68) - em que a simples censura do facto e a ameaça da pena - aliada a factores condicionantes e condicionais de socialização ou de reinserção - (consubstanciadora de uma "exposição a vigilância intensificada" - cfr. a classificação de Gibbs - Cfr. J. António Veloso, "Pena Criminal", Enc. Polis, 1107) bastarão para o afastar da criminalidade (Art.º 50.º/1 do CPenal) e para efectivar a "socialização em liberdade" (Cfr. Anabela Rodrigues, "Critério de Escolha das Penas de Substituição no Código Penal Português", Est. Hom. E. Correia, BFDC, I, 1988, 21 e Ac. do STJ de 21/3/90, Rv.PCCriminal, 1, 1991, 243). Não se deixa, no entanto, de considerar importante, complementar este regime de prova com condições particularmente apertadas com vista a salvaguardar os objectivos e as finalidades de ressocialização do condenado. Sabendo-se que uma eventual violação do regime de prova ou dos deveres a que o arguido ficará sujeito não deixarão, desde logo, de merecer uma rigorosa fiscalização e ponderação na revogação deste estatuto (resultante da pena substitutiva que é a suspensão da execução da prisão). *** IV. DECISÃOPelo exposto acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso apresentado pelo Ministério Público, julgando-o totalmente improcedente, e confirmando-se na totalidade a sentença recorrida. *** Sem custas, sendo recorrente o Ministério Público. Notifique-se. *** Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (cfr. Art.º 94.º, n.º 2, do CPPenal).Lisboa, 4 de Abril de 2018 Nuno Coelho Ana Paula Grandvaux |