Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | PEDRO BRIGHTON | ||
| Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA LISTA DE CREDORES TAXA DE JUSTIÇA OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 09/04/2023 | ||
| Votação: | DECISÃO INDIVIDUAL | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PROCEDENTE | ||
| Sumário: | A impugnação da lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, realizada nos termos do artº 130º nº 1 do C.I.R.E., integrando-se na chamada tramitação regular de verificação de créditos no processo de insolvência não gera para o impugnante qualquer obrigação de pagamento de taxa de justiça pelo correspondente impulso processual. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Decisão I – Relatório 1- Por apenso aos autos de liquidação judicial do “Banco…, S.A.”, foram deduzidas diversas reclamações de créditos e impugnações da lista de créditos. 2- Por despacho de 28/9/2021, o credor reclamante MS (e outros reclamantes) foi notificado de que se “não tiverem autoliquidado a taxa de justiça (a aplicável aos “Outros incidentes” da Tabela II do RCP) para procederem ao seu pagamento no prazo de 5 dias, sem acréscimo de multa”. 3- O reclamante MS liquidou a taxa de justiça no valor de 51 €, referente a “Outros incidentes”. 4- Não foi dado de imediato conhecimento aos autos deste facto, o que ocorreu por requerimento de 17/1/2022, após notificação ao reclamante MS de que não tinha sido junto o comprovativo do pagamento da taxa e que deveria ser desentranhada a sua impugnação. 5- Em 26/11/2021 foi proferido despacho onde se decidiu : “Porque se não olvidava que existe jurisprudência em sentido contrário (e se assim não fosse, a consequência só poderia ser o desentranhamento das impugnações), o(a)(s) impugnante(s)s foi(ram) notificado(a)(s) para proceder(em) ao pagamento da taxa de justiça inicial (a aplicável aos “Outros incidentes” da Tabela II do RCP) que não havia(m) autoliquidado no prazo de 5 dias, sem acréscimo de multa. Todavia, o(a)(s) impugnante(s)s não procedeu(ram) ao pagamento da taxa de justiça inicial, o que, dado tratar-se de uma situação similar a uma petição inicial (pois que conduz à instauração de um incidente com uma estrutura muito similar à de uma acção declarativa comum, que, de outro modo, não teria lugar) implica o seu desentranhamento e devolução ao apresentante, nos termos da conjugação dos artigos 145º, nº 2, 552º, nºs 3 a 5, e 558º, al. f), do Código de Processo Civil (este último normativo aplicado analogicamente, pois que se refere a um acto da Secretaria, mas sendo certo que, se a Secretaria pode recusar a petição inicial, o Juiz, por maioria de razão, poderá praticar acto análogo, qual seja o de ordenar o desentranhamento, não havendo que notificar previamente o A. para proceder ao pagamento da taxa de justiça não paga, posto que a Lei o não prevê e o Direito Processual Civil é um ramo do Direito público, onde não vigora o princípio da autonomia privada). Aliás, a este respeito, diz Salvador da Costa, Código das Custas Judiciais Anotado e Comentado, 6ª Edição, p. 212, “No caso de a secretaria, por erro, ter recebido a petição inicial sem o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial, deve a secção de processos apresentar a petição ou requerimento inicial ao juiz, nos termos do nº 2 do artigo 166º do Código de Processo Civil, o qual despachará no sentido da sua devolução ao autor ou ao requerente”. É evidente que aqui inexistiu qualquer erro da Secretaria ao receber a petição inicial, mas o que é certo é que não se encontra paga a taxa de justiça inicial devida pela apresentação de uma impugnação da lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos, o que tem como consequência o desentranhamento do requerimento de impugnação. Em face do exposto, desentranhe a petição inicial e devolva ao(à)(s) impugnante(s)”. 6- O credor MS apresentou, em 17/1/2022 requerimento onde refere : “1. O reclamante foi notificado em Outubro para proceder ao pagamento da taxa de justiça “outros incidentes” da tabela II do RCP. 2. O signatário remeteu ao cliente/reclamante que efectivamente procedeu ao pagamento da referida taxa em 15/10/2021 sem ter remetido comprovativo ao signatário, uma vez que julgava que o seu pagamento seria reconhecido pelo sistema (pela ref.ª pagamento), o que não sucedeu por não ter sido inserido no citius a referida referência DUC. 3. Por esse motivo, o signatário não apresentou o comprovativo de pagamento. 4. Face ao exposto, ocorreu salvo melhor opinião, pagamento atempado da taxa não tendo todavia sido junto aos autos o comprovativo de tal pagamento, do que o signatário se penitencia e requer seja relevado tal lapso. 5. Face ao exposto, requer seja considerado tal pagamento e lapso na ausência da sua junção”. E mais referiu : “6. Salvo melhor opinião, a ausência de pagamento de taxa implicaria notificação para pagamento da mesma com multa nos termos do artigo 570º, nº 3, de igual montante. 7. Assim, o reclamante impugnante junta, caso assim se entenda, o pagamento da multa por não ter sido junto o pagamento atempadamente, apesar de ter sido liquidado”. 7- Em 1/2/2022, o Tribunal “a quo” proferiu o seguinte despacho : “O impugnante MS veio requerer que fosse admitido o comprovativo do pagamento da taxa de justiça, alegando que por lapso o mesmo não havia sido junto aos autos em tempo (requerimento com a referência nº 41023713, enviado no dia 17 de Janeiro de 2022). Compulsados os autos verificamos que por despacho datado de 26 de Novembro de 2021, foi ordenado o desentranhamento da impugnação apresentada por este impugnante, em virtude de não se encontrar junto o comprovativo da taxa de justiça. Cumpre decidir: Conforme decorre do despacho em questão, quando este foi proferido o comprovativo do pagamento da taxa de justiça não se encontrava no processo, não obstante o impugnante ter procedido a essa liquidação em 6 de Outubro de 2021. Ora, não basta liquidar a taxa de justiça. É condição necessária para a “validade” desse pagamento que o respectivo comprovativo esteja junto ao processo no prazo concedido para o efeito. Com efeito, o regime aqui aplicável é o do artigo 558º, nº 1, alínea f), do Código de Processo Civil, já que estamos perante a dedução de um incidente de impugnação da lista de credores, a que corresponde uma taxa de justiça inicial nos termos previstos na Tabela II para os incidentes em geral. No caso em apreço, o impugnante não juntou aos autos o comprovativo do pagamento da taxa de justiça no prazo que lhe foi concedido, pelo que se impõe considerar que não procedeu à sua liquidação, o que, dado tratar-se de uma situação similar a uma petição inicial (pois que conduz à instauração de um incidente com uma estrutura muito similar à de uma acção declarativa comum, que, de outro modo, não teria lugar) implica o seu desentranhamento e devolução ao apresentante, nos termos da conjugação dos artigos 145º, nº 2, 552º, nºs 3 a 5, e 558º, al. f), todos do Código de Processo Civil. Aliás, a este respeito, refere Salvador da Costa que “No caso de a secretaria, por erro, ter recebido a petição inicial sem o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial, deve a secção de processos apresentar a petição ou requerimento inicial ao juiz, nos termos do n.º 2 do artigo 166.º, do Código de Processo Civil, o qual despachará no sentido da sua devolução ao autor ou ao requerente” (in Código das Custas Judiciais Anotado e Comentado, 6.ª Edição, Almedina, pág. 212). É evidente que aqui inexistiu qualquer erro da Secretaria ao receber a petição inicial, mas o que é certo é que não se encontra paga a taxa de justiça inicial devida pela apresentação de uma impugnação da lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos, o que tem como consequência o desentranhamento do requerimento de impugnação. Pelo exposto, improcede a pretensão do impugnante MS, mantendo-se o decidido no referido despacho quanto ao desentranhamento da impugnação apresentada por aquele. Notifique”. 8- Inconformado com tal decisão, dela recorreu o credor reclamante MS, para tanto apresentando a sua alegação, com as seguintes conclusões : “1. O recorrente não se conforma com o douto despacho proferido que ordena o desentranhamento da impugnação da lista de créditos por si apresentada. 2. Isto pois, o recorrente apresentou impugnação à lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos, por indevida exclusão do crédito do impugnante na lista de credores reconhecidos. 3. Nesta sequência, o recorrente foi notificado para proceder ao pagamento de taxa de justiça no prazo de 5 dias, tendo procedido à liquidação e pagamento da referida taxa, no valor de € 51,00, sem que, no entanto, tenha dado de imediato conhecimento aos autos, o que se verificou em 17/01/2022, após notificação ao Recorrente de que não tinha sido junto o pagamento da taxa e que deveria ser desentranhada a sua impugnação. 4. Assim, por requerimento de 17/01/2022, o recorrente juntou o referido comprovativo aos autos e explicou que, efetivamente, procedeu ao pagamento da referida taxa sem ter remetido comprovativo ao signatário, uma vez que julgava que o seu pagamento seria reconhecido pelo sistema (pela ref.ª pagamento), o que não sucedeu por não ter sido inserido no citius a referida referência DUC, tendo por isso, ocorrido, salvo melhor opinião, pagamento atempado da taxa não tendo todavia sido junto aos autos o comprovativo de tal pagamento. 5. Requerendo, desta forma, que fosse considerado tal pagamento e lapso na ausência da sua junção. 6. Não obstante, o recorrente referiu, ainda, que a ausência de pagamento de taxa implicaria notificação para pagamento da mesma com multa nos termos do artigo 570º, nº 3, de igual montante, juntando, para o caso de assim se entender, o pagamento da multa por não ter sido junto o pagamento atempadamente, apesar de ter sido liquidado. 7. Não obstante, o Tribunal a quo, no despacho ora recorrido, entendeu que é condição necessária para a “validade” desse pagamento que o respectivo comprovativo esteja junto ao processo no prazo concedido para o efeito, decidindo pelo desentranhamento da impugnação do recorrente, decisão com a qual o mesmo não se conforma. -Do pagamento em tempo da taxa de justiça e lapso de escrita e junção do comprovativo de pagamento: 8. O Tribunal a quo determinou que não basta o recorrente ter liquidado a taxa de justiça, sendo “condição necessária para a “validade” desse pagamento que o respectivo comprovativo esteja junto ao processo no prazo concedido para o efeito”. 9. Sucede que, é certo que foi paga a taxa de justiça, mas ocorreu lapso de escrita pela ausência da sua junção ao processo, uma vez que o recorrente estava convicto de que o seu pagamento seria reconhecido pelo sistema automaticamente. 10. Assim, o recorrente, apesar de ter efectuado o pagamento da taxa de justiça no valor de € 51,00 após notificação para o efeito, apenas juntou a prova desse pagamento posteriormente aos presentes autos. 11. Nos termos do artigo 249º do Código Civil e do artigo 146º do Código de Processo Civil, trata-se de erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, dá direito à sua retificação, sendo sanável a todo o tempo. 12. Por isso, o recorrente solicitou o suprimento / correção de vícios / omissões puramente formais de atos praticados, uma vez que a falta não deva imputar-se a dolo ou culpa grave e o suprimento ou a correção não implica prejuízo relevante para o regular andamento da causa, o que foi recusado pelo Tribunal a quo. 13. Não podendo o recorrente conformar-se com tal entendimento, pois, conforme resulta da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, apesar de não constar do processo, o acto praticado tem validade, sendo que o recorrente demonstrou que praticou o acto de pagamento antes do despacho que ordenou o desentranhamento da impugnação. 14. Desta forma, deve admitir-se a correção do acto praticado, uma vez que a falta não ficou a dever-se a dolo ou culpa grave e o seu suprimento / correção não implica prejuízo relevante para o regular andamento da causa, acetando-se a correção / suprimento de deficiências pela junção de comprovativo de pagamento e revogando-se a decisão de desentranhamento da impugnação do recorrente. Sem prescindir, -Da ausência de notificação do recorrente para o pagamento da taxa de justiça com multa : 15. Em todo o caso, entende o recorrente que sempre lhe deveria ter sido dada a possibilidade de efetuar o pagamento com multa, nos termos do disposto no número 3 do artigo 570º do Código de Processo Civil, o que não aconteceu. 16. Não obstante não se ter verificado a notificação do recorrente neste sentido, por requerimento de 17/01/2022, o recorrente juntou, caso assim se entenda, o pagamento da multa por não ter sido junto o pagamento atempadamente, apesar de ter sido liquidado, tendo, nesta data, junto comprovativo do pagamento da taxa de justiça ordenada, bem como, multa nos referidos termos legais. 17. Pelo que, deveria o despacho recorrido considerar a taxa de justiça devidamente paga pelo recorrente, o que não aconteceu. 18. De facto, a secretaria deveria notificar o recorrente para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC, o que não sucedeu, tendo, ao invés, o Tribunal a quo proferido o despacho de 26/11/2021. 19. Nesta sequência, o recorrente efetuou o pagamento da multa e demonstrou o pagamento da taxa de justiça, pelo que, deve a decisão de desentranhamento da impugnação do recorrente ser revogada. Sempre sem prescindir, -Da ausência de obrigação de pagamento da taxa de justiça devida pela impugnação de créditos na insolvência : 20. Não obstante o supra referido, entende o recorrente que não se verifica qualquer obrigação de pagamento da taxa de justiça pela impugnação de créditos no âmbito do processo de insolvência. 21. Uma vez que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação das normas constantes dos artigos 300º a 304º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, pois as custas do processo de insolvência são encargo da massa insolvente ou do requerente, consoante a insolvência seja ou não decretada por decisão com trânsito em julgado. 22. Para além de que a apresentação de impugnação da lista de credores reconhecidos não se trata de um incidente anómalo do processo de insolvência, nem obrigando a Lei a tal pagamento. 23. E caso o legislador pretendesse obrigar ao pagamento de taxa de justiça com a apresentação da impugnação à lista de créditos, teria previsto tal imposição, o que não se verifica. 24. Como tal, não existe qualquer obrigação do credor impugnante proceder ao pagamento de taxa de justiça, tal como vem sido decidido pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores. 25. Devendo, por isso, revogar-se a decisão que ordenou o desentranhamento da impugnação apresentada. -Da violação do princípio da igualdade e da equidade : 26. Entende ainda o recorrente que a decisão proferida nos presentes autos viola o princípio da igualdade e da equidade, previstos no artigo 4º do Código de Processo Civil e número 4 do artigo 13º e artigo 20º da Constituição da República Portuguesa. 27. Uma vez que se verifica a existência de desigualdade de tratamento o que ocorreu por via de vários despachos proferidos nos presentes autos, no âmbito dos quais foram concedidos prazos alargados para que se juntem taxas de justiça, quando relativamente a outros impugnantes se determinou o desentranhamento de impugnações de lista de credores por falta de pagamento de taxa de justiça, comportando tais decisões uma desigualdade de armas, bem como, a existência de critérios diversos em arrepio da legalidade que tem de assistir à administração da Justiça. 28. Existindo, ainda, decisões contraditórias sobre a oportunidade do pagamento da taxa de justiça em causa no presente recurso, as quais vão desde a retificação da notificação que manda desentranhar a impugnação por falta de pagamento da taxa, substituindo-a por outra que admite o pagamento, mesmo que tardio, ou ainda outras que concedem prazos alargados de 60 dias para que sejam juntas procurações e taxas de justiça das impugnações efetuadas depois de terem existido notificações para o efeito. 29. Entende o recorrente que o Tribunal a quo, com a decisão ora recorrida violou os princípios constitucionais da igualdade e da equidade, devendo a mesma ser substituída por outra que admita a impugnação que foi mandada desentranhar. Nestes termos e nos demais de Direito, concedendo-se provimento ao presente recurso será feira inteira e sã Justiça”. 9- Não foram apresentadas contra-alegações. * II – Fundamentação a) A matéria de facto a considerar é a que consta do relatório supra, para o qual se remete. * b) Como resulta do disposto nos artºs. 635º nº 4 e 639º nº 1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões da alegação do recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito. Assim, perante as conclusões das alegações dos recorrentes, a única questão em recurso consiste em determinar : -Se o pagamento em tempo da taxa de justiça foi efectuado em tempo. -Se o recorrente foi notificado para o pagamento da taxa de justiça com multa. -Se pela apresentação de requerimento de impugnação da lista dos credores não reconhecidos é ou não devida taxa de justiça. -Se foram violados os princípios da igualdade e da equidade. * c) Por ser eventualmente prejudicial em relação às restantes questões, afigura-se-nos ser de começar a nossa análise pela terceira questão, ou seja saber se pela apresentação de requerimento de impugnação da lista dos credores não reconhecidos é ou não devida taxa de justiça. Esta questão reconduz-se a saber se o impulso processual consubstanciado na apresentação de uma impugnação à lista de credores não reconhecidos, nos termos do artigo 130º nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (C.I.R.E.), gera a obrigação, para o impugnante, de pagamento de taxa de justiça, como se entendeu na decisão recorrida, ou se inexiste tal obrigação, como propugna o apelante. No Acórdão da Relação de Guimarães de 25/9/2014 (Relator António Sobrinho, consultado na “internet” em www.dgsi.pt), que segue o decidido no Acórdão do S.T.J. de 29/4/2014 (Relatora Ana Paula Boularot, consultado na “internet” em www.dgsi.pt), entendeu-se, por maioria, que no âmbito da insolvência, é devida taxa de justiça relativa à impugnação da lista de créditos elaborada pelo Administrador da Insolvência por parte do credor reclamante. Diversamente, na decisão singular proferida pelo Tribunal da Relação em 22/3/2018 (Relatora Teresa Prazeres Pais, consultada na “internet” em www.dgsi.pt), entendeu-se que “uma impugnação da lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, realizada nos termos do artigo 130º, nº 1 do CIRE, integrando-se na chamada tramitação regular de verificação de créditos no processo de insolvência, não foge à regra geral da responsabilidade da massa insolvente pelas custas (artigo 304º do CIRE) e, em função disso, não gera para o impugnante qualquer obrigação de pagamento de taxa de justiça pelo correspondente impulso processual”. No mesmo sentido pronunciaram-se a decisão singular do Tribunal da Relação de Coimbra de 6/12/2016 (Relator Manuel Capelo) e o Acórdão da Relação de Lisboa de 12/7/2018 (Relator Eduardo Petersen Silva), ambos consultados na “internet” em www.dgsi.pt. * d) Vejamos. As custas processuais abrangem, além do mais, a taxa de justiça (artºs. 529º nº 1 do Código de Processo Civil e 3º nº 1 do Regulamento das Custas Processuais). Ora, não faz sentido sujeitar ao pagamento de taxa de justiça quem ulteriormente não pode ser responsabilizado pelas custas. De acordo com o disposto no artº 304º do C.I.R.E., as custas do processo de insolvência são encargo da massa insolvente ou do requerente, consoante a insolvência seja ou não decretada por decisão com trânsito em julgado. E a responsabilidade deste último estende-se às custas do apenso de reclamação de créditos, posto que o não decretamento da insolvência acarreta a extinção desta instância, por impossibilidade legal superveniente da lide (artºs. 277º, al. e) e 536º nº 3 do Código de Processo Civil). Ademais, não sendo devida taxa de justiça pela apresentação de reclamação de créditos, a qual é endereçada ao Administrador da Insolvência e não ao Tribunal, também não parece fazer sentido exigir-se esse pagamento ao impugnante da lista de créditos apresentada por aquele após o termo do prazo das reclamações. À luz de que princípios seria exigível esse pagamento aos impugnantes e não aos demais reclamantes, quando é certo que em ambas as situações o Tribunal presta um serviço, ainda que, em princípio, de complexidade diversa ? Registe-se que mesmo nos casos em que o crédito é reconhecido pelo Administrador da Insolvência e não é alvo de impugnação por parte de qualquer credor, o Tribunal pode (e deve), em caso de erro manifesto, não homologar a lista de créditos elaborada por aquele (artº 130º nº 3 do C.I.R.E.). De resto, a maior ou menor complexidade das pretensões deduzidas em juízo apenas pode determinar, a final, o valor da taxa de justiça efectivamente devida (artº 6º nºs. 5 e 7 do Regulamento das Custas Processuais) e não a exigibilidade do seu pagamento prévio. Por outro lado, na data em que o apelante foi notificado para proceder ao pagamento da taxa de justiça já tinha transitado em julgado o despacho que ordenou o prosseguimento dos autos para efeitos de liquidação judicial (tal ocorreu dia 11/1/2018), prolatado na sequência da revogação da autorização para o exercício da actividade do “Banco Espírito Santo, S.A.”, a qual produz os efeitos da declaração de insolvência (artº 8º nº 2 do Decreto-Lei nº 199/2006, de 25/10). Significa isto que a essa data já estava adquirido nos autos que a responsabilidade pelas custas do processo constituía encargo da massa, sendo que, como vimos, para efeitos de tributação, o processo de liquidação judicial abrange o processo principal e, além de outros, o processo de verificação do passivo (artºs. 303º e 304º do C.I.R.E.). Consequentemente, o apenso de reclamação de créditos não constitui um processo autónomo, não dando origem a uma tributação própria (artº 1º nº 2 do Regulamento das Custas Processuais). Não pode assim deixar de se considerar que a impugnação da lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, realizada nos termos do artº 130º nº 1 do C.I.R.E., integra-se na chamada tramitação regular de verificação de créditos no processo de insolvência, não sendo devido o pagamento da taxa de justiça. * e) Resta referir que, ainda que se entendesse ser devida essa taxa, a falta de comprovação do seu pagamento não implicava, desde logo, a recusa da impugnação deduzida à lista de créditos não reconhecidos. Na verdade, não seria de aplicar à impugnação da lista de créditos o regime estabelecido no Código de Processo Civil para a petição inicial, por falta de junção de documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça (artºs. 145º nºs. 1 a 3 e 558 º nº 1 al. f) do Código de Processo Civil) : A recusa da mesma pela secretaria. É que a impugnação não se pode reconduzir a um requerimento inicial do processo de reclamação de créditos. Com efeito, a impugnação insere-se na acção de verificação de créditos em curso em que os ora apelantes já eram partes, tendo já deduzido reclamação de créditos que, nos termos da lei, endereçaram ao administrador da insolvência, tendo inclusivamente sido notificados por este do não reconhecimento do seu crédito (artº 129º nº 4 do C.I.R.E.). Não tem, pois, a impugnação da lista de créditos a natureza de uma petição, não lhe sendo aplicável o regime previsto na lei para a petição inicial quanto à falta do pagamento da taxa de justiça, o qual é distinto das restantes peças processuais, pois, quanto a estas, aplica-se o regime previsto nos artºs. 570º e 642º do Código de Processo Civil. E assim sendo, caso fosse exigível o pagamento de taxa de justiça, que não é, sempre haveria de se notificarem os impugnantes para em 10 dias efectuarem o pagamento omitido acrescido de multa, em conformidade com o disposto no artº 570º nº 3 do Código de Processo Civil. * f) Impõe-se, pois, revogar a decisão recorrida, mostrando-se prejudicado o conhecimento das demais questões postas na apelação. * III – Decisão Pelo exposto, decide-se julgar a apelação procedente e, em consequência : 1º- Revoga-se a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento da impugnação da lista de créditos deduzida pelo apelante, por não ser devido por este o pagamento de taxa de justiça. Custas do recurso pela massa (artºs. 303º e 304º do C.I.R.E.). Lisboa, 4 de Setembro de 2023 Pedro Brighton |