Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | PAULO REGISTO | ||
Descritores: | PROPRIEDADE INTELECTUAL DIREITOS CONEXOS EXECUÇÃO QUANTIA EXEQUENDA ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/11/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I - Não dá cumprimento ao ónus previsto pela al. b) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC, o recorrente que se limitou a manifestar a sua desconfiança sobre os meios de prova produzidos em audiência de julgamento, por terem sido oferecidos ou elaborados pela parte contrária, sem, todavia, concretizar de que modo a prova produzida impunha uma diferente decisão sobre a matéria de facto impugnada. II - Para obter a modificação da decisão proferida sobre a matéria de facto, não basta ao recorrente alegar singelamente que os meios de prova foram oferecidos ou elaborados pela parte contrária, para os desacreditar, se não são invocadas quaisquer circunstâncias endógenas ou exógenas que possam comprometer a sua consistência ou credibilidade, por forma a convencer o tribunal de recurso que ocorreu um erro na apreciação da matéria de facto. III - Quando a execução seja titulada por sentença homologatória de confissão ou de transacção, o fundamento específico previsto pela al. i) do art.º 729.º do CPC, não invalida a apresentação de oposição à execução, através de embargos, com base nos fundamentos previstos nas restantes alíneas deste dispositivo. IV - A circunstância do título executivo ser uma sentença condenatória (seja ou não homologatória de confissão ou de transacção) não obsta a que sejam apresentados embargos de executado, com vista ao reconhecimento da extinção ou da modificação da obrigação exequenda, desde que sejam observados os requisitos previstos pela al. g) do art.º 729.º do CPC. V - Constitui alteração anormal das circunstâncias, não coberta pelo risco próprio do contrato, a redução da ocupação hoteleira causada por imprevisíveis motivos de saúde pública (pandemia), que permite à empresa hoteleira obter a redução, segundo juízos de equidade, de acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 437.º do CC, da importância a pagar, pela exibição de videogramas nos televisores colocados nos quartos e nas áreas comuns dos hotéis, decorrente de transacção anteriormente celebrada. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes que integram a secção da propriedade intelectual, concorrência, regulação e supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa I - RELATÓRIO: “BG – Gestão Hoteleira, SA” veio deduzir embargos de executado contra “Gedipe – Associação Para a Gestão Colectiva de Direitos de Autor e de Produtores Cinematográficos e Audiovisuais”, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, pedindo, muito em síntese, que venham a ser julgados procedentes no que diz respeito ao pagamento das facturas 2020/748 e 2021/615 e que a execução apenas prossiga para o pagamento da importância remanescente. * Após ter sido notificada para o efeito, a “Gedipe – Associação Para a Gestão Colectiva de Direitos de Autor e de Produtores Cinematográficos e Audiovisuais” veio a apresentar contestação, que aqui também se dá por integralmente reproduzida, na qual defendeu, muito em síntese, a improcedência dos embargos de executado e o prosseguimento da execução para pagamento integral e efectivo de todas as quantias em dívida. * Após a realização de audiência de julgamento, com a produção da prova oferecida pelas partes, no dia 18-03-2024, foi proferida sentença pelo Tribunal de Propriedade Intelectual - Juiz 1, que decidiu o seguinte: “a) Determina-se a redução da quantia exequenda, prosseguindo a execução para pagamento das seguintes quantias: -- € 7000, relativa ao licenciamento do ano de 2020 (factura n.º 2020/748); -- € 7000, relativa ao licenciamento do ano de 2021 (factura n.º 2021/615); -- € 21 544,42, relativa ao licenciamento do ano de 2022 (factura n.º 2022/872); -- € 21 544,42, relativa ao licenciamento do ano de 2023 (factura n.º HO/1542); Aos referidos valores, acrescem juros à taxa legal, desde as datas dos respectivos vencimentos até efectivo e integral pagamento. b) Absolve-se a embargada do pedido de condenação como litigante de má-fé”. * Inconformada com a decisão proferida, a embargada “Gedipe – Associação Para a Gestão Colectiva de Direitos de Autor e de Produtores Cinematográficos e Audiovisuais” dela veio a interpor recurso, que terminou com a apresentação das seguintes conclusões: “A. Por sentença proferida em 18/03/2024, veio a Mma. Juiz a quo julgar parcialmente procedentes, por provados, os embargos de executado e, em consequência, determinou a redução da quantia exequenda, prosseguindo a execução para pagamento das seguintes quantias: “- € 7.000,00, relativa ao licenciamento do ano de 2020 (factura n.º 2020/748)”, emitida no valor de € 21.544,42” - € 7.000,00, relativa ao licenciamento do ano de 2021 (factura 2021/615)”, emitida no valor de € 21.544,42” - € 21.544,42, relativa ao licenciamento do ano de 2022 (factura n.º 2022/872; - € 21.544,42, relativa ao licenciamento do ano de 2023 (factura n.º HO/1542);” B. A Mmª. Juiz a quo considerou, provados os factos descritos nos pontos C., D. e F. da secção da Sentença destinada à “Fundamentação”, referentes às taxas de ocupação apresentadas pela Recorrida, tendo por base a documentação por si junta aos autos, bem como os depoimentos das testemunhas inquiridas. C. Acontece, porém, que ao mesmo tempo, e em clara contradição com a fundamentação inicial, a Mmª. Juiz diz recorrer a um juízo de equidade para operar uma redução ao valor peticionado pela Recorrente, determinando que seja devido a título de licenciamento, o valor de € 7.000, para os anos de 2020 e 2021, por considerar ser aplicável ao caso concreto o instituto da alteração das circunstâncias quando foi a própria Mmª. Juiz que fundou a sua decisão de dar como provados os factos descritos nos pontos C. D. e F. da Sentença nos documentos juntos pela Recorrida, bem como nos depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento. D. A prova produzida não demonstra ser suficiente para comprovar a matéria dada como provada pela Mmª. Juiz, uma vez que os documentos, nos quais a Mmª. Juiz assenta a sua decisão sobre a matéria de facto, foram elaborados pela Recorrida, por um lado, e os dados que constam de alguns desses documentos foram, igualmente, por si facultados, por outro lado E. Acresce que todas as testemunhas da Recorrida que depuseram sobre este tema são altos quadros da Recorrida (directores de alguns dos hotéis explorados pela Recorrida), pelo que, a sua isenção e credibilidade têm que ser analisados sem olvidar esta relação próxima entre as testemunhas e a Recorrida. Face ao exposto, não existe nos autos qualquer elemento probatório exterior à Recorrida. F. E, igualmente, se impugnou a decisão da Mmª. Juiz a quo sobre a matéria de direito, na parte em que considerou, por um lado, que o título executivo que deu azo à acção executiva, em relação à qual os embargos de executado em causa correm por apenso, não se trata de uma sentença, considerando, por isso, que a Recorrida agiu bem ao deduzir os embargos de executado ao abrigo do artigo 731.º do Código Civil; G. Porquanto, o conceito de sentença condenatória, para efeitos da alínea a) do n.º 1 do art.º 703.º do CPC, compreende as sentenças homologatórias de transacção que condenem, explicita ou implicitamente, no cumprimento de uma obrigação, constituindo título executivo após o trânsito em julgado, salvo se tiver sido interposto recurso com efeito meramente devolutivo. H. Assim, não restam dúvidas que o título executivo in casu é precisamente uma sentença homologatória de transacção, constante da acta de audiência final de julgamento lavrada em 10/12/2013, nos termos e para os efeitos da al. a) do n.º 1 do art.º 703.º e al. i) do art.º 729.º, ambos do CPC e, em consequência, a oposição por embargos de executado deduzida pela Recorrida só pode ter algum dos fundamentos elencados no referido art.º 729.º do CPC (vd. o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, sob o número de processo 8618/23.78SNT.L1-2, de 25/01/2024; Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no âmbito do processo número 3093/19.3T8STB.E1, de 23/04/2020; Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no âmbito do processo n.º 3342/18.5T8LLE.E1); I. Pelo que só com fundamento em qualquer causa de nulidade ou anulabilidade da referida transacção poderia a Embargante, ora Recorrida, opor-se à execução mediante embargos de executado, nos termos e ao abrigo do disposto na al. i) do art.º 729.º do CPC, não sendo aplicável ao caso o disposto no art.º 731.º do mesmo diploma; J. O que não se verificou no caso concreto, consequentemente, deveriam ter sido indeferidos liminarmente os embargos deduzidos pela aqui Recorrida, nos termos e para os efeitos do artigo da al. b) do n.º 1 do 732.º do CPC; K. E errou ainda a Mmª. Juiz a quo na parte em que considerou ser aplicável ao caso concreto o instituto da alteração das circunstâncias, como fundamento para operar uma dedução ao valor do licenciamento devido para os anos de 2020 e 2021, que passa de e 21.544,42 para € 7.000, sem que, contudo, se possa considerar que estejam preenchidos os requisitos cumulativos da previsto no art.º 437.º, n.º 1 do CC. L. Salvo melhor entendimento, o instituto da alteração das circunstâncias não poderá ser reconduzido ao presente caso, por estarmos perante uma transacção homologada por sentença. M. Ademais, para que a Recorrida pudesse fazer valer a alteração das circunstâncias como forma de alterar os termos da transacção teria sempre de demonstrar que estavam preenchidos, no caso concreto, todos os requisitos previstos no artigo 437.º do CC. N. A Recorrida tinha de ter demonstrado que a alteração anormal a ter por relevante diga respeito a circunstâncias em que as partes tenham fundado a decisão de contratar, que a manutenção da transacção, nos termos em que foi celebrada, implicou para si uma lesão tal que afectou gravemente os princípios da boa-fé, não se encontrando a situação abrangida pelos riscos próprios da transacção, e ainda a inexistência de mora da Recorrida, quando invoca a alteração das circunstâncias. O. Significando que, no momento da celebração da transacção informada que, no seu entender, a validade do contrato dependia da abertura ao público e funcionamento dos seus estabelecimentos hoteleiros durante todos os meses de um determinado ano, perante a possibilidade de encerramento total ou parcial daqueles mesmos estabelecimentos, neste caso, por virtude de uma pandemia, não teria celebrado a transacção nos termos acordados, e teria deixado de disponibilizar e executar a comunicação pública de videogramas legalmente protegidos, sendo que a transacção não teria sido celebrada. P. As variações na ocupação dos hotéis da Recorrida foram assumidas pelas partes quando transacionaram e decidiram fixar uma ocupação sem correspondência com a realidade. Ambas as partes sabiam e não podiam desconhecer, nomeadamente a ora Recorrida, dada a sua experiência no negócio da hotelaria, que a ocupação real dos hotéis poderia ser inferior ou superior à percentagem fixada. Ambas as partes assumiram esse risco, aceitando essas variações independentemente do motivo. Não é crível que as partes não estivessem cientes de que poderiam ocorrer variações motivadas pelos mais variados motivos, mais ou menos, previsíveis: crescimento exponencial do turismo a nível mundial, intempéries, pandemias e muitos outros. No entanto, conscientes, assumiram o risco de fixar uma ocupação. Q. E quando invoca a alteração das circunstâncias, a Recorrida encontra-se em mora (vd. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 2363/20.2T8VLG-A.P1, de 12/10/2021 disponível em www.dgsi.pt); R. Pelo que, e querendo a Recorrida fazê-lo, a única forma de alterar uma decisão judicial seria através de um recurso de apelação ou, eventualmente, de um recurso extraordinário, e não através do instituto da alteração das circunstâncias (vd. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no âmbito do processo n.º 247/22.9T8BRG.G1, de 27/04/2023, disponível em www.dgsi.pt). S. Por outro lado, e segundo o referido Acórdão, considerando que a transacção se trata de um negócio jurídico e que por isso lhe é aplicável o regime dos negócios jurídicos, nos termos do n.º 3 do art.º 291.º do CC, o meio processual adequado para impugnação de uma transacção homologada por sentença transitada em julgado seria a acção declarativa de nulidade ou anulação. T. Mais, uma alteração anormal não é sinónimo de imprevisibilidade, sendo que a previsibilidade ou a falta dela em nada relevam no apuramento da anormalidade [Manual de Teoria Geral do Direito Civil, do Prof. Pedro Pais de Vasconcelos, página 372], ou seja podem ocorrer imprevistos que não consubstanciem uma anormal alteração das circunstâncias, nomeadamente em caso de redução parcial de hóspedes, uma vez que, não obstante de tal situação poder ser imprevisível, não deixa de ser uma alteração normal, tento em conta a volatilidade das condições socio-económicas hodiernas e dada a inúmera concorrência que existe, actualmente, no sector hoteleiro dado o crescimento do turismo em Portugal nos últimos anos que leva, necessariamente, a um aumento da oferta e da concorrência. U. Com efeito, dos dados facultados pela Recorrida relativos às taxas de ocupação verificadas, nos anos de 2020 e 2021, nos hotéis em causa nos presentes autos, resulta que os ditos estabelecimentos hoteleiros não estiveram encerrados um ano inteiro, em 2020 e 2021, exceptuando-se o caso do Hotel Real Parque, segundo o alegado pela Recorrida, e apresentaram taxas de ocupação superiores a 20%, tal como resulta do depoimento da testemunha AA [ficheiro de gravação da audiência de julgamento realizada no dia 30/01/2024, em 2’50” a 4”59]; da testemunha BB [ficheiro de gravação da audiência de julgamento realizada no dia 30/01/2024, em 2’47” a 4’53]; e da testemunha CC [ficheiro de gravação da audiência de julgamento realizada no dia 30/01/2024, em 4’09” a 4’53”]. V. Para o instituto da alteração das circunstâncias, a possibilidade de redução de taxas de ocupação constitui sempre um risco inerente ao tipo de actividade desenvolvida pela Recorrida para efeitos da transacção celebrada entre as partes, circunstância que se encontra acautelada ao fixar-se uma taxa de ocupação anual de 48%, quando em muitos meses de 2020 e 2021, e em muitos dos anos anteriores, a Recorrida registou taxas de ocupação superiores a essa percentagem. W. Por outro lado, a Recorrida em momento algum comunicou, à Recorrente, a sua vontade de não cumprir o acordo, nem a sentença que o homologa, como também não indagou junto da Recorrente se era possível a modificação do acordo, por exemplo, através da aplicação de uma taxa de ocupação diferente da acordada, limitando-se ao incumprimento da transacção celebrada, ao deixar de cumprir com o pagamento das facturas que titulam as licenças. X. Ainda assim, veio a Mmª. Juiz ficcionar uma taxa de ocupação arbitrária, que ronda os 15%, quando resulta dos documentos e dos depoimentos de três das quatro testemunhas que foram inquiridas, uma taxa de ocupação média anual superior a 20%. Y. Para tanto, veio a Mmª. Juiz fundamentar essa decisão com o recurso a critérios de equidade e por considerar um valor “justo e adequado”. Z. Porém, no caso concreto a decisão final não poderia ter por base um juízo de equidade, pois a Mmª. Juiz dispunha de elementos, juntos aos autos, que permitiam apurar as taxas de ocupação concretas. AA. O recurso ao princípio da equidade só poderia verificar-se caso não fosse possível a aplicação de outros critérios que permitissem apurar as taxas de ocupação (vd. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do processo número 1087/14.4T8CHV.G1.S1, de 10/12/2019). BB. Assim, ao se decidir pela manutenção dos factos provados, o valor do licenciamento deverá ser fixado atendendo às taxas de ocupação que resultam dos documentos juntos aos autos, incluindo o Protocolo celebrado entre a ora Recorrente e a CTP, do qual consta o tarifário que vincula a Recorrente, e que foi junto aos autos pela Recorrente. CC. Diversamente, se V. Excelências, Venerandos Desembargadores decidirem alterar a matéria de facto, mais concretamente julgando não provados os pontos da matéria de facto que ora se impugnam, são aplicáveis, e valem para o caso em concreto, os termos acordados na transacção, não se admitindo a verificação da alteração das circunstâncias no caso concreto.”. * A empresa “BG – Gestão Hoteleira, SA” pronunciou-se pela improcedência do recurso e pela manutenção da sentença recorrida. Termina a resposta com a apresentação das seguintes conclusões: “A) Os factos dados como provados pela Mª Juíz “a quo” não merecem censura. Efetivamente não só os depoimentos das testemunhas apresentadas pela ora Recorrida foram claros e isentos, confirmando as ocupações das várias unidades hoteleiras que explora durante os anos de 2020 e 2021, como essas ocupações constam igualmente dos documentos juntos pela Recorrida; B) Durante 2020 e 2021 existiu uma pandemia do vírus contagioso designado por COVID-19, que levou a que as autoridades restringissem a livre circulação de pessoas, obrigando a vários períodos de confinamento, conduzindo à paralisação do transporte aéreo e a um forte impacto negativo em vários sectores da economia, em particular nos setores do turismo e restauração, os quais sofreram fortes restrições à sua atividade e elevadas quebras nas taxas de ocupação média das suas unidades; C) A Recorrente pretende receber da Recorrida as taxas relativas aos anos de 2020 e 2021 pelo licenciamento da exibição de videogramas nos televisores que tem nos hotéis que explora de acordo com a taxa de ocupação de 48% estabelecida na transação entre ambos outorgada a 10/12/2013 e que corresponde a um valor anual de € 21.544,42 (vinte e um mil, quinhentos e quarenta e quatro euros e quarenta e dois cêntimos), ou seja, um total de € 43.088,84 (quarenta e três mil, oitenta e oito euros e oitenta e quatro cêntimos); D) A Recorrida também pretende pagar aquela taxa, mas de acordo com a taxa efetiva de ocupação dos seus hotéis nos anos de 2020 e 2021, uma vez que a pandemia relacionada com o COVID-19 reduziu drástica, anormal e inesperadamente as ocupações nessas unidades hoteleiras durante esse período ou, quando assim não se entenda, de acordo com critérios de equidade a fixar pelo Tribunal; E) O frequente desencontro entre Recorrente e Recorrida relativamente às taxas de ocupação efetivamente verificadas nos hotéis explorados por esta conduziu a que firmassem por transação, em 10.12.2013, que para o futuro o licenciamento da globalidade dos estabelecimentos da requerida, seria efetuado considerando uma taxa anual de ocupação de quarenta e oito por cento (48%) e aplicando-se a tabela da Recorrente, à data em vigor, com o desconto de cinco por cento (5%), pelo facto da requerida explorar mais de 500 unidades de alojamento; F) Com este acordo as Partes quiseram conferir segurança no que concerne ao que para o futuro pagariam e receberiam, tendo como pressuposto a normalidade da exploração hoteleira, ou seja, a formação da sua vontade teve essa “normalidade” como pano de fundo, normalidade essa de exploração que teria variações (normais) para mais e para menos consoante o ano turístico em relação àquela média pré-determinada. Recorde-se que a taxa de ocupação na indústria hoteleira é sazonal, variando consoante os anos e o período anual a que respeita, sazonalidade essa particularmente sentida no Algarve onde a Recorrida explorava e explora várias unidades hoteleiras, o que muito justificava a percentagem acordada (48%) e por isso aceite por ambas Recorrida e Recorrente por ser equilibrada, “normal”, digamos; G) As circunstâncias em que as Partes (Recorrente e Recorrida) fundaram a decisão de acordar no pagamento das taxas devidas à Recorrente com base na percentagem de ocupação de 48% (no fundo uma ocupação média) sofreram uma alteração anormal e não coberta pelos riscos próprios desse acordo com a pandemia relacionada com o COVID-19. H) Nos termos do disposto no art.º 437º, nº 1 do CC para que seja possível a resolução ou modificação das cláusulas do contrato fundada na alteração anormal das circunstâncias é necessário: (i) que a alteração ocorrida não seja o desenvolvimento previsível de uma situação conhecida à data da celebração do contrato e (ii) que essa alteração torne o cumprimento da obrigação ofensivo dos princípios da boa-fé”; I) À data da outorga da transação ainda não se encontrava instalada a situação de saúde pública relacionada com a Covid-19, pelo que não é defensável que a mesma fosse previsível. Por outro lado, em consequência de tal evento imprevisível, a taxa de ocupação dos hotéis explorados pela embargante diminuiu drasticamente, tendo inclusivamente alguns sido encerrados, não se vislumbrando ainda que o referido evento (a pandemia) se encontrasse coberta pelos riscos próprios do contrato de transação, nem como a lesão sofrida pela ora Recorrida seja suportável e justificável à luz dos princípios da boa-fé; J) A transação judicial está sujeita ao regime geral do negócio jurídico (arts. 217.º ss. do CC), gozando as partes, dentro dos limites legalmente estabelecidos, da liberdade de o conformarem, pela melhor forma que satisfaça os seus interesses (art.º 405.º do CC). A transação judicial reveste a natureza de um contrato processual, bivinculante, oneroso, constitutivo de obrigações recíprocas para os litigantes, dirimente da relação material controvertida trazida à liça no processo e, por consequência, extintivo daquela relação processual concreta em causa. K) A Recorrida não pretende ver revogada ou alterada a sentença de homologação da transação. Apenas entende que a transação, sendo um negócio jurídico obrigacional, oneroso e sinalagmático se pode extinguir nos termos gerais dos contratos, como se extinguiria se a Recorrida cessasse a exploração de todos os hotéis que explora, ou se modificaria, caso cessasse a exploração de apenas alguns deles, não sendo exigível que continuasse a pagar a taxa de licenciamento dos encerrados; L) Pelo que bem andou a Mª Juíz “ a quo” ao considerar que, sendo assim, não via razão para não ser aplicável à transação firmada entre Recorrente e Recorrida o instituto da alteração anormal das circunstâncias, previsto no art.º 437.º do CC, uma vez que a transação celebrada entre as partes não se tratou de um negócio jurídico com prestações com execução única no tempo, mas antes com a obrigação das partes se vincularem a prestações que surgem em função do decurso do tempo, não contrariando, assim, o disposto no art.º 729º, al. i) do CPC porquanto este se encontra reservado para negócios jurídicos em que as partes reciprocamente se obrigam mediante prestações de natureza instantânea; M) A justeza desta posição demonstra-se em toda a sua clareza se pensarmos num cenário de cessação de exploração dos hotéis por parte da Recorrida, perante o qual não seria por a transação ter sido objeto de homologação judicial que seria passível de execução.“Mutatis, mutantis” o mesmo se aplica à atendibilidade da sua modificação por alteração superveniente e anormal das circunstâncias que presidiram à sua celebração.”. * Admitido o recurso e colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. II – FUNDAMENTAÇÃO: a) Factos provados: A primeira instância julgou provados os seguintes factos: “A. No âmbito do procedimento cautelar apenso, no dia 10/12/2013, GEDIPE -Associação para a Gestão de Direitos de Autor, Produtores e Editores e BG – Gestão Hoteleira, S.A. celebraram a seguinte transacção, homologada judicialmente: TRANSACÇÃO 1.º A requerida reconhece que explora os estabelecimentos comerciais abertos ao público e a funcionar diariamente, e que são os seguintes: 1. Hotel Real Oeiras; 2. Hotel Real Parque; 3. Real Residência Suite Hotel; 4. Real Bellavista Hotel & SPA; 5. Grande Real Santa Eulália Hotel & SPA; 6. Grande Real Villa Itália; 7. Hotel Real Palácio reconhecendo ainda que neles dispõe de televisores nos quartos e em algumas áreas comuns. 2.º A requerente prescinde dos valores peticionados pelo licenciamento referentes ao período de Julho de 2010 a Maio de 2011. 3.º Relativamente ao período de Junho de 2011 a Dezembro de 2013 a requerida compromete-se a pagar à requerente, a título de licenciamento global dos seus estabelecimentos comerciais, pela exibição de videogramas naqueles televisores a quantia de € 45.000 (quarenta e cinco mil euros). 4.º Esta quantia será paga em 9 (nove) prestações mensais iguais e sucessivas no valor de € 5.000 (cinco mil euros) cada, vencendo-se a primeira no primeiro dia útil do mês de Janeiro de 2014 e as seguintes no mesmo dia útil dos meses subsequentes através de transferência bancária para o NIB a fornecer pela requerente. 5.º O licenciamento para os anos seguintes, e para a globalidade dos estabelecimentos da requerida, será efetuado considerando uma taxa de ocupação de quarenta e oito por cento (48%) e aplicando-se a tabela da Gedipe, atualmente em vigor, com o desconto de cinco por cento (5%) pelo facto da requerida explorar mais de 500 unidades de alojamento. O valor assim obtido é de € 21.544,42 (vinte e um mil, quinhentos e quarenta e quatro euros e quarenta e dois cêntimos), valor este que a requerida se compromete a pagar anualmente, sem prejuízo de se verificar uma taxa de ocupação inferior aos referidos quarenta e oito por cento (48%), ou de eventual abaixamento do valor das tabelas. 6.º A requerida desiste do pedido de litigância de má-fé e a requerente desiste do pedido de inversão do contencioso e dos valores aí peticionados. 7.º As custas em divida a juízo ficam a cargo da requerente prescindindo ambas de custas de parte. B. Em 28/04/2023, a embargada instaurou acção executiva de sentença a correr nos próprios autos, para pagamento de quantia certa, peticionando o valor de € 86.177,68, referente a: a) Factura n.º 2020/748, relativa ao licenciamento para o ano de 2020, emitida a 10/03/2020 e vencida em 13/04/2020, no valor de € 21.544,42, que ora se junta como Documento 2 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais; b) Factura n.º 2021/615, relativa ao licenciamento para o ano de 2021, emitida a 11/06/2021 e vencida em 12/07/2021, no valor de € 21.544,42, que ora se junta como Documento 3 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais; c) Factura n.º 2022/872, relativa ao licenciamento para o ano de 2022, emitida a 11/03/2022 e vencida em 11/04/2022, no valor de € 21.544,42, que ora se junta como Documento 4 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais. d) Factura n.º HO/1542, relativa ao licenciamento para o ano de 2023, emitida a 31/01/2023 e vencida a 28/02/2023, no valor de € 21.544,42, que ora se junta como Documento 5 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais. (…) 12. Ao valor em dívida, acresce ainda o montante global de € 5.104,54 a título de juros moratórios, contabilizadas à taxa legal em vigor, desde a data do vencimento até à presente data. C. No ano de 2020 a ocupação média anual dos hotéis explorados pela Embargante foi a seguinte: -- Hotel Real Oeiras – 24%; -- Hotel Real Parque – encerrado desde 27 de fevereiro; -- Hotel Real Residências – encerrado desde 27 de fevereiro; -- Hotel Real Bellavista – 15%; -- Grande Real Santa Eulália Hotel & Spa – 22%; -- Grande Real Villa Italia Hotel & Spa – 17%; -- Hotel Real Palácio – 23%. D. No ano de 2021 a ocupação média anual dos hotéis explorados pela Embargante foi a seguinte: -- Hotel Real Oeiras – 21%; -- Hotel Real Parque – encerrado; -- Hotel Real Residências – encerrado; -- Hotel Real Bellavista – 17%; -- Grande Real Santa Eulália Hotel & Spa – 29%; -- Grande Real Villa Italia Hotel & Spa – 29%; -- Hotel Real Palácio – 13%. E. Foi a seguinte a ocupação por mês e por unidade dos hotéis explorados pela embargante em 2020 e 2021, sendo as taxas a pagar as resultantes da aplicação do tarifário da Embargada sobre essa ocupação: --Hotel Real Palácio, cfr. doc. 13 e 21 cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais:
-- Hotel Maxime, cfr. doc. 14 e 22 cujo conteúdo se dá por integralmente por eproduzido para todos os efeitos legais:
--Hotel Real Parque, encerrado ao público desde 1 de Março de 2020 até à data, cfr. doc. 14 cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais:
--Hotel Real Oeiras, cfr. doc. 15 e 23 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais:
-- Grande Real Villa Itália Hotel e Spa, cfr. doc. 16 e 24 cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais:
-- Grande Real Santa Eulália Hotel e Spa, cfr. doc. 17 e 25 cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais:
-- Hotel Real Marina, cfr. doc. 18 e 26 cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais:
-- Real Marina Residence, cfr. doc. 19 e 27 cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais:
--Hotel Real Belavista, cfr. doc. 20 e 28 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos efeitos legais:
F. Nos anos de 2020 e 2021, teve lugar a pandemia relacionada com o COVID-19”. Para além dos que ficaram descritos, o tribunal de primeira instância não considerou como provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa. b) Objecto do recurso: Como decorre do disposto nos arts. 635.º, n.º 3, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, as conclusões do recorrente delimitam o recurso apresentado, estando vedado ao tribunal hierarquicamente superior àquele que proferiu a decisão recorrida conhecer de questões ou de matérias que não tenham sido suscitadas, com excepção daquelas que sejam de conhecimento oficioso. Deste modo, compete à parte que se mostra inconformada com a decisão judicial proferida indicar, nas conclusões do recurso que interpôs, que segmento ou que segmentos decisórios pretende ver reapreciado(s), delimitando o recurso quanto aos seus sujeitos e/ou quanto ao seu objecto. A delimitação (objectiva e/ou subjectiva) do recurso condiciona a intervenção do tribunal hierarquicamente superior, que se deve cingir à apreciação e à decisão das matérias indicadas pela parte recorrente, com excepção de eventuais questões que se revelem de conhecimento oficioso. Isto significa que está vedado ao tribunal de recurso proceder a uma reapreciação de questões ou de matérias que não tenham sido suscitadas e, por consequência, que os seus poderes de cognição se encontram delimitados pelo recurso interposto no âmbito de um processo da iniciativa das partes. A iniciativa das partes condiciona a intervenção do tribunal de recurso e delimita os seus poderes de cognição, sem prejuízo do caso julgado já formado e de eventuais questões que possam ser apreciadas a título oficioso. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto: A recorrente “Gedipe – Associação Para a Gestão Colectiva de Direitos de Autor e de Produtores Cinematográficos e Audiovisuais” começa por impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, muito em particular por entender que os pontos C, D e E não podiam ter sido dados como provados. Para tanto afirma que a prova produzida em audiência de julgamento não se mostrou suficiente para comprovar esta matéria de facto, seja por os documentos que serviram de fundamento à decisão terem sido produzidos pela própria embargada “BG – Gestão Hoteleira, SA”, seja por as testemunhas inquiridas serem directores dos hotéis explorados pela empresa, o que pode comprometer a sua isenção e a sua credibilidade. Por seu turno, a recorrida “BG – Gestão Hoteleira, SA” sustentou, muito em síntese, que os factos considerados provados pelo tribunal a quo não merecem qualquer censura, na medida em que assentam nos documentos por si oferecidos e nos depoimentos claros e isentos das testemunhas que apresentou em juízo, o que permitiu confirmar as ocupações das unidades hoteleiras que explorou durante os anos de 2020 e 2021. Apreciando e decidindo: Conforme resulta do art.º 640.º, n.º 1, als. a) a c), do CPC, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, sob pena de rejeição do recurso, deve indicar os pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, deve especificar os meios de prova que imponham uma decisão diversa e deve indicar a decisão que devia ser proferida, no seu entender, sobre as questões de facto que foram impugnadas pelo recorrente. Por seu turno, a al. b) do n.º 2 deste dispositivo exige que o recorrido indique os meios de prova (v.g. documentos, perícias ou testemunhas) que contrariem ou que infirmem as conclusões apresentadas pelo recorrente. Sob pena de rejeição (parcial ou total) do recurso interposto, o recorrente, para além de ter de indicar os concretos pontos de facto que considera mal julgados e a decisão que, em seu entender, devia ser proferida, deve especificar em que medida os meios de prova produzidos impunham uma decisão diferente daquela que foi tomada pelo tribunal recorrido. Deste modo, deve ser rejeitado o recurso quando o recorrente se limita a afirmar que discorda da apreciação da prova, realizada pelo tribunal de primeira instância ao abrigo do disposto no n.º 5 do art.º 607.º do CPC, sem concretizar de que modo os meios de prova produzidos impõem uma diferente decisão sobre a matéria de facto que entende ter sido mal julgada. O recorrente deve sustentar, de modo fundamentado, por remissão para os meios de prova produzidos, que o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento quando fixou os factos provados e/ou os factos não provados. Se, de acordo com o n.º 5 do art.º 607.º do CPC, o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção”, o recorrente pode sindicar essa avaliação, com vista a obter a modificação da matéria de facto fixada, indicando que a prova produzida, ainda que conjugada com as regras da experiência comum, impunha uma diferente decisão sobre a matéria de facto. No caso vertente, a recorrente “Gedipe – Associação Para a Gestão Colectiva de Direitos de Autor e de Produtores Cinematográficos e Audiovisuais” limitou-se a criticar a apreciação da prova feita pelo tribunal a quo e que permitiu considerar como provados os pontos C, D e E da matéria de facto, afirmando, grosso modo, que é questionável a isenção e a credibilidade das testemunhas inquiridas e que os documentos valorados foram elaborados pela recorrida “BG – Gestão Hoteleira, SA”. A mera desconfiança que demonstra perante os meios de prova oferecidos pela parte contraria não tem concretização em qualquer circunstância endógena ou exógena, susceptível de levar este tribunal de recurso a entender que o tribunal recorrido errou ao ter considerado como provados esses pontos da matéria de facto, ou seja, que a prova produzida foi incorrectamente apreciada ou avaliada pelo tribunal de primeira instância (sobretudo quando decidiu que os hotéis explorados pela empresa recorrida “BG – Gestão Hoteleira, SA” sofreram uma redução da ocupação média, durante os anos de 2020 e 2021, devido à pandemia). A recorrente “Gedipe – Associação Para a Gestão Colectiva de Direitos de Autor e de Produtores Cinematográficos e Audiovisuais” não deu cumprimento ao ónus previsto pelo al. b) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC, na medida em que se limitou a manifestar a sua desconfiança sobre os meios de prova produzidos em audiência de julgamento, por terem sido oferecidos ou elaborados pela parte contrária, sem, todavia, concretizar de que modo a prova produzida (de um modo mais detalhado, a prova testemunhal e a prova documental) impunha uma diferente decisão sobre a matéria de facto. Para obter a modificação da decisão proferida sobre a matéria de facto, não basta ao recorrente alegar singelamente que os meios de prova foram oferecidos ou elaborados pela parte contrária, para os desacreditar, se não são invocadas quaisquer circunstâncias endógenas ou exógenas que possam comprometer a sua consistência ou credibilidade, por forma a convencer o tribunal de recurso que ocorreu um erro na apreciação da matéria de facto. Nada é alegado, em concreto, que seja susceptível de questionar ou de abalar a avaliação crítica da prova realizada pelo tribunal a quo, seja, por exemplo, por os meios de prova produzidos serem inconsistentes, por terem sido contrariados por outros meios de prova constantes dos autos ou por o tribunal não os ter conjugado com as regras da experiência comum, com vista a se proceder a uma modificação da matéria de facto impugnada. Deste modo, deve ser rejeitado o recurso interposto, na parte em que a recorrente “Gedipe – Associação Para a Gestão Colectiva de Direitos de Autor e de Produtores Cinematográficos e Audiovisuais” impugnou a decisão proferida sobre a matéria de facto, porquanto não especificou os “(…) concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (…)”. Enquadramento jurídico: De seguida, a “Gedipe - Associação Para a Gestão Colectiva de Direitos de Autor e de Produtores Cinematográficos e Audiovisuais” veio sustentar que, in casu, o título executivo é uma sentença, que as sentenças homologatórias de transacção, que condenem no cumprimento de uma obrigação, constituem título executivo após o seu transito em julgado e que a oposição por embargos de executado só pode assentar em algum dos fundamentos previstos pelo art.º 729.º do CPC, o que, como não se verificou no caso concreto, deveria ter conduzido ao seu indeferimento liminar. Considerou ainda que a decisão recorrida errou na parte em que considerou aplicável ao caso concreto o instituto da alteração das circunstâncias, por não estarem preenchidos os requisitos previstos pelo art.º 437.º do CC, muito em particular quando determinou uma dedução ao valor do licenciamento de 2020 e 2021, que passou de € 21.544,42 para € 7.000. Por último, referiu que a decisão final nunca poderia ter por base um juízo de equidade, na medida em que existem elementos nos autos que permitiam ao tribunal apurar as taxas de ocupação concretas. Por seu turno, a recorrida “BG – Gestão Hoteleira, SA” defendeu, muito em síntese, que a pandemia reduziu de modo drástico, anormal e inesperado as ocupações das unidades hoteleiras durante os anos de 2020 e de 2021, que esta redução não está coberta pelos riscos próprios do acordo firmado com a “Gedipe - Associação Para a Gestão Colectiva de Direitos de Autor e de Produtores Cinematográficos e Audiovisuais” e que o art.º 729.º, al. i), do CPC, está reservado para os negócios jurídicos em que as partes reciprocamente se obrigam mediante prestações de natureza instantânea. Apreciando e decidindo: Conforme decorre da matéria de facto provado, a embargada “Gedipe - Associação Para a Gestão Colectiva de Direitos de Autor e de Produtores Cinematográficos e Audiovisuais” apresentou como título executivo a sentença que homologou a transacção celebrada no dia 10-12-2013 com a empresa embargante “BG – Gestão Hoteleira, SA”. As partes convencionaram, para os anos subsequentes à data da celebração do acordo, uma taxa de ocupação dos hotéis de 48%, sujeita a um desconto de 5%, por a recorrida “BG – Gestão Hoteleira, SA” explorar mais de 500 unidades de alojamento, para efeitos de determinação do montante à pagar à “Gedipe - Associação Para a Gestão Colectiva de Direitos de Autor e de Produtores Cinematográficos e Audiovisuais” devido à exibição de videogramas nos televisores dos quartos e das áreas comuns. Neste sentido, de acordo com o art.º 5.º do mencionado acordo, a empresa ficou obrigada a proceder ao pagamento da quantia anual de € 21.544,42, “(…) sem prejuízo de se verificar uma taxa de ocupação inferior aos referidos quarenta e oito por cento (48%) ou de eventual abaixamento do valor das tabelas (…)”. A sentença que homologou esta transacção condenou a recorrida “BG – Gestão Hoteleira, SA” a cumprir o acordo nos precisos termos estipulados, nomeadamente, a proceder, em devido tempo, ao pagamento das quantias monetárias resultantes do seu clausulado. Deste modo, essa sentença constitui título executivo, de acordo com o disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 703.º do CPC, na medida em que, ao homologar a transacção acima mencionada, atendendo ao teor do acordo firmado entre as partes, condenou a empresa recorrida “BG – Gestão Hoteleira, SA” a proceder ao pagamento das quantias monetárias resultantes desse contrato (máxime, a quantia anual de € 21 544,42). Como a execução em causa se fundou nessa sentença (sentença homologatória da transacção), os embargos de executado têm de apresentar algum dos fundamentos tipificados nas diversas alíneas do art.º 729.º do CPC. Deste dispositivo resulta um leque tipificado de fundamentos (uns de natureza adjectiva, que se prendem com os pressupostos processuais; outros de natureza substantiva, que se prendem com a obrigação exequenda) que permitem ao executado opor-se à execução baseada em sentença. Dentre todos os fundamentos de oposição à execução, que tenha por base uma sentença de natureza condenatória, contam-se os seguintes: extinção ou modificação da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão do processo de declaração e se prove por documento; nulidade ou anulabilidade dos actos de confissão ou de transacção homologados por sentença - vide als. g) e i) do art.º 729.º do CPC. No caso vertente, atendendo à matéria de facto alegada pela recorrida “BG – Gestão Hoteleira, SA”, os embargos de executado não colhem fundamento na al. i) do art.º 729.º do CPC, na medida em que não é posta em causa a validade intrínseca da transacção celebrada. O fundamento apresentado, ao abrigo do disposto no art.º 437.º do CC, prende-se com uma pretendida modificação do negócio jurídico celebrado, por alteração superveniente das circunstâncias, já que, segundo o que se deixou alegado, a “(…) pandemia Covid-19 teve por efeito o condicionamento generalizado da mobilidade individual, com longos períodos de confinamento obrigatório e teve particular repercussão naquelas atividades económicas que mais dependem dessa mobilidade, com particular incidência no transporte, nomeadamente aéreo e no turismo em geral, o que é do conhecimento geral (…)” e determinou que “(…) a taxa de ocupação anual dos hotéis explorados pela Embargante foi em 2020 de 14,4% e em 2021 15,6%, a que corresponde uma taxa agregada para os dois anos de 15% de ocupação (…)”. Como se viu, a lei admite a apresentação de oposição à execução titulada por sentença condenatória (o que inclui as sentenças homologatórias de confissão ou de transacção) quando a obrigação exequenda se tenha extinto ou se tenha modificado em momento posterior ao encerramento da discussão em processo de declaração e se prove por documento. Quando a execução seja titulada por sentença homologatória de confissão ou de transacção, o fundamento específico previsto pela al. i) do art.º 729.º do CPC, não invalida a apresentação de oposição à execução, com base nos fundamentos previstos nas restantes alíneas deste dispositivo. Nestes casos, o executado não está impedido de invocar fundamentos que digam respeito quer aos pressupostos processuais (v.g. incompetência do tribunal, legitimidade ou capacidade judiciária das partes), quer à existência da própria obrigação exequenda (v.g. extinção por cumprimento da obrigação exequenda resultante de transacção homologada por sentença). A circunstância do título executivo ser uma sentença condenatória (seja ou não homologatória de transacção) não obsta a que sejam apresentados embargos de executado, com vista ao reconhecimento da extinção ou da modificação da obrigação exequenda, desde que sejam observados os requisitos que estão previstos pela al. g) do art.º 729.º do CPC. Seria desaconselhável, por motivos de economia processual, obrigar o executado, para exercer o seu direito, a interpor recurso (ordinário ou extraordinário) da sentença (homologatória) ou instaurar acção declarativa, com vista a que fosse reconhecida a extinção ou da modificação da obrigação exequenda, enquanto prosseguia a acção executiva contra si instaurada. A recorrida “BG – Gestão Hoteleira, SA” em parte alguma veio alegar que a transacção celebrada entre as partes padece de vício que possa conduzir à sua nulidade ou à sua anulabilidade, antes pelo contrário, admite a validade deste negócio jurídico, não obstante pugne pela sua modificação devido a uma alteração superveniente das circunstâncias. Deste modo, não se subscrevem as afirmações constantes do recurso interposto no sentido que “(…) só com fundamento em qualquer causa de nulidade ou anulabilidade da referida transacção poderia a Embargante, ora Recorrida, opor-se à execução mediante embargos de executado, nos termos e ao abrigo do disposto na al. i) do art.º 729.º do CPC, não sendo aplicável ao caso o disposto no art.º 731.º do mesmo diploma (…)” ou que “(…) o meio processual adequado para impugnação de uma transacção homologada por sentença transitada em julgado seria a acção declarativa de nulidade ou anulação (…)”. Os embargos de executado apresentam como causa de pedir a ocorrência de uma situação pandémica em 2020 e em 2021, que terá levado a uma redução da taxa de ocupação dos hotéis explorados pela “BG – Gestão Hoteleira, SA”, o que, na perspectiva da empresa, deve conduzir, por alteração das circunstâncias, a uma modificação do contrato. Essas circunstâncias, que ocorreram em momento posterior à celebração do contrato de transacção (ocorrida no dia 10-12-2013) e à sua homologação por parte do tribunal, são susceptíveis de ser provadas pelos documentos oferecidos pela embargante “BG – Gestão Hoteleira, SA”, conforme resulta, aliás, da sentença recorrida (o tribunal a quo formou a sua convicção, para além do mais, com base nos “nos documentos juntos aos autos: facturas, inquéritos do INE, mapas diários de receitas, plannings de ocupação, managers flashes, history forecast”). Isto significa que os embargos de executado, interpostos pela recorrida empresa “BG – Gestão Hoteleira, SA”, colhem fundamento no disposto na al. g) do art.º 729.º do CPC, na medida em que a oposição apresentada diz respeito a um facto modificativo da obrigação exequenda, superveniente à transacção celebrada e à sua homologação por parte do tribunal, o que se mostre passível de ser provado por documento. A questão suscitada dos fundamentos legalmente admissíveis para a dedução de embargos de executado não mereceria diferente tratamento, caso se entendesse que a execução se baseia noutro título e que, por isso, deveria ser enquadrada no regime jurídico constante do art.º 731.º do CPC. Em face do exposto, o recurso interposto pela “Gedipe - Associação Para a Gestão Colectiva de Direitos de Autor e de Produtores Cinematográficos e Audiovisuais” deverá ser julgado improcedente, na parte em que se defende que os embargos de executado, deduzidos pela empresa recorrida “BG – Gestão Hoteleira, SA”, deveriam ter sido liminarmente indeferidos, nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 732.º do CPC, por não terem acolhimento em nenhum dos fundamentos previstos pelo art.º 729.º do mesmo diploma legal. Prosseguindo: A recorrente “Gedipe - Associação Para a Gestão Colectiva de Direitos de Autor e de Produtores Cinematográficos e Audiovisuais” veio também sustentar que o instituto jurídico da alteração das circunstâncias não é aplicável a uma transacção homologada por sentença, assim como que não se encontram preenchidos os requisitos previstos pelo art.º 437.º do CC. O art.º 1248.º, n.ºs 1 e 2, do CC, sob a epígrafe “noção”, estabelece que a “transação é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões”, o que pode “envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido”. Atendendo ao teor deste preceito e à sua inserção sistemática no CC (integra o título II do livro II, respeitante aos “contratos em especial”), não subsistem quaisquer dúvidas que, a nível substantivo, a transacção constitui um negócio jurídico bilateral, que envolve concessões recíprocas para as partes, destinado a prevenir (a evitar a interposição de acção judicial) ou a terminar um litígio (a por termo a uma acção judicial já pendente). A transacção, enquanto contrato, ainda que homologada judicialmente, encontra-se sujeita ao regime jurídico destes negócios bilaterais, muito em particular aos dispositivos referentes à resolução ou modificação dos contratos por alteração das circunstâncias (vide art.º 437.º do CC). “Considerada como contrato, a transacção está sujeita à disciplina dos contratos (arts. 405.º e segs.) e ao regime geral dos negócios jurídicos (arts. 217.º e segs.). Nestes aspectos reside, sobretudo, o interesse prático da solução do problema da sua natureza (…)” – vide Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Volume II, págs. 856 e 857. Em face do exposto, não se vislumbra qualquer obstáculo que impossibilite a aplicação do regime jurídico previsto pelo art.º 437.º do CC à transacção celebrada entre a “Gedipe - Associação Para a Gestão Colectiva de Direitos de Autor e de Produtores Cinematográficos e Audiovisuais” e a empresa “BG – Gestão Hoteleira, SA”, na medida em que a sua homologação judicial não determinou a alteração da natureza deste negócio. A interpretação sufragada pela recorrente “Gedipe - Associação Para a Gestão Colectiva de Direitos de Autor e de Produtores Cinematográficos e Audiovisuais” (no sentido de que o “instituto da alteração das circunstâncias não poderá ser reconduzido ao presente caso, por estarmos perante uma transacção homologada por sentença”) não encontra acolhimento no texto da lei, ou seja, em parte alguma o art.º 1248.º, n.ºs 1 e 2, do CC estabelece que as transacções fiquem sujeitas a um distinto regime jurídico, consoante se tratem de transacções extrajudiciais ou de transacções judiciais. Ainda que tenha sido homologada por sentença, durante a pendência de uma acção judicial, a transacção celebrada entre as partes não deixa de constituir um contrato, conforme decorre expressamente do mencionado art.º 1248.º, pelo que, atendendo à sua natureza, fica sujeita, em especial, à disciplina dos contratos e, em geral, à disciplina dos negócios jurídicos. Perante este enquadramento, aceita-se que o tribunal a quo tenha decidido recorrer ao regime jurídico que integra o título I do livro II do CC, muito em particular aos arts. 405.º e seguintes, respeitantes aos “contratos”. Deste modo, estabelece o art.º 437.º, n.º 1, do CC, que “(…) se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato (…)”. A lei exige que tenha ocorrido uma “alteração anormal” das circunstâncias que determinaram a celebração do acordo e, cumulativamente, que a exigência de cumprimento do contrato ao contraente que pretende a sua resolução ou a sua modificação afecte gravemente “os princípios da boa fé” e “não esteja coberta pelos riscos próprios” do negócio jurídico celebrado. Conforme se deixou escrito no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-10-2013, proferido no Proc. n.º 1387/11.5TBBCL (in www.dgsi.pt), “ (…) resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias depende da verificação dos seguintes requisitos: (i) que haja alteração relevante das circunstâncias em que as partes tenham fundado a decisão de contratar, ou seja, que essas circunstâncias se hajam modificado de forma anormal, e que (ii) a exigência da obrigação à parte lesada afecte gravemente os princípios da boa fé contratual, não estando coberta pelos riscos do negócio (…)”. A “alteração anormal” constitui um dos conceitos indeterminados utilizados pelo legislador quando prevê os requisitos deste instituto jurídico, que corresponde a uma alteração invulgar ou excepcional das circunstâncias que determinaram a celebração do contrato ou, nas palavras utilizadas pelo mencionado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, ocorrerá quando haja uma alteração relevante, apreciável ou de vulto das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de celebrar o negócio jurídico. Por contraposição, uma mera alteração das circunstâncias, que possa ser entendida como normal, vulgar ou pouco relevante, não permite ao contraente interessado a resolução ou a modificação do negócio, que, à partida, estará a coberto dos riscos próprio do contrato celebrado. Ainda a este propósito, Pires de Lima e Antunes Varela referem que “(…) é preciso que as circunstâncias se tenham modificado (…) e, além disso, é necessário que a alteração seja anormal (…) a lei não exige (…) que a alteração seja imprevisível, mas o requisito da anormalidade conduzirá praticamente quase aos mesmos resultados (…)” - in ob. cit., Volume I, pág. 413. No caso vertente, procedendo à análise do negócio jurídico celebrado, verifica-se que as partes fixaram o valor global a pagar à recorrente “Gedipe - Associação Para a Gestão Colectiva de Direitos de Autor e de Produtores Cinematográficos e Audiovisuais” (€ 21.544,42) com base na ocupação (média) dos estabelecimentos hoteleiros explorados pela empresa recorrida “BG – Gestão Hoteleira, SA”, que foi fixada em 48%, independentemente de se verificar uma taxa de ocupação inferior. Da matéria de facto provada resultou apurado que, devido à pandemia, as unidades hoteleiras exploradas pela empresa recorrida “BG – Gestão Hoteleira, SA” obtiveram uma taxa de ocupação bastante inferior a 48%, durante os anos de 2020 e 2021, que oscilou entre os 29% de ocupação média do “Grande Real Santa Eulália Hotel & Spa” e do “Grande Real Vila Itália Hotel & Spa” e o encerramento completo (o ano inteiro) ou parcial (durante alguns meses do ano) do “Hotel Real Parque” e do “Hotel Real Residências”. Do que se deixa exposto resulta isento de quaisquer dúvidas que ocorreu, durante os anos de 2020 e 2021, uma alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de transacionar, a saber, na ocupação (média) dos estabelecimentos hoteleiros explorados pela empresa recorrida “BG – Gestão Hoteleira, SA”, enquanto elemento determinante do valor global a pagar (€ 21.544,42), devido pela exibição de videogramas nos televisores colocados nos quartos e nas áreas comuns desses hotéis. De igual modo, parece isento de dúvidas que as partes assumiram o risco associado à celebração deste contrato, na medida em que previram, para os anos seguintes, uma taxa de ocupação (média) de 48%, enquanto valor determinante da importância a pagar, independentemente das oscilações que a mencionada taxa viesse a sofrer devido às contingências do mercado. É o que decorre do art.º 5.º da transacção, quando se prevê que a empresa fica obrigada a proceder ao pagamento da quantia anual de € 21.544,42, “(…) sem prejuízo de se verificar uma taxa de ocupação inferior aos referidos quarenta e oito por cento (48%) ou de eventual abaixamento do valor das tabelas (…)”. Isto significa que as partes previram uma alteração normal das circunstâncias e que assumiram o risco decorrente das oscilações da taxa média de ocupação das unidades hoteleiras exploradas pela empresa recorrida “BG – Gestão Hoteleira, SA”, que não podiam determinar uma redução do montante a pagar à recorrente “Gedipe - Associação Para a Gestão Colectiva de Direitos de Autor e de Produtores Cinematográficos e Audiovisuais” pela exibição dos videogramas em causa. Por isso, aceita-se a afirmação constante do recurso apresentado no sentido que “as variações na ocupação dos hotéis da Recorrida foram assumidas pelas partes quando transacionaram e decidiram fixar uma ocupação”. Todavia, no decurso de 2020 e 2021, o mundo em geral e Portugal em particular, sofreram as consequências de um acontecimento imprevisível à data da celebração do acordo (como se viu, a transaccção foi firmada no dia 10-12-2013), que, como é sobejamente conhecido, condicionou a liberdade de circulação das pessoas por motivos de saúde pública, com consequências ao nível da redução (acentuada) da taxa de ocupação das unidades hoteleiras. Deste modo, a redução de taxa da ocupação das unidades hoteleiras exploradas pela recorrida “BG – Gestão Hoteleira, SA”, devido a uma pandemia, surge como uma fenómeno imprevisível à data da celebração da transacção (nem em 2013, nem tão-pouco nos anos seguintes, se previa que o mundo viesse a ser atingido por uma pandemia, que a liberdade de circulação das pessoas tivesse de ser restringida por motivos de saúde pública e que, por isso, os hotéis viessem a ser atingidos por uma redução acentuada da sua actividade), ao mesmo tempo em que constitui uma alteração anormal ou excepcional das circunstâncias que determinaram a celebração do acordo (as partes previram as flutuações de ocupação das unidades hoteleiras devido às habituais contingências do mercado, mas nada avançaram sobre o valor da pagar quando viesse a ocorrer uma redução acentuada da taxa de ocupação hoteleira devido a um fenómeno pandémico). Seguramente, à data da celebração do acordo, as partes nunca imaginaram que, passados uns anos, o mundo seria atingido por uma pandemia, que as pessoas iam ver a sua liberdade de circulação limitada por motivos de saúde publica, que as unidades hoteleiras iam sofrer uma redução da sua actividade e que, inclusive, algumas delas iam mesmo encerrar. A redução acentuada da clientela das unidades hoteleiras exploradas pela recorrida “BG – Gestão Hoteleira, SA”, causada por imprevisíveis motivos de saúde pública (pandemia), que inclusive determinou o encerramento de alguns desses hotéis, constitui uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar e que não se encontra coberta pelos riscos próprios da transacção celebrada. Para a fixação pelas partes da taxa de ocupação de 48%, enquanto elemento determinante para o apuramento da quantia a pagar pela exibição dos videogramas nas televisões colocadas nos quartos e nas áreas comuns dos hotéis, somente se levou em consideração as normais variações do mercado hoteleiro, que constituíam o risco próprio do negócio jurídico celebrado. A situação pandémica, que restringiu a liberdade de circulação das pessoas e que provocou uma redução acentuada da clientela dos hotéis, constituiu uma alteração excepcional e imprevisível, que não se encontra coberta pelos riscos próprios da transacção firmada entre as partes (a recorrida “BG – Gestão Hoteleira, SA” viu a sua actividade económica condicionada por uma circunstância imprevisível, que determinou uma diminuição, por motivos de saúde publica, da taxa de ocupação das unidades hoteleiras, muito para além das regulares flutuações do mercado). Por último, importa afirmar que a manutenção, nos seus precisos termos, do contrato celebrado entre as partes, constituiria uma ofensa ao princípio da boa fé, na medida em que olvidaria a situação pandémica que atingiu Portugal durante os anos de 2020 e de 2021 e que não levaria em conta a redução da actividade comercial desenvolvida pela empresa recorrida, ficcionando que nada de extraordinário tinha acontecido no mundo. Deste modo, constitui uma alteração anormal das circunstâncias, não coberta pelo risco próprio do contrato, a redução da ocupação hoteleira causada por imprevisíveis motivos de saúde pública (pandemia), que permite à empresa hoteleira obter a redução, segundo juízos de equidade, de acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 437.º do CC, da importância a pagar, pela exibição de videogramas nos televisores colocados nos quartos e nas áreas comuns dos hotéis, decorrente de transacção anteriormente celebrada. De igual modo, nenhuma censura merece a decisão recorrida quando, com recurso a juízos de equidade, fixou em € 7.000, o valor anual a pagar, em 2020 e 2021, pela embargante “BG – Gestão Hoteleira, SA”, decorrente da exibição dos videogramas nos hotéis em causa. Muito embora a recorrente “Gedipe - Associação Para a Gestão Colectiva de Direitos de Autor e de Produtores Cinematográficos e Audiovisuais” também se insurja contra este segmento decisório, as importâncias anuais fixadas pelo Tribunal de Propriedade Intelectual - Juiz 1 (que correspondem, aproximadamente, a um terço dos valores anuais resultantes do contrato de transacção do dia 10-12-2013) respeitam, segundo juízos de equidade, a matéria de facto que foi considerada provada. A este propósito, importa recordar, por exemplo, conforme resultou demonstrado nos presentes autos, que a recorrida “BG – Gestão Hoteleira, SA” encerrou a partir de 27-02-2020 o “Hotel Real Parque”, que esta unidade hoteleira esteve fechada durante todo o ano de 2021, que o “Hotel Real Palácio” teve taxas de ocupação entre os 13% e os 23% durante 2020 e 2021 ou que, por seu turno, o “Hotel Real Belavista” apresentou taxas de ocupação entre os 15% e os 17% nos anos em causa. Em face do exposto, o recurso interposto pela “Gedipe - Associação Para a Gestão Colectiva de Direitos de Autor e de Produtores Cinematográficos e Audiovisuais” deverá ser julgado improcedente no segmento em que sustenta que o regime jurídico resultante do n.º 1 do art.º 437.º do CC não pode ser aplicado à transacção que celebrou com a empresa recorrida “BG – Gestão Hoteleira, SA”. Por conseguinte, deverá ser confirmada, na íntegra, a sentença recorrida, proferida pelo Tribunal de Propriedade Intelectual - Juiz 1, que não merece qualquer censura ou reparo. III – DECISÃO: Em face do exposto, acordam os juízes que integram a secção da propriedade intelectual, concorrência, regulação e supervisão deste Tribunal da Relação de Lisboa em: -- rejeitar o recurso da “Gedipe – Associação Para a Gestão Colectiva de Direitos de Autor e de Produtores Cinematográficos e Audiovisuais” da decisão proferida sobre a matéria de facto; -- julgar improcedente, quanto ao demais, o recurso interposto pela “Gedipe - Associação Para a Gestão Colectiva de Direitos de Autor e de Produtores Cinematográficos e Audiovisuais” e, em consequência, confirmar a sentença proferida pelo Tribunal de Propriedade Intelectual; Custas a cargo da recorrente “Gedipe - Associação Para a Gestão Colectiva de Direitos de Autor e de Produtores Cinematográficos e Audiovisuais”. Lisboa, 11 de Dezembro de 2024 Paulo Registo Eleonora Viegas Carlos M. G. de Melo Marinho |