Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
18434/22.8T8SNT.L1-6
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: INJUNÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
INDEFERIMENTO LIMINAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/10/2025
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – O vocábulo «designadamente» inserido no nº 3 do art.º 726º do CPC evidencia que que a lei não estabelece qualquer restrição à possibilidade de indeferimento parcial do requerimento executivo.
II - Se parte do pedido constante do requerimento de injunção não se ajusta à finalidade desse procedimento, mas foi aposta a fórmula executória, a consequência é não dispor o exequente de título executivo somente quanto a essa parte.
III – Por isso, inexiste fundamento legal para a rejeição total da execução, devendo prosseguir quanto à parte em que a exequente dispõe de título executivo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório
Nos autos de execução instaurados em 19/10/2022 por MEO – Serviços de Comunicações e Multimédia SA contra AA para pagamento da quantia de 1.595,17 € foi proferido despacho em 06/11/2024 com este dispositivo:
«Em face de todo o exposto, por verificação da exceção dilatória inominada do uso indevido do procedimento de injunção e consequente falta de título executivo, decido rejeitar a presente execução (cf. artigos 734.º n.º 1 e 726.º n.º 2 al. a) do CPC).».
Lê-se na fundamentação, além do mais:
«(…)
No caso em apreço, como supra se referiu, o exequente veio dar à execução requerimento de injunção ao qual foi aposta força executiva por secretário de justiça, do qual consta peticionado o pagamento de valores correspondentes, além do mais, a cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato.
Ora, o procedimento de injunção é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos (não tendo a virtualidade de servir para exigir obrigações pecuniárias resultantes da responsabilidade civil contratual), sendo certo que tal prestação só pode ter por objeto imperativamente uma obrigação pecuniária, isto é, uma entrega em dinheiro em sentido restrito (em contraposição com a obrigação de valor, que não tem por objeto a entrega de quantias em dinheiro e visa apenas proporcionar ao credor um valor económico de um determinado objeto ou de uma componente do património).
Este regime processual só é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes, por exemplo, de responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, de enriquecimento sem causa ou de relações de condomínio.
A jurisprudência tem concluído, de forma praticamente unânime, no sentido da inadmissibilidade do pedido de pagamento da cláusula penal por incumprimento contratual, e/ou de indemnização, nesta forma processual (…)
A exequente não poderia ter recorrido ao requerimento de injunção e, tendo-o feito, deu causa à verificação de uma exceção dilatória inominada, prevista nos artigos 555.º, n.º 1, 37.º, n.º 1, primeira parte, e geradora de absolvição da instância ao abrigo do vertido nos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, 578.º e 278.º, n.º 1, alínea e), todos do Código de Processo Civil.
Tal exceção atinge e contagia todo o procedimento de injunção, por não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigíveis para a sua utilização, e não apenas o pedido referente ao valor da cláusula penal peticionada – ver, neste sentido, (…)
(…)
Entende, assim, conforme supra se referiu, este Tribunal não dispor a exequente de título executivo eficaz, por a pretensão formulada não se ajustar à finalidade do procedimento de injunção.»
*
Inconformada, apelou a exequente, terminando a alegação com estas conclusões:
«1. A Sentença recorrida deve ser revogada pois nela se fez, salvo o devido respeito, errada aplicação do Direito.
2. Considerou o Tribunal a quo existir exceção dilatória inominada do uso indevido do procedimento de injunção e consequente falta de título executivo, rejeitando deste modo a presente execução.
3. Por a ora Recorrente ter apresentado ação executiva com base em requerimento de injunção ao qual foi aposta força executiva, onde incluiu valores em dívida relativos a cláusula penal pela rescisão antecipada do contrato.
4. No caso em apreço a ora Recorrente veio dar à execução um requerimento de injunção ao qual foi aposta força executiva por secretário de justiça, do qual consta peticionado o pagamento de valores correspondentes a faturas de serviço de telecomunicações (mensalidades, consumos) e ainda montante de € 524,01 referente a “Penalização por incumprimento contratual”.
5. Por Despacho datado de 22/10/2024 a ora Recorrente foi notificada pelo Tribunal a quo para, ao abrigo do artigo 3.º do CPC, se pronunciar quanto à eventual rejeição da execução por força da ineficácia do documento junto como título executivo, por a pretensão formulada não se ajustar à finalidade do procedimento de injunção e para proceder à junção aos autos as faturas a que alude no requerimento de injunção.
6. Na sequência a ora Recorrente, procedeu à desistência parcial da instância na parte relativa à indemnização por incumprimento contratual, requerendo o prosseguimento quanto ao remanescente de € 1.071,16, o que não foi aceite pelo Tribunal a quo, rejeitando assim a presente execução.
7. Ora, o entendimento de que a cláusula penal ou indemnização não pode integrar o procedimento injuntivo não pode conduzir, salvo o devido respeito, à recusa do tudo no seu todo, mas apenas em relação à parte que integra tais valores.
8. Devendo assim ser afirmada a exequibilidade parcial do título dado à execução e determinada a continuação da execução para cobrança das obrigações pecuniárias diretamente emergentes do contrato celebrado entre as partes.
9. Estipula o nº 1 do artigo 734º do CPC que “O juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo”.
10. Nos termos do disposto do art.º 726º, nº3 CPC, “É admitido o indeferimento parcial, designadamente quanto à parte do pedido que exceda os limites constantes do título executivo (…)”.
11. O propósito da instituição do procedimento especial de injunção foi o de agilizar a vida económica (agilizar cobranças) e simultaneamente o de libertar os tribunais das ações declarativas subjacentes.
12. Ora, no caso sub judice, tendo a Recorrente procedido à desistência parcial da instância na parte respeitante à indemnização por incumprimento contratual, não se vislumbra razão para o não aproveitamento do processo.
13. Este é aliás, o entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa no Acórdão datado de 10/10/2024, proferido no âmbito do Processo nº 4709/23.2T8SNT.L1-6, publicado in www.dgsi.pt no qual se refere o seguinte: “Em suma, entendemos que não se encontra na lei qualquer indício de um propósito sancionatório nem discriminatório dos credores, de modo que, por efectivo e racional princípio de aproveitamento dos actos processuais, por um princípio de utilidade, e porque em sede executiva se prevê realmente esse aproveitamento, com assim resulta claramente do artigo 726º nº 3 do Código de Processo Civil, não podemos, em conclusão, concordar com a posição jurisprudencial que defende o indeferimento total.” (sublinhado nosso)
14. Em igual sendo pronunciou-se o Tribunal da Relação de Lisboa nos Acórdãos datados de 11/07/2024, proferido no âmbito do Processo nº 6121/23.4T8SNT.L1-2 e no Acórdão datado de 24/10/2024, proferido no âmbito do Processo nº 13698/23.2T8SNT.L1-2, publicado in www.dgsi.pt: “Estando-se perante exceção dilatória inominada (uso indevido do procedimento injuntivo), afetadora do processo injuntivo, bem como do consequente título executivo que se formou (tendo por base o requerimento injuntivo), o que configura consequente omissão de um pressuposto processual da ação executiva, em que se traduz o próprio título, a repercussão no processo executivo deve ser a de indeferimento liminar total da execução?
Ou, impõe-se antes a aproveitabilidade e utilização do título na parte remanescente, relava aos pedidos e valores admissíveis no âmbito injuntivo, atenta a existência, apenas, de uma parcial viciação, decorrente da inclusão de um pedido não admissível, com consequente prolação de um juízo de indeferimento liminar parcial?
Ora, somos sensíveis ao imperativo dos princípios ou regras de economia processual e da proporcionalidade, bem como à adoção de um princípio de aproveitabilidade dos atos processuais, a determinar a manutenção e reconhecimento da validade do título executivo na parte relava ao pedido ou pedidos com legal cabimento no âmbito do procedimento injuntivo.”. (sublinhado nosso)
15. Pelo que o recurso aos referidos princípios da economia processual, da proporcionalidade e do aproveitamento dos atos processuais, exige que se reconheça a validade do título executivo, no que respeita ao pedido de pagamento da quantia exequenda de € 1.071,16, porque relativamente ao mesmo não se verifica qualquer uso indevido do procedimento de injunção onde se formou esse título executivo.
16. Assim, a decisão recorrida, ao rejeitar, liminarmente, a execução, violou o disposto nos arts. 726, nº 3 e 734º, ambos do CPC, devendo consequentemente, ser revogada e substituída por decisão que admita o requerimento executivo e mande prosseguir os autos.
Nestes termos e, nos melhores de Direito, e com o sempre douto suprimento de V. Exas, dever-se-á revogar a Sentença ora recorrida, com o que se fará a costumeira JUSTIÇA.».
*
Não há contra-alegação.
*
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso, pelo que a questão a decidir é:
- se não deve ser rejeitada na totalidade a execução, devendo prosseguir quanto à quantia de 1.071,16 €
*
III – Fundamentação
A) No requerimento executivo consta:
«Título Executivo: Injunção
Factos:
No âmbito de um contrato de prestação de serviços de comunicações celebrado entre as partes, a Exequente apresentou ao Executado, para pagamento, as faturas descritas no título executivo acima identificado. Perante o não pagamento das aludidas faturas, a Exequente apresentou requerimento injuntivo junto do Balcão Nacional de Injunções do Porto, o qual notificou legalmente o Executado. Uma vez que este não efetuou o pagamento, nem apresentou oposição ao requerimento injuntivo, foi aposta fórmula executória, nos termos do art.º 14º do Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, com a redação da pelo Decreto-Lei nº 226/2008, de 20 de Novembro e do art.º 703º, nº. 1 alínea d) do CPC. Apesar de o ora Executado ter sido interpelado ao pagamento da quantia indicada no título executivo, o valor encontra-se à presente data, totalmente por regularizar, valor ao qual acrescem os juros de mora legais vencidos à taxa comercial desde a data de entrada da Injunção e vincendos até efetivo e integral pagamento.
Acresce também o valor de taxa de justiça já despendida pela ora Exequente.
O valor líquido corresponde ao valor da injunção, incluindo o capital, juros vencidos, calculados à taxa comercial, à data de apresentação da injunção e ao valor da taxa de justiça. Ao valor líquido acresce, por simples cálculo aritmético, o valor dos juros moratórios vencidos, calculados à taxa comercial, desde a data de apresentação da injunção até à presente data, nos termos indicados. A estes valores acrescem os juros moratórios vincendos, calculados à taxa comercial, e os fundados na alínea d) do artigo 13 do DL nº 269/98, de 1 de Setembro, à taxa de 5% ao ano desde a data em que foi conferida força executiva ao requerimento de injunção, até integral pagamento.».
B) No requerimento de injunção consta:
«1- A Rte tem por objeto social a prestação de serviços de comunicações eletrónicas (fixas e/ou moveis), a conceção, construção, gestão e exploração de redes, infraestruturas e soluções de comunicações eletrónicas, assim como outras atividades complementares, subsidiarias ou acessórias das acima referidas;
2- No exercício da sua atividade, a Rte celebrou com o Rdo um contrato de prestação de serviços de telecomunicações, no âmbito do qual aquela se obrigou a prestar o serviço contratado, de acordo com o tarifário escolhido pelo Rdo e este se comprometeu a efetuar, pelo período de tempo acordado, o pagamento atempado do respetivo preço;
3- Ficou, ainda, estabelecido que, em caso de cessação antecipada do contrato sem justa causa, a Rte tem o direito de receber uma indemnização correspondente ao valor dos benefícios/vantagens concedidos na data da celebração do contrato e associados, designadamente ao custo da instalação, da ativação do serviço, da subsidiação de equipamentos e ofertas promocionais ou condições comerciais;
4- Esta indemnização e calculada considerando: (período contratual acordado - n. meses em que os serviços estiveram ativos) x (benefícios e vantagens conferidos) / (período de fidelização);
5- Assim e, em execução do contrato, os serviços foram prestados e, em consequência emitidas e enviadas as respetivas faturas para a morada indicada pelo Rdo, conforme descrição infra;
6 - Não tendo sido registada evidencia de correspondência devolvida e/ou reclamada;
7- As faturas refletem mensalidades pré-acordadas, planos de preços, alugueres de equipamentos e comunicações efetuadas, nos montantes indicados;
8- A Rte prestou os serviços, como contratado;
9- Ao Rdo competia proceder ao pagamento das faturas (infra mencionadas) emitidas pela Rte, dentro do respetivo prazo - o que não veio a acontecer;
10- E, apesar de interpelada para o efeito, o Rdo não procedeu, ate esta data, ao pagamento dos valores titulados pelas referidas faturas;
11- Termos em que, não tendo atempadamente efetuado o pagamento das faturas entrou em incumprimento definitivo e deu causa a resolução do contrato pela A. (art.º 798, 801., 805. E 808. C.C.);
Em consequência,
12- Foi emitida e enviada ao Rdo a fatura correspondente a indemnização pelo incumprimento do período contratual acordado, nos termos referidos supra (3. e 4.), e
13- E o Rdo também responsável pelo prejuízo que o incumprimento causa a Rte pois, atempadamente interpelada, não procedeu a respetiva liquidação;
14- Assim sendo, nos termos dos art.º 804., 805., n.ºs 1 e 2 alínea a) e 806., todos do C.C., a Rte tem direito a indemnização correspondente aos juros de mora vencidos calculados desde as datas de vencimento das referidas faturas e sobre os respetivos montantes, ate integral e efetivo pagamento, a taxa legal aplicável (§ 3.º do artigo 102.º do Cod. Com., DL 62/2013, de 10 de Maio);
15- Por ultimo, o tribunal competente para dirimir o presente litigio, indicado pela ora Rte e escolhido em conformidade com o disposto no art.º 71., n. 1, in fine do CPC.
Proc.: LE0121004435 Conta N.: ...570 NIC: ...645 Data Contrato: 2021-02-11
N. Factura; Data Limite de Pagamento; Capital
; abr-21; A742188028; 12-05-2021; 76.90
; mai-21; A744184266; 15-06-2021; 157.23
; jun-21; A746182418; 14-07-2021; 113.00
; ago-21; A750182149; 13-09-2021; 115.08
; set-21; A752183649; 14-10-2021; 104.73
; out-21; A754188071; 12-11-2021; 100.88
; nov-21; A756191678; 16-12-2021; 114.86
Proc.: LE0122000180 Conta N.: ...570 NIC: ...645 Data Contrato: 2021-02-11
dez-21; A758198710; 12-01-2022; 524.01
Proc.: ...883 Conta N.: ...490 NIC: ...645 Data Contrato: 2021-01-08
jun-21; ...616; 28-06-2021; 16.20
Proc.: ...925 Conta N.: ...490 NIC: ...645 Data Contrato: 2021-01-08
mar-21; ...157; 26-03-2021; 67.46
; abr-21; ...466; 26-04-2021; 48.55
; mai-21; ...186; 26-05-2021; 40.59».
C) Em 22/10/2024 foi proferido o seguinte despacho:
«Declaro sustados os presentes autos.
DN
*
Notifique a exequente para, em 10 dias, querendo se pronunciar quanto à eventual rejeição da execução atento ao recurso indevido ao procedimento de injunção, o que, entende o tribunal, constitui exceção inominada de conhecimento oficioso, bem como, juntar aos autos as facturas identificadas no requerimento
executivo/requerimento de injunção.».
D) Em 04/11/2024 a exequente apresentou requerimento nestes termos:
«I.
Tendo em consideração o Douto Despacho proferido nos autos, e que a controvérsia existente na Jurisprudência diz respeito apenas à admissibilidade ou não de se peticionar faturas de indemnização por incumprimento contratual através de procedimento de injunção, defendendo a Exequente, com suporte legal e na vária Jurisprudência proferida, que tal é admissível, atenta inclusive a natureza latente na nova lei das comunicações eletrónicas que classifica tal valor como um encargo a suportar pelo utilizador pela cessação antecipada do contrato com período de fidelização,
Contudo, e de forma a não inviabilizar o prosseguimento dos autos quanto às demais faturas referentes à efetiva prestação de serviços e passíveis de peticionar através de procedimento de injunção, vem desistir parcialmente da instância quanto à fatura A758198710, no valor de € 524,01, ficando a Quantia Exequenda reduzida ao diferencial: € 1.071,16.
Mais se requer, o prosseguimento da presente execução para cobrança.
II.
Em resposta ao D. Despacho requer-se ainda a junção aos autos de cópia das faturas do título executivo.
Junta: 12 documentos»
*
F) O Direito
A 1ª instância, decidiu rejeitar a execução porque o pedido de pagamento da quantia de 524,01 € inscrita na factura FT A/...710 respeitante à cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato não se ajusta ao procedimento de injunção, estando-se perante uma excepção dilatória que «atinge e contagia todo o procedimento de injunção».
O procedimento de injunção está previsto no Anexo ao DL 269/98 de 01/09, que estabelece no art.º 7º:
«Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro.».
O art.º 1º do diploma preambular estatui:
«É aprovado o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15 000, publicado em anexo, que faz parte integrante do presente diploma.»
Nos art.14ºe 14.º-A do Anexo lê-se, designadamente:
Art.º 14º
«(…)
2 - No requerimento, deve o requerente:
(…)
d) Expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão;
e) Formular o pedido, com discriminação do valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas;
3 - O secretário só pode recusar a aposição da fórmula executória quando o pedido não se ajuste ao montante ou finalidade do procedimento.
4 - Do acto de recusa cabe reclamação nos termos previstos no n.º 2 do artigo 11.º
5 - Aposta a fórmula executória, a secretaria disponibiliza ao requerente, preferencialmente por meios electrónicos, em termos a definir por portaria do Ministro da Justiça, o requerimento de injunção no qual tenha sido aposta a fórmula executória.»
Art.º 14º-A
«1 - Se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no presente artigo, não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - A preclusão prevista no número anterior não abrange:
a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso;
(…).».
Nos art.º 726º e 734º e do CPC (Código de Processo Civil) prevê-se:
Art.º 726º
«1 - O processo é concluso ao juiz para despacho liminar.
2 - O juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando:
a) Seja manifesta a falta ou insuficiência do título;
b) Ocorram exceções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso;
(…)
3 - É admitido o indeferimento parcial, designadamente quanto à parte do pedido que exceda os limites constantes do título executivo ou aos sujeitos que careçam de legitimidade para figurar como exequentes ou executados.»
Art.º 734º
«1 - O juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo.
2 - Rejeitada a execução ou não sendo o vício suprido ou a falta corrigida, a execução extingue-se, no todo ou em parte.»
Sobre a interpretação da lei, diz-nos o art.º 9º do Código Civil:
«1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.»
O vocábulo «designadamente» inserido no nº 3 do art.º 726º evidencia que que a lei não estabelece qualquer restrição à possibilidade de indeferimento parcial do requerimento executivo.
Se parte do pedido constante do requerimento de injunção não se ajusta à finalidade desse procedimento, mas foi aposta a fórmula executória, a consequência é não dispor o exequente de título executivo somente quanto a essa parte, que no caso concreto é a quantia respeitante à factura.
Portanto, inexiste fundamento legal para a rejeição total da execução, devendo prosseguir quanto à parte em que a exequente dispõe de título executivo.
*
IV – Decisão
Pelo exposto, julga-se a apelação procedente, e assim, alterando-se a sentença recorrida decide-se que a execução deve prosseguir para pagamento da quantia exequenda reduzida ao valor resultante da exclusão da factura FT A/...710 no valor de 524,01 € e respectivos juros.
Custas pela apelante na 1ª instância na proporção de vencido e custas na 2ª instância pelo apelado.

Lisboa, 10 de Maio de 2025
Anabela Calafate
Eduardo Petersen Silva
Nuno Gonçalves (vencido)
Voto vencido, pelas razões que passo a sumariar:
Apesar de considerar os motivos doutamente expostos que fizeram vencimento e ainda de reconhecer a controvérsia jurisprudencial existente sobre a matéria, entendo que a vicissitude central à presente apelação se reconduz a uma excepção dilatória nominada que deverá conduzir ao indeferimento liminar e total da execução, como é exemplificado no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6/3/2025, no processo n.º 11554/24.6T8SNT.L1-6, relatado pelo Exmo Desembargador Adeodato Brotas e em que tive intervenção como 1.º Adjunto):
https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/4781973bcc2dfea980258c5200412b36?OpenDocument
Por outro lado, noto ainda que, no presente caso, ao admitir o indeferimento liminar, o tribunal está a sancionar a alteração unilateral do título executivo por parte da exequente, nomeadamente ao considerar que a indemnização por incumprimento contratual através de procedimento de injunção se limita ao montante de € 524,01, relativamente ao montante do capital de € 1.479,49, que consta do título executivo.
Este montante de € 524,01 não consta do título executivo (formulário de injunção a que foi aposta a declaração de força executiva), nem sequer do requerimento executivo, nomeadamente porque a exequente nisso não viu então qualquer interesse. Em face do título executivo, o tribunal não dispõe de elementos para afirmar que o uso indevido do processo de injunção para reclamar o pagamento de uma indemnização está parcialmente limitado à referida quantia de € 524,01.
A indicação deste montante de € 524,01 apenas surge por indicação unilateral da exequente já depois de iniciada a execução, que junta várias faturas, incluindo a n.º A758198710, nesse valor.
Tal indicação por parte da exequente visa alterar ou conformar o título executivo, passando aí a constar algo de novo e que não constava do mesmo: do montante do capital de € 1.479,49 que a exequente reclama do executado, a quantia de € 524,01 diz respeito à indemnização que aquela considera ser-lhe devida. E porque razão é que o tribunal deve aceitar esta novação ou a conformação do título executivo? E porque não antes o montante de € 200 ou de € 1.200? Supostamente porque a exequente apresentou agora alguns documentos particulares para atestar que esse é o montante que deverá ser considerado. Ora, afigura-se que, em abstracto, o próprio executado até poderá vir disputar a exactidão desse montante e iniciar uma discussão sobre algo que já deveria ter sido resolvido antes da formação do título executivo.
O problema é que, independentemente de qualquer possível reacção do executado, o tribunal apenas deve conhecer da pretensão da exequente em face do que consta do título executivo (e, nalgumas circunstâncias, do que aquela possa ter complementarmente alegado no requerimento inicial). Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva - art.º 10.º, n.º 5, do Código de Processo Civil. Pois bem: neste caso, o título executivo o título executivo não terá sido bastante para determinar o fim e os limites da ação executiva! Daí que a exequente, sob a aparência de uma mera desistência do pedido executivo, tenha sido admitida a alterar o fim e limites do título executivo, nomeadamente quanto à questão de saber qual é o montante que lhe devido a título de indemnização. Entendo que a viabilidade da execução deveria ser aferida unicamente em face do título executivo.
Por conseguinte, confirmaria a decisão recorrida.
Nuno Gonçalves