Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
96/20.9PHOER.L1-9
Relator: CALHEIROS DA GAMA
Descritores: HOMICÍDIO
BURLA INFORMÁTICA
PERÍCIA PSIQUIÁTICA
INCAPACIDADE POR INDIGNIDADE
APLICAÇÃO AUTOMÁTICA
ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
ENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS FACTOS
ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
COMUNICAÇÃO
DECLARAÇÕES DE CO-ARGUIDO
VALORAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS
Sumário: I- Se o Tribunal a quo não pronunciou, deferindo ou indeferindo expressamente o requerido na contestação do arguido para que fosse submetido a perícia psicológica para se perceber se padecia ou não de alguma doença de foro psicológico. Neste caso não estamos perante um caso de omissão de pronúncia do acórdão revidendo, nem com a nulidade prevista no art. 379.°, n.º 1, al. c), do CPP, quedamo-nos aqui, porventura e tão-só, perante mera irregularidade, do art. 123.º do CPP, que se mostra entretanto já sanada e ultrapassada, por não ter sido arguida tempestivamente;
II- No que concerne à incapacidade por indignidade, se esta reveste ou não carácter automático no caso de autor de crime de homicídio ser herdeiro do “de cujus”, afirma-se que, os problemas mais sérios que daí resultavam foram entretanto resolvidos pela Lei n.º 82/2014, de 30 de Dezembro, que entre o mais deu nova redacção ao art.º 2036.º do Código Civil, incumbindo o Ministério Público de intentar a ação destinada a obter a declaração de indignidade no caso de o único herdeiro ser o sucessor por ela afetado ou quando, tendo havido a condenação a que se refere a alínea a) do artigo 2034.º, a sentença penal não tenha declarado a indignidade sucessória, sendo obrigatoriamente comunicada ao Ministério Público para o mencionado efeito.
Com vista a contribuir para a resolução desta divergência, o legislador penal aditou ao CP o actual artº 69º-A (Declaração de indignidade sucessória), que consagra que:” A sentença que condenar autor ou cúmplice de homicídio doloso, ainda que não consumado, contra o autor da sucessão ou contra o seu cônjuge, descendente, ascendente, adoptante ou adotado, pode declarar a indignidade sucessória do condenado, nos termos e para os efeitos previstos na alínea a) do artigo 2034.º e no artigo 2037.º do Código Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 2036.º do mesmo Código”.
É a parte final desta norma que revela a autonomia da via nele prevista de declaração da indignidade sucessória relativamente ao que se dispõe no art.º 2036.º do CC.
Ou seja, a declaração nos termos do artº 69º-A do CP não pressupõe qualquer enxerto cível nem está sujeita ao princípio do pedido, operando automaticamente.
E seria o Projecto de Lei nº 662/XII/4ª, que conjuntamente com o Projecto de Lei nº 632/XII/3ª, esteve na origem da Lei nº 82/2014, após alusão à situação intolerável de o cônjuge homicida poder herdar os bens da vítima, que esclarece essa questão, dizendo:
É neste contexto que se fundamenta a presente iniciativa, visando a automaticidade da declaração de indignidade sucessória, no quadro de sentença condenatória pela prática do crime de homicídio, sendo este o propósito do legislador e que é também o que melhor se concilia com a letra do preceito, como vem aceitando a nossa melhor Jurisprudência;
III-Só constitui alteração substancial dos factos a modificação que se reporte a factos constitutivos do crime e a factos que tenham o efeito de imputação de um crime punível com uma pena abstracta mais grave. A modificação dos restantes factos que constem da acusação ou da pronúncia constitui alteração não substancial dos factos, desde que sejam relevantes para a decisão da causa.
Assegurar com equilíbrio os direitos de defesa dos arguidos e garantir a necessidade de prossecução da justiça como e enquanto fim do Estado é tarefa delicada, mas não impossível. A génese dos arts. 358.º e 359.º do CPP é precisamente a de assegurar esse equilíbrio, impondo diferentes procedimentos consoante o grau de compressão dos direitos de defesa dos arguidos.
Afirmar que sempre que uma alteração de factos ponha em causa a defesa estaremos perante uma alteração substancial de factos, equivale a dizer que todas as alterações de factos serão substanciais, não se compreendendo, então, por que razão o legislador processual penal consagra um regime específico para as alterações não substanciais.Com efeito, a defesa do arguido é sempre posta em causa com qualquer alteração de factos ou até mesmo de mera qualificação jurídica que lhe seja comunicada, pois o objeto do processo está fixado com a acusação e é a esta que o arguido direciona a sua defesa. Introduzir alterações para as quais o arguido não estava preparado vai bulir, potencialmente, com a defesa que delineou.
Daí que o legislador tenha imposto, quer no caso da simples alteração da qualificação jurídica, quer no caso das alterações não substanciais de factos, que ocorra comunicação ao arguido e que lhe seja concedido prazo para reorganizar a sua defesa em função das alterações comunicadas (art. 358.º do CPP).
Porém, não é toda e qualquer alteração de factos que assume o relevo processual suficiente para desencadear a necessidade de comunicação a que aludem os arts. 303º, n.º 1, e 358.º, n.º 1, do CPP.A jurisprudência dos Tribunais superiores tem sido constante no entendimento de que, não há alteração, substancial ou não, para os efeitos dos arts. 358.º e 359.º do CPP, quando os factos considerados provados representam um minus relativamente aos da acusação e nenhuns novos são introduzidos. Nestes termos, podemos afirmar que a comunicação prevista no citado art. 358.º, apenas tem lugar quando se tratar de uma alteração não substancial relevante, o que sucede quando essa modificação divirja do que se encontra descrito na acusação ou na pronúncia e a subsequente comunicação se mostre útil à defesa, ou seja para o efeito tem-se considerado que não existe uma alteração dos factos integradora do art. 358.º, quando a factualidade dada como provada no acórdão condenatório consiste numa mera redução daquela que foi indicada na acusação ou na pronúncia, por não se terem dado como assentes todos os factos aí descritos;
IV- Ao contrário do que sucede no ilícito de burla, em que a consumação passa por um duplo nexo de imputação objectiva: entre a conduta enganosa do agente e a prática, pelo burlado, de actos tendentes a uma diminuição do património (próprio ou alheio) e, depois, entre os últimos e a efectiva verificação do prejuízo patrimonial, a burla informática concretiza-se por um atentado directo ao património de outra pessoa através da utilização de meios informáticos.  A burla informática consiste, pois, num erro consciente provocado por intermédio da manipulação de um sistema de dados ou de tratamento informático. Não se exige um qualquer engano ou artifício por parte do agente, mas sim a introdução e utilização abusiva de dados no sistema informático.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, na 9a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
1. No âmbito do processo comum n.º 96/20…., do Tribunal Judicial da Comarca … - Juízo Central Criminal … - J…, foram submetidos a julgamento, com intervenção de Tribunal Coletivo, o arguidos AA, filho de BB e de CC, natural da freguesia …, concelho …, nascido a … de … de 1980, solteiro, ..., sem residência neste momento, actualmente em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional ... e DD, filho de EE e de FF, natural do … – …, nascido a … de … de 1982, divorciado, …, residente na Rua …, …, …, actualmente em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional …, vindo a ser, por acórdão proferido em 20 de junho de 2021, decidido:
- Absolver ambos os arguidos da prática de crime de roubo, simples ou agravado, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1 e 2, do Código Penal;
- Absolver ambos os arguidos da prática de crime de burla informática, na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 221.º, n.º 1, do Código Penal, com referência aos artigos 22.º e 23.º, do Código Penal;
- Condenar os arguidos pela prática de um crime de homicídio qualificado, em co-autoria material e na forma consumada, p. e p. nos termos dos arts 10.º, n.º 1, 14.º, n.º 1, 26º, 131º e 132º, nº 1 e 2, al. a), todos do Código Penal, na pena, cada um dos arguidos, de 19 (dezanove) anos de prisão;
- Condenar o arguido DD na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 10 (dez) anos;
- Declarar a indignidade sucessória do arguido AA, nos termos do disposto pelo artº 69º-A CP e para os efeitos do disposto nos arts. 2034º, al. a) e 2037º, ambos do Código Civil.
2. O Ministério Público, inconformado com a mencionada decisão, interpôs recurso extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:
"1) - Afigura-se-nos que o Tribunal “a quo” não fez um correcto apuramento e valoração da prova, segundo as regras da experiência comum, em obediência ao preceituado no art. 127º do C.P.P., em especial no que concerne à prova documental junta aos autos.
2) - Na verdade, julgamos que, com base na prova pericial, documental e testemunhal produzida em julgamento (nesta última se incluindo as próprias declarações dos arguidos), nunca os Mmos. Juízes “a quo” poderiam ter dado como provado, caso tivessem efectivamente observado as regras prescritas no citado preceito legal, que a conta bancária do BPI associada ao cartão de débito nº ...71 era co-titulada por CC e pelo arguido AA - ponto 29) da matéria de facto dada como assente.
3) - Pelo contrário, afigura-se-nos que os Mmos. Juízes apenas poderiam ter dado como provado que a conta bancária do BPI associada ao cartão de débito nº ...71 era titulada por CC. Na verdade,
 4) - De fls. 76 e 77 dos autos – informação da SIBS – apenas é possível retirar informação relativa ao local e hora em que foram realizadas as diversas tentativas de utilização do cartão de débito com o nº ...71, titulado por CC, afecto à conta bancária do BPI, no período temporal compreendido entre as 17:00 do dia 13.04.2020 e as 10:42 do dia 14.04.2021.
5) - Do mesmo modo, de fls. 1270 a 1271 – informação do Banco BPI – apenas é possível concluir que o cartão de débito com o nº ...71, titulado por CC, está associado à conta de depósitos nº ...01 do Banco BPI, e que a mesma teve, no mês de Abril de 2020, o movimento que aí se retrata. Isto é, trata-se de um mapa de movimentos da referida conta relativo ao mês supra assinalado (extrato bancário).
6) - De nenhum destes dois documentos – valorados pelo Tribunal “a quo” conforme decorre de fls. 23 a 25 do acórdão condenatório – resulta que a conta bancária em apreço era co-titulada por CC e pelo arguido AA.
7) - Acresce que, não foi produzida qualquer outra prova da qual se possa extrair aquela citada co-titularidade.
8) - Assim, nenhum outro documento ou perícia atesta a mencionada cotitularidade.
- O mesmo sucede com as declarações dos arguidos e com os diversos depoimentos que foram produzidos em julgamento (ainda que se entenda que a prova de tal facto tenha de ser efecutada apenas por documento – informação prestada pelo Banco BPI).
9) - O arguido AA, ouvido na sessão de julgamento de 19.04.2021, nada disse a este propósito – declarações prestadas entre as 10:02 e as 11:04.
10) - O arguido DD, ouvido na sessão de julgamento de 19.04.2021, também nada disse a este propósito – declarações prestadas entre as 11:04 e as 12:20.
11) - Das declarações prestadas pelos arguidos em sede de primeiro interrogatório judicial, reproduzidas na sessão de julgamento de 19.04.2021, também nada resulta a este respeito – declarações de 18.04.2020 e 19.05.2020, ouvidas em julgamento no dia 19.04.2020 entre as 16:51 e as 17:20, e as 17:20 e as 17:34.
12) - O mesmo cenário se verifica com a demais prova testemunhal ouvida em sede de julgamento:
Sessão de 10.05.2021 
- Testemunha GG – 10:36 e as 11:05;
- Testemunha HH – 11:06 e as 11:40;
- Testemunha II – 11:42 e as 12:01;
- Testemunha JJ - 12:02 e as 12:10;
- Testemunha KK - 12:10 e as 12:24;
- Testemunha LL - 12:24 e as 12:29;
- Testemunha MM - 15:09 e as 15:35;
- Testemunha NN - 15:40 e as 15:48;
- Testemunha OO - 15:55 e as 16:04;
- Testemunha PP - 16:04 e as 16:31;
- Testemunha QQ - 16:32 e as 16:42;
- Testemunha RR - 16:42 e as 16:47;
Sessão de 31.05.2021
- Testemunha SS - 14:39 e as 14:57;
- Testemunha TT - 14:57 e as 15:05.
13) - Assim sendo, a correcta valoração e ponderação da prova produzida em julgamento (toda a prova) impõe, necessariamente, uma decisão diversa daquela que o Tribunal “a quo“ proferiu em sede de factos dados provados, isto é, que a conta bancária do BPI associada ao cartão de débito nº ...71 era titulada por CC – ponto 29) da matéria de facto dada como assente.
14) - Não foi produzida qualquer prova que ateste que tal conta fosse igualmente titulada pelo arguido AA.
15) - Não se podendo dar como assente da prova produzida, como defendemos, que a conta em apreço era igualmente titulada pelo arguido AA, tal circunstância terá reflexos necessários no “destino” do crime de burla informática, na forma tentada, que era imputado aos arguidos na pronúncia e de cuja prática foram absolvidos.
16) - Com efeito, dando-se como provado, para além do mais, os factos descritos nos pontos 21), 24), 25), 29) (deste se excluindo, como defendemos, a co-titulariedade da conta por parte do arguido AA), 30) e 31) da matéria de facto dada como assente, e existindo, como existe, queixa apresentada a fls. 1151 a 1152 por parte de LL, irmã da falecida CC, e assistente nos autos, os arguidos não podem deixar de ser condenados pela prática do supra enunciado ilícito – art. 221º do C.Penal.
17) - Note-se aliás que a absolvição dos arguidos da prática do referido crime de burla informática, na forma tentada, assentou exclusivamente na circunstância de se ter dado como provado que o arguido AA era titular das quantias e valores depositados na referida conta bancária.
18) - São estes, em suma, os erros que julgamos resultar da apreciação da prova que foi realizada pelo Tribunal “a quo“, erros estes que configuram, em nosso entender, a existência de uma deficiente apreciação e valoração da prova, conforme está contemplado no art. 412º, nº 3 do C.P.P..
19) - Desta forma, dúvidas não nos restam que se deve ordenar a renovação e reapreciação da prova produzida em julgamento, a qual terá como consequência excluir-se da matéria de facto dada como assente que o arguido AA era titular (co-titular) da conta bancária do BPI associada ao cartão de débito nº ...71 e, como tal, tendo em conta dos demais factos dados como provados, os arguidos devem ser condenados pela prática do crime de burla informática, na forma tentada, de que se encontravam pronunciados. Em seguida,
20) - O tribunal “a quo“ deu como assente, para além do mais, a seguinte factualidade: - ponto 21) – Vendo CC prostrada no solo, sangrando, os arguidos retiraram da carteira daquela o cartão de débito número ...71, emitido pelo Banco BPI, de cujo código de acesso o arguido AA pensava ser conhecedor, e a quantia de €10,00; - ponto 22) – Após, retiraram-se daquela habitação (…) tendo o arguido DD levado consigo o referido cartão de débito e a quantia de €10,00, que fez seus; - ponto 28) – Com a sua conduta pretenderam, ainda, os arguidos apoderar-se de alguns bens de valor que aquela possuísse nessa ocasião (…); - ponto 31) – Os arguidos agiram sempre de forma livre, deliberada e consciente, em conjugação de esforços e de intenções, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
21) – Ora, face à supra descrita matéria de facto, impunha-se ao Tribunal recorrido condenar os arguidos pela prática do crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203º, nº 1 do C.Penal, tanto mais que existia, como já referimos, queixa apresentada a fls. 1151 a 1152 por parte de LL, irmã da falecida CC, e assistente nos autos – cfr. arts. 113º, nº 2, alínea b) e nº 3, 203º, nº 3 do C.Penal.
22) - Afigura-se-nos, assim, que o Tribunal “a quo” deveria ter operado uma mera alteração da qualificação jurídica dos factos e, após, deveria ter condenado os arguidos pela prática do crime de furto simples, nos termos supra descritos.
23) - E, ao não fazê-lo, como efectivamente não fez, violou, quanto a nós, o disposto no art. 203º, nº1 do C.Penal, assim como o art. 358º, nºs 1 e 3 do C.P.P..
24) - Deve pois ser comunicado aos arguidos uma alteração da qualificação jurídica dos factos descritos nos pontos 21), 22), 28) e 31) da matéria de facto dada como assente, nos termos do disposto no art. 358º, nºs 1 e 3 do C.P.P. e, após, devem os mesmos ser condenados pela prática do crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203º, nº 1 do C.Penal.
25) - A escolha da pena a aplicar ao arguido é alcançada pelo julgador com recurso a critérios jurídicos fornecidos pelo legislador, não se tratando, pois, de um poder discricionário.
26) - Se o tipo criminal em causa admite a condenação com uma pena privativa ou com uma pena não privativa da liberdade, o art. 70º do mesmo código impõe que se opte por esta última, se tal se mostrar adequado e suficiente às finalidades da punição expressas no art. 40º.
27) - Para a determinação da pena concreta aplicável ao arguido, pesam as orientações fornecidas pelo art. 71º do C.Penal, nomeadamente as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham a favor ou contra ele.
28) - Atendendo a tais orientações legais e ao quadro fáctico apurado nos presentes autos, consideramos acertada a decisão dos Mmos. Juízes a quo no que concerne à condenação dos arguidos pela prática do crime de homicídio qualificado de que se encontravam acusados, pois mostram-se preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos constitutivos do tipo de ilícito em questão.
29) - Porém, o acerto da decisão ora recorrida não foi total, uma vez que a pena de prisão concretamente aplicada, a cada um dos arguidos, pelos Mmos. Juízes a quo é merecedora de censura e, como tal, deve ser modificada.
30) – Efectivamente, partindo dos limites legalmente estipulados para a pena, tendo em conta as categorias dogmáticas da culpa e da prevenção, e procedendo à analise e aplicação ao caso “sub judice“ dos factores exemplificativamente enunciados no nº 2 do art. 72º do C.Penal, a medida concreta da pena de prisão aplicada a cada um dos arguidos não se nos afigura estar bem doseada, revelando-se, por isso, não ser justa e adequada.
31) – No presente caso, a gravidade da ilicitude, objectivamente considerada, alcandora-se aos patamares mais elevados do sistema criminal, violando, irremediavelmente, o bem dos bens jurídicos fundamentais, consistindo a acção desvaliosa na “eliminação” de outra pessoa, do mundo dos seres vivos, mantando-a com intensa violência. A vida humana, a vida de qualquer pessoa é o bem jurídico que demanda a protecção mais elevada. Protecção penal que os tribunais devem tornar efectiva e atuante, de maneira a não deixar quaisquer dúvidas sobre a validade e importância e a efectividade da protecção criminal com que está dotada, garantindo a paz jurídica e a tranquilidade da vivência comunitária.
32) - As molduras penais, fixadas por escolha e decisão politico-criminal dos órgãos estaduais que o povo investiu nos poderes legiferantes, são para usar dentro da sua enorme elasticidade, na medida exigida pelas finalidades das penas. Todavia, a sua dosimetria judicial deve reflectir a proporcionalidade que é de esperar do sistema punitivo e da sua aplicação concreta.
33) – Ora, o cidadão comum não compreenderá que o tribunal sancione o homicídio qualificado com os contornos que o presente revestiu (morte da própria mãe) com pena em medida igual ou muito próxima do limite médio da abstractamente prevista.
34) - Importa igualmente não olvidar que os arguidos agiram com conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo, cientes da sua punibilidade.
35) - A enorme gravidade do dolo do tipo está bem plasmada na narrativa de facto dada como assente, relatando com clareza a intenção, o conhecimento e a vontade (premeditada) dos arguidos matarem a vítima.  
36) - Os arguidos surpreenderam a vítima na sua habitação, projetaram a mesma para o solo, colocaram em cima dela uma almofada que pressionaram tapando-lhe a boca e nariz e, em seguida, enquanto um deles a prendia o outro deferiu-lhe 14 golpes na zona do pescoço com uma faca.
37) - Actuando desta forma, lograram tirar a vida à vítima, mãe de um dos arguidos, com a intenção de ficarem com bens sua pertença – o arguido AA, a sua herança, e o arguido DD, para além do mais, com €6.000,00.
38) - Tais circunstâncias revelam tanto o acentuado desvalor da conduta, como o enorme desvalor do resultado - a morte da vítima.
39) - É, por isso extremamente elevada a gravidade objectiva e subjectiva da ilicitude. Graduação esta que não poderia, nem deveria, deixar de reflectir-se na dosimetria da pena.
40) - O grau de culpa é também muito elevado, tendo os arguidos actuado com dolo directo, intenso e persistente (por mais de uma semana), revelando consciência da ilicitude e censurabilidade da sua conduta, e profundo desprezo pelo bem jurídico violado.
41) - É, pois, acentuada a censurabilidade da conduta dos arguidos. No homicídio cometido revelaram uma inflexível atitude pessoal de contrariedade ao direito, de frieza perante a violação do bem jurídico tutelado. Matando intencionalmente a mãe do arguido AA, por questões meramente monetárias, revelaram ambos os arguidos profundo e reprovável desprezo pelo valor da vida dos semelhantes e familiares próximos e enfática insensibilidade pelo bem jurídico primordial tutelado.
42) - O acto perpetrado ofende princípios vitais de convivência, assume crueldade ímpar na forma de agressão, na frieza revelada e entre os vários elementos agravantes possíveis, os presentes são aqueles que maior repulsa logram alcançar.
43) - Elevado desvalor da atitude dos arguidos actualizada no crime cometido que, graduando a culpa, influi necessariamente na medida da pena.
44) - São também muito prementes as necessidades de prevenção especial de socialização dos arguidos.
45) - Sem antecedentes criminais é certo, mas igualmente sem carências económicas ou sociais que ficassem demonstradas a qualquer nível e que pudessem fazer compreender, ainda que sem justificação, o acto que praticaram.
46) - Acresce que não confessaram os factos, não assumiram qualquer culpabilidade, e não exteriorizaram arrependimento, procurando, ao invés, atirar a responsabilidade dos mesmos um para o outro, negando até a verificação de determinadas circunstâncias já assumidas em sede de primeiro interrogatório. 
47) - Enfim, negaram os factos, tentando confundir o tribunal apresentando versões inverídicas e insubsistentes, visando apenas não serem punidos.
48) - Não demonstram, pois, qualquer capacidade de autocensura, nem vontade séria de não reincidir se vierem a encontrar-se em situação semelhante.
49) - Em suma, as enunciadas circunstâncias do facto e dos agentes, impõem uma pena concreta que reafirme a validade do mais valioso dos bens jurídico-penais protegidos que no caso foi violado, com intensidade especialmente violenta contendo-se nos limites da censurabilidade que comporta a arrojada e insensível atitude dos arguidos, e que seja adequada a satisfazer a muito fortes exigências de prevenção especial de ressocialização que no caso se fazem sentir.
50) - Ponderados todos estes factores, estamos convictos que os arguidos merecem um juízo de censura muito elevado.
51) - Ora, situando-se as penas que lhes foram aplicadas pelos Mmos. Juízes a quo muito próximas do limite médio da abstractamente prevista – 19 anos, quando o limite médio é de 18 anos e 6 meses – há que concluir, como efectivamente já concluímos, que as penas aplicadas no acórdão não foram bem doseadas, e revelam-se, por isso, injustas e desadequadas.
52) - Note-se, aliás, que todos os factores a que supra aludimos foram devidamente enunciados no acórdão condenatório – cfr. fls. 116 a 120 -, sendo assim até surpreendente que as penas concretas tenham sido fixadas tão só nos já referidos dezanove anos de prisão.
53) - Em face do exposto, ponderados todos os factores a que supra aludimos, e tendo em conta que a pena aplicável tem como limite máximo 25 anos e como limite mínimo 12 anos, afigura-se-nos justa e bem doseada, ao contrário do decidido no acórdão condenatório, a pena de 24 (vinte e quatro) anos de prisão, para cada um dos arguidos.
54) - Ao decidir de forma diversa da ora preconizada, violaram, em nosso entender, os Mmos. Juízes a quo o disposto nos art. 40º e 71º, nºs 1 e 2 do C.Penal.
 Por todo o exposto,
- Deve-se ordenar a renovação e reapreciação da prova produzida em julgamento, retirando-se então da matéria de facto dada como assente que o arguido AA era titular (co-titular) da conta bancária do BPI associada ao cartão de débito nº ...71 (ponto 29) dos factos dados como assentes) e, em consequência, tendo em conta dos demais factos dados como provados, devem os arguidos (ambos) ser condenados pela prática do crime de burla informática, na forma tentada, de que se encontravam pronunciados;
- Deve ser comunicado aos arguidos uma alteração da qualificação jurídica dos factos descritos nos pontos 21), 22), 28) e 31) da matéria de facto dada como assente, nos termos do disposto no art. 358º, nºs 1 e 3 do C.P.P. e, após, devem os mesmos ser condenados pela prática do crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203º, nº 1 do C.Penal;
- Deve ser revogada a decisão recorrida na parte em que condenou os arguidos na pena de 19 anos de prisão pela prática do crime de homicídio qualificado e, consequentemente, deve ser substituída por outra que condene os mesmos na pena de 24 anos de prisão, cada um deles.
Resta-nos aguardar a decisão de V.Exas. que é, por certo, a mais Justa." (fim de transcrição).
3. O arguido AA, inconformado com a mencionada decisão, interpôs recurso extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:
"I No seu Acórdão o Tribunal a quo procedeu à alteração da seguinte matéria de facto constante da Acusação: pontos 4, 10, 17, 20.
II Para além das alterações efetuadas à matéria de facto constante da Acusação, o Tribunal a quo deu, ainda, como provado, sem que essa matéria constasse da Contestação dos Arguidos, os seguintes “factos”:
39. Os arguidos, além da faca com que desferiram os golpes da vítima usaram uma almofada na cabeça da mesma para abafar algum pedido de socorro que fizesse, elementos que recolheram do local e levaram consigo após a morte daquela.

43. O arguido AA, bem como o arguido DD desconhecia a existência de tal cofre.
44. A conta do BPI cujo cartão de acesso foi levado de casa da vítima pelo arguido AA era co-titulada pela vítima e pelo próprio.
45. Algum tempo antes dos factos, sem se ter apurado quando em concreto, a vítima abriu uma outra conta, sé em seu nome, no Banco Millenium, para onde transferiu a maior parte do dinheiro que tinha naquela.
46. Em data não concretamente apurada, mas já após a morte da sua Mãe o arguido AA, de forma não concretamente apurada, fez inscrever a propriedade da casa da Mãe a favor de MM, simulando com a mesma um contrato de compra e venda que não existiu efectivamente e por cuja referida aquisição nenhum preço foi pago.
III O Tribunal a quo procedeu a uma alteração da matéria de facto dada como provada, com referência à matéria constante da Acusação, por um lado e, por outro, procedeu à ampliação dessa mesma matéria de facto constante da Acusação.
IV O Tribunal a quo não comunicou ao Arguido que iria proceder a uma alteração dos factos e bem assim que iria proceder a uma ampliação da matéria constante da Acusação.
V Antes de proferir a referida alteração e decisão estava o Tribunal a quo obrigado a comunicá-la à defesa do Arguido e conceder-lhe, se ele o requeresse, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa. Não o tendo feito violou o Artigo 358.º do C.P.P., motivo pelo qual, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea b), do C.P.P., encontra-se a decisão proferida ferida de nulidade.
VI O Acórdão proferido pelo Tribunal a quo encontra-se ferido de Nulidade por excesso de pronúncia;
VII No seu Acórdão o Tribunal a quo deu como provado:
46. Em data não concretamente apurada, mas já após a morte da sua Mãe o arguido AA, de forma não concretamente apurada, fez inscrever a propriedade da casa da Mãe a favor de MM, simulando com a mesma um contrato de compra e venda que não existiu efectivamente e por cuja referida aquisição nenhum preço foi pago.” (Negrito e Itálico Nossos) 
E, em consequência, determinou:
“Comunique esta decisão, com nota de que ainda não transitou imediatamente à Conservatória do Registo predial cometente (atenta a morada do imóvel da falecida-...), atento o facto provado em 46.
VIII Acontece, porém, que a matéria apreciada pelo Tribunal a quo não constava da Acusação, nem foi colocada à apreciação do Arguido/Recorrente;
IX O Tribunal a quo pronunciou-se sobre uma questão de natureza civil, a eficácia de um contrato de compra e venda, sem que o pudesse fazer e sem que tal pedido lhe fosse solicitado.
X Sendo certo que, sobre esta matéria, não foi sequer o Arguido notificado para se pronunciar e apresentar a sua defesa.
XI Estamos portanto, no caso sub judice, perante a Nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do artigo Artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do C.P.P., a qual desde já se argui.
XII O Acórdão proferido pelo Tribunal a quo padece do vício de falta de fundamentação, exigido nos Artigos 97.º, n.º 5, 374.º, n.º 2, 379.º, n.º 1, al. a), todas as disposições do C.P.P..
XIII Nas páginas 22 e 23 do seu Acórdão o Tribunal a quo enumerou a prova pericial constante dos autos com referência às folhas dos autos, sem que tenha procedido a qualquer exame crítico da mesma ou indique qual ou quais os factos que os referidos elementos de prova lhe permitiram dar como provados;
XIV Nas páginas 23 a 25 o Tribunal a quo enumera a prova documental constante dos autos com indicação das folhas a que se encontra, sem que, proceda a qualquer exame crítico da mesma ou indique qual ou quais os factos que os referidos elementos de prova lhe permitiram dar como provados;
XV Nas páginas 44 a 58 o Tribunal a quo, sem que proceda a qualquer exame crítico dessa prova, nomeadamente, que indique se os depoimentos se revelaram credíveis ou não, em que medida, e que factos esses depoimentos serviram para formar a sua convicção, procedeu a um resumo das declarações prestadas pelas testemunhas da Acusação.
XVI Na página 58 a 63 o Tribunal a quo, sem que proceda a qualquer exame crítico dessa prova, nomeadamente, que indique se os depoimentos se revelaram credíveis ou não, em que medida, e que factos esses depoimentos serviram para formar a sua convicção, procedeu a um resumo das declarações prestadas pelas testemunhas apresentadas pela defesa.
XVII Nos termos em que o Acórdão se encontra elaborado, não é possível à defesa do Recorrente proceder a uma verdadeira impugnação da matéria de facto, porquanto, o Tribunal a quo, não refere de que prova se socorreu para dar como provados os factos que considerou;
XVIII Ora, com base na fundamentação (não concordando como a seguir demonstraremos), percebemos o raciocínio lógico efetuado pelo Tribunal a quo para dar como provados os factos que estão relacionados diretamente com os pontos, 1º, 2º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 14º, 18º, 19º, 20º, 26º, 27º, não conseguimos, contudo, compreender qual a prova em concreto que lhe permitiram dar como provados os pontos 3º, 4º, 5º, 11º, 12º, 13º, 15º, 16º, 17º, 21º, 22º, 23º, 24º, 25º, 28º, 29º, 30º, 39º, 40º, 41º, 42º, 43º, 44º, 45º, 46º. 
XIX O Acórdão proferido viola o n.º 2 do Artigo 374.º do C.P.P., pelo que, nos termos da alínea a) do n.º 1 do Artigo 379.º, encontra-se ferido de nulidade.
XX O Acórdão proferido pelo tribunal a quo padece do vício previsto na alínea b) do n.º 2 do Artigo 410.º do CPP, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.
XXI O Tribunal a quo deu como provado que: 
28. Com a sua conduta pretenderam, ainda, os arguidos apoderar-se dos bens de valor que aquela possuísse nessa ocasião, incluindo o acesso ao dinheiro depositado em contas bancárias, para que o arguido AA pudesse, entre outras, saldar as suas dívidas relacionadas com o consumo de estupefacientes bem como com a prática de jogos de fortuna e azar e para que o arguido DD obtivesse o pagamento que lhe tinha sido prometido por retirar a vida a CC.
29. Os arguidos agiram com intenção de retirarem e fazerem sua a quantia monetária depositada na conta bancária titulada por CC no Banco BPI, associada ao cartão de débito n.º ...71, através da utilização do referido cartão em máquinas de ATM, sem que para tanto estivessem autorizados a utiliza-lo, confiando que o código de acesso que detinham era o correcto.
30. Propósito que não conseguiram alcançar, por motivos alheios à sua vontade.
XXII Acontece, porém que, em sede de fundamentação, em sentido contrário à matéria de facto dada como provada, vem a concluir, página 91, que:
Isto também significa que, provados os factos quanto à imputação do crime de homicídio, e no específico contexto em que se provam, fica excluída a prova da intenção quanto ao crime de roubo (já que nunca foi essa a intenção dos arguidos) e quanto à base fundamental da tentativa de burla informática.  De facto, se quanto ao primeiro destes aspectos vale toda a fundamentação antecedente (de onde resulta que a intenção nunca foi a de roubo)… Nestes termos, a matéria de facto provada impede, por ela mesma, a prova dos elementos de facto essenciais à integração destes outros dois crimes, com as consequências que adiante se retirarão.” (Negrito e Itálico Nossos)
XXIII Por um lado, o Tribunal a quo deu como provada a intenção dos Arguidos se apoderarem de bens da vítima, contudo, em sede de fundamentação invoca precisamente o contrário, acabando por absolver os Arguidos dos crimes de roubo de que vinham acusados.
XXIV Analisada a fundamentação apresentada na decisão recorrida, constatamos que, para dar como provados os pontos 4º a 8º, 14º a 23º, o Tribunal a quo socorreu-se da seleção que fez das declarações dos Arguidos, que mais os prejudicassem.
XXV Ou seja, o Tribunal a quo não se socorreu de uma das versões apresentadas, conferindo-lhe credibilidade, tendo optado por selecionar, de cada uma das versões, a parte que mais fosse prejudicial aos arguidos.
XXVI Tal interpretação no modesto entendimento da defesa configura uma manifesta e clara violação do Princípio in dubio pro reo;
XXVII Salvo o devido respeito estando em causa 3 (três) versões dos factos, duas apresentadas pelo Arguido DD e uma apresentada pelo Recorrente, não poderia o Tribunal a quo retirar de cada uma das versões apresentadas aquilo que entendia que mais os desfavorecia.
XXVIII Para dar como provados os pontos 4º a 8º, 14º a 23º, o Tribunal a quo socorreu-se única e exclusivamente das declarações prestadas pelo coArguido DD em sede 1.º interrogatório judicial de arguido detido.
XXIX As declarações daquele Arguido compreendem-se à luz de alguém que sabe que cometeu um crime de homicídio, que foi o aqui Recorrente que o denunciou e que, por isso, evidentemente, quer arrastá-lo consigo e, por isso, profere as declarações que proferiu.
XXX Em sede de julgamento, este Arguido, ao contrário do recorrente que manteve sempre a mesma versão, veio apresentar uma versão completamente diferente dos factos.
XXXI Aquando do primeiro interrogatório judicial de arguido detido estava presente unicamente o Arguido DD e o seu defensor, não estava presente o defensor do Recorrente. Sendo certo que, em sede de julgamento o mesmo negou expressamente a versão apresentada nesse 1.º interrogatório judicial.
XXXII O aqui Recorrente em momento nenhum teve a possibilidade de contraditar a versão apresentada pelo co-Arguido em sede de 1.º interrogatório judicial, isto porque, o mesmo negou-a expressamente em julgamento.
XXXIII Ora, se é vedado ao Tribunal valorar as declarações de um co-Arguido proferidas em prejuízo de outro, quando a instâncias deste, o primeiro se recusa a responder, por maioria de razão é vedado ao Tribunal valorar tais declarações quando o mesmo, em sede de audiência de discussão e julgamento, vem apresentar uma versão diferente daquela que apresentou em 1.º interrogatório judicial de arguido detido e onde afirma que foi coagido a prestar tais declarações.
XXXIV Sendo certo que sempre será inconstitucional o Artigo 141.º, n.ºs 4 e 5 do C.P.P., por violação dos artigos 2.º, 32.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, quando interpretado no sentido que pode o tribunal valorar as declarações de um co-Arguido, proferidas em prejuízo de outro, em primeiro judicial de arguido detido, quando, em sede de julgamento, apresenta depoimento diverso afirmando que foi coagido a prestar aquelas declarações. 
Ou no sentido que:
Pode o tribunal valorar as declarações de um co-Arguido, proferidas em prejuízo de outro, prestadas em 1.º interrogatório judicial de arguido detido, quando em audiência de discussão e julgamento apresenta uma versão diferente daquela que apresentou.
XXXV Considerando o que acima se encontra exposto e porque se fundamentou única e exclusivamente nas declarações prestadas pelo co-Arguido DD, devem, em relação a si, ser dados como não provados os pontos 4, 5, 6, 7, 8, 15, 18, 19, 20, 21, 22, 26, 27 e 39 da matéria de facto dada como provada.
XXXVI Em face da prova produzida em audiência de discussão e julgamento deveriam ter sido julgados como NÃO PROVADOS os seguintes factos: 3, 4, 5, 6, 7, 8, 11, 12, 15, 16, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 26, 27, 28, 39, 43, 44, 45 e 46.
XXXVII A prova que impõem decisão diversa é a seguinte:
- Declarações do Recorrente:
- AA, Ficheiro de origem: 20210419100209_4429527_2871334, de 19/04/2021 10:02:09-11:02:48 - passagens 00:00:42 a 00:06:20; 00:03:41 a 00:06:04; 00:11:11 a 00:11:51; 00:21:22 a 00:21:54; 00:31:23 a 00:32:35;
- Declarações do Co-Arguido em audiência de Discussão e Julgamento:
- DD, Ficheiro de origem: 20210419110840_4429527_2871334, ouvido em 19/04/2021, entre as 11:08:40-11:50:57 – Passagens 00:00:45 a 00:01:54; 00:00:19 a 00:01:17; 00:01:06 a 00:02:04; 00:02:34 a 00:02:38; 00:03:16 a 00:04:20; 00:04:46 a 00:04:59; 00:06:24 a 00:06:52; 00:11:10 a 00:12:17; 00:17:04 a 00:22:05.
- TESTEMUNHAS: 
- GG (por videoconferência), Ficheiro de origem: 20210510103654_4429527_2871334, ouvido em 10/05/2021, entre as 10:36:55-11:05:38 – Passagens 00:05:03 a 00:05:55; 00:09:19 a 00:10:45; 00:14:44 a 00:15:58; 00:16:07 a 00:16:32; 00:25:16 a 00:25:44;
- HH, Ficheiro de origem: 20210510110625_4429527_2871334, ouvido em 10/05/2021, entre as 11:06:25-11:40:19 – Passagens 00:13:08 a 00:13:21;
- II, Ficheiro de origem: 20210510114256_4429527_2871334, ouvido em 10/05/2021, entre as 11:42:57-12:01:41;
- MM (por videoconferência), Ficheiro de origem: 20210510150909_4429527_2871334, ouvida em 10/05/2021, entre as 15:09:10-15:35:25 – Passagens 00:08:12 a 00:08:47; 00:10:32 a 00:11:23; 00:23:06 a 00:23:50;
- PP, Ficheiro de origem: 20210510160426_4429527_2871334, ouvida em 10/05/2021, entre as 16:04:27-16:31:16 – Passagens 00:02:16 a 00:03:52; 00:09:49 a 00:11:45; 00:13:12 a 00:14:50; 00:17:10 a 00:26:15.
- SS, Ficheiro de origem: 20210531143909_4429527_2871334, ouvido em 31/05/2021, entre as 14:39:09-14:57:23 – Passagens 00:05:28 a 00:06:10;
- UU (por videoconferência), Ficheiro de origem: 20210531151237_4429527_2871334, ouvida em 31/05/2021, entre as 15:12:38-15:24:35 – Passagens 00:02:31 a 00:03:57.
XXXVIII Em 10/05/2020, com o conhecimento de todo o circunstancialismo em que ocorreram os factos, fosse a própria Polícia judiciária e o Ministério Público a considerar que mostrava-se “fortemente indiciado” que foi o Arguido DD o único a entrar no apartamento da vítima e a desferir os golpes na mesma?!
16. Instantes depois, o arguido DD, munido da chave de casa da vítima fornecida pelo arguido AA, entrou em casa de CC. 
17. Seguidamente, na execução do plano concertado com o arguido AA, munido de uma faca não concretamente apurada, o arguido DD abordou a vítima pela retaguarda, quando esta caminhava pelo hall de entrada da casa, e desferiu 14 golpes na zona do pescoço da vítima, atingindo vasos sanguíneos de grande/médio calibre situados na zona do pescoço, designadamente a jugular e a carótida, provocando uma extensa perda de sangue, que provocou a morte da vítima, pelas 22h00 desse dia 13/04/20. 
XXXIX Ouvido na audiência de discussão e julgamento do dia 10/05/2021, entre as 11:06:25 e as 11:40:19, o inspetor da Polícia Judiciária HH, Ficheiro de origem: 20210510110625_4429527_2871334, questionado sobre se tinham encontrado no interior do imóvel alguma prova de que o Recorrente tenha estado no seu interior o mesmo foi perentório em afirmar que não. Passagens 00:13:08 a 00:13:21.
XL O Arguido DD afirma, em consonância com as declarações prestadas pelo Recorrente que a intenção da deslocação era apenas e só levar a cabo um assalto, o arguido apoderar-se de bens que permitissem pagar aquilo que lhe devia. Passagens 00:11:10 a 00:11:44.
XLI O Arguido DD era traficante de produtos estupefacientes, chegando ao ponto de quando os clientes não tivessem condições de pagar o produto vendido ficava-lhes com os objetos pessoais para garantir esses mesmos pagamentos, isto mesmo decorreu, nomeadamente, do depoimento da testemunha SS, ouvido na audiência de discussão e julgamento de 31/05/2021, Ficheiro de origem: 20210531143909_4429527_2871334, entre as 14:39:09-14:57:23, passagens 00:05:28 a 00:06:10. 
XLII A única explicação para a deslocação a casa do Recorrente por parte do Arguido DD foi aquela que aquele apresentou, ou seja, este iria lá para ver se encontrava algum bem que lhe permitisse saldar a dívida. Conforme afirmou o Recorrente, ouvido na audiência de discussão e julgamento de 19/04/2021, entre as 10:02:09 a 11:02:48, Ficheiro de origem: 20210419100209_4429527_2871334, passagens 00:00:42 a 00:05:07.
XLIII Para a acusação e para o Tribunal a quo o Recorrente delineou um plano para matar a sua Mãe para lhe ficar com o dinheiro existente em contas bancárias e com o seu apartamento…
XLIV Como poderia o Arguido ter interesse em assassinar a sua Mãe para lhe ficar com o dinheiro em contas bancárias cujo saldo desconhecia, ou seja, o Arguido mataria a sua Mãe para aceder a contas bancárias que poderiam não ter qualquer dinheiro?!
XLV Da prova documental junta aos autos e a que se faz referência nas páginas 23 a 25 do Acórdão, a única referência existente a informação bancária é “Extracto bancário/ saldo da conta titulada por CC Associada ao cartão de débito n.º ...71, reportado ao dia 13.04.2020”;
XLVI Para além da referida informação não existe nos autos qualquer outra, do Banco de Portugal, ou de qualquer entidade financeira, que permitisse dar como provado que para além da conta bancária associada cartão de débito n.º ...71, a vítima fosse titular de quaisquer outras contas.
XLVII Por esse motivo, e por total ausência de prova documental ou outra, nunca o Tribunal a quo poderia ter dado como provado que:
44. A conta do BPI cujo cartão de acesso foi levado de casa da vítima pelo arguido AA era co-titulada pela vítima e pelo próprio.
45. Algum tempo antes dos factos, sem se ter apurado quando em concreto, a vítima abriu uma outra conta, sé em seu nome, no Banco Millennium, para onde transferiu a maior parte do dinheiro que tinha naquela.
XLVIII Consultados os presentes autos e analisado o Acórdão proferido e a prova documental a que o mesmo faz referência constatamos que não consta dos presentes autos qualquer certidão predial que ateste que a Mãe do Recorrente era proprietária do apartamento onde residia, motivo pelo qual não poderia o Tribunal a quo ter dado como provado os factos 3 e 46.
Mas mais,
XLIX Não existe nos autos, qualquer relatório pericial, ou outro, efetuado ao alegado apartamento, não foi ouvida qualquer testemunha sobre essa matéria, pelo que, não poderia o Tribunal a quo dar como provado que o apartamento onde residia a Mãe do recorrente se encontrava avaliado em €120.000,00.
L O Recorrente era ele próprio titular de património imobiliário que tinha já colocado à venda em Janeiro de 2020, e com o qual tencionava pagar todas as suas dívidas.
LI Assim, fica evidente que ao contrário do referido na Acusação por um lado não ficou provado que a Mãe do Recorrente fosse titular de quaisquer bens e por outro, que o Arguido tivesse que matar a sua Mãe para herdar bens de modo a liquidar as suas dívidas.
LII O Arguido era proprietário de um bem imóvel que estava a diligenciar por vender e que lhe iria permitir ficar com mais de 80 000€ (Oitenta Mil Euros), montante mais do que suficiente para liquidar todas as dívidas e ainda ficar com dinheiro.
LIII Assim aquele que o Tribunal a quo considerou o motivo do crime, por parte do Recorrente, ficou completamente afastado.
LIV Não foi feita qualquer prova de que o Recorrente tinha conhecimento de que a sua Mãe tivesse dinheiro em bancos, ou, como acima se referiu, que esse dinheiro efetivamente existisse.
LV Na altura dos factos, o Recorrente apesar de não se encontrar numa situação de inimputabilidade apresentava-se contudo, numa situação de descompensação e perturbação relacionada com o consumo de álcool e múltiplas substâncias psicotrópicas.
LVI E foi, neste contexto que o Recorrente (ao contrário do afirmado pelo Tribunal a quo, tinha perfeito conhecimento que a sua Mãe havia adquirido um cofre para guardar o seu dinheiro e joias, aliás, o arguido conforme as testemunhas afirmara deslocava-se com frequência a casa da sua Mãe, nomeadamente, para procurar algum dinheiro) para se ver livre da pressão do Arguido DD propôs que este se apoderasse do conteúdo do cofre existente na casa da sua Mãe.
LVII Como nos dizem as regras da experiência comum, os roubos a cofres em geral são planeados com o objectivo de ter sempre presente a pessoa que tem acesso às chaves e código do mesmo. Pelo que, a necessidade da vítima estar presente, aquando do assalto para assim ser aberto o cofre, à luz das regras da experiência comum, faz todo o sentido.
LVIII O Recorrente nunca teve intenção de matar a sua Mãe, o objectivo era apenas e só o Arguido DD efectuar um assalto, conforme acabou por assumir em sede de audiência de discussão e julgamento, passagens 00:11:10 a 00:11:43, do seu depoimento.
LIX O Tribunal a quo deixou-se fascinar pela segunda teoria/ versão dos factos construída pelo Ministério Público. É que, até ao primeiro interrogatório judicial do Arguido DD, em 10/05/2020, o Ministério Público e a Polícia Judiciária, defendiam expressamente que o Recorrente, aquando da prática dos factos, não tinha sequer entrado na casa da vítima, após as declarações do Arguido DD, porque essas permitiam mais facilmente condenar o Recorrente, construíram uma nova teoria.
LX O Tribunal a quo refere que para chegar à conclusão de que o Recorrente esteve no interior da residência se socorreu de “factos instrumentais apurados”, contudo, não identifica que factos são esses, impossibilitando assim a defesa, de verificar da razoabilidade dos mesmos.
LXI O Tribunal a quo, porque seria mais fácil para a condenação, construiu toda a sua fundamentação tendo por base as declarações prestadas pelo Arguido DD em sede de 1.º interrogatório judicial de arguido detido.
LXII Sobre a autópsia realizada à vítima, e os sinais de agressão que a mesma apresentava, para além do Relatório Pericial, a Senhora Perita Dr.ª UU (por videoconferência), foi ouvida em 31/05/2021, entre as 15:12:38 e as 15:24:35, Ficheiro de origem: 20210531151237_4429527_2871334, tendo a mesma esclarecido a existência de três cortes mais profundos e as restantes feridas mais superficiais, não sendo sequer possível determinar qualquer tipo de profundidade, passagens 00:02:31 a 00:03:57;
LXIII Aparentemente, o Tribunal a quo parece querer defender a tese de que os Arguidos foram desferindo golpes na vítima à vez, o que levanta, desde logo, a seguinte dúvida, então se um deles, como defende este mesmo tribunal, manietava a vítima, e colocava-lhe uma almofada sobre a cabeça iam também alternando nesta situação?
LXIV O modo como as lesões foram produzidas, no entendimento da defesa, leva-nos também a concluir que não existia, como o Tribunal chegou a defender, qualquer sentimento de revolta pessoal, indiciando que tivesse forçosamente que ser o aqui Recorrente a participar nesse evento.
LXV Se existisse alguma questão de natureza pessoal, como o Tribunal chegou a defender (que não resultou da matéria de facto dada como provada), diz-nos a experiência comum que os cortes infligidos na vítima não seriam “superficiais” como referiu a senhora perita, mas sim profundos.
LXVI O Arguido foi ouvido pela Senhora Perita Dr.ª PP, no âmbito de uma perícia de psiquiátrica, sobre esta matéria foi a senhora perita a afirmar que os factos relatados pelo Arguido eram lógicos e coerentes até do ponto de vista da análise psiquiátrica, conforme depoimento prestado na audiência de discussão e julgamento de 10/05/2021, entre as 16:04:27-16:31:16, Ficheiro de origem: 20210510160426_4429527_2871334, passagens 00:20:16 a 00:25:34.
LXVII O Tribunal a quo não se poderia socorrer das declarações prestadas pelo Arguido DD para dar como provados os factos 4, 5, 6, 7, 8, 18, 19, 20, 21, 22, 26, 27 e 39 da matéria de facto dada como provada.
LXVIII Quanto aos pontos 3, 44, 45, 46, não foi junta aos presentes autos qualquer certidão predial ou caderneta predial que ateste que a infeliz vítima era proprietária de qualquer bem imóvel; LXIX Não foi junta aos presentes autos qualquer documentação bancária que ateste que a infeliz vítima era titular de contas bancárias ou montantes depositados em contas bancárias.
LXX Não foi junta aos presentes autos qualquer avaliação de imóvel, ou sequer produzida prova testemunhal sobre essa matéria. 
LXXI O ponto 46 da matéria de facto dada como provada é matéria puramente conclusiva e ou de direito. 
LXXII
Devem os pontos 3, 44, 45 e 46, ser retirados da matéria de facto dada como provada.
LXXIII Entende o Recorrente que o Tribunal a quo deveria ter dado como provados os seguintes factos constantes da sua contestação:
11º - O Arguido, para além de ter pedido dinheiro emprestado a vários amigos, ficou ainda a dever dinheiros da aquisição de produto estupefacientes, a vários traficantes, incluindo ao Arguido DD.
14º - O Arguido foi proprietário da fracção autónoma destinada a habitação, designada pela letra “G”, que constitui o … andar …, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito em …, ..., na Rua … das freguesias de ... e …, concelho..., descrito na Conservatória do Registo Predial … sob o número … SETENTA E TRÊS, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo …66, com a Licença de Utilização n.º …, emitido em 01121970 pela Câmara Municipal ... (Vide doc.1).
21º - Aconteceu, porém, que o Arguido em conversa deu a conhecer ao coArguido DD que sabia que a sua Mãe tinha um cofre na casa de ... onde estariam, joias e dinheiro.
22º - Assim, no dia 13/04/2020, com vista a que o Arguido DD se apoderasse do dinheiro e joias existentes no interior da casa de sua Mãe, o Arguido transportou aquele até à Rua …, em ....
23º - O Arguido DD acedeu ao imóvel, enquanto o Arguido permaneceu no interior do veículo automóvel, esperando que este descesse com os bens que se apoderasse, nomeadamente, dinheiro e joias.
24º - Passado algum tempo após ter subido, o Arguido DD desceu, e ao entrar no veículo disse para o ora Arguido arrancar, que não tinha dado para fazer nada, que a Mãe deste tinha começado a gritar.
29º - Aliás, antes de ter os problemas com o consumo de produtos estupefacientes e o vício do jogo, o Arguido e a sua Mãe eram muito felizes, amigos e confidentes.
30º - Fazendo, inclusive, viagens de férias juntos. 
32º - O Arguido não esteve presente no imóvel quando o Arguido DD colheu de forma atroz a vida da sua Mãe.
37º - O consumo excessivo de cocaína é susceptível de provocar um estado de Psicose Tóxica;
38º - Este estado de Psicose traduz-se no aparecimento de sintomas psicóticos, nomeadamente auto - relacionação, ideias delirantes de auto-relacionação, de temática paranóide, bem como alucinações auditivas – verbais, insónia, irritabilidade fácil e agressividade.
40º - A psicose tóxica consubstancia em termos médico legais uma situação de anomalia psíquica.
42º - Conforme resulta do relatório pericial de fls., de 10/01/2021:
“De acordo com a avaliação clínico-forense realizada, bem como da consulta da documentação junta aos autos, somos da opinião que o Arguido apresenta sintomatologia compatível com o diagnóstico de Perturbação Relacionada com o Consumo de álcool (CID-10; F10, OMS, 1992), bem como Perturbação Relacionada com o Consumo de Múltiplas Substâncias (CID-10; F19, OMS, 1992) sendo que ambas eram prévias à data dos factos.”
LXXIV Quanto aos artigos 11º, 21º, 22º, 23º, 24º e 32º a prova destes factos resulta da conjugação das declarações do Recorrente com as declarações prestadas pelo coArguido DD e bem assim a restante prova produzida.
LXXV O Recorrente ao longo de todo o processo prestou declarações de forma coincidente, clara e lógica, como reconheceu inclusive a Dr.ª PP, perita psiquiátrica.
LXXVI Para não tornarmos o presente Recurso mais fastidioso remetemos para a prova acima analisada nomeadamente declarações do Recorrente, declarações do Arguido DD, declarações das testemunhas HH, SS, GG, e esclarecimentos das Senhoras Peritas Dr.ªs PP e UU.
LXXVII Quanto ao ponto 14 da Contestação a prova deste facto resulta da prova documental apresentada pelo Recorrente com a sua contestação, certidão predial junta como doc.1, e bem assim da documentação junta aos autos em 05/05/2021, através de requerimento com a referência citius n.º …, o Recorrente juntou aos autos documento comprovativo da referida venda nas condições constantes do contrato promessa.
LXXVIII Quanto aos artigos 29º e 30º a prova destes factos resulta do depoimento das seguintes testemunhas:
- MM (por videoconferência), ouvida em 10/05/2021, entre as 15:09:10-15:35:25, Ficheiro de origem: 20210510150909_4429527_2871334, passagens 00:08:12 a 00:08:47; 00:10:32 a 00:11:23; 00:23:06 a 00:23:50;
- GG (por videoconferência), ouvido em 10/05/2021, entre as 10:36:55-11:05:38, Ficheiro de origem: 20210510103654_4429527_2871334, passagens 00:05:03 a 00:05:55;
LXXIX A prova dos artigos 37º, 38º e 40º resulta das declarações da Senhora Perita Dr.ª PP, ouvida em 10/05/2021, entre as 16:04:27-16:31:16, Ficheiro de origem: 20210510160426_4429527_2871334, passagens 00:09:49 a 00:26:30.
A prova destes factos, para além dos esclarecimentos prestados pela Senhora Perita em Tribunal, resultam, igualmente, do relatório pericial de fls. 1443 e seguintes dos autos, páginas 8 a 11.
LXXX Quanto ao ponto 42, tal facto resulta não só das declarações da Perita Dr.ª PP prestadas em audiência de discussão e julgamento mas também do relatório pericial de fls. 1443 e seguintes dos autos, onde conclui, na página 8.
LXXXI Foi o Arguido condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado, em coautoria material e na forma consumada, p. e p. nos termos dos art.ºs 10.º, n.º 1, 14.º, n.º 1, 26.º, 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. a), todos do Código Penal, na pena de 19 (dezanove) anos de prisão. Acontece, porém, que em consequência da matéria de facto que deveria ter sido dada como provada nunca o Recorrente poderia ter sido condenado pela prática do referido crime.
LXXXII O Recorrente não cometeu nem os factos, nem, por qualquer forma, o tipo de ilícito de homicídio que lhe é imputado.
LXXXIII O Recorrente desconhece, em absoluto, o que se passou no interior da residência e de que forma o Arguido DD abordou a sua Mãe, tirando-lhe a vida. É absolutamente falso que o Recorrente alguma vez tenha delineado um plano para matar a sua Mãe.
LXXXIV
No que ao crime de homicídio diz respeito, nunca o Recorrente teve essa intenção ou esteve, sequer, no domínio do facto;
LXXXV Entende, o Recorrente que não se encontravam verificados os elementos objectivos e subjectivos do crime, pelo que deveria o Recorrente ter sido absolvido do crime de homicídio qualificado em que foi condenado.
LXXXVI Ao decidir como decidiu violou o Tribunal a quo os art.ºs 10.º, n.º 1, 14.º, n.º 1, 26.º, 131.º e 13.2º, n.ºs 1 e 2, al. a), todos do Código Penal.
Contudo, mesmo que assim não se entenda, o que não se concede e por mero dever de patrocínio se coloca à cautela ainda diremos o seguinte:
LXXXVII Mesmo que se considerasse que o Recorrente cometeu um crime de homicídio qualificado, em coautoria material e na forma consumada, p. e p. nos termos dos art.ºs 10.º, n.º 1, 14.º, n.º 1, 26.º, 131.º e 132.º, n.º 1 e 2, al. a), todos do Código Penal, a pena de 19 (dezanove) anos de prisão aplicada, considerando os factos concretos apurados é manifestamente excessiva.
LXXXVIII Ora, a considerar-se que o Recorrente praticou os factos que lhe são imputados, sempre terá que se considerar que os mesmos resultaram de uma profunda situação de perturbação que lhe diminuiu sensivelmente a culpa.
LXXXIX Assim, considerando a análise global dos factos, deveria o Recorrente ter sido condenado numa pena próxima dos 12 (doze) anos de prisão.
XC Nos termos do artigo 412º, n.º 5 o Recorrente pretende que seja apreciado o Recurso do despacho de fls. dos autos, proferido em 18/02/2021.
Termos em que deve o presente Recurso obter provimento, com o que farão V. Exas. a esperada JUSTIÇA!" (fim de transcrição).
4. O arguido DD, inconformado com a mencionada decisão, interpôs recurso extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:
"I. O presente recurso tem como objecto seis pilares, nomeadamente, a nulidade do acórdão, erro na apreciação e valoração da prova, contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, insuficiência para a matéria de facto provada, subsunção dos factos ao tipo legal de crime de homicídio qualificado e medida da pena cominada, respeitante ao acórdão proferido nos presentes autos no que é relativo ao aqui Recorrente que foi condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado, em co-autoria material e na forma consumada, p. e p. nos artigos 10º, nº 1, 14º, nº 1, 26º, 131º e 132º, nº 1 e 2, al, a), todos do Código Penal, na pena de 19 anos de prisão.
II. O Tribunal “a quo” não se pronunciou sobre o requerimento da realização de uma perícia psicológica, requerida na contestação, a fim de se perceber se o Arguido DD padece, efetivamente, de alguma doença de foro psicológico. 
III. Pese embora esta circunstância, nunca os Mmos. Juízes “a quo” poderiam ter dado como não provado que o Arguido DD padeça de doença psiquiátrica ou psicológica, ou que tal doença fosse, ou não fosse, prévia à vinda do Arguido DD para Portugal, tendo-se agravado aqui os sintomas ou consequências e que este arguido apresente efectivamente sinais de desorientação, pelo que a perceção ou apreciação destes factos exigem especiais conhecimentos técnicos que o Tribunal não dispõe. 
IV. Por essa razão, o Tribunal estava obrigado a deferir a pretensão do Recorrente de ser submetido a uma perícia psicológica, afim de se apurar se este padece de alguma doença de foro psicológico. 
V. Na verdade, ficou comprovado nos autos que o Recorrente foi acompanhado por uma especialista de foro psicológico enquanto residiu no ..., e conforme resulta dos factos provados, no ponto 35 da matéria de facto dado como assente, que o Arguido DD apresentou um discurso evasivo e contraditório com ausência de juízo critico e dificuldades de auto-análise, assim como se apresenta como consumidor de cocaína. 
VI. Ora, tais circunstâncias são indiciadoras de um descontrolo psicológico que deveria, conforme se requereu, ter sido alvo de uma perícia a fim de se apurar a veracidade do alegado na contestação apresentada. 
VII. Ao não ter ordenado a perícia requerida, o Tribunal de primeira instância apreciou factos para os quais não detém os conhecimentos necessários. 
VIII. Desta forma, o douto acórdão incorre no vício previsto no artigo 379º, alínea c) do Código de Processo Penal, pelo que deve a decisão ser considerada nula e, em consequência, ser ordenada a perícia psicológica ao Recorrente e proferida nova decisão do Tribunal recorrido.
IX. Afigura-se-nos que o Tribunal “a quo“ não fez um correcto apuramento e valoração da prova, segundo as regras da experiência comum, em obediência ao preceituado no art. 127º do C.P.P., em especial no que concerne à prova testemunhal no que respeita ao ponto 4 e ao ponto 5 da matéria de facto dada como provada, mais concretamente, na parte que refere que o Recorrente tinha conhecimento que a vítima era mãe do Arguido AA e que este tinha mencionado ao Recorrente que seria o seu único herdeiro.
X. Das declarações prestadas pelo Recorrente no primeiro interrogatório judicial e que, posteriormente, foram reproduzidas em audiência de discussão e julgamento no dia 19.04.2021, (Gravação nº 20200519152230_4337858_2871337, Ao minuto 0:54 a 14:48) e mereceram uma maior valoração e credibilidade, o Arguido DD refere o seguinte: “Ele não falou que era mãe dele. Ele nunca falou que era mãe. Sempre disse que era a tia dele.”
XI. O Recorrente desde o primeiro interrogatório de Arguido que referiu não saber que a vítima era mãe do Arguido AA.
XII. No mesmo sentido, das declarações prestadas pelo Arguido AA, no primeiro interrogatório e, posteriormente, em audiência de discussão e julgamento, este em momento algum refere que disse ao Recorrente que CC era sua mãe, e em consequência disso, o único herdeiro.
XIII. Inexiste qualquer elemento no processo, seja prova testemunhal, prova documental, que indique que o Recorrente sabia que a vítima era mãe do Arguido AA, e que este lhe confidenciou que era o único herdeiro da vítima. 
XIV. Assim sendo, a correta valoração e ponderação da prova produzida em julgamento (toda a prova) impõe, necessariamente, uma decisão diversa daquela que o Tribunal “a quo“ proferiu em sede de factos dados provados, isto é, deve o facto provado 4 ser alterado e do mesmo ser retirada a passagem “… sua mãe”, assim como deve, também, o facto provado 5 ser alterado e do mesmo ser retirada a passagem “…mencionando-lhe ser o único herdeiro de CC…”
XV. Por seu turno, deve à matéria de facto provada ser adicionado o facto de que o Recorrente desconhecia que CC era mãe do Arguido AA, assim como, desconhecia, nem tinha forma de o saber, que o AA era o único herdeiro de CC. 
XVI. Não foi produzida qualquer prova que ateste que o Recorrente tinha conhecimento que a vítima era mãe do Arguido AA, assim como este lhe ter mencionado que seria o único herdeiro.
XVII. O tribunal “a quo“ deu como assente, para além do mais, a seguinte factualidade, quanto aos factos não provados: “Que arguido concretamente agarrou a vítima enquanto o outro a esfaqueava.”
XVIII. Ora, face à supra descrita matéria de facto, da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, quanto a tal circunstância, resulta a seguinte motivação pelo Tribunal recorrido, a fls. 81: “Se a isto juntarmos os pormenores da sordidez do número de golpes produzidos no corpo da vítima (de cujo conjunto se destacam três pela profundidade que têm produzidos em zona vital), e se pensarmos que tais golpes, ou parte deles, são compatíveis com um sentimento interiorizado, que denuncia uma relação pessoal com a vítima…”
XIX. Ora, ao retirar esta conclusão – de que a circunstância em que aconteceu o homicídio, designadamente, as 14 (catorze) facadas, evidenciam uma relação pessoal com a vítima – o Tribunal recorrido estava obrigado a dar como provado que o Arguido que esfaqueou CC só poderia ter sido o seu próprio filho. 
XX. Aliás, o próprio Tribunal recorrido, na sua fundamentação a fls. 68, considera que as declarações do Arguido DD são aquelas que fazem mais sentido nos pormenores e que faziam sentido no contexto mais vasto de terem sido desferidas tantas facadas que indicam uma motivação pessoal, com forte componente pessoal, e que só o Arguido AA tinha por virtude de ser filho da vítima, situação que, em rigor, em nada interessava ao Arguido DD, a quem aquela nada era familiar, e nem sequer a conhecia . não ia ganhar de substancial com isso, ia assumir um risco imenso sozinho, não motivação pessoal para isso e nada levou da casa da vítima. 
XXI. Além disso, através da análise do depoimento da testemunha GG, que se encontra reproduzido no acórdão a fls. 44 e 45, este referiu que o Arguido AA disse à vítima, meses antes da morte, que “era um empecilho na vida dele” e que este já tinha colocado qualquer substância num copo de vinho e, posteriormente, numa sopa de CC, com o propósito de a matar. 
XXII. Ora, pela prova produzida, dúvidas não deveriam restar que quem tinha motivos para planear e efetuar o homicídio era o Arguido AA e não o aqui Recorrente.
XXIII. Aliás, como ficou demonstrado na audiência de julgamento, o Recorrente não mantinha qualquer relação com CC. 
XXIV. São estes, em suma, os erros que julgamos resultar da apreciação da prova que foi realizada pelo Tribunal “a quo“, erros estes que configuram, em nosso entender, a existência de uma deficiente apreciação e valoração da prova, conforme está contemplado no art. 412º, nº 3 do C.P.P.
XXV. Deve, assim, passar a constar dos factos provados que foi o Arguido AA que esfaqueou CC.
XXVI. Desta forma, dúvidas não nos restam que se deve ordenar a renovação e reapreciação da prova produzida em julgamento, a qual terá como consequência excluir da matéria de facto dada como provada no ponto 4 ser alterado e do mesmo ser retirada a passagem “… sua mãe” e ser dado como facto provado que foi o Arguido AA que esfaqueou CC, sua mãe.
XXVII. O Tribunal violou, assim, os limites impostos do artigo 127º do Código de Processo Penal, o que determina a anulação do decidido em sede de matéria de facto provada, para, sem necessidade de reenvio do processo, ser alterada a matéria de facto provada e não provada nos termos já acima relatados.
XXVIII. O tribunal “a quo“ deu como assente, para além do mais, a seguinte factualidade, quanto aos factos dados como provados:  a) “5. Nessa ocasião, o arguido AA, mencionando-lhe ser o único herdeiro de CC, referiu ao arguido DD que assim que estivesse na posse daquela, entregar-lhe-ia a quantia de €6.000,00.”
XXIX. Apesar deste facto elencar a matéria de facto provada, a verdade é que, pela análise integral do acórdão, quer pela análise, quer das declarações prestadas pelos arguidos em sede de primeiro interrogatório judicial, reproduzidas na sessão de julgamento de 19.04.2021 – declarações de 18.04.2020 e 19.05.2020, ouvidas em julgamento no dia 19.04.2020 entre as 16:51 e as 17:20, e as 17:20 e as 17:34, assim como da demais prova testemunhal ouvida em sede de julgamento: Sessão de 10.05.2021  - Testemunha GG – 10:36 e as 11:05;  - Testemunha HH – 11:06 e as 11:40;  - Testemunha II – 11:42 e as 12:01;  - Testemunha JJ - 12:02 e as 12:10;  - Testemunha KK - 12:10 e as 12:24;  - Testemunha LL - 12:24 e as 12:29;  - Testemunha MM - 15:09 e as 15:35;  - Testemunha NN - 15:40 e as 15:48;  - Testemunha OO - 15:55 e as 16:04;  - Testemunha PP - 16:04 e as 16:31;  - Testemunha QQ - 16:32 e as 16:42;  - Testemunha RR - 16:42 e as 16:47;  Sessão de 31.05.2021  - Testemunha SS - 14:39 e as 14:57;  - Testemunha TT - 14:57 e as 15:05., também nada resulta a este respeito, nem a fundamentação do Tribunal Recorrido refere que o Arguido AA disse ao Recorrente que era o único herdeiro de CC. 
XXX. Analisada a prova produzida, a transcrita para o acórdão e a fundamentação explanada neste, em nenhum momento é referida a circunstância de o Arguido AA ser o único herdeiro da vítima e, de igual forma, não é referido que ele tenha confidenciado tal situação ao Recorrente. 
XXXI. Por existir uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão da matéria de facto, deverá o Tribunal ad quem, quanto ao número 5 dos factos provados, retirar do mesmo que “… o arguido AA, mencionando-lhe ser o único herdeiro de CC …”, por em nenhuma parte do acórdão recorrido, assim como da prova produzida, tal resultar a esse respeito.
XXXII. Consta, ainda, da matéria factual provada o seguinte:  a) “7. O arguido DD anuiu neste propósito, encetando com o arguido AA um plano para matar CC.  b) 26. Os arguidos AA e DD agiram com intenção de retirar a vida a CC, mãe do arguido AA, pessoa com 64 anos, surpreendendo-a no interior da sua residência, mediante a elaboração prévia de um plano, gizado, pelo menos, cerca de um mês antes da sua execução.” c) 31. Os arguidos agiram sempre de forma livre, deliberada e consciente, em conjugação de esforços e de intenções, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.”
XXXIII.  O Tribunal “a quo” deu como provados os factos acima descritos quando, na verdade, não dispõe de elementos probatórios para que os mesmos sejam considerados assentes.
XXXIV. Da análise das declarações dos dois Arguidos, assim como da restante prova testemunhal, melhor identificada na conclusão XXIX, duvidas não restam que o Recorrente não conhecia a vítima e que não recebeu qualquer quantia monetária após a morte da vítima.
XXXV. Também ficou provado que o Recorrente não tinha planeado, nem premeditado qualquer tipo de crime, tendo em conta que existia um cofre aberto em casa da vítima, e com valores lá depositados, assim como algumas joias, e se o Recorrente tivesse participado no planeamento do crime, como defende o acórdão, não é credível que este não tenha sequer assegurado o seu “pagamento” pelo serviço. 
XXXVI.  De resto, sempre se dirá que, a existir um plano arquitetado pelos Arguidos, o que não se concede, tal plano foi engendrado para se realizar no dia 6 de abril de 2020 e não no dia 13 desse mesmo mês, tendo em conta que todas as referências a esse “plano” são anteriores ao dia 6 de abril e com a intenção de ser efetuado nesse dia 6.
XXXVII. Em virtude desta circunstância, errou o Tribunal recorrido em dar como assente que o Recorrente encetou um plano para matar CC, pois, a existir um propósito encetado, a combinação – conforme resulta do facto provado 8 – era para o dia 6 de abril de 2020 e não para o dia 13 de abril do mesmo ano. 
XXXVIII.  Desta forma, deve a matéria de facto provada ser alterada e do ponto 7 deixar de constar “… encetando com o arguido AA um plano para matar CC.”.
XXXIX. De igual forma e pelas mesmas razões, deve o facto provado 26 ser alterado e no mesmo deixar de constar “… mediante a elaboração prévia de um plano, gizado, pelo menos, cerca de um mês antes da sua execução.”, aliás, a existir aqui alguém que tinha o propósito de planear e executar o crime era o Arguido AA, que meses antes da morte da vítima, efetuou pesquisas em diversos sítios da internet, inserindo os termos “pesticida”, “nitrosamina” e “dimetilnitosamina”, sendo as duas últimas substâncias cancerígenas. 
XL. E tal convicção só vem reforçada, pela motivação que o Tribunal “a quo” tem a fls. 70, quando refere o seguinte: “…O Arguido AA ensaiou e planeou tudo para conseguir o chamado “crime perfeito”…
XLI. No que concerne à parte inicial do facto provado 26 e ao facto provado 31, o Tribunal não dispõe dos elementos necessários para dar como assente tal factualidade, tendo em conta que o Tribunal para fundamentar a existência de consciência do ilícito, deveria ter admitido a prova pericial requerida pelo Arguido DD, para poder aferir se este estava consciente e a agir de forma deliberada. 
XLII. O Recorrente foi condenado por um crime de homicídio qualificado pela circunstância de ser descendente ou ascendente, adotado ou adotante, da vítima ou, no caso em concreto, por saber, ou ter conhecimento, que o co-autor do crime era filho da vítima, nos termos do artigo 132, n.º 1 e n.º 2 alínea a) do Código Penal. 
XLIII. Analisadas as declarações do Recorrente no primeiro interrogatório judicial, declarações essas que foram reproduzidas em audiência de discussão e julgamento no dia 19.04.2021 (Gravação nº 20200519152230_4337858_2871337 Ao minuto 0:54 a 14:48), e que mereceram uma maior credibilidade por parte do Tribunal “a quo”, foi por este referido o seguinte: “Ele me pediu ajuda para matar ela, mas ele não falou que era mãe dele. Ele nunca falou que era mãe. Sempre disse que era a tia dele.”
XLIV. O Recorrente desde o primeiro interrogatório de arguido que referiu não saber que a vítima era mãe do Arguido AA. 
XLV. Neste sentido, ao alterar-se a matéria de facto provada conforme proposto pelo Recorrente, não pode o Tribunal “ad quem” manter a qualificação do crime de homicídio aplicada ao aqui Recorrente. 
XLVI. Na hipótese de não ser alterado o facto provado 4, conforme referido, entende o Recorrente que a qualificação da alínea a) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal apenas se aplica a relações familiares presentes e pretéritas e relações parentais não familiares. 
XLVII. Ora, o aqui Recorrente não conhecia a vítima, não manteve, nunca, com esta alguma relação e nunca tinha frequentado a sua casa.
XLVIII. E tal factualidade é corroborada pelo Tribunal recorrido a fls. 79, quando refere o seguinte: “Como o próprio Arguido AA diz, o Arguido DD nem conhecia sequer a sua mãe, a morada ou a casa da mesma.” 
XLIX. Assim, nunca poderia o crime imputado ao Recorrente ser qualificado nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal. 
L. Acresce que, o Recorrente não veio acusado pelo crime de homicídio qualificado pela alínea a) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal. 
LI. Ora, face à supra descrita matéria de facto, impunha-se ao Tribunal “a quo”, que se pretendesse condenar o Recorrente por essa alínea, deveria ter procedido a uma alteração não substancial dos factos, o que não sucedeu. 
LII. Deve, assim, a decisão ser anulada pelo Tribunal “ad quem” e, a ser o arguido condenado, terá que ser um crime de homicídio simples, p. e p. pelo artigo 131º do Código Penal, com pena de prisão de oito a dezasseis anos.
LIII. Na hipótese de se manter a decisão de condenação, o Recorrente impugna, pelas razões que expressou, a pena de prisão efetiva de 19 anos adstrita ao crime de homicídio qualificado, que sustenta não corresponder ao melhor enquadramento do caso. 
LIV. E, desta forma, defende que, pelo diverso crime de homicídio simples, não deve sofrer pena superior a 12 anos.
LV. A merecer provimento, como se espera, esta modificação do substrato em que assenta o cálculo da moldura penal, deverá esta balizar-se-á entre os oito e os dezasseis anos. 
LVI. Ponderada a conduta do arguido à luz dos critérios legais de fixação da pena concreta em conjugação com todo o circunstancialismo em que o crime ocorreu e o facto de o Recorrente não ter antecedentes criminais, estar praticamente sozinho em Portugal, sem o apoio da família e, à data dos factos, estar desempregado, não deverá ser-lhe imposta uma pena superior a doze anos. 
LVII. Além disso, o Recorrente foi condenado na pena acessória de expulsão do território nacional e, por isso, regressará, assim que possível, para o ... e para junto dos seus familiares. 
LVIII. Quando assim se não entenda e ainda que viesse a manter-se a sua condenação pelo crime de homicídio qualificado, a pena de 19 (dezanove) anos afigura-se excessiva, considerando, que foi a mesma pena aplicada ao Arguido AA, filho da vítima e, da matéria fatual, o autor material das 14 (catorze) facadas.  
LIX. Face ao exposto, não pode o Tribunal aplicar a mesma pena e o mesmo grau de culpa e ilicitude ao filho que mata a mãe e ao co-autor do crime que nem a vítima conhece.
LX. Mesmo nessa hipótese, de se manter a condenação pelo crime de homicídio qualificado, a pena aplicada não deve exceder os 15 (quinze) anos de prisão.
LXI. Com o acórdão recorrido violaram-se os artigos 379.º n.º1 alínea c), 374.º nº2 e 122.º, ambos do Código de Processo Penal, 127º do Código de Processo Penal, 355.º do Código de Processo Penal, 410.º do Código de Processo Penal, e, 412.º do Código de Processo Penal e 132.º n. 1 e n.º2 a) do Código Penal.
TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO, Se requer muito respeitosamente a V/ Exas. que admitam o presente recurso e que o julguem totalmente procedente e, consequentemente, por via do presente recurso, se deverá revogar o douto acórdão recorrido sendo substituído por outro, em conformidade com a pretensão do Recorrente nos termos, com os efeitos e pelas razões supra expendidas,
FAZENDO ASSIM, VOSSAS EXCELÊNCIAS, A INTEIRA E HABITUAL, JUSTIÇA!" (fim de transcrição).
5. Foi proferido despacho judicial admitindo os recursos, como se alcança na referência Citius n.º ….
6. Respondeu o Ministério Público em primeira instância ao recurso dos arguidos extraindo as seguintes conclusões:
"1) – Por razões de celeridade e economia processual, o Ministério Público dá aqui por reproduzido, para os devidos efeitos legais, tudo o que ficou a constar no recurso que o mesmo apresentou do acórdão condenatório (recurso já admitido), em especial no que respeita aos vícios que aí foram invocados e que são comuns aos recursos ora interpostos pelos arguidos (ainda que apenas nos termos em que aí igualmente são enunciados), a saber:
- Existência de erro notório na apreciação da prova - resultante de se ter dado como assente que a conta bancária associada ao cartão de débito nº ...71 era co-titulada por CC e pelo arguido AA – ponto 29) da matéria de facto dada como assente;
- Enquadramento jurídico dos factos dados como provados – verificação dos elementos subjectivos e objectivos do crime de furto simples (cfr. pontos 21), 22), 28) e 31) da matéria de facto dada como assente);
- Medida das penas aplicadas aos arguidos, as quais devem ser agravadas para 24 anos de prisão, para cada um dos arguidos.
2) – Não se nos afigura existir, pois, qualquer outro vício relativo à apreciação da prova (os demais factos, para além dos invocados no recurso do MP, foram correctamente apreciados), ao enquadramento jurídico da matéria de facto dada como provada (até porque, neste aspecto, a discordância dos arguidos está relacionada directamente com os factos dados como assentes e não propriamente com o enquadramento jurídico daqueles que foram dados como provados), e à medida das penas (devem ser agravadas e não atenuadas). No demais,
3) – Importa ter presente que não “constitui alteração não substancial dos factos “toda e qualquer alteração ou desvio da sentença em relação ao texto da acusação ou pronúncia. A modificação dos factos constantes destas peças processuais só integra o referido conceito normativo quando tiver relevo para a decisão da causa e implique uma limitação dos direitos de defesa do arguido, vista em função do condicionamento da estratégia e utilidade da defesa (Ac. da R.C. de 28.09.2011, disponível em www.dgsi.pt).
4) - Analisados os autos, é manifesto que foram alterados determinados factos e acrescentados outros, realidade que é facilmente constatável pela comparação da acusação/pronúncia com o texto do acórdão condenatório – cfr. pontos 4), 10), 17), 20), 39), 43), 45) e 46).
5) – Todavia, estamos convictos que essa alteração não pode ser tida como não substancial, como pretende o recorrente AA, na medida em que não envolve qualquer limitação do efectivo e consistente direito de defesa dos arguidos provocada por um arbitrário alargamento da actividade cognitiva e decisória do Tribunal “a quo”.
6) – Trata-se, na realidade, de alterações de factos relativos a aspectos não essenciais (pontos 10) e 20)), manifestamente irrelevantes para a verificação da factualidade típica ou da ocorrência de circunstâncias agravantes (pontos 39), 43) a 46)), ou ainda de simples descrição do contexto temporal e do ambiente físico em que a acção dos arguidos se desenrolou (pontos 4) e 17)).
7) – Os arguidos revelaram conhecimento sobre os precisos factos que lhe eram imputados, nomeadamente sobre a concreta conduta que lhes era assacada na acusação – homicídio da vítima - e, nessa justa medida, exerceram o direito ao contraditório, tendo tido oportunidade de contrariar ou contestar os elementos fácticos relevantes carreados pela acusação e os dados como provados no acórdão.
8) - O facto vertido 46) pese embora extravase o âmbito dessa referida factualidade, é na verdade irrelevante para a verificação da factualidade típica relevante, servindo apenas como elemento esclarecedor da conduta do arguido AA (conduta pós factos), e resultou provado das declarações da testemunha MM, ex-namorada do arguido AA (a qual relatou em julgamento os termos em que venda do imóvel foi concretizada).
9) – Desta forma, entendemos que não existiu alteração quer substancial quer não substancial dos factos descritos na acusação/pronúncia e, como tal, não se impunha ao Tribunal “a quo” cumprir, como alegado o formalismo prescrito no art. 358º, nº 1 do C.P.P..
10) - O acórdão recorrido, ao contrário do que alega o arguido AA, também não padece da nulidade a que alude o art. 379º, nº 1, alínea a) do C.P.P..
11) - Com efeito, o acórdão recorrido foi elaborado com respeito por todos os requisitos impostos no art. 374º, nº 2 do C.P.P. , tendo, em especial, expressado os motivos de facto e de direito que fundamentaram a decisão e as provas que serviram de base para formar a  convicção do Tribunal, os quais permitem seguir, de forma segura e inequívoca, o exame do processo lógico ou racional que esteve na base da decisão do tribunal.
12) - Assim, lendo-se a decisão recorrida, é fácil constatar que ela cumpre minimamente os supra citados desideratos legais, sendo claramente perceptível o motivo pelo qual o Tribunal “a quo” deu os factos imputados aos arguidos recorrentes como provados (exame crítico das provas) – cfr. páginas 18 a 91 do acórdão.
13) – De igual modo, afigura-se-nos que o acórdão recorrido não incorreu em qualquer excesso de pronúncia ao dar como assente o facto vertido no ponto 46) da matéria de facto dada como assente. 
14) - Trata-se, como já referimos, de um facto irrelevante para a verificação da factualidade típica – homicídio – revelando tão-só para demonstrar a conduta posterior do arguido AA e, nessa medida, a intenção que o moveu a retirar a vida da vítima.
15) - Acresce que tal circunstância resultou assente das declarações da testemunha MM, ex-namorada do arguido AA, a qual relatou em julgamento os termos em que a referida venda foi concretizada. Logo, o arguido AA, teve oportunidade de contraditar o mencionado depoimento e apresentar prova em sentido diverso, o que não sucedeu.
16) – O acórdão recorrido também não está, ao contrário do invocado pelo arguido DD, ferido de nulidade por violação do disposto no art. 379º, nº 1, alínea c) do C.P.P. – omissão de pronuncia.
17) – Com efeito, do texto do acórdão é claramente perceptível que o Tribunal “a quo” se pronunciou sobre a perícia psicológica requerida em sede de contestação. Aliás, é igualmente perceptível o motivo pelo qual não foi ordenada a realização dessa diligência. 
18) Na verdade, refere-se expressamente no ponto 36) dos factos dados como assentes que “O Arguido DD consultou uma vez, no ..., em data não concretamente apurada após o divórcio, serviços de psicologia, desconhecendo-se que diagnóstico foi realizado, mas sem que possua qualquer doença do foro mental que o iniba de entender todos os actos que pratica de acordo com a sua vontade livremente formada e determinada”.
19) - Acresce que, em sede de audiência de julgamento, não foi suscitada qualquer questão quanto à eventual inimputabilidade ou imputabilidade diminuída do arguido DD, nem tal circunstância resultava de qualquer elemento de prova junto aos autos ou até das declarações que o próprio arguido prestou em julgamento. Não se impunha, pois, a realização de qualquer perícia psicológica.  
20) - A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, vício previsto na alínea a) do nº 2 do art. 410º do C.P.P., existe quando os factos apurados são insuficientes para se decidir sobre o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime verificável e dos demais requisitos necessários à decisão de direito.
21) - O acórdão recorrido não sofre do apontado vício, porquanto da conjugação e ponderação de todos os elementos probatórios disponíveis e dados como provados, era inevitável que se decidisse pela condenação dos arguidos recorrentes nos moldes em que o Tribunal “a quo” o fez – quanto ao crime de homicídio.
22) - Na verdade, o que releva nesta sede é que os Mmos. Juízes “a quo“ deram como assente, para além do mais, os factos descritos nos pontos 1) a 31) da matéria de facto dada como assente.
23) - Ora, provada que se encontrava esta e a demais factualidade dada como assente, outra solução não restava aos Mmos. Juizes que não fosse a condenação dos ora recorrentes pela prática do crime de homicídio.
24) – Por fim, também não se vislumbra a existência de qualquer contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão. – art. 410º, nº 2, alínea b) do C.P.P..
25) – Assim, importa não olvidar que o Tribunal “a quo“ deu como assente, para além do mais, que os arguidos agiram com a intenção de tirar a vida a CC, mãe do recorrente AA, surpreendendo-a no interior da sua residência, e que sabiam que ao desferir, como desferiram, 14 golpes na zona do pescoço da mesma, ela não ira sobreviver – pontos 26) e 27) da matéria de facto dada como provada.
26) - Daí que os recorrentes tenham sido condenados, e bem, pelo crime de homicídio que lhes vinha imputado na pronúncia.
27) - Mas o Tribunal “a quo“ deu ainda como provado que os arguidos pretenderam, também, apoderar-se de bens de valor que a vítima possuísse nessa ocasião, e bem assim retirarem e fazerem sua a quantia monetária depositada na conta bancária titulada pela vítima – pontos 28) a 29) da matéria de facto dada como provada.
28) - Tais factos, ao contrário do alegado, não são contraditórios com a conclusão que o Tribunal alcançou quanto à não verificação da intenção do crime de roubo, uma vez que os arguidos pretendiam, em primeiro lugar, retirar, como retiraram, a vida à vítima e, após a concretização desse facto, pretendiam então apoderar-se, como se apoderaram, de bens de valor que esta possuísse, e fazer sua a quantia monetária depositada na conta bancária titulada pela mesma, o que foi tentado sem sucesso.
29) - Retirar a vida à mãe do arguido AA foi a intenção que moveu os recorrentes em primeira linha.
30) - O que se pode questionar a este propósito, como fez o Ministério Público no recurso que interpôs do acórdão condenatório, é o motivo pelo qual os mesmos não foram condenados pelo correspondente crime de furto (e de burla informática tentada, no caso de não ser dado como provado que a conta bancária em apreço não era co-titulada pelo arguido AA e pela vítima).
 Termos em que farão V.Exas. a habitual JUSTIÇA." (fim de transcrição).
7. Respondeu o arguido AA ao recurso do Ministério Público extraindo as seguintes conclusões:
" I Defende o Ministério Público que aquilo que o Tribunal a quo poderia dar como provado seria que a conta bancária do BPI, associada ao cartão de débito n.º ...71, era titulada por CC.
II Refere o Ministério Público que, com base nos documentos de fls. 76 e 77 dos autos e da informação do Banco BPI de fls. 1270 a 1271, não era possível dar como provado o ponto 29) da matéria de facto dada como provada.
III Defende o Ministério Público a fls. 8 de 32, que “nenhum destes dois documentos – valorados pelo Tribunal “a quo” conforme decorre de fls. 23 a 25 do acórdão condenatório – resulta que a conta bancária em apreço era co-titulada por CC e pelo arguido AA.
IV Entende o Ministério Público que, á semelhança daquilo que fez com as declarações dos Arguidos, o Tribunal deveria julgar todas as dúvidas e incertezas contra eles!!
V Acontece, porém, que se os referidos documentos, conforme alega o Ministério Público não permitem concluir que a conta era co-titulada pelo arguido AA, também não permitem demonstrar que não era.
VI Mas mais, ao contrário do referido pelo Ministério Público, foi produzida prova testemunhal sobre essa matéria. Ouvido na audiência de discussão e julgamento do dia 10/05/2021, entre as 11:06:25 e as 11:40:19, conforme depoimento gravado no sistema existente no Tribunal Ficheiro de origem: 20210510110625_4429527_2871334, a testemunha HH, inspetor da Polícia Judiciária, afirmou que o cartão que estava desaparecido era o cartão da conta conjunta que ele tinha com a mãe. (Passagens 00:29:18 a 00:30:57)
VII Assim, sem que resulte do processo prova documental desse facto, como deveria constar, dúvidas não restam que o Senhor Inspetor da Policia Judiciária titular do processo conseguiu apurar que, ao contrário do defendido pelo Ministério público, o cartão de débito n.º ...71 estava associado a uma conta conjunta do arguido AA e CC. 
VIII Entende a defesa do Arguido AA que a resposta dada ao ponto 29) da matéria de facto dada como provada não merece qualquer censura, sem prejuízo, obviamente, de o Venerando Tribunal da Relação, considerar que a prova de tal facto obedece, nos termos do artigo 364º do C. Civil, a prova vinculada, termos em que deve o processo ser remetido para julgamento em 1ª instância para que seja obtido junto do Banco BPI informação bancária que permita provar ou não o referido facto.
IX No caso Sub Júdice nunca o Ministério Público requereu que fosse comunicado ao Arguido, nos termos do artigo 358º do C.P.P., uma alteração não substancial dos factos, que agora invoca.
X O Tribunal Constitucional consagrou jurisprudência segundo a qual a comunicação ao arguido e a subsequente discussão sobre a qualificação jurídica devem ter lugar logo na audiência de julgamento no tribunal de primeira instância. 
XI Sendo certo que, sempre seria inconstitucional o artigo 358º, n.º1 e 3 do C.P.P. quando interpretado no sentido que: “Tendo o arguido sido absolvido da prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º1 e 2 do C. Penal, pode o Tribunal da Relação proceder a uma alteração não Substancial da matéria de facto, imputando-lhe a prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, n.º1 do C.P.” 
 Tal interpretação seria claramente violadora dos artigos 2º, 20º, 29º e 32º da Constituição da República Portuguesa.
XII Sendo admitida a pretensão do Ministério Público ficaria aberta a porta para que sempre que o Ministério Público não conseguisse provar a prática de um determinado crime, em Recurso, viesse pedir a alteração da qualificação jurídica dos factos com vista à condenação por crime diverso.
XIII Em sede de Alegações, pela prática de todos os crimes que eram imputados aos Arguidos o Ministério público pediu uma pena de 20 (vinte) anos de prisão. Contudo, vem agora pedir uma pena de 24 anos de prisão apenas para o crime de homicídio qualificado, é a coerência que, infelizmente, o Ministério público nos tem habituado.
XIV O Recorrente não cometeu nem os factos, nem, por qualquer forma, o tipo de ilícito de homicídio que lhe é imputado.
XV Ao contrário do referido pelo Ministério Público o Recorrido AA prestou declarações sobre os factos, apresentando a verdade dos factos.
XVI A versão apresentada pelo Arguido encontra suporte, na prova pericial e testemunhal, a prova pericial atestou a situação de consumos de produtos estupefacientes e álcool que o Arguido apresentava, a prova testemunhal permitiu perceber a sua situação pessoal e económica. 
XVII Com base na prova testemunhal e documental junta aos autos ficou completamente afastado o alegado motivo para o homicídio da mãe do Recorrido, ou seja, que tinha dívidas e necessitava da herança da mãe para as pagar. Apurou-se em julgamento que o Arguido era proprietário de imóvel próprio que se encontrava a vender para liquidar as suas dívidas, tendo inclusive, à data dos factos celebrado já um contrato promessa de compra e venda.
XVIII A versão dos factos apresentada pelo Arguido é confirmada pela apreensão em casa da infeliz vítima de um cofre contendo no seu interior joias e dinheiro (o Recorrido alegou que a deslocação do Arguido DD a casa da sua mãe era precisamente apoderar-se do dinheiro e joias que se encontravam no interior do cofre, cujo código se encontrava na posse da infeliz vítima)!!!
XIX A testemunha SS, ouvido no dia 31/05/2021, foi claro ao afirmar que o Arguido DD lhe fornecia produto estupefaciente e que, inclusive, para garantia do pagamento da droga, pelo menos uma vez, ficou-lhe com um computador portátil.
XX Mas mais, Ouvido na audiência de discussão e julgamento do dia 10/05/2021, entre as 11:06:25 e as 11:40:19, conforme depoimento gravado no sistema existente no Tribunal Ficheiro de origem: 20210510110625_4429527_2871334, a testemunha HH, inspetor da Polícia Judiciária, questionado sobre se encontraram algum indício de que o Arguido AA estaria no interior do imóvel aquando do homicídio, o Senhor Inspetor foi claro ao afirmar que NÃO. (Passagens 00:13:08 a 00:13:20).
XXI Não existiam quaisquer indícios que permitissem concluir que o Arguido AA estava sequer no interior do imóvel aquando da morte da senhora CC.
XXII Não existem indícios, ainda ténues que sejam, que o Arguido participou no homicídio da infeliz vítima.
XXIII Mesmo que se considerasse que o Recorrente cometeu um crime de homicídio qualificado, em co-autoria material e na forma consumada, p. e p. nos termos dos art.ºs 10.º, n.º 1, 14.º, n.º 1, 26.º, 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. a), todos do Código Penal, a pena de 19 (dezanove) anos de prisão aplicada, considerando os factos concretos apurados é manifestamente excessiva.
XXIV Resulta da matéria de facto dada como provada que os factos ocorreram num contexto de consumos de produtos estupefacientes e Perturbação Relacionada com o Consumo de álcool (CID-10; F10, OMS, 1992), bem como Perturbação Relacionada com o Consumo de Múltiplas Substâncias (CID-10; F19, OMS, 1992).
XXV O Recorrente é primário não tendo averbado no registo criminal a prática de qualquer crime, nem tendo sequer alguma vez sido investigado pela prática de qualquer ilícito.
XXVI O Recorrente até finais de 2019, altura em que existiu um aumento de consumo de produtos estupefacientes e álcool, conforme resultou do depoimento das testemunhas, sempre foi uma pessoa trabalhadora, responsável e séria. O que lhe permitiu inclusive adquirir habitação própria.
XXVII Por outro lado, admitindo apenas por mera hipótese académica e dever de patrocínio, que existiam nos autos, que não existem, provas, com um mínimo de sustentabilidade, de que o Recorrente praticou os factos que lhe são imputados, sempre teria que se ter considerado que os mesmos resultaram de uma profunda situação de perturbação emocional e psicológica, circunstâncias que significativamente diminuem a sua culpa.
XXVIII Assim, considerando a análise global dos factos, deveria o Recorrente ter sido condenado numa pena próxima dos 12 (doze) anos de prisão e nunca numa pena de 24 anos de prisão como erroneamente defende o Ministério Público.
Termos em que deve o Recurso apresentado pelo Ministério Público improceder totalmente como é de Direito e de JUSTIÇA." (fim de transcrição)
8. Respondeu o arguido DD ao recurso do Ministério Público extraindo as seguintes conclusões:
" I. Por razões de celeridade e economia processual, o Arguido DD dá aqui por reproduzido, para os devidos efeitos legais, tudo o que ficou a constar no recurso que o mesmo apresentou do acórdão condenatório (recurso já admitido), em especial no que respeita aos vícios que aí foram invocados, a saber:
- Nulidade do acórdão por omissão de pronúncia – porquanto entende o Arguido DD que o Tribunal recorrido não se pronunciou, como devia, sobre a realização da perícia psicológica requerida em sede de contestação - art. 379º, nº 1, alínea c) do C.P.P;
- Erro na apreciação da prova - designadamente no que respeita à circunstância de não saber que a vítima era mãe do co-arguido AA, e bem assim no que concerne ao facto de ter sido o mesmo co-arguido quem, de forma exclusiva, esfaqueou a vítima;
- Contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão – art. 410º, nº 2, alínea b) do C.P.P. – cfr. ponto 5) da matéria de facto dada como provada e a fundamentação onde em momento algum se refere a circunstância de o arguido AA ser o único herdeiro da vítima;
- Insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito proferida – art. 410º, nº 2, alínea a) do C.P.P.;
- Enquadramento jurídico dos factos – entende que deveria ter sido condenado pela prática de um crime de homicídio simples, p. e p. pelo art. 131º do C. Penal.
- Medida da pena aplicada ao Arguido DD, a qual deveria ser atenuada para 12 anos de prisão. 
II. Não se nos afigura existir, qualquer outro vício relativo à apreciação da prova (os demais factos, para além dos invocados no recurso do Arguido, foram correctamente apreciados), pelo que não existe nenhum erro na apreciação e valoração da prova e a medida de pena deverá ser atenuada.
III. Analisados os autos, e a prova produzida em julgamento, verificamos que não existe nenhum erro na apreciação e valoração da prova em relação à circunstância da conta bancária do BPI associada ao cartão de débito nº ...71 ser co-titulada por CC e pelo arguido AA – ponto 29) da matéria de facto dada como assente. 
IV. A testemunha GG, companheiro da vítima CC, referiu em sede de audiência de discussão e julgamento [Sessão de 10.05.2021 - Testemunha GG – 10:36 e as 11:05] que a vítima tinha um cartão de crédito de uma conta que tinha com o filho, mas tinha lá pouco dinheiro porque tirou a parte substancial do dinheiro dessa conta para uma do Millennium, o que o filho, AA, ficou só a saber depois.
V. Não existe, pois, qualquer erro na apreciação e valoração da prova alegada pelo Ministério Público, pelo que não se impõe uma decisão diversa daquela que o Tribunal a quo proferiu em sede de factos dados como provados, no que respeita ao ponto 29), tendo em conta que foi produzida prova que atesta que a conta era igualmente titulada pelo arguido AA.
VI. Com efeito, julgamos não existir erros na apreciação de prova que foi realizada pelo Tribunal a quo, pelo que, em nosso entender, não existe deficiente apreciação e valoração de prova, e, em consequência, não existe qualquer violação do art. 412º, n.º 3 do CPP.
VII. O acórdão recorrido, ao contrário do que alega o Ministério Público, também não deve proceder a qualquer alteração da qualificação jurídica dos factos no que importa aos pontos 21), 22), 28) e 31) da matéria de facto dada como assente.
VIII. Acontece que, mesmo que o Tribunal a quo procedesse à alteração da qualificação jurídica dos factos, estamos perante um ilícito criminal que está dependente da apresentação de queixa, pelo que teria 6 (meses), nos termos do 113. n.º 2 do Código Penal para o fazerem, o que não veio a suceder nos presentes autos.
IX. Desta forma, não houve violação por parte do Tribunal a quo do disposto no artigo 358º n.3 º do CPP, pelo que não devem os Arguidos ser condenados pela prática do crime de furto simples.  
X. De igual modo, afigura-se-nos que o acórdão recorrido não incorreu em qualquer bondade na medida de pena aplicada aos Arguidos, como quer fazer crer o Ministério Público, mas sim, no que respeita ao Arguido DD, num errado enquadramento jurídico dos factos. 
XI. Trata-se, como já referimos no recurso que o Arguido DD interpôs do acórdão condenatório, do facto do aqui Arguido ter sido condenado por um crime de homicídio qualificado pela circunstância de ser descendente ou ascendente, adotado ou adotante, da vítima ou, no caso em concreto, por saber, ou ter conhecimento, que o coautor do crime era filho da vítima, nos termos do artigo 132, n.º 1 e n.º 2 alínea a) do Código Penal. 
XII. Analisadas as declarações do Arguido DD no primeiro interrogatório judicial, declarações essas que foram reproduzidas em audiência de discussão e julgamento no dia 19.04.2021 (Gravação nº 20200519152230_4337858_2871337 Ao minuto 0:54 a 14:48), e que mereceram uma maior credibilidade por parte do Tribunal “a quo”, foi por este referido o seguinte: “Ele me pediu ajuda para matar ela, mas ele não falou que era mãe dele. Ele nunca falou que era mãe. Sempre disse que era a tia dele.”
XIII. O Arguido DD desde o primeiro interrogatório de arguido que referiu não saber que a vítima era mãe do Arguido AA, ou seja, desconhecia por completo esta relação de parentesco, o que revela a falta de prova existente para que se considere assente que o Recorrente sabia e tinha conhecimento que CC era mãe do Arguido AA.
XIV. Neste sentido, antes sequer do Tribunal ad quem se pronunciar pela medida de pena aplicada, deverá alterar-se a matéria de facto provada conforme proposto pelo Recorrente, não pode o Tribunal “ad quem” manter a qualificação do crime de homicídio aplicada ao Arguido DD. 
XV. Assim, nunca poderia o crime imputado ao Arguido DD ser qualificado nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal, como aconteceu.
XVI. Na hipótese de se manter a decisão de condenação, o Arguido DD impugna, pelas razões que expressou no seu recurso que interpôs face ao acórdão condenatório, a pena de prisão efetiva de 19 anos adstrita ao crime de homicídio qualificado, que sustenta não corresponder ao melhor enquadramento do caso. 
XVII. E, desta forma, defende que, pelo diverso crime de homicídio simples, não deve sofrer pena superior a 12 anos.
XVIII. A merecer provimento, como se espera, esta modificação do substrato em que assenta o cálculo da moldura penal, deverá esta balizar-se-á entre os oito e os dezasseis anos. 
XIX. Ponderada a conduta do arguido à luz dos critérios legais de fixação da pena concreta em conjugação com todo o circunstancialismo em que o crime ocorreu e o facto de o Arguido DD não ter antecedentes criminais, estar praticamente sozinho em Portugal, sem o apoio da família e, à data dos factos, estar desempregado, não deverá ser-lhe imposta uma pena superior a doze anos. 
XX. Quando assim se não entenda e ainda que viesse a manter-se a sua condenação pelo crime de homicídio qualificado, a pena de 19 (dezanove) anos afigura-se excessiva, considerando, que foi a mesma pena aplicada ao Arguido AA, filho da vítima e, da matéria fatual, o autor material das 14 (catorze) facadas. 
XXI. Face ao exposto, não pode o Tribunal aplicar a mesma pena e o mesmo grau de culpa e ilicitude ao filho que mata a mãe e ao co-autor do crime que nem a vítima conhece. 
XXII. Mesmo nessa hipótese, de se manter a condenação pelo crime de homicídio qualificado, a pena aplicada não deve exceder os 15 (quinze) anos de prisão.
TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO FARÃO ASSIM, VOSSAS EXCELÊNCIAS, A INTEIRA E HABITUAL, JUSTIÇA!" (fim de transcrição).
5. Subidos os autos, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação apôs o seu “Visto” e emitiu parecer, no que ora releva, do seguinte teor:
"3. Posição do Ministério Público no TRL
3.1. Quanto ao recurso do Ministério Público:
Acompanhamos o recurso interposto pelo Exmo. Colega na 1.ª instância do qual sublinhamos os seguintes aspetos: 
a) Erro na apreciação e valoração da prova quanto ao ponto 29) da matéria de facto dada como provada: 
Tratando-se de recurso da matéria de facto, mostra-se cumprido o disposto no art. 412.º, n.ºs 3, als. a) e b), e 4, do CPP.
Da prova documental junta aos autos, a fls. 76, 77, 1270, 1271, resulta que a conta bancária do BPI associada ao cartão de débito n.º ...71 era titulada apenas pela vítima CC e o mesmo decorre da prova testemunhal, não existindo qualquer outra prova que aponte em sentido diverso. 
Donde, o Tribunal a quo errou na apreciação e valoração da prova, a qual impunha um sentido contrário ao decidido, devendo dar-se como provado no ponto 29) da matéria de facto que “Os arguidos agiram ainda com intenção de retirarem e fazerem sua a quantia monetária depositada na conta bancária titulada por CC no Banco BPI, associada ao cartão de débito n.º ...71, através da utilização do referido cartão em máquinas ATM.”.    
Da concatenação da redação do ponto 29) [nos termos apontados pelo Ministério Público, caso o TRL a aceite como boa, por corresponder à prova efetivamente produzida], com os pontos 21), 24), 25), 30) e 31) da matéria de facto provada, e ainda da existência de queixa a fls. 1151/2, resulta inequivocamente que a conduta dos arguidos descrita nestes pontos se enquadra no crime de falsidade informática, na forma tentada, p. e p. pelo art. 221.º, com referência aos arts. 22.º e 23.º, todos do CP, do qual o Tribunal a quo absolveu os arguidos no pressuposto [errado] de que a conta bancária era co titulada pelo arguido AA e pela vítima, pelo que devem os arguidos ser condenados, em coautoria material, pela prática deste crime na forma tentada.
b) A Qualificação jurídica dos factos dados como provados nos pontos 21), 22), 28) e 31):
Defende o nosso Colega, pelas razões que constam do recurso, que os factos dados como provados nestes pontos, integram a prática pelos arguidos do crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1, do CP, sendo que foi apresentada queixa, a fls. 1151/2.
Com efeito, no caso concreto, estamos perante um homicídio que se destinou a facilitar a execução da apropriação de bens móveis da vítima: a quantia de € 10,00 em dinheiro e o cartão de débito n.º ...71, associado à conta bancária titulada pela vítima no Banco BPI, que a vítima tinha consigo, que fizeram seus. 
Nesta situação, uma vez que a violência é punida no âmbito do homicídio, estaremos em face de um concurso de crimes entre o homicídio e o furto e não entre o homicídio e o roubo.
No ac. do STJ, de 29/10/2009, proferido no P. 508/05.1GBLLE.S1, disponível em www.dgsi.pt, podemos ler, em citação ao  Comentário Conimbricense «Quanto a nós, a única dúvida será a de saber se o concurso se estabelece com o roubo se com o furto; parece que será com este último, pois a violência já é punida no âmbito do homicídio qualificado - neste sentido pronunciou-se o Ac. da RC de 11-2-87 BMJ 364º, 949: "se o homicídio é cometido antes da apropriação, visando prepará-la, facilitá-la ou executá-la, a mesma apropriação já não deve ser qualificada pela violência, na medida em que o bem jurídico subjacente a esta já tinha a respectiva protecção contida na punição do homicídio (neste caso podem existir em acumulação real, os crimes de homicídio e de furto, em qualquer das suas formas próprias)"; o concurso será, no entanto, com o roubo, se a violência exercida para subtrair o bem se puder distinguir da usada para matar - p. ex., se o agente usa de violência para subtrair o bem e depois mata para encobrir o roubo.»
Nesta situação, como refere o recorrente Ministério Público “o Tribunal “a quo” deveria ter operado uma mera alteração da qualificação jurídica dos factos e, consequentemente, absolver os arguidos, como absolveu, do crime de roubo de que vinham pronunciados, e condenar os mesmos pela prática do crime de furto simples, p. e p. pelo 203º, nº 1 do C.Penal. 
E, ao não fazê-lo, como efectivamente não fez, violou o disposto no citado normativo legal, assim como o art. 358º, nº 3 do C.P.P..”
Deve, pois, o acórdão recorrido ser alterado nesta parte e, cumprido o disposto no art. 358.º, n.ºs 1 e 3, do C.P.P., devem os arguidos ser condenados pela prática, em coautoria material, de um crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1 do C.P..
c) Medida das penas a que foram condenados os arguidos AA e DD pela prática do crime de homicídio qualificado. 
Tal como o nosso Colega na 1.ª instância “não conseguimos compreender as razões pelas quais o Tribunal “a quo” determinou uma pena situada, praticamente, no limiar médio da respectiva moldura penal – o meio da moldura é nos 18 anos e 6 meses de prisão – tendo em conta o teor de fls. 116 a 121 do acórdão ora sindicado.” [a pena compreende-se entre os 12 e os 25 anos de prisão].
Com efeito, 
O homicídio, quando punível com pena de prisão superior a 8 anos – como é o caso – é legalmente classificado de criminalidade especialmente violenta (art. 1º, alínea l) do C.P.P.). No caso, como relatam os factos provados, foi cometido com essa forma de violência.”
A vítima foi abordada na sua residência pelos dois arguidos, o Arguido AA, filho daquela, projetou-a no solo, sem que ela se apercebesse da sua presença, o Arguido DD tapou-lhe o rosto com uma almofada, pressionando-a na região da boca e nariz, manietaram-na, impedindo-a de resistir, e desferiram-lhe, com uma faca, 14 golpes na região do pescoço, atingindo várias veias, entre elas a jugular e a carótida, e deixaram-na prostrada no solo, a esvair-se em sangue.
O dolo com que os arguidos atuaram é intensíssimo.
Nestas circunstâncias, “(…) O cidadão comum não compreenderá que o tribunal sancione o homicídio qualificado, cometido contra uma familiar tão próxima (mãe), com pena em medida igual ou muito próxima do limite médio.”
“Mataram a vítima, mãe de um dos arguidos [da forma assaz violenta acima sumariada], com a intenção de ficarem com bens sua pertença – o arguido AA, a herança, e o arguido DD, para além do mais, com € 6.000,00.” 
Os arguidos revelaram um total desprezo pela vida humana, pela vida da mãe de um deles, o bem jurídico superior, e atentaram de forma indelével contra a vida em sociedade e os princípios éticos e morais que a regem.  
“São, assim, bem patentes tanto o acentuado desvalor da conduta (evidenciado pela espécie e modo de execução do facto), como enorme o desvalor do resultado, a morte da vítima. 
É, por isso extremamente elevada a gravidade objectiva e subjectiva da ilicitude. 
Graduação que não poderia, nem deveria, deixar de reflectir-se na dosimetria da pena. 
Aliás, 
O próprio Tribunal “a quo“ refere expressamente a este propósito que a “ilicitude dos factos é especialmente e extraordinariamente elevada” e que as consequências do ilícito assumem “especial e acentuada gravidade“ , sendo que “dificilmente a sociedade recuperará desta mancha de desumanidade”– cfr. fls. 119 do acórdão.”
“(…) O grau de culpa é também muito elevado, tendo os arguidos actuado com dolo directo, intenso e persistente (por mais de uma semana), revelando consciência da ilicitude e censurabilidade da sua conduta, e profundo desprezo pelo bem jurídico violado.”
(…) Também a este propósito, o Tribunal “a quo” reconheceu que o grau de culpa “se mostra acentuadíssimo (…) tendo em conta que os arguidos agiram sempre com dolo directo, sem que houvesse qualquer causa próxima ou remota que justificasse, excluísse a culpa ou diminuísse por qualquer forma (…) com dolo intensíssimo, como resulta desde logo do tempo de preparação destes factos, da persistente intenção de matar por mais de uma semana, da forma como planearam a sua actuação e a levaram a cabo” – cfr. fls. 120 do acórdão.” 
Os arguidos não têm antecedentes criminais, nem carências económicas, que de algum modo contribuíssem para encontrar uma explicação para o ato que praticaram. 
Não confessaram os factos, não contribuíram para a descoberta da verdade, inclusive negaram circunstâncias e versões assumidas em primeiro interrogatório, de modo a confundir o Tribunal a quo, não revelaram arrependimento nem empatia com a vítima, em especial o Arguido AA, filho da vítima, nem demonstraram capacidade de autocensura, fatores que implicam um elevado e sério risco de virem a reincidir caso venham a encontrar-se em situação semelhante. 
A frieza e determinação com que o arguido AA atuou, ficou bem patente não só durante a prática dos atos, como depois de ter sido detido à ordem destes autos, ao proceder à venda simulada do imóvel propriedade da vítima, sua mãe.
São muito prementes as necessidades de prevenção geral e especial de socialização dos arguidos.
Na ponderação destes fatores, “tendo em conta que a pena aplicável tem como limite máximo 25 anos e como limite mínimo 12 anos, afigura-se-nos justa e bem doseada, ao contrário do decidido no acórdão condenatório,” uma pena que se situe muito próximo do limite máximo da pena.
Nesta parte, considera o nosso Colega como “justa e bem doseada” “a pena de 24 (vinte e quatro) anos de prisão, para cada um dos arguidos.” 
Não acompanhamos o nosso Colega, embora consideremos que a pena a aplicar a cada um dos arguidos se deve aproximar do limite máximo da pena.
No entanto, afigura-se-nos que a pena a aplicar ao arguido AA deve ser diferente da pena a aplicar ao Arguido DD, pois que, a nosso ver, o dolo, a ilicitude e o grau de culpa do Arguido AA é superior ao do Arguido DD.
Com efeito, é o Arguido AA que é o filho da vítima, é ele, que nessa qualidade e por causa dela, decide retirar a vida à mãe para se apoderar do que a esta pertencia e, para esse efeito, é ele que aborda o Arguido DD, a quem promete pagar € 6.000,00 se, conjuntamente consigo, executar o homicídio da vítima, e a quem diz que pode ficar com os bens que encontrar na residência da mãe, logrando convencê-lo mediante tais ofertas, gizando os dois um plano de atuação com essas finalidades.
E é ele que tem a chave da residência da vítima e é ele que projeta a mãe ao solo, colocando-a na impossibilidade de resistir, ou dificultando essa possibilidade, é ele que dá início à ação de subtrair a vida à mãe.
Finalmente, o Arguido AA, em momento algum, desiste do seu propósito criminoso, mesmo quando vê a mãe prostrada no solo, manietada, com a cara tapada com uma almofada, incapaz de resistir. 
Não vacilou sequer.
O Arguido DD, embora a qualificação se lhe comunique, não é filho da vítima, não tem com ela um vínculo familiar, sentimental e emocional que façam acrescer a sua culpa, para além de que não foi dele a ideia de subtrair a vida à vítima para obter bens da propriedade dela. Ele aderiu a uma ideia que lhe foi proposta, motivado pelo dinheiro, o que sendo altamente censurável, não o é tanto quanto a ação de um filho que engendra a morte da mãe para obter dinheiro.     
Posto isto, entendemos que ao arguido AA deve ser aplicada pena de prisão não inferior a 24 anos e ao arguido DD, deve ser aplicada pena de prisão não inferior a 22 anos. 
O Tribunal a quo ao decidir pela condenação na pena de 19 anos de prisão para cada um dos arguidos, muito embora tenha ponderado todos estes fatores, violou o disposto nos art. 40.º e 71.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.. 
3.2. Quanto ao recurso dos arguidos:
Concordamos integralmente com a argumentação de facto e de direito, crítica e criteriosamente expendida pelo Exmo. Colega para fundamentar a resposta aos recursos, nada mais tendo a acrescentar.
Em face do exposto,
Somos de parecer que o recurso do Ministério Público merece provimento, sendo que, no que se refere à medida da pena, entendemos que ao arguido AA deve ser aplicada pena de prisão não inferior a 24 anos e ao arguido DD, deve ser aplicada pena de prisão não inferior a 22 anos. 
Somos de parecer que os recursos dos arguidos não merecem provimento." (fim de transcrição).
6. Foi cumprido o preceituado no art. 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (doravante CPP), tendo havido resposta por parte do arguido AA nos seguintes termos:
“1º - O Arguido foi Acusado pela prática de um crime de homicídio qualificado, um crime de roubo e um crime de burla informática na forma tentada.
2º - Concluído o Julgamento, em sede de Alegações, pela prática de todos os crimes pelos quais se encontrava acusado, pediu o Ministério Público a condenação do arguido numa pena única de 20 (vinte) anos de prisão!!!
3º - O Tribunal a quo decidiu condenar o Arguido pela prática de:
Um crime de homicídio qualificado, em coautoria e na forma consumada, p.e p. nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 10º, n.º1, 14º, n.º1, 26º, 131º e 132º, n.º1 e 2, al.
a), todos do Código penal, na pena de 19 (dezanove) anos de prisão.
4º - Em sede de Recurso veio o Ministério Público defender a aplicação de uma pena de 24 anos, o mesmo que agora a Senhora Procuradora Geral Adjunta defende…
5º - É a chamada congruência institucional…
6º - A Digníssima Senhora Procuradora Geral Adjunta defende a procedência do Recurso apresentado pelo Ministério Público em 1ª instância, o mesmo que em alegações pediu 20 (vinte) anos de prisão, e em Recurso pede 24 (vinte e quatro) anos.
7º - No Recurso que apresentou o Recorrente esgrimiu argumentos que demonstram os motivos pelos quais entende que deveria ter sido absolvido do crime de homicídio qualificado em que foi condenado.
8º - Ficou evidente a incongruência da prova produzida em audiência de discussão e julgamento.
9º - Alguns, citando o Professor Figueiredo Dias numa lição proferida numa Sessão de Estudos subordinada ao tema “Reformas dos Processos Penal e Civil”, numa iniciativa da ASSOCIAÇÃO SINDICAL DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS PORTUGUESES na Sala de Audiências do Tribunal Judicial de Setúbal, de 18-5-1985 onde referiu que:
“...a duração média dos recursos em Portugal não é escandalosa; eu diria mesmo que é perfeitamente razoável em termos Europeus. Mas à custa de uma coisa muito triste: a inexistência de recursos em Portugal!!!
Aquilo a que se chama recursos, vão-me permitir, é uma macaqueação do recursos, perfeitamente inconstitucional, não é recurso nenhum, não é reapreciação da causa, é um “travesti”.....
O Juiz quando sobe da 1ª Instância para o Tribunal de Recurso sofre esta operação de “travesti”..
Dentro de uma sala com uns amigos, uns Colegas, senta-se à volta de uma mesa e discute um caso de que nunca viu as pessoas.
Nunca viu o arguido, mas condena-o a 7 ou 10 anos de prisão....” defendem que em Portugal, e no que à matéria Penal diz respeito, verdadeiramente não existem recursos mas apenas confirmações.
10º - O Signatário não aceita, nem se conforma com tais considerações, continua a acreditar na Nobre Magistratura Portuguesa e, por isso, continua, e continuará, a recorrer, até porque nada mais lhe resta, das decisões que entende injustas, como, aliás, se afigura ser o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo.
11º - O Recorrente não cometeu nem os factos, nem, por qualquer forma, o tipo de ilícito de homicídio que lhe é imputado.
a) Erro na apreciação e valoração da prova quanto ao ponto 29) da matéria defacto dada como provada:
12º - Defende a Senhora Procuradora Geral Adjunta, que existiu erro na apreciação e valoração da prova quanto ao ponto 29) da matéria de facto dada como provada;
13º - Alega em defesa da sua tese que:
“Da prova documental junta aos autos, a fls. 76, 77, 1270, 1271, resulta que a conta bancária do BPI associada ao cartão de débito n.º ...71 era titulada apenas pela vítima CC e o mesmo decorre da prova testemunhal, não existindo qualquer outra prova que aponte em sentido diverso.”
14º - Contudo, não identifica qualquer testemunha, porquê?
Porque não existem!
15º - Se a Senhora Procuradora Geral Adjunta tivesse, pelo menos, o cuidado de ler a resposta do Recorrente ao Recurso do Ministério Público em 1ª instância poderia verificar que foi o Senhor Inspetor da Polícia Judiciária, HH, que afirmou, expressamente, que a conta bancária associada ao cartão de débito n.º ...71 era co titulada pelo Recorrente:
16º - Ouvido na audiência de discussão e julgamento do dia 10/05/2021, entre as 11:06:25 e as 11:40:19, conforme depoimento gravado no sistema existente no Tribunal Ficheiro de origem: 20210510110625_4429527_2871334, a testemunha HH, inspetor da Polícia Judiciária, afirmou o seguinte:
Juiz Adjunto
00:29:18 Só uma coisa que falou há bocadinho, no mesmo momento temporal que a minha colega lhe estava a perguntar, que é: quando estava o Sr. AA com o Sr. GG lá [impercetível] companheiro da falecida, e filho da falecida, foi a Polícia Judiciária que perguntou por cartões multibanco?
Testemunha
00:29:40 Sim.
Juiz Adjunto
00:29:41 Perguntou a quem…
Testemunha
00:29:44 Perguntámos aos dois, Meritíssimo.
Juiz Adjunto
00:29:45 E quem é que respondeu?
Testemunha
00:29:50 Aa… eu… naquele momento, e assim de cabeça… não consigo, não consigo garantir, Meritíssimo, sendo certo que o, o… como é que eu vou explicar? O… nós encontrámos o cartão que… junto à vítima, dentro da carteira, um cartão multibanco que o AA não sabia, e que não teria acesso. Portanto, o cartão que estava desaparecido era o cartão da conta conjunta que ele tinha com a mãe. [impercetível]
Juiz Adjunto
00:30:22 [impercetível] pode repetir? Que eu não ouvi, com a movimentação [impercetível] multibanco que o AA… duma conta que ele não teria acesso, é isso?
Testemunha
00:30:29 Isso é um facto que também tem que se realçar, porque tendo a D. CC, a Sra. D. CC, dois cartões multibanco lá na carteira…
Juíza Presidente
00:30:37 Não, não… não conclua, está bem? O que o senhor quer dizer é que o cartão que foi encontrado era o cartão que se veio depois a apurar que não era duma conta conjunta com o Sr. AA.
Testemunha
00:30:48 Correto, correto.
Juíza Presidente
00:30:49 Portanto, aquele que estava desaparecido, ou [impercetível] desaparecido, posteriormente vieram a perceber que era duma conta conjunta com a vítima.
Testemunha
00:30:57 Exatamente. (Passagens 00:29:18 a 00:30:57)
17º - Por outro lado, os documentos, a que a Digníssima Senhora Procuradora Geral Adjunta faz referência, não permitem concluir que a conta era co titulada pelo arguido AA, e, também, diga-se em abono da verdade, não permitem demonstrar que não era.
18º - Contudo, a prova testemunhal indicia claramente que a conta era cotitulada pelo Recorrente.
19º - Pelo que, entende a defesa do Arguido AA que a resposta dada ao ponto 29) da matéria de facto dada como provada não merece qualquer censura, sem prejuízo, obviamente, de o Venerando Tribunal da Relação, considerar que a prova de tal facto obedece, nos termos do artigo 364º do C. Civil, a prova vinculada, termos em que deve o processo ser remetido para julgamento em 1ª instância para que seja obtido junto do Banco BPI informação bancária que permita provar ou não o referido facto.
b) Quanto à Qualificação Jurídica dos factos dados como provados nos pontos 21), 22), 28) e 31)
20º - No caso Sub Júdice nunca o Ministério Público requereu que fosse comunicado ao Arguido, nos termos do artigo 358º do C.P.P., uma alteração não substancial dos factos, que agora invoca.
21º - O Tribunal Constitucional consagrou jurisprudência segundo a qual a comunicação ao arguido e a subsequente discussão sobre a qualificação jurídica devem ter lugar logo na audiência de julgamento no tribunal de primeira instância.
22º - “A comunicação ao arguido da possibilidade da convolação tem lugar durante a audiência de julgamento no tribunal de primeira instância, isto é, antes da decisão da convolação propriamente dita, que tem lugar na sentença. E isto porque a comunicação visa permitir ao arguido a modificação da “estratégia de defesa” no que esta pode comportar de “escolha deste ou aquele advogado, a opção por determinadas provas em vez de outras, o sublinhar de certos aspectos e não de outros etc.” (acórdão do TC n.º 519/98 (Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, pág. 891.
23º - Sendo certo que, sempre seria inconstitucional o artigo 358º, n.º 1 e 3 do C.P.P. quando interpretado no sentido que:
“Tendo o arguido sido absolvido da prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1 e 2 do C. Penal, pode o Tribunal da Relação proceder a uma alteração não Substancial da matéria de facto, imputando-lhe a prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, n.º 1 do C.P.”
24º - Tal interpretação seria claramente violadora dos artigos 2º, 20º, 29º e 32º da Constituição da República Portuguesa.
c) Medida das penas
25º - Como acima se referiu não se compreende que, em 1ª instância, o Ministério Público tenha pedido uma pena de 20 anos pela prática de três crimes e agora venha pedir a condenação do mesmo arguido numa pena de 24 anos.
26º - Conforme resulta do Recurso apresentado pelo Recorrente o mesmo não se conforma com a imputação do crime de homicídio.
27º - Mesmo que se tivesse provado que o Recorrido participou na morte de sua mãe, o que, com o devido respeito, não se provou, a pena aplicada é manifestamente excessiva.
28º - Conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 2523/05, de 28-09-2005, disponível em www.dgsi.pt:
I. As várias alíneas do n.º 2, do art.º 132, do C. Penal, constituem uma presunção ilidível ou indiciam a existência de uma especial censurabilidade ou perversidade;
II. Para considerar preenchida a agravante filho da vítima deve, no caso concreto, averiguar-se se as relações existentes correspondem à razão de ser da agravante. Quando, nomeadamente por razões de doença, as relações mãe-filho se encontram seriamente deterioradas por esbatidos os deveres de respeito, amizade e carinho devidos à progenitora, deixa de existir a razão de ser da agravante;
29º - Ora, no caso sub judice, não foram averiguadas as relações existentes entre o Recorrente e a sua mãe.
30º - No âmbito do processo acima citado, no caso de um filho que matou a mãe foi o mesmo foi condenado, pela prática de um crime de homicídio p.p. pelo artº 131º do Cód. Penal na pena de 9 anos e 6 meses de prisão.
31º - No âmbito do processo n.º 294/18.5JAAVR.P1, de 07/10/2020, proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, disponível em www.dgsi.pt, um filho que matou a sua mãe, foi condenado pela prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 131º e 132º nºs 1 e 2 alíneas a) e c) do Código Penal, na pena de 13 (treze) anos de prisão.
32º - O Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo n.º 109/18.4GSSB.E1.S1, por acórdão datado de 30-10-2019, condenou um filho por matar o pai, pela prática do crime de homicídio qualificado previsto e punido nos artigos 131º e 132º, nº 1, alínea a) do Código Penal na pena de 12 (doze) anos de prisão;
33º - O Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo n.º 2032/11.4JAPRT.P1.S1, por acórdão datado de 13-11-2013, condenou um filho que matou o pai, pela prática do crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, a) e j), do Código Penal (CP), na pena de 16 anos de prisão;
É assim, manifesto que a pena de prisão aplicada ao Recorrido sempre teria que se considerar manifestamente excessiva.” (fim de transcrição).
7. Efetuado o exame preliminar foi considerado não haver razões para a rejeição dos recursos.
8. Colhidos os Vistos e realizada audiência com respeito pelos formalismos legais, cumpre agora apreciar e decidir.
II – Fundamentação
1. Questão prévia
O arguido AA na sua conclusão de recurso identificada como XC exara: “Nos termos do artigo 412º, n.º 5 o Recorrente pretende que seja apreciado o Recurso do despacho de fls. dos autos, proferido em 18/02/2021.
Sucede que tal recurso foi interposto em 29 de março de 2021 e admitido, com subida imediata e em separado, por despacho de 12 de abril de 2021, tendo dado origem ao Apenso D (processo 96/20.9PHOER-D.L1), que foi já decidido na 3a Secção (Criminal) deste Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão proferido a 10 de novembro de 2021 e transitado em julgado a 25 de novembro de 2021, conforme informação e cópia existente nos presentes autos.
Nele, cujo objecto foi delimitado nos seguintes termos: “Em causa, no recurso interposto, está a decisão do sr. Juiz de Instrução Criminal, de 18.02.2021, acima transcrita, que rejeitou o requerimento do arguido AA, no qual arguia nulidades da instrução e do debate instrutório, relacionadas com a defesa do arguido naquele debate e com alegada rejeição de produção de prova suplementar na instrução.”, foi, a final, decidido: “Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da 3ª Secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto por AA.”
Assim sendo, perante caso julgado, tal matéria e recurso interlocutório relativo ao despacho proferido a 18 de fevereiro de 2021 não fazem obviamente parte do thema decidendum, o que aqui se declara, compreendendo-se o teor da referida conclusão XC à luz da circunstância de quando é interposto o presente recurso não estar ainda decidido aquele outro, cujo desfecho até podia condicionar a prolação da presente decisão.
2. Objecto dos recursos
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer [cfr., entre outros, os Acs. do Supremo Tribunal de Justiça (doravante STJ) de 16.11.1995, de 31.01.1996 e de 24.03.1999, respetivamente, nos BMJ 451.° - pág. 279 e 453.° - pág. 338, e na Col (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo 1, pág. 247, e cfr. ainda, arts. 403.° e 412.°, n.° 1, do CPP].
Na realidade é uniforme a jurisprudência, indo no mesmo sentido a doutrina, de que o âmbito do recurso, ou seja, as questões que o recorrente quer ver discutidas no tribunal superior, é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (vejam-se Acórdão do STJ de 13.03.1991, Proc. 41.694/3ª, citado em anotação ao art. 412.° no Código de Processo Penal Anotado de Maia Gonçalves; e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Editorial Verbo, 2000, p. 335, onde se pode ler: «São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões que o tribunal tem de apreciar»).
São, portanto, as conclusões formuladas na motivação do recurso que em exclusivo definem e delimitam em definitivo o respectivo objecto, sendo que, conforme vem sendo também entendimento repetidamente afirmado no STJ, não retomando o recorrente nas conclusões as questões que suscitou na motivação o tribunal superior só conhecerá das questões resumidas nas conclusões uma vez que, nos termos do disposto no art. 684.°, n.° 3, do CPC (ex vi art. 4.° do CPP), nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso.
Por outro lado, “visando os recursos modificar as decisões impugnadas e não criar decisões sobre matéria nova, não é lícito na motivação ou nas alegações invocar questões que não tenham sido objecto das decisões recorridas, isto é, questões novas” - cf. Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, in “Recursos Penais”, 8.ª edição, Rei dos Livros, pg. 87.
 “O recurso constitui um meio processual destinado a reapreciar o julgamento de questão decidida na decisão recorrida e não para decidir questões novas, ou questões que não foram suscitadas no recurso decidido pelo acórdão recorrido” – cf. Acórdão do STJ de 21.02.2012, do qual foi relator António Henriques Gaspar (processo n.º 3471/08, da 3ª Secção).
2.1. As questões suscitadas pelo ora recorrente Ministério Público, no seu recurso ora sub judice, que deverão ser apreciadas por este Tribunal Superior, sem prejuízo do conhecimento de alguma ficar prejudicado pela solução dada àquela que a antecede, são, em síntese, as seguintes:
- Impugnando a matéria de facto, por erro de julgamento, pugna que deve retirar-se da assente como provada sob ponto 29) que o arguido AA era titular (cotitular) da conta bancária nº ...01 do BPI associada ao cartão de débito nº ...71, pois era apenas titulada por CC, remetendo-se quanto a subjacente argumentação do Ministério Público o expendido nas suas conclusões de recurso 2) a 14, acima transcritas e que aqui se dão de novo por reproduzidas;
- Em consequência, dessa alteração da matéria de facto do ponto 29), tendo em conta dos demais factos dados como provados, devem os arguidos (ambos) ser condenados pela prática do crime de burla informática, na forma tentada, pelo qual se encontravam pronunciados; 
- Face aos factos descritos nos pontos 21), 22), 28) e 31) da matéria de facto dada como assente, deve ser comunicada aos arguidos uma alteração da qualificação jurídica dos referidos factos, nos termos do disposto no art. 358º, nºs 1 e 3 do C.P.P. e, após, devem os mesmos ser condenados pela prática do crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203º, nº 1 do Código Penal; 
- As penas de 19 anos de prisão aplicadas a cada um dos arguidos, pela prática do crime de homicídio qualificado, que não confessaram os factos, não assumiram qualquer culpabilidade e não exteriorizaram arrependimento, não se encontram bem doseadas, tendo em conta tudo o que foi apurado, que a pena abstratamente aplicável tem como limite máximo 25 anos e como limite mínimo 12 anos, e os critérios legais para a sua fixação, revelando-se não serem justas e adequadas, violando o disposto nos art. 40.º e 71.º, nºs 1 e 2, do Código Penal, devendo ser substituídas por outras que condenem os mesmos na pena de 24 anos de prisão, cada um deles.

2.2. As questões suscitadas pelo arguido e ora recorrente AA, no seu recurso ora sub judice, que deverão ser apreciadas por este Tribunal Superior, sem prejuízo do conhecimento de alguma ficar prejudicado pela solução dada àquela que a antecede, são, em síntese, as seguintes:
- O Tribunal a quo procedeu à alteração da seguinte matéria de facto constante da Acusação: pontos 4, 10, 17, 20, dando ainda, como provado, sem que essa matéria constasse da Contestação dos Arguidos, os factos constantes como provados sob n.ºs 39, 43 a 46. Ou seja, o Tribunal a quo procedeu a uma alteração da matéria de facto dada como provada, com referência à matéria constante da Acusação, por um lado e, por outro, procedeu à ampliação dessa mesma matéria de facto constante da Acusação, mas não comunicou ao Arguido que iria proceder a uma alteração dos factos e bem assim que iria proceder a uma ampliação da matéria constante da Acusação. Sucede que, antes de proferir a referida alteração e decisão estava o Tribunal a quo obrigado a comunicá-la à defesa do Arguido e conceder-lhe, se ele o requeresse, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa. Não o tendo feito violou o artigo 358.º do C.P.P., motivo pelo qual, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea b), do C.P.P., encontra-se a decisão proferida ferida de nulidade;
- O Acórdão proferido pelo Tribunal a quo encontra-se ferido de nulidade por excesso de pronúncia, ao dar como provado: “46. Em data não concretamente apurada, mas já após a morte da sua Mãe o arguido AA, de forma não concretamente apurada, fez inscrever a propriedade da casa da Mãe a favor de MM, simulando com a mesma um contrato de compra e venda que não existiu efectivamente e por cuja referida aquisição nenhum preço foi pago.” E, em consequência, ter determinado: “Comunique esta decisão, com nota de que ainda não transitou imediatamente à Conservatória do Registo predial competente (atenta a morada do imóvel da falecida-...), atento o facto provado em 46.”;
- O Acórdão proferido pelo Tribunal a quo padece do vício de falta de fundamentação da matéria de facto dada como provada e exame crítico da prova, exigido nos artigos 97.º, n.º 5, 374.º, n.º 2, 379.º, n.º 1, al. a), todas as disposições do CPP, encontrando-se ferido de nulidade;
- O Acórdão proferido pelo Tribunal a quo padece de contradição insanável da fundamentação, vício previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, (o que implica o reenvio do processo para novo julgamento nos termos do artigo 426.º do CPP) ao ter dado como provado o assente sob pontos 28, 29 e 30 e depois, em sede de fundamentação, concluir em sentido contrário à matéria de facto dada como provada, ao, na página 91, afirmar que: “Isto também significa que, provados os factos quanto à imputação do crime de homicídio, e no específico contexto em que se provam, fica excluída a prova da intenção quanto ao crime de roubo (já que nunca foi essa a intenção dos arguidos) e quanto à base fundamental da tentativa de burla informática. De facto, se quanto ao primeiro destes aspectos vale toda a fundamentação antecedente (de onde resulta que a intenção nunca foi a de roubo)… Nestes termos, a matéria de facto provada impede, por ela mesma, a prova dos elementos de facto essenciais à integração destes outros dois crimes, com as consequências que adiante se retirarão.”. Ou seja, por um lado, o Tribunal a quo deu como provada a intenção dos Arguidos se apoderarem de bens da vítima, contudo, em sede de fundamentação invoca precisamente o contrário, acabando por absolver os Arguidos dos crimes de roubo de que vinham acusados;
- Impugnando a matéria de facto, por erro de julgamento, defende que, em face da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, deveriam ter sido julgados como NÃO PROVADOS os seguintes factos assentes como provados, na decisão recorrida, sob pontos 3, 4, 5, 6, 7, 8, 11, 12, 15, 16, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 26, 27, 28, 39, 43, 44, 45 e 46, se serem dados como PROVADOS os factos que na sua contestação são referidos em 11º, 14º, 21º a 24º, 29º, 30º, 32º, 37º, 38º, 40º e 42º;
- O Tribunal a quo violou o princípio in dubio pro reo, pois sempre que careceu de dar como provado algum facto que permitisse levar á condenação dos Arguidos socorreu-se de parte do depoimento de um, e de outro, que mais os prejudicasse;
- O Tribunal a quo procedeu a uma ilegal valoração das declarações prestadas pelo coArguido DD para condenação do recorrente AA, sendo que o Tribunal Constitucional e o Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciaram no sentido de estar vedado ao tribunal valorar as declarações de um co-Arguido, proferidas em prejuízo de outro, quando, a instâncias deste, o primeiro se recusa a responder, no exercício do direito ao silêncio (cf. Acs. do TC n.º 524/97, de 14-071997, DR II, de 27-11-1997, e do STJ de 25-02-1999, CJSTJ, VII, tomo 1, pág. 229). Ora, se é vedado ao Tribunal valorar as declarações de um co-Arguido proferidas em prejuízo de outro, quando a instâncias deste, o primeiro se recusa a responder, por maioria de razão é vedado ao Tribunal valorar tais declarações quando o mesmo, em sede de audiência de discussão e julgamento, vem apresentar uma versão diferente daquela que apresentou em primeiro interrogatório judicial de arguido detido e onde afirma que foi coagido a prestar tais declarações. Sendo certo que sempre será inconstitucional o Artigo 141.º, n.ºs 4 e 5 do C.P.P., por violação dos artigos 2.º, 32.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, quando interpretado no sentido que pode o tribunal valorar as declarações de um co-Arguido, proferidas em prejuízo de outro, em primeiro judicial de arguido detido, quando, em sede de julgamento, apresenta depoimento diverso afirmando que foi coagido a prestar aquelas declarações. Ou no sentido que: Pode o tribunal valorar as declarações de um co-Arguido, proferidas em prejuízo de outro, prestadas em 1.º interrogatório judicial de arguido detido, quando em audiência de discussão e julgamento apresenta uma versão diferente daquela que apresentou. Entende, portanto, o Recorrente que, não tendo tido a possibilidade de contraditar as declarações prestadas em sede de 1.º interrogatório judicial de arguido detido, por um lado, e afirmando o co-Arguido em audiência de discussão e julgamento que essas declarações não correspondiam à verdade, por outro, não poderia o Tribunal a quo valorar as mesmas em relação ao Recorrente. Assim, considerando o acima exposto e porque se fundamentou única e exclusivamente nas declarações prestadas pelo coArguido DD, devem, em relação a si, ser dados como não provados os pontos 4, 5, 6, 7, 8, 15, 18, 19, 20, 21, 22, 26, 27 e 39 da matéria de facto dada como provada;
- Mesmo que se considere que o Recorrente cometeu um crime de homicídio qualificado, em coautoria material e na forma consumada, p. e p. nos termos dos art.ºs 10.º, n.º 1, 14.º, n.º 1, 26.º, 131.º e 132.º, n.º 1 e 2, al. a), todos do Código Penal, a pena de 19 (dezanove) anos de prisão aplicada, considerando os factos concretos apurados é manifestamente excessiva, pois a considerar-se que o Recorrente praticou os factos que lhe são imputados, sempre terá que se considerar que os mesmos resultaram de uma profunda situação de perturbação que lhe diminuiu sensivelmente a culpa, pelo que, assim, considerando a análise global dos factos, deveria o Recorrente ter sido condenado numa pena próxima dos 12 (doze) anos de prisão.
2.3. As questões suscitadas pelo arguido e ora recorrente DD, que deverão ser apreciadas por este Tribunal Superior, sem prejuízo do conhecimento de alguma ficar prejudicado pela solução dada àquela que a antecede, são, em síntese, as seguintes:
- Ao não se ter o Tribunal a quo pronunciado sobre o requerimento da realização de uma perícia psicológica, requerida na contestação, a fim de se perceber se o Arguido DD padece, efetivamente, de alguma doença de foro psicológico, existe a nulidade do acórdão prevista no artigo 379º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal.
- Existiu erro na apreciação e valoração da prova, contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, insuficiência para a matéria de facto provada, vícios a que alude o art 410.º do CPP, porquanto o Tribunal a quo não fez um correcto apuramento e valoração da prova, segundo as regras da experiência comum, em obediência ao preceituado no art. 127º do C.P.P., em especial no que concerne à prova testemunhal no que respeita ao ponto 4 e ao ponto 5 da matéria de facto dada como provada, mais concretamente, na parte que refere que o Recorrente tinha conhecimento que a vítima era mãe do Arguido AA e que este tinha mencionado ao Recorrente que seria o seu único herdeiro. Inexiste qualquer elemento no processo, seja prova testemunhal, prova documental, que indique que o Recorrente sabia que a vítima era mãe do Arguido AA, e que este lhe confidenciou que era o único herdeiro da vítima. Das declarações prestadas pelo Recorrente no primeiro interrogatório judicial e que, posteriormente, foram reproduzidas em audiência de discussão e julgamento no dia 19.04.2021, (Gravação nº 20200519152230_4337858_2871337, Ao minuto 0:54 a 14:48) e mereceram uma maior valoração e credibilidade, o Arguido DD refere o seguinte: “Ele não falou que era mãe dele. Ele nunca falou que era mãe. Sempre disse que era a tia dele.” No mesmo sentido, das declarações prestadas pelo Arguido AA, no primeiro interrogatório e, posteriormente, em audiência de discussão e julgamento, este em momento algum refere que disse ao Recorrente que CC era sua mãe, e em consequência disso, o único herdeiro.
Assim sendo, a correta valoração e ponderação da prova produzida em julgamento (toda a prova) impõe, necessariamente, uma decisão diversa daquela que o Tribunal “a quo“ proferiu em sede de factos dados provados, isto é, deve o facto provado 4 ser alterado e do mesmo ser retirada a passagem “… sua mãe”, assim como deve, também, o facto provado 5 ser alterado e do mesmo ser retirada a passagem “…mencionando-lhe ser o único herdeiro de CC…”
Por seu turno, deve à matéria de facto provada ser adicionado o facto de que o Recorrente desconhecia que CC era mãe do Arguido AA, assim como, desconhecia, nem tinha forma de o saber, que o AA era o único herdeiro de CC. 
Por outro lado, o tribunal “a quo“ deu como assente, para além do mais, a seguinte factualidade, quanto aos factos não provados: “Que arguido concretamente agarrou a vítima enquanto o outro a esfaqueava.”
 Ora, face à supra descrita matéria de facto, da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, quanto a tal circunstância, resulta a seguinte motivação pelo Tribunal recorrido, a fls. 81: “Se a isto juntarmos os pormenores da sordidez do número de golpes produzidos no corpo da vítima (de cujo conjunto se destacam três pela profundidade que têm produzidos em zona vital), e se pensarmos que tais golpes, ou parte deles, são compatíveis com um sentimento interiorizado, que denuncia uma relação pessoal com a vítima…”
 Ora, ao retirar esta conclusão – de que a circunstância em que aconteceu o homicídio, designadamente, as 14 (catorze) facadas, evidenciam uma relação pessoal com a vítima – o Tribunal recorrido estava obrigado a dar como provado que o Arguido que esfaqueou CC só poderia ter sido o seu próprio filho. 
Aliás, o próprio Tribunal recorrido, na sua fundamentação a fls. 68, considera que as declarações do Arguido DD são aquelas que fazem mais sentido nos pormenores e que faziam sentido no contexto mais vasto de terem sido desferidas tantas facadas que indicam uma motivação pessoal, com forte componente pessoal, e que só o Arguido AA tinha por virtude de ser filho da vítima, situação que, em rigor, em nada interessava ao Arguido DD, a quem aquela nada era familiar, e nem sequer a conhecia, não ia ganhar de substancial com isso, ia assumir um risco imenso sozinho, não motivação pessoal para isso e nada levou da casa da vítima. 
Além disso, através da análise do depoimento da testemunha GG, que se encontra reproduzido no acórdão a fls. 44 e 45, este referiu que o Arguido AA disse à vítima, meses antes da morte, que “era um empecilho na vida dele” e que este já tinha colocado qualquer substância num copo de vinho e, posteriormente, numa sopa de CC, com o propósito de a matar. 
Ora, pela prova produzida, dúvidas não deveriam restar que quem tinha motivos para planear e efetuar o homicídio era o Arguido AA e não o aqui Recorrente.
Aliás, como ficou demonstrado na audiência de julgamento, o Recorrente não mantinha qualquer relação com CC. 
Deve, assim, passar a constar dos factos provados que foi o Arguido AA que esfaqueou CC
Desta forma, dúvidas não nos restam que se deve ordenar a renovação e reapreciação da prova produzida em julgamento, a qual terá como consequência excluir da matéria de facto dada como provada no ponto 4 ser alterado e do mesmo ser retirada a passagem “… sua mãe” e ser dado como facto provado que foi o Arguido AA que esfaqueou CC, sua mãe.
Deve a matéria de facto provada ser alterada e do ponto 7 deixar de constar “… encetando com o arguido AA um plano para matar CC.”, bem como, deve o facto provado 26 ser alterado e no mesmo deixar de constar “… mediante a elaboração prévia de um plano, gizado, pelo menos, cerca de um mês antes da sua execução.”, aliás, a existir aqui alguém que tinha o propósito de planear e executar o crime era o Arguido AA, que meses antes da morte da vítima, efetuou pesquisas em diversos sítios da internet, inserindo os termos “pesticida”, “nitrosamina” e “dimetilnitosamina”, sendo as duas últimas substâncias cancerígenas.  E tal convicção só vem reforçada, pela motivação que o Tribunal “a quo” tem a fls. 70, quando refere o seguinte: “…O Arguido AA ensaiou e planeou tudo para conseguir o chamado “crime perfeito”… No que concerne à parte inicial do facto provado 26 e ao facto provado 31, o Tribunal não dispõe dos elementos necessários para dar como assente tal factualidade, tendo em conta que o Tribunal para fundamentar a existência de consciência do ilícito, deveria ter admitido a prova pericial requerida pelo Arguido DD, para poder aferir se este estava consciente e a agir de forma deliberada. 
- Ao alterar-se a matéria de facto provada conforme proposto pelo Recorrente, não pode o Tribunal “ad quem” manter a qualificação do crime de homicídio aplicada ao aqui Recorrente. Na hipótese de não ser alterado o facto provado 4, conforme referido, entende o Recorrente que a qualificação da alínea a) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal apenas se aplica a relações familiares presentes e pretéritas e relações parentais não familiares. Ora, o aqui Recorrente não conhecia a vítima, não manteve, nunca, com esta alguma relação e nunca tinha frequentado a sua casa. Assim, nunca poderia o crime imputado ao Recorrente ser qualificado nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal. Acresce que, o Recorrente não veio acusado pelo crime de homicídio qualificado pela alínea a) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal. Ora, face à supra descrita matéria de facto, impunha-se ao Tribunal “a quo”, que se pretendesse condenar o Recorrente por essa alínea, deveria ter procedido a uma alteração não substancial dos factos, o que não sucedeu, violando o artigo 355.º do CPP. Deve, assim, a decisão ser anulada pelo Tribunal “ad quem” e, a ser o arguido condenado, terá que ser um crime de homicídio simples, p. e p. pelo artigo 131º do Código Penal, com pena de prisão de oito a dezasseis anos.
- Na hipótese de se manter a decisão de condenação, a pena de prisão efetiva de 19 anos adstrita ao crime de homicídio qualificado, que sustenta não corresponder ao melhor enquadramento do caso, mas ao do crime de homicídio simples e, ponderada a conduta do arguido à luz dos critérios legais de fixação da pena concreta em conjugação com todo o circunstancialismo em que o crime ocorreu e o facto de o Recorrente não ter antecedentes criminais, estar praticamente sozinho em Portugal, sem o apoio da família e, à data dos factos, estar desempregado, não deverá ser-lhe imposta uma pena superior a doze anos. Além disso, o Recorrente foi condenado na pena acessória de expulsão do território nacional e, por isso, regressará, assim que possível, para o ... e para junto dos seus familiares. Quando assim se não entenda e ainda que viesse a manter-se a sua condenação pelo crime de homicídio qualificado, a pena de 19 (dezanove) anos afigura-se excessiva, considerando, que foi a mesma pena aplicada ao Arguido AA, filho da vítima e, da matéria fatual, o autor material das 14 (catorze) facadas. Face ao exposto, não pode o Tribunal aplicar a mesma pena e o mesmo grau de culpa e ilicitude ao filho que mata a mãe e ao co-autor do crime que nem a vítima conhece. Mesmo nessa hipótese, de se manter a condenação pelo crime de homicídio qualificado, a pena aplicada não deve exceder os 15 (quinze) anos de prisão.
3. Passemos, pois, ao conhecimento das questões alegadas. Para tanto, vejamos, antes de mais, o conteúdo da decisão recorrida, no que concerne a matéria de facto assente pelo Tribunal a quo [factos declarados provados, não provados e respectiva motivação] (transcrição):
" OS FACTOS
Resultam provados os seguintes factos,
1. O arguido AA é consumidor de haxixe desde os 18 anos de idade, consumindo igualmente cocaína há 15 anos, possuindo várias dívidas relacionadas com o consumo de estupefacientes bem como com a prática de jogos de fortuna e azar.
2. O arguido AA era frequentemente pressionado para liquidar as dívidas contraídas, não o fazendo, por se encontrar a atravessar dificuldades financeiras.
3. Sabendo que CC, sua mãe, era titular de contas bancárias, cujo saldo desconhecia, e proprietária do apartamento onde residia, avaliado em €120.000,00, o arguido AA, sendo o seu único herdeiro, durante o ano de 2020, decidiu retirar-lhe a vida.
4. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 06.04.2020, o arguido AA abordou o arguido DD, e prometendo pagar-lhe €6.000,00, pediu-lhe que o auxiliasse a tirar a vida a CC, sua mãe.
5. Nessa ocasião, o arguido AA, mencionando-lhe ser o único herdeiro de CC, referiu ao arguido DD que assim que estivesse na posse do património daquela, entregar-lhe-ia a quantia de €6.000,00.
6. Referindo, ainda, ao arguido DD que poderia fazer seus os objectos de valor que encontrassem na posse de CC, no dia em que lhe retirassem a vida.
7. O arguido DD anuiu neste propósito, encetando com o arguido AA um plano para matar CC.
8. Na concretização desse plano, ambos combinaram que a morte de CC ocorreria no dia 06.04.2020, na casa desta [sita em ...], uma vez que o arguido AA tinha a chave dessa habitação.
9. Todavia, nesse mesmo dia 06.04.2020 o arguido AA enviou um sms a partir do seu cartão telefónico com o nº ...84 para o nº de cartão telefónico ...53, utilizado pelo arguido DD, avisando-o de que nesse dia não poderiam executar o plano, uma vez que a sua mãe iria sair de casa, escrevendo-lhe: “ela vai vazar hoje”.
10. Durante o período de tempo compreendido entre os dias 06.04.2020 a 13.04.2020 o arguido AA ligou várias vezes para o arguido DD e enviou-lhe sms e mensagens WhatsApp para os aparelhos com cartões telefónicos com os nº ...96 (número identificado na agenda do arguido como VV), ...46 (número identificado na agenda do arguido como WW) e ...53 (número identificado na agenda do arguido como XX) por forma a combinarem o plano, dado que CC nesse período se encontrava em ..., na residência do seu namorado GG.
11. Nesse período de tempo, o arguido AA efectuou pesquisas em diversos sítios da internet, inserindo os termos “pesticida”, “nitrosamina” e “dimetilnitosamina”, sendo as últimas duas substâncias cancerígenas.
12. No dia 13.04.20, pelas 13h50m, CC contactou o arguido AA, referindo-lhe que se encontrava em ..., na sua residência, onde iria pernoitar.
13. Seguidamente, entre as 14h30m e as 15h00m, o arguido AA, através do seu cartão telefónico acima referido, contactou com o arguido DD, para o número de cartão telefónico ...96, combinando ambos encontrarem-se na zona das ..., onde o arguido DD residia.
14. Nesse mesmo dia 13.04.20, no período da tarde, o arguido AA, conduzindo uma viatura de marca … com matrícula …-RL-…, pertencente à empresa para a qual trabalha, dirigiu-se à zona das ..., encontrando-se com o arguido DD.
15. Após, pelas 16h00m, os arguidos chegaram a ..., à residência de CC, sita na Rua …, e percebendo que a mesma não se encontrava em casa, aguardaram, no interior da viatura, que aquela chegasse.
16. O arguido AA colocou o seu telemóvel em modo voo, permanecendo o telemóvel neste modo até às 18h47m.
17. A hora não concretamente apurada, mas após as 16h00m CC entrou em casa.
18. Instantes depois, os arguidos, usando a chave daquela residência que o arguido AA possuía, entraram na residência de CC, levando consigo uma faca, cujas características se desconhecem.
19. Seguidamente, em comunhão de esforços e de intenções, o arguido AA, sem que esta se apercebesse, aproximou-se de CC, projectou-a para o solo e o arguido DD colocou-lhe em cima da cara uma almofada, que pressionou, momentaneamente, tapando-lhe a boca e o nariz.
20. De seguida, usando para o efeito a faca que tinham transportado, enquanto um dos arguidos prendia CC, o outro arguido desferiu, de cima para baixo, de fora para dentro e de trás para a frente 14 golpes na zona do pescoço daquela, atingindo vasos sanguíneos situados na zona do pescoço, designadamente a jugular e a carótida.
21. Vendo CC prostrada no solo, sangrando, os arguidos retiraram da carteira daquela o cartão de débito número ...71, emitido pelo Banco BPI, de cujo código de acesso o arguido AA pensava ser conhecedor, e a quantia de €10,00.
22. Após, retiraram-se daquela habitação, bem sabendo que, atentas as lesões provocadas, CC iria morrer, o que pretendiam, ausentando-se, tendo o arguido DD levado consigo o referido cartão de débito e a quantia de €10,00, que fez seus.
23. Como consequência directa da conduta dos arguidos, CC faleceu nesse dia 13.04.2020, pelas 22h00m, devido a lesões corto-perfurantes da região lateral esquerda do pescoço, em particular as lesões transfixivas da artéria carótida comum e da veia jugular interna.
24. No período compreendido entre as 19h58m do dia 13.04.20 e as 10h42m do dia 14.04.20, o arguido DD dirigiu-se a dois ATM localizados na zona das ..., designadamente na Caixa Geral de Depósitos da Rua … e no interior do Centro Comercial das ..., onde, pretendendo proceder ao levantamento da quantia monetária que conseguisse, inseriu o cartão de débito de CC e colocou o código previamente fornecido pelo arguido AA.
25. Sem sucesso, uma vez que o código fornecido pelo arguido AA não se mostrava correcto.
26. Os arguidos AA e DD agiram com intenção de retirar a vida a CC, mãe do arguido AA, pessoa com 64 anos, surpreendendo-a no interior da sua residência, mediante a elaboração prévia de um plano, gizado, pelo menos, cerca de um mês antes da sua execução.
27. Sabiam os arguidos que ao desferirem ao desferir 14 golpes na zona do pescoço de CC, da forma como o fizeram, aquela não iria sobreviver.
28. Com a sua conduta pretenderam, ainda, os arguidos apoderar-se de alguns bens de valor que aquela possuísse nessa ocasião, e que o arguido AA acedesse na posse dos bens da mãe, incluindo o acesso ao dinheiro depositado em contas bancárias, para que o mesmo arguido pudesse, entre outras, saldar as suas dívidas relacionadas com o consumo de estupefacientes bem como com a prática de jogos de fortuna e azar e para que o arguido DD obtivesse o pagamento que lhe tinha sido prometido por retirar a vida a CC.
29. Os arguidos agiram ainda com intenção de retirarem e fazerem sua a quantia monetária depositada na conta bancária co-titulada por CC e pelo arguido AA no Banco BPI, associada ao cartão de débito nº ...71, através da utilização do referido cartão em máquinas de ATM.
30. Propósito que não conseguiram alcançar, por motivos alheios à sua vontade.
31. Os arguidos agiram sempre de forma livre, deliberada e consciente, em conjugação de esforços e de intenções, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Mais se provou que,
32. O arguido AA não tem antecedentes criminais averbados ao seu CRC.
33. Relativamente às suas condições pessoais, apura a DGRSP que:
AA é natural de … tendo o seu processo de crescimento e desenvolvimento ocorrido em ..., ….
Trata-se do único filho de um casal de condição socioeconómica modesta e marcada por alguma contenção, tendo sido a economia doméstica sustentada pela actividade profissional dos progenitores, o pai como … no Bingo do B… e a mãe como ….
A dinâmica familiar parece ter decorrido de forma funcional baseando-se na transmissão e aceitação de regras e valores prevalecentes na sociedade em geral ainda que seja referido pelo arguido à DGRSP pouca coesão familiar e algum distanciamento afectivo entre os vários elementos, incluindo elementos da família alargada.
O progenitor mantinha consumo de bebidas alcoólicas em excesso, padrão de comportamento que terá tido um elevado impacto na dinâmica conjugal e familiar, vindo o casal a separar-se mais tarde.
O percurso escolar do arguido terá sido regular até ao 12º ano de escolaridade tendo iniciado o seu percurso laboral aos 16 anos de idade, em …, actividade que desenvolvia durante as férias escolares.
O seu percurso formativo e laboral esteve maioritariamente ligado ao … tendo desenvolvido actividade como … na Fundação – I… até aos 27 anos de idade.
Entre os 27 e os 30 anos, AA trabalhou na A…, na área das …, na ….
Mudou de ramo de actividade, passando a trabalhar como ..., actividade que manteve até à reclusão.
Relativamente a problemáticas de saúde, o arguido refere que manteve consumos de haxixe e de cocaína entre os 18 e os 27 anos de idade.
Em termos afectivos, AA manteve um relacionamento com MM que perdurou durante nove anos, com vivência marital.
De acordo com o que o arguido verbalizou à DGRSP para efeitos deste julgamento, esta relação não era bem aceite pela mãe do arguido sendo que no período que a mesma durou mantiveram pouco contacto.
Em período prévio à reclusão, AA residia na morada constante nos presentes autos.
A ruptura no relacionamento afectivo com a ex-companheira havia ocorrido em Julho de 2019, havendo um novo relacionamento por parte do arguido, com uma cidadã ..., que não perdura na actualidade.
Exercia funções como ... na empresa F…, ligada ao …, sendo que os seus rendimentos eram inconstantes e indeterminados, de acordo com os serviços efectivamente prestados – tinha o ordenado base de €750, a que acresciam as comissões pelos diversos trabalhos prestados.
O volume de trabalho foi diminuindo e, com a pandemia no âmbito da Covid-19, a empresa encontrava-se ao abrigo do lay-off.
Nesse contexto, com muito tempo livre, o arguido passou a dedicar-se ao convívio com amigos e ao jogo retomando, paralelamente, os hábitos aditivos no final de 2019, nomeadamente consumos de haxixe, cocaína e bebidas alcoólicas.
Este estilo de vida, marcado pela disfuncionalidade, terá tido repercussões negativas significativas ao nível da desorganização do seu quotidiano, situação agravada pelas dívidas que foi contraindo.
O seu pai faleceu há cerca de nove anos sendo que a mãe tinha um namorado, com o qual o arguido não mantinha qualquer relação próxima.
AA deu entrada no Estabelecimento Prisional ... em 13.05.2020, vindo transferido do Estabelecimento Prisional …, onde deu entrada em 18.04.2020.
Encontra-se preso preventivamente à ordem dos presentes autos.
AA não dispõe de qualquer suporte por parte de familiares, apenas de um amigo e da ex-companheira, dos quais tem recebido visitas no estabelecimento prisional e que se disponibilizam para o apoiar durante e após a reclusão.
Tem mantido uma postura adequada em reclusão.
 Está a trabalhar na … neste momento e encontra-se a ser acompanhado em consulta de psicologia e psiquiatria tendo prescrita terapêutica regular.
34. O arguido DD não tem antecedentes criminais averbado no CRC emitido pelas Autoridades nacionais.
35. De acordo com o apurado pela DGRSP relativamente às suas condições pessoais:
DD é natural do ..., tendo nascido numa cidade rural do interior de … sendo proveniente, segundo refere, de um agregado familiar de condição socioeconómica modesta, mas equilibrada e com um relacionamento afectivo estável e de convicções ….
Ao nível escolar, terá concluído o equivalente ao ensino secundário iniciando a sua actividade profissional no ramo da … junto do progenitor tendo mais tarde trabalhando em … como ….
Ao nível afectivo, estabeleceu relação de namoro com quem veio a contrair matrimónio aos 24 anos fruto do qual nasceram dois filhos.
Ao fim de sete anos houve uma ruptura conjugal, referindo o arguido a esse respeito ser um indivíduo muito possessivo e ciumento, tendo mais tarde existido uma reconciliação, mas que não durou muito tempo acabando por o casamento ter terminado definitivamente.
Em 2019 emigrou para Portugal referindo que em busca de melhores condições de vida passando a viver num quarto arrendado na … e mais tarde um quarto em … na zona das ....
O irmão, que foi um … em vários clubes nacionais, vive em Portugal na zona de … tendo uma vida estável e organizada referindo ter sugerido ao irmão que fosse para lá viver que tinha condições para o apoiar não tendo o mesmo aceite, acabando por permanecer em ….
Desde que se encontra em Portugal não manteve contactos nem relação com o irmão afirmando este desconhecer o seu modo de vida.
Refere ter trabalhado como … durante seis meses, mas despediu-se do seu por receio da pandemia, ficando completamente inactivo.
Assume consumos de cocaína, que já mantinha no ....
Refere nunca ter tido contactos com a justiça no ....
Ao nível de saúde sofre de glaucoma não tendo visão de um dos olhos.
À data da sua prisão, DD vivia num quarto arrendado em …, na zona das ..., encontrando-se desempregado e inactivo, não se tendo apurado em concreto de que actividade retirava rendimentos para se sustentar.
Não tinha relacionamento com o único familiar que tem em Portugal, o seu irmão, que vive em ….
Referiu que perspectivava manter-se em Portugal apenas até final de 2020 regressando depois para o ....
Mantinha consumos de cocaína não esclarecendo o modo como mantinha o seu vício.
Em termos pessoais, DD apresentou um discurso evasivo e contraditório com ausência de juízo crítico e dificuldades de auto-análise.
E ainda se prova que,
36. O Arguido DD consultou uma vez, no ..., em data não concretamente apurada após o divórcio, serviços de psicologia, desconhecendo-se que diagnóstico foi realizado, mas sem que possua qualquer doença do foro mental que o iniba de entender todos os actos que pratica de acordo com a sua vontade livremente formada e determinada.
37. Consta nos autos como subscrito em 23.01.2020 entre o arguido AA (aí se declarando promitente vendedor) e TT (que aí se declarou promitente comprador) um escrito a que chamaram contrato promessa de compra e venda da fracção G (…º andar …) do nº … da Rua … – ... (cuja propriedade estava inscrita a favor do primeiro), aí se declarando que o arguido AA promete vender e o indicado promete comprar tal fracção pelo valor de 140.000€, e de que consta também que a escritura seria celebrada em 120 dias.
38. O arguido AA devia ao banco, por conta do empréstimo contraído para aquisição de tal imóvel, a quantia de 55.785,99€.
39. Os arguidos, além da faca com que desferiram os golpes na vítima, usaram uma almofada na cabeça da mesma para abafar algum pedido de socorro que fizesse, elementos que recolheram do local e levaram consigo após a morte daquela.
40. Na casa da vítima, dentro de um guarda-fatos da mesma, estava um cofre que continha dinheiro e jóias, pertencentes à ofendida, e que os arguidos não levaram consigo.
41. Muito embora esse cofre estivesse aberto.
42. O cofre foi adquirido pela vítima, cerca de dois meses antes, com o auxílio do seu namorado, GG, que lhe programou o código, e que a vítima usava para guardar os valores que tinha em casa.
43. O arguido AA, bem como o arguido DD, desconhecia a existência de tal cofre.
44. A conta do BPI cujo cartão de acesso foi levado de casa da vítima pelo arguido AA era co-titulada pela vítima e pelo próprio.
45. Algum tempo antes dos factos, sem se ter apurado quando em concreto, a vítima abriu uma outra conta, só em seu nome, no banco Millennium, para onde transferiu a maior parte do dinheiro que tinha naquela.
46. Em data não concretamente apurada, mas já após a morte da sua mãe, o arguido AA, de forma não concretamente apurada, fez inscrever a propriedade da casa da mãe a favor de MM, simulando com a mesma um contrato de compra e venda que não existiu efectivamente e por cuja referida aquisição nenhum preço foi pago.
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Não resultam provados os seguintes factos,
Que, além do provado, foi ou não em data ocorrida entre Fevereiro e Março de 2020 que o arguido AA abordou o arguido DD para os efeitos referidos em 4.
Que foi concretamente às 17h45m que CC entrou em casa.
Que arguido concretamente agarrou a vítima enquanto o outro a esfaqueava.
Que, na circunstância referida em 29, os arguidos pensassem que usavam o referido cartão bancário sem que para tanto estivessem autorizados a utiliza-lo, confiando que o código de acesso que detinham era o correcto.
Que o Arguido DD padeça de doença psiquiátrica ou psicológica.
Qua tal doença fosse, ou não fosse, prévia à vinda do Arguido DD para Portugal, tendo-se agravado aqui os sintomas ou consequências.
Que o Arguido DD alguma vez tenha tido, ou procurado ou estado interessado em receber acompanhamento psicológico ou psiquiátrico para qualquer problema que tivesse ou julgasse ter.
Que este arguido não tivesse esse acompanhamento porque não tinha meios económicos para isso.
Que este arguido apresente efectivamente sinais de desorientação.
Que os seus familiares conheçam qualquer doença desse foro de que o arguido padeça.
Que qualquer dos arguidos não tenha cometido os factos provados ou não tenha estado neles envolvido.
Que o arguido AA, nas semanas que antecederam os factos, tenha consumido toda a cocaína que conseguisse encontrar, chegando a consumir, ou não, via oral 3 gramas de cocaína por dia.
Que o mesmo arguido, além do que se prova, fosse viciado no jogo on line.
Que o mesmo arguido, além do que se prova, tivesse passado a viver unicamente para obter dinheiro para comprar droga e jogar.
Que o arguido AA se encontrasse, na altura, intoxicado de produtos estupefacientes, especialmente cocaína, mas não só, e tenha sido ameaçado de morte, quer pelo co-arguido quer por outros, para fazer o pagamento de dívidas que tinha.
Que este mesmo arguido tenha, antes dos factos, contactado várias vezes a mãe para que lhe emprestasse dinheiro, ou não, tendo-lho esta recusado.
Que o arguido AA destinasse, ou não, o remanescente da quantia que resulta do documento referido em 38 como preço de venda (descontado o pagamento ao banco e comissão a uma agência que tenha intermediado o negócio) integralmente ao pagamento de dívidas que tinha, ou não. 
Que o arguido AA soubesse, antes da PJ o ter informado na sequência da morte da mãe, que esta tinha um cofre em casa e onde o guardava.
Que o mesmo arguido tivesse dito ao co-arguido que tal cofre existia e tinha jóias e dinheiro.
Que o arguido AA, no dia 13/4 se tenha limitado a transportar até às imediações da casa da mãe o co-arguido para que ele fosse à mesma e se apoderasse do dinheiro e jóias referidas.
Que enquanto o Arguido AA ficou no carro a aguardar, o Arguido DD se dirigiu, sozinho ou acompanhado com terceira pessoa, à casa da vítima.
Que o Arguido DD tenha, nessa sequência, saído da casa da vítima trinta minutos depois, dirigindo-se novamente ao carro onde o esperava o Arguido AA.
Que o Arguido DD tenha depois dito ao Arguido AA que não tinha dado para fazer nada porque a sua mãe tinha começado a gritar.
Que o Arguido AA desconheça em absoluto o que se passou no interior da casa da mãe nesse intervalo de tempo.
Que o Arguido AA desconhecesse que o plano era matar a sua mãe.
Que antes da morte da vítima, a relação dela com o arguido fosse de felicidade e amizade, que fossem confidentes ou passassem férias juntos.
Que o Arguido AA não tenha nunca pretendido que o Arguido DD tirasse a vida à sua mãe.
Que este arguido não tenha, na referida data, estado sequer na casa da mãe.
Que este arguido nunca tenha tido intenção de matar a sua mãe.
Que o Arguido AA estivesse a receber ameaças de morte, fosse do co-arguido ou de outra pessoa, para que pagasse as dívidas, além do que fica provado.
Que o Arguido AA estivesse ou atravessasse qualquer estado de psicose tóxica ou de outra natureza, por via dos consumos de droga.
Que qualquer dos arguidos estivesse, na altura dos factos ou antes deles, perturbado de qualquer forma, sem capacidade ou com a mesma diminuída para entender e querer os actos que praticava e determinar-se com essa vontade.
Que MM tenha pago qualquer quantia monetária por via da transmissão da propriedade da casa da vítima que o arguido lhe efectuou na qualidade de herdeiro desta e após o falecimento da mãe.
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III. MEIOS DE PROVA E RAZÕES DA CONVICÇÃO DO TRIBUNAL
A liberdade de apreciação da prova, que conforma o nosso sistema penal e processual penal, refere-se a uma liberdade que não é meramente intuitiva. Trata-se de um critério de justiça que não prescinde da verdade histórica das situações nem do contributo dos dados psicológicos, sociológicos e científicos para a certeza e segurança da decisão.
Atento o disposto no artº 374º, nº 2 do CPP, importa fundamentar a decisão do Tribunal relativa à matéria de facto, não bastando a fundamentação genérica ou enunciação dos meios de prova considerados.
A convicção do Tribunal alicerçou-se no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, com apreciação crítica dos meios de prova disponíveis, com apelo às regras de experiência comum e de normalidade – artº 127º CPP.
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Quanto a alterações pontuais ou não de factos que venha a verificar-se no texto desta decisão, decorreram sempre do exercício dos direitos de defesa pelos arguidos, quer porque os assumiram ou a eles se reportaram, quer porque eles resultam por provar de acordo com a versão aceite pelos mesmos, ou resultam provados por confronto das suas declarações com outra prova produzida, não constituindo alteração substancial de outros e não constituindo nenhuma novidade em termos do que foi discutido e do que se puderam os arguidos oportunamente defender, pelo que nenhuma comunicação prévia se impõe quanto a eles fazer.
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O Tribunal não considerou factos as sugestões ou conclusões que se prefiguram apenas com essa natureza, as citações ou considerações, desde logo doutrinárias, uma vez que não se trata de matéria factual que possa ou deva ser atendida.
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Para que se esclareça totalmente o leque de recursos probatórios à disposição do Tribunal para o efeito de sustentar a convicção quanto à matéria de facto, para além dos depoimentos e declarações e dos restantes constantes dos autos, foi possível atender aos elementos de prova indicados no processo, tendo sido todos ponderados, merecendo embora alguns deles uma referência adicional adiante.
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Quanto à ponderação dos Relatórios e autos de Deligências Externas e informações policiais.
Muito se tem dito e escrito sobre a ponderação, para o processo decisório, dos autos de diligência externa.
Próprias de jovens Democracias em que os direitos de cidadania ainda não encontraram bem o seu lugar e muitas vezes se confundem com direitos de arguidos, estas discussões afiguram-se sempre estéreis.
De facto, excluir da ponderação do Tribunal os RDEs[1] ou ADEs[2] ou informações policiais de que conste a prática de actos investigatórios – e apenas quando eles não sirvam os interesses dos arguidos – é o mesmo que dizer que a presunção vigente é a de que as polícias e as investigações são suspeitas nas suas funções, ao mesmo tempo que se deixa a aparência de que o processo penal é gracioso até ao despacho do artº 311º do CPP e judicial a partir daí. Não fosse esta já uma conclusão pelo absurdo, ainda serviria o argumento para pôr em causa a responsabilidade e poderes de investigação das autoridades policiais e, em última instância, a autonomia e credibilidade de quem dirige a investigação.
Ao contrário, um sistema penal que conviva bem com o facto de, ao abrigo do princípio da lealdade processual, especialmente preponderante no processo penal, poderem ser aceites e ponderados, com as reservas necessárias e que não refutamos, todos os mecanismos probandos que não seja proibidos por lei, é um sistema assente no princípio do respeito mútuo e das regras democráticas que verteram para o Texto Fundamental os limites da ponderação dos mecanismos de recolha de prova.
Muito embora nestes autos a questão não mereça grande controvérsia, quer porque não foi esse o caminho trilhado pelas Defesas, quer porque as mesmas foram confrontando testemunhas com situações, algumas delas referidas nesses expedientes, convém deixar esclarecido que este Tribunal tem o entendimento de que os RDEs e autos equiparados são sempre de ponderar, na medida em que coadjuvem os restantes elementos de prova, desde logo enquanto colocam os investigadores nas diligências e atestem o cumprimento da legalidade nos procedimentos de investigação.
Assim, como sempre faz, o Tribunal ponderou os ADEs/RDEs e/ou informações policiais juntos aos autos (ainda que em forma de informação de serviço), bem como as informações recolhidas pelo OPC em sede de investigação sempre que, confrontadas as testemunhas e/ou os restantes intervenientes com eles, daí resulte que serviram de suporte documentado das diligências realizadas e do esforço investigatório que resulte dos mesmos, desde logo para esclarecimento de factos acessórios que se foram apurando e sem cuja ponderação deixam de fazer sentido sequente ou consequente as demais diligências investigatórias.
E o mesmo se dizendo quanto a informações de serviço e de Instituições coadjuvantes   e/ou   Autoridade publica.
O processo tem um manancial de informação, diluído em vários actos de investigação e, sobretudo, contando com alguma informação que, mercê das circunstâncias (dominantes) que estiveram em causa (homicídio) foram necessariamente recolhidos com a celeridade que se impunha.
Para além de outras considerações pontuais que se venham a fazer adiante, surgem já duas questões essenciais.
Como se sabe, no processo em geral e no penal em especial, há elementos cuja prova carece de garantias acrescidas de autenticidade. É o caso da matéria atinente aos antecedentes criminais que é demonstrável por documento emitido pelas Autoridades competentes de cada Estado.
Por isso, o Tribunal Colectivo ponderou a documentação que se prefigure nos termos antecedentes, ou seja, emitidas por Autoridade competente para o efeito.
É o caso também dos elementos e informações que, não tendo embora natureza pericial, são ponderados na sua integralidade, como emitidos por entidade especializada em aspectos técnicos da assistência à atividade judiciária (como informações bancárias e outras), conhecimentos de que o Tribunal não dispõe senão por seu intermédio e que pondera como justificados, oportunos e especializados nas respectivas matérias.
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Elementos de prova indicados no processo:
Foram, ainda, ponderados a prova pericial e os documentos juntos, com os seguintes destaques.
A perícia:
- Relatório de Autópsia Médico-Legal, fls. 1112 a 1114;
- Relatório de perícia toxicológica, fls. 1115 a 1116;
- Exame Pericial ao telemóvel ... (IMEI ...20 e cartão SIM ... n.º ...77) do Arguido AA, fls. 85 a 86 (CD) e 648 a 649 (CD);
- Relatório pericial de exame à residência de CC e recolha de vestígios, fls. 319 a 333;
- Relatório pericial de exame à residência do Arguido AA e recolha de vestígios, fls. 337 a 359;
- Relatório pericial de recolha de vestígios à roupa do arguido DD, fls. 365 a 368;
- Relatório pericial de peças de vestuário de CC, fls. 637 a 639;
- Relatório Pericial de vestígios lofoscópicos, pertencentes ao arguido DD, fls. 984 a 989;
- Relatório de exame pericial análise de ADN, fls.1157 a 1158;
- Assento de nascimento de CC;
- Exames periciais aos telemóveis de CC;
- Demais elementos periciais, desde logo a perícia realizada ao arguido AA;
A Prova Documental:
- Auto de notícia, fls. 1058 a 1959;
- Relatório de Inspecção Judiciária, fls. 21 a 35;
- Auto de apreensão, fls. 40;
- Autos de diligência externa, fls. 62, 65;
- Auto de busca e apreensão à residência do Arguido AA, fls. 73;
- Informação da SIBS, fls. 77;
- Imagens de videovigilância captadas pelo ATM Millenium BCP no Centro Comercial ..., fls. 79 a 83;
- Auto de visionamento de registo de imagens captadas pelo Centro Comercial ..., fls. 1145 a 1150 e pen fls. 149;
- Auto de informação e print screen do telemóvel ... pertencente ao Arguido AA, fls. 87 a 100;
- Auto de busca e apreensão à residência do arguido DD, fls. 117 a 118 e reportagem fotográfica, fls. 119 a 121;
- Auto de apreensão do telemóvel ... com o IMEI ...20 e cartão SIM ... n.º ...77, do IPAD de marca ..., com o n.º de série … e do computador portátil da marca ..., com o n.º de série …, pertencentes ao Arguido AA, fls. 133;
- Auto de análise sumária ao telemóvel ... com o IMEI ...20 e cartão SIM ... n.º ...77, pertencente ao Arguido AA, fls. 134 a 144, 650 a 670 e 1139 a 1142;
- Auto de informação e print screen do IPAD de marca ..., com o n.º de série …, pertencente ao Arguido AA, fls. 145 a 146;
- Registo de tráfego da operadora …, relativo aos cartões ...84 e ...53, fls. 413 a 616;
- Auto de busca e apreensão, fls. 765 a 784 e auto de declaração de consentimento do arguido DD, fls. 785 a 787;
- Extracto bancário/saldo da conta titulada por CC associada ao cartão de débito n.º ...71, reportado ao dia 13.04.2020;
- Todos os demais documentos juntos, quer com as peças processuais quer nos termos da tramitação dos autos:
- Relatórios sociais dos arguidos e CRCs e fichas biográficas dos mesmos.
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Prova por declarações dos arguidos,
Os arguidos informaram o Tribunal no início do julgamento de que queriam prestar declarações.
Foi ordenada a audição em separado, conforme resulta da acta.
O arguido AA não aceitou os factos descritos na acusação/pronúncia, rejeitando mesmo frontalmente os mais importantes – negou ter planeado a morte da mãe, negou tê-lo feito com o co-arguido, negou saber, logo após os factos, da morte da mãe, negando ter estado mesmo na casa desta quando a mesma foi atacada e morta, bem como negou qualquer acordo com o co-arguido quanto ao que fariam depois dessa morte ter ocorrido, ou ter tido intenção de a matar.
Ao invés, o arguido trouxe ao Tribunal uma versão que tem como momento inicial uma relação que teve com uma mulher que o fez exceder nos consumos de droga e jogo, dizendo que, nessa altura, chegava a consumir 3 gramas de cocaína por dia. Refere, ainda, o arguido que em Setembro de 2019 a referida mulher foi para o ..., tendo o arguido piorado os consumos por estar ainda mais infeliz.
Que essa mulher lhe terá apresentado, enquanto estiveram juntos, pessoas “menos positivas”, tendo ficado sem dinheiro, aumentando as dívidas que tinha de droga e jogo, o que o levou, a certa altura, a colocar a sua casa à venda, o que se mostrou ser um processo difícil e moroso.
Como tinha dívidas de droga para com o co-arguido, e este o começou a pressionar constantemente para que as pagasse, começou a ficar sem soluções porque nem sequer era apenas ao co-arguido que devia quantias em dinheiro.
Ao co-arguido devia 250€.
Após muita insistência do co-arguido para que lhe pagasse e algumas ameaças, pensou em fazer um assalto à sua mãe, pessoa que sabia ter dinheiro, e que não lho daria se lhe pedisse, precisamente por saber que esse dinheiro seria gasto em droga e jogo.
O assalta era para ser feito em 6/4 mas a sua mãe ausentou-se de casa, para casa do companheiro, e tal não foi possível.
No dia 13/4, no entanto, falou com a mãe, já não recordando quem telefonou a quem, e soube que a mãe regressara, o que o surpreendeu inclusivamente por saber que estávamos em confinamento e a mãe regressava de fora de ….
Assim, falou com o co-arguido e decidiram agir nesse dia, como já antes tinham combinado, ou seja, fazerem um assalto à casa da mãe, tirando dinheiro e joias da mesma por forma a que o DD se pagasse do que estava em dívida.
Esta era uma situação limite, uma vez que já antes o DD tinha ido a sua casa, por sua vontade, para ver se aí existia alguma coisa que lhe interessasse, tendo saído de lá sem nada porque nada lhe interessou.
Por isso, sabendo do regresso da mãe a casa, pegou em si e nas chaves da casa da mãe, que tinha, e foi buscar o DD e seguiram para lá.
A ideia era o declarante ficar no carro enquanto o DD ia lá a casa simular o assalto – como o declarante não sabia o código do cofre, a mãe seria forçada a revela-lo ao co-arguido.
Não sabe, de facto, o que se passou dentro de casa da mãe, uma vez que ficou no carro à espera do DD.
Quando o DD desceu, muito embora tenha visto um pouco de sangue na sua mão, pensou que tivesse usado da força, mas apenas na medida em que fosse necessário para obter a combinação do cofre.
O DD, quando entrou no carro, disse logo “arranca que deu merda”, pelo que arrancou logo e levou o DD a casa dele.
Cerca das 20 horas desse dia, quando se encontrava em ... com a namorada que tinha nesse momento, recebeu um telefonema do GG, o namorado da mãe, que lhe disse que não sabia dela. Tendo nessa altura o declarante pensado que alguma coisa de errado acontecera.
Voltou a sua casa, a ..., foi buscar a chave da casa da mãe e foi para casa da mesma, onde a encontrou morta no chão, com sangue no pescoço, tendo tocado na sua roupa e percebido que estava fria, tendo ligado para o GG e para a polícia que lhe disse para chamar os bombeiros, o que fez.
Depois disso, tudo se passou como está no processo.
Refere que nunca, entre ambos os arguidos, foi falado em matar a sua mãe. A ideia era a mãe dar o código do cofre, tendo o declarante aceite que para isso, se preciso, o co-arguido usasse de violência, mas nunca que a matasse.
Confirma ter enviado a mensagem ao co-arguido em 6/4, precisamente porque a mãe ia sair de ….
Confirma, ainda, as pesquisas constantes de fls. 10 e também 11 (mais as formas possíveis de abrir cofres).
Também confirma o que consta do processo quanto a ir buscar o DD a sua casa, bem como confirma que o seu telemóvel estava em modo de voo, o que deve ter acontecido inadvertidamente, uma vez que depois de ir buscar o DD nesse dia às ..., ainda foi a sua casa, onde deixou o telemóvel e sem querer deve ter colocado o mesmo em modo de voo. Por vezes, para não ser incomodado, colocava-o nesse modo.
Não viu qualquer arma na posse do co-arguido, branca ou de fogo.
O co-arguido também nunca lhe propôs matar a sua mãe. Mas disse-lhe que lhe pagasse ou matava-o a si e à mãe.
Nesse fim de dia falou com o GG 2 ou 3 vezes – o GG ligou-lhe pelas 20 horas a dizer que não conseguia contactar a sua mãe, e pode, depois disso, ter contactado com o mesmo uma ou duas vezes mais.
Refere que o DD, quando regressou ao carro, vindo da casa da sua mãe, devolveu-lhe a chave de casa daquela que lhe tinha entregue.
As ameaças que o DD lhe fez foram por telemóvel e nos encontros que tinham.
A ideia de fazer o assalto à mãe foi sua.
Já não era a primeira vez que tirava coisas à mãe.
Decidiu não ir logo a casa da mãe, depois de o DD lá ter estado, porque ela desconfiaria que ele estava envolvido no assalto se o fizesse.
Não se recorda daquilo que disse aos bombeiros quando falou com eles, tal como à polícia.
Não sabe se a mãe estava em casa quando o DD lá entrou em casa, até porque estacionou o carro a uns metros da porta, mas acredita que pudesse não estar ainda em casa.
Conheceu o DD em Fevereiro ou Março de 2020, em casa de um amigo comum, que também consome cocaína, porque o co-arguido chegou a levar para lá cocaína para consumirem.
Não percebeu que o co-arguido tivesse levado da sua casa, nesse dia, qualquer faca.
Nesse mesmo dia, depois dos factos e depois de deixar o DD em casa, o mesmo ligou-lhe a pedir o código do cartão de multibanco da mãe, pelo que percebeu que o DD tinha retirado à mãe o referido cartão, mas o DD não lhe disse que o tinha tirado quando regressou ao carro vindo da casa de sua mãe.
Quando viu o sangue no DD, após este regressar ao carro, ficou assustado, muito embora não fosse muito o sangue, e só quis sair do local rapidamente, levando o co-arguido a casa.
Do contrato promessa que fez da venda da sua casa recebeu 20.000 euros, pensa que em Janeiro de 2020, dinheiro esse que gastou com o vício e mandou algum para o ..., para a mulher com que vivera. Em Fevereiro foi ao ... porque fazia anos, com o que gastou algum desse dinheiro, tendo gasto também lá dinheiro, e pagou algumas dívidas que tinha.
Nessa altura não conhecia ainda o DD.
A escritura definitiva devia se celebrada em Março mas os compradores eram …, não conseguiram vir a Portugal com a pandemia e tudo atrasou.
O preço acordado para venda da sua casa era 140.000€.
Ia também receber 120.000€, descontado o sinal que já recebera, e ia pagar 55.000€ que ainda devia ao banco da casa e com o resto pagaria dívidas e arrendaria uma casa.
Desse dinheiro não ia pagar a dívida ao DD porque o DD não queria esperar pela finalização do contrato, tanto que lhe propôs isso e ele não quis.
Não se recorda de ter admitido perante o juiz de instrução que tinha admitido a possibilidade de matar a mãe.
Nessa altura tinha alucinações e delírios, via pessoas em casa, via bonecos à volta do seu carro na auto-estrada.
Das dívidas que tinha na altura, a maior quantia devida era de dinheiro de consumos, mas não sabe o nome das pessoas a quem devia, só os conhecendo por alcunhas; e devia a outras pessoas também a quem pedira dinheiro para consumos, como ao patrão (II), ao seu amigo YY, ZZ, AAA, a todos eles devendo, no total, cerca de 20.000€.
Deu ao co-arguido o código do cartão, mas sabia não ser o correcto, até porque não sabia o referido código.
O DD disse-lhe que deveria conseguir abrir o cofre mas, caso não conseguisse, precisava que a sua mãe estivesse presente para abrir o mesmo.
Sempre se convenceu de que seria sem violência física ou psicológica, mas o DD disse-lhe que conseguia através de coacção obter da sua mãe o código do cofre, mas desconhecia o declarante se seria física ou psicológica.
Recorda-se que disse ao DD “vê lá a violência porque é minha mãe”.
Dentro do carro, nessa data, esperou cerca de 1h30m pelo DD.
Pensou ligar mais tarde à mãe mas entretanto ligou o GG.
O DD ia fazer isto porque era pago da sua dívida e o declarante ia dar-lhe mais alguma coisa, talvez 50€, não sabe bem, mas nada mais do que os 250€ lhe foi prometido.
Não tem irmãos, sendo o único herdeiro da mãe.
Estava, na altura, sob efeito de drogas.
Conduziu ele o seu carro de casa às … para ir buscar o co-arguido, voltou a casa e foi depois ele a conduzir até casa da sua mãe e depois ainda levou o co-arguido às ... outra vez, tendo depois o declarante ido para ... com a namorada. Depois disso, ainda conduziu o carro para casa da mãe quando ali se deslocou.
Não se apercebeu se o co-arguido levou joias da sua mãe de casa dela, muito embora soubesse que a mãe tinha joias em casa, até porque já lhe tinha retirado antes ouro para vender.
Refere que as pesquisas na internet a que se refere a acusação não tiveram que ver com a mãe ou a eventual morte da mãe, mas por causa de alguma série de televisão que terá visto, como o CSI.
Não viu o DD com qualquer objeto cortante quando chegou ao carro.
O Arguido DD prestou depois declarações.
Disse que estava inocente quanto a estes factos.
Foi o AA que matou a pessoa em causa.
No dia dos factos, o AA foi busca-lo e foram para casa do AA porque o AA disse que tinha bebidas e droga em casa para eles.
Chegaram a casa do AA e, ao contrário do que lhe fora dito, o AA não tinha lá droga mas só bebidas.
Eram cerca das 14h30m quando chegaram a casa do AA.
Beberam lá em casa e depois o AA falou-lhe em fazer um assalto, tendo recusado, mas o AA insistiu, pelo que acabou por aceder, porque o AA disse que era fácil, que era chegar lá e tirar o dinheiro.
O declarante estava sob efeito de droga, porque tinha consumido droga na noite anterior.
Aceitou ir, mas não sabia em que local era e nada lhe foi explicado.
Chegaram lá, (sendo que era o AA que conduzia) o AA saiu do carro com o declarante e subiram a um apartamento, onde ficaram cerca de 10 minutos. Ficou agoniado e quis ir embora, mas o AA trancou a porta de casa, tendo perguntado ao AA pelo dinheiro e tendo ele dito para relaxar. Então, o AA ligou a televisão e o declarante começou a andar de um lado para o outro e a certa altura ouviram alguém chegar.
O AA disse-lhe que se escondessem e foi-se esconder junto à porta de um quarto.
Viu a pessoa chegar e o AA amordaçou a mesma, atirando-a ao chão.
O AA pediu-lhe ajuda, acha que para segurar a senhora, e o declarante disse-lhe “está maluco”.
A senhora já estava no chão e disse “AA, não” e o declarante ouviu-a dizer isso. Nessa altura já o AA estava “em cima da pessoa” e quando chegou junto do mesmo viu a faca ao lado do AA (não o viu esfaquear a pessoa porque do ângulo em que estava só via o movimento dos braços que o mesmo fez).
Depois, o AA disse ao declarante “já está, vamos embora”.
O AA foi então à cozinha, regressou para junto de si com um saco do lixo e uma arma (pistola) e entregou-lhe a almofada que antes tinha sido colocada no rosto da senhora e a faca que tinha usado, apontou-lhe a arma e disse para guardar as coisas no saco, o que fez.
O AA estava com luvas mas o declarante não levou luvas postas porque acha que o AA o quis implicar e por isso levou luvas porque sabia que ele não as tinha.
Colocou as coisas no saco de plástico de lixo que lhe foi entregue.
Depois, o AA ainda foi mexer na mala da senhora, mas não percebeu se retirou de lá alguma coisa mais do que a carteira que efetivamente levou de lá.
Depois foram para o carro.
Refere que o co-arguido estava alegre e o declarante perguntou quem era a pessoa, tendo-lhe o AA respondido que era a sua tia.
Esclarece que o AA lhe apontou a arma porque o declarante lhe deu um soco no braço quando percebeu o que se passou e o AA perguntou-lhe nesse momento “se queria morrer também”.
O AA depois deixou-o nas ... e deu-lhe um cartão, tendo depois o AA ido embora.
Foi para casa agoniado e mais tarde o AA ligou-lhe por WhatsApp, dando-lhe o código do cartão de multibanco que lhe entregara, dizendo-lhe “que era só sacar” e que comprasse droga porque ia a casa dele depois à noite.
No entanto, o código que lhe deu foi errado, porque tentou levantar dinheiro e viu que o código não era o correcto, tendo feito duas tentativas.
Acha que o AA fez tudo isto planeado para o implicar, até porque sabia que levava luvas e o declarante não e que o cartão multibanco ficaria na sua casa.
Nesse dia à noite foi comprar droga como o AA lhe disse que fizesse e umas “meninas” disseram-lhe que andavam a procurar por ele umas pessoas num carro prateado. Pensou que era o AA, mas não o viu mais.
“Meteu-se em casa dois dias” e sem sair porque sabia que é o declarante que é a prova do crime que o AA praticou e teve medo. O AA não sabia exatamente onde era a sua casa uma vez que se encontravam sempre na rua  e teve medo que andasse à sua procura porque era a testemunha do que ele tinha feito.
No entanto, foi a PJ que depois veio bater-lhe à porta.
Esclarece que conhece o AA da casa de um amigo comum, o SS, que um dia lhe disse que o AA precisava de dinheiro, pelo que o declarante ficou de o levar a quem conhecia e que emprestava dinheiro a quem precisasse.
Isto aconteceu cerca de um mês antes desta morte.
O AA insistia para que o declarante lhe emprestasse 1.500€, o que acabou por nunca fazer, mas não lhe disse para que precisava desse dinheiro. A insistência foi tanta que acabou por dizer ao AA que as pessoas que conhecia também não lhe iriam emprestar o dinheiro. E o declarante também não lho emprestou porque não o considerou pessoa confiável.
Três ou quatro vezes o AA foi à zona onde mora ter com o declarante e falava sempre de um assalto e a declarante dizia sempre que não estava interessado. E o AA levava sempre droga quando ia ter consigo, mas nunca vendeu ao AA droga e nem o AA lhe vendeu a ele.
Sempre conviveram nesta base, e enviavam mensagens reciprocamente a falar do dia-a-dia, mas sempre que o AA abordava o assunto do assalto o declarante “cortava o assunto”.
No dia dos factos, quando se escondeu junto à porta do quarto, tinha visibilidade para o local onde estava o AA com a senhora, mas o corpo do AA interpunha-se e via-o de costas, pelo que só viu o seu movimento de braços com a faca mas não viu exactamente as facadas, tendo depois visto a faca no chão junto ao AA quando saiu de onde estava escondido. Mas viu o AA atirar a senhora ao chão e arrastar a mesma.
Não se recorda dos seus números de telemovel àquela data. Tinha dois cartões num telemovel e ainda outro telemovel, mas não se lembra.
Não se recorda do que refere 9 da acusação.
Recorda-se que a faca, quando o AA a pousou e depois a viu junto a ele, tinha sangue, mas não olhou para ver se o AA tinha sangue na roupa ou no corpo, pensa que não tinha na roupa, ao que recorda – o AA vestia, ao que lembra, tênis, calça e uma blusa.
Pensa que foi ao multibanco no mesmo dia, em diferentes bancos, tendo feito uma tentativa em cada um. Um dos ATM foi no Centro Comercial das ... e outro foi fora, junto à entrada.
Falou com o AA ainda nesse dia, cerca das 20 horas e o AA disse-lhe que a PJ andava atrás de si, ao que lhe respondeu que isso era um problema seu.
Não vendia droga ao co-arguido ou ao referido SS. Levava para consumirem. Muito embora uma vez, em data que não recorda, tenho levado droga ao SS e este disse-lhe que ficasse com o seu notebook para compensar o que tinha consumido e em três dias lhe levava a sua parte do dinheiro.
Após saírem da casa da vítima, levou para o carro em que se deslocavam o saco que tinha a faca e a almofada dentro, como o AA lhe mandou, e deixou-o lá no carro, desconhecendo o que lhe aconteceu.
Também já não consegue dizer se a senhora caiu no chão de barriga para cima ou para baixo mas pensa que quando pegou nas coisas para pôr dentro do saco como lhe mandou o AA ela estava de lado, não sabe bem para que lado.
O AA deu-lhe o cartão de multibanco que tirou da carteira do dinheiro que trouxe da mala da senhora, e deu-lho já no carro e disse-lhe que quando chegasse a casa lhe dava o código do cartão.
Nunca levou objeto ou valor nenhum da casa do AA, assim como nada levou da casa da senhora e também não viu lá cofre nenhum e não mexeu lá em nada.
Só viu a faca quando o AA a usou na senhora e não a tinha visto antes.
O AA fazia gestos com o braço esquerdo em cima da senhora, era o que via de onde estava.
O AA, antes dos factos, disse-lhe que era ir lá buscar dinheiro e sair e que lhe dava 1.000€. e também lhe disse que ia deixar o telemóvel em casa.
Quando chegaram a casa da vítima ainda havia luz do dia.
Na altura consumia cocaína (inalada) e erva.
Consumia cerca de 1 grama por dia de cocaína.
Uma vez, após a separação da mulher, ainda no ..., foi a uma consulta de psicologia mas nada mais.
O AA, no dia dos factos, quando foi ter com ele já tinha umas luvas colocadas e na casa da mãe tinha o capuz colocado na cabeça.
Foi requerido que fossem reproduzidos em audiência os registos áudio das declarações dos arguidos em primeiro interrogatório, o que se deferiu, pelo que, após as declarações dos arguidos e informar o segundo das declarações prestadas pelo primeiro na sua ausência, foram reproduzidos em audiência os referidos registos áudio.
Foram ouvidas as declarações do arguido AA prestadas em interrogatório judicial, em que parcialmente confirmou o que afirmou já em julgamento, remetendo-se para o que se escreveu supra, com algumas variantes. De facto, disse que quando começou a ser pressionado pelo Arguido DD para que lhe pagasse os 250€ que lhe devia, disse-lhe que em casa da mãe devia haver dinheiro e o Arguido DD propôs-lhe logo tirarem a vida à sua mãe, ao que acedeu, não sabe porquê, mas não tendo arquitectado qualquer plano para isso. Por isso, quando foram para casa da sua mãe, no dia dos factos, não sabia se o co-arguido ia só forçar a sua mãe a dar o dinheiro ou se ia matar a mesma, mas não lhe deu o consentimento para matar a mãe.
Limitou-se a dizer ao DD que podia ir a casa da mãe tirar o dinheiro e pensou que ele se limitaria a fazer isso mesmo. E quando o DD disse que lá ia e que podia tirar a vida à sua mãe achou que era uma forma de o coagir.
Não sabia da existência de cofre nenhum. Só soube do cofre na PJ.
A conversa do DD de ir a casa da sua mãe foi no início de Abril.
O DD sempre disse que queria ir a casa da sua mãe com a sua mãe presente, não sabe porquê, se era para lhe bater ou não.
O declarante sabia que a mãe tinha dinheiro nas gavetas de casa, muito embora não soubesse se eram 10 ou 20 euros.
A mãe estava em …, na casa do companheiro.
Não teve discernimento para irem assaltar a casa da mãe na ausência dela, podia ter, mas não teve, e isso podia ter sido uma opção.
Deu a chave da casa da mãe ao DD.
O DD ia a casa da sua mãe no dia 6, com um outro fulano, de mota. Mas acabou por não ir porque a pessoa que lá ia com ele teve uma queda de mota. Por isso enviou ao DD a mensagem a dizer que a mãe ia sair para fora nesse dia.
Todos os números indicados eram do DD, que guardava com diversas designações – “doação” era para saber que era relacionado com a venda de droga; “VV” era o nome no whatsApp.
Falava com a mãe todos os dias por telefone.
A mãe disse-lhe nesse dia que estava em ... (13/4) e foi uma surpresa para si porque na altura não se circulava entre concelhos, acabando por dizer ao DD que ela tinha regressado, por causa da pressão que ele fazia.
Depois foi buscar o DD com a carro da empresa que usava e foram para casa de sua mãe. O DD pediu-lhe a chave da casa, que lhe entregou, desconhecendo se foi alguém lá com ele.
Ficou no carro. Estacionou a cerca de 400 metros da casa da mãe.
Chegaram a casa de sua mãe cerca das 16 horas.
Não sabe se a mãe estava em casa. Esteve cerca de uma hora à espera do DD no carro e cerca das 17h30m foram embora de lá.
Acha que o DD esteve cerca de meia hora em casa da mãe. E quando entrou depois no carro disse “arranca, arranca” e ele arrancou e foi leva-lo a casa. O DD não lhe disse o que aconteceu e também não perguntou.
Não quis acreditar que tinha morto a sua mãe.
Deixou-o nas ... e foi para casa e esteve com a mulher que tinha na altura, que de nada sabia, e depois foi com a mesma passear para ....
Cerca das 20 horas ligou-lhe o companheiro da mãe preocupado, o que o preocupou também, tendo decidido ir a casa da mãe cerca das 21h30m.
Quando lá chegou, depois de ter ido ainda a sua casa buscar a chave da casa da mãe (que lá tinha deixado depois de ir lá com o DD nessa tarde), e viu o sangue ficou em pânico.
Não lhe ocorreu ir lá antes.
A mãe estava junto à porta da cozinha, no chão, e o sangue na casa, tendo tocado no corpo e percebido que estava morta.
Ligou ao companheiro da mãe, à polícia e bombeiros.
Nesse dia o DD não o contactou mas sabe que o tentou contactar no dia seguinte, mas já estava na PJ.
Quando, após o DD estar em casa da sua mãe, o levou às ... o DD mostrou-lhe o cartão de multibanco que tinha trazido e o declarante deu-lhe um código ao calha, porque não o sabia.
Quando lhe falou em ir a casa da sua mãe, quando primeiro falaram do assunto, o DD propôs-lhe que lhe desse 4.000 euros – era para o declarante lhe dar 4.000€ para tirar a vida à sua mãe e o declarante lhe disse que ia pensar, tendo o assunto ficado em suspenso porque lhe terá dito que aceitava nessa ocasião aquela proposta. Mas não achou que o outro matasse a sua mãe, admitindo que se falou de 4.000€ como podia ter-se falado de outro qualquer valor.
Em Julho de 2019 a mãe deu-lhe 15.000€.
Adiante, a perguntas do Procurador, ainda em interrogatório, sobre porque razão não deixou de pagar o crédito que tinha no banco para pagar as dívidas em vez de ter isto tudo sucedido, o arguido respondeu que se deixasse de pagar ao banco estava a incumprir quanto à sua casa. E o que pensou foi que o DD ia a casa da sua mãe e em um ou dois minutos resolvia a questão, trazendo o dinheiro. E quando o procurador lhe perguntou o que ganharia o DD com a morte da sua mãe, o Arguido AA responde “4.000 euros”. E referiu também que esperava herdar talvez cerca de 120.000€, mas não tinha isso em mente.
Refere “de forma alguma sou dependente de droga” e que anda com dificuldades económicas há algum tempo porque só estava a receber 750€ por mês nessa altura.
Algumas das conversas que teve com o DD estaria sob efeito de drogas, mas não sabe quais. Acha que a dos 4.000€ seria uma delas.
Tinha boa relação com a mãe.
Na sua casa foi aprendida uma toalha e os telemóveis.
Confrontado com estas declarações, após ouvidas as mesmas em julgamento, o Arguido AA disse que sabia já antes da existência do cofre na casa da mãe mas por medo de represálias do Tribunal no 1º interrogatório não falou disso e pede desculpa.
Também mentiu no interrogatório sobre a companheira (MM), porque disse que estava com ela e já não estava nessa altura, desde Junho de 2019, tendo entretanto conhecido outra pessoa ..., BBB, com quem estava nessa altura, mas que tinha ido ao ... nesses dias.
Foi a referida BBB que o levou pelos caminhos da droga e nessa altura, quando ela se ausentou para o ..., tentava recuperar a relação com a MM.
Mantém as declarações que prestou agora no julgamento, de que não sabia que o DD queria tirar a vida à sua mãe.
Roubou a sua mãe, pela primeira vez, em Janeiro de 2020 e em Fevereiro voltou a tirar coisas da mesma e depois em Março tirou-lhe 15€.
Sabia antes do cofre em casa da mãe e não sabe dizer porque razão o DD deixou lá o envelope com 1.000€ onde estava e não o trouxe.
O DD não conhecia a sua mãe.
Foram ouvidas as declarações do Arguido DD prestadas em primeiro interrogatório judicial, nas quais disse que tudo o que constava do processo era mentira, que tinha conhecido o AA cerca de um mês antes dos factos, em casa do SS, e não conhecia a mãe do AA e nunca antes dos factos tinha ido a casa da mesma.
Que combinaram, ele e o AA, matar a mãe do AA. O AA disse que ia a casa da mãe e a matava e propôs-lhe ir consigo, porque a mãe “sacaneava” a família toda.
Foi para o ajudar, porque o AA lhe daria 6.000€ em troca.
Este levaria a faca, que tirou da casa do AA.
O AA deixou o telemovel em casa.
O AA tinha um capuz que colocou.
Não sabia onde ficava a casa da mãe do AA sequer.
Cerca das 15h30m o AA foi buscá-lo e chegaram a casa da mãe dele cerca das 16h30m, tendo ficado lá cerca de uma hora, porque ela chegou pelas 17h30m a casa. Ficaram por lá a fazer tempo enquanto ela não chegou.
Quando a mãe do AA chegou, o declarante tapou-lhe a boca e atirou-a ao chão, tendo ela ficado com a cara virada para o chão, tendo depois o declarante pegado na faca e dado três facadas no pescoço daquela.
Pegou depois no saco, na faca e na almofada e levaram tudo de lá e foram embora.
O AA disse-lhe que levasse o cartão de multibanco e lhe dava o código, o que fez depois, tendo o declarante ido ao multibanco mas sem sucesso porque o código era errado.
Não deu qualquer dinheiro ao AA e o AA não lhe deu qualquer dinheiro.
À noite ligou ao AA a dizer que não tinha conseguido levantar dinheiro.
No dia seguinte ligou ao AA para acordarem o valor mas depois ele já estava na PJ e nada lhe deu.
Andavam a planear isto há dias, desde antes de a mãe do AA ir para ....
Está em Portugal desde Agosto de 2019, vivendo sozinho.
Consome cocaína e tinha consumido na noite anterior aos factos.
Após esta reprodução das declarações, o Arguido DD disse que mentiu no interrogatório “porque foi coagido e apanhou na PJ”, tendo ficado em choque e pensou só na sua família, tendo por isso inventado que ele mesmo deu três facadas na vítima [o que, como se percebe, não corresponde à verdade porquanto nenhuma medida consta tomada na diligência, desde logo providenciando ajuda médica para o arguido, o que o juiz obrigatoriamente faria caso visse sinais de agressões ou essas lhe fossem transmitidas; para além do que esta argumentária relativamente a condutas impróprias dos OPCs tem sido uma constante nos processos, por parte desde logo de arguidos, pretendendo com isso, de forma menos íntegra e desleal colocar sucessivamente em causa a idoneidade dos profissionais e credibilidade das instituições, sem que nada se prove a esse respeito depois em julgamento e percebendo-se que a única finalidade dessas declarações é perturbar produção e avaliação da prova].
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Foram ouvidas as testemunhas de acusação, sendo as particularidades importantes desses depoimentos evidenciados infra, com a nota de que nenhuma das testemunhas é presencial dos factos.
A testemunha GG, casado, reformado, namorado da falecida [que referiu não ser companheiro a tempo inteiro da mesma, não vivendo juntos pois que cada um tinha a sua casa e passavam uns dias um com o outro], veio dizer que reside em ..., conhecendo a vítima há 3 anos.
Que a vítima esteve, antes de ser morta, um tempo na sua casa mas precisou de voltar à sua casa por motivos de trabalho, pelo que na segunda-feira, dia 13 regressou a sua casa.
Não se recorda já se a vítima esteve no dia 6 na sua própria casa, acha que não, mas já não se recorda, e não se recorda já se, por altura de dia 6, a mesma esteve alguns dias na sua casa de ....
A vítima estava reformada mas nunca chegou a receber a reforma.
Quando conheceu a vítima ela tinha boa relação com o filho, “era só mimos” de um para outro e ela dizia-lhe que o ex marido até tinha ciúmes da relação que tinha com o filho.
No entanto, a partir de Agosto/Setembro de 2019 a relação deles alterou-se, as coisas não estavam muito bem.
O filho, arguido, queria comprar um Uber e a mãe deu-lhe 20.000€ para isso. Na altura, o declarante disse à vítima que fazia mal, que devia ter sido ela a investir e ficar com o Uber para o filho trabalhar, mas a decisão era dela e ela é que sabia o que queria fazer.
No Natal, numa conversa tida com a mãe, o arguido disse à mesma que ela “era um empecilho na vida dele”. Tempos depois, sem que ele dissesse nada à mãe, souberam pelo Facebook do arguido que tinha ido ao ... e teria casado por lá.
Depois de regressar a Portugal, o arguido foi um dia a casa da mãe e perguntou-lhe se tinha vinho que bebesse com ele, e ela foi buscar, mas depois percebeu que o copo tinha algo estranho e não bebeu, tendo depois contado isto ao declarante.
A certa altura, a vítima disse-lhe que quando não estava em …, o filho ia a sua casa e tirava-lhe coisas, motivo pelo qual a aconselhou, e ela fez, a comprar um cofre para a casa. Comprou o cofre com ela dois ou três meses antes da morte dela.
No dia 13/4 a vítima saiu de ... cerca das oito da manhã para vir para …/..., onde chegou cerca das 9 horas, tendo telefonado ao declarante a dizer que tinha chegado. Não sabe se depois disso a vítima foi à casa onde … (tinha casas onde ia …, sendo paga por esse serviço), combinando que falariam à hora de almoço.
Cerca das 15 horas a vítima telefonou ao declarante a saber se tinha comprado máscaras e voltou a falar com ela cerca das 17h10m e a vítima disse-lhe que estava na farmácia e lhe ligaria depois.
Algum tempo depois ligou à vítima porque não teve retorno, porque o telemovel dela estava desligado. Por causa disso, ligou-lhe para o telefone de casa e a vítima não atendeu, o que estranhou e insistiu sem que aquela atendesse.
Porque a vítima não lhe atendia o telefone, calcula que foi a partir das 18 horas ligou para o arguido, filho daquela, porque estava preocupado.
Falou com o arguido duas ou três vezes e ele só dizia para não se preocupar e só da última vez que ligou para ele é que o arguido lhe disse que iria a casa da mãe verificar o que se passava.
Mais tarde o arguido ligou-lhe a dizer que a mãe estava morta, pelo que pegou no seu carro e veio para ....
O arguido tinha a chave da casa da mãe.
Não sabe se a vítima fechava normalmente o cofre, mas a vítima tinha preocupação de que o arguido, quando ela não estava, lhe fosse tirar dinheiro.
No dia em que morreu o cofre estava aberto.
Desconhece se o arguido tinha património próprio, mas tem ideia de que o mesmo teria uma casa que tinha vendido, e andava com um carro.  Pensa que o mesmo teria duas lojas, mas também nunca as viu.
A vítima tinha a chave da casa do declarante.
Quando estavam juntos, comiam também juntos, e foram de férias juntos mais do que uma vez.
Pensa que aos olhos de quem os conhecia eram vistos como casal.
Esteve pouco com o arguido, e sempre quando a vítima estava presente.
Tem ideia de que a vítima terá, no dia dos factos, informado o filho de que estava em ..., mas sabe isto porque a PJ lhe disse depois.
Quando, tempos antes, a vítima começou a desconfiar do filho, lembra-se que ela “ficou doente” com isso.
A vítima tinha um cartão de crédito de uma conta que tinha com o filho [desconhecendo em que banco], mas tinha lá pouco dinheiro porque tirou a parte substancial do dinheiro dessa conta para uma contra dela no Millenium, o que o filho ficou depois a saber.
O cofre, que ajudou a vítima a comprar, tinha chave e código para aceder ao interior e foi o declarante que colocou o código.
A vítima nunca lhe falou de que o filho se drogasse, mas pensa que ela desconfiava disso.
Foi a PJ que lhe disse que no dia da morte da vítima o cofre estava aberto e tinha lá dinheiro dentro.
A testemunha HH, inspector da PJ que dirigiu a investigação, veio dizer que no dia 13/4 estava de prevenção e foi com uma equipa de investigação ao local porque lhes foi comunicada a morte violenta de uma pessoa.
A casa da vítima estava arrumada, estava um saco com compras junto à porta [que confirmaram pelo respectivo talão serem desse dia], contendo bananas.
O corpo, que já tinha sido manipulado numa tentativa de reanimação, tinha visível uma hemorragia na cabeça. Estava no chão, virado para cima, e tinha muitos ferimentos de arma branca no pescoço e face posterior da cabeça.
Não foi encontrada a arma do crime.
Fizeram a inspecção à casa, estando a mala da vítima junto à mesa da sala, onde estava o cartão do Millenium. E a vítima tinha o seu telefone no bolso.
Viram o telemovel da vítima e como encontraram um SMS em que a mesma pedia ajuda ao namorado para ver o filho que estava outra vez sem dinheiro “e se tinha tornado um bandido”, o primeiro intuito da investigação foi perceber se o filho estava envolvido na morte.
Não havia na casa sinais de arrombamento.
No quarto da vítima estava um cofre com dinheiro dentro, mas já não recorda se estava aberto, aceitando que sim porque não foi preciso código e nem chave para verem o que estava lá dentro. O cofre estava meio dissimulado no roupeiro do quarto e pensa que tinha dentro cerca de 1.000€.
Contactaram o filho que estava na porta do prédio, estando já também lá o companheiro da vítima, tendo falado com o filho pouco tempo.
Apuraram que a vítima tinha um cartão multibanco do BPI mas não estava na carteira da mesma. No dia seguinte contactaram a SIBS e perceberam que o referido cartão fora usado nas ... e identificaram o DD.
Depois disso, foram fazer a inspecção à casa do AA, que a autorizou, e à sua carrinha de trabalho.
Só conseguiram localizar o DD cerca de um mês depois disto, porque entretanto desapareceu.
Ao que apurou depois, a vítima tinha estado em casa do companheiro e vinha a … ocasionalmente, tendo dito ao filho que estava em ….
Depois disso, foram averiguar os contatos estabelecidos pelo filho e entre este e o DD e depois disso fizeram o trato sucessivo dos acontecimentos. Seguindo também as localizações celulares que davam conta das idas do arguido às ... e que depois pararam.
Quando tentaram localizar o DD nas imediações de casa foram informados pelas pessoas que estavam nessa casa de que o mesmo não iria a casa há 2 ou 3 dias, tendo essas pessoas autorizado as buscas.
Na mochila do DD encontraram o cartão da vítima, do BPI, e a roupa que o mesmo usava quando foi às ATMs e aparecia nas filmagens de segurança dos bancos.
Na carrinha de trabalho do Arguido AA encontraram lofoscopia com vestígios da presença do Arguido DD do lado “do pendura”.
Não encontraram vestígios que denunciassem a presença do AA na casa da mãe nesse dia, mas não havia na casa sinais de arrombamento.
Quem preservou o local foi a PSP.
Não fizeram a reconstituição dos factos porque não pareceu essencial à investigação.
Não averiguaram o património do AA também porque não consideraram isso relevante.
Da sua experiência de investigação de homicídios, não sendo embora perito médico-legal, considera que quando o corpo foi encontrado ainda não estavam instalados os livores.
Os golpes no pescoço foram na lateral esquerda do mesmo.
Da sua experiência na investigação destes crimes, pensa que para o resultado verificado eram precisas duas pessoas no cometimento dos factos, uma para manietar a vítima e outra para a agredir, até porque não havia sinal de luta e as vítimas têm sempre o instinto de defesa, até porque foram-lhe desferidos muitos golpes.
A busca à casa do AA foi no dia 14 à noite.
Em casa da vítima a televisão estava ligada.
Não sabe se a vítima estava ainda viva quando chegaram os primeiros chamados – PSP ou bombeiros – mas havia sinais de lhe terem sido feitas manobras de reanimação.
Confirma fls. 22 a 33.
Havia no local vestígios hemáticos na porta de casa, do lado de dentro.
O AA apresentou-se sempre descontraído perante a PJ.
Nos dois dias em que esteve com ele nunca notou qualquer efeito de consumo de drogas ou efeitos desse consumo.
A testemunha II, que conhece o Arguido AA do trabalho, veio dizer que o AA trabalhou consigo cerca de 5 anos, de 2015 até ao ano passado, tendo o salário base de 740€ e as comissões dos trabalhos que realizava, o que daria cerca de 1.500€ a 1.700€ por mês.
Não conhecia a mãe do AA, mas das conversas que tinham parecia-lhe que amava a mãe falava muito dela.
Em Novembro de 2019 disse-lhe que a mãe estava doente e que não ia andar cá muito tempo por causa da doença.
Quando trabalhava consigo o arguido parecia-lhe muito organizado, sempre responsável nas contas e bom profissional.
A partir de Julho de 2019 ficou diferente. Preocupava-se menos com o trabalho, tinha conhecido uma pessoa com quem passou a ter uma relação, pelo que a testemunha não estranhou logo.
Porém, em Setembro começou a falhar nas contas, ficou a dever dinheiro à testemunha e pediu-lhe 5.000€ emprestados, que a testemunha não emprestou porque não tinha, mas deu-lhe 750€ de prémio de serviço, mais o ordenado e subsídio de férias.
O Arguido AA disse-lhe que tinha feito um mau negócio no ... com quem casou por procuração e até tinha vendido as duas lojas que tinha, talvez entre Novembro e Dezembro de 2019.
Com a testemunha, no entanto, sempre foi correcto e recebia louvores dos clientes mas até os colegas se queixaram depois do seu desleixo.
A certa altura perdeu muito peso, mas achou que tinha feito alguma operação para isso.
O seu ordenado base era 749€ e mais 30% de comissões nos valores que fazia e o que tirasse a mais era-lhe pago.
Trabalhava diariamente, se fosse preciso sem folgas.
As consequências da pandemia no transporte turístico foram devastadoras, ficando tudo parado, tendo o arguido ficado em casa, como toda a gente, e só recebia os 749€ mensais.
Muito embora não o visse todos os dias, estas características pessoais e profissionais que lhe aponta resultam do que conhecia do seu serviço e das vezes que se encontravam no escritório.
Quando o arguido lhe pediu emprestado dinheiro já lhe devia quase 5.000€.
Nunca percebeu que o Arguido AA consumisse drogas. Foi a namorada dele que lhe disse que inalava cocaína já após os factos.
A testemunha JJ, da PSP que compareceu no local após os factos, veio dizer que estava de serviço e foram chamados a uma ocorrência por contacto do filho da vítima, tendo-se a PSP deslocado ao local e também as equipas de assistência.
No local, como havia indícios de crime, preservaram o local e chamaram a PJ. Estava já no local o INEM e bombeiros, tendo informado a PSP de que tinham tentado reanimação, mas sem sucesso.
O filho da vítima estava na porta do prédio.
Não verificaram no local qualquer sinal de arrombamento.
O corpo estava no solo e já tinha sido manipulado pela equipa de socorro médico.
Só fizeram a primeira verificação do local para perceberem o que estaria em causa – havia compras do dia junto ao local onde estava o corpo e não havia qualquer sinal de arrombamento na casa.
Foi o filho da vítima que lhes disse, quando chegaram, que estava lá o socorro médico, pelo que se dirigiram aos mesmos e inteiraram-se do óbito. Nessa altura em que viu pela primeira vez o corpo da vítima já tinham parado as manobras de reanimação. Foi-lhe logo entregue o documento de verificação do óbito no local.
A testemunha KK, reformada, amiga da falecida, veio dizer que conhecia a vítima há mais de 11 anos, sendo sua amiga, mas nunca tendo ido a casa da mesma, muito embora a vítima tenha ido diversas vezes a sua casa.
A relação da falecida com o filho não era fácil, o filho era muito manipulador e a mãe fazia-lhe as vontades. Era o que percebia das conversas que tinham.
A falecida disse-lhe mais do que uma vez que o filho lhe tirava dinheiro, uma vez 75€ e outra vez 50€ em trocos que estava a guardar para uma viagem.
A falecida disse-lhe que desconfiava que o filho a queria matar e contou-lhe o episódio do vinho que o filho quis que bebesse. Disse-lhe várias vezes “ele um dia mata-me”.
Há uns anos a relação deles era diferente, ele era o menino dela, mas nos últimos anos tudo mudou e ele não se andava a portar bem com a mãe.
Foi a testemunha que lhe disse para investir num Uber e deixar o filho trabalhar nele, mas tempos depois a falecida disse-lhe que, ao invés de ter investido, deu ao filho 20.000€ para que ele o fizesse e ele tinha pegado no dinheiro e tinha ido para o ... gastar tudo.
Nunca viu sequer a mãe e filho juntos. Ou estava com ela ou o via a ele.
Mãe e filho pediam-lhe conselhos espirituais – para o arguido, era tudo como ele queria. No entanto, há cerca de dois anos que o arguido a procurava apenas por telefone.
O arguido tinha impotência sexual e a mãe pagava-lhe os tratamentos e ia com ele.
À parte a mensagem que trocaram e refere nos autos, há uns meses que não estava com a falecida e também não contactaram nessa fase por SMS, aí há cerca de 4 meses, e não estavam pessoalmente juntas há cerca de 6 meses, por causa da pandemia.
Nada sabe sobre cofres.
Não sabe de qualquer relação da falecida com o referido GG, mas sabe que não viviam juntos.
Também não sabe se a falecida tinha uma doença grave.
À declarante, a falecida disse que tinha contas bancárias, que deu 20.000€ ao filho para o Uber e disse que tinha uma conta bancária com o filho, de onde retirou a maioria do dinheiro para uma conta só dela, com receio de que ele lhe levantasse o dinheiro de lá.
A testemunha LL, reformada, irmã da falecida, veio dizer que não tinha com a mesma relação próxima, e nem com o sobrinho, há mais de 20 anos.
A testemunha MM, …, que teve um relacionamento afectivo com o arguido de 9 anos, tendo vivido juntos mas tendo-se separado antes destes factos. Veio dizer que após ter-se separado do Arguido AA continuaram a falar e ser amigos, indo o arguido a sua casa.
No dia dos factos esteve com o Arguido AA. Esteve em casa de uma amiga mas ele ligou-lhe porque “queria fumar um cigarro com ela” e ela aceitou encontrar-se com ele, pelo que se encontraram cerca das 17h30m/18h.
O arguido estava nervoso de estar em casa, pelo que passou na casa da amiga dela e apanhou-a para irem passear até ..., onde chegaram cerca das 18h30m.
A certa altura, quando estavam em ..., o telemovel dele tocou e era e companheiro da mãe a perguntar pela mãe do arguido, tendo este respondido que não sabia e que tinha falado com ela cerca 13h e ela estava bem.
Depois o arguido ligou para alguém, não sabe quem.
Disse ao arguido que visse a mãe.
Ele ficou mais nervoso e ela insistiu que tinha de ver a mãe. E o arguido dizia que o namorado da mãe tentava falar com ela e ela não atendia.
Cerca das 19h o arguido deixou-a em casa e foi a casa da mãe. Passado algum tempo mandou-lhe um SMS a dizer “mamãe está morta”.
A relação do arguido com a mãe era muito boa, passavam festas juntos, almoçavam ao fim de semana, eram próximos.
Quando esteve com ele em ... ele estava calmo, parecia estar calmo, mas quando lhe ligou estava muito nervoso, dizia que estava farto de estar em casa e insistia para que fosse “fumar um cigarro” consigo.
Ficou novamente mais tenso quando recebeu o telefonema do namorado da mãe, não dizia coisa com coisa, “falava das árvores do caminho”.
Sabia que o arguido pedia dinheiro à mãe.
Quando o arguido vivia consigo não consumia drogas, mas depois começou a achar que ele o fazia porque o via mal arranjado, “ia à bomba comprar bebida”, etc.
Separaram-se em Julho de 2019.
Depois ele andou com uma mulher que entretanto foi para o ... e ele terminou a relação por telefone com ela.
O AA fungava e ela perguntava e ele dizia que era da cirurgia que tinha feito há tempo, e tinha até perdido peso. A declarante associou tudo isso à droga.
O AA pedia-lhe dinheiro mas dizia que não tinha.
Às vezes ligava-lhe e dizia que via gente dentro de casa.
Viveu com o AA em ..., na casa deste, que ele entretanto vendeu depois da mãe falecer, mas já estava à venda antes de a mãe falecer.
Nesse dia foi o AA que conduziu sempre o carro, para ... e de regresso.
A viagem correu normal mas a conversa era sobre árvores e coisas assim, o que a testemunha achou estranho.
A testemunha conhecia a mãe do arguido mas não se relacionavam.
A declarante é a actual proprietária da casa da mãe do arguido porque ele lha deu, tendo-lhe dito que ela a merecia por ter estado sempre do seu lado. O arguido já estava preso quando a casa foi posta no seu nome.
O arguido teve duas lojas no Centro Comercial de ... que também vendeu, ao que sabe, antes da morta da mãe.
A testemunha NN, …, que identificou o arguido na sala sem máscara, veio dizer que estava nas ... e ia trabalhar, cerca das 6 da manhã, e o DD entrou-lhe pela carrinha dentro, a pedir ajuda.
O DD é ... e também dobra a língua a falar.
Vinha muito aflito, pensou que vinha a fugir da …, e dizia que tinham apanhado um colega seu a quem estavam a bater.
O declarante deixou-o na carrinha e foi ver o que se passava, mas não encontrou nada.
Como o arguido só dizia que lhe queriam fazer mal e não tinha casa, deixou-o dormir na cava do seu prédio no bairro …, onde ele ficou 3 ou 4 noites.
Depois disso, um dia chegou lá e o arguido não estava mais.
Não esteve presente na busca, tendo sido a sua mãe que lhe disse que estavam a realizar a mesma.
A testemunha SS, ..., veio dizer que conheceu o AA num curso de … no …, há cerca de dez anos, e no início da pandemia houve entre ambos uma aproximação porque o AA passou alguns problemas e pediu dinheiro à testemunha, tendo esta dito que não tinha, mas que podia dar-lhe de comer.
Pensou que essas dificuldades vinham de não terem trabalho, mas depois percebeu que havia um problema com uma mulher.
Ao que recorda, o AA pediu-lhe 200 ou 300 euros emprestados e acha que pediu também a outros colegas.
Conhece o DD mas sem proximidade. Pode ter estado no mesmo local que ele 3 ou 4 vezes se tanto.
O declarante já consumiu estupefacientes. Se calhar consumiu alguma vez com o AA, mas com o DD nunca consumiu.
Talvez tenha calhado comprar alguma vez droga ao DD, não sabe, talvez lhe tenha trazido cocaína uma vez, pontualmente.
Uma vez o DD trouxe-lhe droga e como não tinha dinheiro ele levou o computador; não recorda que droga era, se cocaína ou haxixe que lhe vendeu.
A ideia que tem do AA é que era profissionalmente exemplar, tendo perdido essa ideia quando este lhe pediu dinheiro porque percebeu que o problema ia além do dinheiro. Ao que percebeu, o AA andaria com uma ... que trabalhava à noite.
Consumiu uma única vez droga com o AA.
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Foram ouvidas ainda como testemunhas de Defesa dos arguidos.
A testemunha OO, amigo do Arguido AA, há cerca de 2 anos, veio dizer que conhece o arguido, muito embora o visse menos nos últimos três meses porque, entretanto, também se juntou com uma pessoa, e nunca o viu com comportamento diferente.
Às vezes via-o mais triste. Sabia que consumia cocaína, porque chegou a consumir com ele, mas não consumia nada de outro mundo, dependendo de quem estava, não consumindo todos os dias. Entre todos, consumiam 2 ou 3 gramas. E quando acabava a festa dizia que ia dormir e ia embora.
Não sabe como o AA pagava a droga que consumia, mas como ele trabalhava e, ao que sabe, era bom trabalhador, nunca pensou muito nisso.
Ás vezes eram outros do grupo deles que traziam para todos consumirem, dependia. Não perguntava onde cada um comprava.
Ás vezes, entre consumidores, as conversas são mais delirantes, mas logo se diz “não vamos por aí...” e tudo volta ao normal.
Sempre falaram bem e normalmente um com o outro.
O AA é mais calado, o declarante é mais extravertido. Nunca lhe percebeu grandes diferenças de comportamento além disso.
O AA comentou uma vez que ajudava a mulher que tinha no ..., mas não ao ponto de estar endividado “até aos cabelos”. E de dívidas de droga não sabe nada.
Não conhece o DD e também não sabe quem seja o SS. O único SS…. que conhece é da Uber e nunca consumiu consigo, só o tendo visto uma vez em trabalho.

Foi ouvida a Sra. Perita, Dra. PP, na qualidade de perita, tendo realizado a perícia ao Arguido AA, dizendo que, de acordo com a perícia realizada ao Arguido AA, o mesmo apresenta sintomatologia de consumo de álcool e outras substâncias, prévio à data dos factos, substâncias essas que, de acordo com a classificação internacional, correspondem a drogas ilícitas (F19), pelo que o consumo em causa, do seu ponto de vista, não é exclusivo de cocaína.
Considera que, como no caso, quando não existem quaisquer registos médicos, clínicos ou outros, passados, sobre o consumo de drogas pelo Arguido AA, é sempre mais difícil fazer um diagnóstico de dependência. Pesquisam-se indícios, como neste caso, em que se socorreu dos elementos constantes dos autos para fazer o seu parecer, e se não pediu exames complementares é porque não os considerou adequados ou necessários.
O arguido disse-lhe que tinha ido a serviço hospitalar.
Um indivíduo que consome estupefacientes revela sempre particularidades, porque cada droga tem efeitos diferentes e pode tê-los também diferentes em cada indivíduo.
Havendo comportamentos que podem indiciar uma personalidade dependente, não há, no entanto, um perfil exclusivo.
O consumo de cocaína permite o exercício da condução, mas não é aconselhável. A cocaína é um estimulante, aumenta a energia e bem estar, a socialização, melhora o raciocínio. Também há casos de alucinações, mas nem sempre se prova que as alucinações aconteceram mesmo, não lhe sendo um efeito inerente.
Quase tudo é possível no mundo das hipóteses, mas neste caso nada disso se apurou em perícia quanto ao Arguido AA.
Um consumidor normal de cocaína pode consumir até 3 gramas por dia, dependendo da pessoa em causa, da cocaína em causa e da pureza da mesma.
O efeito da cocaína é rápido e 24 horas depois pode já nem haver sinais dela no organismo porque o metabolismo foi rápido. Ou seja, “uma viagem” como os consumidores dizem, não dura 24 horas em regra.
Não ouviu testemunhas porque o arguido não indicou ninguém.
Se o achasse fundamental tinha-o comunicado ao Tribunal, mas não achou sequer necessário.
O arguido disse-lhe que não tinha recorrido a médicos.
Pensa que o relatório que fez é claro e explicativo.
Não declarou que o arguido tivesse, na altura dos factos, a passar por qualquer anomalia psíquica porque não encontrou disso sinais.
No entanto, mesmo que se admitisse que sim, a questão fundamental era sempre a de saber se havia ligação entre a mesma e o crime, e neste caso não se estabelece qualquer relação entre qualquer anomalia e os factos, até porque o arguido nega os factos.
O arguido contou uma história coerente do ponto de vista psico patológico, não havendo qualquer indício de anomalia e, mais do que isso, não há qualquer relação entre uma eventual fase de descompensação e estes factos.
Não encontrou quaisquer sinais que indicassem que foi uma dependência ou doença a agir em vez do arguido.
Acha que, como o arguido revelou alguma emoção a falar dos factos, revela alguma empatia para com a vítima.

A testemunha TT, …, que comprou ao Arguido AA a sua casa de ..., veio dizer que viu o referido arguido uma vez, através da agência que intermediava a venda, tendo gostado da casa que foi visitar e o arguido estava presente.
Pediu desconto no preço e ainda conseguiu um desconto.
Fizeram logo o contrato promessa.
Depois disso a testemunha, que trabalha em …, teve de voltar ao seu País e deixou o processo a ser tratado cá na agência.
Por causa da pandemia tudo se dificultou.
A escritura era para ser feita em Janeiro mas acabou por ser só em Junho/Julho que tudo se desbloqueou.
A testemunha Sra. Perita, Dra. PP, perita médico-legal, ouvida nessa qualidade em que interveio na autópsia da vítima, veio confirmar o relatório de autópsia junto, as lesões analisadas e as conclusões tiradas.
Refere que, do conjunto de lesões produzidas no corpo da vítima, que são várias, estão assinaladas as três mais graves em termos de profundidade. No entanto, refere que mesmo as lesões superficiais, ou pouco profundas, dependendo da zona em que se encontram, podem ser causa da morte, como acontece com as lesões na zona do pescoço, em que se alojam grandes vasos, em que não é a profundidade que determina a fatalidade da agressão.
As fracturas referidas em 4 e 6 do relatório são compatíveis com marcas de perfuração da faca, sendo expectável que assim seja.
Os 14 golpes/cortes detectados, a que acrescem os 3 mais profundos já referidos, são todos na mesma zona do corpo.
Os livores aparecem cerca de 12 a 24 horas após a morte, independentemente da temperatura a que é preservado o corpo [já que isso, designadamente a temperatura interna pode ajudar a determinar a hora da morte] mas os livores cadavéricos não dependem do mesmo, instalam-se independentemente do mais.
A testemunha QQ, irmão do Arguido DD, que quis prestar declarações após advertido para os termos do artº 134º CPP, veio dizer que o irmão chegou a Portugal em Agosto de 2019 porque lhe disse que viesse porque aqui se vivia bem e se falava a mesma língua. No entanto, a sua vida corria bem no ... até se separar da mulher, tendo isso ajudado a decidir-se vir para Portugal.
Depois do divórcio deixou de se alimentar bem, pelo que foi com ele ao psicólogo que lhe disse que devia ser acompanhado, mas acabou por nunca mais ir e só foi a essa consulta.
O irmão nasceu com um problema na vista, tendo apenas 30% de visão numa vista.
Não conhecia ninguém com quem o irmão se relacionasse.
No ... o irmão nunca teve problemas com drogas, mas “tudo indica que” em Portugal o fizesse.
Nunca o irmão se envolveu em confusões no ....

A testemunha RR, …, conhecido do Arguido DD desde 2018, veio dizer que não tem com o arguido uma relação de amizade e só o conhece de uma pessoa lhe ter alugado um quarto, sempre o tendo achado pacato, nunca o tendo visto tratar mal fosse quem fosse, sempre o conheceu a trabalhar e ficou surpreendido ao saber destes factos.
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Concretizando e entrecruzando a prova,
As chamadas regras da experiência comum, que mais não são do que a experiência de vida acumulada, e que influem nas atitudes e percepções dos indivíduos que agem e interagem em comunidade, tendem a fixar-se em pré juízos que podem, em certos casos, resultar, ora na assunção de certas circunstâncias não presenciadas como verdadeiras, ora na aceitação dessa assunção como verdade indiscutível.
No entanto, e muito embora o julgador não seja imune aos acontecimentos e a tecer sobre eles um juízo de valor – o seu juízo de valor enquanto aplicador do direito e enquanto pessoa investida dessa específica função -, facto é que a apreciação da prova requer um esforço adicional para que, objectivados os elementos de facto, seja feito sobre eles um raciocínio que lhes confira a dinâmica que a lógica e a cronologia possam compatibilizar em face das possíveis soluções de direito admissíveis.
Neste processo que está longe de ser uma adivinhação por isso mesmo, o julgador parte dos dados objectivos de prova e evolui para a sua composição ou relacionamento, de modo a conseguir percepcionar o quadro fáctico, temporal e dinâmico dos acontecimentos.
Depois, aproveitando os ensinamentos que vêm desde Aristóteles, fará um raciocínio que, sendo interpretativo das conclusões a que chega naquele processo, será também um silogismo que permita avançar entre premissas para concluir o que é razoável poder ser concluído.
Já deixámos acima a parte substancial deste processo esclarecida.
Resumidamente, para que se não repitam argumentos, podemos dizer que temos assentes vários factos relevantes:
Os arguidos, ambos, faltaram à verdade nas declarações que prestaram. Aliás, os arguidos prestaram declarações em diversos sentidos durante o processo, chegando mesmo a contestar num sentido e a declararem noutro em julgamento[3].
Os arguidos estiveram na casa da vítima na data e ocasião dos factos, tendo morto a mesma com golpes de faca infligidos sobre o corpo dela, designadamente na zona da cabeça e pescoço.
Deslocaram-se à mesma propositadamente para matarem a vítima, sendo o Arguido AA o seu filho e o Arguido DD o amigo deste a quem aquele pediu ajuda.
Em troca, o Arguido AA dar-lhe-ia algum dinheiro.
Estes factos resultam provados sem qualquer mancha de dúvida.
Vejamos.
O Arguido AA, quer em interrogatório quer em julgamento, nega ter entrado em casa da mãe aquando da morte desta.
No entanto, a versão deste arguido não faz qualquer sentido, quer em face dos restantes elementos de prova, quer em face das regras de experiência comum, para além de ser contraditória em si mesma.
Era o Arguido AA quem tinha a chave da casa da mãe, era o Arguido AA que tinha interesse em ver esta situação resolvida, era o Arguido AA que tinha de se assegurar que tudo corria como planeado.
As declarações do Arguido DD nesta parte fazem todo o sentido – faz sentido que tenham ido ambos, e faz sentido que a violência empregue na morta da vítima (o número de facadas e a falta de reação da vítima) deixe evidenciado que o crime não foi cometido a frio, por contrato (como seria o caso de o Arguido DD o ter cometido sozinho) mas com estímulo emocional que advém precisamente de estar presente um filho que quer matar a mãe.
Aliás, o Arguido AA foi a casa da mãe nesta data para a matar, essa era a única motivação que lá o levava.
Aceitou-a inclusivamente em interrogatório, quando disse que não dissuadiu o Arguido DD quando (na sua versão) lhe referiu que mataria a mãe.
Veio tentar compor em julgamento, com a pretensa existência de ameaças de morte por parte do co-arguido, sem que sentido isto faça sequer no contexto que se apura - o Arguido AA diz que levou o co-arguido a casa da mãe para que este dali trouxesse meios para se pagar do que ele lhe devia e por isso foi coagido a ir lá com o DD, sendo este mesmo co-Arguido DD quem, ainda segundo a versão do Arguido AA, estando sozinho na casa da sua mãe, não trouxe o dinheiro e joias que ali estavam, acessíveis, num cofre aberto… é este arguido que o Arguido AA pretende que o Tribunal conclua que o ameaçava de morte se não lhe desse 250€ que lhe devia e deixou 1.000€ e joias num cofre.
Vejamos em termos de normalidade da vida, ainda que neste contexto macabro de acontecimentos.
O Arguido AA diz que estacionou o carro a cerca de 400 metros da casa da mãe, nesse dia, o que faz sentido, uma vez que o arguido certamente não correria o risco de ser o seu carro localizado no local e associado aos factos.
No entanto, fica claro que, quer pelo episódio do vinho (de que falaram inclusivamente as testemunhas, o que significa que a vítima ficou efetivamente perturbada com esse acontecimento para dele falar com terceiros) quer pelas pesquisas que o Arguido AA andou a fazer na internet nos tempos anteriores, o Arguido AA interiorizou o propósito de pôr fim à vida da mãe, pelo menos, em data muito anterior a 6/4, pois que essa era a data inicialmente prevista para esse efeito [o que decorre ainda do facto de ter enviado nesse dia ao co-arguido um SMS a dizer que a mãe ia sair de …].
Depois de ter decidido isto, o Arguido AA começou a planear os factos: andou atrás do Arguido DD (como este diz) para o efeito, dizendo-lhe que era um golpe fácil de chegar e tirar o dinheiro, convenceu-o a fazer as coisas consigo através da promessa de algum dinheiro e no dia dos factos foi ele que tratou de tudo para que os factos efectivamente se passassem como queria – foi buscar o co-arguido (o que ambos aceitam), terá levado luvas postas (como refere o Arguido DD e faz sentido, muito embora neste caso só tenha relevância ao nível da ponderação da personalidade), foram no seu carro para o local (o seu carro de trabalho, que conduziu sempre, em todos os percursos que fez nesse dia, como também admite), estacionou nas imediações da casa (o próprio aceita isto) e entraram (o que o Arguido DD explica) em casa da vítima. Esta circunstância acaba por ser aceite por ambos, uma vez que o Arguido DD refere que tiveram de esperar pela vítima, o que é compatível com a própria declaração do Arguido AA, em julgamento, contrariando a sua própria contestação, de que esperou no carro pelo DD cerca de hora e meia – e faz sentido, assim, que tenham até chegado ao local antes da vítima, entrando na casa com a chave do Arguido AA.
E as declarações, neste contexto que se apura, do Arguido DD fazem sentido ainda nos pormenores – o Arguido DD diz que foi ajudar o Arguido AA a matar a mãe (no interrogatório, recompondo em julgamento que não sabia quem ia ser a vítima, o que, por outro lado, faz sentido no contexto mais vasto de terem sido desferidas tantas facadas que indicam uma motivação pessoal, com forte componente pessoal, e que só o Arguido AA tinha por virtude de ser filho da vítima, situação que, em rigor, em nada interessava ao Arguido DD, a quem aquela nada era de familiar, e nem sequer a conhecia – não ia ganhar nada de substancial com isso, ia assumir um risco imenso sozinho, não tinha motivação pessoal para isso e nada levou da casa da vítima (sendo certo que esta ali tinha joias e dinheiro, entre outros objetos, como decorre da prova, desde logo em fotografias, trazida aos autos, e o Arguido AA sabia, até porque, como ele mesmo diz, já lá tinha ido antes a casa subtrair-lhe coisas mais do que uma vez).
Por outro lado, ainda, o argumento trazido pelo Arguido AA a julgamento de que o Arguido DD precisava da sua mãe viva para lhe extorquir o código do cofre (e que até admitiu que lho pudesse extorquir com violência) não colhe por vários motivos, dentre os quais se referem dois – se a intenção do Arguido AA era a mãe não morrer e se o que se pretendia, como teriam combinado, na sua versão de julgamento, era obterem o segredo do cofre, não faz qualquer sentido que o Arguido DD tenha morto a vítima, à entrada de casa (onde estava o corpo com as compras ao lado) e sem sequer ter chagado ao referido cofre (que, por ironia, ou não, estava inclusivamente aberto e com dinheiro à vista quando a PJ ali chegou) que, repete-se, estava aberto e com valores dentro que não foram subtraídos.
Mas isto já faz sentido de acordo com as declarações do Arguido DD, em que este diz que o intuito era tirar a vida à vítima, tendo-lhe inclusivamente o co-arguido dito que “ela sacaneava a família toda” e nenhum dos dois sabendo da existência do cofre, até porque não era o roubo o móbil da ida àquela casa.
Aliás, o próprio Arguido AA só veio recompor a versão sobre o cofre já em julgamento, uma vez que no interrogatório diz que não sabia da existência de tal cofre, o que, por seu lado, é compatível, não só com toda a versão do Arguido DD, como com as declarações da testemunha GG, namorado da vítima, com quem esta comprou o cofre por causa do facto de o filho ir lá a casa na sua ausência roubar-lhe coisas quando não estava, sendo que o código do mesmo foi criado por ele, GG, e era do conhecimento apenas dele e da vítima.
Por outro lado, tendo em conta que a vítima tinha já, antes de sair para ir à farmácia, estado em casa e ia fazer compras, como disse ao namorado, faz sentido também que nessa ocasião tenha aberto o cofre, até para dali retirar eventualmente dinheiro para as compras.
Por outro lado, se a preocupação do Arguido AA era ter dinheiro (como ele refere, desde logo para pagar as dívidas que tinha) e se a preocupação do co-arguido (na própria versão do Arguido AA) era a mesma, não faz qualquer sentido, nenhum mesmo, que o cofre tivesse ficado aberto e com dinheiro (bastante dinheiro, inclusivamente) no seu interior, sem que o tivessem dali levado.
Em segundo lugar, se a motivação era ter o dinheiro, tirar dinheiro, como o Arguido AA refere, também não faz sentido toda a violência exercida sobre a vítima e nem sequer a morte da mesma – basta ver a autópsia e as fotos do local para se perceber isto mesmo -, uma vez que o cofre estava aberto, como se viu, podendo os arguidos, que de acordo com a versão do Arguido AA em julgamento até sabia do cofre, ter-se limitado a tirar de lá o dinheiro sem necessidade de matar a mãe [note-se, a vítima não tem sinais, pelo menos evidenciados na autopsia, de ter-se defendido sequer].
Combinando o que não faz sentido com os indícios recolhidos – desde logo, a posição do corpo na casa, com a vítima ainda vestida com o casaco tipo kispo que está fotografado (fls. 25), as compras não arrumadas e junto à porta (fls. 30 e 33) – a única versão que é parcialmente compatível com isto é a do Arguido DD – o único que foi sem motivação que não fosse acompanhar o amigo e depois receber algum dinheiro, nem sequer muito relevante para o desfecho em causa.
Não deixa de ser curiosa a afirmação em julgamento feita pelo Arguido AA de que tinha feito pesquisas na net (as referidas nos autos e não quaisquer outras) por causa de sérias televisivas como o CSI.
De facto, aquilo que parece resultar do processo [ainda que a investigação não tenha ido tão longe] é que o Arguido AA ensaiou e planeou tudo para conseguir o chamado “crime perfeito” (que não existe em rigor) – envolveu o co-arguido (que não era pessoa das suas relações pessoais estáveis, não conhecia a sua família e nem os colegas de serviço sabiam bem quem era), a quem acenou com algum dinheiro, e que se dispôs a ajudá-lo a matar a mãe; sendo que o Arguido AA tinha por único objectivo o de ficar com o que era da mãe [havendo mesmo indícios de que se rodeou ele de algumas cautelas, na versão do co-Arguido DD, levou luvas, desde logo, fazendo com que fosse ainda o Arguido DD a levar para o carro o saco com a almofada e faca usadas, portanto, isolando estes objetos de eventuais vestígios seus, o que não ficou totalmente esclarecido pela investigação no entanto], levando a faca da sua casa e colocando o telemóvel em modo de voo para não ser detectado na sua movimentação.
Por último, para eventualmente incriminar apenas o Arguido DD, entregou-lhe um cartão de multibanco da vítima, cujo código saberia (por isso a vítima terá tirado quase todo o dinheiro dessa conta tempos antes, transferindo-o para uma conta só sua, noutro banco – fls. 117, 121, 122 e 32), dando ao Arguido DD um código errado precisamente para que a aparência fosse o seu não envolvimento, ao mesmo tempo que incriminava o parceiro que seria “apanhado” pelas câmaras de vigilância do banco (como foi – fls. 79 a 83, 113), enquanto ele, Arguido AA, após os factos andava em ... com uma ex ou actual (todo o relacionamento de ambos é também estranho) namorada que, do mesmo passo, lhe conferiria eventual álibi para estar fora desta factualidade (fls. 444 e seguintes)[4].
Tudo isto faz sentido assim. E tudo isto faz parcial sentido e é parcialmente confirmado pelo co-Arguido DD, minimamente ainda pelo próprio AA (que aceita ter ido buscar o amigo, terem ido para o local, ter dado o cartão àquele e mais tarde um código qualquer e, ainda, com o facto de ter colocado o seu telemóvel em modo de voo antes dos factos), sendo que nada na restante prova contraria isto.
No entanto, como se disse antes, muito embora outro tanto permaneça ainda indiciado, a investigação não foi tão longe que permita também aqui ir muito além dos factos que dissemos antes estarem objectivamente demonstrados sem dúvidas.
A prova permite chegar, sem dúvidas, à conclusão de que ambos os arguidos estiveram no local com o intuito de matarem a mãe do Arguido AA, o que planearam com antecedência e concretizaram nessa data.
As declarações do Arguido DD (em julgamento e interrogatório, interpretadas de acordo com as regras de experiência e normalidade da vida, expurgadas aqui e ali daquilo que resulta ser já a estratégia de defesa assumida) são, neste particular, as que fazem mais sentido em face dos elementos de prova já descritos e que mais combinam também com as diligências iniciais de inquérito, referidas pela testemunha da PJ.
Vejamos, então, do que temos a certeza por via da prova produzida.
Os arguidos eram consumidores de estupefacientes – os próprios aceitam e não é preciso ir buscar depoimentos mais ou menos compostos para o demonstrar.
O Arguido AA consumia haxixe e cocaína, muito embora não se prove que era dependente dessas drogas, aliás como ele mesmo refere no seu interrogatório, insistindo nisso duas vezes, não ter qualquer problema de dependência de drogas (sendo irrelevante se o fazia diariamente, ou não, uma vez que não lhe foi detectada qualquer patologia a esse nível e, como bem referiu a perita, a quantidade de droga que se consome só por si nada diz, uma vez que pode ser consumida em conjunto, como aqui também se indicia, “dobrada” pelo vendedor e pureza do mesmo produtos, tudo circunstâncias que fazem variar muito a condição inerente ao consumo e ao estado medicamente testado de dependente, que aqui não fica demonstrado, como se disse), o que a perita também não contradiz.
Muito embora não resulte assente que as dívidas que tinha eram todas por causa do estupefaciente (pelo contrário, deixam alguns depoimentos indiciado que o arguido terá feito algumas más opções também em termos de investimento numa relação algo problemática que terá tido com uma mulher de nacionalidade ..., tendo inclusivamente gasto parte do dinheiro que a mãe lhe deu para um UBER a sustentar a mesma, enviando-o para o ...), podemos assentar em que o Arguido AA tinha dívidas para com terceiros (as testemunhas, desde logo de defesa, referiram-no), sendo as mesmas também de jogo e de droga (como o próprio aceita).
Este arguido era pressionado para pagar essas dívidas (o mesmo aceita-o, e do depoimento das testemunhas que indicou, como o colega II, consegue retirar-se que o arguido lhe pediu dinheiro, por duas vezes, tendo a testemunha só emprestado da primeira vez, o que também resulta dos restantes depoimentos, ainda que maioria deles por “ouvir dizer”), muito embora se não extraia de parte nenhuma que, para além das pressões, estivesse coagido a arranjar esse dinheiro (aliás, como refere a testemunha trazida pelo arguido, mesmo em lay off o arguido mantinha um rendimento de 750€ mensais certo, que nunca deixou de receber, e até recebeu prémio de serviço e subsídio de férias uns meses antes), pois que, senão, tê-lo-ia arranjado[5].
O Arguido AA tinha, de facto, dificuldades financeiras nesse momento (como o próprio admitiu, e por isso pedia dinheiro emprestado, muito embora tenha declarado ter recebido o sinal do contrato promessa de venda da sua casa de ..., o que não terá sido suficiente, mais os 20.000€ que a mãe lhe dera meses antes para o UBER, e que teria gasto, desde logo na referida ida ao ..., e a financiar parte das despesas de uma namorada que lá tinha), sendo assumido pelo mesmo que o móbil destes factos (quer na versão do arguido quer naquela que resulta provada) foi a necessidade de ter dinheiro que a mãe não lhe dava, mas fica também demonstrado que esta foi a via que escolheu para resolver os seus problemas, de entre outras formas que tinha de o fazer.
De facto, o Arguido AA sabia que a mãe tinha dinheiro e valores em casa e tinha dinheiro no banco (já lá tinha antes tirado dinheiro à mesma, como admitiu) e, para além disso, como resulta do depoimento do namorado da mãe (esta comprou o cofre porque o arguido lá ia na sua ausência tirar dinheiro), sabia que a mãe tinha bens e valores – dinheiro e joias em casa, a própria casa e dinheiro no banco[6] (tendo o namorado da mesma referido que a mãe do arguido tinha tirado quase todo o dinheiro que tinha da conta conjunta que tinha com o filho e  tinha colocado numa conta que abriu só em seu nome, para além de joias e a casa em que vivia).
Para além disso, o Arguido AA sabia que era o único herdeiro da mãe, como é obvio, uma vez que não tem irmãos, como o próprio afirma.
Também fica claro que o Arguido AA planeou matar a mãe algum tempo antes dos factos, pelo menos desde data anterior a 06/4.
Tomada essa decisão, em data anterior a 6/4, como se disse, contactou o Arguido DD para o ajudar – isto resulta da intercepção dos elementos de prova e daquilo que, com maior razoabilidade, decorre das declarações dos próprios.
De facto, o próprio Arguido AA diz, em julgamento até, que a deslocação de ambos à casa da mãe era para ser em 6/4, mas a mãe foi para casa do namorado, fora de …, o que motivou ainda o SMS já referido enviado ao Arguido DD, dando nota de que a mãe não ia estar em casa nesse dia (fls. 99 e 145).
E o Arguido DD também refere estes contactos prévios, quer em interrogatório quer em julgamento, enfatizando até a insistência do co-arguido para que o ajudasse que era constante (em julgamento compôs a versão, dizendo que a ajuda era para ir a uma casa, entrar e sair com o dinheiro, tendo sido surpreendido no local com a morte provocada pelo co-arguido, mas em interrogatório deixa claro que a combinação foi sempre a de tirarem a vida à mãe do AA, dizendo mesmo que isto andava a ser planeado havia dias, desde antes da ida da mãe do co-arguido para ... em 6/4).
Juntando estas informações aos restantes elementos de prova, resulta esclarecido perfeitamente que o Arguido AA [desde as pesquisas na net que vez sobre como matar uma pessoa e que estão documentadas] planeou estes factos com o co-arguido, sendo precisamente essa a razão do já referido SMS [“ela vai vazar hoje”] que enviou ao co-arguido para o avisar de que nesse dia 6/4 já não poderia acontecer porque a mãe não ia estar em casa onde tudo devia acontecer.
E também resulta assente, ao contrário do que pretendem ambos os arguidos com as declarações que prestaram em julgamento, que o Arguido DD aceitou este plano.
O próprio refere-o em interrogatório, sendo toda esta combinação com o fito de matarem a vítima e nunca de a roubarem apenas – quer a natureza do vínculo familiar entre o Arguido AA e a vítima [que o Arguido DD conhecia desde o início, como referiu em interrogatório, afirmando que o plano era irem a casa da mãe do co-arguido para a matarem porque ela “sacaniava a família”, muito embora tivesse negado em julgamento, talvez na expectativa de que a agravante lhe não fosse comunicável], quer a promessa de dinheiro em troca da ajuda que lhe desse [6.000€ que lhe daria após a morte da mãe, como também admitiu o Arguido DD em interrogatório e se aceita por ser razoável que o fosse receber e que não investasse simplesmente uma quantia qualquer], quer a absoluta necessidade de a mãe ter de estar em casa quando lá fossem [que nenhum dos arguidos negou, e nem podiam fazê-lo, muito embora transiverjando nas razões, um e outro, até porque podiam ter ido à casa da mesma quando ela esteve fora, tirar de lá o que quisessem, evitando assim o confronto e, sobretudo, a sua morte], todos estes elementos estão apurados em julgamento e permitem apenas, quando conjugados entre si, aquela conclusão.
Note-se que este elemento de ser essencial a presença da mãe em casa para que o plano desse certo – e que o Arguido AA vem agora dizer que era para que o Arguido DD lhe extorquir a combinação do cofre [quando ele, AA, desconhecia a existência de cofre em casa da mãe, como afirmou em interrogatório, o que faz sentido, uma vez que o cofre tinha o dinheiro dentro quando a PJ ali compareceu] – tem razão de ser quando o motivo que lá leva os arguidos é matar a mãe do Arguido AA, e já não faz sentido se o motivo era tão-só o de dali trazer dinheiro [já que o dinheiro lá continuou, no cofre, que, aliás, estava aberto].
Por outro lado, como se disse, das declarações da testemunha GG, namorado da vítima, extrai-se o mesmo, uma vez que este referiu que a compra do cofre foi recente [nas palavras desta testemunha, o cofre terá sido comprado dois ou três meses antes de a vítima morrer] e foi comprado precisamente porque a vítima achava que o filho, Arguido AA, ia à sua casa na sua ausência tirar-lhe dinheiro e receava que lhe tirasse mais coisas quando não estava.
Por outro lado, ainda, se o móbil interiorizado pelos arguidos fosse o de tirar dinheiro, como diz o Arguido AA, teria sido mais simples, precisamente, aproveitar a estadia da mãe em ... e a ausência dela, para ir lá buscar dinheiro a casa, como já tinha feito antes.
Mesmo se se aceitasse, e não se aceita, a versão do arguido AA de que sabia previamente da existência do cofre, ainda assim se pode dizer que, no limite, seria possível arrombar o cofre, explodir o cofre ou mesmo levar parte do armário em que estava instalado o cofre (se é que estava preso ao armário – fls. 31, 332), sem qualquer necessidade da presença da mãe.
E é notável a impassividade com que este Arguido AA responde em interrogatório, mesmo perante a estupefacção do Procurador [evidente mesmo na gravação] perante as respostas que dá, no sentido de não lhe ter sequer ocorrido fazer as coisas de forma diferente.
Este plano, como resulta do exposto, estava elaborada há vários dias, pelo menos desde antes de dia 6/4, pois que nesse dia teve já de ser dado sem efeito porque a vítima se ausentou para ....
E foi um plano do Arguido AA a que aderiu, sem hesitações, desde o primeiro instante, o Arguido DD, como também decorre das declarações deste em interrogatório, e acabam ambos por assumir mesmo em julgamento, ainda que divergindo nas finalidades dele.
Só que a combinação era para dia 6/4, como aceitou o Arguido DD no seu interrogatório e como aceitaram ambos em julgamento [aqui, uma vez mais, embora apontando para isso diversas finalidades – o Arguido AA disse que combinaram um assalto e que, por causa da ida da mãe para ..., o adiaram, e o Arguido DD dizendo que o co-arguido o pressionava e falava do assunto a toda a hora e era ele que o evitava cada vez que falavam entre ambos].
Os contactos entre arguidos nesse intervalo de tempo foram frequentes como os próprios aceitaram (estão registados nos autos, atentos os diversos contactos que o Arguido AA tinha do co-arguido, como aliás também assumiu), muito ebora o Arguido AA os reporte a conversas e insistências do co-arguido para que lhe pagasse o que devia e o Arguido DD diga que, pelo contrário, eram sempre insistências do co-arguido a falar sobre a projectada morte da mãe.
Por outro lado, aceitando-o ambos os arguidos em interrogatório e audiência, apura-se que no dia da morte da vítima se deslocaram ambos para casa da mesma.
Aqui, porém, enquanto ao Arguido DD coloca ambos dentro de casa da vítima, o Arguido AA manteve uma versão próxima da que levou a interrogatório, no sentido de não ter ele entrado nesse dia na casa da mãe, ficando à espera do co-arguido no carro que estacionou a cerca de 400 metros do prédio.
Vejamos porque razão, no entanto, esta versão do Arguido AA também neste aspecto não procede.
Era o Arguido AA que tinha a chave da casa da mãe e cuja porta não foi arrombada – fls. 23, 320 e seguintes.
Como o próprio Arguido AA diz, o Arguido DD nem conhecia sequer a sua mãe, a morada ou casa da mesma.
Pelo que nem sequer faz sentido que fosse o Arguido DD sozinho à casa da vítima[7], já que este arguido, muito embora soubesse o que iam fazer, não conhecia também a casa, e as regras de normalidade da vida dizem-nos que dificilmente aceitaria (um homem médio nessas circunstâncias) ir a um prédio que desconhecia, a um andar que desconhecia, a um apartamento que desconhecia para matar uma pessoa desconhecida também.
Em rigor, a versão do Arguido AA não faz qualquer sentido no todo, inclusivamente, da sua própria defesa.
Atentemos.
Pretende o Arguido AA que o Tribunal se convença de que o Arguido DD aceitava um “serviço” desta natureza, correndo o risco de “errar o alvo” da sua actuação por um pagamento de 400€ (que é a quantia que o Arguido AA refere em julgamento que iria dar áquele, estando nós a considerar as declarações que prestou perante este Tribunal), quando só a dívida que tinha para com ele (assumida pelo próprio Arguido AA) era de 250€.
Ainda que este aspecto não altere, em termos de co-autoria, a posição do Arguido AA perante os factos, é a falta de senso da sua versão deste arguido que, conjugada com as declarações do co-arguido (que, neste aspecto, se mostram mais coerentes), confirma a convicção do Tribunal relativamente à conjugação da restante prova.
E em face dos factos instrumentais apurados, em face dos indícios que se conjugam e que devem ainda ponderar-se em conformidade com a prova produzida em julgamento dentro de padrões de razoabilidade, o que resulta apurado é aquilo que efectivamente faz sentido – ambos foram a casa da vítima (tendo o Arguido AA a chave e sabendo onde ficava e quem lá estaria), tal como havia sido antes combinado entre ambos.
E depois de tudo quanto já se disse, também se percebe que a única explicação aceitável é precisamente aquela que o Arguido AA se esquivou a admitir e que o Arguido DD admitiu no interrogatório, ou seja, os arguidos combinaram matar a mãe do Arguido AA, tendo-o concretizado, ambos, no dia da morte da mesma porque o Arguido AA queria apoderar-se dos bens que a mesma tinha (como, aliás, fez[8]) e sabia que ela não lhos daria.
Se a isto juntarmos os pormenores da sordidez do número de golpes produzidos no corpo da vítima (de cujo conjunto se destacam três pela profundidade que têm produzidos em zona vital), e se pensarmos que tais golpes, ou parte deles, são compatíveis com um sentimento interiorizado, que denuncia uma relação pessoal com a vítima (a mãe que, como referiu ao co-arguido, sacaniava toda a família) e que era a pessoa que tinha os bens, de que era herdeiro único o Arguido AA, pessoa essa que era um impeçilho na sua vida (como a mãe comentou com o namorado que o filho lhe tinha dio por alturas do Natal anterior), reforça-se a convicção exposta.
Também fica clarificado que os arguidos, tendo aguardado que a vítima chegasse a casa [como declara o Arguido DD; facto que decorre também das declarações do Arguido AA que, muito embora dizendo ter ficado no carro, veio também dizer que esperou mais de uma hora pelo retorno do co-arguido], assim que a mesma chegou [note-se: a vítima até o casaco tipo kispo tinha ainda vestido, estando o saco das compras pousado, intacto, perto da mesma], atiraram-na ao chão [onde estava jazente o corpo e os vestígios hemáticos], e desferiram na zona do pescoço e cabeça diversas facadas [14 podem ser identificados medicamente], colocando-lhe uma almofada sobre a zona da cara (para que não se ouvissem as suas queixas).
Estes factos resultam provados, para além da documentação médico-pericial junta (relatório de autópsia) e declarações da perita em julgamento quanto às lesões produzidas, ainda da conjugação dos restantes elementos de prova – a posição do corpo na geografia da casa está fotografada [a assistência médica terá realizado manobras de reanimação no local sem mover o corpo do local original, como resulta das fotografias juntas], bem como o saco das compras e roupa trajada pela vítima [que as fotografias juntas deixam esclarecidos], resultando também evidenciado que os golpes produzidos [atenta a posição da vítima e o facto de não haver vestígios hemáticos compatíveis com movimentos do corpo no local] foram realizados quando a vítima estava já caída, não havendo sinais de luta ou resistência, quer pela surpresa que terá sido o ataque para a mesma, quer porque eram dois os agentes que a manietavam e agrediam.
 Aliás, muito embora se surpreenda a Defesa com o facto de o inspector da PJ vir dizer que, de acordo com a sua experiência na investigação de crimes desta natureza, foram precisas duas pessoas para conseguirem o referido desfecho com os vestígios deixados [posição do corpo e golpes aparentes que verificou pessoalmente], sabemos que a experiência é uma das regras de interpretação, desde logo dos indícios, atenta a possibilidade de habilitarem o sujeito a, atendendo às singularidades do caso que se lhe apresenta ante os olhos, poder reconduzi-lo a um padrão ou a destacá-lo dele.
E foi isto, precisamente, que a testemunha veio dizer – de acordo com o que já viram os seus olhos de investigador em casos de homicídio, não lhe parece possível que esses sinais deixados sejam compatíveis com a acção de uma única pessoa – porque era preciso surpreender a vítima, manietá-la para que não exercesse o que é de instinto e que é a luta pela preservação da vida, conseguindo atirá-la ao chão e, ainda aí, mantê-la manietada para a esfaquear nos locais onde efectivamente eram evidentes os golpes.
Nada disto é estranho. Pelo contrário, é mesmo esta interpretação de sinais que se espera de quem tem a tarefa de os investigar. Como aconteceu.
De acordo com as regras de normalidade é essa a sequência de acontecimentos que faz sentido e que não sai contrariada pela prova. Ou seja, a prova aponta para que se mostre consolidada a interpretação que a referida testemunha fez dos indícios.
O Arguido DD, que no interrogatório disse ter sido ele quem, após o Arguido AA atirar a mãe ao chão, desferiu 3 golpes com a faca, veio agora dizer que as facadas foram todas produzidas pelo Arguido AA, que este lhe pediu ajuda e que ele, escondido numa porta de um quarto, se negou a fazê-lo.
Em face dos indícios conjugados com a prova produzida, no entanto, não se consegue concluir que foi um ou outro quem desferiu as facadas na vítima, todas ou parte delas.
As versões dos arguidos são antagónicas e, muito embora se admita que as declarações do Arguido DD fazem mais sentido no todo, não fica demonstrado, sem dúvidas, quem manipulou a faca contra o corpo da vítima. O que fica absolutamente certo é que ambos os arguidos estiveram no cometimento dos factos.
E também não ficam dúvidas de que se dividiram nos esforços para agarrar a vítima, manietar a mesma e atirá-la ao chão, e para a esfaquearem, usando ainda uma almofada (como o Arguido DD refere) até para abafarem o som que a vítima fizesse enquanto estava a ser agredida.
Também resulta provado, quer das declarações do Arguido DD que fazem sentido na lógica dos acontecimentos, quer das apreensões feitas, que após o ataque à vítima, o Arguido AA deitou mão ao cartão de multibanco que esta tinha na carteira da conta do BPI (de que ele era co-titular) e que entregou depois ao Arguido DD, tendo-o este usado, sem sucesso embora.
Estes factos objetivos estão provados – o Arguido AA era quem sabia da existência deste cartão e conta [era co-titular dela], foi direito à carteira da mãe buscá-lo [como refere o Arguido DD] e entregou-o depois ao Arguido DD [quem mais poderia fazê-lo?]; e o Arguido DD, crente de que levantaria dinheiro com o mesmo, foi tentar fazê-lo a duas caixas de multibanco [fls. 79 a 83, 113, 117, 121 e 122].
E o código do cartão, como também refere o Arguido DD, foi-lhe dado pelo Arguido AA – o que resulta da normalidade da vida, pois que apenas o Arguido AA saberia dar esse código e o Arguido DD apenas aceitaria levar o referido cartão consigo se estivesse convencido de que aquele lhe daria o código do mesmo – o Arguido DD afirma-o e o Arguido AA aceita também que deu o referido código [que diz ter inventado] ao co-arguido quando percebeu que o DD tirara o cartão à mãe.
Muito embora, uma vez mais aqui, as declarações dos arguidos sejam divergentes, e muito embora a posição agora expressa pelo Arguido AA quanto ao desconhecimento de que o co-arguido estivesse na posse desse cartão e diga que lhe deu um código qualquer porque não sabia esse código, tal versão não colhe, uma vez que esse arguido era o único dos dois que conhecia a conta (do BPI) e o respectivo cartão, e sabia exatamente onde encontrar o mesmo[9], conhecendo o código dele, tanto assim que a sua mãe tirou o dinheiro dessa conta porque temia que o filho o fizesse [como testemunhou o namorado da vítima e a sua amiga, KK, a quem ela confidenciara esse facto].
Para além disso, tendo em conta que o Arguido AA desconheceria, como parece indicar o depoimento do namorado da mãe [testemunha GG], que esta tinha tirado o dinheiro dessa conta (que era do BPI) e o tinha transferido para uma conta só sua que abriu no Millennium, também isso explica que o Arguido AA só tenha deitado mão a esse cartão naquela altura, deixando para trás o da nova conta da mãe e que estaria guardado noutra parte da carteira [o que continua a fazer sentido com as declarações do Arguido DD quando diz que o Arguido AA tirou da mala da mãe a carteira e levou-a], e que ali ficou, estando também junto aos autos a fls. 32.
Isto é o que resulta apurado sobre o lapso de tempo em causa.
*
Como conseguimos perceber, e como acontece na generalidade dos crimes desta natureza, à exceção dos arguidos, ninguém mais assistiu aos factos.
A vítima faleceu em virtude destes factos, como resulta da documentação médico-legal junta, e os arguidos, intencionalmente ou não, não sabemos e também não releva, têm versões diferentes dos acontecimentos. Diferenças essas que são entre eles e entre as declarações que prestaram em interrogatório e em julgamento.
É certo que, como refere o Ministério Público nas suas alegações, por princípio, as declarações prestadas em interrogatório estão menos trabalhadas pelos declarantes, estão mais próximas dos factos e as estratégias de defesa estão menos elaboradas, o que pode, a ser aceite que assim é, indiciar que tendencialmente estão mais perto da verdade.
Só que esta verdade é tão verdadeira quanto outras possíveis. É, por isso, essencial que não responda em nome próprio como verdade absoluta, até porque em muitas destas circunstâncias, ensina a experiência, quem elabora planos com antecedência consegue, algumas vezes, preparar também versões mesmo antes de serem prestadas declarações em processo de investigação.
Neste processo, mesmo nesta divergência [até porque as declarações prestadas por ambos os arguidos em interrogatório foram reproduzidas em audiência após os mesmos terem prestado declarações, tendo tido ainda a oportunidade de explicarem as contradições, como consta da gravação da audiência], verifica-se que as declarações prestadas pelo Arguido DD em interrogatório são as que fazem mais sentido no todo da prova trazida aos autos, olhada à luz da normalidade das circunstâncias da vida.
Como se percebe, também, sempre que a prova apontou nesse sentido, foram por nós consideradas tais declarações nessa perspectiva [como resulta do supra exposto].
A circunstância de se entender que, ponderada com o rigor necessário a prova, não se apurou em concreto quem desferiu todas ou parte das facadas na vítima é absolutamente irrelevante neste contexto.
E muito embora, como se disse, o número de facadas produzidas sobre aquela seja indicador de que esta é uma morte com forte motivação pessoal [que o Arguido AA tinha, como se viu], esta indicação não permite concluir, só por si, que foi este Arguido AA que, do início ao fim, golpeou 14 vezes a mãe.
Aliás, o Arguido DD admite em interrogatório ter dado três facadas na vítima, o que também pode indicar que este arguido [ao admitir esse facto que lhe é amplamente desfavorável em interrogatório] estaria a dizer a verdade a respeito disso. E que podia também significar, seguindo a lógica, que as restantes facadas teriam sido dadas pelo Arguido AA, assim se justificando também o seu exercício de ódio sobre a vítima [que, insistimos, faz mais sentido do que ter tal número elevadíssimo de golpes sido produzido por uma pessoa a quem a vítima era absolutamente indiferente].
No entanto, como já se disse, neste contexto de co-autoria que fica amplamente demonstrado, como se viu, esta circunstância é indiferente e, não sendo irrelevante desde logo na ponderação da personalidade dos arguidos, não se revela como fundamental.
O contexto que se apura é o de uma pessoa que tem dívidas [sejam de jogo e droga ou de investimentos profissionais ou pessoais mal sucedidos], e que é o Arguido AA [que até podia estar a vender bens póprios, o que é também irrelevante aqui], e sabia que não teria a liquidez que queria ter [note-se, como o Arguido AA aceita, mesmo da sua casa em ... que terá vendido a uma das testemunhas ouvidas, ainda tinha parte do crédito para pagar, no valor de 55.000€], eventualmente até por influência de alguma mulher que teria na altura [e que o mesmo arguido deixa transparecer das suas declarações e que a testemunha GG, namorado da mãe, referiu quando disse que, tempos antes, o arguido recebeu uma considerável soma de dinheiro da sua mãe para investir num UBER e foi para o ... gastá-lo com alguém], sabendo que a mãe tem bens [dinheiro, ouro, casa, pelo menos, ao que se apurou] e que não o financia mais, decidiu, por isso, pôr termo à vida da mesma por ser o seu único herdeiro e beneficiário [aliás, como declarou no registo predial quando simulou o contrato de venda da casa da mãe à testemunha MM e está inscrito no documento já citado].
Para isso, angariou um companheiro de tarefa, o Arguido DD, que aceitou sem hesitação a parceria.
Onde foi que o recrutou? No meio das toxicodependências, não por acaso talvez.
O Arguido AA elaborou um plano para concretizar esta sua decisão - facto que resulta da conjugação das declarações do Arguido DD com os restantes meios de prova já indicados [aliás, mesmo na versão do Arguido AA, em qualquer delas a que se olhe, ainda que aceitando numas que a morte da mãe se daria e noutras que não, esta combinação existiu e foi pensada com antecedência].
Mas também resulta da prova produzida que foi o Arguido AA quem sempre dirigiu este projecto – o SMS enviado pelo Arguido AA ao Arguido DD deixa isso clarificado, e que era o grande interessado nessa morte [afinal, o co-Arguido DD, nas palavras do Arguido AA, nem sequer ia receber grande coisa em troca, talvez uns trocos além do dinheiro que lhe devia], quem sabia e conhecia as rotinas da vítima, quem falava com ela e podia prever os acontecimentos, quem tinha a chave da casa da vítima e quem sabia onde esta ficava, como era e como mexer-se lá dentro, e foi quem levou o carro com que trabalhava nesta deslocação (fls. 351 a 357 e 321) e ainda quem passou o risco de ser identificado pelas câmaras de vigilância das caixas de multibanco ao co-arguido, precisamente prevendo que assim fosse.
E também percebemos que o Arguido AA - como disse em interrogatório e depois veio corrigir em julgamento precisamente por ter percebido que esse era um óbice à sua defesa -, desconhecia a existência do cofre no armário da mãe [disfarçado nas roupas e que a testemunha GG diz ter sido recentemente adquirido e ser o código apenas do seu conhecimento e da vítima], tanto assim que o deixou intacto, com dinheiro e joias no interior e aberto [se esta intrusão, por ambos ou só pelo Arguido DD, como pretende o Arguido AA convencer o Tribunal, fosse apenas para “roubar”, desde logo extorquindo-se o código desse cofre à vítima, que sentido faz (e tem de fazer) deixar o dinheiro e joias no mesmo, que estava aberto, como o encontrou a PJ?], sendo expectável que, sabendo ou tendo encontrado tal cofre, tivessem levado o seu conteúdo, se a intenção era roubar.
E também sabemos que o Arguido AA andou, antes da morte da mãe, a fazer pesquisas na internet que, fundamentalmente, envolvem formas de tirar a vida a uma pessoa.
Mesmo as declarações do Arguido AA denunciam isto.
Atabalhoadas, sem lógica intrínseca e extrínseca, contraditórias – se o pretendido era exclusivamente tirar o que houvesse de valor à mãe, se era um devoto filho que tanto de bem lhe queria como diz, mesmo na sua versão [que não procede], quando viu o co-arguido chegar ao carro com sangue, nada fez, nada providenciou para que se fizesse, pelo contrário, foi apanhar ar e passear para ... com a ex ou contemporânea namorada [o que também é irrelevante, pelo menos para efeitos deste concreto processo], e mesmo quando o namorado da mãe insistiu consigo por causa de nada saber daquela, ao invés de se preocupar e de ir imediatamente ver o que se passava, continuou calmamente o seu passeio por ... [até muito tarde, como resulta do rastreio do seu telemóvel pelas antenas respectivas, como consta do processo], de onde, de acordo com a posição das antenas, permaneceu até depois das 21 horas (veja-se o trato sucessivo, designadamente a fls. 444 e seguintes).
O plano do Arguido AA sempre foi matar a mãe. E a este plano aderiu, sem hesitações, o Arguido DD, como resulta apurado.
Isto fica tão evidenciado que dizemos mesmo ser esta a única explicação possível para o que resulta da conjugação de todos estes elementos de prova que estão no processo.
Para além disto, no entanto, a prova deixa ainda perceber, em vários destes segmentos, embora sem que tal se tenha provado [pois que só se provou o que acima se deixou fixado], que o Arguido AA levou tudo isto por diante e ainda tentou que apenas o co-arguido fosse disto responsabilizado, com diversas ratoeiras que lhe foi deixando pelo caminho, intenção esta assumida em julgamento com as declarações que prestou.
Como se vê, a prova é inequívoca. E isto, quer quanto aos factos produzidos pelos arguidos e quanto à sua inequívoca e persistente intenção de matar, quer quanto à inexistência de qualquer causa justificativa da ilicitude ou excludente da culpa por parte de qualquer deles.
Isto também significa que, provados os factos quanto à imputação do crime de homicídio, e no específico contexto em que se provam, fica excluída a prova da intenção quanto ao crime de roubo (já que nunca foi essa a intenção dos arguidos) e quanto à base fundamental da tentativa de burla informática.
De facto, se quanto ao primeiro destes aspectos vale toda a fundamentação antecedente (de onde resulta que a intenção nunca foi a de roubo), quanto ao segundo aspecto importa acrescentar uma nota.
O Arguido AA, enquanto titular da conta do BPI com a mãe, conta essa cujo cartão entregou ao Arguido DD, não apenas era titular do direito a aceder à conta e, como tal, a utilizar os dados informáticos e bancários a ela respeitantes (razão até que levou a mãe a desmobilizar dessa conta o dinheiro que tinha, abrindo apenas em nome dela uma outra), como, em segundo lugar, foi ele mesmo que entregou ao co-arguido tal cartão, o que significa que o autorizou a usar os mesmos dados para aceder à mesma conta, como se dele próprio, co-titular, se tratasse.
Nestes termos, a matéria de facto provada impede, por ela mesma, a prova dos elementos de facto essenciais à integração destes outros dois crimes, com as consequências que adiante se retirarão.
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O crime de homicídio qualificado vem imputado aos arguidos a título de co-autoria.
O artº 26º CP caracteriza a autoria como forma de execução do crime. Estamos, in casu, perante uma imputação de co-autoria dos arguidos.
 É consensual o entendimento de que, quando o artº 26º CP se refere à autoria como o poder de decidir pela execução do facto ou de executar o próprio facto.
Determina o CP que:
Artigo 26º - Autoria
É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução.
A actuação dos arguidos deve, pois, inscrever-se neste contexto geral em que, relativamente às circunstâncias da intervenção de cada um, tem cada um efectivamente o domínio do facto, podendo determinar o seu desfecho e o sucesso maior ou menor da sua actuação, o que impõe que se considere aqui que os arguidos actuaram em co-autoria, uma vez que os factos deixam esclarecido que o plano foi conjunto, assumindo ambos os riscos integrais do mesmo, ambos agiram e decidiram em comum como e qualquer deles estava, em qualquer dos momentos, em condições de alterar o desfecho dos acontecimentos.
É autor do crime quem dá causa à sua realização, em termos de causalidade adequada.
Como se diz no Acórdão do STJ de 18.06.2009 que tão bem deixa esclarecido:
 (…) A teoria do domínio do facto, que provinda do finalismo, defende que nos crimes dolosos autor é quem domina finalmente a execução do facto, o controlo final do facto é o critério decisivo da acção.
Esta teoria actualizou-se em teoria objectiva-subjectiva em que o controlo final não requer apenas a finalidade mas ainda uma posição objectiva que determine o efectivo domínio do facto, combinando o ponto de partida do conceito restritivo de autor com uma certa flexibilidade na integração da autoria que engloba não só o autor material mas também a autoria mediata e o caso de co-autoria.
Para JESCHECK, é autor quem executa por si próprio todos os elementos do tipo; quem executa o facto utilizando outra pessoa como instrumento (autoria mediata), é ainda autor quem realiza uma parte necessária de execução do plano global (domínio funcional do facto), ainda que não seja um acto típico em sentido estrito, mas participando em todo o caso da comum resolução criminosa.
O critério distintivo do domínio do facto não estaria apenas no poder de interromper a realização do tipo legal, mas, na pertinência exclusiva ou compartilhada do facto em que este não resulta de quem depende a possibilidade da sua execução, mas de quem a realiza por si só ou através de outro ou a compartilha com outros. (13)

A teoria do domínio do facto ficou conhecida sobretudo a partir de ROXIN que já em 1970 publicara um artigo de reflexões sobre a problemática da imputação em direito penal, em homenagem a HÖNIG, em que esboçou para os crimes de resultado uma teoria geral de imputação completamente desligada do dogma causal, deslocando o centro de gravidade da acção, da esfera ontológica para a normativa, com fundamentos em critérios de: diminuição de risco, criação ou não criação de um risco juridicamente relevante; aumento ou falta de aumento de risco permitido, a esfera de protecção da norma, como critério de imputação.(14)
Mas, foi no seu trabalho Tätershaft und Tätherrshaft que na distinção entre autoria e participação desenvolveu o tema da figura central de autor, nomeadamente nos apelidados crimes de domínio (Herrschaftsdelikte), em que relativamente e apenas aos crimes comissivos dolosos só quem possuísse o domínio do facto (Tätherrschfat) seria autor.

Esse domínio do facto, para ROXIN, podia manifestar-se em três vertentes: o domínio da acção, em que o agente por suas mãos executa o facto, caso do autor imediato; o domínio da vontade próprio da autoria mediata, em que o homem de trás (o que formula o propósito criminoso e decide a sua efectivação) domina a vontade do homem da frente (o instrumento, ou executor que executa o facto), por coacção, indução em erro ou no âmbito de um aparelho organizado de poder, e, o domínio funcional do facto, característico da co-autoria face ao significado funcional da contribuição de cada co-autor, na divisão de trabalho ou repartição de tarefas na concretização da decisão conjunta.
Na teoria do domínio do facto, autor é, em síntese, quem domina o facto e dele é “senhor”, dele dependendo o se e o como da realização típica, - distinguindo-se aliás e, por vezes, um domínio positivo do facto (a capacidade de o fazer prosseguir até à consumação) e um domínio negativo (a capacidade de o fazer gorar) – sendo pois o autor a figura central do acontecimento, em que numa unidade objectiva-subjectiva, o facto aparece “como obra de uma vontade que dirige o acontecimento dotada de um determinado peso e significado objectivo.” (15)
Outras teorias existem, nomeadamente a nível da expansão da moderna teoria da imputação objectiva (v.g. a teoria da totalidade – Ganzheitstheorie – criada por SCMIDÄUSER; a da pertinência do facto, defendida por MIR PUIG; a teoria dos tipos de imputação, explicitada por BLOY; a autoria como emanação da norma penal, a que se resume a postura de STERN), mas o critério do domínio do facto é que melhor se revela para a compreensão da autoria, no iter criminis, fundando-se mais na ideia de domínio que não da primitiva ideia de execução, precisamente porque autor é o que domina o tipo penal, dominando a sua execução, que pode efectuar por si mesmo (autor directo ou imediato), conjuntamente e de acordo com outros (co-autoria), ou, através de outro (autoria mediata) (16)
Embora o conceito do domínio do facto esteja longe de ser unívoco, deve entender-se como um conceito aberto, na expressão de ROXIN, referido por FIGUEIREDO DIAS, isto é “cujo conteúdo é susceptível de adaptar-se às variadíssimas situações concretas da vida e que só na aplicação alcança a sua medida máxima de concretização” assumindo o carácter de uma valoração em função do significado social que o contributo do agente para o facto representa. Por isso, o conceito básico do domínio do facto pode e deve ser afeiçoado e precisado segundo as circunstâncias do caso, e nomeadamente à luz das diversas espécies (também legais) de autoria e mesmo dos resultados que devem ser alcançados em tema de doutrina da participação. (17) A doutrina do domínio do facto, na dimensão apontada é a que melhor se harmoniza com os parâmetros da autoria nos crimes dolosos de acção.
Por outro lado, como refere o mesmo Distinto Professor, quer a concepção unitária de autoria, quer a concepção extensiva de autor, não estão de harmonia com a lei vigente, sendo certo que um conceito restritivo de autor “não pode apresentar-se como um conceito fixo, e muito menos apto imediatamente à subsunção, tendo de aceitar-se como aberto e multifacetado conforme a espécie de autoria a que se aplique e a estrutura ilícita típica que está em causa.”
A autoria participa da natureza do ilícito pessoal, sendo um elemento (essencial) à realização do facto ilícito típico.
Há sempre uma valoração normativa do domínio do facto, face aos elementos objectivos e subjectivos do ilícito, ao desempenho pessoal do agente no acontecimento e, ao significado social que o contributo do agente para o facto representa (18). (…)
Atentos os factos, atenta a própria posição assumida pelos arguidos, não estaria em causa qualquer outro tipo de actuação, senão a co-autoria imediata.
Entendemos por domínio do facto a decisão de tomar os destinos dos acontecimentos nas mãos, vontade essa esclarecida e livre, tal como fica demonstrado ter acontecido com cada um destes arguidos.
Como se escreveu já no Ac STJ no proc. 2146/04 pela mão dos Senhores Conselheiros Armindo Monteiro e Pires Salpico:
O dolo, ao nível criminal, no seu aspecto volitivo, é a intenção, a vontade, a resolução determinada de cometer o crime; o seu elemento intelectual é a inteligência do mal do crime, o conhecimento do carácter ilícito do acto - art. 14.º do CP.
A intenção criminosa, como estádio subjectivo, do domínio do foro íntimo das pessoas, não apreensível sensorialmente, alcança-se a partir de factos materiais expressamente alegados ou deles, não o estando, se inferindo, logicamente, como seu natural, necessário, prolongamento.
A intenção de matar é de índole subjectiva, pelo que, de um ponto de vista médico-legal, nunca se pode dizer se há intenção de matar, missão de indagação do tribunal.
A intenção criminosa situa-se ao nível da matéria de facto, de apuramento pelas instâncias, a fim de que o STJ lhe possa aplicar correctamente o direito, e assim se impõe a sua imodificabilidade, nos termos dos arts. 434.º e 432.º, al. d), do CPP, como é pacífico entendimento.
A tentativa de homicídio não se basta com o mero planeamento do crime, com a resolução do facto, antes quando o autor 'trabalha', no dizer de Artzt, para um resultado com a consciência de que virá a consumar um crime e que a não consumação surja por razões estranhas ao agente, sendo necessária a comprovação de actos exteriores reveladores da intenção criminosa.
Esses actos hão-de produzir na comunidade uma impressão juridicamente abaladora, pondo em causa a paz jurídica, e por isso necessitam de uma intervenção sancionatória penal, segundo a teoria da impressão; os actos puníveis como tentativa são aquelas acções 'que imediatamente precedem a acção típica', que o legislador aproximou seguramente dos limites daquela (cfr. Roxin in Problemas Fundamentais de Direito Penal, pág. 296).
O relatório médico-legal em que se concluiu não ser médico-legalmente de presumir pela intenção de matar não configura um qualquer juízo científico ou pericial, que se presume subtraído à disponibilidade do juiz - art. 163.º, n.º 1, do CPP -, mas apenas uma presunção de intenção, um mero juízo de probabilidade sobre essa intenção.
Estando fora do âmbito da perícia médico-legal fixar a intenção criminosa, que é da exclusiva competência do julgador, não se aplica o art. 163.º, n.º 1, do CPP, pelo que é lícito a este divergir dessa conclusão sem ter que fundamentar a divergência, erigindo a fundamentação num juízo científico, nos termos do n.º 2 daquele preceito, vinculado, em princípio, como está, ao valor probatório, a existir, pelo grau de certeza, competência e especialização de quem o emite.
(...), estava o tribunal em condições de, como o fez, em sua livre convicção, nos termos do art. 127.º do CPP, concluir que o recorrente (...) quis matar o assistente (...).
Assim, estribando assim argumentos, somos de concluir que, tal como resulta da prova e acima se deixou exaustivamente explicado, a intenção de matar dos arguidos é inequívoca.
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Finalmente - e conhecendo em sede de fundamentação de facto porque é, a final, de factos que se retiram as concussões sobre o preenchimento ou não das agravantes qualificativas -, também resulta com razoável evidência que não se mostram preenchidas (factualmente) as qualificativas típicas do crime de homicídio referidas nas alíneas c) e e) do artº 132º CP.
Ou seja, em face dos factos provados, resulta com alguma clareza apurado que a vítima não era pessoa particularmente indefesa (al. c).
De facto, muito embora a idade da mesma, a falecida era pessoa activa, ainda trabalhava ao que se apurou em julgamento, passando a ferro ou limpando por conta de terceiros, mantendo autonomia de movimentos e lucidez intelectual, não necessitando de acompanhamento ou amparo para desenvolver as actividades normais do seu dia-a-dia.
Também não se prova que sofresse de qualquer patologia neurológica ou psiquiatrica/psicológica que comprometesse a sua capacidade mental para essas tarefas ou para outras que exigissem mesmo maior investimento de meios intelectuais (como tratar das suas contas, desde logo junto de bancos, por exemplo).
Pelo que, neste aspecto, não se mostra necessária mais aprofundada fundamentação para concluir daquele modo.
Igualmente, muito embora o motivo que se apura para a actuação dos arguidos se afigure como inqualificável, portanto existente, também não se enquadra esta actuação no quadro do motivo torpe ou fútil, desde logo porque os factos provados não permitem concluir desse modo.
Segundo Figueiredo Dias[10], agir por qualquer motivo torpe ou fútil significa que o motivo da actuação, avaliado segundo as concepções éticas e morais ancoradas na comunidade, deve ser considerado pesadamente repugnante, baixo ou gratuito, de tal modo que o facto surge como produto de um profundo desprezo pelo valor da vida humana.
Para Bettiol (Direito Penal, III, pág. 135), teremos um motivo fútil sempre que seja possível estabelecer uma desproporção manifesta entre a gravidade do facto e a intensidade ou a natureza do motivo que impeliu à acção. E acrescenta, citando Maggiore, trata-se de uma insensibilidade moral que tem a sua manifestação mais alta na brutal malvadez.
O motivo fútil tem sido caracterizado pela jurisprudência como “o motivo frívolo, leviano, a ninharia que leva o agente à prática desse grave crime (ac. S.TJ, de 27-05-2010-Proc. nº 58/08.4JAGRD.C1.S1), ou mesmo o motivo que não tem qualquer relevo, o que não chega a ser motivo[11].
Ora, o que se apura é que o motivo na base de tudo isto era ficar com o património da vítima e, ao contrário do que parece à primeira vista, este motivo nada tem de leviano ou ninharia.
Se a natureza ou qualidade do motivo não se adequa aqui para subsumir os factos (provados) a esta parte da qualificativa, também é forçoso concluir que nenhum outro segmento desta qualificativa ínsita na al. e) se mostra verificado.
Em rigor, muito embora já tenhamos visto defender que a sordidez do elevado número de golpes pode significar [tanto mais quando produzidos na zona letal específica em que foram desferidos] que o agente tirou disso verdadeiro prazer (sob qualquer forma), enquando executava os factos, a realidade é que este Tribunal precisava de mais factos, ainda que instrumentais, para concluir desse modo. E parece-nos que as declarações da perita médica também não deixam ir tão longe.
Como tal, afigura-se-nos que não estão demonstrados os elementos de facto que permitem dar por verificadas apenas as circunstâncias agravantes das alíneas c) e e) do nº 2 do artº 132º citado.
E porque de matéria de facto se continua a tratar, vejamos quanto a estas qualificativas.
No âmbito da imputação deste homicídio, indicam-se factos que integram efectivamente as qualificativas das alíneas a) e j) do referido preceito legal, correspondendo-lhes a prova da matéria de facto inerente.
O Arguido AA é filho da vítima (fls. 1244), facto que está comprovado por documento nos autos, portanto está verificada a circunstância agravante da alínea a) do referido preceito.
Mais do que isto, comprova-se também que o Arguido DD sabia dessa relação familiar, como se viu, o que torna comunicante a circunstância ao co-arguido nesta co-autoria de factos.
O Arguido DD sabia exactamente ao que ia, as coisas estavam combinadas. O próprio Arguido AA referiu-o no interrogatório judicial: estava tudo previsto e aceitou mesmo que o Arguido DD chegasse a tirar a vida à sua mãe.
O que o Arguido DD também deixa claro, ainda em interrogatório: tudo foi proposto desde o início pelo AA como sendo o assassinato da mãe, tendo-lhe mesmo dito que a mãe “sacaniava a família toda”.
Estes aspectos, estes intervalos verbais que os arguidos vão deixando escapar, todos juntos, todos alinhados de acordo com a lógica cronológica dos acontecimentos, deixam perfeitamente evidenciado que ambos sabiam exectamente ao que iam, o que queriam e o que pretendiam efetivamente que acontecesse.
Não há qualquer dúvida a este respeito.
Mas também não ficou qualquer dúvida sobre a circunstância de estes arguidos terem premeditado, reflectido nos meios que iam usar, e que usaram efectivamente, o que fizeram por mais, muito mais, de 24 horas.
Não apenas chegaram entre eles a um acordo sobre o que fazer, como combinaram a morte da mãe do Arguido AA, pelo menos, em data anterior a 6/4, como resulta demonstrado.
De facto, o próprio Arguido AA teve necessidade de enviar ao co-Arguido DD a mensagem de texto dando nota de que a mãe iria ausentar-se de ..., pelo que tinham de abortar os planos que já estavam para essa data assentes.
Isto, que resulta inequivocamente provado – para o que o Arguido AA vem agora pretender dar uma justificação coxa e sem nexo –, é a única explicação que a lógica deixa evidenciada. 
Estes arguidos combinaram matar a mãe do AA – facto que acabam ambos por assumir em interrogatório, mais perto dos factos, sem grande estudo sobre as consequências -, mesmo depois de o Arguido AA ter ainda tentado outras formas de o conseguir fazer – como deixam evidenciadas as pesquisas que fez na net, o episódio do vinho que tentou que a mãe bebesse e que esta não fez porque algo lhe pareceu mal, estas circunstâncias todas juntas, que ocorreram de facto, não podem ser interpretadas de outra forma.
Não apurámos, em concreto, desde quando premeditava o Arguido AA matar a mãe. Mas sabemos que, pelo menos, foi antes de 6/4.
E não ficaram quaisquer dúvidas de que, pelo menos nessa data de 6 de Abril, a decisão de matar a vítima estava tomada, por ambos, quando o Arguido AA avisou o co-arguido de que os planos eram para suspender porque “ela [mãe] vai vazar [querendo dizer, como assumiram, «vai bazar», simplismo linguístico que pretende significar «vai embora»]“, sendo que, depois, era só uma questão de esperar, como foi, pelo regresso da mãe a ….
Aliás, as coisas estavam tão bem maturadas que, poucas horas depois de o Arguido AA saber que a mãe regressara a ..., a mesma estava já morta.
Não pensamos sequer que as regras de ponderação da prova conjugadas com as da experiência e normalidade permitam entender os acontecimentos de outra qualquer forma.
E precisamente porque esta situação estava muito pensada e combinada entre ambos é que depois surgem as versões, de um, de que esteve a consumir droga toda a noite anterior aos factos [DD] e, de outro, de que andava com alucinações e coisas estranhas [AA]. Circunstâncias que nunca aconteceram, que serviram de folclore no processo para, se corresse bem, e não correu, virem ambos alegar qualquer espécie de intervalo menos lúcido na sua vida.
No entanto, tal não resulta provado, quer quanto ao Arguido AA em sede de perícia – em que fica, juntamente com os esclarecimentos da perita em audiência, completamente desmascarada a suposta teoria da inimputabilidade pretendida ou, mesmo, do surto –, quer quanto ao Arguido DD, em sede de prova – em que ninguém, repete-se ninguém, vem referir qualquer psicose do arguido, como é o próprio irmão deste arguido que vem desmistificar esta suposta doença psiquiátrica, dizendo que o arguido até teve um momento menos bom após a separação, no ..., há vários anos, mas tudo se resolveu numa única consulta, já que mais nenhuma foi feita ou houve interesse em fazer, a que acresce o próprio arguido que diz que “uma vez no ..., depois da separação, fez uma consulta de psicologia e nada mais”, percebendo-se que ambas estas tentativas se goraram, como ficou evidente.
Resumindo e concluindo esta parte, as circunstâncias qualificativas do tipo de crime de homicídio que resultam absolutamente provadas e são duas, as das alíneas a) e j) do nº 2 do artº 132º citado.
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A matéria relativa às condições pessoais dos arguidos que se dá por provada resulta da ponderação dos relatórios sociais juntos.
A matéria relativa à inexistência de antecedentes criminais resulta da ponderação dos CRCs juntos e fichas biográficas solicitadas aos Eps.
Estão nos autos, além do mais, os documentos juntos pelos arguidos, todos ponderados, com destaque, porque lhes foi feita expressa referência acima, para o escrito designado como contrato promessa de compra e venda e elementos registais, juntos na contestação pelo Arguido AA, bem como a declaração, supostamente emitida por quem ali prefigura, sem que esteja o documento autenticado, junta na contestação pelo Arguido DD." (fim de transcrição).
Por seu turno, quanto ao enquadramento jurídico-penal dos factos e à escolha e medida das penas, bem como da sanção acessória de expulsão, expendeu-se no acórdão recorrido:
" OS FACTOS E O DIREITO
Fixada a matéria de facto, importa proceder ao seu enquadramento jurídico-penal.
Vêm os arguidos acusados/pronunciados, além do mais, pela prática de crime de homicídio qualificado.
Vem imputado em co-autoria aos arguidos, e na forma consumada.
A norma do artº 131° CP, define o tipo fundamental do crime de homicídio, no qual se pune a acção genérica de, intencionalmente, provocar a morte de outra pessoa.
O regime legal a que se faz reportar a pronúncia prevê, no artº 131º que:
Artigo 131º - Homicídio
Quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos.
Reflectindo os valores comunitários de maior reporte moral ou cultural, o Código Penal (CP) enuncia assim no tipo legal base, tutelando através dele, e dos demais correlacionados, o bem jurídico em que consiste a vida humana.
O tipo é literalmente simples. Seguem-se-lhe aqueles que, além ou aquém, visam proteger o mesmo bem jurídico, mas contra actos de violência específicos, como a violência qualificada ou privilegiada.
O tipo objectivo, à parte considerações de cuja teorização aqui se não aproveitaria, consiste em causar a morte de alguém. Claro, desde que se estabeleça a imprescindível ligação causal entre a morte e a acção que a desencadeou, ou seja, desde que se estabeleça o nexo de imputação objectiva.
O tipo subjectivo exige o dolo na actuação, em qualquer das formas - artº 14º CP.
Trata-se de um tipo legal em que o resultado, fazendo parte integrante do tipo, tem que ser previsto pelo agente, conformando-se ele com esse resultado[12].
A qualificação do crime vem prevista no artº 132º CP, no qual o legislador tomou duas atitudes distintas: por um lado, fixou no nº 1 que é qualificado todo o homicídio cujas circunstâncias revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente; por outro lado, aceitou concretizar algumas dessas circunstâncias, e fê-lo no nº 2 do preceito mas, não querendo organizar uma forma taxativa ou estanque, optou sim por consagrar uma fórmula aberta, cingida embora a certos parâmetros de legalidade, que deixa ao aplicador uma margem de ponderação das circunstâncias, por forma a, casuisticamente, determinar se este ou aquele facto integra o conceito legal de homicídio qualificado.
Esta ponderação é feita pela afirmação genérica, como se referiu, de um especial tipo de culpa, que vem descrito no nº 1 e prevê que se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de 12 a 25 anos.
Essa formulação genérica aliou-se à chamada técnica dos exemplos-padrão (Regelbeispieltechnik[13]), em que a cláusula geral é constituída por um tipo de culpa (artº 132º, nº 1 CP), combinado com uma exemplificação não definitiva e facultativa (artº 132º, nº 2 CP)[14].
Neste caso, já vimos que será de imputar aos arguidos o crime de homicídio qualificado previsto no artº 132º CP.
Atentos os factos provados, não resultam dúvidas de que os arguidos quiseram, determinando-se a isso, e conseguiram pôr termo à vida da vítima.
O preenchimento efectivo de um tipo de crime, na totalidade dos respectivos elementos constitutivos e integradores, pressupõe a acção típica, com o resultado nos crimes de resultado, a imputação ao agente e o juízo de censura; o juízo de censura não pode ser independente do resultado e tem de ser referido ao resultado e no resultado concreto nos crimes de resultado.
Como já tivemos oportunidade de, em sede de fundamentação de facto, deixar clarificado, entende este Tribunal que se mostram verificadas as qualificativas das alíneas a) e j) do nº 1 do artº 132º do CP.
Está em causa, quanto à primeira, a qualificação do crime por via da relação de filiação do Arguido AA para com a vítima (fls. 1244).
Para além das declarações dos arguidos referidas, neste particular em sede de primeiro interrogatório (quanto ao Arguido DD) e em ambas as sedes quanto ao Arguido AA (que sempre o assumiu), estão juntos ao processo os documentos que comprovam essa relação filial.
De facto, apenas o Arguido DD veio, em sede de julgamento – como se disse, na expectativa de que a qualificativa lhe não fosse comunicável -, dizer que não sabia quem era a pessoa e que o Arguido AA lhe terá dito depois que era uma tia sua.
No entanto, estas declarações são contrariadas pela restante prova, e até pelas declarações do próprio em inquérito.
O Arguido AA não tem reservas em afirmar o conhecimento que o Arguido DD sempre teve de que era de sua mãe que se tratava.
E o próprio Arguido DD, como se disse, em sede de interrogatório, declarou que o plano sempre foi o de matarem a mãe do AA, o que soube desde o início, pois que até tiveram de adiar o assunto porque a mãe do AA foi para ... entretanto.
Nem outra coisa, em termos de razoabilidade e normalidade, fazia sentido, quer na perspectiva de quem ia ajudar a matar, quer na perspectiva de quem se propunha receber fosse o que fosse na sequência desses factos, uma vez que só sendo herdeiro da vítima é que o co-arguido iria contar com o património desta para o compensar posteriormente [recorda-se o que acima se disse, tendo ficado absolutamente esclarecido que a intenção dos arguidos sempre foi a de matarem a vítima e não de roubarem o que tivesse, até para que o Arguido AA pudesse deitar mão a todo o património daquela].
Assim, sem necessidade de outras considerações que se mostrariam já por excesso, damos como assente que se mostra preenchida a qualificativa da al. a) do artº 132º quanto a ambos os arguidos.
E o mesmo se diga quanto à qualificativa da al. j) também referida.
De acordo com o que resulta das declarações de ambos os arguidos, renovando-se aqui os argumentos expostos na fundamentação de facto, e ainda da conjugação delas com os restantes elementos de prova [declarações do namorado da mãe, SMS já referido, entre o mais], resulta inequivocamente demonstrado que estes arguidos planearam esta morte durante largo tempo, certamente desde, pelo menos, data anterior a 6 de Abril, o que equivale a dizer que há pelo menos 8 dias que o plano estava traçado e combinado entre ambos, o que, por outro lado, significa que sobre ele reflectiram, que o pensaram em todas as dimensões da sua execução, como acima se deixou evidenciado.
Como refere o acórdão do TRL de 28.10.2015[15], entre outros que vão no mesmo sentido, reflexão sobre os meios empregues, significa planear, decidir e executar. Sendo que o tempo necessário para tal propósito se pode reconduzir a alguns minutos, pois que apenas no que concerne ao conceito de premeditação a lei impõe um tempo mínimo de preparação.
Ora, neste processo, verificamos que esta qualificativa se encontra preenchida quanto a ambos estes segmentos – não apenas houve o planeamento, decisão e execução da morte da vítima, como houve, sobre esses meios e consequências, inequívoca premeditação.
Como se acrescenta no acórdão do STJ de 12.03.2015[16], a concretização destes elementos reveste especial importância, uma vez que estas circunstâncias estão relacionadas com o processo de formação da resolução criminosa, considerando ainda adiante que esta reflexão tem que ver com o amadurecimento temporal sobre o modo de praticar o crime, como a congeminação serena e perdurante, no campo da consciência, da ideação de matar e dos meios a utilizar
Recorda-se que os arguidos combinaram com antecedência este acontecimento, tendo inclusivamente o Arguido AA pesquisado na net outras formas de o concretizarem, sendo, por isso, absolutamente necessário que a vítima estivesse em casa para que o plano se executasse como pretendido, ou seja, resultando na morte da vítima.
Por outro lado, esta reflexão durou, ainda, como se viu, bem mais de 24 horas.
Como ainda refere o nosso STJ de 19.02.2014[17], sob o conceito de premeditação, o legislador reuniu a frieza de ânimo, a reflexão sobre os meios empregados e o protelamento da reflexão de matar por mais de 24 horas. A agravante encontra-se conexionada com a actuação calma ou imperturbada reflexão, no assumir pelo agente da resolução de matar a que se alia a firmeza dessa mesma resolução criminosa (...).
Em face do exposto, não restam quaisquer dúvidas sobre o preenchimento também desta qualificativa.
Temos, como tal, preenchido o tipo legal tal como imputado na decisão de acusar e pronunciar (artº 132º CP), sendo que, como se vê, o Tribunal considera preenchidas apenas as alíneas a) e j) do nº 1 e 2 do referido preceito.
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Como também sabemos, sempre que se mostrem preenchidas duas ou mais qualificativas do crime (circunstância agravante), o Tribunal qualificará o crime de acordo com aquela que resultar mais grave, ponderando a ou as restantes em sede de determinação concreta da medida da pena[18].
Colocadas as coisas assim, como devem, impõe-se concluir que a circunstância agravante mais grave que temos em presença é precisamente a da al. a) do nº 2 do citado normativo.
De facto, dificilmente se encontra atitude mental mais grave do que aquela que encerre o propósito de matar a própria mãe, salvo particularíssimas excepções[19] e que aqui se não verificam, e a capacidade emocional e mental para executar a mesma.
Assim, entende o Tribunal que o homicídio aqui em causa se qualifica nos termos conjugados dos arts. 131º e 132º, nº 1 e 2, al. a) do CP.
Tal constitui uma concretização que, sendo obrigatória para o Tribunal, não constitui qualquer novidade processual que imponha antecipada comunicação (arts 357º e 358º CPP).
O que relega para a ponderação e concretização da pena a circunstância de ter havido reflexão sobre os meios e premeditação.
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Vêm ainda imputados aos arguidos os crimes de roubo (simples e agravado) e   de burla informática tentada, ainda em co-autoria.
Tal como deixámos dito em sede de fundamentação de facto – inibindo-nos isso da repetição desses fundamentos -, considera o Tribunal que tais crimes não se mostram verificados.
Resumidamente.
Dispõe o CP que:
Artigo 210º - Roubo
1 - Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
2 - (…).
O crime de roubo é de estrutura axiológica complexa, visando em simultâneo a protecção de bens jurídicos de natureza pessoal (a liberdade individual, de movimentos ou, amplamente, a saúde e mesmo a vida) e de natureza patrimonial (a propriedade, a posse). É, como tal, um tipo legal consumptivo (se assim puder dizer-se), ou seja, é um tipo legal que consome o furto e a ofensa física ou ameaça.
Ao contrário de alguma Doutrina que se foi estabelecendo[20], entendemos o roubo como tipo autónomo (não em sentido formal, porque este não traz dúvidas, mas em sentido material ou de substância), cuja autonomia advém precisamente da existência da coacção como meio de lesão dos bens patrimoniais[21].
Por isso, também a vontade do agente tem de abranger esta dupla vontade de apropriação e constrangimento para o conseguir.
Ora, da prova produzida resulta que os arguidos nunca quiseram constranger a ofendida para subtrair-lhe o que tivesse mas, pelo contrário, a sua vontade foi sempre a de a matar, intenção com que efectivamente actuaram.
Assim, sem necessidade de maiores fundamentações e sem necessidade de repetir argumentos quanto à forma simples e/ou agravada que vêm imputadas, improcedem estas imputações, devendo os arguidos ser absolvidos dos crimes de roubo que lhes vêm imputados.
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Relativamente ao crime de burla informática, prevê o CP no artº 221º que:
1 - Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, causar a outra pessoa prejuízo patrimonial, interferindo no resultado de tratamento de dados ou mediante estruturação incorrecta de programa informático, utilização incorrecta ou incompleta de dados, utilização de dados sem autorização ou intervenção por qualquer outro modo não autorizada no processamento, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2 – (…)
Este ilícito criminal visa tutelar o património do ofendido, distinguindo-se desta forma, das leis referentes a dados pessoais em face da criminalidade informática, diplomas que se dirigem à tutela, respectivamente, de valores de natureza pessoal e da própria funcionalidade dos sistemas informáticos.[22]
Trata-se aqui de um crime de dano já que a sua consumação ocorre com o prejuízo patrimonial do ofendido e de resultado parcial ou cortado na medida em que depende da verificação de um evento, o dano patrimonial, independentemente da efectiva verificação do benefício económico por parte do agente.
Para além disso, atendendo à conduta do agente, configura-se como um crime de execução vinculada dependendo assim o preenchimento do tipo da verificação de qualquer das condutas descritas no tipo objectivo, prescindindo, no entanto, do duplo nexo de causalidade que caracteriza o crime de burla, enquanto tipo fundamental, de acordo com o disposto 217º, nº 1 do CP.
Atentos os factos, como tivemos já oportunidade de ver na fundamentação antecedente, verificamos que esta imputação improcede porque, sendo o Arguido AA co-titular da conta do BPI cujo cartão foi utilizado, é objectivamente co-titular também das quantias e valores aí depositados, o que significa que a utilização desse cartão pelo co-arguido, com autorização daquele, que lho entregou, não inscreve o elemento indicador fundamental da violação de dados informáticos/bancários que são inerentes à verificação do tipo.
Também neste caso, sem outra fundamentação que se mostra aqui desnecessária, verificamos que improcede a imputação, devendo estes arguidos ser absolvidos do referido crime.
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V. DETERMINAÇÃO e medida DA PENA 
Já vimos que procede apenas a imputação a ambos os arguidos de um crime, em co-autoria, de homicídio qualificado, nos termos dos arts. 131º, 132º, nº 1 e 2, al. a) do CP, devendo a matéria que integra a al. j) desse preceito entrar como circunstância autónoma na ponderação da medida da pena.
A moldura penal prevista oscila entre os 12 e os 25 anos de prisão.
O critério de escolha da pena encontra-se previsto no artigo 70° do CP.
Ensina Figueiredo Dias que as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. Assim, a medida da pena há-de ser dada pela medida de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada[23].
O critério legitimador das normas penais assenta cada vez mais na ideia de prevenção racional e eficaz da violação dos bens jurídicos socialmente considerados[24]. As penas são necessárias na medida em que protegem bens jurídicos - princípio de necessidade (cfr. artº 18°, n° 2 da CRP).
Assim, para a determinação da medida da pena, deve encontrar-se, dentro do limite máximo da moldura abstracta da pena, uma moldura de prevenção geral de integração - sendo que o limite máximo desta moldura deve consistir na tutela óptima dos bens jurídicos protegidos pela norma e o limite inferior na tutela mínima dos bens jurídicos protegido pela norma, sem se colocar em causa o ordenamento jurídico e a confiança dos cidadãos na validade dela.
Depois, dentro desta moldura de prevenção, deve calcular-se a medida concreta da pena – aqui, tendo-se em conta as exigências de prevenção especial, de reintegração, ou de socialização e de intimidação.
Nos termos do artº 71º CP, deverá o Tribunal atender a todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o arguido, valorando-as em função da culpa do agente e das exigências de ressocialização (prevenção especial), e de confiança da comunidade na vigência da ordem jurídica (prevenção geral)[25].
Deve atender-se, assim, em primeiro lugar e como limite máximo, à culpa do agente - que constitui, em atenção à dignidade do ser humano, o fundamento e limite máximo da própria pena.
O limite mínimo é determinado em função da prevenção geral, uma vez que a pena visa a protecção de bens jurídicos (mas também a tutela das expectativas comunitárias na manutenção e reforço da norma infringida).
Apenas calculados estes parâmetros, e dentro deles, fixará o Tribunal a pena, de acordo com as exigências da prevenção especial de socialização[26].
Recorde-se que estamos perante, no caso do crime de homicídio qualificado, uma moldura legal prevista no artº 132º CP de 12 a 25 anos de prisão.
Em face da manifesta e até de impossível adjectivação da gravidade destes factos, atenta a natureza dos bens jurídicos lesados que são os fundamentais – a vida e a segurança - e dizem respeito à integridade emocional e física da pessoa humana, e da Sociedade, que toma cada pessoa como reflexo e projecção dos direitos que são fundamentais a todos, tendo em conta as consequências potencial e absolutamente gravosas decorrentes destes tipo de comportamentos – quer sejam os gerais de segurança e paz social, ou da integridade física e emocional, da vida dos destinatários, a perda de quem parte e as sequelas para quem fica, o sofrimento causado, quer seja em termos de sinais dados à comunidade de que se pode tudo, até acabar com a vida alheia pelo simples facto de a mesma ser vulnerável -, são de considerar elevadíssimas as exigências de prevenção geral. As mais elevadas de todos, porquanto estamos perante o mais grave de todos os crimes.
Por outro lado, tendo em conta aquelas características e as que decorrem da própria natureza do crime, do desprezo revelado pela vida humana, seja em que dimensão ela se pense, a barbaridade dos actos e a predisposição do arguido para os cometer, a absoluta insensibilidade e frieza na actuação, a personalidade revelada no cometimento destes factos, reveladora ainda de baixeza de carácter, displicente sinal de impunidade absoluta, não podemos descurar as exigências de prevenção especial que no caso se fazem sentir, na medida em que, pese embora os arguidos não tenha passado criminal documentado nos autos, revelam ambos igualmente desprezo pela vida humana e em sociedade e o facto de, como se percebe, com isto serem apreensíveis por nós os inequívocos sinais de que estes arguidos revelam uma personalidade adaptável à circunstância de ser-lhe irrelevante, indiferente e desprezível o valor da vida humana, até pela destreza e frieza emocional com que executaram estes factos – planeados, mais do que arrefecidos ao longo dos dias, maturados de forma longa, por mais de uma semana, estudados os meios e os modos, em que persistiram e ainda foram capazes de executar com inusitada violência, todas estas circunstâncias apuradas permitem concluir, com facilidade, pela extrema gravidade destas circunstâncias e desvalor da acção dos arguidos que nenhum, repete-se, nenhum, sentimento de humanidade revelaram, desde logo, em julgamento, nenhum traço de arrependimento, pelo contrário.
Assim, pelo exposto, com vista à promoção de uma consciência ética social, sendo inequívoca a necessidade de aplicar pena de prisão a cada um destes arguidos, há que determinar o quantum da mesma.
Atribui-se à culpa a função única de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena, e à prevenção geral a função de fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite máximo é dado pela medida óptima da tutela dos bens jurídicos, dentro do que é considerado pela culpa, e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida moldura de prevenção, e que melhor sirva as exigências de socialização do agente.
Na determinação da medida concreta da pena, há que ponderar factores:
A ilicitude dos factos, que se revela, o mínimo é dizer-se, especialmente e extraordinariamente acentuada.
As consequências do ilícito, que assumem especial e acentuada gravidade, plasmada nos autos, a natureza insubstituível do bem jurídico atingido, a vida, a segurança, dois valores absolutos e fundamentais para garantir a vida em comunidade, o respeito pelo outro. O civismo ou, se se quiser, a opção civilizacional que fazemos diariamente depende destas escolhas que afectam irremediavelmente, além das vítimas, a sociedade no seu todo. E de acordo com o que resulta nestes autos apurados, dificilmente a sociedade recuperará desta mancha de desumanidade.
O grau da culpa que, mercê disso mesmo, se mostra acentuadíssimo, em termos de nocividade social desta conduta, tendo em conta que os arguidos agiram sempre com dolo directo, sem que houvesse qualquer causa próxima ou remota que justificasse, excluísse a culpa ou a diminuísse por qualquer forma, como se viu, com dolo intensíssimo, como resulta desde logo do tempo de preparação destes factos, da persistente intenção de matar por mais de uma semana, da forma como planearam a sua actuação e a levaram a cabo.
Tudo isto associado às condições de vida dos arguidos – sem carências económicas ou sociais que ficassem demonstradas [o Arguido DD não trabalhava naquela concreta altura mas não se apuraram quaisquer dificuldade por que estivesse a passar; o Arguido AA, que recebia ordenado mensal da sua actividade, e cujas dívidas não eram da compra de comida mas da droga e jogo] a qualquer nível como fica claro, muito embora sem abastança mas num registo socio económico de alguma consistência - e à falta de confissão dos factos, pelo contrário, negando ambos frontalmente a quase totalidade dos factos, a falta também de arrependimento que fica demonstrada inequivocamente, todos estes sendo factores muito relevantes.
Tudo isto ponderado, tudo isto sopesado, avaliado de acordo com o leque comum do sentimento social dominante, afigura-se-nos ajustado concluir que para este crime a pena deve ser demonstrativa da forte reprovabilidade destes comportamentos pela sociedade e deve reflectir a importância da vida humana como valor fundamental da nossa cultura e sociedade e, ainda, da sobrevivência social e cultural da mesma sociedade.
Pelo que se decide condenar os arguidos pela prática de:
- Um crime de homicídio qualificado, em co-autoria e na forma consumada, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos arts. 10º, nº 1, 14º, nº 1, 26º, 131º e 132º, nº 1 e 2, al. a), todos do Código Penal, na pena, cada um dos arguidos, de 19 (dezanove) anos de prisão.
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pena acessória de expulsão requerida para o Arguido DD
Fica provado, ainda, que o Arguido DD tem nacionalidade ....
Requerendo-se a aplicação ao mesmo da pena acessória de expulsão nos termos do disposto nos arts 134º, nº1, al. a), b) e f) e 151º da Lei nº 23/2007, de 04.07, importa conhecer.
Dispõe o artº 151º da Lei nº 23/2007 de 4 de Julho, sob a epígrafe pena acessória de expulsão:
1 - A pena acessória de expulsão pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro não residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a seis meses de prisão efectiva ou em pena de multa em alternativa à pena de prisão superior a seis meses.
2 - A mesma pena pode ser imposta a um cidadão estrangeiro residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a um ano de prisão, devendo, porém, ter-se em conta, na sua aplicação, a gravidade dos factos praticados pelo arguido, a sua personalidade, eventual reincidência, o grau de inserção na vida social, a prevenção especial e o tempo de residência em Portugal.
3 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a pena acessória de expulsão só pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro com residência permanente quando a sua conduta constitua uma ameaça suficientemente grave para a ordem pública ou segurança nacional.
4 – (…).
A aplicação da pena acessória de expulsão não é automática, devendo ponderar-se todas as circunstâncias do crime que permitam esclarecer se a permanência do arguido estrangeiro (extra comunitário) em território nacional constitui, per se, um perigo de continuação da actividade criminosa e uma ameaça para a segurança da sociedade.
O princípio constitucional vertido no artigo 30º, nº 4, proíbe que a privação de direitos seja uma simples consequência - por via directa da lei - da condenação por infracções de qualquer tipo – neste sentido se pronunciaram, i. a., os acórdãos do Tribunal Constitucional nº 282/86, in DR, Iª Série, de 11-11-1986, nº 284/89, in DR, II- Série, suplemento de 22-06-1989, nº 288/94, de 17-06-1994, in DR, II Série, nº 41/95, in DR, II Série, de 27-04-1995.
Esta orientação foi acolhida pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 14/96 (proferido no recurso nº 45 706, da 3ª secção), de 7 de Novembro de 1996, in DR, Iª Série - A, nº 275, de 27-11-1996, e BMJ 461, p. 54, firmado a propósito da pena acessória de expulsão de estrangeiros, então prevista no artigo 34º, nº 2, do Decreto-Lei nº 430/83 de 13/12, defendendo-se que a expulsão não podia ser decretada automaticamente, funcionando ope legis, ou como consequência necessária da condenação, antes devendo ser obrigatoriamente fundamentada e justificada, aí se ponderando que a proibição dos efeitos decorrentes da aplicação automática, seja na sequência da imposição de uma certa pena, seja na de condenação por certos crimes, não obstando a que a lei os preveja «com o conteúdo possível da condenação por determinado crime ou simples consequência, também possível, de uma pena», parte da premissa de que a sua ocorrência em cada caso concreto tenha como pressuposto a apreciação judicial de que, in casu, se mostram adequados e justificados pelas circunstâncias do crime.
Explicita-se ainda que “a proibição da previsão legal daqueles efeitos como necessários não obsta, porém, a que a lei os preveja como conteúdo possível da condenação por determinado crime ou simples consequência, também possível, de uma pena; ponto é que a sua ocorrência em cada caso concreto tenha como pressuposto a apreciação judicial de que, in casu, se mostram adequados e justificados pelas circunstâncias do crime”.
O arguido reside em Portugal desde Agosto de 2019, tendo a sua permanência no território nacional regularizada ao que se sabe.
A pena em que irá ser condenado é superior a um ano, pela prática de um crime doloso e o mais grave previsto na lei penal nacional.
O arguido vive sozinho em Portugal, não tem aqui familiares, estando a sua família, entre os quais os filhos, no ..., onde residem.
O arguido estava sem trabalhar antes de preso, tendo antes disso trabalhado na … durante tempo não concretamente apurado, tendo-se despedido.
Consumia estupefacientes, desde logo cocaína, antes de preso, em quantidade e com regularidade não concretamente apuradas. Quanto a alterações pontuais ou não de factos que venha a verificar-se no texto desta decisão, decorreram sempre do exercício dos direitos de defesa pelos arguidos, quer porque os assumiram ou a eles se reportaram, quer porque eles resultam por provar de acordo com a versão aceite pelos mesmos, ou resultam provados por confronto das suas declarações com outra prova produzida, não constituindo alteração substancial de outros e não constituindo nenhuma novidade em termos do que foi discutido e do que se puderam os arguidos oportunamente defender, pelo que nenhuma comunicação prévia se impõe quanto a eles fazer.
Consumia cerca de 1 grama por dia de cocaína.
Uma vez, após a separação da mulher, ainda no ..., foi a uma consulta de psicologia mas nada mais.
O AA, no dia dos factos, quando foi ter com ele já tinha umas luvas colocadas e na casa da mãe tinha o capuz colocado na cabeça.
Assim, considera-se ser de determinar a expulsão do arguido de Portugal, em face da gravidade do crime em causa e das circunstâncias do seu cometimento e atenta a personalidade revelada pelo mesmo no cometimento desses factos, e que revela absoluta insensibilidade para aqueles que são os valores mais importantes da nossa sociedade, desde logo a preservação da vida humana, assentando-se em que a permanência deste arguido em território nacional constitui, objectiva e efectivamente, um risco acrescido para a preservação dos valores constitucionais aqui vigentes.
Nesta ponderação, entende o Tribunal, ainda, fixar o período de expulsão por dez anos." (fim de transcrição).
3. Vejamos se assiste razão aos recorrentes.
3.1. Alega o arguido e ora recorrente DD que ao não se ter o Tribunal a quo pronunciado sobre o requerimento da realização de uma perícia psicológica, requerida na contestação, a fim de se perceber se padece, efetivamente, de alguma doença de foro psicológico, existe a nulidade do acórdão prevista no artigo 379º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal.
Antes de mais, importa tecer, a este respeito, algumas considerações de índole geral para melhor se enquadrar e posteriormente aquilatar da invocada omissão de pronúncia.
Desde logo há que reter que, de acordo com o disposto na al. c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP, a sentença é nula quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
A falta de pronúncia sobre um concreto aspecto, motivo ou argumento, em que alegadamente se traduziria a nulidade da sentença de primeira instância, já não respeita ao vício em si. É isso que resulta, por exemplo, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de janeiro de 2007, relatado pelo Exmº Senhor Conselheiro Santos Carvalho, no proc.º n.º 3943/06, segundo o qual a ausência de qualquer menção quanto a um argumento não constitui uma omissão de pronúncia, pois a omissão respeita a questão que o tribunal deva conhecer e não a fundamentos. Quanto a estes o tribunal está dispensado de os abordar a todos.
Por sua vez, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de dezembro de 2011, relatado pelo Exmº Senhor Conselheiro Raúl Borges, no processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S1, na esteira do que este Preclaro Juiz, já havia decidido em 20 de outubro de 2010 no processo n.º 845/096.JDLSB, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, refere: "V - Como uniformemente tem sido entendido no STJ, a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes e que como tal tem de abordar e resolver, ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os dissídios ou problemas concretos a decidir e não as razões, no sentido de simples argumentos, opiniões, motivos, ou doutrinas expendidos pelos interessados na apresentação das respectivas posições, na defesa das teses em presença. VI - A pronúncia cuja omissão determina a consequência prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP – a nulidade da sentença – deve incidir sobre problemas, os concretos problemas, as questões específicas sobre que é chamado a pronunciar-se o tribunal (o thema decidendum), e não sobre motivos ou argumentos; é referida ao concreto objecto que é submetido à cognição do tribunal e não aos motivos ou razões alegadas." (cfr. a abundante resenha jurisprudencial feita neste acórdão; posição reiterada posteriormente noutros arestos daquela mais alta instância, designadamente, nos processos nºs 131/11.1YFLSB e 2965/06.0TBLLE. E1, em, respetivamente, 9 de fevereiro e 24 de outubro de 2012, tendo por relatores os Exmºs Senhores Conselheiros Oliveira Mendes e Santos Cabral, acórdãos igualmente consultáveis em www.dgsi.pt).
Impõe-se, portanto e antes de mais, aqui sublinhar que entendemos que o tribunal de primeira instância está obrigado a resolver as questões concretas suscitadas seja pela acusação (pública e/ou particular do assistente) seja pela defesa na contestação, seja ainda em pedido(s) de indemnização cível deduzido(s) nos autos, caso tenham sido apresentados, mas, no que ora releva, não tem de esgrimir todos os argumentos utilizados pelo arguido naquela peça processual, nem tem de apreciar aquelas questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outra(s) que as antecedam.
Feitos estes considerandos iniciais e tendo sempre presente que a omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa (in Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de outubro de 2012), avancemos mais detalhadamente para o tratamento do caso concreto.
Atentos os ensinamentos supra expostos e a mencionada jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça a invocada omissão só ocorreria no caso dos autos se o tribunal a quo não se tivesse pronunciado de todo sobre a questão da existência ou não de doença de foro psicológico no que se reporta ao arguido DD, na medida em que fazia parte do thema decidendum, já que havia sido questão suscitada, quer na sua contestação, quer na audiência de discussão e julgamento.
Ora, o Tribunal a quo fê-lo no acórdão ora recorrido, nomeadamente, quando na sua fundamentação, a dado momento e a este propósito, expendeu que:
A testemunha QQ, irmão do Arguido DD, que quis prestar declarações após advertido para os termos do artº 134º CPP, veio dizer que o irmão chegou a Portugal em Agosto de 2019 porque lhe disse que viesse porque aqui se vivia bem e se falava a mesma língua. No entanto, a sua vida corria bem no ... até se separar da mulher, tendo isso ajudado a decidir-se vir para Portugal.
Depois do divórcio deixou de se alimentar bem, pelo que foi com ele ao psicólogo que lhe disse que devia ser acompanhado, mas acabou por nunca mais ir e só foi a essa consulta.
O irmão nasceu com um problema na vista, tendo apenas 30% de visão numa vista.
Não conhecia ninguém com quem o irmão se relacionasse.
No ... o irmão nunca teve problemas com drogas, mas “tudo indica que” em Portugal o fizesse.
Nunca o irmão se envolveu em confusões no ....” (fim de transcrição).
E noutro passo, da sua fundamentação da matéria de facto e com referência ao assassinato de CC, exarou:
“precisamente porque esta situação estava muito pensada e combinada entre ambos é que depois surgem as versões, de um, de que esteve a consumir droga toda a noite anterior aos factos [DD] e, de outro, de que andava com alucinações e coisas estranhas [AA]. Circunstâncias que nunca aconteceram, que serviram de folclore no processo para, se corresse bem, e não correu, virem ambos alegar qualquer espécie de intervalo menos lúcido na sua vida.
No entanto, tal não resulta provado, quer quanto ao Arguido AA em sede de perícia – em que fica, juntamente com os esclarecimentos da perita em audiência, completamente desmascarada a suposta teoria da inimputabilidade pretendida ou, mesmo, do surto –, quer quanto ao Arguido DD, em sede de prova – em que ninguém, repete-se ninguém, vem referir qualquer psicose do arguido, como é o próprio irmão deste arguido que vem desmistificar esta suposta doença psiquiátrica, dizendo que o arguido até teve um momento menos bom após a separação, no ..., há vários anos, mas tudo se resolveu numa única consulta, já que mais nenhuma foi feita ou houve interesse em fazer, a que acresce o próprio arguido que diz que “uma vez no ..., depois da separação, fez uma consulta de psicologia e nada mais”, percebendo-se que ambas estas tentativas se goraram, como ficou evidente.” (fim de transcrição).
Tribunal a quo que no acórdão recorrido ainda em sede daquela sua fundamentação, a dado momento e a este propósito, expendeu que quando o Arguido DD prestou declarações na audiência de discussão e julgamento disse que:
“Uma vez, após a separação da mulher, ainda no ..., foi a uma consulta de psicologia mas nada mais.”
E foi com base nisto tudo, que, sob o facto provado n.º 36, deu por assente que:
“O Arguido DD consultou uma vez, no ..., em data não concretamente apurada após o divórcio, serviços de psicologia, desconhecendo-se que diagnóstico foi realizado, mas sem que possua qualquer doença do foro mental que o iniba de entender todos os actos que pratica de acordo com a sua vontade livremente formada e determinada.” (fim de transcrição).
Bem como se deram, no acórdão ora recorrido, como factos não provados:
“Que o Arguido DD padeça de doença psiquiátrica ou psicológica.
Qua tal doença fosse, ou não fosse, prévia à vinda do Arguido DD para Portugal, tendo-se agravado aqui os sintomas ou consequências.
Que o Arguido DD alguma vez tenha tido, ou procurado ou estado interessado em receber acompanhamento psicológico ou psiquiátrico para qualquer problema que tivesse ou julgasse ter.
Que este arguido não tivesse esse acompanhamento porque não tinha meios económicos para isso.
Que este arguido apresente efectivamente sinais de desorientação.
Que os seus familiares conheçam qualquer doença desse foro de que o arguido padeça.” (fim de transcrição).
Nas suas conclusões V e VI alegou ainda o arguido DD que:
“Na verdade, ficou comprovado nos autos que o Recorrente foi acompanhado por uma especialista de foro psicológico enquanto residiu no ..., e conforme resulta dos factos provados, no ponto 35 da matéria de facto dado como assente, que o Arguido DD apresentou um discurso evasivo e contraditório com ausência de juízo critico e dificuldades de auto-análise, assim como se apresenta como consumidor de cocaína. 
Ora, tais circunstâncias são indiciadoras de um descontrolo psicológico que deveria, conforme se requereu, ter sido alvo de uma perícia a fim de se apurar a veracidade do alegado na contestação apresentada.” (fim de transcrição).
 Importa, por isso, acrescentarmos que, por um lado, não é exacto que ora recorrente tenha sido “acompanhado por uma especialista de foro psicológico enquanto residiu no ...”. Temos para nós que ser acompanhado por uma especialista de foro psicológico significa o seguimento, durante maior ou menor espaço de tempo, em consultas (no plural, nunca no singular) de psicologia clínica, ou outra área de intervenção psicológica, perante um problema de foro psicológico, não necessariamente enquadrável em doença psicológica ou psiquiátrica. Ora, o que se disse na fundamentação da decisão recorrida foi, como acima vimos, que a testemunha QQ, irmão deste Arguido DD, disse em Juízo que foi com ele (DD) ao psicólogo, a uma única consulta, bem como que esse psicólogo disse que o DD devia ser acompanhado, mas que o DD acabou por nunca mais ir e que só foi a essa consulta. Bem como o Arguido DD quando prestou declarações na audiência de discussão e julgamento disse que: “Uma vez, após a separação da mulher, ainda no ..., foi a uma consulta de psicologia mas nada mais.”. Assim sendo, não houve o alegado acompanhamento por especialista de foro psicológico enquanto residiu no ....
Por outro lado, é verdade que no facto provado sob ponto 35 deu-se por assente que “Em termos pessoais, DD apresentou um discurso evasivo e contraditório com ausência de juízo crítico e dificuldades de auto-análise.” E que “Assume consumos de cocaína, que já mantinha no ....”. Como resulta logo ab initio da factualidade provada sob ponto 35, isso foi dado por assente “De acordo com o apurado pela DGRSP”. Portanto, foi o arguido que se assumiu como consumidor de cocaína, quer no ..., quer em Portugal, fazendo-o perante a DGRSP. O que o acórdão recorrido, de resto, não deixou de acolher, consignando a existência desse tipo de consumo, quando na sua fundamentação refere: “Consumia estupefacientes, desde logo cocaína, antes de preso, em quantidade e com regularidade não concretamente apuradas.”.
Quanto a ter um discurso evasivo e contraditório com ausência de juízo crítico e dificuldades de auto-análise, tudo isso per se não denota um “descontrolo psicológico”, mas tão só, s.m.o., uma personalidade mal formada, amoral e incapaz de expressar qualquer empatia para com a sorte de terceira pessoa, mormente colocando-se na posição da vítima mortal que causou, a par de uma postura defensiva, natural em não quer assumir a prática dos factos que lhe são imputados (e as inerentes responsabilidades, mormente penais, daí decorrentes), não os confessando, e, consequentemente, não mostrando qualquer arrependimento, nem revelando assumir o enorme desvalor das suas apuradas condutas.
Daí, e bem, que, nesta esteira, no acórdão ora recorrido, se tenha, no que ora interessa quanto a DD, dado como factos não provados:
“Que qualquer dos arguidos estivesse, na altura dos factos ou antes deles, perturbado de qualquer forma, sem capacidade ou com a mesma diminuída para entender e querer os actos que praticava e determinar-se com essa vontade.” (fim de transcrição).
Assim, por todo o exposto, não se verificou a alegada omissão de pronúncia e, consequentemente, a apontada nulidade da sentença, in casu do acórdão revidendo, prevista no art. 379.°, n.º 1, al. c), do CPP.
Questão diversa é o Tribunal a quo não se ter pronunciado (deferindo ou indeferindo expressamente) o requerido na contestação do arguido DD para que fosse submetido a perícia psicológica para se perceber se padecia ou não de alguma doença de foro psicológico. Mas tal, nada tem que ver com omissão de pronúncia do acórdão revidendo, nem com a nulidade prevista no art. 379.°, n.º 1, al. c), do CPP. Estamos aqui, porventura e tão-só, perante mera irregularidade, do art. 123.º do CPP, que se mostra entretanto já sanada e ultrapassada, por não ter sido arguida tempestivamente.
Destarte, improcede o recurso do arguido DD neste segmento.

3.2. Alega o arguido e ora recorrente AA que o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo encontra-se ferido de nulidade por excesso de pronúncia, ao dar como provado: “46. Em data não concretamente apurada, mas já após a morte da sua Mãe o arguido AA, de forma não concretamente apurada, fez inscrever a propriedade da casa da Mãe a favor de MM, simulando com a mesma um contrato de compra e venda que não existiu efectivamente e por cuja referida aquisição nenhum preço foi pago.” E, em consequência, ter determinado: “Comunique esta decisão, com nota de que ainda não transitou imediatamente à Conservatória do Registo predial competente (atenta a morada do imóvel da falecida-...), atento o facto provado em 46.”.
Vejamos.
É verdade que se deu tal facto 46 como provado e bem assim que no dispositivo do acórdão revidendo se determinou a mencionada comunicação ao registo predial, mas não é menos verdade que na acusação pública desde logo se peticionou:
“Deverá ser declarada a indignidade sucessória do arguido AA, nos termos do disposto no artigo 69.º-A, do Código Penal, nos termos e para os efeitos do previstos na alínea a) do artigo 2034.º e no artigo 2037.º, do Código Civil.” (fim de transcrição).
O que o Tribunal a quo no acórdão recorrido logo ab initio mencionou no seu RELATÓRIO ao consignar, com referência à decisão instrutória de pronúncia e ao arguido AA:
“requerendo-se ainda que seja declarada a sua indignidade sucessória, nos termos do disposto no artigo 69.º-A, do Código Penal, nos termos e para os efeitos do previstos na alínea a) do artigo 2034.º e no artigo 2037.º, do Código Civil;” (fim de transcrição).
Pelo que o Colectivo de primeira instância não só tinha necessariamente de sobre essa questão se pronunciar, como o fez, e bem, no acórdão recorrido, nos seguintes termos, depois de ter dado diversos factos como provados, incluindo aquele 46, como se impunha por resultar da discussão da causa e ser matéria que não podia deixar de apreciar e considerar:
“pena acessória de indignidade sucessória requerida quanto ao arguido AA
Vem, ainda, requerida a condenação do arguido AA na pena acessória de indignidade sucessória, nos termos do artº 69º-A do CP e por refª aos arts. 2034º e 2037º do CC.
O arguido AA é filho da vítima e seu único herdeiro.
Aliás, com base nessa declaração, terá já conseguido que a casa da falecida fosse inscrita no registo de propriedade a favor da aqui referida MM, com recurso a um negócio simulado, cuja anulação devem os interessados providenciar oportunamente.
Em rigor, a declaração de indignidade sucessória não é uma verdadeira pena acessória, mas antes um efeito substantivo no direito civil decorrente da prática de um crime.
Como se refere no Ac. STJ de 07.11.2019[27], a incapacidade sucessória por motivo de indignidade prevista no artº 2034º do Código Civil (CC) suscitou um debate na doutrina quanto a saber se a mesma devia funcionar de modo automático ou se para tal era exigível instauração de ação para a respectiva declaração.
O entendimento generalizado da doutrina, mesmo de quem considera que de jure condendo a incapacidade por indignidade deveria funcionar de modo automático, é de que tal não acontece, devendo ser proposta ação para esse efeito, nos termos do art.º 2036.º do Código Civil, sendo, em matéria de legitimidade, de seguir as regras gerais de acordo com o Código de Processo Civil[9]. Em abono de tal posição invoca-se o disposto no art.º 2036.º do CC, a abordagem sistemática do conjunto das disposições que regem esta matéria (artigos 2033.º a 2038.º do CC), bem assim como o facto de o anteprojecto do código civil de Galvão Teles não fazer qualquer referência à declaração judicial de indignidade e tal ter sido acrescentado na primeira revisão ministerial e redacção final.
Há no entanto quem entenda, como o Prof. Oliveira Ascensão, que o carácter automático das indignidades resulta da própria redacção do art.º 2034.º do CC que começa nos seguintes termos: “carecem de capacidade sucessória, por motivo de indignidade” (sublinhado nosso) considerando este autor que a ação só é necessária quando o indigno tenha em seu poder bens da herança, hipótese em que se gera “uma aparência de sucessão que é necessário esclarecer o mais rapidamente possível, a bem da estabilidade das relações sociais.[11]
Na base da controvérsia está designadamente o disposto na alínea a) do art.º 2034.º, sendo de facto chocante e atentatório do mais elementar sentido de justiça que um homicida possa ser herdeiro da vítima, tornando-se o homicídio, para usar as palavras de Oliveira Ascensão, via de aquisição sucessória.
Os problemas mais sérios que daí resultavam foram entretanto resolvidos pela Lei n.º 82/2014, de 30 de Dezembro, que entre o mais deu nova redacção ao art.º 2036.º do Código Civil, incumbindo o Ministério Público de intentar a ação destinada a obter a declaração de indignidade no caso de o único herdeiro ser o sucessor por ela afetado ou quando, tendo havido a condenação a que se refere a alínea a) do artigo 2034.º, a sentença penal não tenha declarado a indignidade sucessória, sendo obrigatoriamente comunicada ao Ministério Público para o mencionado efeito.
Com vista a contribuir para a resolução desta divergência, o legislador penal aditou ao CP o actual artº 69º-A (Declaração de indignidade sucessória), que consagra que A sentença que condenar autor ou cúmplice de homicídio doloso, ainda que não consumado, contra o autor da sucessão ou contra o seu cônjuge, descendente, ascendente, adoptante ou adotado, pode declarar a indignidade sucessória do condenado, nos termos e para os efeitos previstos na alínea a) do artigo 2034.º e no artigo 2037.º do Código Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 2036.º do mesmo Código.
Como se refere no acórdão citado, é a parte final desta norma que revela a autonomia da via nele prevista de declaração da indignidade sucessória relativamente ao que se dispõe no art.º 2036.º do CC.
Ou seja, a declaração nos termos do artº 69º-A do CP não pressupõe qualquer enxerto cível nem está sujeita ao princípio do pedido, operando automaticamente.
E é mesmo o Projecto de Lei nº 662/XII/4ª, que conjuntamente com o Projecto de Lei nº 632/XII/3ª, esteve na origem da Lei nº 82/2014, após alusão à situação intolerável de o cônjuge homicida poder herdar os bens da vítima, que esclarece essa questão, dizendo:
É neste contexto que se fundamenta a presente iniciativa, visando a automaticidade da declaração de indignidade sucessória, no quadro de sentença condenatória pela prática do crime de homicídio.
No sentido da automaticidade pronunciam-se também Simas Santos e Leal Henriques, sendo inequívoco que foi esse o propósito do legislador e que é também o que melhor se concilia com a letra do preceito, como vem aceitando a nossa melhor Jurisprudência.
Neste caso, porém, ainda que se não optasse por seguir esta corrente jurisprudencial, e opta-se, sempre teríamos reunidos os pressupostos de ponderação, quer do CC quer gerais do CP, que nos permitiriam concluir do mesmo modo.
Em face da gravidade do crime em causa e das circunstâncias do seu cometimento, não temos quaisquer dúvidas em que se mostram verificados os pressupostos dessa declaração, o que se decide." (fim de transcrição).
De acordo com o disposto na al. c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP, a sentença é nula quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Conforme se expendeu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de outubro de 2010, proferido no âmbito do Proc. 70/07.0JBLSB.L1.S1 e disponível em www.dgsi.pt
A omissão de pronúncia significa, na essência, ausência de posição ou de decisão do tribunal em caso ou sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa sobre questões que lhe sejam submetidas, ou que o juiz oficiosamente deve apreciar,
Por sua vez o excesso de pronúncia significa que o Tribunal conheceu de questão de que não lhe era lícito conhecer porque não compreendida no objecto do recurso.
Para efeitos da nulidade ora invocada e prevista na al. c) do nº 1 do art. 379.º do CPP, o conhecimento proibido é o que resulte de decisão não compreendida pelo objecto da causa, isto é que extravassa o thema decidendum.
Ora, revertendo ao caso dos presentes autos, a apreciação em juízo de elementos atinentes à verificação ou não de indignidade sucessória e, na afirmativa, da sua declaração, retirando-se destas as necessárias e legais consequências, era matéria, que, importa repeti-lo, não podia deixar de ser devidamente considerada e analisada, dentro dos poderes de livre apreciação da prova, ínsito no art. 127.º do CPP, e do dever jurisdicional de descoberta da verdade material, sob pena de não o fazendo, aí sim, estar o tribunal a quo a incorrer na nulidade de omissão de pronúncia, também prevista na al. c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP.
Com efeito, percorrido cuidadosamente o acórdão recorrido, do seu teor no confronto com o da acusação pública e da pronúncia e do que nelas consta, bem como da prova documental junta aos autos e do que resultou da discussão da causa na audiência de discussão e julgamento, verifica-se claramente não ter sido cometido pelos julgadores a quo qualquer excesso de pronúncia face ao tema a decidir, não extravasando nem extrapolando a decisão recorrida os limites da vinculação temática, do concreto objeto submetido à sua apreciação, isto é do quadro temático submetido à cognição proposta pelo acusador público e mantido pelo Juiz de Instrução.
Uma última nota para referir que, pese embora a defesa do recorrente entenda, como insistiu o seu ilustre mandatário na audiência realizada nesta Relação, que a simulação, dada como provada sob o n.º 46, é questão que só podia ser tratada em acção cível e que simulação é um conceito exclusivamente de direito, assim efectivamente não acontece, pois, por um lado, é passível de ser apreciada, como o foi, em processo crime (apesar de, presentemente, a simulação de negócio já não ser criminalmente punível[28]), podendo ser invocada por qualquer interessado, mas sendo também de conhecimento oficioso[29], e por outro lado, simulação[30] é simultaneamente matéria de facto e de direito, devendo aqui atentar-se que o “intuito de enganar constitui matéria de facto fora do âmbito dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça.”[31]
Improcede pois a nulidade invocada quanto ao excesso de pronúncia.
Termos em que, neste particular, o recurso do arguido AA não pode lograr provimento.
3.3. Mais alega o arguido e ora recorrente AA que o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo encontra-se ferido de nulidade, por padecer do vício de falta de fundamentação da matéria de facto dada como provada e exame crítico da prova, exigido nos artigos 97.º, n.º 5, 374.º, n.º 2, 379.º, n.º 1, al. a), todos do CPP.
Vejamos.
De acordo com o disposto na al. a) do n.º 1 do art. 379.º do CPP, a sentença é nula quando, no que ora importa, não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º.
Sendo que, o artigo 374.º (epigrafado “Requisitos da sentençaVer jurisprudência”) depois de no seu n.º 1 preceituar que a  sentença começa por um relatório, que contém a indicações tendentes à identificação do arguido, do assistente e das partes civis, a indicação do crime ou dos crimes imputados ao arguido, segundo a acusação, ou pronúncia, se a tiver havido, e ainda a indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada, acrescenta no seu n.º 2 que: “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.". Finalmente, o n.º 3 do artigo 374.º determina que a sentença termina pelo dispositivo que deve conter, nos termos da sua alínea b) (a única que aqui interessa ser considerada por ser apenas esta cuja preterição é geradora de nulidade), a decisão condenatória ou absolutória.
Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de março de 2007, "III. A fundamentação adequada e suficiente da decisão constitui uma exigência do moderno processo penal e realiza uma dupla finalidade: em projecção exterior (extraprocessual), como condição de legitimação externa da decisão, pela possibilidade que permite de verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor e motivos que determinaram a decisão; em outra perspectiva (intraprocessual), a exigência de fundamentação está ordenada à realização da finalidade de reapreciação das decisões dentro do sistema de recursos - para reapreciar uma decisão, o tribunal superior tem de conhecer o modo e o processo de formulação do juízo lógico nela contido e que determinou o sentido da decisão (os fundamentos) para, sobre tais fundamentos, formular seu próprio juízo."
Ora, como resulta da simples leitura da decisão recorrida ora em apreço, a mesma evidencia, com clareza, as razões pelas quais o Tribunal a quo deu como provados os factos constantes do respectivo rol, o mesmo se dizendo para os não provados
Ademais a decisão, pese embora não exuberantemente fundamentada, justifica as opções tomadas no que respeita aos factos que deu como provados e não provados e, da enunciação da credibilidade atribuída a cada uma das declarações e depoimentos, evidenciando-se-nos que essa apreciação  (sem embargo do que se decidirá seguidamente em 3.4.) é compaginável com raciocínio lógico assente nas regras da experiência e senso comuns.
E, como bem explica o mesmo aresto[32] "V.- O “exame crítico” das provas constitui uma noção com dimensão normativa, com saliente projecção no campo que pretende regular - a fundamentação em matéria de facto - mas cuja densificação e integração faz apelo a uma complexidade de elementos que se retiram, não da interpretação de princípios jurídicos ou de normas legais, mas da realidade das coisas, da mundividência dos homens e das regras da experiência; a noção de «exame crítico apresenta-se, nesta perspectiva fundamental, como categoria complexa, em que são salientes espaços prudenciais fora do âmbito de apreciação próprio das questões de direito. ..." (fim de transcrição, com sublinhados nossos)
Ora, o que resulta da alegação do recorrente AA é o seu desconforto quanto à matéria de facto que foi dada como provada e que impugna.
E, tendo em conta que, como do mesmo aresto[33] resulta "VI. O exame critico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção (cf., v.g., Ac. do STJ de 30-01-2002, Proc. n.° 3063/01).", forçoso é concluir que ao recorrente não assiste a mínima razão ao imputar à decisão a nulidade referida.
Razões pelas quais há que concluir que "X. Não existe insuficiência da fundamentação se na decisão estão enunciados, especificadamente, os meios de prova que serviram à convicção do tribunal, permitindo, no contexto ambiental, de espaço e de tempo, compreender os motivos e a construção do percurso lógico da decisão segundo as aproximações permitidas razoavelmente pelas regras da experiência comum."
Neste mesmo contexto o recorrente entende que a sua palavra é tão ou mais válida que a do coarguido.
Porém, como resulta da fundamentação da decisão recorrida, para além de a prova produzida não resultar apenas das declarações do coarguido DD, estas, quanto ao envolvimento de AA na morte de sua mãe, que desejou, planeou e executou, mostram-se corroboradas, no que releva, pela demais prova produzida nos autos, pelo que se evidencia ter sido feita uma análise crítica da mesma.
No caso do acórdão recorrido é manifesto, face ao seu teor, que este deu cabal cumprimento às menções referidas quer no n.º 2 quer na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º do CPP, pelo que, consequentemente, não se verifica a apontada nulidade da sentença, prevista no art. 379.°, n.º 1, al. a), do CPP, improcedendo o recurso do arguido AA neste segmento.
3.4. Impugnando a matéria de facto, por erro de julgamento, pugna o recorrente Ministério Público que deve retirar-se da assente como provada sob ponto 29) que o arguido AA era titular (cotitular) da conta bancária nº ...01 do BPI associada ao cartão de débito nº ...71, pois era apenas titulada por CC, remetendo-se quanto a subjacente argumentação do Ministério Público o expendido nas suas conclusões de recurso 2) a 14), acima transcritas e que aqui se dão de novo por reproduzidas.
Com efeito, deu-se como provado no acórdão recorrido sob ponto 29 que “Os arguidos agiram ainda com intenção de retirarem e fazerem sua a quantia monetária depositada na conta bancária co-titulada por CC e pelo arguido AA no Banco BPI, associada ao cartão de débito nº ...71, através da utilização do referido cartão em máquinas de ATM.”
O tribunal a quo, em sede da sua fundamentação da matéria de facto, enuncia como meios de prova que levou em ponderação para a formação da sua convicção, e no que a este propósito respeita, quer a documental resultante da “Informação da SIBS, fls. 77”, dos Autos de busca e apreensão e do “Extracto bancário/saldo da conta titulada por CC associada ao cartão de débito n.º ...71, reportado ao dia 13.04.2020”, quer a testemunhal decorrente dos depoimentos de GG, namorado da vítima, e de KK, amiga da falecida, afirmando que, em audiência de discussão e julgamento, o primeiro no seu depoimento referiu que “A vítima tinha um cartão de crédito de uma conta que tinha com o filho [desconhecendo em que banco], mas tinha lá pouco dinheiro porque tirou a parte substancial do dinheiro dessa conta para uma contra dela no Millenium”, enquanto a segunda, ao ser inquirida, disse que: “À declarante, a falecida disse que tinha contas bancárias, que deu 20.000€ ao filho para o Uber e disse que tinha uma conta bancária com o filho, de onde retirou a maioria do dinheiro para uma conta só dela, com receio de que ele lhe levantasse o dinheiro de lá.”.
Ora, com o devido respeito e salva melhor opinião, entende este tribunal ad quem que a titularidade ou cotitularidade de uma conta bancária tem de estar documentalmente comprovada, sendo que in casu tanto mais se torna pertinente pelas implicações jurídicas daí decorrentes. Não é por duas pessoas amigas virem afirmá-lo que tal tem suporte legal e/ou corresponda à realidade dos factos. O arguido AA podia ter acesso àquela conta não por ser seu (co)titular mas, por exemplo, por ser procurador ou pessoa autorizada a qualquer outro título à sua movimentação ou até mera consulta, poderes que, como se sabe, cessam, de qualquer forma, com a morte do representado.
Acresce que, a vítima não foi, naturalmente, ouvida.
O arguido AA, ouvido na sessão de julgamento de 19.04.2021, nada disse a este propósito (declarações prestadas entre as 10:02 e as 11:04), o mesmo sucedendo com as declarações por si prestadas em sede de primeiro interrogatório judicial, reproduzidas na sessão de julgamento de 19.04.2021, onde também nada resulta a este respeito (declarações de 18.04.2020 e 19.05.2020, ouvidas em julgamento no dia 19.04.2020 entre as 16:51 e as 17:20, e as 17:20 e as 17:34.)
Sucede que, nem da mencionada prova documental nem de qualquer outro documento se retira a cotitularidade dada como provada sob ponto 29.
Na verdade, da informação do Núcleo de Prevenção e Controlo da Fraude da Unidade de Negócio PAYWATCH da SIBS, prestada nos autos, por email de 15 de abril de 2020, a fls. 56 e 57 e constante na referência Citius n.º …, apenas é possível retirar informação relativa ao local e hora em que foram realizadas as diversas tentativas de utilização do cartão de débito com o nº ...61, afecto a conta bancária do BPI, no período temporal compreendido entre as 17:00 do dia 13.04.2020 e as 10:42 do dia 14.04.2021.
Cartão de débito nº ...61, com validade até “07/24” (julho de 2024), titulado por CC. No cartão, que se mostra fotografado a fls. 101 e cujo original está na folha de suporte 102, aparece apenas CC.
Por seu turno, a informação do Banco BPI, SA (de fls. 1270 a 1271), datada de 16 de outubro de 2020, recebida nos Serviços do Ministério Público, por fax, na mesma data, uma sexta-feira, pelas 16:09, junta aos autos de inquérito a 19 de outubro de 2020 e constante na referência Citius n.º …, apenas consigna “Em resposta ao processo e ofícios supra identificados, informamos que o cartão em causa está associado à conta de depósitos nº ...01, cujo mapa de movimentos para o período solicitado junto se remete. Apresentamos os nossos melhores cumprimentos”, vindo assinada pelo Diretor Adjunto da Direcção de Operações e pela Coordenador da mesma Direcção de Operações daquela instituição bancária. No referido mapa de movimentos, então junto pelo BPI, consta “CONTA …01” e os movimentos registados de 7 a 23 de abril de 2020 (recorde-se que o assassinato de CC ocorreu a 13 de abril de 2020), verificando-se apenas a crédito “20200407 TR.RECEBIDA 100,00” e seis movimentos a débito, a saber:
20200407 LEV.ATM xxxxxxxxxxxxx   -100,00
20200414 DESPESAS DE MANUTENÇÃO MARÇO 2020   -7,70
20200414 IMPOSTO DE SELO MARÇO 2020   -0,30
20200416 CHEQUE LEVAVULS   -100,00
20200416 DEB.,COM.,IMP.,PORTES E OUT.DESPESAS LEVAVULS  -4,94
20200423 JUROS DE EMPRESTIMO xxxxxxxxxxxxxxxxxx   -8,36.
Nesse extrato bancário são ainda mencionados os Saldos em EUROS após cada operação, sendo que o inicial (ao início do mês de abril de 2020) era de 121,10€ e o final (a partir de 23 de abril de 2020 e até ao final desse mês) era de 0,00€.
Daqui se retira, não só que a conta na data da morte de CC tinha o saldo de apenas 121,10€, bem como que no final desse mês de abril de 2020 a conta ficou a zeros, e isto sem que tenham ocorrido quaisquer levantamentos ATM após o seu decesso. O que confere com a factualidade dado como provada sob ponto n.º 45, onde se deu por assente que: “Algum tempo antes dos factos, sem se ter apurado quando em concreto, a vítima abriu uma outra conta, só em seu nome, no banco Millennium, para onde transferiu a maior parte do dinheiro que tinha naquela.”.
Em nenhum momento dessa informação bancária ou do extrato bancário a ela anexa se diz quem é ou são o titular ou titulares da conta em referência, resultando do cartão de débito e de demais expediente junto aos autos que CC o era inequivocamente, mas já o mesmo não se podendo afirmar relativamente ao seu filho, o ora recorrente e arguido AA.
Acresce ainda que, segundo as regras da experiência comum, se AA fosse titular daquela conta teria outros modos de apurar o respectivo saldo e de sacar dinheiro nela existente, sem ter de recorrer à subtracção do cartão de débito/multibanco da mãe associado àquela conta.
Em suma, tal como o recorrente Ministério Público, também julga este tribunal ad quem que, com base na prova pericial, documental e testemunhal produzida em julgamento (nesta última se incluindo as próprias declarações dos arguidos), nunca os Mmºs Juízes a quo poderiam ter dado como provado que a conta bancária do BPI associada ao cartão de débito nº ...61 era cotitulada por CC e pelo arguido AA, como consta no ponto 29) da matéria de facto dada como assente no acórdão recorrido.
Pelo contrário, afigura-se-nos que os Mmºs Juízes apenas poderiam ter dado como provado que a conta bancária do BPI associada ao cartão de débito nº ...61 era titulada por CC.
Aliás, quer na pronúncia, prolatada, pelo Mmº Juiz de Instrução Criminal …, a 3 de fevereiro de 2021 e constante na referência Citius n.º …, quer na acusação pública, deduzida a 15 de outubro de 2020, na …ª Secção de … do Departamento de Investigação e Ação Penal da Procuradoria da República da Comarca …, e constante a fls. 1246 e seguintes, para cuja factualidade a pronúncia remeteu dando-a por “integralmente reproduzida nos seus precisos termos”, sempre se diz apenas e tão-só que a conta bancária do Banco BPI, associada ao cartão de débito n.º ...61, é titulada por CC no Banco BPI (cfr. pontos 21. e 29. da acusação).
Por outro lado, o acórdão recorrido alude sempre àquele cartão de débito como tendo o n.º ...71 – vejam-se factos provados sob os pontos 21) e 29) e a sua indicação na prova que serviu na convicção dos julgadores a quo ao assentamento de tal matéria – quando na realidade resulta patente nos autos ter o número ...61. De resto, como é usual, os números dos cartões bancários, sejam de débito ou crédito, são formados por quatro conjuntos de quatro algarismos, num total de 16 e não de 17 algarismos como vertido no, repetidamente, indicado na decisão revidenda. Ou seja, o número do cartão de débito ora em apreço termina em 61 e não em 71.
Afigura-se-nos que se tratou, nos três casos, de manifesto lapsus calami, pois ressalta inequivocamente do contexto que foram ali cometidos meros erros materiais de escrita, facilmente inteligíveis e não essenciais para compreensão do Acórdão na sua globalidade, podendo ser corrigidos pelo Tribunal de recurso, nos termos do art. 380.°, n.° 1, al. b) e n.° 2 do Código de Processo Penal.
Dispõe o art. 380.º do CPP no seu n.º 1 que “O tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correção da sentença quando: a) Fora dos casos previstos no artigo anterior, não tiver sido observado ou não tiver sido integralmente observado o disposto no artigo 374.º; b) A sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial” e no seu n.º 2 acrescenta: “Se já tiver subido recurso da sentença, a correção é feita, quando possível, pelo tribunal competente para conhecer do recurso”.
Nestes termos, este Tribunal da Relação entende dever corrigir oficiosamente, visto o disposto no art. 380.º, nºs 1 al. b) e 2 do CPP, e em conformidade com o expendido supra, os erros acima indicados – n.º do cartão de débito de ...71 para ...61 –, atenta a circunstância de tais correcções não importarem modificação essencial ao ali decidido e não consubstanciarem uma limitação das garantias de defesa, conforme foi decidido pelo Tribunal Constitucional no Processo n.º 535/2006 da 2ª Secção.
Assim, decide-se que a onde no acórdão recorrido aparece “...71” deve antes passar a ler-se e figurar “...61”.
Transitado deverá a secção, na versão em papel do acórdão recorrido, proceder à referida correção, traçando/inutilizando o último algarismo 7 (sete) no n.º do cartão de débito que figura nos factos provados sob os pontos 21 e 29 e a sua indicação na prova que serviu na convicção dos julgadores a quo ao assentamento de tal matéria.
Em conformidade com tudo o supra exposto, mais decide este tribunal ad quem alterar a redacção do facto provado no acórdão recorrido sob ponto 29 que passará a ser a seguinte: “Os arguidos agiram ainda com intenção de retirarem e fazerem sua a quantia monetária depositada na conta bancária titulada por CC no Banco BPI, associada ao cartão de débito nº ...61, através da utilização do referido cartão em máquinas de ATM.”
Bem como, consequentemente, decidem que onde na fundamentação do acórdão recorrido está “o Arguido AA deitou mão ao cartão de multibanco que esta tinha na carteira da conta do BPI (de que ele era co-titular) e que entregou depois ao Arguido DD” e logo a seguir “o Arguido AA era quem sabia da existência deste cartão e conta [era co-titular dela], foi direito à carteira da mãe buscá-lo” passe a estar, respectivamente, “o Arguido AA deitou mão ao cartão de multibanco que esta tinha na carteira da conta do BPI e que entregou depois ao Arguido DD” e “o Arguido AA era quem sabia da existência deste cartão e conta, foi direito à carteira da mãe buscá-lo”.
No acórdão recorrido foi também dado como provado sob ponto 44 que “A conta do BPI cujo cartão de acesso foi levado de casa da vítima pelo arguido AA era co-titulada pela vítima e pelo próprio.”
Tal facto 44, perante o acabado de decidir, passa a estar em manifesta contradição com a nova redacção dada aos factos provados sob os pontos 21 e 29, pelo que se impõe passe a ter a seguinte redacção:
A conta do BPI cujo cartão de acesso foi levado de casa da vítima pelos arguidos era titulada pela vítima.”.
Lembre-se a este propósito que, como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de fevereiro de 2020[34], “O Tribunal da Relação não está impedido de, a fim de evitar contradições, adequar oficiosamente outra demais matéria de facto àquela que foi objeto de impugnação e modificação.”
Antes de concluirmos, dir-se-á ainda o seguinte:
Uma outra possível solução jurídica seria, porventura defendida por alguns, mas que não acolhemos, considerar que a decisão recorrida padecia de insuficiência para a matéria de facto provada, vício a que alude o art. 410.º do CPP, por se entender ser indispensável apurar se o arguido AA era ou não cotitular da conta bancária nº ...01 do BPI, reenviando-se o processo à primeira instância para que aí fossem efectuadas as competentes diligências para o apurar, em obediência ao princípio da descoberta da verdade material, mormente oficiando-se àquela instituição bancária e/ou ao Banco de Portugal colocando a questão e solicitando a ficha da respetiva conta, onde constasse o seu titular ou titulares.
Porém, é in casu irrelevante que o arguido AA seja ou não cotitular da indicada conta bancária, pois o que está em causa é o uso que foi dado ao cartão de débito n.º ...61, associado àquela conta bancária, na tentativa de levantar fundos da conta, sendo que tal cartão de débito era apenas, inequivocamente, titulado por CC e foi manifestamente usado sem o seu consentimento ou autorização, depois de lhe ter sido ilícita e abusivamente subtraído, encontrando-se esta “prostrada no solo, sangrando”, após o esfaqueamento brutal e mortal de que foi alvo por parte dos ora arguidos. Se o arguido AA fosse cotitular da indicada conta bancária poderia de modo próprio ter também um cartão de débito a ela associado (seguramente diverso do cartão de débito n.º ...61) e se o usasse para levantar dinheiro não cometeria o crime de burla informática pelo qual foi pronunciado. Todavia, usando cartão de débito de que patentemente não é titular na tentativa de levantar dinheiro da conta, como se tal operação fosse feita pela sua mãe ou por esta autorizada, o ilícito penal em causa, isto é, o crime de burla informática, mostra-se preenchido, matéria a que voltaremos mais adiante.
Assim sendo, apurar se o arguido AA era ou não cotitular da conta bancária nº ...01 do BPI, seria praticar acto inútil, proibido por lei, conforme estabelece o art. 130.° do Código do Processo Civil, aplicável ao processo penal nos termos do art. 4.° do CPP.
3.5. Alega o arguido e ora recorrente AA que o Tribunal a quo procedeu à alteração da seguinte matéria de facto constante da Acusação: pontos 4, 10, 17, 20, dando ainda, como provado, sem que essa matéria constasse da Contestação dos Arguidos, os factos constantes como provados sob n.ºs 39, 43 a 46. Ou seja, em sua opinião o Tribunal a quo procedeu a uma alteração da matéria de facto dada como provada, com referência à matéria constante da Acusação, por um lado e, por outro, procedeu à ampliação dessa mesma matéria de facto constante da Acusação, mas não comunicou ao Arguido que iria proceder a uma alteração dos factos e bem assim que iria proceder a uma ampliação da matéria constante da Acusação. Sucede que, antes de proferir a referida alteração e decisão estava o Tribunal a quo obrigado a comunicá-la à defesa do Arguido e conceder-lhe, se ele o requeresse, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa. Não o tendo feito violou o artigo 358.º do C.P.P., motivo pelo qual, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea b), do C.P.P., encontra-se a decisão proferida ferida de nulidade.
Vejamos se, efectivamente, assim sucedeu e em que termos e circunstâncias ocorreu e se tais alterações constituem alterações substanciais dos factos ou alterações não substanciais dos factos descritos na acusação/pronúncia?
O art. 1.º do CPP contém, definições legais de diversos termos utilizados naquele diploma, o que facilita a compreensão do regime legal vigente, mormente no que ora nos importa apreciar.
Entre os termos que se encontram definidos nesse artigo, encontramos na alínea f) a definição do que se entende por alteração substancial dos factos.
Alteração substancial dos factos é «aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis».
Daqui resulta que, qualquer alteração dos factos que não implique a imputação de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, é uma alteração não substancial dos factos.
A lei não fornece uma definição de alteração não substancial dos factos, no entanto, a alínea j) do artigo 1º define o conceito de alteração substancial dos factos, estabelecendo que esta é aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis. Assim, alteração não substancial dos factos é aquela que, consubstanciando embora uma modificação dos factos constantes da acusação ou da pronúncia, não tem por efeito a imputação de um crime diverso, nem a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
«Só constitui alteração substancial dos factos a modificação que se reporte a factos constitutivos do crime e a factos que tenham o efeito de imputação de um crime punível com uma pena abstracta mais grave. A modificação dos restantes factos que constem da acusação ou da pronúncia constitui alteração não substancial dos factos, desde que sejam relevantes para a decisão da causa» (Paulo Pinto de Albuquerque, fn Comentário do Código de Processo Penal, pág. 39).
Assegurar com equilíbrio os direitos de defesa dos arguidos e garantir a necessidade de prossecução da justiça como e enquanto fim do Estado é tarefa delicada, mas não impossível. A génese dos arts. 358.º e 359.º do CPP é precisamente a de assegurar esse equilíbrio, impondo diferentes procedimentos consoante o grau de compressão dos direitos de defesa dos arguidos.
Afirmar que sempre que uma alteração de factos ponha em causa a defesa estaremos perante uma alteração substancial de factos, equivale a dizer que todas as alterações de factos serão substanciais, não se compreendendo, então, por que razão o legislador processual penal consagra um regime específico para as alterações não substanciais.
Com efeito, a defesa do arguido é sempre posta em causa com qualquer alteração de factos ou até mesmo de mera qualificação jurídica que lhe seja comunicada, pois o objeto do processo está fixado com a acusação e é a esta que o arguido direciona a sua defesa. Introduzir alterações para as quais o arguido não estava preparado vai bulir, potencialmente, com a defesa que delineou.
Daí que o legislador tenha imposto, quer no caso da simples alteração da qualificação jurídica, quer no caso das alterações não substanciais de factos, que ocorra comunicação ao arguido e que lhe seja concedido prazo para reorganizar a sua defesa em função das alterações comunicadas (art. 358.º do CPP).
Porém, não é toda e qualquer alteração de factos que assume o relevo processual suficiente para desencadear a necessidade de comunicação a que aludem os arts. 303º, n.º 1, e 358.º, n.º 1, do CPP.
Vinício A. P. Ribeiro, em anotação ao art. 1.º do CPP, esclarece que “«A jurisprudência dos Tribunais superiores tem sido constante no entendimento de que, não há alteração, substancial ou não, para os efeitos dos arts. 358.º e 359.º do CPP, quando os factos considerados provados representam um minus relativamente aos da acusação e nenhuns novos são introduzidos – cfr. Ac. STJ, de 3.4.1991, CJ, tomo II, pág. 17; Ac. STJ, de 5.7.2001, proc. n.º 4000/00-3.ª, SASTJ n.º 53, 62; Ac. STJ, de 7.11.2002, proc. n.º 3158/02-5.ª, SASTJ n.º 65, 67; Ac. STJ, de 12.11.2003, proc. n.º 1216/03-3.ª; SASTJ, n.º 75,93.» (Extracto do Ac. RP de 14 de Junho de 2006, Proc. 0612048, Rel. Borges Martins).
«Nesta conformidade podemos assentar que a comunicação prevista no citado art. 358.º, apenas tem lugar quando se tratar de uma alteração não substancial relevante, o que sucede quando essa modificação divirja do que se encontra descrito na acusação ou na pronúncia e a subsequente comunicação se mostre útil à defesa.
Mas quando é que isso sucede?
Para o efeito tem-se considerado que não existe uma alteração dos factos integradora do art. 358.º, quando a factualidade dada como provada no acórdão condenatório consiste numa mera redução daquela que foi indicada na acusação ou na pronúncia, por não se terem dado como assentes todos os factos aí descritos – Ac. TC n.º 330/97 [DR, II Série 1997/Julho/03] (…)” (Código de Processo Penal, Notas e Comentários, Coimbra Editora, 2008, pág. 73).
É o caso de quase todas as alterações a que o arguido AA, ora recorrente, se reporta.
O que aconteceu no caso em apreço, foi a não comprovação de uma data mais específica (“Em data não concretamente apurada, mas anterior a 06.04.2020”, in ponto 4), de uma hora mais específica (“hora não concretamente apurada, mas após as 16h00”, in ponto 17), de qual dos dois arguidos concretamente segurou a vítima enquanto o outro a esfaqueou (in ponto 20), como adiante melhor se verá
Isto corresponde a uma redução, por falta de demonstração, dos factos, mormente temporais, de que os arguidos estavam acusados e, logo, a um minus do que constava da acusação, sem introdução de novos factos.
E vimos já que de acordo com a nossa doutrina, uma alteração de factos que se reporte ao tempo e ao lugar será não substancial se não se referir aos elementos constitutivos do tipo de crime e se do ponto de vista social continuar a ser possível identificar aquela unidade factual histórica como sendo a mesma.
Para o comum das pessoas, para o homem médio, o acontecimento histórico são aqueles actos perpetrados pelos arguidos AA e DD sobre a vítima, mãe do primeiro. Mas é irrelevante conseguir determinar a data, ainda que aproximada, em que os arguidos se conluiaram ou a hora exacta a que a vítima chegou a casa, ou quem com a faca que desferiu os golpes na vítima ou usou a almofada pois não estamos perante tipos criminais que, por exemplo, pressupõem que a vítima tenha idade que se situe dentro de uma determinada faixa etária – mas essas circunstância de tempo e execução, ainda que variando ligeiramente no espaço e no modo, não transforma o acontecimento histórico num outro totalmente diferente.
Ou seja, nada disso torna o crime de homicídio imputado aos arguidos num crime diverso. Os factos imputados aos arguidos são bem claros quanto aos elementos típicos desse crime de homicídio. O preciso dia em que foi acordado cometê-lo ou a hora do dia 13 de abril de 2020 em que ocorreu não é seguramente um deles. O crime mantém-se o mesmo, pois o quadro factual não é diferente quanto aos elementos materialmente relevantes de construção e identificação factual.
O que se passou, verdadeiramente, como em muitos outros processos que já correram ou ainda correm termos nos nossos tribunais, foi a impossibilidade de se provar, por exemplo, um concreto dia e uma concreta hora, em que determinados factos aconteceram, embora se tenha demonstrado o demais que constava na acusação.
E isto, repete-se, corresponde a uma redução, por falta de demonstração, de factos de que os arguidos estavam acusados e, logo, a um minus do que constava na acusação, sem introdução de novos factos.
Não há, pois, necessidade de operar qualquer tipo de comunicação de alteração de factos, porque as que ocorreram, por falta de demonstração de um facto que constava da acusação, não é relevante.
Argumentar-se-á que a sua defesa ficou assim dificultada. No entanto, o que o arguido tem que ter presente é que quando prepara a sua defesa deve ter em conta todo o acervo factual constante – quanto ao que aqui releva – da acusação, não podendo deixar de ter presente que alguns desses factos poderão não se demonstrar.
Uma coisa é a defesa ficar dificultada porque ocorreu uma alteração de factos, em que são introduzidos novos elementos circunstanciais, outra é apenas não se provar parte do que lhe era imputado. Em qualquer julgamento, o arguido tem de ter presente que a não demonstração parcial da acusação/pronúncia pode acontecer (e acontece frequentemente) e deve acautelar isso na preparação da sua defesa. Se não acautela só a ele podem ser imputadas as eventuais dificuldades de defesa.
E tanto assim é que o arguido preparou a sua defesa em termos mais abrangentes do que aqueles que agora parece querer demonstrar.
Aprofundemos, um pouco mais, o caso concreto.
Comecemos por recordar aqui o que se deu por assente como factos provados sob os assinalados pontos n.ºs 4, 10, 17, 20, bem como provados sob os também indicados pontos n.ºs 39, 43 a 46, voltando a todos transcrever:
“4. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 06.04.2020, o arguido AA abordou o arguido DD, e prometendo pagar-lhe €6.000,00, pediu-lhe que o auxiliasse a tirar a vida a CC, sua mãe.
10. Durante o período de tempo compreendido entre os dias 06.04.2020 a 13.04.2020 o arguido AA ligou várias vezes para o arguido DD e enviou-lhe sms e mensagens WhatsApp para os aparelhos com cartões telefónicos com os nº ...96 (número identificado na agenda do arguido como VV), ...46 (número identificado na agenda do arguido como WW) e ...53 (número identificado na agenda do arguido como XX) por forma a combinarem o plano, dado que CC nesse período se encontrava em ..., na residência do seu namorado GG.
17. A hora não concretamente apurada, mas após as 16h00m CC entrou em casa.
20. De seguida, usando para o efeito a faca que tinham transportado, enquanto um dos arguidos prendia CC, o outro arguido desferiu, de cima para baixo, de fora para dentro e de trás para a frente 14 golpes na zona do pescoço daquela, atingindo vasos sanguíneos situados na zona do pescoço, designadamente a jugular e a carótida.
39. Os arguidos, além da faca com que desferiram os golpes na vítima, usaram uma almofada na cabeça da mesma para abafar algum pedido de socorro que fizesse, elementos que recolheram do local e levaram consigo após a morte daquela.
43. O arguido AA, bem como o arguido DD, desconhecia a existência de tal cofre.
44. A conta do BPI cujo cartão de acesso foi levado de casa da vítima pelo arguido AA era co-titulada pela vítima e pelo próprio.
45. Algum tempo antes dos factos, sem se ter apurado quando em concreto, a vítima abriu uma outra conta, só em seu nome, no banco Millennium, para onde transferiu a maior parte do dinheiro que tinha naquela.
46. Em data não concretamente apurada, mas já após a morte da sua mãe, o arguido AA, de forma não concretamente apurada, fez inscrever a propriedade da casa da mãe a favor de MM, simulando com a mesma um contrato de compra e venda que não existiu efectivamente e por cuja referida aquisição nenhum preço foi pago.”. (fim de transcrição).
Ora, quanto ao facto provado sob o ponto n.º 4, já na acusação, deduzida a 15 de outubro de 2020, na …ª Secção de … do Departamento de Investigação e Ação Penal da Procuradoria da República da Comarca …, e constante a fls. 1246 e seguintes, com acolhimento na pronúncia, prolatada, pelo Mmº Juiz de Instrução Criminal …, a 3 de fevereiro de 2021 e constante na referência Citius n.º …, existia a imputação dessa mesma factualidade igualmente sob ponto 4. do seguinte teor:
4. Em data anterior a 06/04/2020, mas ocorrida entre Fevereiro e Março de 2020, o arguido AA abordou o arguido DD, e prometendo pagar-lhe € 6.000,00, pediu-lhe que o auxiliasse a tirar a vida a CC, sua mãe.”
A redacção dada no acórdão recorrido é ipsis verbis a da acusação/pronúncia, limitando-se o Colectivo a quo manter que a data de tal abordagem, promessa e pedido foi “anterior a 06.04.2020”, “mas”, consignando “Em data não concretamente apurada” e não dando como provado, tal como vinha na acusação/pronúncia, que essa “data anterior a 06/04/2020” situar-se-ia como “ocorrida entre Fevereiro e Março de 2020”.
Tratou-se, aqui, portanto, de uma alteração não substancial da matéria de facto, circunscrevendo, para menos, a data em apreço, sem qualquer necessidade de prévia comunicação aos arguidos.
Também quanto ao facto provado, no acórdão ora recorrido, sob o ponto n.º 10, já na acusação, com acolhimento na pronúncia, existia a imputação dessa mesma factualidade igualmente sob ponto 10. do seguinte teor:
10. Durante o período de tempo compreendido entre os dias 06/04/2020 a 13/04/2020 o arguido AA ligou várias vezes para o arguido DD e enviou-lhe sms e mensagens WhatsApp para os aparelhos com cartões telefónicos com os n.º ...96 (n.º identificado na agenda do arguido como VV), ...46 (n.º identificado na agenda do arguido como WW) e ...53 (n.º identificado na agenda do arguido como XX) por forma a combinarem o plano, dado que CC nesse período se encontrava em ..., na residência do seu companheiro GG.”
A redacção dada no acórdão recorrido é como se vê ipsis verbis a da acusação/pronúncia, pelo que é patente a sem razão do recorrente AA.
Por seu turno, quanto ao facto provado, no acórdão ora recorrido, sob o ponto n.º 17, já na acusação, com acolhimento na pronúncia, existia a imputação dessa mesma factualidade igualmente sob ponto 17. do seguinte teor:
17. Pelas 17h45 CC entrou em casa.”
 A redacção dada no acórdão recorrido limitou-se a não dar como provado que CC entrou em casa pelas 17h45, mas que o fez “A hora não concretamente apurada, mas após as 16h00m”, alteração factual de 15 minutos perfeitamente irrelevante in casu – justificada perante o que se deu como provado no ponto 15. – e sem que dessa alteração não substancial da matéria de facto, houvesse obrigação ou necessidade de prévia comunicação aos arguidos, falecendo também aqui razão ao recorrente AA.
Quanto ao facto provado, no acórdão ora recorrido, sob o ponto n.º 20, já na acusação, com acolhimento na pronúncia, existia a imputação dessa mesma factualidade igualmente sob ponto 17. do seguinte teor:
“20. De seguida, usando para o efeito a faca que tinham transportado, enquanto o arguido AA prendia CC, o arguido DD desferiu, de cima para baixo, de fora para dentro e de trás para a frente 14 golpes na zona do pescoço daquela, atingindo vasos sanguíneos de e situados na zona do pescoço, designadamente a jugular e a carótida.”
 A redacção dada no acórdão recorrido a esse ponto 20 limitou-se a confirmar que “De seguida, usando para o efeito a faca que tinham transportado” foram desferidos pelos arguidos “de cima para baixo, de fora para dentro e de trás para a frente 14 golpes na zona do pescoço daquela, atingindo vasos sanguíneos situados na zona do pescoço, designadamente a jugular e a carótida.” e não podendo, na dúvida, o tribunal explicitar que quem desferiu os golpes à facada foi “o arguido DD enquanto o arguido AA prendia CC”, como lhes era imputado na acusação/ pronúncia, deu apenas por provado que “enquanto um dos arguidos prendia CC, o outro arguido desferiu, de cima para baixo, de fora para dentro e de trás para a frente 14 golpes na zona do pescoço daquela, atingindo vasos sanguíneos situados na zona do pescoço, designadamente a jugular e a carótida.
Tratou-se, aqui, portanto, de uma alteração não substancial da matéria de facto, circunscrevendo, para menos, a concretização de qual dos arguidos prendeu a vítima enquanto e para que o outro lhe desferisse os golpes, sem qualquer necessidade de prévia comunicação aos arguidos, já que tendo actuado em coautoria, conluiados, em comunhão de esforços e previamente mancomunados, isso é juridicamente irrelevante.
Quanto ao facto provado, no acórdão ora recorrido, sob o ponto n.º 39, já na acusação, com acolhimento na pronúncia, existia a imputação dessa mesma factualidade sob ponto 19. do seguinte teor:
“19. Seguidamente, em comunhão de esforços e de intenções, o arguido AA, sem que esta se apercebesse, aproximou-se de CC, projectou-a para o solo e o arguido DD colocou-lhe em cima da cara uma almofada, que pressionou, momentaneamente, tapando-lhe a boca e o nariz.”.
Também aqui a redacção dada no acórdão recorrido a esse ponto 39 limitou-se a confirmar que “Os arguidos, além da faca com que desferiram os golpes na vítima, usaram uma almofada na cabeça da mesma para abafar algum pedido de socorro que fizesse, elementos que recolheram do local e levaram consigo após a morte daquela.”, e bem, por não ter sido possível ao Colectivo a quo determinar quem concretamente colocou em cima da cara  da vítima a almofada e a pressionou, momentaneamente, tapando-lhe a boca e o nariz. Quanto a ter-se acrescentado que os arguidos após a morte de CC e ao saírem da casa desta levaram consigo a faca e almofada por si usadas, é apenas a mera explicitação de que tais objectos não foram deixados no local do crime, pois se o tivessem sido não só teriam sido ali posteriormente encontrados, apreendidos e sujeitos a exame pelos OPC’s (PSP/PJ) e autoridades judiciárias, como denotaria manifesta estultícia e imprevidência por parte dos arguidos, que, como se apurou, não possuem qualquer doença do foro mental que os iniba de entenderem todos os actos que praticaram de acordo com a sua vontade livremente formada e determinada, pelo que, segundo as regras da experiência comum, não faria sentido deixarem as “armas” do crime, necessariamente com vestígios biológicos, da vítima mas também seus, no cenário do crime.
Tratou-se, aqui, portanto, de uma alteração não substancial da matéria de facto, circunscrevendo, para menos, a concretização de qual dos arguidos usou a almofada, sem qualquer necessidade de prévia comunicação a estes arguidos, já que tendo actuado em coautoria, conluiados, em comunhão de esforços e previamente mancomunados, isso é juridicamente irrelevante.
Já quanto ao facto provado, no acórdão ora recorrido, sob o ponto n.º 43., a saber:O arguido AA, bem como o arguido DD, desconhecia a existência de tal cofre.”, é verdade que na acusação/pronúncia não se alude a nenhum cofre, mas a sua existência na casa da vítima foi detectada pela autoridades logo no dia da morte de CC, carreada para os autos (informação, fotos, características, localização e conteúdo) e os arguidos no inquérito e julgamento foram com isso confrontados, daí o assente como factos provados, no acórdão ora recorrido, sob os pontos que antecedem o ora sob sindicância onde se deu por assente, recordemo-lo aqui:
 “40. Na casa da vítima, dentro de um guarda-fatos da mesma, estava um cofre que continha dinheiro e jóias, pertencentes à ofendida, e que os arguidos não levaram consigo.
41. Muito embora esse cofre estivesse aberto.
42. O cofre foi adquirido pela vítima, cerca de dois meses antes, com o auxílio do seu namorado, GG, que lhe programou o código, e que a vítima usava para guardar os valores que tinha em casa.”.
Houve na realidade no facto provado, vertido no acórdão ora recorrido, sob o ponto n.º 43., um aditamento a matéria que não constava da acusação/pronúncia, mas que, todavia, resultava da prova produzida e conhecida desde sempre pelos arguidos. Contudo, por isso e sobretudo estando o facto formulado pela negativa não se impunha, s.m.o., a sua prévia comunicação aos arguidos.
Quanto ao facto provado sob o ponto n.º 44 este tribunal ad quem já decidiu eliminá-lo dos factos provados, remetendo-se aqui para o que supra dissemos em 3.4., pelo que no domínio ora em análise nada importa ser apreciado.
Quanto ao facto provado sob o ponto n.º 45 (“Algum tempo antes dos factos, sem se ter apurado quando em concreto, a vítima abriu uma outra conta, só em seu nome, no banco Millennium, para onde transferiu a maior parte do dinheiro que tinha naquela.”) é matéria que não constava da acusação/pronúncia, mas sendo estranha à conduta dos arguidos irreleva quanto a nós, também, s.m.o., levando a desnecessidade da sua prévia comunicação aos arguidos.
Finalmente, quanto ao facto provado – ponto n.º 46 – remetemos aqui quanto à sua assertiva inclusão na materialidade assente para o que supra dissemos em 3.2.
Aliás tudo isto, foi logo explicitado no acórdão recorrido quando, no início da sua fundamentação da matéria de facto, consignou:
“Quanto a alterações pontuais ou não de factos que venha a verificar-se no texto desta decisão, decorreram sempre do exercício dos direitos de defesa pelos arguidos, quer porque os assumiram ou a eles se reportaram, quer porque eles resultam por provar de acordo com a versão aceite pelos mesmos, ou resultam provados por confronto das suas declarações com outra prova produzida, não constituindo alteração substancial de outros e não constituindo nenhuma novidade em termos do que foi discutido e do que se puderam os arguidos oportunamente defender, pelo que nenhuma comunicação prévia se impõe quanto a eles fazer.” (fim de transcrição).
Em suma: Em todos os apontados casos estivemos sempre perante alterações não substanciais dos factos, de natureza irrelevante, fosse por consistirem numa mera redução da factualidade que foi indicada na acusação/pronúncia, por não se terem dado como assentes todos os factos aí descritos, fosse por não terem qualquer efeito útil à defesa e ainda porquanto, do ponto de vista social, sempre continuou a ser possível identificar a unidade factual histórica como sendo a mesma.
Com a conduta dos Mmºs Juízes de primeira instância, não se vê que tenham sido postergados quaisquer direitos de defesa dos arguidos.
Destarte, procedeu o Tribunal a quo, a meras alterações não substanciais de factos referentes a enquadramento temporal e circunstancial existente na acusação, os quais, porém, por irrelevantes para a decisão da causa, não tinha de in casu ser comunicadas aos recorrentes nos termos e para os efeitos do art. 358.º, n.º 1, do CPP.
Pelo exposto, não foram violados os artigos 358.º, 359.º e 1.º, al. f) do CPP, não estando a decisão recorrida ferida da invocada nulidade (a prevista no art. 379.º, n.º 1, al. b), do CPP), improcedendo, assim, nesta parte, o recurso do recorrente AA.
3.6. Impugnando a matéria de facto, por erro de julgamento, defende o arguido e ora recorrente AA que, em face da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, deveriam ter sido julgados como NÃO PROVADOS os seguintes factos assentes como provados, na decisão recorrida, sob pontos 3, 4, 5, 6, 7, 8, 11, 12, 15, 16, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 26, 27, 28, 39, 43, 44, 45 e 46 (ou, pelo menos, em relação a si, ser dados como não provados os pontos 4, 5, 6, 7, 8, 15, 18, 19, 20, 21, 22, 26, 27 e 39) e serem dados como PROVADOS os factos que na sua contestação são referidos em 11º, 14º, 21º a 24º, 29º, 30º, 32º, 37º, 38º, 40º e 42º.
Ainda em sede de impugnação da matéria de facto, alega o recorrente AA que o acórdão proferido pelo Tribunal a quo padece de contradição insanável da fundamentação, vício previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, ao ter dado como provado o assente sob pontos 28, 29 e 30 e depois, em sede de fundamentação, concluir em sentido contrário à matéria de facto dada como provada, ao, na página 91, afirmar que: “Isto também significa que, provados os factos quanto à imputação do crime de homicídio, e no específico contexto em que se provam, fica excluída a prova da intenção quanto ao crime de roubo (já que nunca foi essa a intenção dos arguidos) e quanto à base fundamental da tentativa de burla informática. De facto, se quanto ao primeiro destes aspectos vale toda a fundamentação antecedente (de onde resulta que a intenção nunca foi a de roubo)… Nestes termos, a matéria de facto provada impede, por ela mesma, a prova dos elementos de facto essenciais à integração destes outros dois crimes, com as consequências que adiante se retirarão.”. Ou seja, por um lado, o Tribunal a quo deu como provada a intenção dos Arguidos se apoderarem de bens da vítima, contudo, em sede de fundamentação invoca precisamente o contrário, acabando por absolver os Arguidos dos crimes de roubo de que vinham acusados.
Neste contexto, da impugnação da matéria de facto, mais alega que o Tribunal a quo violou o princípio in dubio pro reo, bem como procedeu a uma ilegal valoração das declarações prestadas pelo coArguido DD para condenação do recorrente AA.
Por seu turno, impugnando a matéria de facto, defende o arguido e ora recorrente DD que existiu erro na apreciação e valoração da prova, contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, insuficiência para a matéria de facto provada, vícios a que alude o art 410.º do CPP, porquanto o Tribunal a quo não fez um correcto apuramento e valoração da prova, segundo as regras da experiência comum, em obediência ao preceituado no art. 127º do C.P.P., em especial no que concerne à prova testemunhal no que respeita ao ponto 4 e ao ponto 5 da matéria de facto dada como provada, mais concretamente, na parte que refere que o Recorrente tinha conhecimento que a vítima era mãe do Arguido AA e que este tinha mencionado ao Recorrente que seria o seu único herdeiro. Inexiste qualquer elemento no processo, seja prova testemunhal, prova documental, que indique que o Recorrente sabia que a vítima era mãe do Arguido AA, e que este lhe confidenciou que era o único herdeiro da vítima. Das declarações prestadas pelo Recorrente no primeiro interrogatório judicial e que, posteriormente, foram reproduzidas em audiência de discussão e julgamento no dia 19.04.2021, (Gravação nº 20200519152230_4337858_2871337, Ao minuto 0:54 a 14:48) e mereceram uma maior valoração e credibilidade, o Arguido DD refere o seguinte: “Ele não falou que era mãe dele. Ele nunca falou que era mãe. Sempre disse que era a tia dele.” No mesmo sentido, das declarações prestadas pelo Arguido AA, no primeiro interrogatório e, posteriormente, em audiência de discussão e julgamento, este em momento algum refere que disse ao Recorrente que CC era sua mãe, e em consequência disso, o único herdeiro.
Assim sendo, a correta valoração e ponderação da prova produzida em julgamento (toda a prova) impõe, necessariamente, uma decisão diversa daquela que o Tribunal a quo proferiu em sede de factos dados provados, isto é, deve o facto provado 4 ser alterado e do mesmo ser retirada a passagem “… sua mãe”, assim como deve, também, o facto provado 5 ser alterado e do mesmo ser retirada a passagem “…mencionando-lhe ser o único herdeiro de CC…”
Por seu turno, deve à matéria de facto provada ser adicionado o facto de que o Recorrente desconhecia que CC era mãe do Arguido AA, assim como, desconhecia, nem tinha forma de o saber, que o AA era o único herdeiro de CC. 
Por outro lado, o tribunal a quo deu como assente, para além do mais, a seguinte factualidade, quanto aos factos não provados: “Que arguido concretamente agarrou a vítima enquanto o outro a esfaqueava.”
 Ora, face à supra descrita matéria de facto, da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, quanto a tal circunstância, resulta a seguinte motivação pelo Tribunal recorrido, a fls. 81: “Se a isto juntarmos os pormenores da sordidez do número de golpes produzidos no corpo da vítima (de cujo conjunto se destacam três pela profundidade que têm produzidos em zona vital), e se pensarmos que tais golpes, ou parte deles, são compatíveis com um sentimento interiorizado, que denuncia uma relação pessoal com a vítima…”
 Ora, ao retirar esta conclusão – de que a circunstância em que aconteceu o homicídio, designadamente, as 14 (catorze) facadas, evidenciam uma relação pessoal com a vítima – o Tribunal recorrido estava obrigado a dar como provado que o Arguido que esfaqueou CC só poderia ter sido o seu próprio filho. 
Aliás, o próprio Tribunal recorrido, na sua fundamentação a fls. 68, considera que as declarações do Arguido DD são aquelas que fazem mais sentido nos pormenores e que faziam sentido no contexto mais vasto de terem sido desferidas tantas facadas que indicam uma motivação pessoal, com forte componente pessoal, e que só o Arguido AA tinha por virtude de ser filho da vítima, situação que, em rigor, em nada interessava ao Arguido DD, a quem aquela nada era familiar, e nem sequer a conhecia, não ia ganhar de substancial com isso, ia assumir um risco imenso sozinho, não motivação pessoal para isso e nada levou da casa da vítima. 
Além disso, através da análise do depoimento da testemunha GG, que se encontra reproduzido no acórdão a fls. 44 e 45, este referiu que o Arguido AA disse à vítima, meses antes da morte, que “era um empecilho na vida dele” e que este já tinha colocado qualquer substância num copo de vinho e, posteriormente, numa sopa de CC, com o propósito de a matar. 
Ora, pela prova produzida, dúvidas não deveriam restar que quem tinha motivos para planear e efetuar o homicídio era o Arguido AA e não o aqui Recorrente.
Aliás, como ficou demonstrado na audiência de julgamento, o Recorrente não mantinha qualquer relação com CC. 
Deve, assim, passar a constar dos factos provados que foi o Arguido AA que esfaqueou CC
Desta forma, dúvidas não nos restam que se deve ordenar a renovação e reapreciação da prova produzida em julgamento, a qual terá como consequência excluir da matéria de facto dada como provada no ponto 4 ser alterado e do mesmo ser retirada a passagem “… sua mãe” e ser dado como facto provado que foi o Arguido AA que esfaqueou CC, sua mãe.
Deve a matéria de facto provada ser alterada e do ponto 7 deixar de constar “… encetando com o arguido AA um plano para matar CC.”, bem como, deve o facto provado 26 ser alterado e no mesmo deixar de constar “… mediante a elaboração prévia de um plano, gizado, pelo menos, cerca de um mês antes da sua execução.”, aliás, a existir aqui alguém que tinha o propósito de planear e executar o crime era o Arguido AA, que meses antes da morte da vítima, efetuou pesquisas em diversos sítios da internet, inserindo os termos “pesticida”, “nitrosamina” e “dimetilnitosamina”, sendo as duas últimas substâncias cancerígenas.  E tal convicção só vem reforçada, pela motivação que o Tribunal “a quo” tem a fls. 70, quando refere o seguinte: “…O Arguido AA ensaiou e planeou tudo para conseguir o chamado “crime perfeito”… No que concerne à parte inicial do facto provado 26 e ao facto provado 31, o Tribunal não dispõe dos elementos necessários para dar como assente tal factualidade, tendo em conta que o Tribunal para fundamentar a existência de consciência do ilícito, deveria ter admitido a prova pericial requerida pelo Arguido DD, para poder aferir se este estava consciente e a agir de forma deliberada. 
Apreciemos.
Em sede de recurso para o Tribunal da Relação, a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: quer por arguição dos vícios a que faz referência o art. 410.º, n.º 2, do CPP (a chamada revista alargada), quer pela impugnação ampla da matéria de facto, a que alude o art. 412.º, n.ºs 3, 4 e 6 do mesmo diploma.
No primeiro caso, os mencionados vícios decisórios têm de resultar do texto da decisão recorrida, encarado por si só ou conjugado com as regras gerais da experiência comum – sem possibilidade de apelo a outros elementos estranhos ao texto, mesmo que constem do processo – visto tratar-se de vícios inerentes à decisão, à sua estrutura interna, e não de erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida.
No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise da prova registada e produzida em audiência de julgamento, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP.
De acordo com este normativo, sempre que pretenda impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto o recorrente deve especificar:
- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
- as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
- as provas que devem ser renovadas;
A especificação dos “concretos pontos de facto” traduz-se na indicação individualizada dos factos que constam da decisão recorrida e que se consideram incorretamente julgados.
Por seu turno, a especificação das “concretas provas” corresponde à indicação do conteúdo específico de meio de prova ou de obtenção da prova, com a explicitação da razão pela qual essas provas impõem decisão diversa da recorrida.
Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretende, dos vícios previstos no n.º 2 do art. 410.º do CPP e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cf. art. 430.º do CP).
E o n.º 4 do art. 412.º estabelece que «quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação», acrescentando o seu n.º 6 que «no caso previsto no n.º 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.»
Como se lê no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (doravante STJ), de 12 de junho de 2008, proferido no processo n.º 4375/07 - 3.ª[35], esta possibilidade de sindicância da matéria de facto sofre quatro tipos de limitações:
«- desde logo, uma limitação decorrente da necessidade de observância, por parte do recorrente, de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta delimitação precisa e concretizada dos pontos da matéria de facto controvertidos, que o recorrente considera incorrectamente julgados, com especificação das provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso;
- já ao nível do poder cognitivo do tribunal de recurso, temos a limitação decorrente da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações e/ou, ainda, das transcrições;
- por outro lado, há limites à pretendida reponderação de facto, já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento, pois o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância; a actividade da Relação cingir-se-á a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação;
- a juzante impor-se-á um último limite, que tem a ver com o facto de a reapreciação só poder determinar alteração à matéria de facto se se concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão.»
Como tem este Coletivo reafirmado em diversas ocasiões[36], o tribunal de recurso não pode realizar, por sua conta e risco, uma reponderação da matéria de facto, sem uma prévia definição pelo recorrente de quais os factos que quer ver reapreciados. É certo que, no nosso sistema judicial, são muito importantes os princípios da investigação oficiosa e da descoberta da verdade material. Mas não o são menos os do exercício do contraditório e da igualdade de armas, para que o processo se desenrole de acordo com o due process of law, tão caro aos sistemas judiciais não totalitários: a ideia de que os processos judiciais devem ser justos»[37].
No caso do recurso ora em apreço, importa assinalar, em primeiro lugar, que os recorrentes AA e DD vem impugnar a matéria de facto por aquelas duas citadas vias, isto é, quer por revista alargada, por arguição de vícios a que alude o art. 410.º, n.º 2, do CPP, quer pela impugnação ampla da matéria de facto, a que alude o art. 412.º, n.ºs 3, 4 e 6 do mesmo diploma.
E, em segundo lugar, que, no caso concreto, este Tribunal pode conhecer de facto, atento o preceituado no art. 428.° do CPP, uma vez que houve documentação da prova produzida, oralmente, na audiência em 1a instância, sendo que, em conformidade com o disposto na al. b), do art. 431.°, do CPP, a matéria de facto foi impugnada cumprindo os recorrentes AA e DD as regras contidas no art. 412.° n.°s 3 e 4 do CPP.
De qualquer modo, ainda que não viesse arguida pelos recorrentes AA e DD a existência de qualquer um dos vícios mencionados nas alíneas a) a c) do n.º 2 do art. 410.º, do CPP, a sua verificação sempre é de conhecimento oficioso pelo tribunal de recurso, como é jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça[38].
Segundo n.º 2, do artigo 410.º, do CPP, "mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação;
c) Erro notório na apreciação da prova".
Características comuns a todos aqueles vícios, além de serem, como se disse, de conhecimento oficioso, são os de fundamentarem o reenvio do processo para outro julgamento quando insanáveis no tribunal de recurso (artigos 426.º e 436.º CPP) e resultarem, como não é demais sublinhá-lo do texto da decisão recorrida, sem influência de elementos exteriores àquela, a não ser as regras da experiência comum.
São vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correta e conforme à lei.
Vícios da decisão, não do julgamento, como frisa Maria João Antunes (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Janeiro-Março de 1994, página 121).
Enquanto subsistirem, a causa não pode ser decidida.
A insuficiência prevista na alínea a) determina a formação incorreta de um juízo porque a conclusão ultrapassa as premissas. A matéria de facto é insuficiente para fundamentar a solução de direito correta, legal e justa.
Insuficiência em termos quantitativos, porque o tribunal não esgotou os seus poderes de indagação em matéria de facto. Na tarefa da descoberta da verdade material, o tribunal podia e devia ter ido mais além. Não o fazendo, a decisão formou-se incorretamente por deficiência da premissa menor.
Este vício não abrange, portanto, toda e qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Se o tribunal ficou impossibilitado de prosseguir na descoberta da verdade material, então apreciou toda a matéria de facto e, por conseguinte, aquela insuficiência, a existir em tal hipótese, traduz um erro na qualificação jurídica dos factos provados, que constitui, não um erro de facto, mas sim um erro de direito, um erro de julgamento, que dá lugar à revogação da decisão recorrida, não ao reenvio do processo para novo julgamento.
A insuficiência a que se refere a alínea a), do n.º 2, do artigo 410.º, do CPP, é a que decorre da omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão.
Só existe o aludido vício quando os factos provados são insuficientes para justificar uma decisão de direito, ou quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que essa matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso submetido à apreciação.
Ou seja, há insuficiência para a decisão sobre a matéria de facto provada quando os factos dados como provados não permitem a conclusão de que o arguido praticou ou não um crime, ou não contém, nomeadamente, os elementos necessários ou à graduação da pena ou à elucidação de causa exclusiva da ilicitude ou da culpa ou da imputabilidade do arguido.
Situação que, como é de fácil verificação, não aconteceu no presente caso.
Com efeito, os factos dados como provados são suficientes para a conclusão de direito a que chegou o tribunal a quo, os recorrentes AA e DD é que com ela não concordam, pretendendo, no fundo, que o tribunal a quo tivesse feito uma valoração diferente da prova produzida em julgamento, esquecendo-se, contudo, que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade que julga – art. 127.º do CPP – e não de acordo com a apreciação que dela faz o recorrente.
Livre apreciação essa que não significa livre arbítrio ou valoração puramente subjetiva, realizando-se de acordo com critérios lógicos e motivável. Matéria a que voltaremos mais adiante.
Quando o recorrente DD impugnando a matéria de facto, defende haver manifesta insuficiência de prova, não é ao vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que se refere a alínea a), do n.º 2, do artigo 410.º, do CPP, que se está seguramente a referir nem a este se pode estar a reportar.
Por seu turno, quanto ao vício de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (al. b) do n.º 2 do art. 410.º do CPP), que os recorrentes AA e DD expressamente invocam, dir-se-á que «para se verificar contradição insanável da fundamentação, têm de constar do texto da decisão recorrida, sobre a mesma questão, posições antagónicas e inconciliáveis, como por exemplo dar o mesmo facto como provado e como não provado, em situações que não possam ser ultrapassadas pelo tribunal de recurso»[39].
«A contradição da fundamentação ou entre esta e a decisão só importa a verificação do vício quando não seja sanável pelo tribunal ad quem. Isto é, quando seja insanável. Na verdade, tratando-se, por exemplo, de um erro no assentamento da matéria de facto, ou mesmo da respetiva fundamentação de facto, um erro percetível pela simples leitura do texto da decisão, não poderá falar-se em vício de contradição, o qual só existirá se eliminado o erro pelo expediente previsto no artigo 380º do CPP, correção a que o próprio tribunal de recurso pode e deve proceder (nº 2 do mesmo artigo), a contradição persistir, então, sim, sendo insanável.
A contradição tanto pode emergir entre factos contraditoriamente provados entre si, como entre estes e os não provados (p. ex. «provado que matou», «não provado que matou»), como finalmente entre a fundamentação (em sentido amplo, abrangendo a fundamentação de facto e também a de direito) e a decisão. É exemplo deste último tipo de contradição, a circunstância de a sentença se espraiar em considerações tendentes à irresponsabilidade penal do arguido e a decisão final concluir, sem mais explicações, por uma condenação penal.»[40]
Em suma, o vício a que alude a al. b) do n.º 2 do art. 410.º do CPP verifica-se «quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre factos provados, entre factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do tribunal»[41].
A contradição insanável prevista na alínea b) é um vício na construção das premissas, determinando a formação defeituosa da conclusão.
Se as premissas se contradizem, a conclusão logicamente correta é impossível, não passa de mera falácia.
O conteúdo da fundamentação da sentença vem definido no n.º 2 do artigo 374.º CPP: narração dos factos provados e não provados, exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Assim, este vício pode ocorrer entre vários sectores, no mesmo plano - contradição entre factos provados, contradição entre factos provados e não provados, contradição entre factos provados e motivos de facto, contradição entre a indicação das provas e os factos provados, contradição entre a indicação das provas e os factos não provados.
Não conseguindo o tribunal de recurso, pela análise do texto da decisão recorrida, eventualmente com o auxílio das regras da experiência comum, descobrir qual a proposição falsa e eliminá-la, o processo terá de ser reenviado para novo julgamento.
Como vimos em sede de impugnação da matéria de facto, alega o recorrente AA que o acórdão proferido pelo Tribunal a quo padece de contradição insanável da fundamentação, vício previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, ao ter dado como provado o assente sob pontos 28, 29 e 30 (onde se deu por assente que: “28. Com a sua conduta pretenderam, ainda, os arguidos apoderar-se de alguns bens de valor que aquela possuísse nessa ocasião, e que o arguido AA acedesse na posse dos bens da mãe, incluindo o acesso ao dinheiro depositado em contas bancárias, para que o mesmo arguido pudesse, entre outras, saldar as suas dívidas relacionadas com o consumo de estupefacientes bem como com a prática de jogos de fortuna e azar e para que o arguido DD obtivesse o pagamento que lhe tinha sido prometido por retirar a vida a CC. 29. Os arguidos agiram ainda com intenção de retirarem e fazerem sua a quantia monetária depositada na conta bancária co-titulada por CC e pelo arguido AA no Banco BPI, associada ao cartão de débito nº ...71, através da utilização do referido cartão em máquinas de ATM. 30. Propósito que não conseguiram alcançar, por motivos alheios à sua vontade.”) e depois, em sede de fundamentação, concluir em sentido contrário à matéria de facto dada como provada, ao, na página 91, afirmar que: “Isto também significa que, provados os factos quanto à imputação do crime de homicídio, e no específico contexto em que se provam, fica excluída a prova da intenção quanto ao crime de roubo (já que nunca foi essa a intenção dos arguidos) e quanto à base fundamental da tentativa de burla informática. De facto, se quanto ao primeiro destes aspectos vale toda a fundamentação antecedente (de onde resulta que a intenção nunca foi a de roubo)… Nestes termos, a matéria de facto provada impede, por ela mesma, a prova dos elementos de facto essenciais à integração destes outros dois crimes, com as consequências que adiante se retirarão.”.
E assim, conclui o recorrente AA: “Ou seja, por um lado, o Tribunal a quo deu como provada a intenção dos Arguidos se apoderarem de bens da vítima, contudo, em sede de fundamentação invoca precisamente o contrário, acabando por absolver os Arguidos dos crimes de roubo de que vinham acusados.”
Tem aqui inteira razão quanto a essa apontada contradição o recorrente AA, contradição que este tribunal ad quem já desfez em parte ao, no seu ponto 3.4. acima, ter alterado a redacção do facto provado sob ponto 29, quer quando adiante, dando provimento a questão suscitada no recurso do Ministério Público, em consequência, dessa alteração da matéria de facto do ponto 29, e tendo em conta dos demais factos dados como provados a pontos 21, 22, 28 e 31, condenar ambos os arguidos pela prática do crime de burla informática, na forma tentada, pelo qual se encontravam pronunciados, e, embora, não considerando preenchido o crime de roubo, de que foram absolvidos, e pelo qual igualmente, e em concurso real, se encontravam pronunciados, e os condenar pela prática do crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1, do Código Penal.
Dito isto, avancemos, para finalmente, relembrarmos que o erro notório na apreciação da prova, como os demais vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP, deve resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência, e tem de ser de tal modo evidente que uma pessoa de mediana compreensão o possa descortinar[42].
E existe quando se dão por provados factos que, face às regras de experiência comum e à lógica corrente, não se teriam podido verificar ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsos. Trata-se de um vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão; erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de particular exercício mental; as provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica provada ou excluindo dela algum facto essencial.
O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis[43].
«Tem que ser um erro patente, evidente, perceptível por um qualquer cidadão médio e não configura um erro claro e patente o entendimento que possa traduzir-se numa leitura possível, aceitável, razoável, da prova produzida», lê-se no Acórdão do STJ, de 24 de janeiro de 2008, Proc. n.º 4085/06[44].
Para avaliar se a decisão padece de qualquer dos vícios enunciados nas diversas alíneas do n.º 2 do art. 410.º do CPP, há que apreciar, por um lado, a matéria de facto e, por outro, a respetiva fundamentação (os fundamentos da convicção), designadamente a natureza das provas produzidas e os processos intelectuais que conduziram o Tribunal a determinadas conclusões.
No que respeita a este último aspecto, relevam, para além dos meios de prova diretos, como sejam os documentos, depoimentos, exames periciais, etc., os procedimentos lógicos de prova indireta: as presunções.
«A compreensão e a possibilidade de acompanhamento do percurso lógico e intelectual seguido na fundamentação de uma decisão sobre a matéria de facto, quando respeite a factos que só podem ter sido deduzidos ou adquiridos segundo as regras próprias das presunções naturais, constitui um elemento relevante para o exercício da competência de verificação da (in)existência dos vícios do artigo 410º, nº 2, do CPP, especialmente do erro notório na apreciação da prova, referido na alínea c).»[45]
A fundamentação (a partir da reforma do CPP de 1998, entrada em vigor em 1 de Janeiro de 1999) não se compadece com uma simples enumeração dos meios de prova utilizados, sendo necessária uma verdadeira reconstituição e análise crítica.
Esse exame crítico da prova, lê-se no Acórdão do STJ de 25 de junho de 2008, Proc. n.º 2046/07[46], «é o filtro da razão e da lógica utilizado após a produção da prova; é a explicitação do valor atribuído aos documentos ou à fiabilidade dos depoimentos, das razões de ciência, do porquê de uma determinada opção em detrimento de outra, que à partida pareceria igualmente possível, do uso das presunções, das regras de experiência ou das inferências dedutivas.»
Impõem-se ainda algumas considerações no que respeita ao princípio da livre apreciação da prova.
Conforme se refere no acórdão desta Relação de 24 de maio de 2011, proferido no âmbito do Proc. 309/09.8PEOER.L1-5, disponível in www.dgsi.pt, com o qual se concorda, “Deverá ainda ter-se presente que em matéria de apreciação da prova intervém sempre uma componente subjectiva, nomeadamente quanto à credibilidade da prova pessoal, e que os próprios depoimentos em audiência são frequentemente condicionados pelo modo como são recebidos. Tal componente «implica a imediação da produção da prova e a decisão pelos próprios juízes que constituíram o tribunal na audiência e essa componente não é, pelo menos em grande parte, sindicável pelo recurso, onde falta a imediação.”
Diz-se, ainda, um pouco mais à frente “Ao realizar o julgamento, o juiz de 1.ª instância tem, em virtude da oralidade e da imediação, «uma percepção própria do material probatório que nós indiscutivelmente não temos. O juiz do julgamento tem contacto vivo e imediato com o arguido, com o ofendido, com as testemunhas, assiste e não raro intervém nos seus interrogatórios pelos diversos sujeitos processuais, recolhe um sem número de impressões … que não ficam registadas na acta, apenas na sua mente …Essa fase ao vivo, do directo, é irrepetível». Na fase de recurso, praticamente dominada pela escrita em vez da oralidade (apesar de os depoimentos estarem gravados e, por isso, poderem ser ouvidos), é quase impossível avaliar, com correcção, da credibilidade de cada depoimento, dizer se um é mais credível do que o outro prestado em sentido diverso é tarefa difícil. Perante dois conjuntos de depoimentos, cada um deles testemunhando em sentido contrário ao outro, por qual deles optar? Acompanhando, mais uma vez, o acórdão atrás citado, «essa é, em princípio, uma decisão do juiz do julgamento. Uma decisão pessoal possibilitada pela sua actividade cognitiva, mas também por elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais». Como a propósito refere Damião da Cunha, os princípios do processo penal, a imediação e a oralidade, implicam que deve ser dada prevalência às decisões da primeira instância. Em recurso, pouco mais haverá a fazer do que controlar e sindicar a razoabilidade da sua opção, o bom uso ou abuso do princípio da livre convicção, com base na motivação da sua escolha. «Aquilo que o tribunal de recurso pode essencialmente censurar é a violação de todo um conjunto de princípios que estão subtraídos à livre apreciação da prova (que limitam o “arbítrio” na sua apreciação), exactamente: as regras de experiência comum, o princípio in dubio pro reo, o princípio de presunção de inocência e, em especial, aquele que está directamente ligado à afirmação de uma culpabilidade pelo facto, isenta de qualquer referência a características pessoais do arguido».” (fim de transcrição).
«A liberdade de apreciação da prova é uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a verdade material – de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral, susceptível de motivação e controlo. (…) A livre ou íntima convicção do juiz não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável. (…) Se a verdade que se procura é uma verdade prático-jurídica e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal, mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto, capaz de impor-se aos outros»[47].
«Como ensina Figueiredo Dias (in Lições de Direito Processual Penal, 135 e ss.) na formação da convicção haverá que ter em conta o seguinte:
- a recolha de elementos – dados objectivos – sobre a existência ou inexistência dos factos e situações que relevam para a sentença, dá-se com a produção da prova em audiência;
- sobre esses dados recai a apreciação do Tribunal – que é livre, art. 127.º do Código de Processo Penal – mas não arbitrária, porque motivada e controlável, condicionada pelo princípio da persecução da verdade material;
- a liberdade da convicção, aproxima-se da intimidade, no sentido de que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos acontecimentos não é absoluto, mas tem como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, e portanto, como a lei faz reflectir, segundo as regras da experiência humana;
- assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque assume papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis – como a intuição.
Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).
Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência a percepção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade) a da dúvida inultrapassável (conduzindo ao princípio in dubio pro reo).
A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objetiváveis atinentes com a valoração da prova.
A Constituição da República Portuguesa impõe a publicidade da audiência (art. 206.º) e, consequentemente, o Código Processo Penal pune com a nulidade a falta de publicidade (art. 321.º); publicidade essa que se estende a todo o processo – a partir da decisão instrutória ou quando a instrução já não possa ser requerida (art. 86.º), querendo-se que o público assista (art. 86.º, alínea a)); que a comunicação social intervenha com a narração ou reprodução dos actos (art. 86.º, alínea b)); que se consulte os autos, se obtenha cópias, extratos e certidões (art. 86.º, alínea c)). Há um controlo comunitário, quer da comunidade jurídica quer da social, para que se dissipem dúvidas quanto à independência e imparcialidade.
A oralidade da audiência, que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o Tribunal (art. 96.º do CPP), permite ao julgador aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam por gestos, comoções e emoções, da voz, por exemplo.
A imediação vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão.
É pela imediação, também chamado de princípio subjectivo, que se vincula o juiz à percepção à utilização à valoração e credibilidade da prova.
A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão.»[48]
Por outro lado, é um dado assente que a gravação dos depoimentos prestados oralmente em audiência permite o controlo e a fiscalização, pelo tribunal superior, da conformidade da decisão com as afirmações produzidas em audiência, mas não substitui a plenitude da comunicação que se estabelece na audiência pública com a discussão dos outros meios de prova, a oralidade e a imediação, no confronto dialéctico dos depoentes por parte dos vários sujeitos processuais, no exercício permanente do contraditório[49].
Daí que os julgadores do tribunal de recurso, a quem está vedada a oralidade e a imediação, perante duas versões dos factos, só podem afastar-se do juízo efectuado pelo julgador da 1.ª instância naquilo que não tiver origem naqueles dois princípios, ou seja, quando a convicção não se tiver operado em consonância com as regras da lógica e da experiência comum, reconduzindo-se assim o problema, na maior parte dos casos, ao da fundamentação de que trata o art. 347.º, n.º 2 do CPP[50].
Exigindo-se a convicção do julgador sobre a prática dos factos da acusação para além da dúvida razoável e radicando o princípio in dubio pro reo na mesma dúvida razoável, este situa-se no âmago da livre apreciação da prova, constituindo como que o “fio da navalha” onde se move a missão de julgar. Convicção “para lá da dúvida razoável” e “dúvida razoável” legitimadora do princípio in dubio pro reo limitam-se e completam-se reciprocamente, obedecendo aos mesmos critérios de legalidade da produção e da valoração da prova de apreciação vinculada e da livre apreciação dos restantes em conformidade com o critério do art. 127.º do CPP, sujeitos ambos à mesma exigência de legalidade da prova e da sua apreciação motivada e crítica, da objetividade, racionalidade e razoabilidade dessa apreciação.
No mesmo sentido podem ver-se diversos autores, designadamente Rodrigues Bastos[51], que refere que ao juiz «…não é permitido julgar só pela impressão que as provas oferecidas pelos litigantes produziram no seu espírito, mas antes se lhe exige que julgue conforme a convicção que aquela prova determinou e cujo carácter racional se expressará na correspondente motivação», Cavaleiro de Ferreira[52], que escreve que «o julgador é livre ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no direito probatório», e ainda Germano Marques da Silva[53]: «O juízo sobre a valoração da prova faz-se em diversos níveis. Num primeiro dependente da imediação, nele intervindo elementos não racionalmente explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova). Num segundo intervindo as declarações e induções que realiza o julgador a partir de factos probatórios, que hão-de basear-se nas regras da lógica, princípios de experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão “regras da experiência”».
“(…) o trabalho que cabe à Relação fazer, na sindicância do apuramento dos factos realizado em 1.ª instância, se traduz fundamentalmente em analisar o processo de formação da convicção do julgador, e concluir, ou não, pela perfeita razoabilidade de se ter dado por provado o que se deu por provado.” (in Acórdão do STJ de 23 de abril de 2009, proferido no âmbito do processo n.º 114/09 e consultável em www.dgsi.pt).
Sendo inequívoco que a prova tem como função a demonstração da realidade dos factos (art. 341.º, n.º 1, do Código Civil) ela não pressupõe, como vem afirmando a melhor jurisprudência que aqui se segue de perto, uma certeza absoluta, lógico-matemática, bastando que permita alcançar «um grau de certeza que as pessoas mais exigentes reclamariam para dar como verificado um certo facto» ou que permita afastar toda a dúvida razoável, não qualquer dúvida mas a dúvida fundada em razões adequadas.
E não é decisivo para se poder concluir pela realidade dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se for o caso, que haja provas diretas do seu cometimento pelo arguido, designadamente que alguém tenha vindo relatar em audiência que o viu a praticá-los ou que o próprio arguido os assuma expressamente.
Condição necessária, mas também suficiente, é que os factos demonstrados pelas provas produzidas, na sua globalidade, inculquem a certeza relativa, dentro do que é lógico e normal, de que os factos se passaram da forma narrada na acusação ou na pronúncia.
Da leitura da decisão recorrida, não encontramos nela qualquer um dos vícios do art. 410.º, n.º 2 do CPP, incluindo o de erro notório na apreciação da prova, nem que tenha sido violando quer o princípio a livre apreciação da prova, prevista no artigo 127.º do CPP, quer o princípio in dubio pro reo, que constitui decorrência do princípio da presunção da inocência, consagrado no artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, contrariamente ao que defendem os recorrentes AA e DD
São as suas posições, respeitáveis, mas não tem consonância com a prova produzida nos autos.
Defende o recorrente AA que o Tribunal a quo procedeu a uma ilegal valoração das declarações prestadas pelo coArguido DD para condenação do recorrente AA, alegando que “o Tribunal Constitucional e o Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciaram no sentido de estar vedado ao tribunal valorar as declarações de um co-Arguido, proferidas em prejuízo de outro, quando, a instâncias deste, o primeiro se recusa a responder, no exercício do direito ao silêncio (cf. Acs. do TC n.º 524/97, de 14-071997, DR II, de 27-11-1997, e do STJ de 25-02-1999, CJSTJ, VII, tomo 1, pág. 229). Ora, se é vedado ao Tribunal valorar as declarações de um co-Arguido proferidas em prejuízo de outro, quando a instâncias deste, o primeiro se recusa a responder, por maioria de razão é vedado ao Tribunal valorar tais declarações quando o mesmo, em sede de audiência de discussão e julgamento, vem apresentar uma versão diferente daquela que apresentou em primeiro interrogatório judicial de arguido detido e onde afirma que foi coagido a prestar tais declarações. Sendo certo que sempre será inconstitucional o Artigo 141.º, n.ºs 4 e 5 do C.P.P., por violação dos artigos 2.º, 32.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, quando interpretado no sentido que pode o tribunal valorar as declarações de um co-Arguido, proferidas em prejuízo de outro, em primeiro judicial de arguido detido, quando, em sede de julgamento, apresenta depoimento diverso afirmando que foi coagido a prestar aquelas declarações. Ou no sentido que: Pode o tribunal valorar as declarações de um co-Arguido, proferidas em prejuízo de outro, prestadas em 1.º interrogatório judicial de arguido detido, quando em audiência de discussão e julgamento apresenta uma versão diferente daquela que apresentou. Entende, portanto, o Recorrente que, não tendo tido a possibilidade de contraditar as declarações prestadas em sede de 1.º interrogatório judicial de arguido detido, por um lado, e afirmando o co-Arguido em audiência de discussão e julgamento que essas declarações não correspondiam à verdade, por outro, não poderia o Tribunal a quo valorar as mesmas em relação ao Recorrente. Assim, considerando o acima exposto e porque se fundamentou única e exclusivamente nas declarações prestadas pelo coArguido DD, devem, em relação a si, ser dados como não provados os pontos 4, 5, 6, 7, 8, 15, 18, 19, 20, 21, 22, 26, 27 e 39 da matéria de facto dada como provada”
Vejamos.
Em primeiro lugar, como o próprio recorrente AA admite, a jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal de Justiça que indica pronunciou-se no sentido de estar vedado ao tribunal valorar as declarações de um coarguido, proferidas em prejuízo de outro, quando, a instâncias deste, o primeiro se recusa a responder, no exercício do direito ao silêncio, o que não sucedeu manifestamente no caso ora em apreço em que nenhum deles nunca usou do seu direito ao silêncio, fosse perante o Juiz de Instrução durante o primeiro interrogatório judicial de arguido detido a que foram submetidos, fosse perante os Juízes de Julgamento, tendo ambos os arguidos prestado declarações, quanto aos factos que lhe eram imputados, naqueles dois momentos.
Quanto às apontadas interpretações inconstitucionais entende este tribunal ad quem que as mesmas não se verificam in casu. A primeira, porquanto, nos termos em que vem formulada, pressupõe que as declarações de um coarguido valoradas pelo tribunal em prejuízo de outro tenham sido proferidas, em primeiro interrogatório judicial de arguido detido, sob coacção, o que teria de ser demonstrado e provado, o que não sucedeu, tenho o tribunal a quo inclusive apreciado a questão e doutamente expendido a este propósito, recordemo-lo aqui, o seguinte:
 “o Arguido DD disse que mentiu no interrogatório “porque foi coagido e apanhou na PJ”, tendo ficado em choque e pensou só na sua família, tendo por isso inventado que ele mesmo deu três facadas na vítima [o que, como se percebe, não corresponde à verdade porquanto nenhuma medida consta tomada na diligência, desde logo providenciando ajuda médica para o arguido, o que o juiz obrigatoriamente faria caso visse sinais de agressões ou essas lhe fossem transmitidas; para além do que esta argumentária relativamente a condutas impróprias dos OPCs tem sido uma constante nos processos, por parte desde logo de arguidos, pretendendo com isso, de forma menos íntegra e desleal colocar sucessivamente em causa a idoneidade dos profissionais e credibilidade das instituições, sem que nada se prove a esse respeito depois em julgamento e percebendo-se que a única finalidade dessas declarações é perturbar produção e avaliação da prova].” (fim de transcrição).
Finalmente não vê este tribunal ad quem que deva ser considerada  inconstitucional a interpretação no sentido de que pode o tribunal valorar as declarações de um coarguido, proferidas em prejuízo de outro, prestadas em 1.º interrogatório judicial de arguido detido, quando em audiência de discussão e julgamento apresenta uma versão diferente daquela que apresentou, sobretudo quando se verifique, como aconteceu no caso presente, que a condenação do arguido prejudicado por aquelas  declarações de coarguido não resultou apenas da prova produzida face às mesmas, mas está ancorada em prova pericial, mormente  nos relatórios de exames laboratoriais – autópsia médico-legal, análise de ADN, de vestígios lofoscópicos e outros, exames a peças de vestuário, bem como exames a telemóveis e ao computador portátil pertencentes ao arguido prejudicado, in casu a AA, ao histórico de pesquisas deste na internet e ao registo de tráfego daqueles telemóveis, conteúdo suas mensagens, destinatários, datas, horas e locais de geolocalização de acordo com a posição das antenas pelas quais passaram, períodos em modo activo e modo voo, e muita outra documental, como informações bancárias, relatório de Inspecção Judiciária e Autos de diligência externa, busca e apreensão, toda sujeita ao devido exame crítico, bem como em prova indirecta, e nos depoimentos das testemunhas que a corroboraram ou alicerçaram e com a credibilidade que a primeira instância atribuiu a essas inquirições, a qual não nos mereceu in casu qualquer censura.
Quanto aos elementos subjectivos dos tipos em causa, importa ainda reter que no que respeita à convicção quanto à atitude interior dos arguidos, o tribunal a quo teve de socorrer-se das máximas da experiência comum, como não podia deixar de ser, uma vez que a atitude interior dos arguidos não foi revelada ou não foi credivelmente revelada, já que os arguidos, no uso do direito que lhes assiste, não estavam obrigados a prestar declarações, aos factos que lhe eram imputados, de forma consentânea com a verdade.
Por isso, nestas situações, os factos psicológicos que traduzem o elemento subjetivo da infração são, em regra, objeto de prova indireta, isto é, só são suscetíveis de serem provados com base em inferências a partir dos factos materiais e objetivos, analisados à luz das regras da experiência comum. E essa avaliação só pode ser feita pelo julgador, dado que a mesma resulta da conjugação de vários elementos a ponderar. E foi o que o tribunal a quo fez.
Como bem se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25 de março de 2010 (proferido no âmbito do Proc. 1052/05.2GALSD.P1, disponível in www.dgsi.pt), a propósito da verificação do elemento subjetivo da infração, “A este respeito importa, antes de mais, referir que nem sempre a prova em que o tribunal se baseia é prova directa. Não pode, contudo, deixar de ser valorada à luz da experiência comum e de forma concertada com todos os elementos de prova, designadamente no que concerne a aspectos que digam respeito ao foro íntimo das pessoas, tal como sucede com as intenções e também com a consciência da ilicitude. E, tratando-se de processos interiores, se não forem admitidos pelos próprios, só uma avaliação alicerçada em presunções judiciais, não proibidas por lei, com base nos demais factos apurados e nas circunstâncias e contexto global em que se verificam e em dados da personalidade do agente, avaliação essa permitida se feita com respeito pelas regras da experiência comum, permite retirar tais conclusões.
Outrossim, não está vedado ao julgador estabelecer presunções desde que assentes em factos, sendo a este propósito que faz todo o sentido apelar às regras da experiência comum pois são elas o necessário elemento aglutinador da avaliação feita a partir dos meios de prova para fazer assentar em factos provados e adquiridos outros não imediatamente apreensíveis mas que se impõem ao juízo de um cidadão de medianas capacidades e conhecimentos de vida.”
E, ainda, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28 de fevereiro de 2012 (proferido no âmbito do Proc. 468/06.1GFSTB.E1, disponível in www.dgsi.pt) “Os factos integrantes do tipo subjectivo – que se desdobra, muito sinteticamente, nas componentes cognoscitiva ou intelectual e volitiva ou intencional do dolo, correspondentes ao conhecer ou saber e ao querer o desvalor do facto – raramente se provam directamente.
Na ausência de confissão/admissão destes factos – e dificilmente se concebendo outra prova que incida directamente sobre eles – resta ao julgador a apreciação de prova indirecta, aquela que lhe permite, sempre com o auxílio das regras da experiência, uma ilação quanto ao facto probando. E são muito frequentes os casos em que a prova é indirecta, precisamente no que respeita ao elemento subjectivo do crime. Daí a grande importância dessa prova no processo penal.
Terá aqui o julgador de retirar dos factos externos as necessárias ilações, de forma a poder ou não concluir que o agente se comportou internamente da forma como o revelou externamente. A convicção obter-se-á através de conclusões baseadas em raciocínios e não directamente verificadas, ou seja, num juízo de relacionação normal entre o indício e o facto probando.”
Assim, o dolo (intencionalidade) que presidiu à conduta delituosa dos arguidos AA e DD (factos do foro psicológico), retirou-o o tribunal a quo, e bem, da objectividade da sua evidenciada conduta, que, à evidência, o permite presumir, em conformidade com as regras da experiência comum (cfr., ainda neste sentido e a título meramente exemplificativo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 3 de dezembro de 2008, disponível em www.dgsi.pt).
Os factos provados na decisão recorrida resultaram da análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento tendo em conta os parâmetros referidos.
Assim na formação da sua convicção, o Tribunal a quo atendeu aos meios de prova disponíveis, atentando nos dados objetivos fornecidos pela documentação dos autos e fazendo uma análise dos depoimentos prestados. Toda a prova produzida foi apreciada segundo as regras da experiência comum e lógica do homem médio, suposta pelo ordenamento jurídico, fazendo o tribunal, no uso da sua liberdade de apreciação, uma análise crítica das provas.
Na fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto, o tribunal a quo explicita as razões que o levam a dar como provados os factos relacionados com os elementos subjetivos das infrações imputadas aos arguidos.
Razões essas, que de forma alguma contradizem as regras da lógica e da experiência, antes assentam na perceção que o julgador teve de toda a prova recolhida em audiência de julgamento.
Quanto à alegada violação do princípio in dúbio pro reo impõe-se ainda, para além do que a este respeito já consignámos anteriormente e que aqui de novo convocamos, dizer o seguinte:
O in dubio pro reo "além de ser uma garantia subjectiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa” (in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, por Gomes Canotilho e Vital Moreira, 4.ª edição revista, pág. 519).
O in dubio pro reo "parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador" (cfr. Cristina Líbano Monteiro, «In Dubio Pro Reo», Coimbra, 1997). Impõe este princípio que qualquer non liquet na questão da prova seja valorado a favor do arguido, apresentando-se aquele, na fase de decisão, como corolário daquela presunção – Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 533/98, DR, II Série, de 25 de fevereiro de 1999.
Como se expendeu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de outubro de 2008, relatado pelo Exmº Cons. Arménio Sottomayor (publicado in JusNet 5547/2008): “A violação deste princípio, segundo uma vez mais se afirmou-se no ac de 22-03-2007 - proc 4/2007-5, em que o aqui relator foi adjunto, "dizendo respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicado pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo por isso resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, ou seja, quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção" Ora, da análise da decisão não resulta que, quer na 1ª instância, quer na Relação, tenha perpassado pelo tribunal dúvida alguma quanto aos factos praticados pelo recorrente, assentando os factos provados nas provas produzidas e nas ilações que delas tiraram as instâncias, o que é legalmente consentido. Também, por conseguinte, o princípio in dubio pro reo não se mostra violado.”
Também no Acórdão do STJ de 11 de julho de 2007 (consultável in www.dgsi.pt) se pode ler: "o princípio in dubio pro reo representa a outra face do princípio da livre apreciação da prova; configura um limite normativo a este princípio ante uma dúvida positiva e racional que impeça um juízo de certeza condenatória – o qual não exclui a possibilidade de as coisas se passarem num dado sentido, mas não afasta a consistente hipótese do contrário –, ou seja, se a prova é insuficiente ou contraditória vale o princípio in dubio pro reo."
O princípio “in dubio pro reo” não é mais que uma regra de decisão: produzida a prova e efetuada a sua valoração, quando o resultado do processo probatório seja uma dúvida, uma dúvida razoável e insuperável sobre a realidade dos factos, ou seja, subsistindo no espírito do julgador uma dúvida positiva e invencível sobre a verificação, ou não, de determinado facto, o juiz deve decidir a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável.
Portanto, o princípio só é desrespeitado quando o tribunal colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação dos factos decidir por uma apreciação desfavorável à posição do arguido.
O “in dubio pro reo” só vale para dúvidas insanáveis sobre a verificação ou não de factos (objetivos ou subjetivos) relevantes, quer para a determinação da responsabilidade do arguido, quer para a graduação da sua culpa. Não se trata porém de “dúvidas” que o recorrente entende que o tribunal recorrido não teve e devia ter tido, pois o “in dubio…” não se aplica quando o tribunal não tem dúvidas. Ou seja, o princípio “in dúbio pro reo” não serve para controlar as dúvidas do recorrente sobre a matéria de facto, mas antes o procedimento do tribunal quando teve dúvidas sobre a matéria de facto (cfr. Ac. do TRL de 14 de Dezembro de 2010 proferido no proc. n.º 518/08.7PLLSB.L1, publicado in www.dgsi.pt).
Finalmente, dir-se-á que a Relação só pode averiguar a aplicação do in dubio pro reo se da decisão resultar que o tribunal recorrido ficou na dúvida quanto a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de setembro de 2009, proferido no processo n.º 169/07.3GCBNV.S1 e consultável in Jusnet).
Na decisão recorrida não se impôs lançar mão do princípio jurídico-processual penal do in dubio pro reo, decorrente da presunção de inocência (até ao trânsito em julgado da sentença condenatória) constitucionalmente consagrada no artigo 32.° n.º 2 da C.R.P., pois, no caso concreto, não subsistiu no espírito do tribunal a quo, e o mesmo se pode afirmar para este tribunal ad quem, uma dúvida relevante e invencível sobre a prática de factos perpetrados pelos recorrentes AA e DD, e que são os descritos na matéria de facto dada por provada.
Com efeito, como resulta da decisão recorrida o tribunal de primeira instância não teve quaisquer dúvidas quanto à decisão sobre a matéria de facto no que aos recorrentes respeita e expôs na sua fundamentação, de forma cristalina e perfeitamente percetível para quem a leia, as razões da sua firme convicção.
Percebe-se que os ora os recorrentes AA e DD entendam que, face à prova produzida, o tribunal a quo devia ter ficado, pelo menos, com dúvidas e dado como não provados determinados factos, atento o aludido princípio in dubio pro reo, que consideram ter sido violado.
No entanto, as dúvidas e a opinião destes recorrentes, por muito respeitáveis que sejam, e realmente são, para o que aqui importa, são irrelevantes.
Impõe-se pois, finalmente e mais uma vez, sublinhar, que, como resulta bem claro do texto da decisão recorrida, o tribunal a quo não teve quaisquer dúvidas de que os factos aconteceram exatamente como os deu por assentes relativamente aos arguidos.
Nada há a censurar no processo lógico e racional que subjaz à formação dessa convicção.
Os recorrentes AA e DD parecem confundir aquilo que não deve ser confundido: a questão da convicção (e o grau exigível para ser tomada uma determinada decisão) e a suficiência da fundamentação dessa convicção. Neste caso, foi sólida a convicção do tribunal, não o assaltou a dúvida quanto à atuação dos recorrentes AA e DD.
Este tribunal de recurso só o poderia criticar a matéria de facto assente caso se tivesse demonstrado, como não sucede in casu, que em face das regras da experiência comum tal seria inadmissível na verificação concreta da produzida prova, v.g. em juízo sobre a sua verosimilhança e/ou plausibilidade.
No presente caso, fazendo-se apelo à realidade das coisas – à mundividência dos homens e regras de experiência comum que resultam do viver em sociedade – não se perspectiva válida razão que permita censurar o juízo positivo que o tribunal recorrido formulou sobre a prova (com exceção da que resultou incorrecta quanto ao número do cartão de débito da vítima e de não ser o arguido AA cotitular da conta do BPI associada aquele cartão, e que, assim dando procedência a pretensão do recorrente Ministério Público, já alterámos supra em 3.4, quanto aos factos provados sob os pontos 21, 29 e 44, aos quais demos novas redacções) pelo que importa concluir, sem esquecer que o princípio da livre apreciação da prova também se aplica ao tribunal de 2.ª instância, que, por via do invocado, o tribunal a quo não apreciou arbitrariamente a prova, nem tinha que decidir de forma diversa (com a supra indicadas exceções).
Em face do referido, a decisão revidenda teria clara impossibilidade de fundamentar especificamente outra decisão que não a ora in iudice (com as assinaladas exceções), suficientemente alicerçada e exposta de forma clara e transparente, permitindo, intraprocessualmente, como o recurso evidencia, ao sujeito processual (e ao tribunal superior, pela via do recurso) o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, e, extraprocessualmente, assegurando, pelo conteúdo, um respeito efectivo pelo princípio da legalidade da decisão e da própria independência e imparcialidade do juiz.
Assim, inexistindo razões para divergir, em sede de decisão de facto, do juízo formulado pelo tribunal a quo, não há que, nestes termos, alterar a factualidade provada supra transcrita, à exceção dos factos provados sob os pontos 21, 29 e 44, aos quais demos novas redacções.
Destarte, improcede nesta parte a pretensão dos recorrentes AA e DD, bem como tem-se, assim, por fixada (com as alterações que à mesma introduzimos em 3.4., quanto aos factos provados sob os pontos 21, 29 e 44) a matéria de facto.
3.7. Defende o recorrente Ministério Público que, em consequência da alteração da matéria de facto provada sob ponto 29 e tendo em conta dos demais factos dados como provados, designadamente nos pontos 21, 22, 28 e 31, devem os arguidos ser condenados pela prática do crime de burla informática, na forma tentada, pelo qual se encontravam pronunciados, devendo ainda os mesmos ser condenados pela prática do crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1, do Código Penal.
Entende o recorrente Ministério Público que tal condenação pela prática do crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203º, n.º 1, do Código Penal, deve ser previamente comunicada aos arguidos, por ser uma alteração da qualificação jurídica dos referidos factos, nos termos do disposto no art. 358.º, nºs 1 e 3 do CPP.
Tem razão o recorrente Ministério Público quanto às requeridas condenações mas já não quanto à necessidade de comunicação.
Vejamos.
3.7.1. Comecemos por lembrar que aos arguidos para além do crime de homicídio, pelo qual foram condenados, eram ainda imputados na decisão instrutória (de pronúncia, dando acolhimento à acusação) a prática, em concurso real e coautoria, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, e de um crime de burla informática, na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 221.º, n.º 1, do Código Penal, com referência aos artigos 22.º e 23.º, do Código Penal.
Recordemos também aqui que a absolvição de ambos em primeira instância relativamente aos imputados crimes de roubo e de burla informática só se ficou a dever à circunstância do Tribunal a quo ter quanto à burla informática considerado o seguinte:
“Atentos os factos, como tivemos já oportunidade de ver na fundamentação antecedente, verificamos que esta imputação improcede porque, sendo o Arguido AA co-titular da conta do BPI cujo cartão foi utilizado, é objectivamente co-titular também das quantias e valores aí depositados, o que significa que a utilização desse cartão pelo co-arguido, com autorização daquele, que lho entregou, não inscreve o elemento indicador fundamental da violação de dados informáticos/bancários que são inerentes à verificação do tipo.” (fim de transcrição).
E quanto ao crime de roubo ter considerado o seguinte:
“Ao contrário de alguma Doutrina que se foi estabelecendo, entendemos o roubo como tipo autónomo (não em sentido formal, porque este não traz dúvidas, mas em sentido material ou de substância), cuja autonomia advém precisamente da existência da coacção como meio de lesão dos bens patrimoniais.
Por isso, também a vontade do agente tem de abranger esta dupla vontade de apropriação e constrangimento para o conseguir.
Ora, da prova produzida resulta que os arguidos nunca quiseram constranger a ofendida para subtrair-lhe o que tivesse mas, pelo contrário, a sua vontade foi sempre a de a matar, intenção com que efectivamente actuaram.” (fim de transcrição).
Ora, tendo este tribunal ad quem dada como não provada a cotitularidade, por parte, do arguido AA, da conta de depósitos nº ...01 do BPI, cujo cartão de débito aquela afecto com o nº ...61 foi subtraído à vítima, sua titular e utilizado pelos arguidos, na tentativa, de levantamento, em caixa multibanco, de quantias e valores aí depositados, e perante toda a demais factualidade provada, manifestamente passa a estar preenchido, por parte de ambos e em coautoria, o crime de burla informática, na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 221.º, n.º 1, do Código Penal, com referência aos artigos 22.º e 23.º, do Código Penal, pelo qual foram acusados e pronunciados, aqui se remetendo para o que no acórdão recorrido se disse quanto a este ilícito e que recordemo-lo foi o seguinte:
“Relativamente ao crime de burla informática, prevê o CP no artº 221º que:
1 - Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, causar a outra pessoa prejuízo patrimonial, interferindo no resultado de tratamento de dados ou mediante estruturação incorrecta de programa informático, utilização incorrecta ou incompleta de dados, utilização de dados sem autorização ou intervenção por qualquer outro modo não autorizada no processamento, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2 – (…)
Este ilícito criminal visa tutelar o património do ofendido, distinguindo-se desta forma, das leis referentes a dados pessoais em face da criminalidade informática, diplomas que se dirigem à tutela, respectivamente, de valores de natureza pessoal e da própria funcionalidade dos sistemas informáticos.
Trata-se aqui de um crime de dano já que a sua consumação ocorre com o prejuízo patrimonial do ofendido e de resultado parcial ou cortado na medida em que depende da verificação de um evento, o dano patrimonial, independentemente da efectiva verificação do benefício económico por parte do agente.
Para além disso, atendendo à conduta do agente, configura-se como um crime de execução vinculada dependendo assim o preenchimento do tipo da verificação de qualquer das condutas descritas no tipo objectivo, prescindindo, no entanto, do duplo nexo de causalidade que caracteriza o crime de burla, enquanto tipo fundamental, de acordo com o disposto 217º, nº 1 do CP.” (fim de transcrição).
Ao que este colectivo de desembargadores sublinha e acrescenta ainda o seguinte:
O bem jurídico que aqui se protege é, efectivamente, o património, por isso se distinguindo dos crimes previstos na Lei nº 67/98, de 26/10 (Lei da Protecção de Dados Pessoais em face da informática) e na Lei nº 109/91, de 17/08 (Lei da Criminalidade Informática) em que se protegem bens pessoais ou os dados informáticos.
São elementos objectivos deste tipo de crime: a obtenção de enriquecimento ilegítimo ou o causar prejuízo patrimonial interferindo no resultado de tratamento de dados ou mediante estruturação incorrecta de programa informático, utilização incorrecta ou incompleta de dados, utilização de dados sem autorização ou intervenção por qualquer outro modo não autorizado de processamento.
Como salienta Almeida Costa «…a burla informática constitui um crime de execução vinculada. No presente âmbito, esta qualificação deve, contudo, entender-se em termos hábeis. Com efeito a referência à “(…) intervenção por qualquer modo não autorizado no processamento (…)” inserida na parte final da enumeração das várias formas de comissão do delito, consubstancia a introdução de uma cláusula geral que confere a tal enumeração um carácter tão só exemplificativo»[54]
Ao contrário do que sucede no ilícito de burla, em que a consumação passa por um duplo nexo de imputação objectiva: entre a conduta enganosa do agente e a prática, pelo burlado, de actos tendentes a uma diminuição do património (próprio ou alheio) e, depois, entre os últimos e a efectiva verificação do prejuízo patrimonial, a burla informática concretiza-se por um atentado directo ao património de outra pessoa através da utilização de meios informáticos.[55]
A burla informática consiste, pois, num erro consciente provocado por intermédio da manipulação de um sistema de dados ou de tratamento informático. Não se exige um qualquer engano ou artifício por parte do agente, mas sim a introdução e utilização abusiva de dados no sistema informático (cfr. o Ac. do TRP de 03/02/2016, acessível em www.dgsi.pt)
Ou seja, subjacente a este crime está um comportamento que constitui um artifício, engano ou erro consciente, não por modo de afectação directa em relação a uma pessoa (como na burla p. e p. pelo art.º 217º do Cód. Penal), mas por intermediação da manipulação de um sistema de dados ou de tratamento informático, ou de equivalente utilização abusiva de dados. Mas, prescindindo do erro ou engano em relação a uma pessoa, prevê, no entanto, actos com conteúdo material e final idênticos: manipulação dos sistemas informáticos, ou utilização sem autorização ou abusiva determinando a produção dolosa de prejuízo patrimonial. O tipo pretendeu abranger a utilização indevida de máquinas automáticas de pagamento (ATM), incluindo os casos de manipulação ou utilização indevida no sentido de utilização sem a vontade do titular (assim, o Ac. do TRE de 26/06/2012, disponível no mesmo sítio).
Assim, o levantamento de dinheiro em caixas ATM com utilização do cartão de outrem ou utilização e digitação do respetivo código de acesso sem autorização, com intenção de obter enriquecimento ilegítimo, causando a outra pessoa prejuízo patrimonial, integra uma das modalidades da ação típica do crime de burla informática (cfr. o Ac. do TRG de 18/12/2012, também no mesmo sítio).
Quanto ao elemento subjectivo, para que o crime em apreço se verifique é, tal como no crime de burla, necessário que o agente actue dolosamente e com a intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo, sendo, por isso, um crime de intenção ou de resultado parcial ou cortado.
Acresce que os n.ºs 3 e 4 do art. 221.º, do Código Penal, estabelecem, respectivamente, que “a tentativa é punível” e que “o procedimento criminal depende de queixa”.
In casu, como vimos, apurou-se que, estando AA e DD no dia 13.04.2020, após as 16 horas, na residência de CC e usando para o efeito a faca que tinham transportado, enquanto um dos arguidos prendia CC, o outro arguido desferiu, de cima para baixo, de fora para dentro e de trás para a frente 14 golpes na zona do pescoço daquela, atingindo vasos sanguíneos situados na zona do pescoço, designadamente a jugular e a carótida. Vendo CC prostrada no solo, sangrando, os arguidos retiraram da carteira daquela o cartão de débito número ...61, emitido pelo Banco BPI, de cujo código de acesso o arguido AA pensava ser conhecedor, e a quantia de €10,00. Após, retiraram-se daquela habitação, bem sabendo que, atentas as lesões provocadas, CC iria morrer, o que pretendiam, ausentando-se, tendo o arguido DD levado consigo o referido cartão de débito e a quantia de €10,00, que fez seus. Como consequência directa da conduta dos arguidos, CC faleceu nesse dia 13.04.2020, pelas 22h00m, devido a lesões corto-perfurantes da região lateral esquerda do pescoço, em particular as lesões transfixivas da artéria carótida comum e da veia jugular interna. No período compreendido entre as 19h58m do dia 13.04.20 e as 10h42m do dia 14.04.20, o arguido DD dirigiu-se a dois ATM localizados na zona das ..., designadamente na Caixa Geral de Depósitos da Rua … e no interior do Centro Comercial das ..., onde, pretendendo proceder ao levantamento da quantia monetária que conseguisse, inseriu o cartão de débito de CC e colocou o código previamente fornecido pelo arguido AA. Sem sucesso, uma vez que o código fornecido pelo arguido AA não se mostrava correcto. Os arguidos AA e DD agiram com intenção de retirar a vida a CC, mãe do arguido AA, pessoa com 64 anos, surpreendendo-a no interior da sua residência, mediante a elaboração prévia de um plano, gizado, pelo menos, cerca de um mês antes da sua execução. Sabiam os arguidos que ao desferirem ao desferir 14 golpes na zona do pescoço de CC, da forma como o fizeram, aquela não iria sobreviver. Com a sua conduta pretenderam, ainda, os arguidos apoderar-se de alguns bens de valor que aquela possuísse nessa ocasião, e que o arguido AA acedesse na posse dos bens da mãe, incluindo o acesso ao dinheiro depositado em contas bancárias, para que o mesmo arguido pudesse, entre outras, saldar as suas dívidas relacionadas com o consumo de estupefacientes bem como com a prática de jogos de fortuna e azar e para que o arguido DD obtivesse o pagamento que lhe tinha sido prometido por retirar a vida a CC. Os arguidos agiram ainda com intenção de retirarem e fazerem sua a quantia monetária depositada na conta bancária titulada por CC no Banco BPI, associada ao cartão de débito nº ...61, através da utilização do referido cartão em máquinas de ATM. Propósito que não conseguiram alcançar, por motivos alheios à sua vontade. Os arguidos agiram sempre de forma livre, deliberada e consciente, em conjugação de esforços e de intenções, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei (cfr. factos provados sob pontos 14, 17 e 20 a 31).
Lídimo é dizer que, ao actuarem da forma que atrás se deixou evidenciada, os arguidos tentaram obter um enriquecimento ilegítimo, apoderando-se, através do sistema informático da rede ATM, de quantias existentes naquela conta, utilizando o referido cartão de débito, apesar de saberem não estar autorizados para o efeito pelo seu proprietário.
Mais ainda, sabemos que os arguidos agiram livre e conscientemente determinados, com o propósito de obter benefícios que sabiam não lhes serem devidos e que actuavam contra a vontade do titular do aludido cartão e à custa do seu empobrecimento, o que, no entanto não conseguiram, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Sintetizando, mostra-se verificado o ilícito em causa, por verificados os seus elementos objectivos e subjectivos, em que os arguidos incorreram como coautores materiais.
Consequentemente, também pelo crime de burla informática, na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 221.º, n.º 1, do Código Penal, com referência aos artigos 22.º e 23.º, do Código Penal, os arguidos terão de ser sancionados, tanto mais que existia queixa apresentada a fls. 1151 a 1152 por parte de LL, irmã da falecida CC, e assistente nos autos – cfr. arts. 113.º, n.ºs 2, alínea b), e 3, e 221.º, n.ºs 3 e 4, ambos do Código Penal.
Procede, assim, nesta parte, o recurso do Ministério Público.
Apreciemos agora se houve, por parte dos arguidos, a prática, em coautoria, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, como lhes era imputado na acusação/pronúncia.
Dispõe o artigo 210.º, n.º 1, do Código penal que:
“1. Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.”
O crime de roubo é um crime pluriofensivo de bens jurídicos distintos, qualquer deles penalmente protegido por si só, também definido como “complexo” ou “composto” porque contém um crime contra direitos pessoais (a saúde, a integridade física, a liberdade) e um crime contra a propriedade de coisas móveis (cfr. o Ac. do STJ de 01/04/2020, acessível em www.dgsi.pt).
Outrossim, é um crime de dano e de resultado. Desse modo, para o tipo legal se preencher, é necessária a verificação de efectiva subtracção de coisa móvel alheia. Mas é também necessário que se verifique um efectivo constrangimento, levado a cabo por um dos meios descritos no tipo legal[56].
Saliente-se, a este respeito, que a ameaça é também uma violência psíquica que terá de específico o facto de constranger através da provocação de medo, inquietação, insegurança, de forma a afectar a liberdade de decisão e acção do ameaçado. Todavia, no tipo legal de roubo apenas releva a ameaça com perigo iminente para a vida ou integridade física. A ameaça de que se trata é grave, capaz, no caso concreto, de paralisar a reacção contra o agente.
No caso vertente e perante os factos dados como provados, afigura-se-nos, tal como também o considerou o Tribunal a quo, que da prova produzida resulta que os arguidos nunca quiseram constranger a ofendida para subtrair-lhe o que tivesse mas, pelo contrário, a sua vontade foi sempre a de a matar, intenção com que efectivamente actuaram.
Pelo que, e bem, ninguém de resto o vem questionar, foram desse crime de roubo absolvidos.
No entanto, certo é que após esfaquearem a vítima a ponto de lhe terem, como desejavam, tirado a vida, os arguidos, ainda com esta prostrada no solo, sangrando, em comunhão de esforços e de intentos, agindo concertadamente, apropriaram-se de cartão de débito bancário pertença da ofendida e ainda de 10,00€ em numerário igualmente pertença da vítima, sabendo que não lhes pertenciam e que ela, sua proprietária, em tal não consentia.
Outrossim, inequívoco é dizer que os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo ser essa conduta por ambos protagonizada proibida e punida pela lei penal em vigor, com ilegítima intenção de apropriação.
Dispõe o art. 203.º, do Código Penal, que
“1. Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
2. A tentativa é punível.
3. O procedimento criminal depende de queixa.”.
Relativamente ao elemento objectivo do tipo legal, este preenche-se, assim, mediante a subtracção de coisa móvel alheia – art. 203.º do Código Penal.
Já no que respeita ao elemento subjectivo do tipo de ilícito, preenche-se pela ilegítima intenção de apropriação. “O elemento “intenção de apropriação” – que para além de tudo a lei exige que seja ilegítimo, isto é, contrário ao direito – deve ser visto e valorado como a vontade intencional do agente se comportar, relativamente a coisa móvel, que sabe não ser sua, como seu proprietário, querendo, assim, integrá-la na sua esfera patrimonial ou na de outrem, manifestando assim, em primeiro lugar, uma intenção de (des)apropriar terceiro[57]”.
 Dispõe o art. 26.º do Código Penal que “É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”.
Analisados os elementos típicos do crime de furto simples ora em apreço, verifica-se o preenchimento por parte de ambos os arguidos dos respectivos elementos objetivos e subjetivos do tipo.
Preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal do crime e inexistindo causas de exclusão da ilicitude do acto ou da culpa dos arguidos, conclui-se que os mesmos, pese embora não estejam incursos no crime de roubo, cometeram o referido crime de furto.
Ora, face à supra descrita matéria de facto, impunha-se ao Tribunal recorrido condenar os arguidos pela prática do crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1, do Código Penal, tanto mais que, como já ssinalámos, existia queixa apresentada a fls. 1151 a 1152 por parte de LL, irmã da falecida CC, e assistente nos autos – cfr. arts. 113.º, n.ºs 2, alínea b), e 3, e 203.º, n.º 3, ambos do Código Penal.
Assim, não existem dúvidas na verificação de todos os elementos típicos do crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1, do Código Penal.
Entende-se, por isso, que, com a sua evidenciada conduta, os arguidos constituíram-se coautores materiais de um crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1, do Código Penal, pelo qual também terão de ser sancionados.
Sendo que, este crime de furto está numa situação de concurso real com o de homicídio, não sendo por este consumido, aqui se remetendo para o doutamente expendido pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação no seu parecer (supra transcrito em I – 5.), a que aderimos, face à sua boa argumentação pela clareza e acerto jurídico.
Logra, assim, procedência, também nestoutra parte, o recurso do Ministério Público.
3.7.2. Passemos a apreciar quanto à necessidade da comunicação apontada pelo recorrente Ministério Público
Estabelece o art. 358.º, do CPP, que:
“l. Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.
2. Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa.
3. O disposto no nº 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia”.
No caso concreto dos presentes autos havia qualificação jurídica de factos descritos na acusação/pronúncia como integrantes, como anteriormente vimos, da prática, pelos arguidos, em concurso real e coautoria, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, com pena de prisão de 1 a 8 anos.
Este tribunal ad quem alterou tal qualificação jurídica dos factos descritos na acusação/pronúncia de roubo para o crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1, do Código Penal.
Entende o recorrente Ministério Público que tal condenação pela prática do crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203º, n.º 1, do Código Penal, deve ser previamente comunicada aos arguidos, por ser uma alteração da qualificação jurídica dos referidos factos, nos termos do disposto no art. 358.º, nºs 1 e 3 do CPP.
Todavia, entendemos não ser in casu necessária tal comunicação.
Como se expendeu no “CÓDIGO DE PROCESSO PENAL COMENTADO por António Henriques Gaspar e outros a páginas 1127 e seguintes:
“O instituto da alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia visa assegurar as garantias de defesa ao arguido. O que a lei pretende é que aquele não venha a ser julgado e condenado por factos diferentes daqueles por que foi acusado ou pronunciado, por factos que lhe não foram dados a conhecer oportunamente, ou seja, venha a ser censurado jurídico-criminalmente com violação do princípio do acusatório, sem que haja tido a possibilidade de adequadamente se defender. Ao alargar o âmbito de aplicação do instituto à alteração da qualificação jurídica dos factos o legislador visou, também, assegurar as garantias de defesa do arguido, de acordo, aliás, com a Constituição da República, que impõe sejam asseguradas todas as garantias de defesa ao arguido - nº 1 do artigo 32º -, consabido que a defesa do arguido não se basta com o conhecimento dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, sendo necessário àquela o conhecimento das disposições legais com base nas quais o arguido irá ser julgado (as disposições legais é que definem e estabelecem a natureza jurídica do facto, o tipo de culpa exigido para o seu preenchimento e demais elementos constitutivos, as sanções aplicáveis e outros elementos essenciais para a correcta e adequada defesa do arguido, devendo-se ter em vista que a própria tramitação processual depende da qualificação jurídica dos factos, sendo o que acontece com a forma do processo, a competência do tribunal e o modo de exercício e a extensão do direito ao recurso). Assim e atenta a ratio do instituto, vem-se entendendo que só nos casos e situações em que as garantias de defesa do arguido - artigo 32º, nº 1, da Constituição da República - o exijam (possam estar em causa), está o tribunal obrigado a comunicar ao arguido a alteração da qualificação jurídica e a conceder-lhe prazo para preparação da defesa. Por isso, se considera que a alteração resultante da imputação de um crime simples ou "menos agravado", quando da acusação ou da pronúncia resultava a atribuição do mesmo crime, mas em forma qualificada ou mais grave, por afastamento do elemento qualificador ou agravador inicialmente imputado, não deve ser comunica da, visto que o arguido ao defender-se do crime qualificado ou mais grave se defendeu, necessariamente, do crime simples ou "menos agravado", ou seja, defendeu-se em relação a todos os elementos de facto e normativos pelos quais vai ser julgado - a jurisprudência do Supremo Tribunal tem-se orientado, de forma pacífica, neste preciso sentido, como se vê, entre outros, dos acórdãos de 02.07.17, 03.11.12, 04.03.10, 06.04.06, 06.05.10, 06.06.14 e 07.10.31, proferidos nos Processos nºs 3158/02, 1216/03, 4024/03, 658/06, 1290/06, 1415/06 e 3271/07. O mesmo sucede quando a alteração resulta na imputação de um crime menos grave do que o da acusação ou da pronúncia em consequêncía de redução da matéria de facto na sentença, quando esta redução não constituir, obviamente, uma alteração essencial do sentido da ilicitude típica do comportamento do arguido, ou seja, quando não consubstanciar uma alteração substancial dos factos da acusação - neste sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 91.04.03, publicado na CJ, XVI, lI, 17 e o acórdão do Tribunal Constitucional de 94.04.17, proferido no Processo nº 254/95. Tal acontece, ainda, face a alteração decorrente da requalíficação da participação do agente de co-autoria para autoria (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.11.09, publicado na CJ(STj) ,XIII, III, 205), bem como perante alteração resultante da requalificação da culpa do agente de dolo directo para dolo eventual (acórdão do Tribunal Constitucional nº 72/05)” (fim de transcrição).
No caso e situação concreta dos presentes autos as garantias de defesa dos arguidos AA e DD não exigem que o tribunal comunique aos mesmos a alteração da qualificação jurídica de roubo para furto simples e a conceder-lhes prazo para preparação da defesa, por considerar este tribunal ad quem, ancorado naquela jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal de Justiça, que a alteração resulta na imputação/ condenação de/por um crime menos grave do que o da acusação/pronúncia (basta atentar na moldura das respectivas penas abstractas: prisão até 3 anos ou pena de multa no furto, enquanto que no roubo é sempre detentiva, de prisão de 1 a 8 anos), redução que não constitui uma alteração essencial do sentido da ilicitude típica do comportamento dos arguidos, por não consubstanciar uma alteração substancial dos factos da acusação/pronúncia.
Improcede, assim, nesta parte, o recurso do Ministério Público.
3.8. Entende o recorrente DD que “a qualificação da alínea a) do nº 2 do artigo 132.º do Código Penal apenas se aplica a relações familiares presentes e pretéritas e relações parentais não familiares. Ora, o aqui Recorrente não conhecia a vítima, não manteve, nunca, com esta alguma relação e nunca tinha frequentado a sua casa. Assim, nunca poderia o crime imputado ao Recorrente ser qualificado nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal. Acresce que, o Recorrente não veio acusado pelo crime de homicídio qualificado pela alínea a) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal. Ora, face à supra descrita matéria de facto, impunha-se ao Tribunal “a quo”, que se pretendesse condenar o Recorrente por essa alínea, deveria ter procedido a uma alteração não substancial dos factos, o que não sucedeu, violando o artigo 355.º do CPP. Deve, assim, a decisão ser anulada pelo Tribunal “ad quem” e, a ser o arguido condenado, terá que ser um crime de homicídio simples, p. e p. pelo artigo 131º do Código Penal, com pena de prisão de oito a dezasseis anos.”
Vejamos.
Quanto a comunicar-se ao arguido DD, que não é filho da vítima, a qualificação do homicídio da alínea a) do nº 2 do artigo 132.º do Código Penal, como o fez a primeira instância e defende se mantenha o Ministério Público, é questão sobre a qual nem nos debruçaremos, pela simples razão, que tem inteira razão o recorrente quando refere que não foi acusado nem pronunciado pelo crime de homicídio qualificado pela alínea a) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal.
Com efeito, resulta quer do despacho de acusação quer da decisão instrutória de pronúncia, a imputação “ao arguido AA da prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1, alíneas a), c) e) e j), do Código Penal”, e “ao arguido DD a prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1, alíneas c), e) e j), do Código Penal”.
Assim sendo, perante isto, também tem inteira razão o recorrente quando afirma: “impunha-se ao Tribunal “a quo”, que se pretendesse condenar o Recorrente por essa alínea, deveria ter procedido a uma alteração não substancial dos factos, o que não sucedeu, violando o artigo 355.º do CPP.”
Não se subscrevendo a posição do tribunal a quo quanto a este propósito expendeu no acórdão recorrido a dado-passo: Tal constitui uma concretização que, sendo obrigatória para o Tribunal, não constitui qualquer novidade processual que imponha antecipada comunicação (arts 357º e 358º CPP).”
No entanto, entende este tribunal ad quem que tal alteração (e, consequentemente, comunicação) não se justifica, bastando condenar o arguido pela alínea j), do n.º 1, do art. 132.º, do Código Penal, uma das quais por que vinha acusado/pronunciado
Lembre-se, todavia, que tribunal a quo consignou no acórdão recorrido que “considera preenchidas apenas as alíneas a) e j) do nº 1 e 2 do referido preceito” e mais adiante “devendo a matéria que integra a al. j) desse preceito entrar como circunstância autónoma na ponderação da medida da pena.” e “relega para a ponderação e concretização da pena a circunstância de ter havido reflexão sobre os meios e premeditação”, só não tendo condenado o arguido DD  por essa alínea j) por entender o tribunal a quo que “sempre que se mostrem preenchidas duas ou mais qualificativas do crime (circunstância agravante), o Tribunal qualificará o crime de acordo com aquela que resultar mais grave, ponderando a ou as restantes em sede de determinação concreta da medida da pena.” Concluindo “que a circunstância agravante mais grave que temos em presença é precisamente a da al. a) do nº 2 do citado normativo.”
Assim, este tribunal ad quem decide a alterar a condenação do arguido DD pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, condenando-o antes pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1, alínea j), do Código Penal, fazendo sua a argumentação da decisão revidenda para considerar preenchida a qualificativa da al. j), do n.º 1, do mencionado art. 132º, quanto a ambos os arguidos, e que recordemo-la aqui é a seguinte:
“De acordo com o que resulta das declarações de ambos os arguidos, renovando-se aqui os argumentos expostos na fundamentação de facto, e ainda da conjugação delas com os restantes elementos de prova [declarações do namorado da mãe, SMS já referido, entre o mais], resulta inequivocamente demonstrado que estes arguidos planearam esta morte durante largo tempo, certamente desde, pelo menos, data anterior a 6 de Abril, o que equivale a dizer que há pelo menos 8 dias que o plano estava traçado e combinado entre ambos, o que, por outro lado, significa que sobre ele reflectiram, que o pensaram em todas as dimensões da sua execução, como acima se deixou evidenciado.
Como refere o acórdão do TRL de 28.10.2015[58], entre outros que vão no mesmo sentido, reflexão sobre os meios empregues, significa planear, decidir e executar. Sendo que o tempo necessário para tal propósito se pode reconduzir a alguns minutos, pois que apenas no que concerne ao conceito de premeditação a lei impõe um tempo mínimo de preparação.
Ora, neste processo, verificamos que esta qualificativa se encontra preenchida quanto a ambos estes segmentos – não apenas houve o planeamento, decisão e execução da morte da vítima, como houve, sobre esses meios e consequências, inequívoca premeditação.
Como se acrescenta no acórdão do STJ de 12.03.2015[59], a concretização destes elementos reveste especial importância, uma vez que estas circunstâncias estão relacionadas com o processo de formação da resolução criminosa, considerando ainda adiante que esta reflexão tem que ver com o amadurecimento temporal sobre o modo de praticar o crime, como a congeminação serena e perdurante, no campo da consciência, da ideação de matar e dos meios a utilizar
Recorda-se que os arguidos combinaram com antecedência este acontecimento, tendo inclusivamente o Arguido AA pesquisado na net outras formas de o concretizarem, sendo, por isso, absolutamente necessário que a vítima estivesse em casa para que o plano se executasse como pretendido, ou seja, resultando na morte da vítima.
Por outro lado, esta reflexão durou, ainda, como se viu, bem mais de 24 horas.
Como ainda refere o nosso STJ de 19.02.2014[60], sob o conceito de premeditação, o legislador reuniu a frieza de ânimo, a reflexão sobre os meios empregados e o protelamento da reflexão de matar por mais de 24 horas. A agravante encontra-se conexionada com a actuação calma ou imperturbada reflexão, no assumir pelo agente da resolução de matar a que se alia a firmeza dessa mesma resolução criminosa (...).
Em face do exposto, não restam quaisquer dúvidas sobre o preenchimento também desta qualificativa.
Temos, como tal, preenchido o tipo legal tal como imputado na decisão de acusar e pronunciar (artº 132º CP), sendo que, como se vê, o Tribunal considera preenchidas apenas as alíneas a) e j) do nº 1 e 2 do referido preceito.” (fim de transcrição).
Com efeito, sendo o arguido AA descendente da vítima e tendo ambos os arguidos agido com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas, a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade.
Destarte, procede, parcialmente, nesta parte, o recurso do arguido DD.
3.9. Atentemos finalmente, na justeza das penas aplicadas aos arguidos pelo crime de homicídio e, de seguida fixemos as (parcelares) que se impõem para os crimes de burla informática e de furto, e, finalmente, as penas únicas.
O Tribunal a quo condenou cada um dos arguidos pela prática de um crime de homicídio qualificado, em coautoria material e na forma consumada, p. e p. nos termos dos arts 10.º, n.º 1, 14.º, n.º 1, 26.º, 131.º e 132.º, nºs 1 e 2, al. a), todos do Código Penal, na pena de 19 (dezanove) anos  de  prisão.
Em primeira instância defendeu o recorrente Ministério Público que as penas de 19 anos de prisão aplicadas a cada um dos arguidos, pela prática do crime de homicídio qualificado, que não confessaram os factos, não assumiram qualquer culpabilidade e não exteriorizaram arrependimento, não se encontram bem doseadas, tendo em conta tudo o que foi apurado, que a pena abstratamente aplicável tem como limite máximo 25 anos e como limite mínimo 12 anos, e os critérios legais para a sua fixação, revelando-se não serem justas e adequadas, violando o disposto nos art. 40.º e 71.º, nºs 1 e 2, do Código Penal, devendo ser substituídas por outras que condenem os mesmos na pena de 24 anos de prisão, cada um deles.
Nesta segunda instância o Ministério Público no seu parecer defende penas diferenciadas, para cada um dos arguidos pela prática do crime de homicídio qualificado, pois que, a seu ver, “o dolo, a ilicitude e o grau de culpa do Arguido AA é superior ao do Arguido DD. Com efeito, é o Arguido AA que é o filho da vítima, é ele, que nessa qualidade e por causa dela, decide retirar a vida à mãe para se apoderar do que a esta pertencia e, para esse efeito, é ele que aborda o Arguido DD, a quem promete pagar € 6.000,00 se, conjuntamente consigo, executar o homicídio da vítima, e a quem diz que pode ficar com os bens que encontrar na residência da mãe, logrando convencê-lo mediante tais ofertas, gizando os dois um plano de atuação com essas finalidades. E é ele que tem a chave da residência da vítima e é ele que projeta a mãe ao solo, colocando-a na impossibilidade de resistir, ou dificultando essa possibilidade, é ele que dá início à ação de subtrair a vida à mãe. Finalmente, o Arguido AA, em momento algum, desiste do seu propósito criminoso, mesmo quando vê a mãe prostrada no solo, manietada, com a cara tapada com uma almofada, incapaz de resistir. Não vacilou sequer. O Arguido DD, embora a qualificação se lhe comunique, não é filho da vítima, não tem com ela um vínculo familiar, sentimental e emocional que façam acrescer a sua culpa, para além de que não foi dele a ideia de subtrair a vida à vítima para obter bens da propriedade dela. Ele aderiu a uma ideia que lhe foi proposta, motivado pelo dinheiro, o que sendo altamente censurável, não o é tanto quanto a ação de um filho que engendra a morte da mãe para obter dinheiro. Posto isto, entendemos que ao arguido AA deve ser aplicada pena de prisão não inferior a 24 anos e ao arguido DD, deve ser aplicada pena de prisão não inferior a 22 anos.”  
O recorrente AA defende que a pena de 19 (dezanove) anos de prisão aplicada, considerando os factos concretos apurados é manifestamente excessiva, pois a considerar-se que o Recorrente praticou os factos que lhe são imputados, sempre terá que se considerar que os mesmos resultaram de uma profunda situação de perturbação que lhe diminuiu sensivelmente a culpa, pelo que, assim, considerando a análise global dos factos, deveria o Recorrente ter sido condenado numa pena próxima dos 12 (doze) anos de prisão.
O recorrente DD, alegando, dever ser ponderada a sua conduta à luz dos critérios legais de fixação da pena concreta em conjugação com todo o circunstancialismo em que o crime ocorreu e o facto de o Recorrente não ter antecedentes criminais, estar praticamente sozinho em Portugal, sem o apoio da família e, à data dos factos, estar desempregado, não deverá ser-lhe imposta uma pena superior a doze anos, a ser considerado incurso no crime de homicídio simples, e, a manter-se a condenação pelo crime de homicídio qualificado, defende que a pena aplicada não deve exceder os 15 (quinze) anos de prisão.
Da Escolha e Determinação Concreta das Penas parcelares
Nesta sede, e desde logo, impõe-se ter presente que, como decorre do que atrás se deixou exposto, aos crimes de burla informática e de furto que vimos cometidos pelos arguidos cabem, em alternativa, pena de prisão e pena de multa.
Nestes casos, deve o julgador atender ao critério constante do art. 70.º, do Código Penal, nos termos do qual, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e também ao disposto no art. 40.º, n.º 1 do mesmo diploma legal onde se preceitua que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração na sociedade”.
Assim sendo, e uma vez que as finalidades da punição são exclusivamente preventivas, só deverá recusar o Tribunal a aplicação da pena alternativa quando tal opção seja de modo a comprometer a preservação da paz jurídica comunitária, ou quando se revele desde logo inconveniente para a viabilidade e sucesso de um projecto, necessário, de ressocialização (Cfr. Anabela Rodrigues, em anotação ao Ac. do STJ de 21/05/90, RPCC, 2, 1991, pág. 243).
Tal critério expressa uma das ideias fundamentais subjacentes ao sistema punitivo do Código Penal: uma reacção contra as penas institucionalizadas ou detentivas, por sua própria natureza lesivas do sentido ressocializador que deve presidir à execução das reacções penais (cfr. Robalo Cordeiro, “Escolha e Medida da Pena”, Jornadas de Direito Criminal, p. 238).
A escolha da pena depende, pois, unicamente de considerações de prevenção geral e, sobretudo, de prevenção especial (em face do caso concreto, e não como resultado de uma operação em abstracto).
Vale isto por dizer que “são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena detentiva ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação. “A culpa relevará posteriormente para efeitos da medida da pena” (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2005, pág. 331).
Nesta perspectiva importará, pois, determinar se a reposição da confiança dos cidadãos na norma violada pelo agente do crime - e por aí a tutela retrospectiva do bem jurídico posto em causa -, bem como a ressocialização daquele, poderão ser plenamente alcançadas com a aplicação da medida não detentiva que, no caso, como vimos, alternativamente, se coloca em relação aos aludidos crimes. Assim, a escolha entre a pena de prisão e a pena alternativa de multa dependerá de considerações de prevenção geral e especial.
Ora, no caso vertente, pese embora os arguidos AA e DD não tenham passado criminal, a gravidade que em concreto assumiu a conduta delituosa subjacente aos crimes em causa acentua e agrava as necessidades de prevenção especial e geral.
Tal leva-nos a concluir que a reacção penal ao caso adequada não se compadece com a aplicação de uma pena de multa. Esta pena, estamos em crer, revestiria aqui um carácter simbólico, susceptível de perpetuar um sentimento de impunidade, não sendo de molde a levar à interiorização, por parte destes arguidos, da sua responsabilidade pelos actos danosos em causa, subestimando-os.
Optar-se-á, assim, pela aplicação da pena de prisão em relação a tais crimes, uma vez que a pena de multa não é aquela que, no caso, satisfaz adequadamente as finalidades da punição, não sendo de molde a assegurar a preservação da paz jurídica comunitária e a manutenção da confiança colectiva no sistema e nas instituições.
*
O ponto de partida e enquadramento geral da tarefa a realizar não pode deixar de se prender com o disposto no art. 40.º do Cód. Penal, nos termos do qual toda a pena tem como finalidade “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Em matéria de culpabilidade, diz-nos o nº 2 do preceito que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Com este preceito fica-nos a indicação de que a pena assume agora, e entre nós, um cariz utilitário, no sentido de eminentemente preventivo, não lhe cabendo, como finalidade, a retribuição “qua tale” da culpa. Do mesmo modo, a chamada expiação da culpa ficará remetida para a condição de consequência positiva, a ter lugar, mas não de finalidade primária da pena. No pressuposto de que por expiação se entende a compreensão da ilicitude, e aceitação da pena que cumpre, pelo arguido, com a consequente reconciliação voluntária com a sociedade.
Assim, a avaliação da culpa do agente fica ao serviço, fundamentalmente, de propósitos garantísticos e no interesse do arguido.
Este entendimento, aliás, mostra-se em consonância com o imperativo constitucional do nº 2 do art. 18º da Constituição da República, de acordo com o qual “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”, sendo certo que se não divisa, no texto fundamental, a eleição dum imperativo ético-penal da retribuição ou expiação da culpa, como direito ou interesse protegido constitucionalmente.
Quando, pois, o art. 71º do Cód. Penal nos vem dizer, no seu nº 1, que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, não o podemos dissociar daquele art. 40º.
Daí que a doutrina venha a defender, sobretudo pela mão de Figueiredo Dias, (cfr. “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2005, págs. 227 e segs.) que, se as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos, e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade, então, o processo de determinação da pena concreta a aplicar reflectirá, de um modo geral, a seguinte lógica:
A partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma “sub-moldura” para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, e, como limite inferior, o “quantum” abaixo do qual “já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar.” (Cfr. obra citada, pág. 229).
Ora, será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão actuar os pontos de vista da reinserção social. Quanto à culpa, para além de suporte axiológico- normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe, como se viu já, estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar.
Duas notas a acrescentar: “a defesa de bens jurídicos”, mencionada no referido art. 40.º, deve ser entendida, em sede de fins das penas, como propósito de prevenção geral positiva ou de integração, com o fim de “estabilização das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida e, portanto, como modelo de orientação para os contactos sociais, ou ainda como réplica perante a infracção da norma, executada à custa do seu infractor.
Na verdade, a defesa de bens jurídico-penais é, ela mesma, em geral, o desiderato de todo o sistema penal globalmente considerado, e não um fim que se possa considerar privativo das penas.
Quanto à prevenção especial, sabe-se como pode ela operar através da “neutralização-afastamento” do delinquente para que fique impedido fisicamente de cometer mais crimes, como intimidação do autor do crime para que não reincida, e, sobretudo, para que sejam fornecidos ao arguido os meios de modificação de uma personalidade revelada desviada, assim este queira colaborar em tal tarefa.
Esta, tanto quanto sabemos, a orientação quase unânime do Supremo Tribunal de Justiça nesta matéria.
Já o nº 2 do art. 71º do Cód. Penal manda atender, na determinação concreta da pena, “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”.
Enumera a seguir, a título exemplificativo, circunstâncias referentes à ilicitude do facto, à culpa do agente, à sua personalidade, ao meio em que se insere, ao comportamento anterior e posterior ao crime.
No caminho da concretização da pena a aplicar tomar-se-ão pois em conta os critérios consignados no citado artigo 71.º do Cód. Penal e, assim a culpa do agente, as necessidades de prevenção e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
Debruçando-nos agora sobre os factos, dir-se-á que procede, para o fim a alcançar neste ponto, o condicionalismo que já foi apontado nos autos.
As necessidades de prevenção geral e especial, traduzindo-se as primeiras na revalidação das normas violadas, sendo intensa a violação no crime de homicídio e também acentuada o é quanto aos demais crimes que cometeram, em face do modo como actuaram; bem como na repressão de actos como os que ora se censuram (de modo a lançar um claro alerta de que tais actos não são tolerados pela comunidade e desta recebem forte censura na reação do sistema de justiça), e as segundas na prevenção da prática de futuros crimes, estas médias, já que os arguidos não apresentam anteriores censuras de ordem penal.
No entanto, há que dizê-lo, tal não os inibiu de protagonizar comportamentos criminosos graves, em que revelaram uma assinalável indiferença pelos bens jurídicos tutelados pelas normas jurídicas violadas, nos termos já referidos, e, consequentemente, uma personalidade desconforme com as mais elementares regras de convivência social.
Nesta sede, não pode deixar de se ter presente que o homicídio (para ambos premeditado e para o arguido AA tirando a vida à própria mãe, que lhe deu a sua, e que o amava e o apoiava) é um tipo de crime, ou mais amplamente, uma fenomenologia criminal, em que se fazem sentir considerações de prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, demandando uma reação penal que reafirme a validade e vigência comunitária dos bens jurídicos que a incriminação protege, o mais precioso, aliás, que é a vida.
Já os crimes de burla informática têm aumentado de frequência por assegurarem ao agente rápido acesso a dinheiro vivo, imediatamente na mão, e, regra geral são mais rentáveis que a subtração sub-reptícia (no furto) ou violenta ou coativa da carteira ou a entrega das quantias nela guardadas, porque as pessoas cada vez trazem consigo menos numerário, utilizando cada vez mais meios de pagamento eletrónicos, e designadamente cartões de débito, de crédito, etc.
O grau da ilicitude dos factos, considerado no âmbito dos respetivos crimes, foi elevado em todos os ilícitos que cometeram, atendendo ao concreto modo de atuação dos arguidos.
O dolo foi directo e intenso (art. 14.º, n.º 1 do Cód. Penal), pois os arguidos representaram sempre o significado ilícito das suas condutas e quiseram praticar os factos.
A ter presente ainda que o arguido AA, presentemente com 42 anos de idade (nasceu a … de … de 1980), tem o 12º ano de escolaridade, trabalhou sempre na área de …, primeiro como … na Fundação I… até aos 27 anos de idade, depois, até aos 30, na A…, na área das …, e a seguir como ... na empresa F…, na qual, com a pandemia no âmbito da Covid-19, o volume de trabalho foi diminuindo, encontrando-se a empresa ao abrigo do lay-off, pelo que nesse contexto, o arguido ficou com muito tempo livre e passou a dedicar-se ao convívio com amigos e ao jogo retomando, paralelamente, os hábitos aditivos no final de 2019, nomeadamente consumos de haxixe, cocaína e bebidas alcoólicas. Este estilo de vida, marcado pela disfuncionalidade, terá tido repercussões negativas significativas ao nível da desorganização do seu quotidiano, situação agravada pelas dívidas que foi contraindo. Acresce que, AA não dispõe de qualquer suporte por parte de familiares, apenas de um amigo e da ex-companheira, dos quais tem recebido visitas no estabelecimento prisional e que se disponibilizam para o apoiar durante e após a reclusão, duranta a qual tem mantido uma postura adequada, estando, à data do julgamento, a trabalhar na … e a ser acompanhado em consulta de psicologia e psiquiatria tendo prescrita terapêutica regular.
Já o arguido DD, presentemente com 39 anos de idade (nasceu a … de … de 1982) tem de habilitações literárias o equivalente ao ensino secundário, tendo iniciado a sua actividade profissional no ramo da … junto do progenitor e mais tarde trabalhando em … como …. ..., emigrou para Portugal em 2019. À data da sua prisão, DD vivia num quarto arrendado em …, na zona das ..., encontrando-se desempregado e inactivo, não se tendo apurado em concreto de que actividade retirava rendimentos para se sustentar, sendo que aqui, tal como no país de origem, consumia estupefacientes. Não tinha relacionamento com o único familiar que tem em Portugal, o seu irmão, que vive em ….
Sem esquecer ainda que nenhum dos arguidos confessou os factos e verbalizou arrependimento o que, se os não pode prejudicar, impede o tribunal de, por essa via, os beneficiar.
Bem andou o tribunal a quo quando a respeito da medida das penas para o crime de homicídio qualificado disse a dado-passo:
Em face da manifesta e até de impossível adjectivação da gravidade destes factos, atenta a natureza dos bens jurídicos lesados que são os fundamentais – a vida e a segurança - e dizem respeito à integridade emocional e física da pessoa humana, e da Sociedade, que toma cada pessoa como reflexo e projecção dos direitos que são fundamentais a todos, tendo em conta as consequências potencial e absolutamente gravosas decorrentes destes tipo de comportamentos – quer sejam os gerais de segurança e paz social, ou da integridade física e emocional, da vida dos destinatários, a perda de quem parte e as sequelas para quem fica, o sofrimento causado, quer seja em termos de sinais dados à comunidade de que se pode tudo, até acabar com a vida alheia pelo simples facto de a mesma ser vulnerável -, são de considerar elevadíssimas as exigências de prevenção geral. As mais elevadas de todos, porquanto estamos perante o mais grave de todos os crimes.
Por outro lado, tendo em conta aquelas características e as que decorrem da própria natureza do crime, do desprezo revelado pela vida humana, seja em que dimensão ela se pense, a barbaridade dos actos e a predisposição do arguido para os cometer, a absoluta insensibilidade e frieza na actuação, a personalidade revelada no cometimento destes factos, reveladora ainda de baixeza de carácter, displicente sinal de impunidade absoluta, não podemos descurar as exigências de prevenção especial que no caso se fazem sentir, na medida em que, pese embora os arguidos não tenha passado criminal documentado nos autos, revelam ambos igualmente desprezo pela vida humana e em sociedade e o facto de, como se percebe, com isto serem apreensíveis por nós os inequívocos sinais de que estes arguidos revelam uma personalidade adaptável à circunstância de ser-lhe irrelevante, indiferente e desprezível o valor da vida humana, até pela destreza e frieza emocional com que executaram estes factos – planeados, mais do que arrefecidos ao longo dos dias, maturados de forma longa, por mais de uma semana, estudados os meios e os modos, em que persistiram e ainda foram capazes de executar com inusitada violência, todas estas circunstâncias apuradas permitem concluir, com facilidade, pela extrema gravidade destas circunstâncias e desvalor da acção dos arguidos que nenhum, repete-se, nenhum, sentimento de humanidade revelaram, desde logo, em julgamento, nenhum traço de arrependimento, pelo contrário.
Assim, pelo exposto, com vista à promoção de uma consciência ética social, sendo inequívoca a necessidade de aplicar pena de prisão a cada um destes arguidos, há que determinar o quantum da mesma.
Atribui-se à culpa a função única de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena, e à prevenção geral a função de fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite máximo é dado pela medida óptima da tutela dos bens jurídicos, dentro do que é considerado pela culpa, e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida moldura de prevenção, e que melhor sirva as exigências de socialização do agente.
Na determinação da medida concreta da pena, há que ponderar factores:
A ilicitude dos factos, que se revela, o mínimo é dizer-se, especialmente e extraordinariamente acentuada.
As consequências do ilícito, que assumem especial e acentuada gravidade, plasmada nos autos, a natureza insubstituível do bem jurídico atingido, a vida, a segurança, dois valores absolutos e fundamentais para garantir a vida em comunidade, o respeito pelo outro. O civismo ou, se se quiser, a opção civilizacional que fazemos diariamente depende destas escolhas que afectam irremediavelmente, além das vítimas, a sociedade no seu todo. E de acordo com o que resulta nestes autos apurados, dificilmente a sociedade recuperará desta mancha de desumanidade.
O grau da culpa que, mercê disso mesmo, se mostra acentuadíssimo, em termos de nocividade social desta conduta, tendo em conta que os arguidos agiram sempre com dolo directo, sem que houvesse qualquer causa próxima ou remota que justificasse, excluísse a culpa ou a diminuísse por qualquer forma, como se viu, com dolo intensíssimo, como resulta desde logo do tempo de preparação destes factos, da persistente intenção de matar por mais de uma semana, da forma como planearam a sua actuação e a levaram a cabo.
Tudo isto associado às condições de vida dos arguidos – sem carências económicas ou sociais que ficassem demonstradas [o Arguido DD não trabalhava naquela concreta altura mas não se apuraram quaisquer dificuldade por que estivesse a passar; o Arguido AA, que recebia ordenado mensal da sua actividade, e cujas dívidas não eram da compra de comida mas da droga e jogo] a qualquer nível como fica claro, muito embora sem abastança mas num registo socio económico de alguma consistência - e à falta de confissão dos factos, pelo contrário, negando ambos frontalmente a quase totalidade dos factos, a falta também de arrependimento que fica demonstrada inequivocamente, todos estes sendo factores muito relevantes.
Tudo isto ponderado, tudo isto sopesado, avaliado de acordo com o leque comum do sentimento social dominante, afigura-se-nos ajustado concluir que para este crime a pena deve ser demonstrativa da forte reprovabilidade destes comportamentos pela sociedade e deve reflectir a importância da vida humana como valor fundamental da nossa cultura e sociedade e, ainda, da sobrevivência social e cultural da mesma sociedade.” (fim de transcrição).
A distinguir a medida da censura a atribuir a cada um deles, não podemos deixar de considerar mais grave matar a mãe, e com premeditação, do que matar outra qualquer terceira pessoa, ainda que também com premeditação.
O crime de homicídio qualificado é punido com pena de prisão de 12 a 25 anos
O crime de furto é punido com pena de prisão até 3 anos.
O crime de burla informática seria também punido com pena de prisão até 3 anos, se fosse consumado, mas foi-o na forma tentada.
A tentativa é punível com a pena aplicável ao crime consumado, especialmente atenuada (artigos 22 e 23, n.º 2, do Código Penal.
No termos do art. 73.º, n.º 1, do Código Penal, “Sempre que houver lugar à atenuação especial da pena, observa-se o seguinte relativamente aos limites da pena aplicável:
a) O limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço.
b) O limite mínimo da pena de prisão é reduzido a um quinto se for igual ou superior a 3 anos e ao mínimo legal se for inferior;
c) O limite máximo da pena de multa é reduzido de um terço e o limite mínimo reduzido ao mínimo legal”
Logo [e visto também o disposto nos artigos 41, n.º 1 (“A pena de prisão tem, em regra, a duração mínima de 1 mês e a duração máxima de 20 anos”) e 47, n.º 1 (“A pena de multa é fixada em dias, de acordo com os critérios estabelecidos no n.º 1 do artigo 71.º, sendo, em regra, o limite mínimo de 10 dias e o máximo de 360”), ambos do Código Penal], o crime de burla informática, é punido, na sua foram tentada, com pena de prisão de 1 mês a 2 anos ou com pena de multa de 10 a 240 dias, sendo que, no caso concreto, já acima optámos pela pena de prisão.
Ponderando tudo aquilo que se deixa exposto e tendo em conta as molduras penais aplicáveis, analisados todos os factores acima referidos, consideramos ajustado:
Aplicar ao arguido AA:
- Pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelo nos termos dos artigos 10.º, n.º 1, 14.º, n.º 1, 26º, 131º e 132º, nº 1 e 2, al. a), todos do Código Penal Código Penal, a pena de 23 (vinte e três) anos de prisão;
- Pela prática, em coautoria material, de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, a pena de 5 (cinco) meses de prisão;
- Pela prática, em coautoria material, de um crime de burla informática, na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 221.º, n.º 1, do Código Penal, com referência aos artigos 22.º e 23.º, do mesmo diploma, a pena de 6 (seis) meses de prisão;
Aplicar ao arguido DD:
- Pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelo nos termos dos artigos 10.º, n.º 1, 14.º, n.º 1, 26º, 131º e 132º, nº 1 e 2, al. j), todos do Código Penal, a pena de 21 (vinte e um) anos de prisão;
- Pela prática, em coautoria material, de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, a pena de 5 (cinco) meses de prisão;
- Pela prática, em coautoria material, de um crime de burla informática, na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 221.º, n.º 1, do Código Penal, com referência aos artigos 22.º e 23.º, do mesmo diploma, a pena de 6 (seis) meses de prisão;
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As penas encontradas em medida não superior a um ano, não serão substituídas por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade, à luz do que dispõe o art. 43.º, nº 1 do Código Penal, por se entender, em face do que atrás se expôs em sede de determinação da pena, que a execução da pena de prisão é exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes.
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Do Cúmulo Jurídico de Penas
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Encontrando-se os crimes cometidos pelos arguidos em relação de concurso, tal como a define o artigo 77.º do Código Penal, haverá, em qualquer caso, que proceder à fixação de uma pena única para cada um deles.
A pena do concurso terá de ser fixada em função das exigências gerais da culpa e da prevenção, contendo o citado art. 77º, n.º 1, segunda parte, um critério especial (para além dos gerais constantes do art. 71º, n.º 1 do Código Penal), isto é, haverá que atender, em conjunto, aos factos e à personalidade do agente. “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.” Figueiredo Dias, citado no Ac. do STJ de 6-03-2008, CJ (STJ) 2008, I, 249.
No âmbito dessa análise impõe-se aferir se o conjunto dos factos revela uma «carreira» criminosa ou se configura antes uma pluriocasionalidade que não assenta na personalidade, antes em circunstâncias específicas de um determinado hiato temporal.
Há ainda que ter presente o disposto no art. 77.º, n.ºs 2 e 3 do C. Penal, de tal modo que “a pena aplicável ao concurso tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.
Assim, a moldura abstracta do cúmulo jurídico a efectuar em relação a cada um dos arguidos tem como limite mínimo a mais elevada das penas parcelares que o integram – no caso, 23 (vinte e três) e 21 (vinte e um) anos, para o arguido AA e para o arguido DD, respectivamente – e como limite máximo a soma de todas as penas – 23 (vinte e três) e 11 (onze) meses e 21 (vinte e um) anos e 11 (onze) meses de prisão, para o arguido AA e para o arguido DD, respectivamente.
Nesta operação, para além de ter presente o que atrás deixamos exposto em sede de determinação da medida concreta da pena, que aqui se reedita, teremos de ter ainda em conta que, o caso em apreço tal permite concluir, face ao percurso até agora normativo dos arguidos (sem antecedentes registados) a conduta delituosa ajuizada não pode ser reconduzida a uma tendência criminosa. Revelando embora um carácter anti-social, configura um acto pontual e isolado no percurso de vida dos arguidos.
Assim, considerados os referidos factores, entendemos justo e adequado:
- Aplicar ao arguido AA a pena única de 23 (vinte e três) anos e 6 (seis) meses de prisão;
- Aplicar ao arguido DD a pena única de 21 (vinte e um) anos e 6 (seis) meses de prisão.

III – Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, em
1º - corrigir, oficiosamente e visto o disposto no art. 380.º, nºs 1 al. b) e 2 do CPP, o erro material de escrita, constante no acórdão recorrido, pelo que onde nos factos nele provados sob os pontos 21 e 29 e na indicação da prova que serviu para a formação da convicção dos julgadores a quo no assentamento de tal matéria, aparece “...71”, com referência ao número do cartão de débito, deve antes passar a ler-se e figurar “...61;
2.º - negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e conceder parcial provimento quer ao recurso interposto pelo Ministério Público quer ao recurso interposto pelo arguido DD, em conformidade com o que decidem:
a) alterar a redacção do facto provado no acórdão recorrido sob ponto 29 que passará a ser a seguinte: “Os arguidos agiram ainda com intenção de retirarem e fazerem sua a quantia monetária depositada na conta bancária titulada por CC no Banco BPI, associada ao cartão de débito nº ...61, através da utilização do referido cartão em máquinas de ATM.”:
b) alterar a redacção do facto provado no acórdão recorrido sob ponto 44 que passará a ser a seguinte: “A conta do BPI cujo cartão de acesso foi levado de casa da vítima pelos arguidos era titulada pela vítima.”.
Bem como, consequentemente, decidem eliminar da fundamentação do acórdão recorrido as expressões “(de que ele era co-titular)” e “[era co-titular dela]”;
c) alterar a qualificação do crime de homicídio praticado pelo arguido DD da alínea a), do n.º 2, do art. 132.º, do Código Penal, para a alínea j) da mesma norma, pelo qual passa a ficar condenado;
d) aplicar ao arguido AA:
- pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelo nos termos dos artigos 10.º, n.º 1, 14.º, n.º 1, 26.º, 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), todos do Código Penal, a pena de 23 (vinte e três) anos de prisão;
- pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, a pena de 5 (cinco) meses de prisão;
- pela prática, em coautoria material, de um crime de burla informática, na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 221.º, n.º 1, do Código Penal, com referência aos artigos 22.º e 23.º, do mesmo diploma, a pena de 6 (seis) meses de prisão;
e) aplicar ao arguido DD:
- pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelo nos termos dos artigos 10.º, n.º 1, 14.º, n.º 1, 26.º, 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea j), todos do Código Penal Código Penal, a pena de 21 (vinte e um) anos de prisão;
- pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, a pena de 5 (cinco) meses de prisão;
- pela prática, em coautoria material, de um crime de burla informática, na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 221.º, n.º 1, do Código Penal, com referência aos artigos 22.º e 23.º, do mesmo diploma, a pena de 6 (seis) meses de prisão;
f) e, operando cúmulo jurídico das penas parcelares indicadas em d) e e), aplicar ao arguido AA a pena única de 23 (vinte e três) anos e 6 (seis) meses de prisão; e ao arguido DD a pena única de 21 (vinte e um) anos e 6 (seis) meses de prisão;
g) confirmar no mais a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente AA, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC’s, atendendo ao grau de complexidade da decisão (art. 513.º do CPP e artigos 5.º e 8.º, n.º 9, e tabela III, do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 34/2008, de 26 de fevereiro).
Notifique nos termos legais.
Comunique, de imediato, à primeira instância.
Transitado deverá a secção, na versão em papel do acórdão recorrido, proceder à correção supra indicada em a), traçando/ inutilizando o último algarismo 7 (sete) no n.º do cartão de débito que figura nos factos provados sob os pontos 21 e 29 e a sua indicação na prova que serviu na convicção dos julgadores a quo ao assentamento de tal matéria.
 (o presente acórdão foi processado em computador pelo relator, seu segundo signatário, e integralmente revisto por si e pelos demais Exmºs Juizes Desembargadores seus subscritores – art. 94.º, n.º 2, do CPP)

Lisboa, 24 de fevereiro de 2022
Margarida Vieira Almeida – Presidente
Calheiros da Gama - Relator
Abrunhosa de Carvalho - Adjunto
_______________________________________________________
[1] Relatórios de diligência externa.
[2] Autos de diligência externa.
[3] Veja-se, por exemplo, quanto ao arguido AA o que refere, desde logo, no artº 24º da contestação que mereceu em julgamento declaração muito diversa, ou por parte do arguido DD quando enfatiza na contestação um problema mental que não tem e em julgamento vem dizer que foi a uma consulta de psicologia há muitos anos, porque se tinha divorciado, e nada mais.
[4] Numa tentativa desesperada de conferir credibilidade à versão do arguido AA segundo a qual estaria sob efeito das drogas nessa altura, mesmo contrariando as conclusões periciais juntas e a restante prova produzida, a testemunha MM veio dizer ao tribunal que o arguido estava com conversas estranhas no carro e falava das árvores… Ora, este arguido, que também ele diz que estava sob efeito de drogas, é o mesmo que o co-arguido diz que não se drogou porque chegou a casa do mesmo e havia álcool mas não droga, nesse dia, e é o mesmo que conduziu uma carrinha (veja-se fls. 351 a 357) grande de … para as …, das … de volta a …, Novamente para …, depois para as … e depois a passear em …, depois de ter ido a …, onde ainda regressou para levar a referida MM no fim do dia, tudo zonas de conhecido intenso movimento de veículos diariamente.
[5] Outra curiosidade deste processo é o episódio, aliás inusitado, em que, durante o seu primeiro interrogatório judicial, confrontado o arguido AA pelo Procurador para esclarecer por que razão, se tinha dívidas e estava a ser ameaçado para as saldar, não deixou de pagar ao banco (dizemos nós, como tanta gente fez, desde logo aproveitando as moratórias), o arguido AA respondeu, ante a estupefacção do seu interlocutor, que não entraria em incumprimento do seu crédito da casa [o que, tendo em vista que aqui se julga a morte da sua mãe, assassinada, nas palavras do próprio, por motivos de dinheiro, diz muito sobre a personalidade dos arguidos, sobretudo do arguido AA].
[6] É, para além de tudo, curioso o pormenor referido pelo arguido DD de que o arguido AA terá trazido da casa da mãe, após matarem a mesma, a sua carteira, de onde tirou o cartão de multibanco da conta que esta tinha com o próprio, e que “esvaziara de fundos”, cartão esse, precisamente, que entregou ao arguido DD.
[7] Ou sequer acompanhado de terceiro, como tentou variar o arguido AA em julgamento, aditando mais um elemento que deve ter considerado perturbador da linearidade da prova que já existia quando disse que não sabia se o DD combinara com alguém que não viu do corro onde estava que o fosse ajudar – este pormenor que só vem descredibilizar a versão do próprio arguido AA ainda mais, uma vez que o arguido DD dificilmente combinava com alguém o encontro numa casa que não conhecia, num prédio que não conhecia e para ir a um apartamento que não conhecia.
[8] No seu depoimento, além do mais que resulta do processo, a testemunha MM vem dizer que o arguido AA lhe deu a casa da mãe por achar que ela a merecia e que nenhum dinheiro lhe pagou por ela.
Quando, dos documentos juntos aos autos, como a fls. 28 do apenso de procedimento cautelar, consta que a mesma MM adquiriu, por compra, após a morte da vítima, o referido apartamento que lhe foi transmitido por este arguido na qualidade de único herdeiro da falecida, negócio que, por isso, resulta como simulado e nulo, estando a resolução da situação dependente das diligências que decorram desta decisão e que os interessados entendam levar a cabo nos meios comuns.
[9] É o arguido DD que diz que, depois de matarem a vítima, o arguido AA retirou da sua mala a carteira, que levou consigo, tendo-lhe entregue o cartão antes de o deixar nas …, o que se mostra compatível com o facto de esse cartão ter sido apreendido na sua posse e ter o arguido AA deixado na mala da mãe, porque desconhecia a sua existência, o cartão da conta que a mãe abrira em seu único nome e para onde transferiu o seu dinheiro.
Claro, como o arguido AA sabia que depois iria haver uma investigação, avisadamente manteve-se distante da conta do BPI nos dias anteriores à morte da mãe. No entanto, quando percebeu, após os factos, que alguma coisa se passava com essa conta, apressou-se a fazer diversas consultas na internet que estão (fls. 135 e 140).
[10] Comentário Conimbricense do Código Penal, vol. I, p. 32.
[11] Citação Ac. STJ de 18.09.2013 – www.dgsi.pt/stj.
[12] Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Ed. 1999, p. 3 e seguintes.
[13] Técnica dos exemplos da regra.
[14] Homicídio Qualificado - Tipo de Culpa e Medida da Pena, Teresa Serra, 2000, p. 15.
[15] Visitável em www.dgsi.pt/TRL.
[16] Idem.
[17] Idem.
[18] Entre outros, veja-se o citado já acórdão TRL de 28.10.2015, visitável em www.dgsi.pt/TRL..
[19] Conseguimos, porque a riqueza da vida a isso obriga, no bem e no mal, encontrar várias circunstâncias em que, por diversos motivos, esta circunstância agravante possa não ser a mais grave, mas não é este o caso – o arguido tinha e sempre teve relação próxima com a mãe, que aliás ajudava a sustentar-lhe as necessidades, sendo sempre reconhecido entre ambos um bom relacionamento, ainda que, no final, tivesse a mãe percebido que o bem querer não era recíproco (como decorre da mensagem que enviou e consta dos autos a dizer que o filho se tornara num bandido, ou quando refere à amiga que a quis matar), no entanto, mantendo ela o amor de mãe, que a levava a contemporizar e a conviver com o desgosto, como referiu ao namorado, de o filho a considerar um empecilho na sua vida. Isto tudo serve, como se vê, para aceitar que, muito embora a vida nos traga ao conhecimento casos em que esta possa não concretizar-se com a agravante mais grave, ela é, neste contexto concreto, efectivamente a mais gravosa.
[20] Simas Santos e Leal Henriques - Código Penal de 1982, ed. Rei dos Livros, 1986, p. 494.
[21]   Neste sentido, como a doutrina alemã, de que se destaca Esser.
[22] A. M. Almeida Costa - Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, p. 328 e ss.
[23] Direito Penal Português, Aequitas, p. 227.
[24] Cfr. Anabela Rodrigues, O Sistema Punitivo Português, in Sub Judice, n. 11, 1996.
[25] Arts. 71°, 47°, n° 1 e 40° CP.
[26] Cfr. Jorge de Figueiredo Dias - As consequências Jurídicas do Crime, p. 227 e seguintes.
[27] www.dgsi.pt/stj..
[28] “o C. Penal de 1886 punia a simulação (no artigo 455º) como um crime contra a propriedade, autónomo do crime de falsificação de documento.
Na redacção originária do Código Penal 1982, de acordo com o seu autor, Eduardo Correia (Actas, p. 242) a simulação era punida pelo artigo 233º, n.º 2. Neste sentido se pronunciaram também Helena Moniz, O Crime de Falsificação, p. 199, sustentando que a simulação era punida como falsa documentação indirecta; Marques Borges, Dos Crimes de Falsificação, p. 81 e sgs.; Maia Gonçalves, C. Penal Português em anotação ao citado art. 133º, nota 2; AC. RC publicado na CJ, Ano VIII, tomo 2, p. 62.
Em sentido contrário em parecer publicado na C. J., Ano VIII, t. 3, p. 21, pronunciaram-se, porém, os Professores Figueiredo Dias/Costa Andrade. Entendimento que encontrou eco na jurisprudência: Ac. STJ de 09.11.1983, BMJ 331º, p. 312, também disponível em http://www.dgsi.pt com o n.º convencional JSTJ00002537; o Ac. RP de 30-11-1994, http://www.dgsi.pt
No entanto com a Reforma do C. Penal de 1995, operada pelo D.L. 48/95, desapareceu (do agora artigo 257º) qualquer norma equivalente ao antigo n.º 2 do artigo 233º. Pelo que, como já advertia Helena Moniz, na 1ª impressão da ob. cit., p. 199, referindo-se ainda ao Projecto, “tudo leva a crer que o legislador pretende descriminalizar definitivamente a simulação”.
Na verdade, depois da citada evolução e dúvidas suscitadas na vigência da redacção originária do CP 82, não existindo agora qualquer disposição equivalente ao antigo art. 233º, n.º2, nem tão-pouco, nas várias alíneas relativas à tipificação do crime de falsificação, qualquer referência à simulação de negócio, deve presumir-se (art. 9º do C. Civil sobre a interpretação da lei) que, se o legislador não se lhe referiu expressamente, vigorando em direito penal um rigoroso princípio da tipicidade, foi porque entendeu que não se justificava a sua eleição como matéria criminalmente relevante.
Assim, no sentido de que no regime vigente (após a revisão do CP de 95) a simulação de negócio não é punível, v.: Helena Moniz, Comentário Conimbricence ao C.P., tomo II, p. 678, Maia Gonçalves C. Penal Anotado, 15ª ed. P. 796; Simas Santos/Leal Henriques, C. Penal, 2ª ed., 2º Vol. P. 729.” - In Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12 de julho de 2006, proferido no processo n.º 1923/06 e consultável em www.dgsi.pt
[29] Como consagrado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de outubro de 2003, proferido no processo n.º 1061/02 e consultável em www.dgsi.pt.
[30] “O conceito de negócio simulado encontra-se explicitado, de harmonia com a doutrina tradicional, no nº. 1º do artº. 240º, de que decorre que há simulação sempre que concorram divergência intencional entre a vontade e a declaração das partes, combinação ou conluio que determine a falsidade dessa declaração (acordo simulatório), e a intenção, intuito ou propósito de enganar ou prejudicar terceiros.
Ainda quando não tenha havido intenção fraudulenta, isto é, de prejudicar terceiros (animus nocendi) - caso mais frequente -, haverá simulação se existir o intuito ou propósito de enganar terceiros (animus decipiendi)” – In citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de outubro de 2003.

[31] Como também expendido no mencionado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de outubro de 2003
[32] Continuamos a referir-nos ao Acórdão do STJ de 21 de março de 2007.
[33] Ainda citando o Acórdão do STJ de 21 de março de 2007.
[34] Está publicado na JusNet.
[35] In www.stj.pt
[36] Vd., entre outros, os Acórdãos desta Secção e Relação prolatados em 12 de março de 2016 no processo n.º 247/13.0 PFLSB.L1, em 22 de março de 2017 no processo n.º 119/15.3SKLSB.L1, em 22 de março de 2018 no processo n.º 629/16.5GBMFR.L1, em 20 de setembro de 2018 no processo n.º 509/17.7PULSB.L1, em 11 de abril de 2019 no processo n.º 73/07.5TELSB.L1, em 2 de maio de 2019 no processo n.º 41/17.9PFAMD.L2, em 23 de dezembro de 2019 no processo n.º 83/15.9PJLRS.L1, em 10 de setembro de 2020 nos processos n.ºs 785/17.5T9VFX.L1 e 22/17.2GBLSB.L1, em11 de março de 2021) nos processos n.ºs 166/20.3PCLRS.L1 e 973/16.1T9MTJ.L1, e em 11 de novembro de 2021 no processo n.º 1000/20.0POLSB.L1, todos relatados pelo ora relator.
[37] Cf. Ac. do STJ de 26-02-2009, Proc. n.º 3270/08 - 5.ª, ibidem.
[38] Cf., designadamente, Acs. do STJ de 15-02-2007, Proc. n.º 3174/06 - 5.ª, de 14-03-2007, Proc. n.º 617/07 - 3.ª, de 23-05-2007, Proc. n.º 1405/07 - 3.ª, de 11-07-2007, Proc. n.º 1416/07 - 3.ª, e de 27-07-2007, Proc. n.º 2057/07 - 3.ª, in www.stj.pt (Jurisprudência/Sumários de Acórdãos).
[39] Cf. Ac. do STJ de 22-05-1996, Proc. n.º 306/96, in www.dgsi.pt.
[40] Cf. o comentário do Senhor Conselheiro Pereira Madeira no Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, págs. 1358-1359. E, no mesmo sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, 2.ª edição, 2000, págs. 340-341.
[41] Cf. Acs. do STJ de 06-10-1999 e de 13-10-1999, in Tolda Pinto, A Tramitação Processual Penal, 2.ª Ed., pág. 1058.
[42] Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2.ª Ed., pág. 341, precisa que o requisito da notoriedade se afere «pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente.» No mesmo sentido se pronuncia o Senhor Conselheiro Pereira Madeira, em anotação ao Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, pág. 1359: «Estão incluídas, evidentemente, as hipóteses de erro evidente, escancarado, de que qualquer homem médio se dá conta. Porém, a ser assim, com um alcance tão restrito, o preceito acabaria por perder grande parte do seu interesse prático, acabando afinal por deixar encobertas, situações de erro clamoroso, ainda que porventura não acessíveis ao cidadão comum. Impor-se-á, assim, uma leitura algo mais abrangente que não acoberte situações de julgamento erróneo não inteiramente escancaradas à observação do homem comum, todavia, que numa visão consequente e rigorosa da decisão no seu todo, seja possível, ainda que só ao jurista, e, naturalmente ao tribunal de recurso, assegurar, sem margem para dúvidas, que a prova foi erroneamente aplicada. Certo que o erro tem que ser «notório». Mas basta para assegurar essa notoriedade eu ela ressalte do texto da decisão recorrida, ainda que, para tanto tenha que ser devidamente escrutinada – ainda que para além das percepções do homem comum – e sopesado à luz das regras da experiência. (…)»
[43] Cf. Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 6.ª edição, págs. 67 e ss.
[44] Ibidem.
[45] Cf. Acs. do STJ de 17-03-2004, Proc. n.º 2612/03 - 3.ª, e de 23-02-2011, Proc. n.º 241/08.2GAMTR.P1.S2 -3.ª, ambos in www.dgsi.pt.
[46] Ibidem.
[47] Cf. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, vol. I, pág. 202.
[48] Cf. Ac. do TC n.º 198/2004, de 24-03-2004, in www.tribunalconstitucional.pt.
[49] Cf. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, págs. 233-234.
[50] Cf. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. II, págs. 126-127, que, por sua vez, cita o Prof. Figueiredo Dias.
[51] In Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, pág. 221.
[52] In Curso de Processo Penal, vol. I, Reimpressão da Universidade Católica.
[53] In Curso de Processo Penal, vol. II, Verbo, págs. 126-127.
[54] cfr. A.M. Almeida Costa in “Comentário Conimbricense ao Código Penal”, tomo II, pág. 293
[55] cfr. A.M. Almeida Costa in ob.citada.
[56] O crime de roubo é um crime complexo (porque, segundo Luís Osório, contém um crime contra a liberdade e um crime contra o património), de natureza mista, pluriofensivo, em que os valores jurídicos em apreço são de ordem patrimonial – direito de propriedade e de detenção de coisas móveis – e sobretudo de ordem eminentemente pessoal – direito à liberdade individual de decisão e acção, à própria liberdade de movimentos, à segurança, à saúde, à integridade física e mesmo à própria vida alheia – cf. Acs. do STJ de 18-05-2006, CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 185, de 24-05-2006, Proc. n.º 1049/06 - 3.ª, de 25-10-2006, Proc. n.º 3042/06 - 3.ª, e de 24-01-2007, Proc. n.º 4066/06 - 3.ª.
[57] Cfr. Jorge de Figueiredo Dias in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo II, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, pág. 33.
[58] Visitável em www.dgsi.pt/TRL.
[59] Idem.
[60] Idem.