Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7581/22.6T8LSB-D.L1-8
Relator: RUI MANUEL PINHEIRO DE OLIVEIRA
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
EMBARGOS DE EXECUTADO
INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/27/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Embora os incidentes de intervenção de terceiros estejam estruturados em função da acção declarativa, não há razões para afirmar, sem mais, a inadmissibilidade da sua dedução no âmbito da acção executiva ou nos embargos de executado ou em qualquer procedimento declarativo nela enxertado, sempre que essa intervenção se mostre indispensável e necessária à defesa dos executados ou para conferir eficácia à oposição neles deduzida contra a execução e desde que se mostrem reunidos os requisitos de que a lei faz depender a sua admissibilidade e que, no caso concreto, se mostrem compatíveis com a especial função e natureza da acção executiva.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na 8.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
1.1. Nos autos de embargos de executado que deduziram por apenso à execução ordinária que lhes move a CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A., vieram os embargantes A, B e C interpor recurso de apelação do despacho de 25.11.2024, que indeferiu a intervenção principal provocada da sociedade SGC – Investimentos, SGPS, S.A., que por eles havia sido requerida.
Pretendem que essa decisão seja «revogada e substituída por outra que admita a intervenção principal provocada da SGC ou, caso assim não se entenda, ser convolada a intervenção principal requerida pelos Executados Embargantes em intervenção acessória, sendo esta última admitida, com as correspondentes consequências processuais», para o que formularam as seguintes conclusões:
«A) O presente recurso vem interposto do despacho proferido pelo Tribunal Recorrido em 25.11.2024 que, entre outros, indeferiu a intervenção principal provocada de SGC requerida pelos Executados Embargantes.
B) A intervenção de terceiros requerida pelos Executados Embargantes não visa apenas o exercício do direito de regresso que, em caso de pagamento, terão sobre a SGC.
C) A intervenção principal provocada da SGC foi requerida pelos Executados Embargantes em face de toda a factualidade que se deixou alegada na Oposição.
D) A asserção geral e absoluta da suposta inadmissibilidade da intervenção de terceiros em processo executivo, tal como foi entendido pelo Tribunal Recorrido, encontra-se ultrapassada e carece de suporte legal, doutrinal e jurisprudencial.
E) O entendimento hoje generalizado na doutrina e jurisprudência nacionais é o de que a intervenção de terceiros é admissível em processo executivo, e em particular em sede de oposição, sempre e quando a mesma se mostre imprescindível à defesa dos executados.
F) A intervenção principal provocada requerida pelos Executados Embargantes é imprescindível à sua defesa, por três ordens de razão:
a. Primeiro, porque a intervenção principal provocada requerida pelos Executados Embargantes é fundamental para a demonstração da extinção da ação executiva (cfr. artigo 732.º, n.º 4, do CPC).
b. Segundo, porque só a intervenção principal provocada requerida pelos Executados Embargantes permite a discussão de facto e de Direito que se impõe em face da natureza do título executivo que deu causa à presente execução.
c. E terceiro, porque só a intervenção principal provocada requerida pelos Executados Embargantes acautela os efeitos do caso julgado que se formará a final nos presentes autos.
G) A Exequente Embargada e a SGC, entre outros, celebraram um acordo através do qual a primeira limitou a responsabilidade adveniente da obrigação exequenda, pelo que, sendo a dívida solidária, esta limitação estende-se necessariamente aos Executados Embargantes (cfr. artigo 523.º do CC).
H) O teor e a execução do referido acordo determinarão a procedência da Oposição dos Executados Embargantes e a extinção da execução (cfr. artigo 732.º, n.º 4, do CPC).
I) Em sede de Contestação à Oposição, a Exequente Embargada veio defender-se com base nos termos supostamente condicionais do acordo e na sua alegada não execução.
J) A fim de apreciar o mérito da Oposição, o Tribunal Recorrido vai necessariamente pronunciar-se sobre o teor do referido acordo, que constitui matéria controvertida.
K) A análise do teor do acordo poderá determinar a impossibilidade de cumprimento da obrigação exequenda por parte dos Executados Embargantes, porquanto:
a. Ou o acordado entre a Exequente Embargada, a SGC e a IAMC respeitava apenas à quota-parte da SGC/IAMC na obrigação exequenda, caso em que o respetivo valor terá de ser descontando da quantia exequenda destes autos (cfr. artigo 864.º do CC),
b. Ou o acordado entre a Exequente Embargada, a SGC e a IAMC respeitava à totalidade da obrigação exequenda, caso em que a mesma não pode, de um ponto de vista factual e jurídico, ser cumprida pelos Executados Embargantes.
L) Em qualquer um dos cenários, a obrigação exequenda é extinta – ou parcial, ou totalmente (cfr. artigo 732.º, n.º 4, do CPC).
M) Os Executados Embargantes não foram parte do acordo e, como tal, não poderão, objetivamente e de um ponto de vista factual, exercer a sua defesa sem a intervenção da SGC, razão pela qual a intervenção da SGC nos autos afigura-se, sob este prisma, absolutamente essencial e imprescindível à defesa dos Executados Embargantes.
N) Ademais, o título executivo em apreço nos presentes autos é uma livrança subscrita pelos executados e pela SGC.
O) A defesa dos Executados Embargantes pode ter por fundamento qualquer um dos fundamentos que pudesse ser alegado em processo declarativo (artigo 731.º do CPC), pelo que, também sob este prisma, a intervenção da SGC nos autos e o esclarecimento do acordo celebrado com a Exequente Embargada é imprescindível à defesa dos Executados Embargantes e à discussão de facto e de direito que se impõe em função da natureza do título executivo.
P) A intervenção da SGC nos autos é ainda imprescindível à defesa dos Executados Embargantes em função do caso julgado que potencialmente se formará nesta execução.
Q) Embora a finalidade imediata da oposição mediante embargos de executado seja a extinção da execução, existe um efeito mediato associado ao caso julgado que se formará quanto à existência da obrigação exequenda, sendo a intervenção da SGC nos presentes autos a única forma de os Executados Embargantes assegurarem que o direito de regresso que possam vir a ter sobre a SGC abrange toda e qualquer quantia que aqui venham a entregar à Exequente.
R) Caso o Tribunal Recorrido entendesse que não se encontravam reunidos os pressupostos legais para fazer intervir a SGC a título principal nos presentes autos, sempre seria admissível a intervenção acessória.
S) Sendo admissível a intervenção acessória, impendia sobre o Tribunal Recorrido o dever de convolar a intervenção principal requerida pelos Executados Embargantes em intervenção acessória.
T) A Decisão Recorrida violou, assim, o disposto nos artigos 316.º, 317.º, 551.º, n.º 1, 728.º, n.º 1, 731.º, 732.º, n.ºs 4 e 6 do CPC, bem como o disposto nos artigos 523.º, 524.º e 864.º do CC e, por último, o disposto nos artigos 5.º, n.º 3, 6.º, 193.º, n.º 3 e 547.º do CPC, devendo, em consequência, ser revogada e substituída por outra que admita a intervenção principal provocada da SGC ou, caso assim não se entenda, no que não se concede mas por cautela de patrocínio se pondera, ser convolada a intervenção principal requerida pelos Executados Embargantes em intervenção acessória, sendo esta última admitida».
1.2. A exequente/embargada contra-alegou, defendendo a manutenção da decisão recorrida, alinhando as seguintes conclusões:
«A. Foi proferida decisão nos autos de Embargos de Executado que indeferiu a intervenção principal provocada da SGC - Investimentos, SGPS, S.A. (adiante apenas SGC) requerida pelos Embargantes, com a finalidade de obter o reconhecimento e a condenação na satisfação do direito de regresso que lhe pudesse vir a assistir, se tivessem de realizar a totalidade da prestação.
B. Acontece que os autos onde foi proferida a decisão recorrida, são autos de Embargos de Executados, que, por definição legal são o meio legal para os Executados se oporem à execução contra si movida.
C. Qualquer chamamento aos autos de Embargos de Executado de terceiro que não é parte primitiva na ação executiva, só poderia ter algum cabimento lógico, se fosse para prosseguir na ação de embargos como associado ou aos embargantes, ou à embargada, e nessa medida, teria de ter um interesse na causa da ação, que neste caso, seria na causa dos embargos.
D. Acontece que o incidente de Embargos de Executado é uma contra ação dos Executados contra o Exequente que se deve dirimir pela ação executiva, isto é, pela relação alegada pelo Exequente.
E. Não existindo qualquer interesse conexo do terceiro interveniente cuja chamada ao processo foi requerida, a SGC, quer com a embargada, quer com os embargantes, a mesma não é suscetível de ser chamada para intervir nos autos.
F. Apesar do terceiro cujo chamamento foi requerido, ser a subscritora da livrança executada, não é Executada na execução, pois a embargada não requereu qualquer execução do título contra o terceiro e por isso aquele terceiro não é parte da ação principal de execução.
Mais,
G. A execução que deu origem aos autos de Embargos de Executados, é uma execução baseada num título executivo válido, uma livrança.
H. A livrança é uma promessa de pagamento do seu subscritor a favor do detentor do documento (livrança), onde o subscritor se obriga a pagar na data de vencimento ou na data de apresentação do título a pagamento o valor que estiver inscrito e integra o elenco dos títulos executivos conforme artigo 703.º CPC.
I. Os embargantes são executados na qualidade de avalistas da livrança que representa o título executivo da ação principal, sendo responsáveis solidários pelo pagamento da livrança, ou seja, os avalistas são responsáveis na mesma medida do subscritor.
J. O que dá total legitimidade à aqui recorrida em apresentar execução unicamente contra os recorrentes, uma vez que à luz do título executivo eles são responsáveis pelo pagamento da mesma à recorrida, pois vigora o regime da solidariedade passiva, artigo 519.º do CC.
K. Acontece que os recorrentes entendem que a decisão recorrida não esteve bem quando indeferiu o incidente de intervenção por si requerido, alegando que o chamamento requerido não tem como fundamento unicamente o reconhecimento do eventual direito de regresso que possam vir a ser detentores sobre o terceiro, mas antes “em função do disposto nos artigos 316.º e seguintes do CPC”.
L. Dispõe o n.º 1 do art.º 627º do CPC que: “As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos”.
M. O que significa que os recursos ordinários são de reponderação, o tribunal superior não é chamado a apreciar de novo a ação e a julgá-la, é chamado a controlar a correção da decisão proferida pelo tribunal recorrido, face aos elementos averiguados por este último.
N. Está assim vedado ao tribunal superior conhecer de questões novas que não foram objeto da decisão recorrida.
O. Com efeito, o nosso sistema processual não admite a defesa por fases, toda a defesa deve ser deduzida na contestação, in casu, na petição de embargos de executado.
P. E os fundamentos do requerido, também, devem ser invocados no momento em que é efetuado o requerimento.
Q. Ora, os recorrentes na douta oposição á execução ao requerer a intervenção principal da SGC referem expressamente que o fazem: "Nos termos do artigo 317.º do CPC, a possibilidade de chamamento de condevedores solidários é admitida com a finalidade de obter o reconhecimento e a condenação na satisfação do direito de regresso que lhe possa vir a assistir, se tiver de realizar a totalidade da prestação."
R. E é com base nesse argumento que é proferida a douta decisão recorrida, como decorre claramente do primeiro parágrafo da mesma.
S. Portanto, não podem, agora, os recorrentes vir apresentar 3 fundamentos novos para justificar o interesse no incidente e que permitem a revogação da decisão recorrida.
T. Assim, tratando-se de matéria nova não podem ser objeto de apreciação pela Veneranda Relação.
Sem prescindir, sempre vejamos,
U. Apresentam três novos fundamentos base para o chamamento da subscritora  em sede de Embargos de Executados,
- Por ser fundamental para a demonstração da extinção da ação executiva,
V. Alegam os recorrentes que em certo momento no tempo a recorrida aceitou limitar a responsabilidade da livrança, através de um PER da sociedade que detém em 100% a subscritora da livrança, e que seria responsável pelas dívidas da mesma.
W. Retira-se facilmente deste fundamento que a intervenção da SGC nos presentes, não fará qualquer sentido, uma vez que o alegado PER não é, se quer, entre a SGC e a exequente.
X. O facto que pretendem os recorrentes demonstrar, nomeadamente a existência de uma limitação de responsabilidade baseada num PER, deverá ser apreciado pela verificação a existência de tal PER e pelas condições e cumprimento do mesmo.
Y. Ora, se o referido PER não tem como parte a SGC, não fará qualquer sentido chamar a mesma ao processo, pois as condições do alegado PER são condições entre a Devedora de tal PER, que é a IAMC – Investment and Assets Management Consulting, Lda. (adiante apenas IAMC) e a recorrida.
Z. E ainda que assim se pudesse não considerar, verdade é que como bem alegam os recorrentes a “análise do teor do referido acordo poderá mesmo determinar a impossibilidade de cumprimento da obrigação exequenda por parte dos Executados Embargantes”, concluindo que os próprios recorrentes assumem que nesta questão não será necessária a intervenção da SGC, pois será a análise do Acordo (documento escrito) que o Tribunal decidirá se o mesmo limita ou não a responsabilidade de aval prestada.
- Por permitir a discussão de facto e de Direito que se impõe em face da natureza do título executivo que deu causa à presente execução,
AA. Os recorrentes alegam que “não tiveram oportunidade de discutir o objeto da ação”.
BB. O objeto da ação executiva é uma livrança e não a sua relação subjacente.
CC. Recorde-se os recorrentes que o objeto da execução é um título cartular, onde os recorrentes são avalistas.
- Por forma de acautelar os efeitos do caso julgado que se formará a final nos presentes autos,
DD. A final, alegam os recorrentes que a decisão final dos Embargos de Executados figurará essencial para aferir da existência ou não da obrigação exequenda.
EE. Acontece que o resultado dos presentes embargos determinará, em caso de procedência total, a extinção da execução da livrança contra os avalistas e apenas contra estes, uma vez que não é executada a SGC.
FF. Da mesma forma que em caso de improcedência, resultará no prosseguimento da execução contra, apenas os avalistas.
GG. Em nada fere o direito de Defesa da subscritora no caso de a mesma ser executada, nem tão pouco fere o direito de regresso que possa existir entre os recorrentes e a subscritora da livrança.
HH. Ao contrário do que alegam os recorrentes “a intervenção da SGC nos presentes autos é a única forma de os Executados Embargantes assegurarem que a extinção da obrigação exequenda em função do acordo celebrado entre a Exequente e a SGC/AIMC é discutida nos presentes autos. E que não entregam à Exequente Embargada uma determinada quantia que não poderão reclamar junto da SGC em direito de regresso, por lhes ser oponível o dito acordo (sem nunca conceder quanto ao mérito da execução).”
II. A questão hipotética que apresentam com estas alegações não poderá proceder, uma vez que em caso de improcedência nos presentes embargos, os recorrentes mantêm o direito de regresso, e caso exista por parte da SGC ou de terceiro qualquer objeção ao referido direito de regresso, em sede própria os recorrentes terão à sua disposição os meios de defesa que lhes são legalmente atribuídos.
JJ. Pois que, no caso concreto se os Embargos de Executados presentes for decidida que a quantia aposta na livrança é devida pelos recorrentes na qualidade de avalistas, significará que não foi comprovada a existência de limitação de responsabilidade e que a livrança foi corretamente e legitimamente preenchida, e estes factos em nada interferem numa discussão que possa futuramente existir entre os avalisas da livrança e a subscritora da livrança, questão essa que será totalmente alheia à aqui recorrida.
KK. Na mesma medida, se os Embargos de Executados for decidido que os recorrentes nada devem à recorrida, em nada fere o direito que a Recorrida possa ter contra a subscritora da livrança, e caso assim a subscritora da livrança não o aceite, poderá esta também exercer o seu direito de defesa em sede própria.
LL. O que não podemos aceitar é que os recorrentes solicitem a intervenção nos presentes embargos da subscritora da livrança que não foi executada, para que esta se consiga defender de uma execução que não existe contra si.
MM. Assim, entende a aqui recorrida que o Tribunal a quo esteve bem em indeferir a intervenção principal provocada da subscritora da livrança, na medida que a mesma não tem legitimidade, por falta de interesse na causa, para intervir no apenso de Embargos de Executado.
NN. Ainda com o recurso ao qual se responde, os recorrentes alegam que era dever do Tribunal a quo, ao invés de indeferir o pedido de intervenção principal provocada, de o convolar em intervenção acessória.
OO. Acontece que, mais uma vez, cremos que não têm qualquer razão os embargantes.
PP. Os recorrentes não têm, ainda, qualquer direito de regresso sobre a subscritora da livrança, uma vez que ainda não liquidaram qualquer montante à recorrida.
QQ. Não poderia nunca o Tribunal a quo admitir a intervenção acessória nos Embargos de Executado com base no direito de regresso, quando o mesmo não existe.
RR. O direito de regresso, conforme expresso no CC, artigo 524.º, traduz-se “O devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete.”
SS. Verdade é que os recorrentes nada liquidaram ao Credor, aqui recorrida.
TT. E certo é que até apresentam os embargos de forma que não tenham de liquidar nada.
UU. Desta forma como podem requerer que lhes seja julgada procedente a oposição de forma que nada tenham de liquidar e, ao mesmo tempo, requerem que lhes seja reconhecido um direito de regresso.
VV. Mesmo que solicitem o reconhecimento de regresso de forma subsidiária, este direito só nasce na sua esfera quando efetivamente liquidarem qualquer valor a favor da livrança executada.
WW. Sendo que apenas se admitiria uma intervenção acessória da SGC na ação principal executiva, e não nos Embargos, de forma que, após uma condenação definitiva dos recorrentes à recorrida e uma efetivação liquidação dos recorrentes à recorrida é que faria sentido, por já existir um efetivo direito de regresso, chamar a SGC à ação de forma acessória.
XX. E mesmo existindo possibilidade de condenação in futurum, acredita a aqui recorrente que não é possível uma condenação in futurum condicional, que é o que resultaria se fosse admitida uma intervenção acessória da SGC nos autos de embargos de Executados,
“Caso os Embargos sejam totalmente improcedentes e os embargantes condenados no pagamento e caso efetivamente estes realizem algum pagamento referente á livrança, reconheço o direito de regresso sobre a subscritora».
1.3. Colhidos os vistos, cumpre decidir.           
II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
Decorre do disposto nos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 do CPC, que as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pág. 105 a 106).
Assim, atendendo às conclusões supra transcritas, a questão essencial a decidir consiste em saber se é admissível a intervenção de terceiros requerida pelos embargantes.
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Da tramitação dos autos decorrem os seguintes factos com relevância para  a decisão:
1. A Caixa Geral de Depósitos, S.A., instaurou contra D, A, B e C execução ordinária para pagamento da quantia certa de € 540.890,29, indicando como título executiva uma livrança e alegando que:
«1. A Exequente celebrou com a sociedade SGC Investimentos, S.G.P.S., S.A., com D e com E um contrato para prestação de garantia bancária de Ordem Externa Nº …., conforme documento 1 a 4 que ora se juntam.
2. No âmbito do referido contrato a exequente obrigou-se a liquidar mediante garantia bancária, ao BCI – Banco Comercial e de Investimentos, S.A., o valor máximo de USD 700.000,00 (setecentos mil dólares americanos).
3. A finalidade do contrato seria contragarantir 50% das responsabilidades a assumir pelas sociedades de direito moçambicano, DELTA FORÇA de SEGURANÇA, S.A.R.L., MOSEG, S.A.R.L, e SISTRONIC – Sistemas Eletrónicos de Segurança, Lda, perante o beneficiário, no âmbito de operações de crédito que o mesmo iria conceder às referidas sociedades.
4. Ficou estipulado que o prazo da garantia era de até 6 anos, extinguindo-se a 12-12-2013.
5. Para titulação de todas as responsabilidades decorrentes da operação, os ordenadores entregaram uma livrança em branco devidamente subscrita e autorizaram desde logo que a exequente a preenchesse a referida livrança, quando tal se mostrasse necessário, a juízo da própria, tendo em conta a data de vencimento que seria fixada pela exequente em caso de incumprimento, e pela importância que representaria a totalidade das responsabilidades decorrentes da operação, nomeadamente o valor do crédito da exequente resultante dos pagamentos que fizesse ao beneficiário da garantia, as comissões, juros moratórios, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança.
6. O referido contrato contou com 20 aditamentos, o último a 25 de setembro de 2018, conforme documento 5.
7. As referidas alterações serviram essencialmente para prorrogar o prazo do contrato – além de terem reduzido o valor garantido para USD 525.000,00 (quinhentos e vinte e cinco mil dólares americanos) e passarem a estar abrangidas apenas as responsabilidades da DELTA FORÇA de SEGURANÇA, S.A.R.L. e MOSEG, S.A.R.L.
8. De acordo com o último aditamento, o contrato de prestação de garantia bancária vigoraria até 28-10-2018.
9. Sucede que o beneficiário de tal garantia já havia solicitado o pagamento da mesma diversas vezes, a primeira solicitação a 28-06-2018 seguida de insistências a 05-07-2018 e 20-07-2018 conforme documento 6 que ora se junta.
10. O beneficiário reiterou por diversas vezes o pedido de acionamento, como exemplo a 29-08-2018, conforme documento 7 que ora se junta.
11. Ainda assim, e por troca de correspondência entre a exequente e o beneficiário, ficou em aberto a possibilidade de renovar por 6 meses contados desde 28.10.2018, conforme prazo proposto pelo BCI, mas mantendo os termos e condições anteriormente aprovados até 28.12.2018.
12. Caso a referida alteração se efetivasse o acionamento da garantia bancária seria cancelado.
13. Não tendo sido efetivada a alteração, o beneficiário manteve a ordem de acionamento da garantia bancária pelo montante total de USD 525.000 e comunicou que só tencionava retirar a referida ordem de execução caso lhe fossem apresentadas evidências da renovação da garantia (i) pelo prazo de 6 meses e (ii) pelo montante estimado pelo BCI em USD 1.245.000, correspondente ao valor de capital em dívida no que respeita a operação de crédito de conta corrente da Moseg, incluindo juros vencidos, e, acrescido dos juros vincendos no referido prazo de 6 meses.
14. Não tendo sido concluída a alteração e mantendo-se ativo o pedido de pagamento por parte do beneficiário, a Exequente viu-se forçada, por via das obrigações assumidas perante aquele, a suportar o pagamento total e imediato da garantia, o qual ocorreu por débito na conta CGD junto do BCI com data-valor de 21.05.2019, conforme documentos 9 e 10 que ora se juntam.
15. Comunicado aos ordenadores, aqui Executados, o acionamento e consequente pagamento da garantia, a Exequente solicitou aos mesmos o pagamento do valor total em dívida, sendo que, até à data, nenhum pagamento foi feito.
16. Assim, e após diversas trocas de correspondência entre exequente e executados, a exequente procedeu ao preenchimento da livrança entregue e comunicou o referido preenchimento, conforme documento 11 que ora se junta.
17. Sucede que nem na data de vencimento nem posteriormente foi paga a referida livrança, sequer parcialmente.
18. Razão pela qual, à Exequente não restou alternativa senão recorrer à presente lide executiva.
Assim,
19. São os Executados devedores da quantia total de 531.449,13 € (quinhentos e trinta e um mil, quatrocentos e quarenta e nove euros e treze cêntimos), acrescido de juros de mora até efetivo e integral pagamento, bem como dos impostos correspondentes, conforme melhor discriminado em sede de liquidação da obrigação.
20. A dívida é certa, líquida e exigível.
II. DA LEGITIMIDADE PASSIVA:
1. A exequente teve conhecimento do óbito de E, conforme assento de óbito que se junta como documento 12.
2. A E é quem consta no título como devedora, contudo dada a sucessão na obrigação, impõe-se que a presente execução corra contra os seus sucessores.
3. Assim, na qualidade de herdeiros habilitados de E, são também executados: D, A, B e C.
4. Tudo conforme habilitação de herdeiros que se junta como documento 13.
5. Os herdeiros aqui executados são parte legítima na presente execução nos termos conjugados do artigo 54.º n.º 1 e 353.º ambos do CPC.
6. Nestes termos, admitida a execução devem de imediato ser citados todos os executados para os termos da presente ação sem necessidade de dedução autónomo de incidente de habilitação de herdeiros»;
2. Com o requerimento executivo, a exequente juntou uma livrança, que tem aposta a data de emissão de 12.12.2007, a data de vencimento de 25.11.2021, a quantia de € 531.449,13, a menção “contrato para prestação de garantia bancária” e que se mostra subscrita pela sociedade SGC - Investimentos, SGPS, S.A., e por D e E;
3. Os executados deduziram oposição à execução mediante embargos de executado, em cuja petição deduziram incidente, que denominaram de “Incidente de Intervenção Principal de Terceiros”, com os seguintes fundamentos:
«126. Como já se deixou exposto, o Contrato que titula a Livrança dada em execução nos presentes autos foi celebrado com o Executado D, a sua falecida mulher e a SGC (cfr. Documento n.º 3 do Requerimento Executivo).
127. No âmbito do referido contrato, as partes acordaram que:
8. REGIME DAS OBRIGAÇÕES DOS ORDENADORES: são solidárias as obrigações emergentes deste Contrato e da livrança para os ordenadores.
128. Em face de todo o contexto que se vem de expor, é evidente que os Embargantes têm interesse em demandar a SGC, enquanto co-ordenadora da Livrança dada em execução nos presentes autos.
129. Nos termos do artigo 317.º do CPC, a possibilidade de chamamento de condevedores solidários é admitida com a finalidade de obter o reconhecimento e a condenação na satisfação do direito de regresso que lhe possa vir a assistir, se tiver de realizar a totalidade da prestação.
130. Conforme decorre do entendimento pacífico da jurisprudência, tal chamamento é admissível em sede de ação executiva, devendo ser deduzido em sede de Oposição à Execução.
131. Neste contexto, atente-se na decisão sufragada pelo Tribunal da Relação de Guimarães em Acórdão proferido em 15.06.2021:
«Sendo certo que os incidentes de intervenção de terceiros estão vocacionados e estruturados em função da acção declarativa, não existe qualquer justificação para que se conclua, em termos gerais e absolutos, pela inadmissibilidade legal desses incidentes no âmbito da acção executiva, ou seja, e dito de outro modo, não se descortina fundamento para que um terceiro não possa ser chamado no decurso da execução, sabido que a admissibilidade, em geral, da intervenção principal provocada é aceite quanto a pessoas com legitimidade para a acção executiva.
132. Por tudo o exposto, deverá ser admitida a intervenção principal provocada da SGC, nos termos e para os efeitos dos artigos 266.º, n.º 4 e 316.º e seguintes do CPC, ordenando-se, em consequência, a sua citação nos termos do artigo 319.º do CPC»;
4. E, no final da petição de embargos, os embargantes formulam, quanto a esse incidente, o seguinte pedido: «A admitir o Incidente de Intervenção Principal de Terceiros e, em virtude disso, ordenar a citação da sociedade SGC – INVESTIMENTOS, S.G.P.S, S.A. para intervir ao lado dos Embargantes, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 266.º, 316.º a 320.º do CPC»;
5. Os embargos foram liminarmente admitidos e a exequente notificada para contestar, o que fez, pronunciando-se sobre o incidente referido nos seguintes termos:
«129º A ver da Embargada, este incidente não é processualmente admitido, por estarmos no âmbito de ação executiva.
130º Mesmo que assim não se considere, obviamente que não estamos perante a preterição de qualquer litisconsórcio, o que torna desde logo ilegítimo o recurso a este incidente.
131º Numa obrigação de natureza solidária como a dos autos, pode a Embargada demandar qualquer um dos devedores, que foi o que fez.
132º E neste sentido, nem para salvaguardar o direito de regresso, deve considerar-se legítima a pretensão dos embargantes, que deve ser liminarmente indeferida».
IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A decisão recorrida considerou inadmissível, no caso vertente, a intervenção principal de terceiros.
Nela se escreveu que:
«(…)
Apoiam-se os embargantes no disposto pelo art. 317 do C. P. Civil alegando que “o reconhecimento e a condenação na satisfação do direito de regresso”.
Comecemos por referir que, nas livranças vigora o regime da solidariedade, nos termos do art. 47 da Lul.
Trata-se de um caso de solidariedade passiva, prevista pelo art. 519 do C. Civil, cujo regime determina que o credor possa exigir de qualquer devedor toda a prestação ou parte dela: “na solidariedade passiva, cada devedor, quando demandado para tanto, deve satisfazer, integralmente, a prestação, não podendo pedir a sua divisão (…)” (Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1º. Vol., AAFDL, 1990, pp. 381 e 382).
Nestes termos, foram três os subscritores da livrança e a exequente optou por intentar a execução contra dois deles: “Os subscritores e os avalistas de uma letra ou de livrança – são todos solidariamente responsáveis para com o portador, que tem o direito de os acionar a todos, individual ou coletivamente, sem estar adstrito a observar a ordem por que aqueles se obrigaram (art.º 47.º da LULLiv)” (ac. TRP de 17.06.2024, proc. 871/24.5T8MAI-A.P1, relatado pela Desembargadora Teresa Fonseca, disponível em dgsi.pt).
Do requerido pelos embargantes, resulta que o seu objetivo, ao despoletar este incidente, é obter da terceira subscritora “o reconhecimento e a condenação na satisfação do direito de regresso”.
Nos termos da Lull, concretamente do seu art. 49, resulta que quem pagou a livrança pode reclamar o pagamento daquilo que pagou (veja-se Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, Títulos de Crédito, AAFDL, 1990, p. 140 e aplicável de igual modo, às livranças).
Assim, o subscritor que pagar tem direito de regresso contra os demais subscritores na medida ao que competir a cada um deles (cfr. sumário do ac. STJ de 11.03.1996, proc. 96A660, relatado pelo Conselheiro Fernando Fabião, disponível em dgsi.pt), em conformidade com o art. 524 do C. Civil.
O certo é que não será nem no âmbito da execução nem no âmbito dos embargos que os embargantes poderão exercer tal direito de regresso (ainda que da execução resulte o pagamento da quantia exequenda pelo se património).
Já acima de expôs a finalidade da ação executiva.
Quanto à finalidade dos embargos, esta resulta do art. 732 nº. 4 do C. P.Civil – a extinção total ou parcial da execução.
Tudo visto, a referida norma do art. 317 do C. P.Civil é inaplicável à execução, nunca podendo os embargantes obter da subscritora da livrança - não executada – o reconhecimento e a condenação na satisfação do seu direito de regresso, caso paguem no âmbito da execução».
Vejamos.
Quer pelas normais legais invocadas, quer pelo alegado na petição de embargos, mostra-se inequívoco que os embargantes deduziram incidente de intervenção principal provocada da sociedade SGC para efectivação do direito de regresso, ao abrigo do art. 317.º do CPC, cujo n.º 1 dispõe que:
«Sendo a prestação exigida a algum dos condevedores solidários, o chamamento pode ter por fim o reconhecimento e a condenação na satisfação do direito de regresso que lhe possa vir a assistir, se tiver de realizar a totalidade da prestação».
Trata-se, como se sabe, de um meio processual (anteriormente denominado de chamamento à demanda) a que o réu pode deitar mão com vista a fazer intervir, na posição de co-réu, outros sujeitos passivos da relação material controvertida que serve de causa de pedir à acção, que o autor optou por não demandar (já que estão entre si numa relação de litisconsórcio meramente voluntário).
Ou seja, o autor pretende fazer valer na acção uma obrigação solidária (art. 512.º, n.º 1 do CC), mas demanda só um ou alguns dos condevedores, a quem exige a totalidade da prestação. Nestes casos, pode o(s) demandado(s) chamar a intervir o outro condevedor, para obter o reconhecimento e condenação do mesmo na satisfação do direito de regresso que lhe possa vir a assistir se tiver de realizar a totalidade da prestação, munindo-se, desde logo, de um título executivo contra o chamado.
É, exactamente, isso que pretenderam os embargantes (cfr. arts. 129.º e 130.º da petição de embargos), pelo que não se percebe que venham agora, nas alegações de recurso, tentar defender que «A intervenção de terceiros requerida pelos Executados Embargantes não visa apenas o exercício do direito de regresso que, em caso de pagamento, terão sobre a SGC» e que «A intervenção principal provocada da SGC foi requerida pelos Executados Embargantes em face de toda a factualidade que se deixou alegada na Oposição» (conclusões B e C).
Por isso, também, não havia que proceder a qualquer convolação oficiosa do incidente, expressa e claramente, requerido pelos embargantes, para o incidente de intervenção acessória provocada, previsto no art. 321.º do CPC, como propugnam os recorrentes (conclusões R) e S)).
Como é consabido, a intervenção acessória visa chamar ao processo, numa posição passiva, o titular de uma relação jurídica conexa com a que se discute na acção e que por isso não tem legitimidade para intervir como parte principal, enquanto que no incidente previsto no art. 317.º pretende-se colocar na posição de réu um dos sujeitos da própria relação material controvertida.
De resto, e tal como salienta Salvador da Costa, in  os Incidentes da Instância, Almedina, 6.ª Ed., 2013, p. 97, «o conceito de ação de regresso, pressuposto do chamamento para este tipo de intervenção acessória provocada, é diverso do conceito de direito de regresso delineado nos artigos 497.º, n.º 2, 521.º, n.º 1 e 524.º do Código civil, derivando o prejuízo do réu da sua condenação por virtude da pretensão formulada pelo autor».
Ora, em face, precisamente, da factualidade alegada pelos embargantes, conclui-se que a sociedade SGC, enquanto obrigada solidária, não é titular de uma relação conexa com a relação jurídica invocada na acção executiva, mas contitular desta, pelo que nunca poderia intervir em termos acessórios.
Apreciemos, então, se é de admitir ou não a intervenção principal da sociedade SGC, nos termos e para os efeitos previstos no art. 317.º do CPC.
A problemática da admissibilidade dos incidentes de terceiros na acção executiva tem sido objecto de controvérsia jurisprudencial e doutrinária, havendo quem os admita, totalmente ou apenas em casos pontuais, e quem, de todo, os recuse.
O acórdão da RG de 17.01.2019, in www.dgsi.pt, coligiu as posições existentes sobre esta matéria, em moldes que se dão aqui por reproduzidos:
«Como refere RUI PINTO “Trata-se, afinal, de avaliar a funcionalidade do procedimento executivo no plano subjectivo em face do princípio dispositivo e do favor creditoris” (in “Manual da Execução e Despejo”, Coimbra Editora, págs. 308 e 309).
Recorrendo à resenha doutrinal e mesmo jurisprudencial exposta por aquele AUTOR (ob. cit., págs. 308 e 309), pode afirmar-se que ANSELMO DE CASTRO defendia a admissibilidade, sem restrições, da intervenção de terceiros já que o n.º 3 do art.º 56.º, que corresponde ao n.º 3 do art.º 54.º do actual Cód., “admite a intervenção superveniente do devedor após a demanda inicial do terceiro titular do bem vinculado em garantia real”, o que se deve ter “como afloração de um princípio geral a aplicar aos demais casos de pluralidade de responsáveis”, sobretudo quando tivesse sido demandado apenas um dos devedores solidários. Quanto ao regime das demais intervenções de terceiros “previsto para a fase declaratória, em nada colidindo ele com os fins da acção executiva, antes assegurando a sua realização, nenhuma razão haveria para o não admitir”.
TEIXEIRA DE SOUSA admite a intervenção principal provocada e espontânea “para sanar a preterição do litisconsórcio necessário e para fazer intervir um litisconsorte vountário, maxime, o executado provocar a intervenção de um seu condevedor solidário”. Já, porém, o fiador, “constante do título executivo juntamente com o devedor, não poderia requerer a intervenção principal deste por falta de interesse processual”, devendo antes invocar o benefício da excussão prévia, nos termos permitidos pelo art.º 828.º, a que corresponde o art.º 745.º do actual Código.
LEBRE DE FREITAS tem uma posição restritiva fundamentando que “as disposições reguladoras dos vários tipos de incidentes de intervenção de terceiros, à excepção da assistência, foram pensados em função da acção declarativa. Recusa expressamente a admissibilidade da intervenção principal provocada pelo devedor, “designadamente mediante a dedução de oposição à execução” (in “Código de Processo Civil Anotado”, daquele AUTOR em co-autoria com ISABEL ALEXANDRE, vol. 1.º, 3.ª ed., pág. 618, com várias referências doutrinais e jurisprudenciais).
RUI PINTO, perante o “regime unitário” dos incidentes gerais de intervenção de terceiros, conclui que, “na sua concreta expressão”, eles são “incidentes declarativos”, admitindo-os apenas a título excepcional: para o exequente se considerado o princípio “da tutela da materialidade subjacente”, referindo ser “um desperdício processual que o credor tivesse de abrir uma outra acção só para poder demandar outro devedor”, e no que se refere ao executado “apenas o direito constitucional de defesa pode justificar que ele possa chamar outro devedor ao procedimento executivo”. Citando o Ac. da Relação do Porto de 28/04/2008, que decidiu que “Em processo executivo só excepcionalmente se pode autorizar a intervenção de terceiros, quando indispensável e necessária à defesa do executado”, adverte que essa intervenção “não será somente para o apenso de oposição à execução, mas na própria execução, sujeitando-se aos actos executivos” (ob. cit., págs. 311 a 313).
SALVADOR DA COSTA defende que, face ao que dispõem os n.os 2 e 3 do art.º 54.º do C.P.C., “se o exequente com garantia real sobre bens de terceiro apenas accionou o devedor, não pode fazer intervir aquele terceiro por via do incidente de intervenção principal provocada” (in “Os Incidentes da Instância”, Almedina, 2016 - 8.ª ed, pág. 74). Já, porém, o Acórdão da Relação do Porto de 15/04/2013 decidiu, precisamente, em sentido oposto, com fundamento em que o referido terceiro sempre podia ter sido inicialmente demandado (in “Colectânea de Jurisprudência”, ano XXXVIII, Tomo II/2013, págs. 188-189)».
Neste acórdão da RG de 17.01.2019, acabou por decidir-se que «(…) mau grado os incidentes de intervenção de terceiros estejam estruturados em função da acção declarativa, não haverá justificação para se considerarem legalmente inadmissíveis no âmbito das acções executivas, o que ganha acuidade nos tempos actuais em que se arvorou a objectivo principal a efectiva resolução dos conflitos. Com o que “a admissibilidade dos incidentes de intervenção de terceiro no âmbito da acção executiva e respectiva oposição tem que ser analisada em face das circunstâncias do caso concreto, com vista a apurar se, nessas circunstâncias, estão ou não verificados os respectivos pressupostos legais, se a intervenção tem ou não a virtualidade de satisfazer um qualquer interesse legítimo e relevante e se a intervenção implica ou não com a estrutura e a finalidade da acção executiva».
Neste mesmo sentido, pronunciou-se o acórdão da RG de 15.06.2021, in www.dgsi.pt, cujo sumário refere que:
«I- Sendo certo que os incidentes de intervenção de terceiros estão vocacionados e estruturados em função da acção declarativa, não existe qualquer justificação para que se conclua, em termos gerais e absolutos, pela inadmissibilidade legal desses incidentes no âmbito da acção executiva, ou seja, e dito de outro modo, não se descortina fundamento para que um terceiro não possa ser chamado no decurso da execução, sabido que a admissibilidade, em geral, da intervenção principal provocada é aceite quanto a pessoas com legitimidade para a acção executiva.
III- Destarte, e por decorrência, a admissibilidade dos incidentes de intervenção de terceiro no âmbito da acção executiva e respectiva oposição tem que ser analisada em face das circunstâncias do caso concreto, com vista a apurar se, nessas circunstâncias, estão ou não verificados os respectivos pressupostos legais, se a intervenção tem ou não a virtualidade de satisfazer um qualquer interesse legítimo e relevante e se a intervenção implica ou não com a estrutura e a finalidade da acção executiva».
Ainda neste sentido, vejam-se os acórdãos da RL de 30.06.2010, da RE de 20.12.2018, da RC de 22.10.2019 e de 07.09.2021 e da RP de 10.10.2019, 22.04.2024 e de 12.09.2024, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Conclui-se, pois, que não há razões para afirmar, sem mais, a inadmissibilidade da dedução de incidentes de intervenção de terceiros no âmbito da acção executiva ou nos embargos de executado ou em qualquer procedimento declarativo nela enxertado, sempre que essa intervenção se mostre imprescindível à defesa dos executados ou, dito de outra forma, quando seja indispensável para conferir eficácia à oposição neles deduzida contra a execução e desde que, naturalmente, se mostrem reunidos os requisitos de que a lei faz depender a sua admissibilidade e que, no caso concreto, se mostrem compatíveis com a especial função e natureza da acção executiva.
No caso vertente, conforme decorre da petição de embargos, os embargantes deduziram incidente de intervenção provocada da sociedade SGC por esta ser co-ordenadora da livrança dada à execução e, por conseguinte, condevedora solidária, sendo que a sua finalidade com a dedução do incidente foi, como se viu, a de obterem o reconhecimento e a condenação na satisfação do direito de regresso que lhes possa vir a assistir, se tiverem de realizar a totalidade da prestação.
Ora, estando, efectivamente, em causa uma obrigação solidária, é inequívoco que os embargantes/recorrentes respondem pela prestação integral e esta a todos libera (cfr. art. 512.º do CC).
Contudo, de acordo com a previsão do art. 518.º do CC, não é lícito aos embargantes/recorrentes opor à exequente o benefício da divisão e, ainda que chamassem a condevedora SGC à demanda, nem por isso ficavam liberados  da obrigação de efectuar a prestação por inteiro.
A execução foi, de acordo com o disposto no art. 53.º, n.º 1 do CPC, promovida pela entidade que no título executivo figurava como credora contra as pessoas que nele tinham a posição de devedores solidários, pelo que não ocorre qualquer questão de ilegitimidade que possa constituir fundamento de oposição e determinar a intervenção de terceiros.
É certo que, por força do disposto no art. 524.º do CC, o devedor que satisfizer o direito ao credor além da parte que lhe competir, tem direito de regresso quanto aos condevedores, na parte que a estes compete.
Sucede que, tal como se decidiu no acórdão da RE de 20.12.2018, já citado: «VI - Sendo o direito de regresso «um direito novo, essencialmente dependente de um acto de pagamento», e estando definida por sentença transitada em julgado a solidariedade da obrigação entre os condevedores, o mesmo só nascerá na esfera do executado se, na medida, e quando, existir cumprimento da obrigação exequenda. VII - Portanto, o eventual direito de regresso que venha a existir a favor do ora embargante, não tem qualquer eficácia na oposição à execução e, por isso, não deve ser sequer liminarmente admitido o deduzido incidente de intervenção principal».
Nas alegações de recurso - e só nelas - defendem os embargantes que essa intervenção é imprescindível à sua defesa, por três motivos:
- é fundamental para a demonstração da extinção da acção executiva (cfr. artigo 732.º, n.º 4, do CPC);
- só ela permite a discussão de facto e de Direito que se impõe em face da natureza do título executivo que deu causa à execução;
- só ela acautela os efeitos do caso julgado que se formará a final nos presentes autos.
Ora, desde logo, e tal como bem salienta a recorrida nas suas contra-alegações, os recorrentes suscitam uma questão nova para justificar o interesse no incidente, que não foi colocada ao tribunal a quo, nem foi por este apreciada e que, por isso, está vedado a este tribunal ad quem conhecer.
Tal como salienta Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 7.ª ed., 2022, p. 139, «a natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objeto decorrente do facto de, em termo gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas. Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis».
E, mais à frente (p. 141), «a assunção desta regra encontra na jurisprudência numerosos exemplos: a) As questões novas não podem ser apreciadas no recurso, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos, pois estes destinam-se a reapreciar questões, e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprimir um ou mais órgãos de jurisdição. b) os recursos destinam-se à apreciação de questões já antes levantadas e decidias no processo, e não a provocar decisões sobre questões que não foram antes submetidas ao contraditório e decididas pelo tribunal recorrido, a mesmo que se trate de questões de conhecimento oficioso».
Também o acórdão do STJ, de 11.11.2000,in www.dgsi.pt, considerou que «A não ser que se trate de questões de conhecimento oficioso, o recurso não possibilita a invocação de questões novas, como ocorre com a discussão da amplitude do contrato de seguro que não foi suscitada pela Seguradora na sua contestação».
No caso vertente, como se disse, só nas alegações de recurso invocaram os embargantes a imprescindibilidade para a sua defesa da intervenção de terceiros e só aí expuseram as razões dessa imprescindibilidade, na medida em que a intervenção visava, apenas, a satisfação do seu eventual direito de regresso.
Estamos, por isso, em face de uma questão nova, de que não se pode conhecer.
De resto, ainda que assim se não entendesse, as referidas razões alegadas pelos recorrentes não demonstram que a intervenção requerida seja indispensável ou necessária à defesa dos embargantes, para os efeitos por eles pretendidos.
Tal como bem refere a recorrida, a execução tem por base um título cambiário e os embargantes foram demandados na qualidade de obrigados cambiários. E embora possam opor à exequente excepções fundadas na relação subjacente ao referido título, por com ela se encontrarem em relação imediata, a limitação da responsabilidade que foi invocada decorrerá de um acordo extrajudicial celebrado no âmbito do PER relativo à sociedade que detém a 100% a subscritora da livrança, a sociedade SGC, não se vislumbrando, por conseguinte, que seja imprescindível e essencial, por este motivo, a sua intervenção, conforme, aliás, acaba por ser reconhecido pelos recorrentes nos arts. 42.º a 46.º das alegações.
 O mesmo se diga quanto à necessidade da intervenção para discussão de facto e de Direito em face da natureza do título executivo, sendo certo que os embargantes deduziram já a sua defesa nos embargos de executado, para onde carrearam os fundamentos que podiam invocar em processo declarativo, e que os mesmos não referem que outros fundamentos tenham ficado impossibilitados de deduzir em virtude da não intervenção da SGC.
Finalmente, no que concerne à cautela dos efeitos do caso julgado, temos que a decisão a proferir nos embargos de executado determinará, total ou parcialmente, a extinção ou prosseguimento da execução, o que em nada fere o direito de defesa da subscritora SGC, caso venha a ser executada noutro lugar, nem o direito de regresso que possa existir entre os recorrentes e a mesma.
Conclui-se, assim, que no caso presente, a intervenção da sociedade SGC mostra-se desnecessária, na medida em que os embargantes apenas pretendem fazê-la intervir em virtude do eventual direito de regresso de que são titulares contra ela, não sendo essencial nem fundamental para a defesa dos embargantes.
O que os embargantes pretendem, verdadeiramente, é fazer intervir nos embargos de executado a subscritora da livrança SGC, que, por legitima opção da exequente, não foi executada, para que esta se defenda de uma dívida que não lhe está a ser reclamada, auxiliando os embargantes na sua própria defesa, mas esse não é o escopo do incidente deduzido (art. 317.º, n.º 1 do CPC).
Em consequência, impõe-se confirmar na íntegra a decisão sob recurso.
As custas do recurso são integralmente da responsabilidade dos recorrentes atento o seu decaimento (art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).

V – DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar totalmente improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
Notifique.
*
Lisboa, 27.03.2025
Rui Oliveira
Amélia Loupo
Carla Matos