Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
142434/18.7YIPRT.L1-7
Relator: CRISTINA COELHO
Descritores: DÍVIDA LIQUIDÁVEL A PRESTAÇÕES
VENCIMENTO DE TODAS AS PRESTAÇÕES
RESTITUIÇÃO DO CAPITAL
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/15/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Nas dívidas a prestações ou fracionadas, faltando o devedor ao cumprimento de uma prestação, o credor pode exigir imediatamente as restantes prestações, antes do tempo acordado para a sua sucessiva exigibilidade.
2. Fica na disponibilidade do credor fazê-lo ou não, mas se quiser usar o benefício que a lei lhe concede tem de manifestar a sua vontade, interpelando o devedor para cumprir imediatamente as prestações vincendas.
3. Configurando a restituição de capital mutuado/creditado uma situação de prestação única, mas de reembolso fracionado por acordo das partes, é-lhe aplicável o prazo prescricional de 5 anos previsto no art. 310º, al. e) do CC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Em 28.12.2018, A Limited apresentou requerimento de injunção contra J e E, pedindo a notificação dos requeridos no sentido de lhe ser paga a quantia de €9.323,78, sendo €6.087,69 de capital, €3.083,09 de juros à taxa 4%, desde 7.3.2007, e €153 de taxa de justiça.
Fundamenta o pedido no não pagamento pelos Requeridos das prestações, desde 7.3.2007, para reembolso de crédito concedido pela Cofidis àqueles, tendo esta cedido o seu crédito à Gesphone, a qual, por seu turno, o cedeu à Requerente.
Notificados, os Requeridos apresentaram oposições, a Requerida, também por exceção.
Perante as oposições apresentadas, foram os autos remetidos à distribuição.
Foi proferido despacho a julgar improcedente a exceção de ineptidão da PI invocada pela Requerida, e a convidar a Requerente a aperfeiçoar o RI, o que esta fez, tendo a Requerida contestado, deduzindo as exceções de falta de notificação da cessão de créditos, e de prescrição.
Convidada a pronunciar, a Requerente nada disse.
Realizou-se julgamento, e em 11.8.2020, foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu os RR. do pedido.
Não se conformando com o teor da decisão, apelou a Requerente, formulando, a final, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
A) A Autora Concedeu aos RR. o montante de € 5.000,00 (Cinco mil Euros), que estes se obrigaram a restituir em prestações mensais nos termos e condições do respetivo contrato.
B) Os RR. deixaram de efetuar o pagamento mensal das prestações.
C) O contrato em crise nos autos é um contrato cujo pagamento mensal está condicionado ao uso que é feito pelos RR.,
D) Não estamos perante um pagamento de quota de amortização de capital pagáveis com juros, mas sim da liquidação do valor total do crédito que foi utilizado em determinado período,
E) Não se trata de um mútuo bancário, no qual é pressuposto o Cliente utilizar o crédito concedido e compromete-se a liquidá-lo em prestações pré-determinadas.
F) O que se tem em conta é a concessão de um crédito para aquisição de bens e serviços, cujo pagamento deveria ter ocorrido com o envio do extrato de conta,
G) O que importa para que se conclua que está em causa o pagamento de uma única obrigação face ao incumprimento prestacional, 
H) E não o pagamento fracionado do valor em dívida.
I) Não se trata de obrigações periódicas e renováveis, característica esta que nos reconduz ao prazo ordinário de prescrição e não a um qualquer prazo reduzido para o efeito.
J) Pelo que estamos perante uma dívida total do montante vencido à data do incumprimento, o que é uma única obrigação à qual cabe aplicar o prazo geral de 20 anos, regulado no artigo 309º do C.C
Termina pedindo que a sentença recorrida seja revogada, com as legais consequências.
A Requerida contra-alegou pugnando pela improcedência da apelação e consequente manutenção da sentença recorrida.
QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões da recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1do CPC), a única questão a decidir é se a dívida se mostra prescrita.
Cumpre decidir, corrido que se mostram os vistos.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O tribunal recorrido deu como provados os seguintes facto:
1. Entre a Cofidis e os Réus foi celebrado, a 08/06/2006, um contrato de crédito, ao qual foi dado o nº …, junto aos autos sob o requerimento datado de 07/01/2020 [ref.ª citius 3476281; ref.ª interna 34467653] como documento nº 5, aqui dado por integralmente reproduzido.
2. Do contrato supra aludido consta, entre o mais, a cláusula nº 10 com a epígrafe «incumprimento e resolução do contrato», que dispõe o seguinte:
10.1 Caso o mutuário não faça o pagamento de uma prestação na data de vencimento ficará em mora, acrescendo à prestação uma penalidade mensal de 4% sobre cada uma das prestações em mora, sem prejuízo de a Cofidis poder aplicar uma penalização adicional de valor correspondente às despesas determinadas pela constituição em mora de acordo com preçários em vigor.
10.2 Mantendo-se o incumprimento, a Cofidis pode resolver o contrato e exigir o pagamento imediato de toda a dívida (incluindo capital remanescente, juros contratuais e demais encargos vencidos), sem prejuízo da incidência de juros de mora à taxa legal sobre toda a dívida vencida. Caso a Cofidis resolva o contrato e/ou recorra a juízo para obter o pagamento, as penalidades devidas pela mora serão substituídas por uma penalidade única de 8% sobre todo o saldo em dívida, a título de cláusula penal.
3. Nos termos do referido contrato foi concedido aos Réus um empréstimo de €5.000,00, ficando os Réus responsáveis pelo pagamento de prestações mensais, sendo a última vencida em 08/12/2011.
4. Os Réus deixaram de liquidar as prestações a partir de 07/03/2007.
5. O valor não liquidado pelos Réus, referente a capital, imposto e demais encargos, ascende a €6.087,69.
6. Por contrato de cessão de créditos, junto aos autos sob o requerimento datado de 07/01/2020 [ref.ª citius 3476281; ref.ª interna 34467653] como documento nº 1, aqui dado por integralmente reproduzido, a Cofidis cedeu o crédito em causa à Gesphone – Serviços de Tratamento e Aquisição de Dívidas, S.A., que o aceitou.
7. Por contrato de cessão de créditos, junto aos autos sob o requerimento datado de 07/01/2020 [ref.ª citius 3476281; ref.ª interna 34467653] como documento nº 3, aqui dado por integralmente reproduzido, a Gesphone, S.A. cedeu o crédito em causa à Autora, que o aceitou.
8. O requerimento de injunção foi apresentado em 28/12/2018.
*
Nos termos do disposto no art. 607º, nº 4 do CPC, ex vi do disposto no art. 663º, nº 2 do mesmo diploma legal, têm-se, ainda por assentes os seguintes factos:
9. No contrato a que se alude em 1 consta, para além do mais: “Contrato de adesão MAXI CRÉDITO … [x] Sim, desejo aderir ao MaxiCrédito com seguro … Montante de reserva solicitada de 5.000€ com mensalidade de 125€ Quero beneficiar de imediato por transferência bancária de: [x] A totalidade da minha reserva …”.
10. No contrato a que se alude em 1 consta nas Condições Gerais, e para além de outras (nomeadamente a referida em 2.), as seguintes cláusulas:
“2. ABERTURA DO CRÉDITO E MOVIMENTAÇÃO DA CONTA
2.2. A Cofidis autoriza o Mutuário a utilizar o crédito concedido através da conta corrente Maxicrédito, até ao limite máximo autorizado no ponto 5. do presente contrato.
2.2. Para o efeito, o Mutuário pedirá à Cofidis que disponibilize, por transferência bancária, um montante nunca inferior ao mínimo inicial de €5.000, …
2.3. A Cofidis pode pôr à disposição do Mutuário um cartão de MaxiCrédito ou outros meios de utilização da conta, que podem ser usados para obter numerário e/ou efetuar pagamentos a terceiros.

2.5. Os movimentos da conta são registados num extrato a enviar mensalmente. …
3. OBRIGAÇÕES DO MUTUÁRIO E CONFISSÃO DE DÍVIDA
3.1. O Mutuário obriga-se, nomeadamente a: a) pagar pontualmente as mensalidades a que está obrigado …

6. CUSTO DO CRÉDITO
O custo do crédito varia em função das utilizações, montante e duração do saldo devedor e é composto pelo crédito utilizado, juros diários vencidos, impostos e demais encargos (…), correspondendo a uma “Taxa Nominal Anual de 16,8% e a uma Taxa Anual Efetiva Global (TAEG) de 19,51% …
8. REEMBOLSO MÍNIMO E PRESTAÇÃO MENSAL
8.1. O valor em dívida deve ser reembolsado à Cofidis em prestações mensais por débito na conta bancária do Mutuário…” (fls. 88vº).
11. Alegou a A. no RI, para além do mais:
“… 6. Por documento particular foi celebrado pela Cofidis com o(a) Requerido(a), um contrato de crédito, ao qual foi atribuído o nº …, denominado MXC.
7. O (a) Requerido(a) comprometeu-se ao pagamento em prestações, mensais e sucessivas.
8. O (a) Requerido(a) nunca denunciou o contrato nos termos das respetivas cláusulas.
9. No entanto, o(a) Requerido(a) deixou de efetuar o pagamento mensal das prestações, pelo que em 7/3/2007, verificou-se o incumprimento definitivo do contrato.
10. Tendo ficado em dívida o montante de €6.087,69. …”.
12. Com o RI aperfeiçoado, juntou o A., doc. nº 6 (que não se mostra materializado nos autos, mas foi por nós consultado no Citius) que consubstancia um extrato do qual consta como englobadas na prestação mensal de €125,00 uma quantia a título de capital, uma quantia a título de juros, para além de outros dois montantes a título de “seguro” e “outro”.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
O tribunal recorrido, depois de ter concluído que entre a Cofidis e os RR. se celebrou um contrato de mútuo, que o mesmo não foi resolvido pelo credor (nem tal foi alegado), nem ocorreu a perda de benefício do prazo invocável nos termos do artigo 781º do CC, entendeu estar prescrita a dívida com os seguintes fundamentos: “Da prescrição A prescrição é um dos institutos que regula a repercussão que a passagem do tempo possui nas situações jurídicas. Tem o seu fundamento último no valor da segurança, impondo que o não exercício do direito durante certo período produza efeitos de estabilização da relação jurídica. Considerando, pois, que: (i) Os juros e as quotas de amortização do capital prescrevem no prazo de cinco anos [artigo 310º, alíneas d) e e) do C.C.]; (ii) O prazo de prescrição foi interrompido em 02/01/2019 [artigo 323º, nº 2 do C.C., tendo o procedimento de injunção sido intentado em 28/12/2018]; (iii) A última prestação não paga venceu-se em 08/12/2011; Teremos de concluir que se encontram prescritas todas as prestações mensais, uma vez que sobre cada uma, per si, decorreu o prazo de prescrição de cinco anos”.
Insurge-se a apelante contra o decidido, sustentando, nas alegações, que os RR. foram interpelados para proceder ao pagamento, e não o fizeram, incumprindo definitivamente as condições de reembolso e respetivo contrato, o que implicou o vencimento imediato de todas as prestações em dívida nos termos do art. 781º do CC.
Não obstante a apelante não tenha englobado nas conclusões esta alegação, não podemos deixar de lhe fazer referência (por relevar), para dizer que nenhuma razão lhe assiste, na esteira do que entendeu o tribunal recorrido.
Não resultou provada qualquer interpelação feita aos RR., nem para porem fim à mora, nem no sentido de se considerar vencida toda a obrigação nos termos do art. 781º do CC, como alegado.
Dispõe o art. 781º do CC que “se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.
Está em causa a perda de benefício do prazo pelo devedor, mas a consequência prevista neste artigo não é a constituição automática do devedor em mora pela totalidade das prestações em falta.
Nas dívidas a prestações ou fracionadas [1], faltando o devedor ao cumprimento de uma prestação, o credor pode exigir imediatamente as restantes prestações, antes do tempo acordado para a sua sucessiva exigibilidade.
Fica na disponibilidade do credor fazê-lo ou não, mas se quiser usar o benefício que a lei lhe concede tem de manifestar a sua vontade, interpelando o devedor para cumprir imediatamente as prestações vincendas [2].
Por outro lado, no contrato não se convencionou que o incumprimento de uma prestação implicava o incumprimento definitivo do mesmo, antes se tendo estipulado o constante da cláusula 10.1 reproduzida no ponto 2 da fundamentação de facto, sendo que a manutenção do incumprimento possibilitava à credora que resolvesse o contrato e exigisse o pagamento imediato de toda a dívida (cláusula 10.2 reproduzida no ponto 2 da fundamentação de facto), o que não resultou provado que tenha feito.
Nesta conformidade, e tal como se escreve na sentença recorrida, o que resulta da matéria de facto é que o contrato se manteve em vigor nos seus termos iniciais, vencendo-se cada prestação mensal per si.
Assim sendo, carece de fundamento a alegação da apelante nas conclusões [3], de que está em causa o pagamento de uma única obrigação face ao incumprimento prestacional, e não o pagamento fracionado do valor em dívida.
Sustenta, ainda, a apelante que:
- o contrato em causa é um contrato cujo pagamento mensal está condicionado ao uso feito pelos RR., não estando em causa um pagamento de quota de amortização de capital pagável com juros, mas sim liquidação total do crédito que foi utilizado em determinado período;
- não se trata de um mútuo bancário, no qual é pressuposto o cliente utilizar o crédito concedido e compromete-se a liquidá-lo em prestações pré-determinadas.
Da factualidade provada resulta que entre a Cofidis e os apelados foi celebrado um contrato que poderia ser denominado de contrato de concessão de crédito ao consumo em conta corrente, que permitia, de facto, que os apelados fossem utilizando o crédito solicitado, até ao limite concedido, conforme entendessem, através da utilização de um cartão MaxiCrédito disponibilizado pela Cofidis “ou outros meios de utilização da conta”, para obter numerário e/ou efetuar pagamentos a terceiros [4].
Nos termos do contrato, o pagamento (reembolso) devia ser feito em prestações mensais e sucessivas, no montante de €125,00, nos quais se englobavam capital e juros vencidos, tendo em conta o teor da cláusula 6ª (ponto 10. da fundamentação de facto [5]).
Conforme dispõe o art. 298º, nº 1 do CC, “estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição”.
Como explicava Manuel Domingues de Andrade, em Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, pág. 445, “a prescrição extintiva é o instituto por via do qual os direitos subjetivos se extinguem quando não exercitados durante certo tempo fixado na lei e que varia conforme os casos”, tendo o seu fundamento “na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei. Negligência que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (ao titular) indigno de proteção jurídica (dormientibus non succurrit ius)”.
Para além deste fundamento, refere aquele autor que ainda se costumam invocar, para justificar o instituto prescricional, a consideração de certeza ou segurança jurídica, a proteção dos obrigados, especialmente os devedores, contra as dificuldades de prova, e exercer uma pressão ou estímulo educativo sobre os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício ou efetivação (fls. 446).
Aníbal de Castro, em A Caducidade na Doutrina, na Lei e na Jurisprudência, 3ª ed., entende que “a prescrição representa uma sanção à negligência do titular, sanção que o impossibilita de exigir a prestação” (fls. 42), sendo o seu fim o de “pôr termo a um direito que pode supor-se abandonado pelo titular” (fls. 49).
Os prazos de prescrição variam conforme as circunstâncias, fixando a lei um prazo geral de prescrição (mais longo), de 20 anos (art. 309º do CC), e um prazo especial (mais curto), de 5 anos, nas situações consignadas no art. 310º do CC [6] [7].
Quanto ao referido prazo especial de prescrição, referia Manuel Domingues de Andrade, na ob. cit., pág. 452, que “a lei funda-se no intuito de evitar que o credor deixe acumular os seus créditos a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar”.
Neste sentido se pronunciaram, também, Baptista Machado, na RLJ, ano 117º, pág. 205 e Vaz Serra, no BMJ, ano 107, pág. 285.
Este último, ainda, no BMJ ano 106, pág. 107, no seu Estudo sobre Prescrição Extintiva e Caducidade, escreveu que “a razão essencial desta prescrição [8], que remonta ao nosso antigo direito francês, claramente indicada nos trabalhos preparatórios, é proteger o devedor contra a cumulação da sua dívida que, de dívida de anuidades, pagas com os seus rendimentos, se transformaria em dívida de capital suscetível de o arruinar, se o pagamento pudesse ser-lhe exigido de um golpe ao cabo de um número demasiado de anos”. E, mais adiante, a págs. 113 e 114, sobre o problema das frações de capital, escreve que “com os juros parece deverem prescrever as quotas de amortização, se deverem ser pagas como adjunção aos juros (…), pois, se assim não fosse, poderia dar-se uma acumulação de quotas ruinosa para o devedor, apesar de, com a estipulação de quotas de amortização, se ter pretendido suavizar o reembolso do capital e tratá-lo como juros”.
A restituição de capital mutuado/creditado configura uma situação de prestação única, mas de reembolso fracionado por acordo das partes.
O art. 310º do CC não é aplicável, apenas, às obrigações de natureza duradoura, onde se integram as obrigações periodicamente renováveis.
Como se escreveu no Ac. da RL de 9.5.2006, P. 1815/2006-1 (Carlos Moreira), in www.dgsi.pt, “nem todas as alíneas deste preceito se referem a prestações periodicamente renováveis, isto é, atinentes a dívidas periódicas em que há uma pluralidade de obrigações distintas (embora todas emergentes de um vínculo fundamental ou relacionadas entre si) que, reiteradamente se vão sucedendo no tempo. Se bem alcançamos, nele também se incluem situações que se reportam a uma única obrigação cujo cumprimento é efetivado em prestações fracionadas no tempo. É o caso das previstas na alínea e) em que a obrigação é cumprida através de «quotas de amortização do capital pagáveis com os juros» e, mutatis mutandis, na al. d), no que concerne aos juros, pois que estes, pelo menos por regra, são reportados a uma realidade, normalmente atinente à colocação na disposição de uma certa soma pecuniária, assumida e definida numa singular obrigação inicial. Assim sendo, a alínea residual (g) que se reporta a «quaisquer outras prestações periodicamente renováveis» tem de ser interpretada, em sentido lato, ainda que, quiçá, menos conforme à melhor dogmática técnico-jurídica, de sorte a considerar-se que engloba na sua previsão, também, as obrigações unitárias mas satisfeitas em prestações fracionadas ao longo do tempo, pois que não existem razões de qualquer índole – jurídica e pratica – para operar a restrição propugnada pela recorrente, antes pelo contrário. Efetivamente, considerando as finalidades supra referidas prosseguidas com o curto prazo de prescrição fixado neste artigo, parece-nos que as mesmas são atendíveis para os dois tipos de situações, não se vislumbrando fundamento para limitá-las aos casos de obrigações periodicamente renováveis «stricto sensu»”.
No Ac. do STJ de 27.3.2014, P. nº 189/12.6 TBHRT-A.L1.S1 (Silva Gonçalves), em www.dgsi.pt, escreveu-se que “…, se é certo que a disciplina legal estatuída na alínea e) do art. 310º do C.Civil se não estenderá aos casos em que se verifica “uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo”, o certo é que a realidade circunstancial que envolve o relacionamento contratual estabelecido entre o exequente e os executados se não propaga nesta realidade jurídico-substancial. Convenhamos que das considerações, difundidas por Ana Filipa Morais Antunes, insertas nos “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia; volume III; página 47” se retira lição diferente daquela que o recorrente pretende divulgar. Como nelas se contêm “…na situação prevista no artigo 310º, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respetiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fracionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objeto a totalidade do montante em dívida (sublinhado nosso). Prosseguindo nesta análise, completa este estudo que constituirão, assim, indícios reveladores da existência de quotas de amortização do capital pagáveis com juros: em primeiro lugar, a circunstância de nos encontrarmos perante quotas integradas por duas frações: uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente; em segundo lugar, o facto de serem acordadas prestações periódicas, isto é, várias obrigações distintas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente, e que se vencerão uma após outra”.
Nesta conformidade e perfilhando o referido entendimento, a obrigação em causa, de restituição do crédito, insere-se na referida al. e) do art. 310º do CC, e os juros peticionados na al. d) do mesmo preceito legal, como entendeu a sentença recorrida.
Na esteira do que se escreveu no Ac. da RE de 5.12.2019, P. 126235/17.2YIPRT.E1 (Francisco Matos), em www.dgsi.pt, o propósito de obstar a uma acumulação de quotas ruinosas para os devedores – não obstante o propósito das partes de suavizar o reembolso do capital em frações – justificativo do prazo de prescrição de cinco anos, bem se poderia exemplificar com o caso dos autos, uma vez que, reportando-se este a uma disponibilização de capital por parte da Cofidis, em 8.6.2006, de €5.000,00 [9], que os RR. amortizaram até 7/2/2007 (ver ponto 4. da fundamentação de facto), data a partir da qual entraram em incumprimento, à data do RI (28.12.2018), a dívida cifrava-se, de acordo com o cálculo da A., em €9.323,78, contas assaz ruinosas para os RR., caso a lei não sujeitasse a dívida a um prazo de prescrição de cinco anos como sujeita.
Bem andou, pois, a sentença recorrida em julgar prescrito o crédito reclamado, improcedendo a apelação.
Custas pela apelante, por ter ficado vencida – art. 527º, nºs 1 e 2 do CPC.
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se, em consequência, a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
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Lisboa, 2020.12.15
Cristina Coelho
Luís Filipe Pires de Sousa
Carla Câmara
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[1] Antunes Varela, em Das Obrigações em Geral, 3ª ed., Vol. II, pág. 52, ensina que são “a prestações” as “obrigações cujo objeto, apesar de globalmente fixado, se reparte em várias frações, cujo cumprimento se distribui ao logo do tempo”, distinguindo-as das obrigações de prestação continuada e de trato sucessivo, explicando que nestas “o tempo exerce uma influência essencial na fixação da prestação debitória”, enquanto “nas obrigações liquidáveis em prestações o objeto está determinado desde a constituição da dívida, e só o seu pagamento (cumprimento, ou liquidação como lhe chama o art. 781º), em regra para facilidade do devedor, é repartido por frações”.
[2] Neste sentido, cfr. Almeida Costa, em Direito das Obrigações, 12ª ed. rev. e atualizada, pág. 1018, e Antunes Varela, ob. cit., pág. 53, bem como, entre muitos outros, os Acs. do STJ de 25.5.2017, P. 1244/15.6T8AGH-A.L1.S2 (Olindo Geraldes), da RL de 29.11.2016, P. 1108/13.8TBMTJ-A.L1-1 (Maria Adelaide Domingos), e de 21.5.2020, P. 781/14.4TBSXL-A.L1-2 (Gabriela Cunha Rodrigues), todos em www.dgsi.pt.
[3] Que definem o objeto do recurso, como já referido.
[4] Esta disciplina contratual insere-se, em parte, na caraterização de um contrato de abertura de crédito, através do qual “a instituição financiadora coloca à disposição do cliente, por certo prazo e até determinado montante, um crédito que ele poderá utilizar à medida das suas necessidades” – José Simões Patrício, em Direito Bancário Privado, pág. 310.
[5] E resulta, também, do “extrato” junto pela apelante com o RI corrigido como doc. 6, não materializado nos autos, mas consultável no Citius.
[6] Ou seja, quando estão em causa as anuidades de rendas perpétuas ou vitalícias (al. a); as rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez (al. b); os foros (al. c); os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades (al. d); as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros (al. e); as pensões alimentícias vencidas (al. f); quaisquer outras prestações periodicamente renováveis (al. g).
[7] Para além de estabelecer prazos ainda mais curtos, de 6 meses e 2 anos, mas em que a prescrição é presuntiva, ou seja, funda-se na presunção de cumprimento. Reconhecendo o devedor o incumprimento, a prescrição já não opera (arts. 312º e 313º do CC), ao contrário do que acontece nas prescrições de que ora cuidamos (também chamadas de prescrições verdadeiras) em que, mesmo que o devedor confesse que não pagou, a prescrição opera.
[8] De prazo curto sem natureza presuntiva.
[9] Resultando do extrato a que se alude na nota 5, mais 6 disponibilizações de capital, num total de €213,00, até dezembro de 2006.