Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
26477/16.4T8LSB-A.L1-6
Relator: AGUIAR PEREIRA
Descritores: ACÇÃO DE PETIÇÃO DE HERANÇA
TERCEIROS
CAUSA DE PEDIR
REGISTO DE DIREITOS
FALSIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. O artigo 2.076.º n.º 2 do Código Civil não estabelece o ónus de alegação pelo autor de factos essenciais relativos à má-fé dos terceiros adquirentes do direito, antes impõe aos réus adquirentes o ónus de alegação dos factos que impedem a procedência da acção de petição de herança, a saber: ter a aquisição sido feita de herdeiro aparente, ter sido a aquisição feita a título oneroso e ter o adquirente actuado de boa fé;-
2. Porque tais factos relativos à má fé dos terceiros aquirentes ou beneficiários das garantias constituídas sobre os bens da herança não integram a causa de pedir, não é inepta a petição inicial ao omitir-lhes qualquer referência;
3. Uma escritura de habilitação de herdeiro em que a cabeça de casal declara que o falecido apenas deixou como herdeiros, além dela própria, dois filhos maiores e omite conscientemente a existência de uma outra herdeira também filha do falecido não é nula, mas falsa, perdendo, comprovada a sua falsidade, a sua eficácia probatória em relação aos factos declarados, mas não a sua existência jurídica e validade formal;
4. São nulos os actos de registo dos direitos relativos a bens a ele sujeitos que tenham sido efectuados com base em escritura pública de habilitação de herdeiros que contenha declarações falsas, perdendo a característica presunção de que gozam em relação à titularidade dos direitos inscritos, nos termos em que os definem, sem embargo dos direitos adquiridos a título oneroso por terceiros de boa fé.   
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, OS JUÍZES DESEMBARGADORES DA 6ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, ACORDAM:

I – RELATÓRIO
a) Maria (…) Silva propôs acção declarativa de condenação sob a forma comum contra:-----------
1. Maria (…) Santos;-----------------------
2. C (…);-------------------------------------
3. H (…);--------------------------------------
4. A (…);----------------------------------
5. F (…) e esposa;------------------------------
6. G (…) e esposa;-------------------------------
7. Banco (…), SA;--------------------------------
8. M (…);------------------------------
9. P (…);-----------------------------
10. Banco (…), SA;---------------------------
11. E (…);----------------------------
12. G J (…).----------------
A autora termina a petição inicial formulando os seguintes pedidos:-----------------------------------------
“a) Deve ser declarada nula e ineficaz relativamente à autora, a escritura de habilitação de herdeiros outorgada a 2 de Julho de 2009, no Cartório Notarial de Setúbal a cargo do notário Dr. João Farinha Alves e no qual a 1ª, 2ª e 3º Réus são habilitados com únicos e universais herdeiros de D (...) Santos;-------------------
b) Devem ser declarados nulos e ineficazes relativamente à Autora, todos os registos de aquisição a favor da 1ª, 2ª e 3º Réus, relativamente aos imóveis, quotas sociais e viaturas automóveis melhor discriminados na relação constante do artigo 9º da presente petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;--------------------------------------------------
c) Deve ser declarada a nulidade e ineficácia relativamente à Autora da hipoteca constituída pelos três primeiros Réus a favor do 4º Réu, A (...) incidente sobre os imóveis discriminados nas Verbas nºs 1, 11, 20, 22, 24 e 27 constantes do artigo 9º da presente petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;--------------------------------------------------
d) Deve ser ordenado o cancelamento de todas as inscrições da mencionada hipoteca nas competentes Conservatórias do Registo Predial atrás identificadas;-----------
e) Deve ser declarada nula e ineficaz relativamente à Autora, a aquisição pela 8ª Ré, M (…) do imóvel identificado na verba nº 2 do artigo 9º, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;----------------------------------------------------------
f) Deve ser ordenado o cancelamento da inscrição de aquisição na competente Conservatória do Registo Predial;       
g) Deve ser declarada nula e ineficaz relativamente à Autora, a aquisição pelos 5ºs Réus, F (...) e mulher do imóvel descrito sob a verba nº 23 do artigo 9º da presente petição inicial cujo teor se dá por integralmente reproduzido;----------
h) Deve ser ordenado o cancelamento da inscrição na competente Conservatória do Registo Predial;
i) Deve ser declarada nula e ineficaz relativamente à Autora, a aquisição pelo 9º Réu, P (…) e a hipoteca constituída por este a favor do 10º Réu, Banco (…), S.A., relativamente ao imóvel identificado pela verba nº 10 do artigo 9º da presente petição inicial cujo teor se dá por integralmente reproduzido;-----------------
j) Deve ser ordenado o cancelamento das inscrições do direito de propriedade a favor do 9º Réu e de hipoteca a favor do 10º Réu;-------------------------------------
k) Deve ser declarada nula e ineficaz relativamente à Autora, a aquisição pelos 6ºs Réus, G (…) e esposa e da hipoteca constituída por estes a favor do 7º Réu, Banco (…), S.A., relativamente ao imóvel descrito na verba nº 26 do artigo 9º da presente petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;--------------------------
l) Deve ser ordenado o cancelamento na conservatória do registo predial competente a inscrição do direito de propriedade a favor dos 6ºs Réus e de hipoteca a favor do 7º Réu;-----
m) Devem ser considerados nulos os actos ou contrato de venda das viaturas automóveis identificadas nas verbas nºs 31, 32, 33, 34 e 35, e cancelados na Conservatória do Registo Automóvel das mesmas a favor, respectivamente, da 1ª, 4º, 11º, e 12º Réus;--------------------
n) Devem a 1ª, 2ª e 3º Réus ser condenados a compensar a Autora dos danos não patrimoniais sofridos por esta, em montante a fixar segundo prudente arbítrio e equidade, mas em valor não inferior a € 50.000,00 (Cinquenta mil euros);           
o) Devem os três primeiros Réus ser condenados a indemnizar a Autora de todas as despesas não contempladas em custas de parte que o presente litígio lhe determine, designadamente documentação, registo da acção e honorários do seu modesto patrono, na parte que excedam o montante da procuradoria e em montantes a liquidar em execução de sentença;----
p) Devem finalmente os Réus ser condenados nas custas, procuradoria condigna e no mais legal.”
Para tanto, alega a autora, em síntese, o seguinte:
A autora é filha de D (...) Santos, o qual faleceu no estado de casado com a primeira ré no regime de comunhão de adquiridos, sendo os segundo e terceiros réus também filhos de D (...) Santos;
No dia 2 de julho de 2009 a primeira ré outorgou, na qualidade de cabeça de casal da herança do falecido D (...) Santos, escritura de habilitação de herdeiros em que declarou que os únicos herdeiros deste eram ela própria e os dois filhos do de cujus, ora segundo e terceiros réus.---------------------------------------
Em consequência do que os três primeiros réus registaram em seu nome, em comum e sem determinação de parte ou direito, os imóveis, automóveis e quotas em sociedades comerciais que identifica na petição inicial, após o que procederam à sua alienação: venderam veículos automóveis ao quarto, ao décimo primeiro e ao décimo segundo réus; venderam um imóvel aos quintos réus; venderam um imóvel aos sextos réus – que sobre ele constituíram uma hipoteca a favor do banco sétimo réu; venderam um imóvel à oitava ré; venderam um imóvel ao nono réu – que sobre ele constituiu uma hipoteca a favor do banco décimo réu.--------------------
O conteúdo da escritura de habilitação de herdeiros de D (...) Santos é falso por não conter qualquer referência à sua pessoa, sendo ineficaz em relação a ela, sendo nulos os negócios realizados pelos réus com base nessa escritura por se traduzirem na venda e/ou oneração de bens alheiros.
Os três primeiros réus tinham perfeito conhecimento da existência da autora e do facto de ser filha do falecido D (...) Santos, a impediram de conviver com o pai nos últimos anos da sua vida e de participar no seu funeral, actuando sempre com intuito preconcebido de a privar, em seu proveito, da sua parte na herança do pai.-----------------------------------------
b) No desenvolvimento da lide foi convocada e teve oportunamente lugar uma audiência prévia, na qual foi proferida decisão que considerou a petição inicial parcialmente inepta e conheceu parcialmente do mérito da causa.----------------
b1) No que se refere à ineptidão parcial da petição inicial, fundou-se a decisão ora impugnada, em síntese, no facto de a autora não ter feito “qualquer referência ao ânimo ou ao conhecimento dos terceiros aquando de tais onerações e aquisições da sua condição de herdeira” não sendo tal omissão suprível através do convite ao aperfeiçoamento da petição inicial.----------
Consta dessa parte da sentença recorrida:---------------------
“Na presente acção a autora alega ter sido preterida na herança de seu falecido pai, mais alega que os restantes três herdeiros, sua madrasta e seus irmãos consanguíneos oneraram a favor de terceiro e alienaram a terceiros os bens da herança que identifica.           
Em momento algum do seu articulado petitório faz a autora qualquer referência ao ânimo ou ao conhecimento dos terceiros aquando de tais onerações e aquisições da sua condição de herdeira.-------------------------------------------------------------
Cumpre aferir da ineptidão da petição inicial por ausência de causa de pedir.-----------------------------
O princípio do dispositivo, vertido no artigo 552º, nº 1, al. d) do CPC, determina que ao autor cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir, ou seja que segundo a norma substantiva, servem de pressuposto ao efeito jurídico que pretende alcançar pela ação, ou seja os factos concretos (não conclusivos) constitutivos do direito invocado e integradores da causa de pedir, sendo certo que o tribunal só pode, em princípio, pronunciar-se quanto ao que tenha sido alegado pelas partes.----------------
(…)--------------------------------------------
Voltando ao caso dos autos, e atendo-nos ao conteúdo da petição inicial temos que a autora invoca a nulidade, quer da habilitação de herdeiros, quer das alienações e onerações de bens subsequentemente efectuadas, sem invocar quaisquer factos dos quais, uma vez provados, se pudesse concluir pela má-fé dos adquirentes e dos beneficiários das garantias.------------------
Em causa estão bens registáveis, veículos automóveis e imóveis, transmitidos a terceiros por quem aparentando ser herdeiro único (1ª a 3º réus) estava na posse dos bens do falecido pai da autora.---------------------------------------------------------
Tem assim aplicação disposto no artigo 2.076.º, nº 2, do Código Civil, que exige a má-fé do adquirente, do bem ou da garantia, para que proceda a acção em que se reconheça a qualidade de herdeiro (artigo 2.075.º do CC) e a nulidade das transmissões efectuadas pelo aparente herdeiro único.------------------------
Ora, não são alegados factos concretos que permitam concluir pela má-fé daqueles Réus, nem sequer de modo conclusivo.      
Aliás, do ponto 41º da Petição Inicial antes resulta que a autora admite que os adquirentes agiram de boa-fé.            
Se assim é a presente acção carece de causa de pedir quanto aos 4º a 12º Réus.-------------------------
A situação em causa não é, ademais, passível de aperfeiçoamento.------------------------------------------
(…) ------------------------------------------
Como resulta do disposto no artigo 186.º, nº 2, alínea a) do Código de Processo Civil, a petição inicial é inepta quando falte a indicação da causa de pedir, sendo que, nos termos do nº 1 do referido preceito, a ineptidão da petição inicial acarreta a nulidade de todo o processo.-----------------------------------------
Decorre ainda dos termos conjugados dos artigos 576.º, nºs 1 e 2, 577.º, al. b), e 578.º, do mesmo Código que a nulidade de todo o processo constitui excepção dilatória, que pode ser conhecida oficiosamente pelo Tribunal, o qual, reconhecendo a sua existência, não poderá conhecer do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância.------------------------------------------------
Ora, verificada a ineptidão da petição inicial por inexistência de causa de pedir e tendo em conta que tal vício não é susceptível de aperfeiçoamento, uma vez que não estamos perante uma mera insuficiência ou imprecisão na exposição ou concretização da matéria alegada (cf. artigo 590.º, n.º 3 do CPC), deve concluir-se pela nulidade do processo, daqui decorrendo absolvição da instância do Réu.-------------------------------------------------
Faltando ou sendo ininteligível a causa de pedir, a lei sanciona tal falha com a nulidade de todo o processado – artigo 186.º, nºs 1 e 2, al. a), do CPC, o que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição dos réus da instância – artigos 576.º, nºs 1 e 2, e 577.º, al. b), o que é de conhecimento oficioso – artigo 578.º, todos do CPC.------------------------
Pelo exposto, e nos termos dos supracitados preceitos, declaro parcialmente inepta a petição inicial e nulo todo o processo quanto aos réus A (...), F (...) e esposa, G (…) e esposa, Banco (…), SA,  M (…), P (…), Banco (…), SA, E e G J, os quais, consequentemente, absolvo da instância.”
b2) Na mesma oportunidade, invocando estarem reunidas condições para o efeito, a Sr.ª Juíza de Direito conheceu parcialmente do mérito da causa, julgando improcedentes os pedidos de declaração de nulidade da escritura de habilitação de herdeiros e dos actos de registo de aquisição do direito de propriedade feito a favor dos três primeiros réus com base na mencionada escritura de habilitação de herdeiros.--------------------------------------------
Consta da sentença, na parte respectiva, o seguinte:--------------------------------------------------------------
“Cumpre apurar se devem ser declarados nulos e ineficazes quanto à autora a habilitação de herdeiros e os registos efectuados.--------------------------------------------
(…)-------------------------------------------
Com relevo para a decisão de mérito, resultam provados os seguintes factos:-------------------------
1. A Autora é filha de D (...) Santos e de C Clara (doc. nº 1);-----------------------------------------------------
2. Aquando de nascimento da Autora, seus identificados pais eram casados entre si tendo o casamento sido dissolvido por divórcio (doc. nº 2).-------------------------------------
3. D (...) Santos, faleceu, em Lisboa, onde residia, no dia 25 de Janeiro de 2009, no estado de casado com a primeira Ré, Maria (…)  Santos (doc. nº 3).--------------------------------
4. No dia 2 de Julho de 2009, a 1ª R. outorgou no Cartório Notarial de Setúbal, na qualidade de Cabeça-de-Casal da herança aberta por óbito de D (...) Santos, escritura de habilitação de herdeiros na qual declarou ter conhecimento que:        
4.1. No dia 26 de Janeiro de 2009, na freguesia de Santa Maria dos Olivais, faleceu D (...) Santos no estado de casado com Maria (…) Santos, sob o regime da comunhão de bens adquiridos.----------------------------------------
4.2. O falecido deixou por seus únicos herdeiros, por força da Lei: sua referida mulher, Maria (…) Santos, e seus filhos: C (…) e H (…)  (doc. nº 4).-----------------------------
5. Ainda na qualidade de Cabeça-de-Casal, a 1ª Ré fez a apresentação da relação de bens da herança, ao Serviço de Finanças Amadora 2 (doc. nº 5).-----
6. Subsequentemente à outorga da escritura de habilitação de herdeiros e liquidação do Imposto de Selo incidente sobre a herança os 1ª, 2ª e 3º Réus, registaram nas conservatórias do registo predial competentes, a seu favor, em comum e sem determinação de parte ou direito, os bens pertencentes à herança (Docs. nºs 6 a 7):---------------------
(…).--------------------------------------
Peticiona a Autora que seja declarada nula e ineficaz relativamente a si a escritura de habilitação de herdeiros outorgada a 2 de Julho de 2009, na qual a 1ª, 2ª e 3º Réus são habilitados como únicos e universais herdeiros de D (...) Santos.                           
A habilitação de herdeiros consiste na declaração de que os habilitandos são herdeiros do falecido, não havendo quem lhes prefira na sucessão ou quem com eles concorra, ou seja, revela quais são os sucessores de determinada pessoa falecida (de cujus, autor da herança), considerando as regras da vocação sucessória.------------------------------------------
Especifica quais os destinatários das relações jurídico – patrimoniais do falecido, segundo as regras de prioridade na hierarquia dos sucessíveis, atenta a ordem legal das classes respectivas, artigo 2.133.º do Código Civil, no que se refere à sucessão legítima.       
É realizada através de escritura pública, mediante declaração de três pessoas, que o notário considere dignas de crédito, as quais deverão confirmar o teor dos factos que compõem substantivamente o acto inserto nesta escritura, constituindo documento bastante para proceder à transmissão da titularidade das situações jurídico-patrimoniais do de cujus para os seus sucessores e permitindo a prática dos actos indispensáveis em sede de registo predial, comercial e de automóveis, requeridos por qualquer dos herdeiros habilitados ou pelo cônjuge meeiro [1].
Resultou provado que a autora é filha de D (...) Santos e que a mesma não foi mencionada na escritura de habilitação dos seus herdeiros.----------------------------
Como filha de D (...) Santos, a Autora é sua herdeira legitimária – 2.157º do Código Civil.-------------
Provou-se que a Ré Maria (…) Santos fez constar da escritura de habilitação de herdeiros um facto falso ao não mencionar a Autora como filha e herdeira do falecido.----------------------------
Provou-se igualmente que, feita tal habilitação notarial, os Réus promoveram o registo em seu nome dos bens da herança, tendo declarado, na apresentação daqueles registos junto da respectiva Conservatória do Registo Predial, Automóvel e Comercial, que tais bens lhes ficaram a pertencer por morte de D (...) Santos.-----------------------------
Temos, assim, que a 1.ª Ré promoveu a habilitação notarial referida, enquanto documento bastante para proceder à transmissão da titularidade das situações jurídico patrimoniais do de cujus para a esfera jurídica dos réus, na qualidade de sucessores de D (...) Santos, e bem assim para titular a aquisição mortis causa, pois, como herdeiros habilitados únicos os Réus puderam praticar os actos indispensáveis em sede de registo predial, automóvel e comercial.----------------
(…)-------------------------------------------
Mostra-se assente que a 1.ª Ré fez constar da escritura de habilitação em causa factos falsos e que, com base nessa escritura, promoveu o registo dos bens a favor dos Réus.
A escritura de habilitação notarial é um documento autêntico (artigo 363.º, nºs 1 e 2 do Código Civil) e como tal faz prova plena dos factos (declarações e outros) que neles são referidos como praticados pela autoridade ou oficial público documentador, bem como dos que nele são atestados como objecto da sua percepção directa, mas não daqueles que constituem objecto de ciência perante ele produzidos ou constantes de documentos que lhe sejam apresentados, nem tão-pouco dos que sejam objecto de apreciação ou juízos pessoais seus. É o que resulta do artigo 371.º do Código Civil, que regula a força probatória dos documentos autênticos oficiais ou extra-oficiais.-------------------------
Assim, quanto aos documentos autênticos, a autoridade ou oficial público não garante a veracidade nem a eficácia das declarações que lhe foram feitas, pelo que em relação a elas é admissível a prova testemunhal, salvo se deverem ser consideradas plenamente provadas por confissão extrajudicial. A significar que: “os actos e declarações, que o funcionário atesta como tendo sido praticados, emitidos ou prestados perante ele, terão o valor jurídico que lhes competir, podendo ser impugnadas pelos interessados, nos termos gerais de direito (erro na declaração ou erro – vício, coacção, simulação, etc.)” [2].-
“Sendo a falsidade uma qualidade dum documento genuíno da qual resulta que a declaração por ele representada, ou certos factos por esta (directa ou indirectamente) representados, não são conformes com a realidade, por não se terem verificado, a consequência imediata da sua existência, para a qual aponta toda a nossa análise, consistirá na perda da eficácia probatória do documento quanto a essa declaração ou quanto a esses factos.---------------------------
Assim, a presunção que, a partir da prova do facto representativo (o registo ou informação constante do documento), impõe que se considere provado o facto representado, ou outros por este representados, é afastada com a prova da não correspondência desse facto ou factos à realidade.-------------------------------------------
O documento perde, consequentemente, a sua eficácia como fonte de prova dos factos cobertos pela presunção legal. Mas não perde, por isso, a sua existência jurídica nem a sua validade” [3].--------------------------------------------------------
Cumpre não confundir os conceitos de falsidade e de nulidade.-----------------------------------------------
Em regra, um documento é nulo quando na sua formação se preteriu qualquer requisito que a lei exige e é falso quando os actos ou factos que ele afirma terem-se passado não se passaram realmente.---------------------------------------------
Só há falsidade quando a falta de veracidade incide sobre aquilo que se considera plenamente provado. Efectivamente, se os actos documentados se realizaram ou não e se são ou não inválidos, são factos que os documentos não podem provar e que nada têm a ver com a falsidade.---------------------------
Sobre este assunto escreveu Alberto dos Reis: “lavrou-se uma escritura pública; observaram-se, na sua elaboração, todos os requisitos e formalidades que a lei exige; mas o notário declara ter-se passado na sua presença, um facto que na realidade se não passou. O documento é formalmente válido; mas tem de considerar-se falso. O inverso é igualmente possível. O notário exarou na escritura precisamente o que ocorreu; mas omitiu uma formalidade exigida por lei. O documento não é falso, mas nulo  [4]”. -----------------------------------------
Através da junção de documentos autênticos aos autos, a autora provou a falsidade da declaração efectuada pela 1ª Ré perante o notário.----------------------------------
Ora, tendo-se demonstrado que a declaração não era conforme à realidade, tal implica tão somente a perda da eficácia probatória da escritura notarial quanto a essa declaração ou quanto a esses factos.-----------------------------
Aqui não estamos a apreciar a falsidade do documento em si mas antes as declarações feitas perante o notário e que, feita a prova autêntica referida, se comprovou serem desconformes com a realidade.----------------------------------
Assim sendo, improcede a requerida declaração de nulidade da escritura de habilitação de herdeiros. 
Mais peticiona a Autora que sejam declarados nulos e ineficazes relativamente a si todos os registos de aquisição a favor da 1ª, 2ª e 3º Réus, relativamente aos imóveis, quotas sociais e viaturas automóveis.------------------
Ocorre que, tal declaração de nulidade do registo implicaria uma quebra do tracto sucessivo que afectaria os adquirentes de boa-fé no que respeita aos bens que foram transmitidos a terceiros ou onerados a favor de terceiros, o que não pode admitir-se.-----------------------------
Mesmo relativamente aos bens que não terão sido transmitidos a terceiros ou onerados a favor de terceiros, não se vê que benefício possa advir à Autora da nulidade do registo efectuado a favor dos Réus.------------------------
Com efeito, corre termos processo de inventário por óbito de D (...) Santos, no qual são interessados a Autora e os Réus, local próprio para discutir da pertença dos bens da herança, cujas decisões poderão levar à inscrição de novos factos registais, na sequência da partilha, sem que prejuízo algum advenha à esfera jurídica da Autora.-----------------------------
Temos assim que falece à Autora qualquer interesse em agir quanto aos bens não transmitidos pelos Réus a terceiros.    
Assim sendo, improcede a requerida declaração de nulidade dos actos registais.”------------------
c) Inconformada com a absolvição da instância dos réus identificados na petição inicial sob o número de ordem quarto a décimo segundo, por ineptidão da petição inicial, e com a improcedência do pedido de declaração de nulidade ou ineficácia da escritura de habilitação de herdeiros e de cancelamento dos registos efectuados com base nela, a autora interpôs recurso de APELAÇÃO cujas ALEGAÇÕES termina com as seguintes CONCLUSÕES:-----------------------------------------------------
“1.º A meritíssima juíza a quo ao declarar inepta a petição inicial, absolvendo parte dos réus da instância, interpretou e aplicou erradamente o artigo 186.º do Código de Processo Civil.------------------------------------------------------------------
2.º Na verdade ao sustentar a sua decisão no facto de a autora não ter alegado a má-fé dos terceiros adquirentes de bens que faziam parte da herança de que foi ilegal e criminosamente preterida em linha com a exigência vertida no n.º 2 do artigo 2.076.º do Código Civil, ignorou que sendo matéria de excepção, aos mesmos terceiros adquirentes, incumbia alegar e provar tal matéria.   
3.º E, por outro lado, nunca os terceiros adquirentes poderiam, com base na citada disposição, ficar a coberto da declaração de nulidade das suas aquisições uma vez que não adquiriram de quem era herdeiro aparente, na definição fornecida pelo n.º 3 do citado artigo 2.076.º do Código Civil, ou seja, aquele que é reputado herdeiro por força de erro comum ou geral.
4.º Acresce que a autora fundamentou a acção nas disposições atinentes à nulidade ou ineficácia da venda de coisa alheia, relativamente ao verdadeiro dono ou condómino, previstas nos artigos 892.º e seguintes do Código Civil. E é perante tal pedido e causa de pedir que deve ser aferida a eventual ineptidão da petição inicial.-----------------------------------------------------
5.º Ao contornar a fundamentação jurídica constante da petição inicial — nulidade ou ineficácia da aquisição pelos primeiros três réus dos bens da herança, e posterior venda a terceiros, ao abrigo das disposições dos artigos 892.º e seguintes do Código Civil - substituindo-a, por outra, sem a menor justificação, incorreu a meritíssima julgadora da primeira instância em manifesta omissão de pronúncia.--------------------------
6.º A acção, tal como se encontra fundamentada, não pode ser considerada inepta porque quer a causa de pedir quer o pedido são inteligíveis e encontram-se, entre si, numa relação lógica.----------------------------------------------------------------
7.º O regime jurídico relativo à venda ou oneração de bens alheios, consagrado nos já citados artigos 892.º e seguintes do Código Civil é o próprio para a ora apelante reagir ao atropelo dos seus direitos, como resulta da jurisprudência acima citada e que aqui se dá, por razões de economia processual, por integralmente reproduzida.--------------------------------------------------------
8.º Transcreve-se apenas, por tão taxativo, o teor de parte do sumário do Acórdão do STJ de 30.06.2004 e com a base de consulta acima identificada:-------------------------
“I - A venda pelo co-herdeiro de bens pertencentes a herança sem determinação de parte ou direito, constitui venda de coisa alheia.”---------------------------------
9.º Como resulta dos doutos arestos a que se alude e bem assim do parecer do insigne e saudoso Mestre Prof. Antunes Varela, produzido no âmbito de um deles, e cuja transcrição aqui se dá por reproduzida, a venda de coisa alheia em que se insere a venda pelo co-herdeiros desacompanhada da totalidade dos demais interessados na herança é pura e simplesmente ineficaz relativamente ao proprietário, comproprietário ou herdeiro preterido.-------------------
10.º A considerar-se válido o fundamento do saneador sentença quanto à protecção dos terceiros de boa-fé adquirentes de bens da herança, por força do n° 2 do artigo 2.076.º do Código Civil, sempre teria de considerar-se relativamente aos três primeiros réus e apelados — herdeiros que registaram em seu nome, e preterindo a também herdeira e ora autora e apelante, procedente o pedido de restituição à herança do restante patrimônio pertencente ao de cujus, ao abrigo do disposto no artigo 2.075.º do Código Civil.   
11.º Em consequência do que deveria a meritíssima juíza a quo, fosse em obediência aos citados preceitos da venda de coisa alheia constantes dos artigos 892.º do Código Civil fosse aos da petição de herança regulados nos termos do artigo 2.075.º, decretar a nulidade das aquisições pelos três primeiros réus dos direitos também pertencentes à Autora ou a total ineficácia perante esta, das aludidas aquisições.--------------------
12.º Como deveria, quer numa quer noutra das citadas hipóteses normativas, ordenar o cancelamento dos registos a favor dos infratores nas Conservatórias do Registo respectivas.----------------------------------------------------------------------
13.º Com efeito, não faz o menor sentido ter julgado inepta a petição inicial por não ter alegado a má fé dos terceiros adquirentes após ter enquadrado a situação na petição de herança e não considerar aplicável aos três primeiros réus, co-herdeiros da preterida autora, o mesmo instituto legal, desta feita consagrado no artigo 2.075.º do Código Civil, que não faz depender da má-fé o direito à restituição dos bens da herança.---------------------------
14.º A escritura de habilitação de herdeiros com base na qual a ora apelante foi espoliada da parte que lhe cabe na herança de seu pai, deve ser considerada inválida porque ferida de falsidade intelectual, ao conter declarações falsas por parte da primeira ré, enquanto cabeça de casal da herança.---------------------------
15.º E sendo falsas tais declarações, não pode a dita escritura, pese embora seja materialmente válida, surtir qualquer efeito na ordem jurídica, mormente o de permitir a transferência a favor dos três primeiros réus do direito de propriedade sobre os bens da herança sub judice.------------------------------------------------
16.º Nestes termos, deve o douto despacho saneador sentença ser revogado e substituído por decisão que julgue procedente o pedido de nulidade ou ineficácia relativamente à ora apelante da escritura de habilitação de herdeiros em que foi preterida e dos registos dos bens a favor dos três primeiros réus, bem como das posteriores vendas a terceiros dos bens da herança, com o cancelamento dos respectivos registos nas competentes conservatórias, prosseguindo a acção quanto ao mais pedido”.---------------------------------
d) Pedindo a manutenção da decisão recorrida apresentaram CONTRA ALEGAÇÕES o réu Banco (…), S A e o réu G J (…)        
d1) São do seguinte teor as CONCLUSÕES das alegações do Banco (...), S A:--------------------------------
“A) O recurso vem interposto da decisão do Tribunal a quo que julgou parcialmente inepta a petição inicial, tendo absolvido da instância parte dos réus, entre os quais o aqui Recorrido, assim como julgou improcedente relativamente aos três primeiros réus o pedido de declaração de nulidade ou ineficácia da escritura de habilitação de herdeiros e do subsequente registo dos bens da herança com base na mesma.---------------------------------
B) A decisão recorrida é de aplaudir, seja pela sua estruturação, seja pela sua clareza, e não enferma de qualquer erro, não merecendo, por isso, qualquer censura jurídica como a seguir se demonstrará.-------------------------------------
C) O direito à jurisdição, proclamado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, realiza-se mediante o exercício do direito de ação concretamente adequado a reconhecer em juízo o direito subjetivo.-------------------------------
D) Tal exercício do direito de ação requer a verificação de determinados requisitos formais quanto aos respetivos sujeitos e objeto, ou seja, pressupostos processuais relativos à ação, sendo que a falta destes obsta ao conhecimento do mérito, o que consequentemente implicará a absolvoção da instância.-------------
E) Ora, exige-se à Autora, aqui Recorrente, que na sua petição inicial exponha os factos e as razões de direito e formule o pedido.-------------------------------------------
F) Define-se a causa de pedir como sendo o facto jurídico de que o Autor faz proceder o efeito pretendido.    
G) No caso em concreto, sobre a Autora impendia o ónus de indicar o concreto efeito prático-jurídico pretendido e de alegar uma factualidade específica ou concreta que viabilizasse a formulação de um juízo de mérito sobre a pretensão deduzida contra cada um dos réus, nomeadamente contra o aqui Recorrido Banco (...), S. A.-----------------------------------------------------------
H) Ainda no que respeita ao substrato factual da causa de pedir, há que distinguir os factos indispensáveis à sua caracterização, e, portanto, dela estruturantes, e os factos que, muito embora essenciais à procedência da ação, não se mostram, todavia, imprescindíveis à caracterização da causa de pedir para efeitos de um pronunciamento de mérito, seja ele positivo ou negativo.          
I) Nesta base, podemos, pois, concluir que a idoneidade do objeto da ação implica a indicação e inteligibilidade da causa de pedir e do pedido, bem como a existência de um nexo lógico formal não excludente entre aqueles dois termos da pretensão, de forma a permitir um pronunciamento de mérito positivo ou negativo.-------------------
J) Em contraponto, não se verifica essa idoneidade quando não são alegados os factos estruturantes da causa de pedir.          
K) O que é o caso dos presentes autos, uma vez que a Autora não alegou quaisquer factos dos quais, uma vez provados, se pudesse concluir pela má-fé dos adquirentes dos bens e dos beneficiários das garantias sobre esses mesmos bens, razão pela qual, sendo estes mesmos factos estruturantes da causa de pedir, existe assim um vazio que não foi preenchido pela Autora, como era seu ónus.            
L) E sempre se dirá que, à sanação ou suprimento do vício de ineptidão da petição inicial, por falta da causa de pedir, opõem-se, desde logo, os princípios estruturantes do processo civil do dispositivo e da autoresponsabilidade das partes.           
M) Sendo certo que o Meritíssimo Juiz a quo apenas se pode pronunciar quanto ao que tenha sido alegado pelas partes, ou seja, que Autora foi preterida na herança do seu falecido pai, e que os restantes três herdeiros, sua madrasta e seus irmãos consanguíneos, alienaram e oneraram a favor de terceiros, os bens da herança que identificou.------
N) Muito bem andou o Meritíssimo Juiz a quo quanto sentenciou “Ora, não são alegados factos concretos que permitam concluir pela má-fé daqueles Réus, nem sequer de modo conclusivo”, sendo que “aliás, do ponto 41.º da Petição Inicial antes resulta que a autora admite que os adquirentes agiram de boa-fé.”------------------------
O) E “se assim é a presente acção carece de causa de pedir quanto aos 4º a 12º Réus.”-----------------
P) Ora, sendo certo que a causa de pedir na ação de petição de herança consiste na sucessão mortis causa e na subsequente apropriação por outrem de bens da massa hereditária, é incontestável que quando esta for, tal como foram presentes autos, intentada contra terceiros adquirentes, parte estruturante e indispensável dessa mesma causa de pedir será o facto de que estes hajam adquirido determinados bens, ou quaisquer direitos sobre eles, de herdeiro aparente, por título oneroso e que tenham agido de má-fé.
Q) Sendo que esta má-fé não foi invocada pela Autora na petição inicial, não tendo sido invocados quaisquer factos dos quais se pudesse concluir pela má-fé dos adquirentes dos bens e dos beneficiários das garantias que incidem sobre esses mesmos bens.           
R) Sendo que inclusive, no artigo 41.º da petição inicial, a própria Autora admite que os terceiros adquirentes agiram de boa-fé.-------------------------------------------
S) Ora, era e, é notório que os 1º, 2º e 3º réus eram os únicos e aparentes herdeiros do falecido. ----
T) Sendo desprovida de qualquer sentido a alegação da Autora de que “não se crê que os terceiros adquirentes de bens da herança tivessem elementos ou conhecimento que para reputarem de únicos herdeiros os Réus alienantes. Tão pouco foi alegado por qualquer dos RR, o facto de os três primeiros Réus serem tidos comumente por únicos herdeiros”.-------------------------------
U) Primeiramente, a recorrente falta conscientemente à verdade, uma vez que o aqui Recorrido na sua contestação explica exatamente a razão dos 6ºs réus e do 7º réu, estarem de boa-fé, e pelo qual tinham a total convicção de que os 1.º, 2.º e 3.º réus eram os únicos herdeiros do falecido e tinham assim legitimidade para vender o imóvel.---------------------------------------------------------
V) De facto, os 6.ºs réus e, consequentemente, o ora Recorrido (em virtude do financiamento bancário concedido a estes), não tinham qualquer motivo para desconfiar que os 1.º, 2.º e 3.º réus não seriam os únicos herdeiros de D (...) Santos, tendo realizado todas as diligências que permitiriam identificar a situação, motivo pelo qual estamos perante o chamado estado de boa-fé ética.        
W) Relembre-se que a aquisição da fração em questão foi efetuada, pelos 6.ºs réus no âmbito do processo executivo n.º (…), que corre – ou correu – os seus termos junto do 1.º Juízo, 1.ª Secção da Secretaria Geral de Execuções de Lisboa, na qual figuram como executados os ora 1.ª, 2.ª e 3.º réus, e como Exequente o Banco (…) (Portugal) S.A., sendo que a venda foi feita por negociação particular e foi nomeada encarregada da venda a Agente de Execução.-----------------------
X) Daqui se retira que nada indiciava que os 1.º, 2.º e 3.º réus não fossem os proprietários legítimos da fração “Z”, sendo impossível aos 6.º réus e ao 7º réu conhecer, por qualquer forma, a alegada existência de uma outra herdeira da herança aberta por óbito de D (...) Santos.------------------
Y) Mais, o facto de a venda ter ocorrido em sede de um processo judicial representou uma garantia adicional de que os 1.º, 2.º e 3.º réus tinham efetivamente legitimidade para vender o imóvel, uma vez que a regularidade da situação de venda foi necessariamente verificada pela Agente de Execução e pelo Tribunal. ------
Z) Carece igualmente de qualquer sentido lógico ou legal, a alegação de que o Meritíssimo Juiz a quo “inventou” um meio de “espoliar” a Autora.---------------------
AA) É a Lei da República Portuguesa, nomeadamente o seu Código Civil, que, no nº 2 do artigo 2.076º, estabelece que “a acção não procede, porém, contra terceiro que haja adquirido do herdeiro aparente, por título oneroso e de boa-fé, bens determinados ou quaisquer direitos sobre eles”.------------------------------------
BB) Sendo certo que é essa mesma Lei que determina que só nos casos de má-fé dos terceiros adquirentes é que acção de petição de herança poderá proceder contra os mesmos, mas para tal, a Autora, aqui Recorrente, teria de invocar factos dos quais, uma vez provados, se pudesse concluir pela má-fé dos adquirentes e dos beneficiários das garantias.------------------------------------
CC) O que, reitera-se, a Autora não fez, tendo inclusive admitido que os terceiros adquirentes agiram de boa-fé.          
DD) Já no que concerne ao argumento apresentado pela Recorrente, de que o Meritíssimo Juiz a quo contornou o enquadramento legal por si invocado, sempre se dirá que o juiz não está obrigado a aceitar o enquadramento jurídico que as partes oferecem para os factos alegados e provados, sendo livre na aplicação do direito, conforme resulta do estipulado no artigo 664º do Código de Processo Civil.
EE) Assim, à Autora cabe, em exclusivo, definir o objeto do litígio através da dedução das suas pretensões – ou seja, enunciar o pedido ou pedidos formulados por via da presente ação – e da correlativa alegação dos factos que integram a causa de pedir.         
FF) Sendo verdade que o princípio do dispositivo impede o Juiz de se substituir às partes no delinear e no configurar da lide não deixa de estar vigente o princípio (artigo 664.º do CPC) de que o Juiz não está sujeito à alegação das partes no tocante á indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”, servindo-se, contudo, e tão somente dos factos alegados pelas partes.--
GG)  “Da mihi factum dabo tibi ius”.----------------
HH) Concluindo, bem andou o Meritíssimo Juiz a quo quando enquadrou a presenta ação como sendo uma ação de petição da herança (prevista nos artigos 2.075.º e seg. do Código Civil).
II) Isto porque efetivamente, e conforme bem se vê, através da presente ação, a Autora pretende ver reconhecida a sua qualidade sucessória enquanto herdeira de D (…) Santos, com a consequente restituição dos bens da herança ou de parte deles, não só contra quem os possui – ou possuiu – enquanto herdeiro, ou por outro título.-----------------------------------------------------------
JJ) No caso concreto, da forma como a Autora configurou a ação, os 1.º, 2.º e 3.º réus sempre seriam possuidores dos bens da herança, que dispuseram destes mesmos bens a favor de terceiros, porquanto eram os 1.º, 2.º e 3.º réus quem atuava por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade sobre os bens da herança.---------------------------------
KK) Ora, de acordo com o n.º 2 do artigo 2.076.º do CC, a ação não procede contra terceiro adquirente de bens a herdeiro aparente, a título oneroso e de boa-fé, estando perante uma exceção à regra da inoponibilidade da venda de bens alheios ao verdadeiro titular. 
LL) Conforme os ensinamentos de Paulo Olavo Cunha “…há casos excepcionais em que a lei atribui ao adquirente de boa fé de coisa ou direito alheio uma protecção tal que se sobrepõe ao direito do verdadeiro titular. Isso acontece designadamente com a venda feita por herdeiro aparente de bens alheios…------------------
MM) Sobre o mesmo tema, Oliveira Ascensão refere: “As regras da reivindicação contra terceiro sofrem, todavia, um desvio, que traz um dos casos mais significativos de relevância da aparência na nossa ordem jurídica. Pode acontecer que o possuidor dos bens seja herdeiro aparente, isto é, pode ser “reputado herdeiro por força de erro comum ou geral” (artigo 2.076/3). Estabelece então o n.º 2 do mesmo artigo que a acção não procede contra terceiro que haja adquirido do herdeiro aparente, por título oneroso e de boa fé, bens determinados ou quaisquer direitos sobre eles”.----------------
NN) Concluindo, a sentença recorrida é de aplaudir, seja pela sua estruturação, seja pela sua clareza, e não enferma de qualquer contradição, não merecendo, por isso, qualquer censura jurídica.
d2) O réu G J (…) resume as suas alegações de recurso nas seguintes CONCLUSÕES:--------------------
“I. A recorrente interpôs o presente recurso impugnando o douto despacho saneador proferida pelo Tribunal a quo, que julgou parcialmente inepta a petição inicial com a consequente absolvição da instância do Recorrido, bem como da absolvição dos três primeiros réus do pedido de declaração de nulidade ou ineficácia da escritura de habilitação de herdeiros e do subsequente registo dos bens da herança com base na mesma.--------------------------------------
II. O Recorrido incidiu as suas contra-alegações relativamente à absolvição da instância por ineptidão da petição inicial, porquanto é relativamente a esta que é diretamente interessado.------------------------------------------------------
III. O Recorrido não conhece a Recorrente, nem qualquer outro Réu, e jamais efetuou qualquer negócio ou contrato com os mesmos.--------------------------------------
IV. O veículo automóvel descrito sob a verba n.º 35 de marca Audi, com a matrícula (…)não se encontra inscrito a favor do Recorrido, nem se encontrava aquando a propositura da ação. Não obstante o Recorrido já foi proprietário do referido veículo, em data anterior à propositura da ação.--------------------------
V. A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, considerou inepta a petição inicial efetuada pela Autora, por ausência da causa de pedir.-------------------------------------
VI. A ineptidão da petição inicial é uma exceção dilatória que conduz à abstenção do conhecimento do mérito da causa e à absolvição dos Réus da instância e tal exceção é de conhecimento oficioso do tribunal.--------------------------
VIII. Assim, a falta ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir, origina a nulidade de todo o processo, sendo esta uma das causas que determinam a absolvição do réu da instância, a decretar no despacho saneador, se antes não tiver sido indeferida liminarmente a petição.------------------------
IX. Alberto dos Reis em Comentários ao Código de Processo Civil, 2º, página 364, diz-nos que “se o autor exprimiu o seu pensamento em termos inadequados, se se serviu da linguagem tecnicamente defeituosa, mas deu a conhecer suficientemente qual o efeito jurídico que pretende obter, a petição será uma peça desajeitada e infeliz, mas não pode qualificar-se de inepta”.    
X. Como muito bem refere o mencionado autor “podem dar-se dois casos distintos: a) a petição ser inteiramente omissa quanto ao acto ou facto de que o pedido procede; b) expor o acto ou factos, fonte do pedido, em termos de tal modo confusos, ambíguos ou ininteligíveis, que não seja possível apreender com segurança a causa de pedir”. Tanto num caso como noutro a petição é inepta porque é impossível saber qual a causa de pedir.
XI. O nº 4 do artigo 581.º do Código de Processo Civil define a causa de pedir como sendo o facto jurídico de que o autor faz proceder o efeito pretendido.--------------------------
XII. Alberto dos Reis em Comentários ao Código de Processo Civil, 2º, página 381, diz-nos que “a causa de pedir deve estar para com o pedido na mesma relação lógica em que, na sentença, os fundamentos hão-de estar para com a decisão.          
XIII. Anselmo de Castro, em Direito Processual Civil Declaratório, vol.II, pág. 221, diz-nos que “para que a ineptidão seja afastada, requer-se, assim, tão só, que se indiquem factos suficientes para individualizar o facto jurídico gerador da causa de pedir e o objecto imediato e mediato da acção. Com efeito, a lei – artigo 193º, n.º 2 al. a) – só declara inepta a petição quando falta, ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir.--------------------------------------
XIV. Quanto à ininteligibilidade, afirma Rodrigues de Bastos em Notas ao Código Processo Civil, vol. I, página 253, “é necessário, porém, ter sempre presente que não é a obscuridade, a imperfeição ou equivocidade da indicação do pedido ou da causa de pedir que aquele preceito (correspondente à referida al. a), do nº 2, do artigo 186º) contempla, como bem se vê da redacção do n.º 3 do mesmo artigo.”--------------------------------
XV. No tocante à contradição entre pedido e causa de pedir, esta tem de se evidenciar entre o pedido, enquanto concreta pretensão jurídica formulada pelo autor, e a causa de pedir, enquanto facto ou factos jurídicos que se invocam para sustentar o efeito jurídico ou pedido, deduzido – artigo 498º, nº 3 e 4, do Código de Processo Civil.-------------------
XVI. A petição inicial tem de estabelecer um nexo entre as suas premissas (as razões de facto e de direito) e a conclusão (o pedido) e a sua falta leva à inexistência do objeto do processo.
XVII. Nos termos dos artigos 5º, nº 1 e 552º, nº1, al. d), do Código de Processo Civil, às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e as exceções. A petição inicial deve conter os factos que preenchem a previsão da norma jurídica na qual a parte funda o seu direito.
XVIII. O Autor está obrigado à alegação e prova dos factos que, segundo a norma substantiva aplicável, servem de pressuposto ao efeito jurídico por ele pretendido.--------------------
XIX. Ora na presente ação, a Autora, ora Recorrente pugna pela declaração de nulidade das transmissões efetuadas e no que respeita ao Recorrido, pela declaração de nulidade da venda do veículo automóvel com a matrícula (…).--
XX. Ora, a este propósito não pode deixar de se aplicar o disposto no artigo 2.076.º n.º 2 do Código Civil, segundo o qual a ação não procede, porém, contra terceiro que haja adquirido do herdeiro aparente, por título oneroso e de boa fé, bens determinados ou quaisquer direitos sobre eles…”-----------------
XXI. E na douta petição inicial não existe a alegação de qualquer facto que permita concluir pela má fé do Recorrido e contrariamente até se admite em 41º que este agiu de boa fé.
XXII. Assim, a má fé apenas é alegada pela Autora, relativamente aos primeiros, segundos e terceiros Réus.   
XXIII. Alega a Recorrente que a boa fé do Recorrido constitui matéria de exceção e como tal deveria ter sido invocada pelo mesmo e não pela Autora.---------------------
XXIV. Com o devido respeito pela referida opinião da Recorrente, não pode o Recorrido deixar de manifestar total discordância relativamente à mesma, na medida em que além da Autora, ora Recorrente não ter invocado a causa de pedir da referida ação, o Recorrido em sede de contestação alegou não conhecer a Recorrente, nem qualquer outro Réu, e jamais ter efetuado qualquer negócio ou contrato com os mesmos, o que na prática consubstancia a impossibilidade de existência de má fé da parte do Recorrido.-------------------------------------
XXV. Ora, tendo em conta que a ineptidão da petição inicial por inexistência de causa de pedir não é suscetível de aperfeiçoamento, uma vez que não estamos perante uma insuficiência ou imprecisão na exposição ou concretização da matéria alegada, mas perante a inexistência de causa de pedir, torna-se impossível de sanar a referida falta com o aperfeiçoamento da mesma, o que inevitavelmente deverá conduzir à nulidade do processo, daqui decorrendo a absolvição da instância do Recorrido, tal como foi doutamente decidido pelo Tribunal a quo.”-------------------------------
f) Colhidos os Vistos legais das Ex.mas Juízas Desembargadoras adjuntas cumpre agora apreciar e decidir.     
São as seguintes as questões abordadas nas Conclusões das alegações de recurso da apelante e a que importa dar solução:      
- Os factos descritos na petição inicial configuram uma típica acção de petição de herança ou o simples exercício do direito à declaração de nulidade de venda de bens alheios?-------------
- A petição inicial é inepta parcialmente por absoluta falta de alegação de factos integrantes da causa de pedir quanto aos réus adquirentes de bens ou beneficiários de garantias sobre eles constituídas?
- A escritura de habilitação de herdeiros é nula por conter afirmações proferidas perante o notário que não correspondem à realidade?----------------------------------------
- Os registos de aquisição do direito de propriedade efectuados com base nessa escritura de habilitação de herdeiros são nulos e de nenhum efeito na ordem jurídica?----
II - OS FACTOS
Relevantes para a decisão, para além dos factos descritos no antecedente relatório, salientando-se os descritos na alínea b2) pontos 1 a 6 da transcrição dos factos apurados tal como constam da sentença recorrida.----------------------------------
III - O DIREITO
a) Pretende a autora, invocando a qualidade de herdeira de D (...) Santos, a declaração de nulidade da escritura de habilitação de herdeiros outorgada pela cabeça de casal – ora primeira ré – por omissão, nesse acto, de qualquer referência à sua pessoa como herdeira, da qual resultaria a declaração de nulidade de todos os actos de alienação de bens sujeitos a registo entretanto efectuados pelos três primeiros réus, que nessa escritura de habilitação de herdeiros figuravam como únicos herdeiros de D (...) Santos.---
Na lógica do pedido formulado, a consequência da declaração de nulidade das vendas realizadas é a reposição do anterior status quo jurídico dos referidos bens, ou seja, a sua restituição à herança do falecido D (...) Santos, para efeito de eventual posterior partilha entre todos os interessados, de todos os bens que constituíam a herança.---------------------------------------------------
Nessa perspectiva os pedidos de declaração de nulidade da escritura de habilitação e dos actos de registo posteriores são verdadeiramente secundários e instrumentais dos pedidos de declaração de invalidade dos negócios através dos quais se operou a transferência do direito de propriedade dos imóveis e automóveis.----------------------------------------------------
Não obstante a cumulação com o pedido de indemnização formulado na alínea n) do pedido, estamos assim perante uma típica acção de petição de herança, na qual o herdeiro, invocando essa qualidade como no caso sucede, pede a restituição dos bens da herança, ou de parte deles, contra quem os possua, a qualquer título, sendo, portanto, indiferente o respectivo título de aquisição ou posse e as suas vicissitudes.--------------------------------------
Na base de diferente posição da autora acerca do enquadramento jurídico da situação exposta na petição inicial – a autora invoca a aplicabilidade do regime jurídico da venda de bens alheios – está o facto de ela não atender à especificidade do caso concreto e à circunstância de o seu interesse na declaração de nulidade dos negócios realizados pelos réus resultar, exclusivamente, da sua condição de herdeira e da sua intenção de beneficiar da titularidade dos bens da herança de seu pai.------------------------
b) Os réus identificados na petição inicial sob os números de ordem quarto a décimo segundo são terceiros no que se refere à sucessão hereditária do falecido D (...) Santos.---------------
Segundo alega a autora os três primeiros réus, com base na escritura de habilitação de herdeiros que os dava como únicos herdeiros do falecido D (…) Santos, venderam aos restantes réus os bens que identificam, tendo alguns deles onerado os bens em causa, em seu exclusivo benefício, através da constituição de hipotecas a favor dos bancos, também réus.--------------------
Estamos perante transmissões do direito de propriedade sobre bens sujeitos a registo realizadas a título oneroso.       
É sabido que a acção de petição de bens da herança contra terceiro que haja adquirido do herdeiro aparente a título oneroso improcede estando o adquirente de boa fé.----------------------------------
Isso mesmo estipula de forma inequívoca o artigo 2076.º n.º 2 primeira parte do Código Civil, em perfeita consonância com o princípio geral da tutela da boa fé de terceiro.--------
c) Funda-se a sentença recorrida, para declarar a ineptidão parcial da petição inicial, na circunstância de não terem sido alegados pela autora os factos relativos à má-fé dos réus adquirentes identificados sob os números de ordem quarto a décimo segundo.    
Na sentença impugnada considerou-se que, sendo um dos elementos da causa de pedir na acção de petição de herança a má-fé dos terceiros adquirentes, constituía ónus da autora alegar, e depois provar, terem os mencionados réus actuado com má-fé, pelo que, não o tendo feito nunca a acção poderia vir a ser julgada procedente quanto a eles.--------------------------------------
O artigo 5.º n.º 1 do Código de Processo Civil impõe ao autor a alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir, no caso, visto o disposto no artigo 2.076.º do Código Civil, ser a autora herdeira de D (...) Santos e terem sido alineados bens da herança, ainda por partilhar, sem a sua participação ou consentimento.------------------------------------------------------------
De acordo com as regras de distribuição do ónus da prova dos factos alegados (artigo 342.º do Código Civil), à autora compete alegar e provar esses factos porque constitutivos do direito a obter a declaração de nulidade dos contratos de compra e venda celebrados, com a consequente devolução dos bens à herança.--------------------------
Cabe, por sua vez, aos réus adquirentes desses bens alegar e provar os factos impeditivos do direito da autora, mais precisamente, tendo em conta a redacção do artigo 2.076.º n.º 2 do Código Civil, que se tratou de aquisição negociada com herdeiro aparente, que a aquisição foi feita a título oneroso e que agiram de boa fé.---------------------------------------------------------------
O artigo 2.076.º n.º 2 do Código Civil não estabelece na sua primeira parte o ónus de alegação pela autora de factos essenciais relativos à má-fé dos terceiros adquirentes [5], antes impõe aos réus adquirentes o ónus de alegação dos factos que impedem a procedência do direito por ela invocado, a saber: ter a aquisição sido feita de herdeiro aparente [6], ter sido a aquisição feita a título oneroso e terem actuado de boa fé.
d) Não integram, pois, a causa de pedir na acção de petição de herança os factos integradores da má-fé dos adquirentes, sendo a boa fé destes na celebração de contratos onerosos relativos a bens da herança matéria de excepção que cabe aos réus alegar e provar.     
Em conclusão, face ao exposto, não é inepta a petição inicial ao omitir qualquer referência à má fé dos réus terceiros adquirentes ou beneficiários das garantias constituídas sobre os bens identificados, não havendo nessa circunstância lugar à declaração de nulidade do processo quanto aos réus identificados sob os números de ordem quarto a décimo segundo nem à sua absolvição da instância.------------------------------------------------
Nesta parte merece provimento a apelação, devendo ser revogada nessa parte a sentença e ordenado o normal prosseguimento dos autos contra eles.-------------------------------------
e) Insurge-se ainda a autora apelante contra a improcedência do pedido de declaração de nulidade da escritura de habilitação de herdeiros outorgada pela primeira ré, com base na falsidade do teor das suas declarações.---------------------
Não lhe assiste, porém, razão, já que são de acolher inteiramente as razões que levaram a Sr.ª Juíza de Direito a julgar improcedente o pedido por si formulado na alínea a) do pedido formulado na petição inicial---------------------------------
f) A questão da validade e eficácia da escritura pública de habilitação de herdeiros que contenha afirmações não correspondentes com a realidade prestadas por cabeça de casal tem sido abordada, pela doutrina e pela jurisprudência, de forma tendencialmente uniforme, convergindo na conclusão de que a escritura não padece de nulidade se tiverem sido observados os requisitos formais exigidos pela lei, perdendo a sua capacidade probatória em relação aos factos declarados perante a autoridade pública quando se demonstre a sua falsidade.----------
O sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de março de 2012, de que foi relator o Sr. Juiz Conselheiro Granja da Fonseca (Recurso de Revista 180/2000.E1.S1 consultável em www.dgsi.pt) , resume lapidarmente a questão:             
“I - Apesar da escritura notarial de habilitação de herdeiros ser um documento autêntico, o notário que a exarou não garante a veracidade nem a eficácia das declarações que lhe foram feitas (…). Ou seja, os actos e declarações que o notário atesta como tendo sido praticados, emitidos ou prestados perante ele terão o valor jurídico que lhes competir, podendo ser impugnadas pelos interessados, nos termos gerais de direito.-------------------------
II - Provada a falsidade dessas declarações, o documento perde, consequentemente, a sua eficácia como fonte de prova dos factos cobertos pela presunção legal, mas não perde, por isso, a sua existência jurídica nem a sua validade.-------
III - Porque na formação dessa escritura não se preteriu qualquer formalidade que a lei exige, encontrando-se os efeitos da falsidade circunscritos à perda da força probatória do documento, os vícios apontados não geram a nulidade ou anulabilidade da escritura notarial de habilitação de herdeiros (…)”.--------------------
g) Acolhem-se inteiramente nesta sede os argumentos do citado acórdão, como o fez a sentença impugnada.
E porque o pedido de declaração de nulidade da escritura pública de habilitação de herdeiros assenta na falsidade das declarações prestadas pela cabeça de casal ora ré perante a autoridade pública e a falsidade das declarações prestadas não é causa de nulidade da escritura, improcede nessa parte a apelação, mantendo-se a decisão que julgou improcedente o pedido de declaração de nulidade da escritura de habilitação de herdeiros.----
h) Por último, a autora manifesta a sua discordância em relação à parte da decisão que julgou improcedente a declaração de nulidade dos actos de registo da aquisição dos bens imóveis, automóveis e quotas sociais, a favor dos três primeiros réus – habilitados através da escritura de habilitação de herdeiros de D (...) Santos.---------------------------------------------------------------------
i) Relativamente aos bens sujeitos a registo, sendo o registo da aquisição do direito de propriedade dos bens aqui em causa feito com base numa escritura de habilitação de herdeiros sem correspondência com a realidade no que tange à identidade dos herdeiros do falecido D (…) Santos (tendo em conta as regras da vocação sucessória), a inscrição no registo dos três primeiros réus como únicos titulares desses direitos, precisamente porque baseada num título cujo teor não corresponde à realidade, é nula nos termos do artigo 16.º alínea a) do Código de Registo Predial.-----------------------------------------
j) A função primordial do registo quanto aos bens a ele sujeitos, é dar publicidade à situação jurídica dos bens, cuja está – reforçada pela presunção do artigo 7.º do Código de Registo Predial de que o direito existe e nos termos definidos no registo – numa relação de justificação com a segurança no seu comércio jurídico.-------------------------------------------------------------------
Um vício na formação do registo como aquele de que se trata nestes autos influi decisivamente os pressupostos do direito inscrito, com a inevitável quebra ao nível da presunção dele derivada.-----------------------------------------------------------
Em suma, não correspondendo à realidade a escritura de habilitação de herdeiros outorgada pela primeira ré enquanto cabeça de casal da herança de D (...) Santos não beneficiam os três primeiros réus, enquanto únicos herdeiros habilitados, da presunção de titularidade do direito de propriedade, em comum e partes iguais, dos bens pertencentes à herança que foram transacionados com os restantes réus adquirentes.-------
k) Por outro lado, decorre do artigo 17.º n.º 2 do Código de Registo Predial que da declaração de nulidade do registo efectuado com base em título de aquisição falso não resultam afectados os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé desde que – e esse é o índice da boa fé dos adquirentes que o legislador assumiu – o registo desses actos seja anterior ao registo da acção de anulação.         
Donde se conclui que, ponderados os interesses em jogo, não obstante a existência de um vício da formação do registo de que resulta a sua nulidade, o legislador salvaguardou de forma equilibrada a presunção da realidade do facto tal como decorre do registo, o rigor do seu sancionamento e os interesses de terceiros adquirentes do direito que estejam de boa fé.-----------------------
f) Termos em que se entende que, contráriamente ao decidido na sentença impugnada, deve ser declarada a nulidade dos registos de aquisição dos bens pertencentes à herança de D (...) Santos a favor dos três primeiros réus efectuados com base na escritura de habilitação de herdeiros outorgada no dia 2 de julho de 2009.-------------------------------------------------------------------------
IV – DECISÃO
Termos em que, julgando parcialmente procedente a apelação interposta pela autora:-----------------
- Se revoga a douta sentença impugnada na parte em que declarou inepta a petição inicial quanto aos réus identificados sob os números de ordem quarto a décimo segundo na petição inicial e se ordena o prosseguimento dos autos tendo em vista a apreciação do mérito da causa no que se refere aos pedidos contra eles formulados;------------------------------------------------
- Se confirma a douta sentença impugnada no que se refere à (não) declaração de nulidade da escritura de habilitação de herdeiros outorgada pela primeira ré em 2 de julho de 2009;-------------------------------------------------------------------------
- Se revoga a douta sentença impugnada na parte em que julgou improcedente o pedido de declaração de nulidade dos actos de registo de aquisição do direito de propriedade a favor dos três primeiros réus dos bens da herança de D (...) Santos com base na mencionada escritura de habilitação, declarando tais actos de registo nulos, sem embargo do disposto no artigo 17.º nº 2 do Código de Registo Predial.-----------------------------
Custas pela apelante e pelos apelados, definindo-se a sua responsabilidade tributária, respectivamente, em um terço para a primeira e dois terços para os segundos.

Lisboa, 25 de fevereiro de 2021
Manuel José Aguiar Pereira
Maria Teresa Batalha Pires Soares
Octávia Machadinho Viegas
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[1] José Alberto Gonzalez e Rui Januário – Direito e Prática Notarial, págs. 18-19
[2] Manuel de Andrade – Noções Elementares de Processo Civil, página 227
[3] Lebre de Freitas – A Falsidade no Direito Probatório páginas 154-157,
[4] Código de Processo Civil Anotado, volume III, artIgo 533º, nota 1.
[5] Conclusão diversa só seria possível numa formulação de teor positivo da previsão do artigo 2.076.º, nº 2 primeira parte do Código Civil que estabelecesse que a acção de petição de herança só poderia proceder contra o terceiro adquirente se ele estivesse de má fé.
[6] Com o conteúdo dado a tal expressão no artigo 2076.º n.º 3 do Código Civil.