Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ISABEL MONTEIRO | ||
Descritores: | OMISSÃO DE PRONÚNCIA CONTRAORDENAÇÕES NULIDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/19/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | I. Não há omissão de pronúncia nos termos do artigo 379, nº1 c) do C.P.P na sentença proferida em recurso de contraordenação, após a realização de audiência de discussão e julgamento, designada nos termos do artigo 64º, nº 1, do Regime Geral de Contraordenações e Coimas, quando já tenha havido pronúncia no âmbito do artigo 63º, do citado diploma, a respeito de nulidades a titulo de questões prévias, que poderiam obstar ao conhecimento do mérito da causa, do que se faz referência no relatório da sentença recorrida. II. Constituindo uma das soluções plausíveis da questão de direito, o conhecimento das nulidades, nos termos do disposto nos artigos no artigo 311º, nº 1, 2, al. a) e 3 b) do Código de Processo Penal, “ex vi” artigo 58º, e 41º, do Regime Geral de Contraordenações e Coimas, no despacho de recebimento do recurso, (artigo 63º do R.G.C.C.) com prévio cumprimento do direito ao contraditório, que pode ser escrito, não enferma tal despacho de qualquer invalidade. III. Ainda que se entenda que o despacho onde se conhece das nulidades deva ser proferido no âmbito do artigo 64º, do R.G.C.C. não o tendo sido, daquele cabia recurso nos termos do nº 2, do artigo 63º, ou da alínea d) do nº1, do artigo 74º, do citado diploma, e não tendo havido formou-se caso julgado, por o vício em causa - nulidade do artigo 379º, nº 2 do C.P.P.- ser sempre suprível. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência os Juízes Desembargadores, da 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa. I - RELATÓRIO 1. No dia 9 de julho de 2024, foi proferida sentença na primeira instância, depositada em 10.07.2024 que terminou com o seguinte dispositivo: “VI- DECISÃO Termos em que, concede-se provimento parcial ao recurso interposto por AA, e, em consequência: a) Condena-se a sociedade arguida AA, a título negligente, pela prática da contra-ordenação grave, p. e p. pelo art. 31º, n.º 5, alínea b) da Lei n.º 34/2013 de 16/05 (REASP), sancionável nos termos previstos da alínea k) do n.º 2, e n.º 4, al. b) do art. 59ºdo mesmo diploma legal, na coima situada no limite mínimo legal, no valor de €3.750,00 (três mil setecentos e cinquenta Euros); b) Mantém-se a condenação da sociedade arguida no pagamento das custas de processo administrativo, nos termos do art.º 92º do RGCC, no montante de €51,00 (cinquenta e um Euros). Sem custas. Notifique e deposite.” * 2. Inconformado com a sua condenação, o arguido interpôs recurso da decisão, concluindo a respetiva motivação nos seguintes termos: [transcrição] “VII. CONCLUSÕES A. Os presentes autos têm origem em duas ações de fiscalização realizadas em farmácias da Recorrente, sendo que, numa dessas ações de fiscalização, realizada na ..., sita, à data, na ..., levou à instauração do processo de contraordenação n.º …2021. B. Nessa sequência, foi proferida a Decisão Condenatória n.º .../2022, pelo Secretário-Geral do Ministério da Administração Interna, datada de .../.../2022, que condenou a Arguida no pagamento de uma coima no valor de € 8.250,00 (oito mil duzentos e cinquenta euros), acrescida de custas no montante de € 51,00 euros (cinquenta e um euros). C. Inconformada, a Recorrente impugnou judicialmente a decisão da autoridade administrativa, tendo o Tribunal a quo procedido à especial atenuação da coima aplicada, fixando-a no montante de 3.750,00 euros (três mil e quinhentos euros). D. O recurso ora interposto versa apenas sobre a parte da sentença proferida pelo Tribunal a quo a respeito processo de contraordenação n.º …/2021 em que condenou a Recorrente pela alegada violação do artigo 31.º, n.º 5, alínea b) da Lei n.º 34/2013 ,na medida que a mesma se encontra ferida de omissão de pronúncia e erro de julgamento na aplicação do direito aos factos provados (error juris). E. Com efeito, o Tribunal a quo decidiu parcialmente do recurso através de despacho proferido em 10/01/2022, apreciando, sem mais, as nulidades arguidas pela Recorrente. F. E fê-lo sem a anuência da Recorrente. G. Ora, o artigo 64.º, n.º 1 e 2 permite que, nos casos em que o Tribunal entenda que está em condições de decidir por despacho, possa fazê-lo desde que o Arguido e o Ministério Público não se tenham oposto a tal intenção. H. E, não sendo esse o caso, não pode o Tribunal decidir do recurso, total ou parcialmente, através de simples despacho. I. Contrariamente ao que sucede no Direito Processual Penal, em que as nulidades e questões prévias podem ser conhecidas em atos decisórios previstos nos artigos 311.º e 338.º do CPP, o Direito da Contraordenações obedece, neste conspecto, a uma disciplina própria, não podendo o recurso ser parcialmente por despacho sem a consulta dos intervenientes processuais, conforme determina o RGCO. J Termos em que, não tendo a Recorrente sido consultada para se pronunciar sobre a decisão (ainda que parcial) por despacho do Recurso, verifica-se uma nulidade por via do artigo 119.º, c) do CPP, aplicável ex vi do artigo 41.º do RGCO, devendo ser declarada a nulidade do despacho proferido em 10/01/2022, nos termos do artigo 122.º, n.º 1 e 2. K. Em decorrência desta circunstância, o Tribunal a quo acabou por proferir uma sentença em que não se pronunciou sobre as nulidades invocadas pela Arguida, incorrendo assim em omissão de pronúncia. L. Alegou a Recorrente em sede de impugnação que se verificava (i) falta de identificação e narração dos factos que serviram de fundamento ao juízo de imputação subjetiva na notificação recebida para efeitos de defesa; (ii) ausência de narração dos factos que permitissem inferir a imputação objetiva determinada pela autoridade na decisão impugnada (iii) falta de identificação e narração dos factos que fundamentassem o juízo de imputação subjetiva realizada na decisão impugnada; (iv) a ausência de identificação do agente concreto da pessoa coletiva que teria efetivamente praticado a alegada contraordenação. M. E, por estes fundamentos, a notificação recebida para defesa e a decisão condenatória deveriam ter sido consideradas nulas, por preterição do disposto nos artigos 7.º, n.º 2, 50.º e 58.º, n.º 1, todos do RGCO. N. Porém, o Tribunal a quo foi totalmente omisso quanto a estas nulidades, pois que da sentença recorrida nada consta quanto às mesmas. O. Uma vez que tal situação constitui o vício de omissão de pronúncia, deve o Venerando Tribunal julgar e declarar nula a sentença proferida pelo Tribunal a quo, nos termos e para os efeitos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP. P. De todo o modo, caso não se considere pela nulidade do despacho que decidiu parcialmente do recurso, com a consequente omissão de pronúncia da sentença, vejamos como, no limite, o Tribunal a quo incorreu, ainda assim, em erro na aplicação do direito aos factos provados. Q. Em primeiro lugar, existe erro de julgamento na apreciação da questão suscitada pela Recorrente quanto à nulidade da notificação recebida para efeitos de defesa nos termos do artigo 50.º do RGCO. R. A Recorrente teve oportunidade de esclarecer e invocar que a notificação enviada pela Autoridade Administrativa não foi minimamente suficiente para o exercício do seu direito de defesa, razão pela qual deveria ser fulminada de nulidade. S. Esta exigência faz todo o sentido pois, designadamente quanto à imputação subjetiva, é da maior relevância que a Arguida possa compreender se os factos lhe estão a ser imputados a título de dolo ou negligência e, com isto, preparar a sua defesa. T. O Mandado de Notificação recebido pela ora Recorrente refere até que os factos foram praticados, presumivelmente, de forma voluntária e consciente. U. Mas nada mais se diz, pelo que a Arguida recebeu uma notificação de onde consta que a Autoridade Recorrida presume que agiu de forma voluntária e consciente, sem qualquer justificação ou fundamentação para esta suposta presunção. V. Quanto a essa circunstância, o Tribunal “a quo” apenas refere que “… a nulidade por falta do exercício do direito de defesa implica que ao visado não lhe tenham sido fornecidos todos os elementos necessários para que este fique a conhecer os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito. Não é evidentemente o caso, porquanto, para além de tais elementos terem sido efectivamente comunicados à arguida, a mesma apresentou defesa escrita, das quais se conclui que compreendeu perfeitamente o que lhe estava a ser imputado, improcedendo nesta parte a nulidade invocada.”. W. Tal raciocínio não poderá proceder, uma vez que não é verdade que tenham sido dados a conhecer à Arguida todos os elementos necessários para que se pudesse defender. A Recorrente continua sem perceber em que medida é que a autoridade administrativa considerou que os factos foram praticados de forma voluntária e consciente. X. Ao que acresce que não se pode aceitar que o facto de a Arguida ter apresentado defesa exclui, de alguma forma, a existência da referida nulidade. Se assim fosse, sempre que um arguido apresentasse defesa escrita em que abordasse a existência de uma nulidade, tal quereria dizer que essa nulidade não existe. Y. A introdução de conceitos abstratos e em nada relacionados com as circunstâncias do caso tiveram, naturalmente, um impacto na perceção da Arguida, no que concerne à acusação que lhe vinha dirigida, coartando o seu direito de defesa. Z. Termos em que a notificação recebida para o exercício do direito de defesa é nula, por preterição do artigo 50.º do RGCO. AA. Pelo que o Tribunal a quo decidiu erradamente ao julgar não verificada a nulidade da notificação recebida pela Arguida para os efeitos do artigo 50.º do RGCO e, consequentemente, do processado posterior. BB. Verifica-se igualmente a nulidade da decisão condenatória por omissão absoluta da narração dos factos justificativos do juízo de imputação objetiva vertido na decisão condenatória, vício que o Tribunal a quo considerou, erradamente, no entender da Recorrente, como não verificado. CC. Nos termos do artigo 58.º, n.º 1, do RGCO, a decisão condenatória que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter “(…) b) a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas; c) a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão; d) a coima e as sanções acessórias (…)”. DD. A decisão administrativa deve, assim, conter os elementos essenciais para, caso haja impugnação, valer como acusação e, caso não haja, valer como decisão condenatória. EE. Os requisitos previstos no artigo 58.º, n.º 1, do RGCO visam, assim, assegurar ao arguido a possibilidade de compreender a decisão e exercer efetivamente dos seus direitos de defesa, que só poderá existir verdadeiramente com um conhecimento dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e das condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão. FF. Porém, a decisão condenatória em questão não possui factos, mas antes meros conceitos jurídicos e expressões conclusivas. GG. Existindo, assim, para efeitos do disposto no artigo 58.º, n. 1, alínea b), do RGCO, vício da insuficiência da matéria de facto provada, razão pela qual casos em que existe um vício de insuficiência da matéria de facto estamos perante uma nulidade da decisão, de harmonia com o disposto nos artigos 374.º, n.os 2 e 3 e 379.º, n.º 1, a), ambos do CPP. HH. Por outro lado, considerou o Tribunal a quo, de igual modo, que não se verificava qualquer nulidade quanto à omissão absoluta da narração dos factos justificativos do juízo de imputação subjetiva. II. Explicando que “Seguramente que não estamos na presença de uma técnica jurídica refinada, no que concerne à descrição factual do conceito de negligência, mas é entendimento pacífico que na fase administrativa do processo de contra-ordenação, caracterizada pela celeridade e simplicidade processual, o dever de fundamentação tem uma dimensão qualitativamente menos intensa em relação à sentença penal.” JJ. O que, no entender da Recorrente, não pode, em caso algum, justificar a pobreza do teor da Decisão Condenatória. KK. É que, mesmo admitindo que na fase administrativa o dever de fundamentação possa até ser menos intenso, fruto da simplicidade que é característica de tipo de processo, a verdade é que tal não pode significar, pura e simplesmente, a não realização do exercício de imputação subjetiva/fundamentação. LL. Repita-se: da decisão administrativa condenatória apenas constam juízos conclusivos, ou mesmo meras transcrições da letra da lei, não concretizados em factos a partir dos quais se possa inferir tais juízos. MM. Trata-se apenas de uma transcrição e conceitos jurídicos que podiam aplicar-se a este ou a qualquer outro processo de contraordenação, em que não existe uma referência concreta ao comportamento da Recorrente, isto é, à contratação de uma empresa especializada para se encarregar das questões afetas ao tema de videovigilância em momento anterior à ação inspetiva. NN. Ou de que forma é que o seu comportamento, sendo outro, seria mais adequado para evitar o resultado. OO. O exercício de imputação subjetiva não se esgota na escolha binária entre condenar a Arguida a título de dolo ou negligência: é necessária uma integração dos factos alegadamente praticados, e uma conclusão devidamente fundamentada sobre porque é que, no caso concreto, e tendo em conta as circunstâncias verificadas, se optou pela imputação a título de negligência ao invés de, por exemplo, se concluir pela ausência de responsabilidade contraordenacional. PP. Na verdade, a Recorrente, já às portas do Tribunal da Relação de Lisboa, ainda não compreendeu em que factos se baseia a suposta negligência da sua conduta ou, de outro modo, que grau de diligência adicional lhe era exigido, uma vez que tal não vem descrito na decisão condenatória (excluindo, naturalmente, as considerações abstratas e genéricas aplicáveis a qualquer caso de escola de conduta negligente). QQ. Existe, pois, in casu, para efeitos do disposto no artigo 58.º, n. 1, alínea b), do RGCO, vício da insuficiência da matéria de facto provada, e por isso perante a nulidade da decisão, de harmonia com o disposto nos artigos 374.º, n.os 2 e 3 e 379.º, n.º 1, a), ambos do CPP, invocável em sede de recurso de impugnação e de conhecimento oficioso. RR. Ademais, a imputação a título de dolo ou negligência exige a verificação dolosa ou negligente por parte de uma ou mais pessoas físicas que, atuando no exercício das suas funções, em nome e no interesse dessa sociedade, tenha praticado a contraordenação. Assim o dita a nossa jurisprudência sobre o tema. SS. Porém, nada consta a esse respeito na decisão administrativa, em absoluto desrespeito pelo artigo 7.º, n.º 2 do RGCO. TT. Pelo que a decisão deveria ter sido fulminada de nulidade pelo Tribunal a quo, o que não se verificou, em manifesto erro de julgamento. UU. Por fim, na apreciação da determinação da sanção a aplicar, o Tribunal a quo entendeu que se encontrava vedada a possibilidade de aplicação de admoestação. VV. Porém, tendo em conta as circunstâncias que no caso concreto se verificam, entende a Recorrente que apenas se justificaria a aplicação desta sanção, pelo que o Tribunal a quo incorreu em erro na determinação da sanção a aplicar. WW. Com efeito, decorre do artigo 51.º, n.º 1, do RGCO que “quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação”. XX. A gravidade da contraordenação revela o seu grau de ilicitude e este afere-se pelo modo de execução da infração, pela gravidade das suas consequências e pela natureza dos deveres violados. YY. Sendo certo que, como resulta da mais recente jurisprudência nesta matéria, a gravidade da infração não se infere de um juízo geral e abstrato, descontextualizado da factualidade relevante à infração, mas antes que “a comprovação em concreto da falta de gravidade da infracção justifica a substituição de coima pela admoestação” ZZ. A lei veda ao julgador a possibilidade de aplicar a pena de admoestação apenas na prática de infrações de natureza laboral classificada quer como grave, quer como de muito grave, por tal resultar tipificado na lei, inexistindo igual previsão no RGCO ou na Lei n.º 34/2013. Em coerência com esta opção legislativa, a possibilidade de ser proferida admoestação não está afastada nos presentes autos. AAA. A culpa do agente, nas contraordenações, não corresponde a culpa jurídico-penal, baseada numa censura ética, dirigida à pessoa do agente como expressão de uma atitude interna pessoal juridicamente desaprovada e pela qual o arguido tem, por isso, de responder perante as exigências do dever ser da comunidade. BBB. A medida de admoestação tem como pressupostos que, em concreto, se verifique uma diminuição da gravidade da contraordenação e da culpa do agente, a aferir por referência a um padrão médio da gravidade da contraordenação e da culpa do agente, de modo tal que, no caso concreto, a imagem global da gravidade da contraordenação e da culpa do agente se apresente inferior ao que é comum. CCC. No caso dos autos, estão verificados os aludidos dois pressupostos, que permitem aplicar à Recorrente a medida de admoestação. DDD. Decorre da factualidade dada como provada que, por um lado, a gravidade das alegadas infrações cometidas pela Arguida não é robusta à luz do critério gravidade supra referido e, por outro lado, que a mesma agiu com culpa reduzida. EEE. Ficou demonstrado que, no absoluto limite, a Arguida agiu com negligência inconsciente, não obteve quaisquer vantagens patrimoniais com a prática da contraordenação, não possui antecedentes neste tipo de contraordenações e não provocou qualquer dano, uma vez que todos os Utentes que entrassem na farmácia ficavam a conhecer a existência do sistema de videovigilância através da sinalética existente. FFF. Assim, por se encontrarem verificados os pressupostos para ser aplicada a admoestação, deve este Venerando Tribunal determinar a substituição da coima por esta sanção. GGG. Face a todo o exposto, a sentença proferida pelo Tribunal a quo violou os seguintes preceitos normativos: a. Artigo 31.º, n.º 5, alínea b) da Lei n.º 34/2013; b. Artigos 7.º, n.º 2, 50.º, 51.º, n.º 1, e 58.º, n.º 1, 64.º, n.º 1 e 2 todos do RGCO; c. Artigos 119.º, c), 374.º, nº 2 e 3, 379.º, n.º 1, a) e c), e 410.º, n.º 2, a) e n.º 3, todos do CPP. Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, e, em conformidade, revogada a sentença recorrida na parte em que condenou a Recorrente pela alegada violação do artigo 31.º, n.º 5, alínea b) da Lei n.º 34/2013 , sendo substituída por outra que julgue procedente a impugnação da decisão de aplicação de coima. Subsidiariamente, caso assim não se entenda, sempre haverá lugar à substituição da coima aplicada por admoestação. * 3. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal a quo, subindo imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, ou seja, nos termos legais. * 4. O Ministério Público, em 1º instância, apresentou resposta à motivação do recurso, concluindo pela sua improcedência, essencialmente, com base na fundamentação da decisão recorrida, concluindo o seguinte [Transcrição] “EM SÍNTESE E CONCLUSÃO 1. Não existe qualquer fundamento válido, factual ou legal, para o recurso apresentado; 2. O tribunal a quo fez uma análise completa da situação em apreço e justificou exaustivamente o seu sentido; 3. Não se verifica a nulidade do Despacho proferido em 10/01/2023, posto que se tratou de um despacho de saneamento dos autos, que não afectou os direitos da Recorrente, que pôde fazer seguir o recurso; 4. Não se verifica erro de julgamento quanto à nulidade da notificação recebida para efeitos de defesa, nem erro de julgamento relativo à nulidade da decisão de aplicação de coima por omissão absoluta da narração dos factos justificativos do juízo de imputação objetiva e subjectiva; 5. A gravidade da contraordenação em causa é de gravidade já assinalável, assim como é considerável a culpa do recorrente, pelo que não se afigura viável a admoestação; 6. Isto considerado, e por não merecer qualquer reparo, deve manter-se integralmente a decisão proferida. Assim decidindo, V. Exas. farão a acostumada JUSTIÇA! * 5. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer, devidamente fundamentado, pugnando pela improcedência do recurso, louvando-se da resposta em primeira instância. * 6. Foi dado cumprimento ao nº2, do artigo 417º, do Código de Processo Penal, tendo a recorrente apresentado resposta, reiterando pela procedência do recurso. * 7. Não tendo sido requerida audiência, o processo foi à conferência, após os vistos legais, respeitando as formalidades legais [artigos 417º, 7 e 9, 418º, 1 e 419º, 1 e 3, c), todos, ainda do mesmo texto legal]. * 8. Questões a decidir Para definir o âmbito do recurso, a doutrina (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V). e a jurisprudência (como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo seguido de forma uniforme por todos os tribunais superiores portugueses, até ao presente: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo nº. 30/09.7GCCLD.L1.S1.) são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso. A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito. Atento o teor do relatório atrás produzido, importa decidir as questões substanciais a seguir concretizadas – sem prejuízo de outras de conhecimento oficioso -, que sintetizam as conclusões do recorrente, constituindo, assim, o seu thema decidendum: - Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379, nº 1 c) do Código de processo Penal (daqui em diante C.P.P.) por desta não constar a decisão das nulidades que haviam sido já decididas no despacho proferido em 10/01/2023 e erro de julgamento no que tange ao decidido neste despacho. - Dos vícios conhecidos no despacho de 10/01/2023, (nulidade da decisão de aplicação de coima por omissão absoluta da narração dos factos justificativos do juízo de imputação objetiva; nulidade da notificação recebida para efeitos de defesa; nulidade da decisão de aplicação de coima por omissão absoluta da narração dos factos justificativos do juízo de imputação subjetiva) - Da errada determinação da concreta sanção a aplicar, que deve ser substituída por admoestação. * II – OS FACTOS PROCESSUAIS RELEVANTES Perante as questões suscitadas no recurso torna-se essencial, para a devida apreciação do seu mérito, recordar a fundamentação em matéria de facto vertida na decisão recorrida: “Foram julgadas improcedentes as questões prévias/nulidades da notificação recebida para efeitos de defesa e da decisão de aplicação da coima, bem como, a ausência de imputação objetiva e subjetiva da decisão recorrida.” A esse respeito havia sido decidido por despacho proferido em 10/01/2023, após ter sido dado contraditório ao Ministério Público, do que a recorrente foi notificada em 12/01/2023, que [transcrição] “AA, NIF …, com sede na …, veio impugnar judicialmente a decisão de contraordenação proferida pelo SIGMAI, no âmbito dos processos de contra-ordenação n.º processo …/2021 e n.º …/2021, que aplicou à sociedade arguida, em cúmulo jurídico, uma coima única no valor de €8.250,00, pela prática de uma contraordenação grave prevista e punida, pelo art. 31º nº 5 alínea b), 59º nº 2 alínea K) e 59º nº 4 alínea b) todos do REASP(Lei 34/13 de 16.05, republicada pela Lei 46/19 de 08/07) e pela prática de uma contraordenação leve, prevista e punida pelo art. 11º, 59º nº 3 e 59 nº 4 alínea a) todos do RESP (Lei 34/13 de 16.05, republicada pela Lei 46/19 de 08/07). A arguida/recorrente veio impugnar a decisão administrativa tendo invocado entre o mais: - A nulidade da notificação recebida para efeitos de defesa e da decisão de aplicação de coima; - A ausência de imputação objetiva da decisão recorrida; - A ausência de imputação subjetiva da decisão recorrida; O recurso foi recebido. Notificado para se pronunciar sobre as questões prévias invocadas pela sociedade arguida, o Ministério Público tomou posição, na douta promoção que antecede. O Tribunal é o competente. § A sociedade arguida invoca, como questões prévias, que a decisão da autoridade administrativa não indica de forma concreta e fundamentada a sua responsabilidade quanto às alegadas contraordenações, entendendo que as acusações formuladas são ilegais. Mais alega que a decisão administrativa é omissa quanto à imputação objectiva e subjectiva das contraordenações em si. O Ministério Público entende que as notificações realizadas à sociedade arguida, bem como, as decisões da Autoridade Administrativa não padecem de qualquer vício, sendo inteiramente válidas. Cumpre apreciar e decidir: Dispõe o art.º 1º do Regime Geral das Contra-Ordenações (doravante RGCO) que, constitui contra-ordenação todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima. Prevê o art.º 58º do RGCO, os requisitos da decisão administrativa, na parte em que agora releva, devendo a decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias conter: a) A identificação dos arguidos; b) A descrição dos factos imputados com indicação das provas obtidas; c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão; d) A coima e as sanções acessórias. O estabelecimento destes requisitos, no que à decisão administrativa condenatória respeita, prende-se com a necessidade de, em observância do comando previsto no nº 10 do art.º 32º da Constituição da República Portuguesa, assegurar ao coimado o exercício efectivo do direito de defesa. Por sua vez, estabelece o art.º 8º, nº 1 do RGCO que, só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência, não sendo, pois, possível, a punição do agente pela prática de uma contra-ordenação, independentemente da censurabilidade do facto, não podendo existir responsabilidade contra-ordenacional sem culpa o que vale dizer que o princípio da culpa tem plena vigência no direito de mera ordenação social. Porém, este princípio não assume no Direito das Contra-Ordenações a densidade que tem no Direito Penal, tendo aqui uma maior flexibilidade dogmática e probatória - cf. Augusto Silva Dias, in Direito das Contra-Ordenações, 2018, Almedina, pág. 65. Para esta flexibilidade, continua o autor citado, concorre a circunstância de o parâmetro normativo no Direito das Contra-Ordenações ser constituído pelo papel social: no centro da imputação subjectiva e da censura estão as representações, procedimentos e comportamentos típicos do papel em cada sector da actividade económica e social: o empresário, o contribuinte, o condutor, o intermediário financeiro, etc., diligentes e criteriosos. O papel é densificado mediante o conjunto de deveres, práticas e usos que regulam o exercício de cada sector de actividade e se espera que cada participante cumpra ou adopte. No plano da imputação subjectiva, em particular na negligência, o papel fornece o padrão de cuidado cujo incumprimento constitui o desvalor da acção. No plano da culpa, a censura tem o sentido de uma admonição ou reprimenda social, de um mandato ou especial advertência conducente à observância de certas proibições ou imposições legislativas e o conteúdo ou objecto da censura é o desempenho defeituoso do papel, ou seja, o desvio relativamente ao procedimento-padrão no sector da actividade em causa. Como é sabido, o RGCO não contém a definição de dolo e de negligência, havendo que lançar mão das definições contidas no Cód. Penal - art.º 14º e 15º - consistindo o dolo no conhecimento e vontade de praticar o facto descrito na norma que prevê a contraordenação e a negligência na omissão do cuidado devido, que acarreta a realização do facto descrito naquela norma. Por isso, devem ter-se por verificados estes requisitos quando as indicações constantes da decisão bastem para permitir ao arguido o exercício da defesa (cf. Simas Santos e Lopes de Sousa, Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 5ª Edição, 2009, Vislis, Editores, pág. 454). O exercício do direito de defesa pressupõe, desde logo e além do mais, o conhecimento pelo visado dos factos que lhe são imputados, aqui se incluindo quer os factos objectivos ou exteriores, quer os factos subjectivos ou interiores. Todos eles devem, portanto, constar da decisão sob pena de nela (decisão) não ser imputada ao arguido, uma “completa” contra-ordenação, não sendo permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contraordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre – art. 50º do RGCO. In casu, a sociedade arguida foi notificada nos termos que resultam dos autos, com a entrega dos autos de notícia e cópia dos restantes anexos que deram origem aos presentes autos. Analisando tal documentação, cumpre dizer que, atento o carácter sintético da narração dos factos (que nesta sede se concede), dos mesmos resultam as infracções concretas que estão a ser imputadas à sociedade arguida, aqui recorrente, afigurando-se perfeitamente perceptível e cognoscível as notificações realizadas. De facto, tenha-se presente que qualquer homem/mulher médio(a) ao ler os autos de notícia e respectivos anexos, bem como, das notificações consegue extrair claramente o tipo de ilícito que lhe está a ser imputado. Na verdade, nos autos de notícia são descritos os factos concretos subjacentes ao ilícito em causa, descrevendo-se exactamente, que a sociedade arguida não tinha afixado no interior do seu estabelecimento (...) um dístico de aviso CCTV, em local bem visível onde constasse a menção “para sua proteção este local é objeto de videovigilância” e que no caso da ..., apesar de ter instalado um sistema de videovigilância, não comunicou como devia, no prazo de 5 dias à força policial territorialmente competente, essa circunstância, conforme obrigação e directivas legais (também devidamente assinaladas). Ademais, nas notificações realizadas constam todos os elementos obrigatórios nos termos legais (art. 243º do Cód. de Processo Penal), donde se extrai, claramente, o que é imputado à sociedade arguida. Ora, a nulidade por falta do exercício do direito de defesa implica que ao visado não lhe tenham sido fornecidos todos os elementos necessários para que este fique a conhecer os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito. Não é evidentemente o caso, porquanto, para além de tais elementos terem sido efectivamente comunicados à arguida, a mesma apresentou defesa escrita, das quais se conclui que compreendeu perfeitamente o que lhe estava a ser imputado, improcedendo nesta parte a nulidade invocada. Por outro lado, a motivação fáctica da decisão administrativa, não deixa dúvidas quanto ao circunstancialismo de tempo e lugar, os motivos, imputando à arguida a violação dos deveres de cuidado que lhe eram exigíveis por via do exercício da sua actividade profissional, bem como, como as normas infringidas, concluindo que a sociedade arguida, agiu com negligência. Seguramente que não estamos na presença de uma técnica jurídica refinada, no que concerne à descrição factual do conceito de negligência, mas é entendimento pacífico que na fase administrativa do processo de contra-ordenação, caracterizada pela celeridade e simplicidade processual, o dever de fundamentação tem uma dimensão qualitativamente menos intensa em relação à sentença penal. Além do mais, sempre se dirá que a sociedade arguida, através da impugnação judicial que deduziu, revelou perfeito entendimento dos factos que lhe foram imputados na decisão administrativa e do título a que o foram assim ficando demonstrado, também por esta via, que a fundamentação da decisão foi suficiente para permitir o exercício do direito de defesa e, portanto, que a mesma observou as exigências do art. 58º, nº 1 do RGCO. Assim, considera-se que a descrição factual contida na decisão administrativa – objectiva e subjectiva – é bastante para preencher o tipo objectivo e subjectivo da contraordenação nela imputada, e para permitir, como permitiu, o efectivo exercício do direito de defesa pela sociedade arguida, pelo que, com ressalva do respeito devido, não enferma da nulidade invocada. Por último, refere ainda recorrente que a decisão recorrida se limita a identificar o legal representante da arguida, sem identificar quem atuou em nome desta, razão pela qual, não havendo sequer identificação do putativo agente, não pode a arguida ser responsabilizada nos termos do art.º 7º, nº 2 do RGCO. Com efeito, já muito se problematizou sobre o tema, assistindo-se a uma orientação dominante no seio da jurisprudência dos tribunais superiores [cf., v.g., os acórdãos do TRL de 27.062019 (proc. n.º5840/14.OECLSB.L1), 10.11.2020 (proc. n.º 3638/18.6T8CSC.L1-5), 12.01.2021 (proc. n.º 1874/19.7), do TRE de 01.09.22, 26.06.2018 (proc. n.º 3716/17.9T9STB.E1), do TRG de 27.01.2020 (proc. n.º 510/19.6T8FAF.G1) e do TRC de 13.10.2021 (proc. n.º 3682/20.3T9LRA.C1), contrária à posição da sociedade arguida, a qual encontrando sustentação em parte da doutrina [cf., v.g. Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Regime Geral das Contraordenações”, Universidade Católica Editora, págs. 52/53], surge ainda alcandorada no Parecer do Conselho Consultivo da PGR, n.º 11/2013 [in D.R., 2.ªSérie, n.º 178, 16.09.2013). Também no acórdão n.º 566/2018 (proc. n.º 336/18) o Tribunal Constitucional concluiu não existirem razões para questionar e desconsiderar a referida interpretação extensiva do art.º 7º, n.º 2, do RGCO, reproduzindo-se, a respeito: “Acresce que o termo “órgão”, do ponto de vista conceptual, não está necessariamente associado a um centro autónomo e institucionalizado de poderes funcionais- a uma realidade institucional ou estatutária (…). Por isso mesmo, são descortináveis diversas definições legais de “órgão”, consoante os fins concretamente visados pelo diploma em que as mesmas se inserem (…). Na perspetiva material da actividade dos entes coletivos (por contraposição à perspetiva da sua estrutura organizatória) – que é aquela que releva a propósito da imputação de condutas individuais a uma pessoa coletiva -, pode entender-se o órgão como o indivíduo cuja atuação é imputada ao ente coletivo. Estando em causa uma conduta correspondente a uma declaração de vontade, é evidente que as regras estatutárias sobre os processos deliberativos internos tendem a assumir maior relevância (cfr. a mencionada definição legal constante do artigo 20.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo). Mas, tratando-se de simples atuações materiais, nada obsta a que a imputação se fundamente com base numa atuação em nome do ente coletivo e no seu interesse (representante) ou na circunstância de o mesmo indivíduo dispor no âmbito de tal ente de autoridade ou de uma posição de liderança para controlar a respetiva atividade. Nessa medida, faltando uma definição legal própria aplicável no domínio específico do RGCO, e abstraindo de argumentos teleológicos e outros argumentos sistemáticos (por exemplo, uma maior adequação ao princípio da equiparação consignado no artigo 7.º, n.º1, do RGCO), não se pode ter por absolutamente incompatível com o sentido literal do termo “órgão” referido no artigo 7.º, n.º 2, do RGCO um entendimento extensivo do mesmo, na linha da previsão das alíneas a)e b) do n.º 2 e do n.º 4 do artigo 11.º do Código Penal. De resto, o artigo 32.º do RGCO reforça tal entendimento: «[e]m tudo o que não for contrário à presente lei aplicar-se-ão subsidiariamente, no que respeita à fixação do regime substantivo das contraordenações, as normas do Código Penal» (e, não, por exemplo, as do Código do Procedimento Administrativo)”. Na situação concreta está em causa a ausência de qualquer aviso de informação alusiva ao sistema de videovigilância acompanhado de simbologia legal em estabelecimento comercial da arguida e comunicação da instalação do sistema de videovigilância à força policial territorialmente competente - factos só possíveis com o consentimento da ora recorrente, enquanto detentora das infraestruturas - sobre si recaindo, pelas razões expostas, a responsabilidade pelo ilícito contraordenacional que lhe vem imputado, a tal não obstando a não identificação da (s) concreta(s) pessoa(s) singular(es) que, no seio da instituição procedeu às acções e/ou omissões indevidas. Isto porque, considerando a complexidade que pode ter uma organização empresarial, em certos casos pode tornar-se ineficaz a procura de identificação do agente concreto, já que o acto em si poderá ter de passar por mais de um órgão, não sendo por vezes fácil determinar a pessoa concreta que agiu, exigindo-se, apenas, a certeza que a infração foi cometida no seio da instituição (in casu, da pessoa coletiva em si). Em face do exposto, conclui-se improceder também nesta parte o recurso interposto pela arguida. Notifique. D.N.” § Sendo possível a apreciação de mérito do presente recurso por despacho, notifique o Ministério Público e a recorrente para, querendo, no prazo de dez dias, expressarem a sua eventual oposição a essa forma de conhecimento de recurso - art.º 64º n.º2 do RGCO. Como a recorrente não expressou a sua concordância, foi realizada audiência de discussão e julgamento que incidiu sobre o remanescente objeto do processo. Na sequência da realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida decisão que declarou a prescrição da contraordenação n.º …/2021 e no que respeita ao Processo n.º 1454/2021, fez constar “III- FUNDAMENTAÇÃO FACTOS PROVADOS Com interesse para a boa decisão da causa, consideram-se assentes os seguintes factos: Processo n.º 1454/2021 1) No dia ........2020, pelas 09h:50m, no âmbito de uma acção de fiscalização, os agentes fiscalizadores, dirigiram-se à “...”, sita na ..., propriedade da sociedade arguida; 2) O local alvo de fiscalização procede à venda de produtos farmacêuticos, com o alvará n.º ... do Infarmed, Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P. 3) Pelas suas características, o referido estabelecimento está obrigado a cumprir com requisitos de segurança específicos, tais como a adopção de um sistema de videovigilância e sistema de detecção de intrusão; 4) O estabelecimento possuía sistema de videovigilância, composto por 14 câmaras e um gravador, o que estavam em conformidade com a legislação em vigor; 5) O estabelecimento possuía ainda um alarme de intrusão; 6) Na entrada do estabelecimento existia um dístico relativo ao sistema de videovigilância, mas não existia nenhum dístico de CCTV no interior do estabelecimento alvo de fiscalização; 7) O representante legal da sociedade arguida é AA; 8) A arguia violou a sua obrigatoriedade de afixar no interior do seu estabelecimento, o dístico de aviso de CCTV, em local bem visível, onde constasse a menção “Para sua protecção este local é objecto de videovigilância”. 9) O comportamento pouco zeloso e diligente por parte da sociedade arguida mostra-se desfasado do tipo de actuação que uma proprietária de um estabelecimento que possui sistema de videovigilância devia adoptar, o que revela uma atitude interna específica da culpa negligente; 10) A negligência supõe o poder/dever de o responsável, embora não pretendendo cometer a infracção, ter, no entanto, o poder ou a possibilidade de actuar de modo diferente por forma a impedir que ela se modificasse. Aliás, nem necessário é que aquele tenha conhecimento de que a infracção esteja ou possa ser cometida (em tal caso poder-se-ia até cair no dolo, na sua forma eventual), bastando que omita u se demita do exercício dos seus deveres e do cumprimento dos normativos legais e deveres especiais que a está obrigado; 11) A arguida agiu com negligência consciente, a qual se infere e decorre da materialidade fáctica em que se consubstancia a infracção, por a culpa resultar da omissão de um dever geral de cuidado ínsito à violação de norma em causa, já que é exigível aos proprietários e/ou utilizadores de sistema de videovigilância afixar dístico de aviso de CCTV onde constem as menções obrigatórias e que estejam conforme a lei. Provou-se ainda que: 12) A sociedade recorrente acatou a sugestão dos agentes fiscalizadores e adquiriu, logo após acção de fiscalização, o dístico em falta, que continua, actualmente afixado. 13) A sociedade recorrente não retirou benefícios económicos com a contraordenações praticada. 14) A sociedade arguida não possui antecedentes pela prática da mesma infração que lhe é imputada nos presentes autos. 15) A sociedade arguida (...) aufere de lucro, cerca de 5 milhões de Euros ao ano (sem considerar as despesas) empregando cerca de 29 pessoas. FACTOS NÃO PROVADOS Não se provaram outros factos com relevo à boa decisão da causa. §§§ MOTIVAÇÃO O tribunal estribou a sua convicção, no que respeita à factualidade julgada provada, na prova documental junta aos autos (auto de notícia de fls. 2 e suporte de fls. 3, assim como as fotografias de fls. 156/159 (docs. 2 a 4 juntas com a impugnação judicial) e bem assim nas declarações produzidas pelo representante legal da sociedade arguida AA e nos depoimentos das testemunhas BB (agente da PSP) e CC (directora técnica da ...), em sede de audiência de discussão e julgamento. Com efeito, quer o representante legal da sociedade arguida, bem como a testemunha CC, espontaneamente, confirmaram o objecto social da sociedade arguida, pessoas que ali laboram, bem como, que o local em si é dotado de um sistema de videovigilância e de um sistema de detecção de intrusão, o qual se encontrava em conformidade com as normas legais – cfr. auto de notícia de fls. 2. Mais deram conta que na data dos factos, apenas se encontrava afixado na porta exterior da Farmácia, o dístico relativo ao sistema de videovigilância, estando em falta o dístico colocado no interior da mesma, sendo que, prontamente, a testemunha CC diligenciou junto da empresa que lhes efectuou a instalação do sistema de videovigilância, que prontamente, lhes foram colocar o dístico em falta – cfr. fls. 156/159 – o que ainda hoje se mantém. Por sua vez, a testemunha BB, prestando o seu depoimento de forma isenta, confirmou ao Tribunal a factualidade descrita na decisão administrativa em conformidade com o que fez constar no auto de notícia de fls. 2 e fls. 3 de suporte, que levantou. Do cotejo da prova produzida, resultou, pois, demonstrada a factualidade elencada. Mais se apurou pela globalidade da prova produzida que a arguida e recorrente, até pela natureza e dimensão da actividade exercida (conforme declarações do representante legal da sociedade arguida), tinha a obrigação de actuar de forma diligente e de conhecer as regras que lhe eram aplicáveis e no exercício da sua actividade, o que não fez, sendo certo que as obrigações respeitantes a sistemas de videovigilância impende não sobre as empresas contratadas, neste caso, pela Farmácia em si, para a instalação dos sistemas de videovigilância e assistência técnica, mas sobre quem titula e explora esses mesmos estabelecimentos. Destarte, nenhuma dúvida foi suscitada quanto ao modo como os factos ocorreram e nenhuma outra prova foi aferida pela defesa que permita infirmar o entendimento acima explanado. Relativamente aos factos subjectivos, por presunção natural e regras da experiência comum, permite-se dá-los como materialmente verdadeiros. A verdade objecto do processo não é uma verdade ontológica ou científica, é uma convicção prática firmada em dados objectivos que, directa ou indirectamente, permitem a formulação de um juízo de facto. A situação actual económica da sociedade recorrente, bem como, as pessoas que nela laboram, decorreram das declarações sinceras por parte do representante legal da empresa AA. Quanto à ausência de antecedentes contra-ordenacionais por parte da sociedade arguida, o Tribunal atendeu à informação provinda e actualizada por parte da autoridade administrativa que antecede. §§§ * III – FUNDAMENTAÇÃO Tendo em conta a natureza das questões submetidas no recurso, importa respeitar as regras da precedência lógica a que estão submetidas as decisões judiciais (artigo 608º, nº 1 do Código de Processo Civil, “ex vi” do artigo 4º do Código de Processo Penal). Em processo de contraordenação, o regime de recurso interposto para o Tribunal da Relação de decisões proferidas em primeira instância, deve observar as regras específicas referidas nos artigos 73º a 75º do DL 433/82, de 27/10, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 244/95, de 14/9 e pela Lei n.º 109/2001, de 24/12 (Regime Geral das Contraordenações), seguindo, em tudo o mais, a tramitação do recurso em processo penal (art.º 74º, n.º 4), em função do princípio da subsidiariedade genericamente enunciado no art.º 41.º, n.º 1, do RGCO. O Tribunal da Relação apenas conhece, em regra, da matéria de direito, como estatui o n.º 1 do artigo 75.º do RGCO, sem prejuízo de poder “alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida” ou “anulá-la e devolver o processo ao tribunal recorrido” (cf. art.º 75.º, n.ºs 1 e 2 do RGCO). No caso, e ainda que a decisão recorrida se tenha debruçado sobre as contraordenações processo n.º 373/2021 e do processo n.º 1454/2021, restringe a recorrente o objeto do recurso a esta última. * 3.1. - Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379, nº 1 c) do Código de processo Penal (daqui em diante C.P.P.) por desta não constar a decisão das nulidades que haviam sido já decididas no despacho proferido em 10/01/2023 e erro de julgamento no que tange ao decidido neste despacho. Preceitua o art.º 379º, do C.P.P, sob a epígrafe à “nulidade da sentença”, que: 1 - É nula a sentença: a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F; b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º; c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. 2 - As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º 3 - Se, em consequência de nulidade de sentença conhecida em recurso, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido, o recurso que desta venha a ser interposto é sempre distribuído ao mesmo relator, exceto em caso de impossibilidade. De acordo com o n.º 3, do art.º 410º, do CPP, “o recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal à matéria de direito, e inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.” Haverá omissão de pronúncia quando o tribunal (qualquer um deles) não conheça de questões de apreciação obrigatória, seja porque foram colocadas pelos sujeitos processuais, seja porque, apesar de o não terem sido, são de conhecimento oficioso. Trata-se de um incumprimento do dever de resolver todas as questões submetidas à apreciação do tribunal e/ou que sejam de conhecimento oficioso, excetuando aquelas cuja apreciação esteja prejudicada pela solução dada a outra. Já o excesso de pronúncia apenas ocorre quando o tribunal (também qualquer um deles) conheça de questões que não lhe era lícito conhecer, porque não foram colocadas pelos sujeitos processuais e não são de conhecimento oficioso, i.e., há um incumprimento do dever de não apreciar “questões” subtraídas ao conhecimento oficioso e que não tenham sido suscitadas pelas partes. Por “questão” deverá ser entendido todo e qualquer problema concreto (não já os motivos, argumentos ou pontos de vista e doutrinas expostos pelos sujeitos processuais) que seja submetido à apreciação do tribunal pelos intervenientes processuais, desde que sobre eles o julgador não esteja legalmente impedido de se pronunciar, e bem assim os de conhecimento oficioso. Com efeito, como refere o Ac. TRL de 08.05.2019, o vocábulo legal -“questões”- não abrange todos os argumentos invocados pelas partes. Reporta-se apenas às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, às concretas controvérsias centrais a dirimir. Isto é, como refere o Ac. TRG de 16.05.201, "pronúncia" cuja falta ou "omissão" determina a consequência prevista no art.º 379º, nº 1, al. c), do CPP - a nulidade da sentença – deve incidir sobre problemas ou questões em sentido técnico e não sobre os motivos ou argumentos; é referida ao concreto objeto que é submetido à cognição do tribunal e não aos motivos ou razões alegadas. As consequências da falta de pronúncia é a nulidade da decisão. Na situação “sub iudice” o recurso apenas versa sobre parte da sentença proferida pelo Tribunal “ a quo”, mais concretamente sobre a contraordenação sob o nº 1454/2021, que condenou a recorrente por violação do artigo 31º, nº 5, al. b) da Lei nº 34/2013, na medida em que omitiu, na sentença, pronuncia a respeito das nulidades invocadas na impugnação, pois que as mesmas foram conhecidas no despacho proferido pelo Tribunal “a quo”, em 10.01.2023, mas sem a anuência da recorrente, por isso, em violação do artigo 64º, nº 1 e 2, do Regime Geral das Contraordenações e Coimas, doravante R.G.C.C. razão pelo qual, argumenta-se por esta via de recurso, que se verifica a nulidade por via do artigo 119º, al, c) do C.P.P. “ex vi” artigo 41º, do R.G.C.C. devendo consequentemente, o Tribunal declarar a nulidade de tal despacho, nos termos do artigo 122º, nº 1 e 2, do C.P.P. Revisitando a sentença recorrida, somos a verificar que desta se fez constar a respeito das aludidas nulidades no seu relatório, que “Foram julgadas improcedentes as questões prévias/nulidades da notificação recebida para efeitos de defesa e da decisão de aplicação de coima, bem como a ausência de imputação objetiva e subjetiva da decisão recorrida. O processo seguiu os seus ulteriores termos, tendo-se realizado audiência de julgamento com observância das formalidades legais.” Assim, evidencia-se que por um lado neste procedimento houve lugar à realização de audiência de discussão e julgamento, a que alude o artigo 64º, nº 1, do R.G.C.C. e que por outro que as questões cujo conhecimento se acusa ter sido omitido, foram conhecidas pelo Tribunal “a quo”, por despacho proferido, no processo, em 10.01.2023, referência citius 140919297, tendo ali sido decidida a improcedência das nulidades, as quais foram: (i) falta de identificação e narração dos factos que serviram de fundamento ao juízo de imputação subjetiva na notificação recebida para efeitos de defesa; (ii) ausência de narração dos factos que permitissem inferir a imputação objetiva determinada pela autoridade na decisão impugnada (iii) falta de identificação e narração dos factos que fundamentassem o juízo de imputação subjetiva realizada na decisão impugnada; (iv) a ausência de identificação do agente concreto da pessoa coletiva que teria efetivamente praticado a alegada contraordenação: e que são questões de natureza prévia e que na sua procedência obstariam ao conhecimento do mérito da causa. Perfilhou o Tribunal “a quo” o entendimento que, remetidos os autos de contraordenação pelo Ministério Público ao Juiz, nos termos do artigo 62º, do R.G.C.C. passa a decisão impugnada, da autoridade administrativa a valer como acusação, cabendo ao Juiz proferir despacho de aceitação ou não do recurso, conforme estipulado no artigo 63º, do citado diploma. Assim, foi no âmbito do artigo 63º, do R.G.C.C. que a Senhora Juíza, proferiu o despacho de 30.10.2022, onde não só aferiu da tempestividade do recurso e do respeito pelas exigências de forma, previstas no artigo 59º, nº 3, do R.G.C.C., como ainda deu o contraditório ao Ministério Público, para que se pronunciar a respeito das nulidades, suscitadas pela recorrente na sua impugnação à decisão administrativa, (e que como verificamos se inscrevem no âmbito do artigo 58º, do R.G.C.C. )- com vista a vir a apreciar a existência de nulidades, exceções, ou questões prévias, impeditivas do conhecimento do mérito da causa, estribada no artigo 311º, nº 1, 2, al. a) e 3 b) do Código de Processo Penal, “ex vi” artigo 58º, e 41º, do Regime Geral de Contraordenações e Coimas,- e assim ficar habilitada ou não a poder vir a conhecer do mérito do recurso, e só depois daria, como efetivamente deu, cumprimento ao disposto no artigo 64º, do citado regime geral. O entendimento seguido pelo Tribunal “a quo” tem respaldo jurisprudencial, desde logo, no Acórdão nº 1441/08.1 de 28.10.2008 do Tribunal da Relação de Évora, disponível in www.dgsi.pt., para cujos fundamentos se remete, e de onde resulta uma interpretação ampla do artigo 63º, do R.G.C.C. com aplicação subsidiária das normas processuais penais, por força do artigo 41º, do R.G.C.C. Por contraponto, está a doutrina e a jurisprudência que perfilha o entendimento que não vendo a decisão administrativa como uma acusação mas como sentença, simplificada, atentas as exigências do artigo 58º, do R.G.C.C. designadamente de fundamentação do decidido, sustentam uma interpretação literal do artigo 63º, do R.G.C.C. por via do que remetem o conhecimento entre outras questões, das nulidades, exceções ou questões prévias, suscitadas na impugnação, para o âmbito do artigo 64º, do R.G.C.C., vindo a aplicar os artigos 414º e 417º, e o regime das nulidades da sentença previsto nos artigos 379º, nº 2 e 374, todos do Código de Processo Penal, “ex vi” artigo 41º, do R.G.C.C. Finalmente ainda há quem entenda que «o processo de contraordenação constitui uma realidade sui generis que representa um meio termo [um tertium genus] entre o tradicional processo administrativo sancionador e o tradicional processo criminal». Por isso, algumas das suas especificidades, como seja a típica característica de se iniciar como um puro processo administrativo, com a inerente instrução e culminando na decisão que, não sendo impugnada, assume carácter executivo – v.arts.88º a 91º do RGCO -, mas que, sendo impugnada, reveste a vertente de verdadeiro processo judicial, tornando-se a decisão administrativa numa decisão-acusação – cf. art.º 62º, nº.1, do RGCO , cf. Manuel Ferreira Antunes, in “Reflexões sobre o Direito Contra-Ordenacional”, SPB Editores, 1997, a pág.161. Num entendimento literal do artigo 63º, do R.G.C.C questões como a incompetência absoluta ou relativa do tribunal, da ilegitimidade do recorrente, da litispendência, ou caso julgado, ou de nulidades da decisão impugnada que não seja de mérito, só podem ser conhecidas no âmbito do artigo 64º, do R.GG.C.C. e assim exigem que o Juiz expresse o seu entendimento, -de que não é necessário a realização de audiência de discussão e julgamento e que pode tomar a decisão no processo por despacho, - que a tal os sujeitos processuais não se podem opor, o que significa que nada dizendo ou opondo-se, a audiência de discussão e julgamento tem sempre de ser realizada, para ali vir a ser exercido o contraditório e conhecidas aquelas questões, ainda que não de mérito do recurso. Todavia tal entendimento, olvida que o nº3, do artigo 64,º do R.G.C.C. alude, apenas a decisões finais do processo, ao dispor que o despacho pode ordenar o arquivamento,( prescrição) absolvição do arguido ou manter ou alterar a condenação, ao contrário das decisões de suprimento de vícios da decisão administrativa, que não implicam decisões de mérito. Já quem, como o Tribunal “a quo”, faz uma interpretação ampla do artigo 63º, do R.G.C.C, no âmbito do qual conhece da tempestividade do recurso, da forma do recurso apresentado, como ainda de qualquer outras questões que não de mérito do recurso, desde logo da incompetência absoluta ou relativa do tribunal, da ilegitimidade do recorrente, da litispendência, do caso julgado, e de nulidades da decisão impugnada, após cumprido o contraditório, e para cujo conhecimento, não se exige a anuência dos sujeitos processuais, fá-lo por tais despachos não conhecerem de forma final o objeto do processo, não proferindo uma decisão ao abrigo do nº3, do artigo 64º, do R.G.C.C.. Foi na sequência deste entendimento que Tribunal “a quo” proferiu a decisão de 10.01.2023, que teve por objeto as nulidades da decisão da autoridade administrativa, suscitadas na impugnação da recorrente, depois de ter havido contraditório do Ministério Publico, visando avaliar da eventual procedência de alguma delas, caso em que, remeteria o processo à autoridade administrativa, para suprir a eventual nulidade e repetir os atos afetados pela mesma, (o que estaria inscrito n o âmbito do artigo 63º, do R.G.C.C.) - por não recair sobre o mérito, pois qualquer outra decisão, que contendesse com o termo do processo, “de arquivamento do processo, (prescrição) de absolvição do arguido, ou de manutenção ou alteração da condenação haveria de ser proferido com a observância do artigo 64º, do citado diploma. No caso, o Tribunal “a quo” concluiu, no aludido despacho, pela inexistência das suscitadas nulidades, pelo que, determinou a notificação da arguida recorrente e do Ministério Público de tal decisão e ainda perspetivando poder ser possível vir a ser conhecido o mérito do recurso, determinou a notificação dos sujeitos processuais, a recorrente e o Ministério Publico, para atenta a possibilidade de conhecimento do recurso por despacho, nos termos do artigo 64º, nº2, do R.G.C.C. tomarem posição. Tendo sido conhecidas no âmbito do artigo 63º, as nulidades, sem a anuência dos sujeitos processuais, tal decisão foi notificada à recorrente/arguida em 12.01.2023 referência Citius141902592 e o Ministério Público, em 16.01.2023. Nos termos do nº2, do artigo 63º, do R.G.C.C. de tal despacho há recurso com subida imediata, como no entendimento de que tal despacho foi proferido no âmbito do artigo 64º, do citado diploma, sem a concordância do recorrente há recurso nos termos do artigo 73º, d) do R.G.C.C. Na situação em apreço, conhecidas as nulidades e uma vez que a recorrente não deu o seu acordo para a decisão do remanescente do objeto do processo, por despacho, veio a ser realizada audiência de discussão e julgamento, na sequência da qual foi proferida em 9.07.2024 sentença, agora recorrida, pelo que, o mérito da contraordenação não foi conhecida por despacho. Em face do exposto, e estando em causa questões de direito que podiam obstar ao conhecimento do mérito da causa, suscitadas pela recorrente no exercício dos seus direitos de impugnação e a respeito das quais não se iria produzir prova e por referência ás quais foi exercido o contraditório pelo Ministério Público, não se vislumbra em que medida saiu afetado o direito de defesa da recorrente, por não se impor que tais questões só pudessem ser conhecidas após a realização de audiência de discussão e julgamento, sendo a solução de que o Tribunal “a quo” lançou mão, uma das plausíveis para conhecer da questão de direito, que aliás têm consagração legal, nos artigos 311º, e 338º, ambos do C.P.P. direito que pode ser aplicável no âmbito do Regime Geral das Contraordenações e Coimas, por força do seu artigo 41º. Veio a recorrente, no recurso interposto da sentença proferida nos autos, em 10.09.2024, repristinar a questão das nulidades, invocando que na sentença estas questões não foram conhecidas, suscitando a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, já que não deu o seu aval nos termos do nº2, do artigo 64º, do R.G.C.C. à decisão das questões prévias, por despacho, de 10.01.2023 cuja declaração de nulidade requer. Olvida a recorrente que sobre o despacho proferido em 10.01.2023 e que conheceu da (i) falta de identificação e narração dos factos que serviram de fundamento ao juízo de imputação subjetiva na notificação recebida para efeitos de defesa; (ii) ausência de narração dos factos que permitissem inferir a imputação objetiva determinada pela autoridade na decisão impugnada (iii) falta de identificação e narração dos factos que fundamentassem o juízo de imputação subjetiva realizada na decisão impugnada; (iv) a ausência de identificação do agente concreto da pessoa coletiva que teria efetivamente praticado a alegada contraordenação, não foi tempestivamente interposto recurso, pelo que, sobre o mesmo se formou caso julgado. Ainda que não se conceda que o despacho de 10.01.2023, sofra de qualquer invalidade, tendo este despacho final, sobre as aludidas questões transitado em julgado, haverá de ter-se por sanada qualquer irregularidade ou nulidade. Senão vejamos: - Os artigos 118º a 123 todos do C.P.P neste âmbito aplicáveis “ex vi” artigo 41º, do R.G.C.C regulam, em geral, as consequências da inobservância das prescrições estabelecidas por lei (o processo penal está subordinado ao princípio da legalidade) para a prática dos atos processuais geradoras de invalidade. No entanto, estas não esgotam esta temática, pois há que atender a numerosas outras normas dispersas pelo código relativas a atos ou vícios determinados. As invalidades são os efeitos dos desvios ao modelo prescrito na lei a que esta faz corresponder uma inutilização mais ou menos extensa dos atos processuais. A lei processual penal cataloga tais invalidades em três espécies, (não se cuidará da inexistência por não haver interesse para a situação em apreço) as quais sejam: as nulidades insanáveis– art.º 119 –, as nulidades dependentes de arguição – art.º 120 – e as irregularidades– art.º 123. O art.º 118º n 1 e 2 estabelece que a violação ou inobservância das disposições da lei de processo só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei e que, nos casos em que a lei não comina a nulidade, o ato ilegal é irregular. Tal significa que, não basta a inobservância ou a simples violação de disposição legal, exige-se que a nulidade esteja expressamente prevista, como consequência da violação da lei ou pressupostos por esta exigidos. Não estando prevista a nulidade para a inobservância ou para a violação da lei, a invalidade que estará em causa será a irregularidade do ato, (nº2, do artigo 118 do C.P.P.). Uma vez que, só quando a lei comina as imperfeições dos atos com a consequência da nulidade, esta tem caráter de exceção, pois a regra para a imperfeição dos atos é a da irregularidade, regendo-se o regime das nulidades pelo princípio da tipicidade, também designado por princípio da legalidade e da taxatividade ou numerus clausus, como estipula o art.º 118º n.º 1, do C.P.P. De resto, o objetivo é, precisamente, não considerar todas as imperfeições do ato, no mesmo plano, antes graduar os efeitos dos vícios formais em razão da sua essencialidade e gravidade, onde a regra é a irregularidade e a exceção a nulidade. Assinale-se que a norma do art.º 118º n.º 1 não consente, por outro lado, a aplicação analógica: as nulidades são típicas, taxativamente indicadas na lei, não havendo, por isso, lacunas a preencher. Contrapondo-se à irregularidade do ato as nulidades, tipificadas na lei, distinguem-se entre nulidades insanáveis, ou absolutas, e nulidades dependentes de arguição, ou relativas. A fim de se poder declarar que o ato é nulo, é necessário que a lei expressamente comine a nulidade, como ainda se tal nulidade for insanável, importa que a lei explicitamente assim o preveja, pois as demais nulidades, são dependentes de arguição, é o que decorre da conjugação das normas dos artigos 119º e 120º, ambos do C.P.P onde o primeiro enumera, quais as nulidades insanáveis e o segundo exige, que qualquer nulidade diversa das previstas no primeiro deve ser arguida. Por isso, também, no que respeita às nulidades insanáveis vigora o princípio da tipicidade, que implica que a lei as designe, enquanto que as demais são dependentes de arguição. As nulidades insanáveis são, por definição, insuscetíveis de reparação, podendo ser conhecidas a todo o tempo na pendência do procedimento, oficiosamente ou a pedido. Todavia não podem porém ser declaradas após a formação de caso julgado sobre a decisão final que, neste aspeto, atua como forma de sanação. A regra geral é a de que as nulidades relativas e as irregularidades ficam sanadas, se não forem acusadas, nos prazos legais de arguição. Prazos que, quanto às nulidades, são o prazo geral de 10 dias previsto no art.º 105º n.º 1 do C.P.P e os prazos específicos previstos nos art.º 120, n.º 3 do citado diploma. Podendo a sanação ocorrer, ainda, por via da assunção das atitudes tipificadas no aludido art.º 121º do C.P.P. As irregularidades, essas, haverão de ser arguidas no próprio ato em que ocorrerem, quando os interessados estejam presentes. Não tendo assistido ao ato, devem os interessados suscitá-las “nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado” – art.º 123º n.º 1, do C.P.P. Podendo, ainda, reparar-se oficiosamente a irregularidade que possa afetar o valor do ato praticado, no momento em que dela se tomar conhecimento. Tal como a(s) nulidade(s), também a irregularidade determina a invalidade do ato a que se refere e dos termos subsequentes que possa afetar – art.º 123º n.º 1 e 122º n.º 1 ambos do C.P.P. Revisitando a decisão recorrida, e o processado dos autos, verificamos que foi cumprido o artigo 64º, do R. G. C. C tendo sido realizada audiência de discussão e julgamento, onde se conheceu do mérito do recurso, uma vez que a recorrente não aceitou a decisão por despacho. O despacho que conheceu das questões prévias, suscitadas pela recorrente no exercício dos seus direitos de impugnação, que se configuravam como questões de direito, a respeito das quais não se iria produzir prova, e por referência às quais foi exercido o contraditório pelo Ministério Público, inscreveu-se no âmbito do artigo 63º, do R.G.C.C não se vislumbrando em que medida saiu afetado o direito de defesa da recorrente, por não se impor que tais questões só pudessem ser conhecidas, após a realização de audiência de discussão e julgamento, e por tal solução ser uma das plausíveis da questão de direito, que aliás têm consagração legal, nos artigos 311º, e 338º, ambos do C.P.P. direito que foi aplicado no âmbito do Regime Geral das Contraordenações e Coimas, por força do seu artigo 41º deste diploma. Ainda que se perfilhe outro entendimento, não se prefigura ou se surpreende ter existido, em concreto, qualquer invalidade, seja irregularidade ou nulidade, suprível e muito menos insuprível, pois os vícios da sentença / despacho, do artigo 64º do R.G.C.C. seriam sempre sanáveis, (cf. art.º 379º, nº 2, do C.P.P. e não consta do elenco taxativo do artigo 119º, do C.P.P. - as previsões do artigo 119º e 120º não têm aplicação no âmbito da nulidade da sentença, pois de outro modo o prazo para arguição respetiva ficaria esgotado com a leitura da sentença, inviabilizando na prática esse direito ) se tempestivamente suscitadas, pelo que, não o tendo sido, as questões que tal despacho suscita e naquele despacho foram apreciadas, estão definitivamente decididas, (uma vez que recorríveis, não foi interposto recurso, no prazo legal, art.º 74º, 63º, nº 2, e 73º, nº 1 al. e) todos do R,G,C.C.), pelo que o ali decidido está a coberto do caso julgado, não podendo ser revisitadas as questões ali decididas. Em face do exposto improcede nesta parte o recurso interposto. * 3.2 Da errada determinação da concreta sanção a aplicar. A recorrente alega que lhe deveria ter sido aplicada a pena de admoestação, atento o que está disposto no artigo 51º, do R.G.C.C. isto é, pretende a recorrente receber apenas um aviso, em face da conduta ilícita que resultou provada. A respeito da coima decidiu-se na sentença recorrida que: “Nos termos do disposto no art.º 18º do RGCO, aplicável, ex vi do art.º 62º do REASP, a determinação da medida da coima far-se-á em função da gravidade da contraordenação, da culpa do agente, da sua situação económica e dos benefícios obtidos com a prática do facto. Na determinação da sanção aplicável são ainda tomadas em conta a conduta anterior e posterior do agente e as exigências de prevenção. No que diz respeito à sociedade arguida/recorrente, tratando-se de pessoa colectiva e tendo actuado negligentemente, a moldura da sanção oscila entre os valores de €7.500,00 a €37.500,00 – art.º 59º, n.º 2, al. k) e n.º 4, al. b) do REASP. Ao estarmos perante uma conduta negligente, conforme resulta dos art.º 7º, 8º nºs 1 e 3 do RGCO e art.º 15º al. a) do Cód. Penal, para onde remete o art.º 32º do RGCO, é a negligência punível de acordo com o nº 8 e 9 do art.º 59º do REASP, mas beneficiando de atenuação especial – art.º 17º nº 4 e 19º do RGCO. Ter-se-á de ter em consideração a proibição da reformatio in pejus que impede que a recorrente veja a medida da coima que lhe foi aplicada pela entidade administrativa, agravada. No caso concreto, as exigências de prevenção geral são prementes, tendo em atenção a ocorrência frequente de situações como as dos autos, sendo amiúde a instalação de sistemas de videovigilância sem que estejam cumpridos todos os requisitos legais. Assim sendo, exige-se, por parte das autoridades administrativas competentes e do poder judicial, uma resposta decidida contra este tipo de comportamento por parte dos responsáveis, de modo a tutelar de forma eficaz a observância da norma jurídica violada. Pugna a arguida/recorrente pela aplicação da pena de admoestação, a qual já se encontra relativamente estabilizada na jurisprudência do início do século XXI, no entendimento de que, dado o seu carácter simbólico, tem reduzida eficácia preventiva. Já o afirmava o Prof. Figueiredo Dias, na sua obra "Direito Penal Português — As Consequências Jurídicas do Crime", Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 608.: «A medida é indiscutivelmente de saudar e de apoiar num direito como o tutelar de menores (…) ao qual é em absoluto estranho o cariz punitivo; e ela pode ainda ser aceite e compreendida no direito penal de menores imputáveis (…) dada a predominância absoluta que nele assume a finalidade (re)educativa da sanção. Já, porém, no direito penal de adultos, onde a dimensão punitiva da pena, se bem que exclusivamente justificada por razões de prevenção, é irrenunciável, a «pena» de admoestação, comprimida entre as verdadeiras penas de substituição, por um lado, e a dispensa de pena, por outro, surge como questionável e, na verdade (na generalidade dos casos), dispensável. (…) "Qualquer pena simbólica, que se esgota na mera aplicação judicial, sem possuir ao menos o conteúdo aflitivo potencial que caracteriza todas as outras penas de substituição (mesmo a suspensão da execução da prisão sem condições) é irremediavelmente afectada na sua eficácia preventiva, não atingindo sequer o nível mínimo da verdadeira advertência penal, por destituída de qualquer consequência efectiva para o futuro. E é difícil – se não impossível – ver numa pena afectada mesmo no cerne da sua eficácia preventiva outra coisa que não uma medida desnecessária, e por isso condenável, do ponto de vista político-criminal.» Sendo assim para o Direito Penal, assume-se que o mesmo se possa dizer no Direito Contra-Ordenacional, cuja menor ressonância ética, em vez de diminuir a estranheza, a aumenta pela óbvia importância económica da actividade em regra desenvolvida nas condutas ilícitas, nas quais o lucro – e, logo, o efeito contabilístico negativo de uma sanção pecuniária, em regra gravosa – assume importância de vulto. A admoestação, não se trata apenas de uma sanção/acto susceptível de ser aplicado na fase administrativa do processo mas, independentemente de o ser, é também uma verdadeira sanção de substituição da coima, traduzida na sua dispensa, aplicada na fase judicial, desde que verificados determinados pressupostos: a gravidade da infracção e da culpa do agente – art. 51º do RGCO, ex vi do determinado no art. 62º do REASP. A “gravidade da infracção” mede-se, naturalmente, pela sua ilicitude e nas contra-ordenações essa ilicitude tem espelho legislativo na consagração de três graus de ilicitude. E essa classificação está presente no REASP que no seu art. 59º classifica as contraordenações, «tendo em conta a relevância dos direitos e interesses violados» em leves, graves e muito graves. Naturalmente, sendo a admoestação a menos grave das sanções – tanto que até a sua natureza sancionatória foi posta em causa na doutrina e na jurisprudência, como vem claramente afirmado no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-11-2012 (proc. 1293/10.0TFLSB.L1-5), disponível em dgsi.pt. – às contraordenações leves está reservada a possibilidade de aplicação da admoestação. Segundo o estipulado no art. 51º do RGCO, são claros os requisitos impostos para a aplicação de uma admoestação: reduzida gravidade da infracção e reduzida culpa do agente. Assim sendo, a aplicação de uma admoestação depende, desde logo, da maior ou menor ilicitude da infração. Esta ilicitude poderá ser aferida tendo em conta o que expressamente o legislador considerou - caso que se torna evidente quando o legislador classifica a infração de grave ou muito grave ou leve (aliás, de acordo com a classificação prevista no art.º 59º do REASP. No caso em apreço, o legislador referiu expressamente que constituíam uma contraordenação grave a prevista nas alíneas k) do n.º 2 do art.º 59º do REASP, sancionável nos termos previstos na alínea b) do n.º 4 do mesmo preceito legal, pelo que não se pode considerar estar preenchido um dos requisitos impostos pelo art.º 51º, n.º 1, do RGCO - a "reduzida gravidade da infração". Ao classificar uma dada infração como grave o legislador considerou-a, em abstrato, portadora de uma ilicitude considerável, o que terá desde logo determinado uma moldura da coima com limites mínimos e/ou máximos superiores àqueles que foram determinados para as contraordenações que entendeu como sendo de gravidade menor ou de média gravidade. Porém, não se pode considerar que, atento o caso concreto, a ilicitude da conduta diminua de gravidade, depois de o legislador a ter classificado como sendo uma contraordenação grave, porque portadora de uma ilicitude considerada grave. Na verdade, sempre que o legislador, de forma geral e abstrata, classifica a infração como sendo grave, não poderá o julgador modificar a lei atribuindo menor gravidade àquela ilicitude. Por fim, cumpre ainda aludir à jurisprudência obrigatória, fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão n.° 6/2018, de 14-11, segundo o qual ”a admoestação prevista no artigo 51.°, do Decreto-Lei n.° 433/82, de 27.10, não é aplicável às contraordenações graves previstas no art. 34.°, n. ° 2, do Decreto-Lei n. ° 78/2004, de 03.04”. Tendo presente o art.º 18º do RGCO a sociedade arguida, além de não ter retirado qualquer benefício económico da infracção em si, também não regista antecedentes contraordenacionais. A gravidade dos factos é diminuta, uma vez que a actuação da sociedade arguida ocorreu, a título negligente, não sendo a sua culpa acentuada. Não se apurou que com o seu comportamento se tenha concretizado a efectiva lesão de algum bem jurídico. Há ainda que ter em consideração que a sociedade arguida diligenciou, logo, prontamente, pela reposição do dístico em falta. Além do mais, relativamente à situação económica da sociedade arguida, apesar dos seus elevados lucros, desconhecem-se as suas despesas e receitas. Assim, sopesados todos os aludidos elementos, o Tribunal entende estarem verificados os pressupostos para a atenuação especial, o que segundo o art. 59º nºs 2, al. k), e n.º 4 al. b), n.º 8 e 9 do REASP, devidamente conjugado com o n.º 3 do art. 18º e 72ºA, n.º 1 e 2, a contrario do RGCO, os limites mínimos e máximos das coimas estão fixados não em €7.500,00 e €37.500,00, respectivamente, mas sim em €3.750,00 e €18.750,00, uma vez que a imputação é a título negligente e não doloso, beneficiando a sociedade arguida de uma redução a metade do valor fixado para a coima. Considerando a factualidade apurada e o próprio critério utilizado pela Autoridade Administrativa, fixando a coima em causa pelo seu mínimo, bem como atendendo às concretas condições da sociedade recorrente e ao facto de se encontrar em funcionamento, considera-se adequado, justo e proporcional fixar a coima pelo seu mínimo legal de €3.750,00. Sem esquecer que as coimas a aplicar devem surgir como uma verdadeira sanção, com imposição de certo sacrifício para a sociedade arguida, devendo funcionar como um dissuasor eficaz, afastando-se o sentimento de impunidade que constitui um incentivo à infracção e ao desrespeito pelas regras.” * Ainda que no artigo 51º, do R.G.C.C se tenha adotado a designação de “admoestação” , que é o nomen iuris de uma das penas previstas no Código Penal, a faculdade ali prevista porque diferente da medida penal, com o mesmo nome, apresenta-se como uma medida de “diversão” e não uma verdadeira pena, consistindo numa mera advertência escrita da autoridade administrativa”, ou aviso remetendo-nos para a problemática em geral, em Costa, José de Faria, in “Diversão (desjudicialização) e mediação: que rumos”, Coimbra, 1986. A coima é uma sanção ordenativa ou medida sancionatória de carácter não penal pecuniária enquanto a admoestação é uma sanção ordenativa ou medida sancionatória de carácter não penal não pecuniária. A Lei 34/2013, de 16.05, não prevê a possibilidade de aplicação da admoestação, pelo que, só por apelo ao Regime Geral das Contraordenações e Coimas, seria admissível a aplicação de tal sancionamento, por aplicação do artigo 51º, que tem natureza de medida sancionatória de substituição da coima, admissível em qualquer fase do processo (administrativa e judicial) e, por conseguinte, passível de ser aplicada nesta fase processual, desde que verificados os seus pressupostos. A admoestação é uma sanção aplicável a infrações em que haja reduzida gravidade da infração. A gravidade da infração resulta, em primeiro lugar, da própria qualificação que o legislador lhe tenha dado, uma vez que, em vários regimes contraordenacionais, as infrações são qualificadas como leves, graves ou muito graves. Mesmo que não o faça, é possível retirar essa qualificação das molduras da coima mais ou menos elevadas. No caso a infração mostra-se qualificada por lei como grave, que como se salienta na decisão recorrida afasta a possibilidade de aplicação da admoestação. De facto, como assinala Paulo Pinto de Albuquerque, a admoestação é uma sanção alternativa destinada às situações de “pouca relevância do ilícito contraordenacional e da culpa do agente, isto é, para contraordenações leves ou simples”, em que, “quer a gravidade do ilícito, quer o grau da culpa devem ser reduzidos” (Comentário do Regime Geral as Contra-Ordenações, Lisboa: UCP: 2011, art.º 51.º p. 222-223). Ou, como referem Simas Santos e Lopes de Sousa, também no mesmo sentido, a possibilidade de proferir admoestação encontra-se reservada para as contraordenações em que o grau de ilicitude é reduzido. (Contra-ordenações. Anotações ao Regime Geral, 6.ª ed., Áreas Editora, 2011, pág. 394.). Assim, a ponderação efetuada na decisão recorrida não merece reparo, mostrando-se, pois, no caso concreto afastada a possibilidade de se proferir admoestação, uma vez que a contraordenação praticada não reveste o reduzido grau de ilicitude, que o citado artigo 51.º, n.º 1 do R.G.C.C pressupõe não se divergindo da jurisprudência obrigatória, fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão n° 6/2018, de 14-11, dando nota que os argumentos do recorrente são o voto de vencido dali constante. Em face do exposto indefere-se o recurso interposto. * Em síntese não se mostram violados os artigos 31.º, n.º 5, alínea b) da Lei n.º 34/2013; 7.º, n.º 2, 50.º, 51.º, n.º 1, e 58.º, n.º 1, 64.º, n.º 1 e 2 todos do R.G.C.C e 119.º, c), 374.º, nº 2 e 3, 379.º, n.º 1, a) e c), e 410.º, n.º 2, a) e n.º 3, todos do CPP. 3.3 Das custas: Sendo negado provimento ao recurso da arguida, impõe-se a condenação desta recorrente no pagamento das custas, nos termos previstos nos artigos 513°, 1, do Código de Processo Penal e 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais. A taxa de justiça é fixada em 3 (três) unidades de conta, nos termos da Tabela III anexa àquele Regulamento, tendo em conta o objeto e a extensão mediana do recurso. 3.4 Diremos em sumário: I. Não há omissão de pronúncia nos termos do artigo 379, nº1 c) do C.P.P na sentença proferida em recurso de contraordenação, após a realização de audiência de discussão e julgamento, designada nos termos do artigo 64º, nº 1, do Regime Geral de Contraordenações e Coimas, quando já tenha havido pronúncia no âmbito do artigo 63º, do citado diploma, a respeito de nulidades a titulo de questões prévias, que poderiam obstar ao conhecimento do mérito da causa, do que se faz referência no relatório da sentença recorrida. II. Constituindo uma das soluções plausíveis da questão de direito, o conhecimento das nulidades, nos termos do disposto nos artigos no artigo 311º, nº 1, 2, al. a) e 3 b) do Código de Processo Penal, “ex vi” artigo 58º, e 41º, do Regime Geral de Contraordenações e Coimas, no despacho de recebimento do recurso, (artigo 63º do R.G.C.C.) com prévio cumprimento do direito ao contraditório, que pode ser escrito, não enferma tal despacho de qualquer invalidade. III. Ainda que se entenda que o despacho onde se conhece das nulidades deva ser proferido no âmbito do artigo 64º, do R.G.C.C. não o tendo sido, daquele cabia recurso nos termos do nº 2, do artigo 63º, ou da alínea d) do nº1, do artigo 74º, do citado diploma, e não tendo havido formou-se caso julgado, por o vício em causa - nulidade do artigo 379º, nº 2 do C.P.P.- ser sempre suprível. IV – DECISÃO Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam em conferência as Juízas Desembargadores subscritores da 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso da recorrente/arguida AA e confirmar a sentença na parte recorrida. Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (três unidades de conta). (A presente decisão foi processado em computador pela relatora, sua primeira signatária, e integralmente revisto por si e pelas Exmas. Juízas Desembargadoras Adjuntas – art.º 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal) Lisboa 19.12.2024 Isabel M.T. Monteiro Marlene Fortuna Ana Marisa Arnêdo |