Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8315/23.3T8LSB.L1-7
Relator: CARLOS OLIVEIRA
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
DEFEITOS
ELIMINAÇÃO DOS DEFEITOS
PRESTAÇÃO FUNGÍVEL
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/21/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. O dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a eliminação dos defeitos verificados na execução da obra contratada (cfr. Art. 1221.º do C.C.).
2. A possibilidade legal de condenação no pagamento de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento duma prestação de facto, nos termos do n.º 1 do Art. 829.º-A n.º 1 do C.C., tem como pressuposto que essa obrigação tenha a natureza de obrigação infungível.
3. A prestação só é infungível se cumprimento por terceiro não for possível.
4. A infungibilidade pode resultar da natureza da própria prestação (infungibilidade natural), de convenção entre as partes (infungibilidade convencional) ou de disposição expressa na lei (infungibilidade legal).
5. Estando em causa um contrato de empreitada, em que a concreta obra convencionada pode ser realizada por qualquer empresa do mesmo ramo de especialidade, a obrigação é fungível e o atraso no cumprimento da prestação do empreiteiro não é suscetível da aplicação de sanção pecuniária compulsória, nos termos do n.º 1 do Art. 829.º-A do C.C..
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
G, Lda. intentou a presente ação de condenação, em processo declarativo comum, contra S, Lda., pedindo a condenação da R. a proceder, a suas expensas, à eliminação dos defeitos elencados no art.º 28º da petição, num prazo não superior a 15 dias; em sanção compulsória por cada dia de atraso na sua realização; e a indemnizar a A. no montante de €102,00, respeitante ao custo com o desbloqueamento da porta n.º 9, acrescido de juros de mora desde a citação até integral pagamento.
Alegou para tanto que solicitou à R. orçamento para 3 portas de alumínio, iguais às que se encontravam em madeira, nos n.ºs 7, 9 e 11 do prédio sito nas Escadinhas …, em Lisboa, propriedade da A., tendo a R. enviado um medidor orçamentista ao local.
Após o enviou do seu orçamento, a A. procedeu à transferência do montante correspondente a metade do valor, tendo ainda pago outros 40% do orçamento, a pedido da R.. Porém, a R. executou os trabalhos defeituosamente e, mesmo depois de interpelada, não corrigiu os defeitos denunciados que são os seguintes: a porta do n.º 7 tem que ser retificada de modo a ficar montada tal e qual como a que se encontrava a porta de madeira, devendo a R. suportar os respetivos custos, caso seja necessário como solução técnica o avanço para a frente cortando a pedra que for necessária para o efeito, e vedando a mesma na sua parte inferior; na porta n.º 9, têm que ser trocados o puxador da estrutura que contém o veda luz e a borracha do batente e alterada a janela de modo a ficar amovível, tendo dobradiças, de modo a serem abertas para poder ser arejada a casa; e na porta n.º 11 têm que ser colocados o puxador e caixa do correio que estavam colocados anteriormente na porta de madeira.
Mais alegou que uma das portas ficou bloqueada, para o que foi necessária a intervenção de um terceiro, como qual teve o custo de €102,00.
Citada a R. não contestou, tendo os factos alegados pela A. sido julgados como confessados nos termos do Art. 567.º n.º 1 do C.P.C.. Pelo que, foi ordenado o cumprimento do disposto no n.º 2 do mesmo citado preceito legal, nada tendo sido alegado pelas partes.
Na sequência, veio a ser proferida sentença que julgou a ação totalmente procedente, por provada e, em consequência, condenou a R., S, Lda. a proceder, a suas expensas e no prazo de 15 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, à eliminação dos seguintes defeitos no prédio sito nas Escadinhas …, em Lisboa, propriedade da A., G, Lda.:
«- a porta do n.º 7 tem que ser retificada de modo a ficar montada tal e qual como a que se encontrava a porta de madeira, suportando os respetivos custos caso seja necessário como solução técnica o avanço para a frente cortando a pedra que for necessária para o efeito, e vedando a mesma na sua parte inferior;
«- na porta do n.º 9 tem que ser trocado o puxador da estrutura que contém o veda luz e a borracha do batente, e alterada a janela de modo a ficar amovível, tendo dobradiças, de modo a serem abertas para poder ser arejada a casa.
«- na porta do n.º 11 têm que ser colocados o puxador e a caixa do correio, que estavam colocados anteriormente na porta de madeira».
Mais condenou a R. a pagar à A. uma sanção pecuniária compulsória de €50,00 (cinquenta euros), por cada dia de atraso na realização das reparações suprarreferidas, e ao pagamento do montante de €102,00, acrescido de juros de mora desde a citação (30.03.2023) até integral pagamento.
É dessa sentença que a R. vem agora recorrer, apresentando no final das suas alegações de recurso as seguintes conclusões:
I- O contrato celebrado entre as partes é de empreitada.
II- O objeto da empreitada, de acordo com a documentação da A., corresponde aos orçamentos da R., o fornecimento de 3 portas em alumínio, nos exatos termos do dito orçamento.
III- A A. não alegou que tivesse contratado algo mais ou diferente do que se encontra descrito no orçamento da R., junto aos autos.
IV- De acordo com o que foi alegado pela A., a mesma, de forma atempada, reclamou os seguintes defeitos da obra (artigo 9.º da pi.):
1- Porta do número 11, os puxadores vinham na porta assim como a fechadura.
2- Porta número 9, o mesmo sem o veda sol.
3- A porta principal precisa de uma série de ajustes.
V- Nos termos do orçamento apresentado pela R.  e aceite pela A., a porta 11 seria fornecida com fechadura automática com veda luz.
VI- Assim, o único defeito desta porta correspondia ao facto de ter sido fornecida com puxadores.
VII- Quanto à pota 9 e admitindo que “o mesmo” se refere ao que foi dito em relação à porta 11, a R. tem que aceitar que não deveria ter fornecido a porta com puxadores e fechadura.
VIII- Ou seja, trata-se de fornecimento irregulares, por não orçamentado, mas que, em termos práticos, favorece a A. pois as portas foram fornecidas com mais elementos do que os orçamentados.
IX- Relativamente ao veda sol da porta 9, não tinha a R. apresentado qualquer orçamento para veda sol (luz) para essa porta.
X- Por essa razão, tal falta não constitui qualquer defeito de obra.
XI- A A. nunca alegou qual era a porta principal.
XII- Desta forma, é impossível à R. ou a quem quer que seja, perceber qual é a “porta principal”.
XIII- Além disso “precisar de uma série de ajustes” não é um defeito, é uma conclusão que nem sequer refere que defeito tinha essa porta, nem que ajustes se tratam e qual o efeito pretendido com os mesmos.
XIV- A douta sentença não elencou quaisquer defeitos da obra, nem sequer os defeitos indicados pelo A..
XV- Como defeitos, indicou a sentença:
“A porta do n.º 7 tem de ser retificada de modo a ficar montada tal e qual como se encontrava a porta de madeira, suportando os respetivos custos, caso seja necessário, como solução técnica, o avanço para a frente cortando a pedra que for necessária para o efeito, e vendando a mesma na parte inferior;
“Na porta n.º 9, tem que ser trocado o puxador da estrutura que contém o veda luz e a borracha do batente, e alterada a janela de modo a ficar amovível, tendo dobradiças, de modo a serem abertas para poder ser arejada a casa;
“Na porta n.º 11 têm de ser colocados o puxador e a caixa do correio que estavam colocados anteriormente na porta de madeira”.
XVI- A douta sentença veio elencar as sugestões que a A. apresentou para a solução dos alegados defeitos e não os defeitos da obra.
XVII- Sem essa indicação não podia a douta sentença dar como provada a existência de defeitos nem condenar a R. à sua reparação.
XVIII- Também, no que respeita à condenação, a douta sentença nunca poderá condenar a R. a realizar obras de acordo com as sugestões que a A. indica, mesmo que tais sugestões façam parte do pedido.
XIX- A consequência da falta de contestação da A. não afeta o pedido e a sua legalidade ou possibilidade.
 XX- Apenas se reconduz à prova da matéria alegada pela A..
XXI- A procedência dos pedidos formulados já tem de ser objeto de análise crítica da prova e aplicação do direito correspondente.
XXII- Ora, nos termos do disposto no artigo 1221.º do CC, a A. apenas tem direito à eliminação dos defeitos da obra.
XXIII- Assim, a douta sentença, ao condenar a reparação de defeitos que não foram alegados e ao condenar a R. a fazer as reparações de determinada forma, sugerida pela A., decidiu além dos direitos que a lei faculta à A..
XXIV- Decidiu o douto Tribunal recorrido fixar uma quantia de 50 euros a título de sanção pecuniária por cada dia de atraso na realização das reparações referidas com fundamento no disposto no art. 829.º-A do Código Civil.
XXV- A obrigação de reparação de portas de alumínio é um facto fungível que pode ser realizado por qualquer pessoa ou empresa que exerce esse tipo de atividade.
XXVI- In casu, perante a procedência da ação e a consequente ordem de reparação das portas da A., nem só a R. pode proceder à reparação, pois que, não o fazendo ela, poderá a A. recorrer ao processo executivo para prestação de facto regulado nos arts. 868.º e ss. do C.P.Civil.
XXVII- Além disso, nos termos do disposto no artigo 1222.º do  CC, caso a R. não faça as reparações, o A. ainda terá direito à redução do preço ou resolução do contrato.
XXVIII- Daqui resulta estarmos perante um do caso em que, a conferindo a lei outros meios de execução, se tem por excluída a aplicação do instituto previsto no art. 829.º-A do C.Civil.
XXIX- Assim, deve entende-se não dever ser condenada a R. no pagamento de sanção pecuniária compulsória, por não verificação dos pressupostos de aplicação do art. 829.º-A do C.Civil, nos termos expostos, revogando-se, nessa parte o decidido.
XXX- A douta sentença violou o disposto nos artigos: 829.º-A, 1220.º, 1221,º e 1222.º do CC e 567.º, 568.º, 573.º, 576.º e 579º do CPC.
Pediu assim que a sentença seja revogada e substituída por outra que julgue a ação improcedente por não provada ou, caso assim não se entenda, condene a R. a reparar os seguintes defeitos da obra:
- A porta 11 devia ter sido a fornecida sem os puxadores.
- A porta 9 devia ter fornecido a porta sem puxadores e fechadura.
Revogando-se, sempre, a sanção pecuniária compulsória fixada.
A A. respondeu ao recurso de apelação e, mesmo não apresentando conclusões, pugnou pela manutenção da sentença recorrida nos seus precisos termos.
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II- QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Art.s 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106).
Assim, em termos sucintos as questões essenciais a decidir são as seguintes:
a) Do mérito da condenação da R. nas reparações dos defeitos da obra; e
b) Do mérito da condenação da R. no pagamento duma sanção pecuniária compulsória.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso não discriminou a factualidade que concretamente julgou por provada, limitando-se a referir que: «Uma vez que foi considerada a revelia da ré operante, ao abrigo do disposto no artigo 567º, nº 1 do Código de Processo Civil, têm-se por confessados os factos articulados na petição inicial, que aqui se dão por reproduzidos».
Ora, na petição inicial foram alegados os seguintes factos:
1º A R. solicitou orçamento para 3 portas de alumínio, iguais às que se encontravam em madeira, nos n.ºs 7, 9 e 11, do prédio sito nas Escadinhas …, em Lisboa, propriedade da A. - (cfr. artigo 1.º da p.i.);
2º A R. enviou um medidor orçamentista ao local (vd. doc. 1) - (cfr. artigo 2.º da p.i.);
3º Após o que enviou o seu orçamento 20210237/1 – doc. 1 e 2 - (cfr. artigo 1.º da p.i.);
4º Tendo a A. procedido à transferência do montante correspondente a metade do valor do orçamento, conforme condição do mesmo (doc. 3), emitindo a R. o correspondente recibo – doc. 4 - (cfr. artigo 4.º da p.i.);
5º No dia 29 de Setembro de 2022 a R. enviou à A. o email que se junta como doc. 5, solicitando o pagamento do valor de correspondente a 40% do orçamento, €2.437,66 - (cfr. artigo 5.º da p.i.);
6º A A. procedeu ao pagamento por transferência bancária (doc. 6), emitindo a R. o correspondente recibo – doc. 7 - (cfr. artigo 6.º da p.i.);
7º E emitido a sua fatura, n.º 20221/2135, respeitante aos trabalhos adjudicados - doc. 8 - (cfr. artigo 7.º da p.i.);
8º A R. executou os trabalhos, em 6 de Outubro, mas defeituosamente - (cfr. artigo 8.º da p.i.);
9.º Logo no dia 6 de Outubro de 2022, pelas 17.36 a A. enviou à R. o email que se junta como doc. 10, e no qual apresentava a sua reclamação, que se transcreve nas partes relevantes:
“Venho agradecer que me respondam o mais depressa possível às falhas vossas no dia da montagem.
“Limitei-me a abrir as portas para que fossem retiradas as medidas e demais pormenores. Informei que a fechadura tinha que ser a minha bem como os puxadores e caixa de correio.
“1. Porta do número 11. Os puxadores vinham na porta assim como a fechadura.
“2. Porta numero 9. O mesmo sem os veda sol. Enviei fotos para o Sr. N... e para a T... (doc. 25 a 29 e 31).
“3. A porta principal precisa de uma série de ajustes nunca me tendo ninguém previamente informado de nada e entramos em modo vamos desenrascado.
“O Sr. N... diz-me que não sabia o que eu tinha combinado com o medidor. Ao que respondi excetuando as maçanetas e as chaves não interferiu em mais nada.
“Também o Sr. S... disse-me que ia olhar para os desenhos. Um pouco tarde para quem com um pagamento de 90% e no dia da montagem.
“Nada disto foi o contratado.” - (cfr. artigo 9.º da p.i.);
10º A R. respondeu no dia 07.10.2022, através do email que se junta como doc. 11, o qual se dá por integralmente reproduzido, e de que se transcreve a seguinte parte:
“Lamentamos a eventual falta de comunicação no processo. Na realidade de acordo com as fotos da porta de madeira, verifica-se que o aro da mesma está cortado de modo a acompanhar o desnível do vão, para que a porta funcione nivelada. No alumínio, o mesmo só é possível de modo conforme está apresentado.” - (cfr. artigo 10.º da p.i.);
11º A Autora respondeu no mesmo dia, através do email que se junta como doc. 12, o qual se dá também aqui por integralmente reproduzido, e de que se transcreve as partes relevantes:
“Cara X …
“Lamentamos …
“Em relação a este parágrafo cumpre-me informar que não foi eventual e que a falta de comunicação se deve inteiramente a vos. Só houve e não foi eventual e foram vocês os únicos culpados da mesma.
“Atendendo que
“as medidas que foram executadas por vos aquando da encomenda e são da inteira responsabilidade do fornecedor. Erros que existam são naturalmente da responsabilidade do fornecedor. Ao que acrescento que portadas interiores opacas, não foram nem orçamentadas.
“Segundo vos nem fornecidas.
“Ora
“Não foi esse o serviço por mim contratado e por V. Exas. Todas as informações adicionais que precisassem deveriam ser-me comunicados antecipadamente para retirar quaisquer dúvidas. Coisa que nunca veio a acontecer.
“Em relação aos canhões das fechaduras, não foi possível recolocar os antigos, … Sempre manifestei que as portas fossem reproduzidas e recolocados os meus manípulos e fechaduras e caixa do correio. E não poderia aceitar quaisquer alterações. Foi-me dito que assim seria. Só no momento da instalação sou informado do que solicitado e aceite por vos não vai ser cumprido, ao telefonar ao Sr. N…, para demonstrar a minha surpresa e desagrado diz que precisava das fechaduras antecipadamente. Nada disso nunca me foi dito anteriormente, de outra forma eu teria entregado as fechaduras. As minhas fechaduras custaram cerca de 500,00 euro cada e tenho mais de 20 copias.
“As fechaduras do Numero 7 (não ficou a face como deveria), e do numero 9 devem ser substituídas por iguais as minhas e dar-me o numero de copias que já fiz.
“A porta do número 7, foi enchida de tubos e de ferro e depois enchida com espuma, quando do original teriam que apenas cortar uma peca triangular igual a que estava anteriormente.” - (cfr. artigo 11.º da p.i.);
12º A A. enviou no dia 12 de Outubro o email que se anexa como doc. 12, e no dia 16 desse mês o email que se junta como doc. 13 e que aqui se dá por integralmente reproduzido, e do qual aqui se releva:
“Caro Sr. N…,
“Acedeu a não cobrar os Veda Luz da porta do número 9, uma vez que a culpa foi inteiramente vossa. E que iriam fornecer-me chaves para repor as minhas chaves. Preciso de 20 chaves. Contudo a proposta que me fez de uma indemnização ser efetuada na próxima encomenda parece-me e manifestei-o de viva voz totalmente desaquada. Uma vez que foi nesta encomenda que foram cometidos todos os erros ultrapassando mesmo o limite do razoável.
“Dou-vos duas alternativas:
1. Agora que tem em mãos a porta antiga, façam exatamente o trabalho por vós aceite.
“2. Ou como mera compensação um valor que nunca poderá ser abaixo dos 20% do valor total” - (cfr. artigo 12.º da p.i.);
13º No dia 27.10.2022 a R. respondeu que “vamos fazer a primeira opção” – doc. 14. - (cfr. artigo 13.º da p.i.);
14º Contudo o tempo foi decorrendo sem a R. dar mais sinais de vida, de proceder à execução dos trabalhos contratados - (cfr. artigo 14.º da p.i.);
15º Pelo que a A. se viu forçada a interpelar a R., por carta datada de 21 de Dezembro de 2022, expedida no dia 22 desse mês e rececionada no dia 23.12.2022 (doc. 15 e 16), de que se transcreve:
“No dia 27 do transato mês de Outubro do corrente ano de 2022, comunicaram que aceitavam a primeira opção das constantes do email de 26 desse mês, enviado pelo n/colaborador Fernando …, ou seja, efetuarem o trabalho contratado relativamente à porta do n.º 7.
“Além dessa porta, que não aceitamos, pela razões já anteriormente expostas, também somos a assinalar que:
“- a porta do n.º 9, além de não fechar em condições, uma das suas janelas não abre;
“- a porta do n.º 11 não tem aposto o manípulo/puxador, nem a caixa do correio.
“Não podendo esta situação prolongar-se por mais tempo, devido aos prejuízos que acarreta para a n/empresa, somos a conceder um prazo de 15 dias para procederem à eliminação dos defeitos.
“Caso não vos seja possível a conclusão dentro do referido prazo, deverão esclarecer que prazo adicional necessitam para a conclusão da obra.
“Acresce que deverão, dentro do mesmo prazo, proceder à devolução das fechaduras originais das portas n.ºs 7 e 11.” - (cfr. artigo 15.º da p.i.);
16º Nesse dia 23 a A. recebeu o email da R. que se junta como doc. 17 - (cfr. artigo 16.º da p.i.);
17º A A. respondeu nos termos do doc. que se junta como doc. 18 e que aqui se dá por integralmente reproduzido, e de que se transcreve:
“- Em primeiro lugar cumpre referir que apenas houve adaptação de dois canhões (os das portas nº 7 e 11);
“- É completamente falso que tenha sido “Informado que iria perder a garantia das portas”;
“- Trocar o puxador da porta do N.9 não resolve o problema.
“Por este motivo, o de apenas quererem trocar o puxador da porta do Nº 9, não permitimos a intervenção do vosso técnico, porquanto a intervenção tem de ser para resolver todas as anomalias descritas na n/carta de 21 de Dezembro de 2022,
“Acresce que uma intervenção de “trocar o puxador para a diagonal para o veda luz poder fechar”, não resolve os problemas porquanto a janela continuava a não se poder abrir e com a vossa intervenção continuava o veda luz também a não abrir.” - (cfr. artigo 17.º da p.i.);
18º Em 10.01.2023 a A. interpelou a R. através do seu mandatário - (cfr. artigo 18.º da p.i.);
19º A R. respondeu enviando o email que no dia 19 desse mês tinha enviado à A. – doc. 19 - (cfr. artigo 19.º da p.i.);
20º No dia 06.02.2022 o mandatário da A. enviou um email à R., no qual constava:
“Ao invés do que referem nesse email não foram adaptadas fechaduras em 3 portas mas apenas duas, correspondendo aos n.ºs 7 e 11.
“A porta do n.º 7 está mal executada, não podendo ser aceite. Tem de ser executada conforme a original em v/poder.
“Quanto à porta do n.º 11 falta colocar o puxador original e a caixa de correio original.
“Não corresponde à verdade que tenha sido dito que perdia a garantia, nem se percebe o alcance da referência a adaptação. Certo é legalmente a garantia na execução duma empreitada tem de existir.
“E certo é que aquando da adjudicação foi expressamente referido pela n/constituinte que as portas eram para ser integralmente replicadas.
“O v/medidor orçamentista tirou as medidas.
“Pelo que não se compreende a má execução.
“A questão de colocar o puxador da porta n.º 9 não soluciona a questão da abertura do veda luz em pleno. A porta tem de ser substituída por uma em que os dois veda luz abram como abriam com a porta original em v/poder.” - (cfr. artigo 20.º da p.i.);
21º A R. enviou um email no dia 09.02.2022, no qual fazia constar: “propomos enviar um técnico durante a próxima semana, de forma a fazer um levantamento exaustivo do que existe a terminar, e quais as espectativas do cliente, para posteriormente voltarmos ao contacto e acertarmos a resolução.” - (cfr. artigo 21.º da p.i.);
22º A A. aceitou a proposta e um técnico da R. deslocou-se ao local no dia 15.02.2023 - (cfr. artigo 22.º da p.i.);
23º No dia 27.02.2023 a R. enviou um email (doc. 20) em que propunha serem efetuadas as “seguintes operações:
“- Colocação de puxador do cliente, bem como a Caixa de Correio
“- Troca do puxador da estrutura que contém o veda luz
“-Troca de borracha do batente . porta nº 9” - (cfr. artigo 23.º da p.i.);
24º A A. respondeu, por email enviado pelo seu mandatário (doc. 21), que:
“O essencial acordado com o v/técnico é que a porta do n.º 7 tinha de avançar para a frente, partindo pedra, de modo a ficar direita.
“Chamamos a atenção que esta porta não foi acabada, porquanto não está vedada na sua parte inferior.
“Relativamente à porta do n.º 9 além da troca do puxador que contém o veda luz, verificou-se ter de se alterar a janela para ficar amovível como a do n.º 11, ou seja, ter dobradiças.
“Solicitamos, por isso, que confirmem se no próximo dia 6 de Março procedem também a estas reparações.” - (cfr. artigo 24.º da p.i.);
25º Respondeu a R. no dia 01.03.2023, através do email que se junta como doc. 22, referindo:
“Está tudo confirmado com o responsável técnico, no entanto, relativamente à pedra, não fazemos esses trabalhos.
“Podemos estar presentes no dia em que esses trabalhos na pedra forem efetuados por vós, para desmontar e montar a estrutura.
“Como desejam proceder?” - (cfr. artigo 25.º da p.i.);
26º A A. respondeu nos termos do email que se junta como doc. 23, e que se transcreve:
“Foi a v/empresa que executou mal a porta encomendada.
“A solução técnica para a má execução foi avançada pelo v/técnico que se deslocou ao local.
“Se V. Ex.ªs não procedem à execução do trabalho em pedra terão de subcontratar alguém ou assumir os custos da n/constituinte contratar outra empresa para o efeito.” - (cfr. artigo 26.º da p.i.);
27º A R. respondeu nos termos do email que se junta como doc. 24 - (cfr. artigo 27.º da p.i.);
28º Quando a Ré procedeu à montagem da porta do n.º 9, a mesma ficou sem condições de abrir por dentro, tendo um hóspede ficado trancado no dia 02.11.2022, tendo sido necessário pedir a intervenção da Fábrica de Chaves do Areeiro, para o desbloqueamento da porta - (cfr. artigo 30.º da p.i.);
29.º O que teve um custo de €102 - doc. 32 - (cfr. artigo 31.º da p.i.).
Tudo visto, cumpre apreciar.
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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. Da condenação da R. na reparação dos defeitos da obra.
A presente ação visava, em primeira linha, a condenação da R. na reparação dos defeitos da obra que havia sido contratada pela A., tal como elencados no artigo 28.º da petição inicial.
Ora, nesse artigo 28.º da petição inicial, foi alegado ipsis verbis o seguinte:
«28º Pelo que a Autora se vê forçada a intentar a presente demanda, formulando os seguintes pedidos relativos à obra:
«- que a porta do n.º 7 seja retificada de modo a ficar montada tal e qual como a que se encontrava a porta de madeira, suportando os respetivos custos caso seja necessário como solução técnica o avanço para a frente cortando a pedra que for necessária para o efeito, e vedando a mesma na sua parte inferior;
«- troca do puxador (doc. 30) da estrutura que contém o veda luz e da borracha do batente, e alteração da janela de modo a ficar amovível, tendo dobradiças, de modo a serem abertas para poder ser arejada a casa, na porta n.º 9 (vd. vídeo);
«- colocação de puxador e caixa do correio na porta n.º 11, que estavam colocados anteriormente na porta de madeira» (sublinhado nosso).
A sentença recorrida, considerando que a ação não foi contestada, veio a condenar a R., nessa parte, a: «proceder a suas expensas e no prazo de 15 dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão, à eliminação dos seguintes defeitos (…):
«- a porta do n.º 7 tem que ser retificada de modo a ficar montada tal e qual como a que se encontrava a porta de madeira, suportando os respetivos custos, caso seja necessário, como  solução técnica, o avanço para a frente cortando a pedra que for necessária para o efeito, e  vedando a mesma na sua parte inferior;
«- na porta do n.º 9 tem que ser trocado o puxador da estrutura que contém o veda luz e a borracha do batente, e alterada a janela de modo a ficar amovível, tendo dobradiças, de modo a serem abertas para poder ser arejada a casa.
«- na porta do n.º 11 têm que ser colocados o puxador e a caixa do correio, que estavam  colocados anteriormente na porta de madeira»
A R., nas alegações de recurso, vem agora realçar que o alegado no artigo 28.º da petição inicial não corresponde sequer à invocação de quaisquer defeitos, mas a meras sugestões de reparações, sem suporte fáctico efetivamente alegado. É neste tipo de argumentação que se resume, no essencial, a pretendida procedência da apelação.
Apesar disso, não podemos deixar de fazer aqui ainda um pequeno parênteses para fazer notar que a R. também veio invocar, em sede de alegações de recurso, a caducidade do direito pretendido fazer valer pela A. nesta ação, por não ter sido respeitado o Art. 1220.º do C.C. relativamente ao prazo de denúncia dos defeitos da obra.
Trata-se, no entanto, de questão nova, que não foi apreciada pela sentença recorrida pela óbvia razão de a ação não ter sido contestada e, portanto, a R. não ter alegado oportunamente a correspondente exceção perentória. Assim, não o tendo feito no momento processual adequado, que era a contestação (cfr. Art. 573.º n.º 1 do C.P.C.), e não sendo essa exceção suscetível de conhecimento oficioso, porque a caducidade não versa sobre o exercício de direitos indisponíveis (cfr. Art. 303.º n.º 1 “a contrario” e Art. 303.º “ex vi” Art. 333.º n.º 2, todos do C.C.), não pode o Tribunal da Relação apreciá-la, por se tratar de meio de defesa que se mostra precludido. Pelo que, sobre essa matéria nada haverá a decidir, restando apenas reconhecer a impossibilidade de o Tribunal da Relação apreciar essa exceção.
Voltando ao tema central da presente apelação, há que ter em consideração que a A. assenta a sua pretensão no exercício do direito conferido por lei ao dono de obra de poder exigir do empreiteiro a eliminação dos defeitos (cfr. Art. 1221.º do C.C.).
No caso nem sequer se discute que as partes estavam efetivamente vinculadas por um contrato de empreitada, tal como o mesmo se mostra definido no Art. 1207.º do C.C..
Em concreto, neste caso, a R. havia-se obrigado, perante a A. e mediante o pagamento do respetivo preço, a substituir 3 portas de madeira por 3 portas de alumínio. A isso se resume o contrato convencionado entre as partes (cfr. artigos 1.º a 3.º da petição inicial), sendo que a própria R. confessou (porque não contestou a ação, nem, portanto, o alegado pela A. na sua petição inicial – cfr. Art. 567.º n.º 1 do C.P.C.), que executou os trabalhos acordados, mas defeituosamente (cfr. facto provado 8 – correspondente ao alegado no artigo 8.º da petição inicial).
Esse reconhecimento também está vertido nos compromissos que a R. foi sucessivamente assumindo ao longo da troca de correspondência que se mostra documentada nos autos, tal como junta pela A. com a petição inicial (v.g. factos provados 10.º, 13.º, 16.º, 19.º, 21.º e 23.º e docs. n.º 11, 14, 17, 19, 20 e 22 juntos com a p.i.).
Portanto, a R. admitiu defeitos dos trabalhos que executou, o que não pode deixar de ser consequente com os pedidos formulados pela A.. Sem prejuízo, vejamos cada uma das situações em concreto, com vista a percebermos se foram ou não efetivamente alegados factos suscetíveis de integrar defeitos da obra.
Começando pela porta n.º 7, o que a A. peticionou, tendo a sentença confirmado essa pretensão, é que a mesma, tal como foi montada pela R., em alumínio, deveria ser retificada de modo a ficar montada como a porta de madeira que substituiu.
Tal como alegado no artigo 28.º da petição o problema estava relacionado com a necessidade duma solução técnica que poderia implicar o seu avanço para a frente, cortando a pedra se necessário, e vedando a mesma na sua parte inferior.
A essa porta refere-se o email de 6 de outubro de 2022 (doc. 10 da p.i.), aí se identificando a mesma (por exclusão de partes) como “a porta principal”, sendo a queixa da A., tal como aí especificada, é no sentido de a mesma precisar “de uma série de ajustes”.
Na resposta, a R., por email de 7 de outubro de 202 (doc. n.º 11), afirma que o aro da porta está cortado de modo a acompanhar o desnível do vão, para que a porta funcione desnivelada, referindo que, no alumínio, só era possível funcionar do modo como está apresentado.
Já na carta de 21 de dezembro de 2022 (doc. 15) a A. reclama que a R. faça o trabalho contratado relativamente à porta 7, para além de reclamar a devolução das fechaduras originais (o que, diga-se, não é sequer peticionado nesta ação, não sendo por isso tema deste processo).
Na carta de 10 de janeiro de 2023 (doc. 18 – onde, por evidente lapso, se menciona a data relativa ao ano de 2022), volta a A. a reclamar as reparações que constavam da carta de 21 de dezembro de 2022, referindo-se uma vez mais aos puxadores, que deveriam ficar na diagonal para o veda luz poder fechar.
Mas é no email de 28 de fevereiro de 2023 que, pela primeira vez foi reduzido a escrito o problema da porta 7, nos seguintes termos: «O essencial acordado com o v/ técnico é que a porta n.º 7 tinha de avançar para a frente, partindo pedra, de modo a ficar direita. / Chamamos a atenção que esta porta não foi acabada, porquanto não está vedada na sua parte inferior». No final, a A. interpela a R. para confirmar essas reparações para o dia 6 de março seguinte (cfr. doc. 21). Ao que a R. responde que «relativamente à pedra, não fazemos esses trabalhos», mas oferece-se para estar presentes no dia em que esses trabalhos na pedra forem efetuados pela A. (cfr. doc. 22 – email de 1 de março de 2023). Nessa sequência, a A. contrapôs que foi a R. quem executou mal a porta encomendada e que a solução técnica para a má execução foi avançada pelo próprio técnico da R., que se deslocou ao local, exigindo que fosse a R. a subcontratar alguém ou assumir esse custo (cfr. doc. n.º 23 – email de 2 de março de 2023). Em resposta, a R. repetiu que não fazia trabalhos em pedra e que o custo desses trabalhos deveria ser da A. (cfr. doc. 24 – email de 6 de março de 2023).
Visto isto, o defeito da porta 7 é que ela não foi montada a direito e não foi vedada na parte inferior, tal como explicitado no email de 28 de fevereiro de 2023 (doc. n.º 21 da p.i.) e tal como se deduz do que consta do facto provado 24.º.
É evidente que se a porta não está montada a direito é porque, de algum modo, foi montada “torta”, não sendo concebível que a R., que deveria ter verificado as condições físicas do vão dessa entrada, onde iria ser montada a porta 7 em alumínio, não tivesse verificado que a pedra existente não iria permitir montar essa porta a direito.
As condições objetivas do local onde a porta iria ser montada pela R. não se alteraram, competindo a esta construir a porta em alumínio em condições de funcionamento adequado que se adaptassem devidamente ao local, de modo que não implicassem que a porta não ficasse a direito e que a parte inferior não deixasse de ficar devidamente vedada.
É este o defeito da obra, que foi explicitamente alegado e provado (cfr. artigo 24.º da petição inicial, confessado pela R.), e que implica a solução técnica que consta do artigo 28.º da petição inicial, a qual até foi sugerida por funcionário da própria R., justificando o sentido da condenação que, muito apropriadamente, a sentença recorrida proferiu.
Passando à porta 9, a sentença condenou a R. a trocar o puxador da estrutura que contém o veda luz e a borracha do batente, alterando a janela de modo a ficar amovível, tendo dobradiças, de modo a serem abertas para poder arejar a casa, tal como alegado no artigo 28.º da petição.
A essa porta refere-se o email de 6 de outubro de 2022 (doc. 10 da p.i.), sendo a queixa da A. então relacionada com os puxadores e a fechadura. Tendo a R. respondido que os puxadores e fechadura que havia colocado até seriam de qualidade superior aos anteriores, comprometendo-se, de todo o modo, a «retornar os (seus) puxadores à troca do veda luz, que não estava orçamentado», explicitando ainda que a porta n.º 9 iria ser concluída com abas de remate à mesma cor (doc. doc. 11 - email de 7 de outubro de 2022).
No email de 12 de outubro de 2022 (doc. 13) a A. refere-se à porta n.º 9, explicitando que a R. havia acedido a não cobrar os veda luz dessa porta, uma vez que a culpa tinha sido exclusivamente sua (entenda-se: da R.). O que inculca a ideia de que houve uma alteração à obra inicial, por iniciativa da R., que foi aceita pela A. relacionada com a inclusão dos “veda luz”.
Na carta de 21 de dezembro de 2022 (doc. 15) a A. reclama que a porta 9 não fechava em condições e uma das suas janelas não abre. Aliás, referiu-se especificamente ao facto de um dos hóspedes ter ficado trancado no dia 2 de novembro, tendo sido chamada a “Fábrica de Chaves do Areeiro” para abrir a porta, reclamando assim a reparação desses defeitos e o reembolso desse específico custo.
No email de 23 de dezembro de 2022 (doc. 17) a R. assume que iria proceder à resolução do problema da porta 9, trocando o puxador para a diagonal para o veda luz poder fechar.
Ora, na carta de 10 de janeiro de 2023 (e não de 2022, como por lapso aí consta – cfr. doc. 18), a A. refere explicitamente que a troca do puxador da porta n.º 9 não resolvia o problema, reclamando a realização de todas as reparações que já constavam da carta de 21 de dezembro de 2022, referindo que a janela continuava a não se poder abrir e tal como o veda luz.
Nessa sequência, a R. insistiu que iria colocar o puxador na vertical para solucionar o problema da abertura do veda luz (cfr. doc. 19 – email de 19 de janeiro de 2023) e, posteriormente, veio informar que, de acordo com visita técnica, iria efetuar as seguintes operações:
«- Colocação de puxador do cliente, bem como a caixa de correio.
«- Troca do puxador da estrutura que contém o veda luz.
«- Troca de borracha do batente – porta 9» (doc. 20 - email de 27 de fevereiro de 2023 – sublinhado nosso).
No email de 28 de fevereiro de 2023 (doc. 21) a A. veio mencionar que, para além da troca do puxador que contém o veda luz, verificou-se ter de se alterar a janela para ficar amovível com a do n.º 11, ou seja com dobradiças.
Daqui decorre que a colocação de dobradiças por forma a que a janela da porta 9 ficasse amovível é mais uma alteração à obra inicialmente acordada, mas desta feita correspondente a uma necessidade superveniente manifestada pelo dono de obra.
Ora, nos termos do Art. 1216.º n.º 1 do C.C., o dono da obra pode exigir que sejam feitas alterações ao plano convencionado, desde que o seu valor não exceda a quinta parte do preço estipulado e não haja modificação da natureza da obra.
É perfeitamente lícito presumir que a colocação de dobradiças na janela não exceda a quinta parte do valor total da obra convencionada, sendo evidente que a modificação não altera a natureza da obra. No entanto, nos termos do Art. 1216.º n.º 2 do C.C., por força dessa alteração, assiste ao empreiteiro o direito a uma aumento do preço estipulado, correspondente ao acréscimo de despesa e trabalho, para além do prolongamento do prazo para a execução da obra (cfr. n.º 2 do Art. 1216.º do C.C.).
Daqui resulta que a A. tem direito a exigir esta alteração, sem prejuízo de a R. poder exigir o pagamento do correspondente valor do acréscimo de despesas e trabalho, sendo que este segundo segmento da solução jurídica da questão não faz parte do objeto desta ação, pois a R. não formulou qualquer pretensão relativa ao direito a esse preço suplementar.
Assim sendo, a sentença condenatória suporta-se explicitamente em defeitos explicitamente alegados e provados (cfr. artigo 23.º da petição inicial, confessado pela R.), no que se refere à troca do puxador do veda luz e à borracha do batente, que, aliás, a própria R. assumiu dever fazer (cfr. doc. 20 - email de 27 de fevereiro de 2023).
Quanto à alteração da janela de modo a ficar amovível, com dobradiças e para poder ser aberta para arejar a casa, não se trata propriamente de defeito da obra, mas de uma alteração à obra, perfeitamente legítima no quadro do Art. 1216.º n.º 1 do C.C., sem prejuízo do direito de a R. poder exigir um aumento do preço correspondente ao acréscimo de despesas e trabalho (cfr. Art. 1216.º n.º 2 do C.C.).
Em conformidade, porque é exigível o cumprimento dessas obrigações e as soluções técnicas que logicamente se impõem são as sugeridas no artigo 28.º da petição inicial, justifica-se plenamente o sentido da condenação que a sentença recorrida proferiu.
Ainda quanto à porta 9, foi a propósito da forma como a mesma foi montada pela R., que se deu o incidente de um hóspede da A. ter ficado trancado no interior da casa, o que determinou a necessidade de chamar a “Fábrica de Chaves do Areeiro” para desbloquear a porta, o que importou no custo de €102,00 (cfr. factos provados 28.º e 29.º).
A R., aqui Apelante, praticamente não se referiu a estes factos, embora no final peça a sua absolvição de todos os pedidos contra si formulados.
Ora, o que aqui está em causa é um defeito de construção da porta n.º 9, que deveria permitir a abertura da porta por dentro, o que não se verificou no caso concreto. Logo, em causa está apenas a obrigação geral de indemnização pelo cumprimento defeituoso do contrato de empreitada, pelos danos causados à A. relativos ao custo que teve de suportar com a abertura da porta, por motivo de um seu hóspede ter ficado preso no prédio da A.. Esse direito emerge do estabelecido nos termos gerais previstos nos Art.s 798.º e 799.º do C.C., o que é legítimo peticionar conforme decorre do Art. 1223.º do C.C..
Finalmente, temos a porta 11, relativamente à qual se condenou a R. a colocar o puxador e a caixa de correio em conformidade com o que já estava na porta de madeira que aquela veio substituir.
No email de 6 de outubro de 2022 (doc. 10 da p.i.) a queixa da A. reportava-se inicialmente apenas aos puxadores e a fechadura originais (pretensão que não é aqui formulada, como já fizemos notar) e ainda ao facto dessa porta ir funcionar ao contrário e a cor ser branca e não verde, como a das portas de madeira originais (o que também nada tem a ver com o pedido formulado na petição inicial).
Na verdade, só com a carta de 21 de dezembro de 2022 (doc. 15) é que a A. reclama que a porta 11 não tem puxador ou manípulo, nem caixa de correio. Tendo a R. respondido, por email de 27 de fevereiro de 2023 (doc. 20), que iria colocar o puxador e a caixa de correio.
Visto isto, o defeito da porta 11 é que ela foi construída pela R., em alumínio, para substituir outra de madeira, sem conter elementos que faziam parte da porta original, como sejam o puxador, ou manípulo, e a caixa de correio, que a R. aceitou explicitamente que deveria colocar (cfr. doc. 20).
Refira-se ainda que, se dúvidas houvessem, verifica-se que do orçamento junto aos autos (doc. 1) consta que claramente que uma das portas tinha caixa de correio, sendo que a fatura junta como documento n.º 8 também faz explicita menção a que uma das portas tinha caixa de correio. Portanto, trata-se de elemento construtivo que estava previsto executar pela R. desde o início, não se tratando de qualquer alteração à obra acordada.
Em suma, quanto à porta 11, verificaram-se os defeitos alegados pela A. nos artigos 15.º e 20.º da petição inicial, sendo a solução técnica exposta no artigo 28.º adequada à reparação direta desses defeitos, o que justifica a condenação correspondentemente decidida na sentença recorrida.
De todo o exposto decorre que a sentença deve ser mantida, nomeadamente quanto à condenação da R. à reparação dos defeitos que se mostram devidamente alegados e provados, improcedendo na íntegra as conclusões que suportam entendimento diverso.
2. Da condenação em sanção pecuniária compulsória.
A A. na sua petição inicial havia formulado explicitamente o pedido de condenação da R. «em sanção compulsória por cada dia de atraso na (…) realização» da obra, tendo a sentença condenado a R. nesses termos, mas fixando o valor da sanção em €50,00 diários, a contar do trânsito em julgado dessa decisão condenatória.
A R., aqui Apelante, põe em causa a correção dessa concreta decisão com fundamento essencial na circunstância de a obrigação de fazer as obras, ao atraso da qual estava ligada a sanção aplicada, não ser uma obrigação infungível e, portanto, não se verificar esse pressuposto legal necessário para o funcionamento do disposto no Art. 829.º-A n.º 1 do C.C..
Apreciando, efetivamente é estabelecido no n.º 1 do Art. 829.º-A n.º 1 do C.P.C. que: «1 - Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infração, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso».
A prestação de facto fungível traduz-se na apreciação sobre a possibilidade de o cumprimento duma prestação poder ser realizada por terceira pessoa, portanto, distinta da pessoa do devedor que, por força da lei ou convenção das partes, está adstrito à sua realização.
Nos termos do Art. 828.º do C.C. o credor da prestação de facto fungível tem a faculdade de requerer, em execução, que o facto seja prestado por outrem à custa do devedor. Por sua vez, o Art. 767.º n.º 1 do C.C. estabelece que a prestação pode ser feita, tanto pelo devedor, como por terceiro, interessado ou não no seu cumprimento. No entanto, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, o credor não pode ser constrangido a receber a prestação de terceiro, quando se tenha acordado expressamente em que esta deve ser feita pelo devedor, ou quando a substituição prejudique o credor.
Assim, por regra, só o devedor pode cumprir a obrigação (cfr. Art. 406.º n.º 1 e 762.º n.º 1 do C.C.), admitindo-se, contudo, que se possa socorrer de colaboradores ou auxiliares, ficando aquele responsável pelos atos destes (cfr. Art. 800.º n.º 1 do C.C.).
Na prática, a diferença entre as prestações fungíveis e infungíveis resume-se à conclusão sobre saber se cumprimento por terceiro é ou não possível. Se for possível, a prestação é fungível, caso contrário é infungível (cfr. Calvão da Silva in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, pág. 367).
A infungibilidade pode resultar da natureza da própria prestação (infungibilidade natural), de convenção entre as partes (infungibilidade convencional) ou de disposição expressa na lei (infungibilidade legal).
No caso, não existe convenção entre as partes que determine que a prestação seja feita apenas pela R.. Por outro lado, do regime jurídico do contrato de empreitada também não decorre o estabelecimento duma infungibilidade legal, ainda que seja certo que essa relação contratual pressuponha algum nível de confiança entre as partes, sendo natural que o empreiteiro apenas tenha sido contratado pela A. em razão dos seus conhecimentos técnicos especiais, no caso relacionados com a construção e colocação de portas de alumínio. Ainda assim, não poderemos falar, em absoluto, duma relação contratual assente no pressuposto dum “intuitu personae”, pois afigura-se-nos claro que qualquer empresa de alumínios poderia ter sido contratada pela A. para realizar a obra por si pretendida. Nessa medida, nada nos pode levar à conclusão de que a prestação não pudesse ser realizada por terceiros, desde que fosse uma pessoa, ou uma empresa, especialmente qualificada para a construção e colocação de portas de alumínio, como tantas outras que existem no nosso país para além da R..
Ora, a infungibilidade natural deve resultar da conclusão de que a prestação por terceiro não corresponde à satisfação do interesse do credor, a qual deve ser apreciada objetivamente nos mesmos termos do Art. 808.º n.º 2 do C.C., o que deverá ser feito de forma casuística, tendo em consideração as especificidades da relação contratual estabelecida entre as partes, com recurso às regras da interpretação negocial (cfr. Art.s 236.º a 238.º do C.C.) - (cfr. Calvão da Silva in Ob. Loc. Cit., pág. 367 e 368). Pelo que, não sendo esse o caso, só poderemos concluir que estamos perante uma prestação objetivamente fungível e, consequentemente, não poderia a R. ser condenada no pagamento duma sanção pecuniária compulsória (vide, a propósito, e neste sentido, num caso muito semelhante: o Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 11 de outubro de 2007 Proc.º n.º 1611/07-1 – Relatora: Conceição Bucho, disponível em www.dgsi.pt; e ainda: o Ac. do TRC de 11/02/2014 - Proc. n.º 142/03.0TBANS.C1, Relator: José Avelino Gonçalves; e o Ac. TRC de 9/2/2010 – Proc. n.º 1506/03.5TBPBL.C1 - Relator: Falcão de Magalhães, igualmente disponíveis para consulta no mesmo sítio).
Em conformidade, nesta parte, procede a apelação e as correspondentes conclusões conformes ao exposto, devendo a R. ser absolvida do pedido de condenação em sanção pecuniária compulsória, revogando-se a sentença recorrida nesse concreto segmento condenatório.
As custas do recurso serão na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 1% para a apelada e 99% para a apelante (cfr. Art. 527.º n.º 1 e n.º 2 do C.P.C.).

V- DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente, por provada, revogando a sentença recorrida apenas no segmento em que condenou a R. a pagar à A. uma sanção pecuniária compulsória de €50,00 (cinquenta euros) por cada dia de atraso na realização das reparações em que aquela foi condenada, o qual é substituído pela decisão de absolver a R. do pedido de pagamento à A. duma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na realização dessas reparações.
Quanto ao mais, mantém-se a sentença recorrida.
- As custas do recurso de apelação são pela Apelante e pela Apelada na proporção do respetivo decaimento, fixado em 99% para a Apelante e 1% para a Apelada (Art. 527.º n.º 1 e n.º 2 do C.P.C.).
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Lisboa, 21 de janeiro de 2025
Carlos Oliveira
Cristina Silva Maximiano
Ana Rodrigues da Silva