Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | NUNO GARCIA | ||
| Descritores: | TAXA DE JUSTIÇA PAGAMENTO JUNÇÃO DE DOCUMENTO PRAZO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/05/2008 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Sumário: | 1. O documento comprovativo do pagamento das quantias a que alude o artº 80º, nº 2, do C.C.J., tem que ser junto aos autos no prazo de cinco dias aí referido, sob pena de aplicação do nº 3 da referida disposição legal, independentemente de tais quantias terem sido pagas nesse prazo. 2. O art.º 80º n.ºs 2 e 3 do CCJ impõe não só que o pagamento da taxa de justiça deve ser feito no prazo de cinco dias (admitindo-se que o pagamento diga respeito à taxa de justiça devida e ao acréscimo de igual montante), como também o documento comprovativo desse pagamento deve ser junto nesse prazo, sob pena de o acto ser declarado sem efeito, mesmo que mais tarde se venha a comprovar que o pagamento foi tempestivamente feito. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa. RELATÓRIO 1. - No âmbito do processo 2601/06.4TDSLB, a correr termos no 4º juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, a assistente A…. apresentou queixa contra M…, imputando-lhe a prática dos crimes de furto, furto qualificado, burla e burla qualificada. 2. - Realizado que foi o inquérito, o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento (fls. 142 e segs.). 3. - Face a isso, a assistente requereu a abertura de instrução, tendo o respectivo requerimento sido indeferido, por se ter entendido “padecer o mesmo do vício da inexistência por falta de objecto cognitivo” (fls. 199 e segs.) 4. - Inconformada com tal decisão, a assistente recorreu da mesma, apresentando a sua motivação a fls. 210 e segs.. 5. - Tal recurso foi, porém, declarado sem efeito, por se ter entendido que o documento comprovativo da autoliquidação foi apresentado fora do prazo previsto no artº 80º, nº 2, do C.C.J. (fls. 258). 6. - É deste despacho que a assistente agora recorre, tendo apresentado as seguintes conclusões (por transcrição): I - A extemporaneidade invocada pelo tribunal "a quo" na apresentação dos documentos comprovativos da autoliquidação da taxa de justiça e consequente multa, indeferindo, por isso, o recurso apresentado pela não-pronúncia da arguída, não pode proceder; II - Com efeito, a recorrente dirigiu-se à secretaria, no último dia do prazo, a fim de levantar, como levantou, as respectivas guias para o pagamento das ditas taxas; III - Antes da emissão das guias, a secretaria, como é timbre, de resto, em todas as secretarias judiciais, procedeu à contagem do prazo, tendo concluído que o dia em que a recorrente se apresentou era, efectivamente, o último dia do prazo, pelo que emitiu as referidas guias; IV - E no mesmo dia, foram pagas a taxa de justiça e a multa devida, pelo que o acto foi praticado em tempo; V - Aliás, se o pedido da recorrente não fosse viável, isto é, se não estivesse em tempo de o fazer, é óbvio que a secretaria jamais emitiria as guias solicitadas; VI - Consideramos, pois, que o acto foi praticado em tempo, salvo se houve erro da secretaria na contagem do prazo, o que, em nosso entender, não aconteceu; VII - Mas se, porventura, tivesse havido erro da secretaria na contagem do prazo, que admitimos por mero exercício de raciocínio sem conceder, entendemos que, ainda assim, em nada poderia afectar o acto praticado pela recorrente; VIII - Com efeito, os erros ou omissões praticados pela secretaria judicial, não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes, por fôrça do disposto no artº 161.° nº 6, do C. P. Civil, aplicável ex-vi do artº. 4.°, do C. P. Penal; IX - É, de resto abundante a Jurisprudência no sentido da tese defendida pela corrente, como se verifica pelo acórdão que, "mutatis mutandis" se aplica ao presente recurso e que se transcreve: " Se o oficial judicial, erradamente, indica à parte, aquando da citação, na nota inserta no duplicado da petição que lhe entrega, um prazo superior ao legal para apresentar a sua contestação, deve esta ser admitida nesse espaço temporal e isto, não obstante, tal lapso não ocorrer na certidão de citação junta aos autos ". ( Ac. RL, de 23.10.1985: BTE, 2.ª série, nºs 7-8-9/87, pág. 1258 ). X - Ou, ainda, este outro, igualmente aplicável, "mutatis mutandis" ao presente recurso e que nos diz: " Caso a secretaria, na nota de citação, errar na indicação do prazo para contestar, fixando prazo superior ao estabelecido na lei, é àquele prazo que deve atender-se, visto, nos termos do nº 6 do artº 161 do Cód. Proc. Civil, os erros e omissões praticados pela secretaria judicial não poderem, em qualquer caso, prejudicar as partes ". (Ac. RE, de 4.3.1999: BMJ, 485.°-496). XI - Assim, entendemos que, de uma forma ou de outra, o acto foi praticado em tempo, ou seja, foi praticado no último dia do prazo, isto é, no preciso espaço temporal referido pela secretaria, que considerou o dia em que a taxa e a multa devida foram pagas, como sendo o último dia válido para a prática do dito acto. Termos em que deve ser dado provimento o presente recurso, ordenando-se a alteração do despacho que dá, por sem efeito, o recurso apresentado pelo ora recorrente, pela não-pronúncia da arguida M… .. * 7. - Respondeu o Ministério Público a fls. 291 e segs., pugnando pela improcedência do recurso, uma vez que entende que a junção do documento comprovativo do pagamento deve ocorrer no prazo de cinco dias, independentemente da data em que ocorre tal pagamento.8. - O recurso foi admitido por decisão proferida a fls. 297, e já neste Tribunal a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o parecer de fls. 303. 9. - Cumprido que foi o disposto no artº 417º, nº 2, do C.P.P., não foi apresentada qualquer resposta. * Colhidos os vistos, cumpre decidir. * FUNDAMENTOS 10. - A única questão que importa apreciar neste recurso é a de se saber se o anterior recurso interposto a fls. 210 e segs. (da decisão que indeferiu liminarmente o requerimento de abertura de instrução) poderia ter sido dado sem efeito nos termos do artº 80º, nº 3, do C.C.J., por virtude de o comprovativo do pagamento das quantias a ele referentes (taxa de justiça devida pela interposição de recurso, acrescida de taxa de justiça de igual montante) ter sido junto ao processo depois de decorrido o prazo de cinco dias referido no nº 2 do mesmo artº 80º, apesar de se comprovar que o pagamento foi feito dentro desse prazo de cinco dias. É, por isso, que a motivação do recurso, com as respectivas conclusões, está deslocada da questão em discussão. Na verdade, pese embora a recorrente na parte inicial da sua motivação (fls. 273) refira que recorre do “despacho que considerou extemporânea a apresentação dos comprovativos da autoliquidação da taxa de justiça e consequente multa”, o que é certo é que toda a sua motivação se debruça sobre a questão da tempestividade do pagamento de tais quantias, com alusões à conduta da secretaria a esse propósito, quando o que está em causa não é isso. O que importa saber não é se o pagamento foi feito em tempo (ninguém pôs isso em causa, embora também seja uma questão discutível) mas sim se o comprovativo desse pagamento apresentado para além do prazo de cinco dias previsto no artº 80º, nº 2, do C.C.J., pode fundamentar a declaração do recurso sem efeito. Uma coisa é o pagamento, outra coisa, é o comprovativo desse pagamento. * 11. - Posto isto, vejamos o que interessa. Dispõe o artº 80º do C.C.J., na parte que nos interessa: Nº 1 - A taxa de justiça que seja condição (…) de seguimento de recurso, deve ser autoliquidada e o documento comprovativo do seu pagamento junto ao processo com a apresentação do requerimento na secretaria ou no prazo de 10 dias a contar da sua formulação no processo. Nº 2 - Na falta de apresentação do documento comprovativo no prazo referido no número anterior, a secretaria notifica o interessado para proceder à sua apresentação no prazo de cinco dias, com acréscimo de taxa de justiça de igual montante. Nº 3 - A omissão do pagamento das quantias referidas no número anterior determina que o (…) recurso seja considerado sem efeito. A referida redacção foi introduzida pelo D.L. 324/03 de 27/12, introduzindo a sistema da autoliquidação, tal como já acontecia para o processo civil desde o D.L. 320-B/2000 de 15/12, havendo, assim, uma clara intenção de aproximar a forma de pagamento da taxa de justiça, em ambos os processos. * O que ocorreu nos autos foi o seguinte:Em 21/4/08 (fls. 210 e segs.) a recorrente interpôs recurso da decisão que indeferiu liminarmente o requerimento de abertura de instrução. Não tendo procedido à autoliquidação da taxa de justiça a que alude o artº 80º, nº 1, do C.C.J., em 30/4/08 foi o Ilustre Mandatário da recorrente, pessoalmente notificado para, no prazo de cinco dias, apresentar documento comprovativo do pagamento por autoliquidação da taxa de justiça (fls. 231). Nessa data, nos termos e para os efeitos do artº 80º, nº 2, do C.C.J., foi-lhe entregue guia para pagamento da sanção a que alude o referido preceito legal, no montante de € 192,00 (igual à prevista no artº 86º, nº 1, do C.C.J., devida pela interposição de recurso), com o prazo de pagamento até 5/5/08. Em 12/12/08 (e, incompreensivelmente, juntamente com nova motivação de recurso) veio a recorrente juntar talões comprovativos de pagamento de duas quantias de € 192,00, pagamento esse feito em 5/5/08 (fls. 253). Ora, em 1º lugar dir-se-á que é discutível que a taxa de justiça devida pela interposição de recurso possa ser paga para além do prazo de 10 dias previsto no nº 1 do artº 80º do C.C.J., designadamente ainda no prazo de cinco dias previsto no nº 2 desse artigo, embora se admita que a redacção do nº 3 desse artigo 80º possa indicar essa possibilidade, pois que faz referência a quantias (no plural), referidas no número anterior. No sentido de ser admissível o pagamento ainda no prazo de cinco dias previsto no artº 80º, nº 2, do C.C.J., veja-se o Ac. da Rel. do Porto de 9/5/07, www.dgsi.pt (em sentido contrário, os Acs. da Rel, do Porto de 9/11/05, em www.dgsi.pt e de 3/5/06, em C.J., III, 205 e, pese embora seja a propósito da apresentação de uma contestação em processo civil, o Ac. da Rel. do Porto de 26/2/07, também em www.dgsi.pt). Poderá, assim, entender-se, que se a auto-liquidação não for feita nos termos do nº 1, ainda poderá ser feita no prazo de cinco dias após a notificação a que alude o nº 2, desde que se pague também a sanção aí prevista, ou seja, terá que ser paga a dobrar, tal como, aliás, acontece no processo civil, por força do que dispõe o artº 150º-A, nº 2, do C.P.C. e da remissão por este feita para os artºs 486º-A, 512º-B e, agora, 685º-D (o qual substituiu o artº 690º-B). Posto é que o documento comprovativo de tais pagamento seja junto no prazo de cinco dias, (ou quando muito num dos três úteis seguintes nos termos do artº 145º, nº 5, do C.P.C., aplicável “ex vi” doa rtº 107º, nº 5, do C.P.P. ), pese embora o nº 3 do artº 80º se refira “a omissão do pagamento…” e não “a omissão da junção do documento comprovativo do pagamento”. Mas não pode ser entendido de outra forma, até por harmonia com o previsto para o processo civil (actual artº 685º-D, nº 2 e anterior artº 690º-B, nº 2, os quais prevêem expressamente a junção do documento comprovativo do pagamento), sob pena de poderem ocorrer situações inadmissíveis e geradores da maior instabilidade no regular funcionamento dos Tribunais e no bom andamento dos processos. Por acaso, na situação dos autos, a junção do talão comprovativo só ocorreu 7 dias depois do termo do referido prazo de cinco dias, mas e se ocorresse 1 mês, 1 ano, 5 anos, depois? Voltava o processo atrás? Era, então, admitido o recurso? Parece que não poderá ser assim. Na verdade, a melhor interpretação das referidas disposições legais, é aquela que sustenta que não só pagamento deve ser feito no prazo de cinco dias (admitindo-se que o pagamento diga respeito à taxa de justiça devida e ao acréscimo de igual montante), como também o documento comprovativo desse pagamento deve ser junto nesse prazo, sob pena de o acto ser declarado sem efeito, mesmo que mais tarde se venha a comprovar que o pagamento foi tempestivamente feito. Só assim se combate a inércia de quem pagou em tempo mas “guardou”, sabe-se lá por quanto tempo, o documento comprovativo desse pagamento, que só juntará quando muito bem entender. Nem se diga que, o pagamento terá que ser feito no prazo de cinco dias, mas o respectivo comprovativo poderá ser junto no prazo geral de 10 dias previsto no artº 105º, nº 1, do C.P.P.. Em 1º lugar não há qualquer previsão legal para que os dois actos – pagamento e junção do respectivo comprovativo – ocorram um dentro do prazo de cinco dias e outro fora desse prazo. Em 2º lugar porque não faz sentido que tendo sido feito o pagamento, não seja logo junto o respectivo comprovativo e se aquele ocorrer no último dia depois do fecho da secretaria, não se vê qualquer impedimento a que o comprovativo seja junto ao processo ainda nesse último dia, através de qualquer meio que não exija a abertura da secretaria (fax, mail). No caso dos autos, só foi aberta conclusão depois de ter sido junto o comprovativo do pagamento, mas até poderia ter sido aberta antes, (desde que depois de decorrido o prazo de cinco dias do nº 2 do artº 80º do C.C.J.) e, se assim tivesse acontecido, já o recurso tinha sido declaro sem efeito. A entender-se que o comprovativo pode ser apresentado posteriormente, nesse caso teria que ser dado sem efeito o anterior despacho. Ora, isto contraria a boa tramitação de qualquer processo e provoca instabilidade processual intolerável, correndo-se o risco de o processo estar continuamente a regredir. Tudo o alegado pelo recorrente é, pois, “deslocado” da questão em apreço, sendo até certo que a guia que lhe foi entregue em 30/4/08, não tem nada que ver com o pagamento da taxa de justiça devida pela interposição de recurso, mas apenas com o pagamento da sanção a que alude o nº 2 do artº 80º do C.C.J. Assim, e concluindo, entende-se que nada há a apontar à decisão recorrida, pois que, pese embora tenham sido pagas tempestivamente as quantias em causa, não foi junto aos autos o documento comprovativo desse pagamento no prazo de cinco dias previsto no artº 80º, nº 2, do C.C.J.. * DECISÃO 12. - Face ao exposto, acordam os Juízes em julgar improcedente o recurso, confirmando-se, assim, a decisão recorrida. 13. - Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 3 UCs. * Lisboa, 5 de Novembro de 2008 (processado e revisto pelo relator)Nuno Maria Rosa da Silva Garcia António Rodrigues Simão |