Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2053/17.3T9CSC-A.L1-5
Relator: GUILHERMINA FREITAS (PRESIDENTE)
Descritores: PROCESSO PENAL
RENÚNCIA AO MANDATO
INÍCIO DO PRAZO DE RECURSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/16/2024
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECLAMAÇÃO PENAL
Decisão: DEFERIDA
Sumário: I - A renúncia ao mandato não opera de imediato e não interrompe ou suspende o decurso do prazo de interposição de recurso.
II - Tratando-se de uma situação em que o arguido tem de estar obrigatoriamente assistido por advogado, quer constituído, quer nomeado oficiosamente – art. 64.º, n.º 1, al. e), do CPP – o patrocínio mantém-se, apesar da renúncia, até 20 dias após a notificação desta.
III - Os arguidos não podem ser prejudicados na sua defesa por motivos de uma notificação deficiente ou de um despacho menos claro. 
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
B ------------, Lda., F----------------- e J ------------------, arguidos nos autos, reclamam, nos termos do disposto no art. 405.º do CPP, do despacho proferido pelo Tribunal reclamado, em 1/3/2024, que não admitiu, por extemporâneo, os recursos que interpuseram da sentença condenatória proferida nos autos, pedindo que os recursos sejam mandados admitir com os fundamentos que constam do requerimento com a Ref.ª 48199749, cujo teor aqui se dá como reproduzido.
Conhecendo.
Conforme resulta dos elementos constantes dos autos, a sentença foi lida em 17/11/2023, na presença dos arguidos/reclamantes e do seu, à data, mandatário, Sr.º Dr. P ---------, e depositada nessa mesma data.
Em 5/12/2023 o ilustre mandatário dos arguidos/reclamantes veio renunciar ao mandato.
Os arguidos/reclamantes foram notificados da renúncia ao mandato por via postal registada com A/R em 11/12/2023.
Em 27/12/2023 os arguidos/reclamantes vieram juntar procuração a constituírem mandatário o Sr. Dr.º R-----------------.
Nessa mesma data vieram os arguidos/reclamantes solicitar, ao abrigo do disposto no art. 107.º, n.º 2, do CPP, prorrogação de prazo para interposição de recurso por mais 15 dias, além do prazo legalmente estabelecido, face à renúncia do anterior mandatário, decorridos que estavam 18 dias do prazo de recurso, e o prazo que remanescia, de 12 dias, ser manifestamente exíguo, face ao volume do processo e ao período de festividades que se atravessava.
Por despacho de 27/12/2023 foi deferida a requerida prorrogação do prazo de recurso por mais 15 dias, para além dos 30 dias legalmente estabelecidos.
Em 29/1/2024 os arguidos/reclamantes vieram interpor recurso da sentença proferida nos autos.
Ora, tendo a sentença sido proferido na presença dos arguidos e do, à data, seu mandatário, em 17/11/2023, e depositado nessa mesma data, o prazo normal, de 30 dias, de interposição de recurso, que se iniciou em 18/11/2023, terminava em 18/12/2023, podendo, ainda, o acto ser praticado com o acréscimo de 3 dias úteis, mediante o pagamento da multa correspondente, ou seja, até 21/12/2023.
Porém, o mandatário dos arguidos/reclamantes veio renunciar ao mandato em 5/12/2023, ou seja, quando se encontrava em curso o prazo de interposição de recurso.
A renúncia ao mandato não opera de imediato e não interrompe ou suspende o decurso do prazo de interposição de recurso.
Dado que o CPP é omisso no que respeita a normas relativas à renúncia do mandato há que aplicar, por força do disposto no art. 4.º, as normas do CPC que se harmonizem com as do processo penal.
E, tratando-se de uma situação em que o arguido tem de estar obrigatoriamente assistido por advogado, quer constituído, quer nomeado oficiosamente – art. 64.º, n.º 1, al. e), do CPP – o patrocínio mantém-se, apesar da renúncia, até 20 dias após a notificação desta.
É o que resulta do disposto no art. 47.º, n.ºs 2 e 3, do CPC, aplicável ex vi do art. 4.º do CPP.
Neste mesmo sentido se pronuncia de forma maioritária a jurisprudência dos tribunais superiores, citando-se, a título de exemplo, os acórdãos do STJ de 12/5/2005 e de 9/11/2016 e da RC de 10/12/2008, proferidos, respectivamente, no âmbito dos processos 05P1310, 2356/14.9JAPRT.P1.S1 e 637/05.1ITAACB.C1, todos disponíveis in www.dgsi.pt e demais jurisprudência neles referida.
Também no mesmo sentido, se pronunciou o Ac. do TC n.º 671/2017, no qual se refere:
“Na verdade, como já antes se afirmara no Acórdão n.º 314/2007, e foi reiterado no citado Acórdão n.º 188/2010, da aplicação do artigo 39.º do CPC resulta que a renúncia ao mandato por parte de advogado constituído não tem como consequência a imediata extinção da relação de mandato e a consequente cessação das obrigações do mandatário para com o seu cliente, mantendo-se o dever do mandatário renunciante de prestar assistência ao mandante, o qual, de resto, tem de ser “pontual e escrupulosamente cumprido”, como impunha o artigo 83.º do Estatuto da Ordem dos Advogados e o atual artigo 88.º (Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro), que reproduz o seu teor.
De facto, na confrontação dos interesses aqui em presença – interesses do mandante e o desiderato de boa administração da justiça – distinta conclusão hermenêutica redundaria, necessariamente, num expediente dilatório, que atentaria contra o dever de administração célere da justiça.”
Nele se decidindo “não julgar inconstitucional a interpretação do artigo 47.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (na redação introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho), segundo a qual, sendo obrigatória a constituição de advogado, a renúncia ao mandato não produz efeitos enquanto não decorrer o prazo de 20 dias, concedido ao mandante para constituir mandatário.”
Ainda no mesmo sentido, veja-se o Código de Processo Civil Anotado por António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Vol. I, em anotação ao art. 47.º.
No presente caso, os arguidos/reclamantes vieram aos autos juntar a procuração a favor do Sr. Dr.º R ----------, em 27/12/2023, ou seja, ainda dentro do prazo de 20 dias para constituir novo mandatário que lhes foi indicado na notificação por via postal registada.
Tendo o requerimento de recurso dado entrada em juízo em 29/1/2023, sem que tenha sido invocado e provado justo impedimento, em princípio seria o mesmo de considerar como manifestamente extemporâneo, conforme decidido pelo tribunal reclamado.
Acontece, porém, que a notificação feita aos arguidos/reclamantes da renúncia ao mandato não é muito clara, sendo até algo contraditória, podendo tê-los induzido em erro.
Na verdade, da mesma consta que a renúncia ao mandato produz efeitos a contar da data da notificação que lhes foi feita e que tinham o prazo de 20 dias para, querendo, constituírem novo mandatário.
Tal notificação pode ter criado nos arguidos/reclamantes a expectativa, legítima, de que o prazo de recurso estaria suspenso ou interrompido entre a data da renúncia e a data da constituição do novo mandatário, conforme alegam.
E no despacho de 27/12/2023, que defere a prorrogação do prazo de recurso por mais 15 dias, para além do prazo normal de 30 dias, também não se esclarece que não havia lugar à suspensão/interrupção do prazo de recurso entre a data da renúncia e a data da constituição do novo mandatário, face ao teor do requerido nessa mesma data.
Não podem, pois, os arguidos/reclamantes serem prejudicados na sua defesa por motivos de uma notificação deficiente ou de um despacho menos claro. 
Assim, temos a considerar que o prazo de recurso, que passou a ser de 45 dias, se iniciou a 18/11/2023, suspendeu-se com a renúncia ao mandato do Sr. Dr. P-----------, em 5/12/2023, recomeçou a contagem em 4/1/2024, ou seja, após as férias judiciais, por não se tratar de processo urgente, e terminava em 30/1/2024.
Uma vez que os requerimentos de interposição de recurso deram entrada em 29/1/2024, são os mesmos tempestivos.
Pelo exposto, embora com fundamentos não totalmente coincidentes, defere-se a presente reclamação, revogando-se o despacho reclamado, o qual deverá ser substituído por outro que admita os recursos interpostos pelos arguidos/reclamantes.
Sem custas.
Notifique-se.

Lisboa, 16 de Maio de 2024
Guilhermina Freitas – Presidente