Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | GUILHERMINA FREITAS (PRESIDENTE) | ||
| Descritores: | PROCESSO PENAL RENÚNCIA AO MANDATO INÍCIO DO PRAZO DE RECURSO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 05/16/2024 | ||
| Votação: | DECISÃO INDIVIDUAL | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECLAMAÇÃO PENAL | ||
| Decisão: | DEFERIDA | ||
| Sumário: | I - A renúncia ao mandato não opera de imediato e não interrompe ou suspende o decurso do prazo de interposição de recurso. II - Tratando-se de uma situação em que o arguido tem de estar obrigatoriamente assistido por advogado, quer constituído, quer nomeado oficiosamente – art. 64.º, n.º 1, al. e), do CPP – o patrocínio mantém-se, apesar da renúncia, até 20 dias após a notificação desta. III - Os arguidos não podem ser prejudicados na sua defesa por motivos de uma notificação deficiente ou de um despacho menos claro. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | B ------------, Lda., F----------------- e J ------------------, arguidos nos autos, reclamam, nos termos do disposto no art. 405.º do CPP, do despacho proferido pelo Tribunal reclamado, em 1/3/2024, que não admitiu, por extemporâneo, os recursos que interpuseram da sentença condenatória proferida nos autos, pedindo que os recursos sejam mandados admitir com os fundamentos que constam do requerimento com a Ref.ª 48199749, cujo teor aqui se dá como reproduzido. Conhecendo. Conforme resulta dos elementos constantes dos autos, a sentença foi lida em 17/11/2023, na presença dos arguidos/reclamantes e do seu, à data, mandatário, Sr.º Dr. P ---------, e depositada nessa mesma data. Em 5/12/2023 o ilustre mandatário dos arguidos/reclamantes veio renunciar ao mandato. Os arguidos/reclamantes foram notificados da renúncia ao mandato por via postal registada com A/R em 11/12/2023. Em 27/12/2023 os arguidos/reclamantes vieram juntar procuração a constituírem mandatário o Sr. Dr.º R-----------------. Nessa mesma data vieram os arguidos/reclamantes solicitar, ao abrigo do disposto no art. 107.º, n.º 2, do CPP, prorrogação de prazo para interposição de recurso por mais 15 dias, além do prazo legalmente estabelecido, face à renúncia do anterior mandatário, decorridos que estavam 18 dias do prazo de recurso, e o prazo que remanescia, de 12 dias, ser manifestamente exíguo, face ao volume do processo e ao período de festividades que se atravessava. Por despacho de 27/12/2023 foi deferida a requerida prorrogação do prazo de recurso por mais 15 dias, para além dos 30 dias legalmente estabelecidos. Em 29/1/2024 os arguidos/reclamantes vieram interpor recurso da sentença proferida nos autos. Ora, tendo a sentença sido proferido na presença dos arguidos e do, à data, seu mandatário, em 17/11/2023, e depositado nessa mesma data, o prazo normal, de 30 dias, de interposição de recurso, que se iniciou em 18/11/2023, terminava em 18/12/2023, podendo, ainda, o acto ser praticado com o acréscimo de 3 dias úteis, mediante o pagamento da multa correspondente, ou seja, até 21/12/2023. Porém, o mandatário dos arguidos/reclamantes veio renunciar ao mandato em 5/12/2023, ou seja, quando se encontrava em curso o prazo de interposição de recurso. A renúncia ao mandato não opera de imediato e não interrompe ou suspende o decurso do prazo de interposição de recurso. Dado que o CPP é omisso no que respeita a normas relativas à renúncia do mandato há que aplicar, por força do disposto no art. 4.º, as normas do CPC que se harmonizem com as do processo penal. E, tratando-se de uma situação em que o arguido tem de estar obrigatoriamente assistido por advogado, quer constituído, quer nomeado oficiosamente – art. 64.º, n.º 1, al. e), do CPP – o patrocínio mantém-se, apesar da renúncia, até 20 dias após a notificação desta. É o que resulta do disposto no art. 47.º, n.ºs 2 e 3, do CPC, aplicável ex vi do art. 4.º do CPP. Neste mesmo sentido se pronuncia de forma maioritária a jurisprudência dos tribunais superiores, citando-se, a título de exemplo, os acórdãos do STJ de 12/5/2005 e de 9/11/2016 e da RC de 10/12/2008, proferidos, respectivamente, no âmbito dos processos 05P1310, 2356/14.9JAPRT.P1.S1 e 637/05.1ITAACB.C1, todos disponíveis in www.dgsi.pt e demais jurisprudência neles referida. Também no mesmo sentido, se pronunciou o Ac. do TC n.º 671/2017, no qual se refere: “Na verdade, como já antes se afirmara no Acórdão n.º 314/2007, e foi reiterado no citado Acórdão n.º 188/2010, da aplicação do artigo 39.º do CPC resulta que a renúncia ao mandato por parte de advogado constituído não tem como consequência a imediata extinção da relação de mandato e a consequente cessação das obrigações do mandatário para com o seu cliente, mantendo-se o dever do mandatário renunciante de prestar assistência ao mandante, o qual, de resto, tem de ser “pontual e escrupulosamente cumprido”, como impunha o artigo 83.º do Estatuto da Ordem dos Advogados e o atual artigo 88.º (Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro), que reproduz o seu teor. De facto, na confrontação dos interesses aqui em presença – interesses do mandante e o desiderato de boa administração da justiça – distinta conclusão hermenêutica redundaria, necessariamente, num expediente dilatório, que atentaria contra o dever de administração célere da justiça.” Nele se decidindo “não julgar inconstitucional a interpretação do artigo 47.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (na redação introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho), segundo a qual, sendo obrigatória a constituição de advogado, a renúncia ao mandato não produz efeitos enquanto não decorrer o prazo de 20 dias, concedido ao mandante para constituir mandatário.” Ainda no mesmo sentido, veja-se o “Código de Processo Civil Anotado” por António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Vol. I, em anotação ao art. 47.º. No presente caso, os arguidos/reclamantes vieram aos autos juntar a procuração a favor do Sr. Dr.º R ----------, em 27/12/2023, ou seja, ainda dentro do prazo de 20 dias para constituir novo mandatário que lhes foi indicado na notificação por via postal registada. Tendo o requerimento de recurso dado entrada em juízo em 29/1/2023, sem que tenha sido invocado e provado justo impedimento, em princípio seria o mesmo de considerar como manifestamente extemporâneo, conforme decidido pelo tribunal reclamado. Acontece, porém, que a notificação feita aos arguidos/reclamantes da renúncia ao mandato não é muito clara, sendo até algo contraditória, podendo tê-los induzido em erro. Na verdade, da mesma consta que a renúncia ao mandato produz efeitos a contar da data da notificação que lhes foi feita e que tinham o prazo de 20 dias para, querendo, constituírem novo mandatário. Tal notificação pode ter criado nos arguidos/reclamantes a expectativa, legítima, de que o prazo de recurso estaria suspenso ou interrompido entre a data da renúncia e a data da constituição do novo mandatário, conforme alegam. E no despacho de 27/12/2023, que defere a prorrogação do prazo de recurso por mais 15 dias, para além do prazo normal de 30 dias, também não se esclarece que não havia lugar à suspensão/interrupção do prazo de recurso entre a data da renúncia e a data da constituição do novo mandatário, face ao teor do requerido nessa mesma data. Não podem, pois, os arguidos/reclamantes serem prejudicados na sua defesa por motivos de uma notificação deficiente ou de um despacho menos claro. Assim, temos a considerar que o prazo de recurso, que passou a ser de 45 dias, se iniciou a 18/11/2023, suspendeu-se com a renúncia ao mandato do Sr. Dr. P-----------, em 5/12/2023, recomeçou a contagem em 4/1/2024, ou seja, após as férias judiciais, por não se tratar de processo urgente, e terminava em 30/1/2024. Uma vez que os requerimentos de interposição de recurso deram entrada em 29/1/2024, são os mesmos tempestivos. Pelo exposto, embora com fundamentos não totalmente coincidentes, defere-se a presente reclamação, revogando-se o despacho reclamado, o qual deverá ser substituído por outro que admita os recursos interpostos pelos arguidos/reclamantes. Sem custas. Notifique-se. Lisboa, 16 de Maio de 2024 Guilhermina Freitas – Presidente |