Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | PEDRO JOSÉ ESTEVES DE BRITO | ||
Descritores: | PROCESSO DE CONTRAORDENAÇÃO DECISÃO DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA FUNDAMENTAÇÃO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/03/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO CONTRAORDENACIONAL | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROVIDO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I. A fundamentação da decisão condenatória da autoridade administrativa em procedimento contraordenacional é qualitativamente menos intensa do que a que é exigida a uma sentença penal; II. A inclusão na decisão condenatória da autoridade administrativa em procedimento contraordenacional de factos noutro segmento que não o referente à factualidade apurada, embora possa ser tecnicamente imperfeita do ponto de vista lógico-sistemático da decisão, não pode ser equiparada a uma autêntica carência da alegação de tais factos. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | * I. Relatório: I.1. Da decisão recorrida: No âmbito do recurso de contraordenação n.º 10803/23.2T8LRS, que corre termos no Juízo Local Criminal de Loures – Juiz 4, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, em 30-01-2024 foi proferido despacho que absolveu AA da prática da contraordenação que lhe vinha imputada, por via da então declarada nulidade da decisão proferida pela ... e pela qual foi aquele condenado na coima de EUR 2 500, pela prática, em ...-...-2022, de uma contraordenação ambiental grave, p. e p. pelos arts. 9.º, n.ºs 1 e 5, 117.º, n.º 2, al. b), do Regime Geral da Gestão de Resíduos (R.G.G.R.), 2.º, n.º 1, 9.º, n.ºs 1 e 2, e 22.º, n.º 3, al. a), da Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais (L.Q.C.A.), 15.º, al. a), do Código Penal (C.P.) e 32.º do Regime Geral das Contraordenações e Coimas (R.G.C.C.), e que impugnara judicialmente. I.2. Do recurso: Inconformada com a decisão, a Digna Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido dela interpôs recurso, extraindo da motivação as seguintes conclusões: “1 - O Tribunal a quo declarou nula a decisão administrativa proferida pela ..., por entender ser aquela omissa quanto aos elementos objectivos e subjectivo do tipo de ilícito contraordenacional imputado à recorrente, “não permitindo sequer o cabal exercício do direito de defesa por parte do arguido”. 2 - O Ministério Publico não pugna da mesma opinião, antes entendendo que a decisão administrativa integra todos os elementos essenciais a que deve obedecer. 3 - Na verdade, estabelece o art.º 58º, do RGCO, os requisitos a que deve obedecer a decisão administrativa condenatória, decorrendo do citado normativo legal que a decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter: a identificação dos arguidos; a identificação dos factos imputados com indicação das provas obtidas; a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão; a coima e as sanções acessórias; a informação de que a condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada nos termos do artigo 59.º e que em caso de impugnação judicial o tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso o arguido e o Ministério Público não se oponham mediante simples despacho; e, ainda, a ordem de pagamento da coima no prazo máximo de dez dias após o carácter definitivo ou o trânsito em julgado da decisão e a indicação de que em caso de impossibilidade de pagamento tempestivo deve comunicar o facto por escrito à autoridade que aplicou a coima. 4 - Como referem Simas Santos e Lopes de Sousa, in “Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral”, 3.ª edição, 2006, em anotação ao art.º 58.º: “os requisitos previstos neste artigo para a decisão condenatória contra-ordenacional visam assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão. Por isso as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos” 5 - A lei não define qual o âmbito ou rigor da fundamentação que se impõe às decisões administrativas, mas tem entendido a jurisprudência e a doutrina, de forma unânime, que não se exige o mesmo rigor descritivo e formal que se impõe a uma decisão judicial. O que se exige é que resulte claro para o arguido quais os factos que lhe imputam, quais as normas violadas e a respectiva sanção. Estes factos hão-de permitir ao arguido identificar a factualidade que lhe é imputada e defender-se adequadamente. 6 - Para verificar se a decisão administrativa comporta os elementos típicos objectivos e subjectivo das contraordenações aí indicadas, torna-se imprescindível a análise das correspondentes disposições legais que se indicam como violadas pelo arguido. 7 – No caso em apreço, por decisão proferida pela ..., foi imputada ao arguido AA, recorrente, a prática da contraordenação prevista no artigo 9º do Decreto-Lei nº 102-D/2020, de 0-12, que aprova o regime geral de resíduos, e art.º 177º, nº 2, alínea b) do mesmo diploma legal, com referência ainda ao art.º 22º, nº 3, alínea a) da Lei-Quadro das Contraordenações ambientais. 8 - Estipula o citado artigo 9º do Decreto-Lei mº 102-D/2020, de 10-12 que: “1 – A responsabilidade pela gestão de resíduos, incluindo os respectivos custos, cabe ao produtor inicial dos resíduos” , “3- Em caso de impossibilidade de determinação do produtor de resíduos, a responsabilidade pela respetiva gestão recai sobre o seu detentor”, e “5- O produtor inicial dos resíduos ou o detentor devem, em conformidade com os princípios da hierarquia dos resíduos e da protecção da saúde humana e do ambiente, assegurar a gestão de resíduos” Mais dispõe o art.º 117º, nº 2, alínea b) do Decreto-Lei nº 02-D/2020, de 10-2 que “constitui contraordenação ambienta grave, nos termos da Lei-Quadro das Contraordenações ambientais” “o incumprimento do dever de assegurar a gestão de resíduos, a que, nos termos do artigo 9º, caiba essa responsabilidade” 9 - Para a imputação da contraordenação imputada ao arguido, refere a decisão administrativa fls. 226 e 227: “IDENTIFICAÇAO DO (A) ARGUIDO (A) AA (…) (…) FACTOS IMPUTADOS Aos ... dias do mês de ...de 2022 pelas 16:10 horas, no sítio de ..., freguesia de ..., verificou-se conforme auto/participação, que o (a) arguido(a) acima identificado(a), praticou a seguinte infração: Infração 1 O incumprimento do dever de assegurar a gestão de resíduos, a quem, nos termos do previsto no artigo 9º., caiba essa responsabilidade O participado não deu cumprimento ao dever de assegurar a gestão de resíduos, considerando que não apresentou quaisquer comprovativos do adequado encaminhamento daqueles que foram produzidos no decurso da sua actividade até à data, na morada em questão, designadamente, lixas, solventes, pó de polimento de remoção de tintas, papel, plástico, fitas adesivas, latas de tinta e de betumes, contaminados Enquadramento Legal Normativo Violado: artigo 9.º do Decreto-Lei nº 102-D/2020, de 10 de Dezembro, que aprova o regime geral da gestão de resíduos Normativo Sancionatório: Alínea b), nº 2 do art.º 117.º” 10 - Mais se refere a fls. 230 e 231 dos factos dados como provados na decisão administrativa consta devidamente descrito que: “O arguido” (…) “desenvolvia a actividade de pintura de automóveis”, “No desenvolvimento da sua actividade o arguido produzia resíduos que” (…) “estão classificados como sendo resíduos perigosos”. “ No dia da fiscalização constatou-se que o arguido não procedia à correcta gestão e disposição dos resíduos que produzia no desenvolvimento da sua actividade” 11 - Por fim refere a decisão administrativa relativa à culpa do arguido, e a fim de aferir do elemento subjectivo, a fls. 231 e 232 que “No caso em apreço verificou-se que o arguido praticou um facto: - Voluntário, porque dominado pela sua vontade autónoma e livre: - Típico, porque subsumível a uma norma que consubstancia uma contraordenação: - Ilícito, porque desvalioso e contrário à ordem jurídica. Da análise dos autos não foi possível apurar causa de exclusão de culpa (…) mas é possível concluir que o ilícito foi praticado com uma culpa menor. Ou seja, concluir que o ilícito foi praticado, na com dolo, mas com negligência. Analisados os autos, verificamos que o arguido agiu com negligência, porquanto o mesmo, tendo violado um dever objectivo de cuidado, ao não diligenciar pela correta gestão dos resíduos que produzia, sem que, no entanto, o fizesse com intenção clara de violar a lei. Verifica-se, em concreto, que os resíduos produzidos não foram causadores de qualquer prejuízo ambiental ou para a saúde da população. Por outro lado, constatou-se que o arguido procedeu, logo após a fiscalização à reposição da legalidade, seno proactivo na procura de pautar o seu comportamento dentro da legalidade”. 12 - Neste contexto, e atentos os factos dados como provados e que justificaram a decisão final, veio a ... a aplicar ao arguido/recorrente uma coima que fixou em € 2.500,00. 13 - Ora da supra leitura da factualidade dada como provada e descrita na decisão da ... resulta para nós que a autoridade administrativa descreveu devidamente os factos que imputou ao arguido, identificando a sua autoria, data e local, bem como a infracção verificada. 14 - Fê-lo de forma clara e inequívoca, permitindo que o arguido se defendesse devidamente dos factos imputados e da sanção aplicada, aliás, direito de defesa que o mesmo exerceu de forma inquestionável e plena, sedo que em momento algum colocou em causa desconhecer quais os factos sobre os quais se deveria defender. 15 - O arguido exerceu o seu pleno direito de defesa em todas as fases do processo, sendo que, percebendo devidamente o alcance do que lhe era imputado, prontamente se determinou a corrigir as condutas que vinham violando. E tal postura foi decisiva para que a conduta imputada viesse a ser sancionada no limite mínimo da coima aplicável à infracção verificada. 16 - Neste contexto, não se entende como é que o Tribunal a quo vem a concluir que a decisão administrativa não contem os elementos que permitam ao exercício de defesa do arguido, quando este próprio assumiu na sua defesa ter alcançado o teor da decisão, tendo impugnado a prática dos factos imputados, nos termos em que, com clareza, o fez. 17 - Inexiste em nosso entender os alegados vícios invocados pelo Tribunal a quo. 18 - Mais, mesmo que se pudesse conceder que a referência ao tipo objectivo e subjectivo da concreta contraordenação imputada ao arguido não primasse pelo rigor formal, afigura-se-nos que, ainda assim, a descrição contida na decisão administrativa é suficiente para o preenchimento da contraordenação imputada à recorrente, bem como para que esta pudesse exercer, como efectivamente exerceu, o seu direito de defesa. 20 - De facto, o arguido, através da impugnação judicial apresentada, revelou perfeito entendimento dos factos que lhe foram imputados na decisão administrativa e do título a que o foram, donde decorre que a fundamentação da decisão foi suficiente para permitir o exercício do direito de defesa da recorrente, concluindo-se, por isso, que a mesma observou as exigências do artigo 58º, nº 1 do RGCOC, não padecendo de nulidade. 21 - Por outro lado, mesmo que os vícios invocado na decisão do Tribunal a quo se verificasse, igualmente entendemos que o destino do procedimento contraordenacional não deveria ter sido a absolvição do arguido/recorrente, com o subsequente arquivamento dos autos, mas antes impunha, por a declaração de nulidade corresponder à anulação dos actos inválidos ( e que no caso em apreço se cingiria tão só a decisão final, e não a toda a actividade inspectiva), concluir por devolver o processo à autoridade administrativa a fim de ai serem supridos os vícios declarados. 22 - Ao não o ter feito, o Tribunal a quo violou o disposto nos artºs 122º, nº 2 do Código de Processo Penal, aplicável ex vi art.º 41º, nº do RGCO. 23 - Na verdade, na sequência da declaração de nulidade da decisao administrativa por falta de requisitos legais, o processo não é necessariamente extinto, antes devendo ser determinar praticar os factos necessários para que eles (falta de requisitos legais) deixem de existir, o que permitira que venha a ser proferida nova decisão, seguindo-se os demais tramites que a partir desta se imponha realizar. 24 - A repetição do acto anulado, que terá, em princípio, como vista o desaparecimento jurídico do acto nulo e dos actos que dele dependeram é a regra generalizada que decorre do art.º 122º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal. 25 - Neste contexto, por aplicação do art.º 122º, nº 2 do Código de Processo Penal, aplicável ex vi art.º 41º do RGCO obriga a que a declaração de nulidade determine expressamente quais os actos que declara nulos, e como tal, inválidos, e determina que os mesmos sejam repetidos, concedendo a autoridade administrativa a possibilidade de sanar as nulidades invocada, repetindo todos os actos que tornem a decisão administrativa valida, munida dos requisitos legais que lhe são exigidas, não se prevendo o arquivamento dos autos, nos termos em que a MMa Juiz de Direito o determinou.” O referido recurso foi admitido por despacho de 23-02-2024. I.3. Da tramitação subsequente: Notificado, não foi apresentada resposta pelo arguido. Foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação. Nesta instância, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta apôs o seu visto. Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos submetidos a conferência. Nada obsta ao conhecimento do mérito, cumprindo, assim, apreciar e decidir. II. Fundamentação: II.1. Dos poderes de cognição do tribunal de recurso: Está pacificamente aceite na doutrina (cfr., por exemplo, MESQUITA, Paulo Dá, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo V, 2024, Livraria Almedina, pág. 217; POÇAS, Sérgio Gonçalves, in “Processo Penal – Quando o recurso incide sobre a decisão da matéria de facto, Julgar, n.º 10, 2010, pág. 241; SILVA, Germano Marques da, in Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª edição, 2000, pág. 335) e jurisprudência (cfr., por exemplo, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15-02-2024, processo n.º 105/18.1PAACB.S12) que, sem prejuízo do conhecimento oficioso de determinadas questões que obstem ao conhecimento do mérito do recurso (cfr., por exemplo, art.º 410.º, n.º 2, do C.P.P.), são as conclusões que delimitam o seu objeto e âmbito, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19-10-1995, para fixação de jurisprudência, in Diário da República n.º 298, I Série A, de 28-12-1995, págs. 8211 e segs.3). Na verdade, se o objeto do recurso constitui o assunto colocado à apreciação do tribunal de recurso e se das conclusões obrigatoriamente devem constar, se bem que resumidas, as razões do pedido (cfr. art.º 412.º, n.º 1, do C.P.P.) e, assim, os fundamentos de facto e de direito do recurso, necessariamente terão de ser as conclusões que identificam as questões que a motivação tenha antes dado corpo, de forma a agilizar o exercício do contraditório e a permitir que o tribunal de recurso identifique, com nitidez, as matérias a tratar. II.2. Das questões a decidir: A esta luz, são as seguintes as questões a conhecer: A. Se a decisão administrativa é omissa quanto à fundamentação, nomeadamente quanto à factualidade referente aos elementos objetivos e subjetivos da contraordenação em causa (cfr. II.4.A.); e B. Caso se verifique tal omissão, se os autos deveriam ser remetidos à autoridade administrativa para suprimento dessa falta (cfr. II.4.B.). II.3. Ocorrências processuais com relevo para apreciar as questões objeto do recurso: Ora, com relevo para o definido objeto do recurso, e resultante dos atos processuais a seguir assinalados, importa atentar no seguinte: II.3.A. Da decisão condenatória da autoridade administrativa: É do seguinte teor a decisão condenatória proferida em …-2023 pela referida autoridade administrativa: “Assunto: Decisão Data: ..., … de 2023 Processo de Contraordenação N.º: …-2022 BB, O Vereador, (Por delegação e subdelegação de competências do Sr. Presidente CC, exaradas nos termos do Despacho n.º 45/PRES/2021, de 22 de outubro) tudo visto e considerado, vem decidir: AUTO/PARTICIPAÇÃO O presente processo foi instaurado e instruído com base no Auto/Participação PI-...-...22 proveniente de .... IDENTIFICAÇÃO DO(A) ARGUIDO(A) AA, titular do Número de Identificação Fiscal N.º ... e residente em .... QUESTÕES PRÉVIAS Não existem nulidades processuais ou questões prévias ou incidentais que cumpra conhecer e que obstem à prossecução do processo e ao conhecimento do seu objeto e a Autoridade Administrativa é competente para o processo de contraordenação em apreço. FACTOS IMPUTADOS Aos ... de 2022 pelas 16:10 horas, no sítio de ..., freguesia de ..., verificou-se conforme auto/participação, que o(a) arguido(a) acima identificado(a), praticou a seguinte infração: Infração 1 O incumprimento do dever de assegurar a gestão de resíduos, a quem, nos termos do previsto no artigo 9.º, caiba essa responsabilidade. O participado não deu cumprimento ao dever de assegurar a gestão de resíduos, considerando que não apresentou quaisquer comprovativos do adequado encaminhamento daqueles que foram produzidos no decurso da sua atividade até à data, na morada em questão, designadamente, lixas, solventes, pó de polimentos de remoção de tintas, papel, plásticos, fitas adesivas, latas de tinta e de betumes, contaminados. Enquadramento Legal Normativo Violado: artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro, que aprova o regime geral da gestão de resíduos. Normativo Sancionatório: Alinea b) do n.º 2 do artigo 117.º Regime Sancionatório Coima Mínima: 4.000,00 e Coima Máxima: 40.080,00 e Sanções Acessórias Simultaneamente com a coima, a lei permite a aplicação das seguintes sanções acessória, em função da gravidade da infração e da culpa do agente: a) Apreensão e perda a favor do Estado dos objetos pertencentes ao arguido, utilizados ou produzidos aquando da infração. b) Interdição do exercício de profissões ou atividades cujo exercício dependa de título público ou de autorização ou homologação de autoridade pública. c) Privação do direito a benefícios ou subsídios outorgados por entidades ou serviços públicos nacionais ou comunitários. d) Privação do direito de participar em conferências, feiras ou mercados nacionais ou internacionais com intuito de transacionar ou dar publicidade aos seus produtos ou às suas atividades. e) Privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos que tenham por objeto a empreitada ou concessão de obras públicas, a aquisição de bens e serviços, a concessão de serviços públicos e a atribuição de licenças ou alvarás. t) Encerramento de estabelecimento cujo funcionamento esteja sujeito a autorização ou licença de autoridade administrativa. g) Cessação ou suspensão de licenças, alvarás ou autorizações relacionados com o exercício da respetiva atividade. h) Perda de benefícios fiscais, de benefícios de crédito e de linhas de financiamento de crédito de que haja usufruído. i) Selagem de equipamentos destinados à laboração. j) Imposição das medidas que se mostrem adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma. l) Publicidade da condenação. m) Apreensão de animais. DA NOTIFICAÇÃO O arguido foi notificado no dia 31-08-2022 com o documento AC-..., Correio Registado C/AR, junto ao processo, nos termos e para os efeitos do art.º 49.º da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais. DO DIREITO DE AUDIÇÃO E DEFESA Nos termos do direito de audição e defesa previsto no artigo 49º, da Lei-quadro das Contraordenações Ambientais, aprovada pela Lei nº. 50/2006, de 29 de agosto, na sua redação atual (LQCA), foi o arguido regularmente notificado para se pronunciar sobre a contraordenação que lhe é imputada e sobre a sanção em que incorre, tendo comparecido o mesmo nos autos para fazer uso desse direito, alegando, em síntese, o seguinte: - Aquando da fiscalização foi deixado ao arguido uma notificação sobre as medidas que o mesmo teria de tomar para não lhe ser aplicada uma coima; - Todas as medidas foram resolvidas por parte do arguido; - Passados alguns meses da fiscalização, o arguido pagou uma coima no valor de 150 euros, pensando que isso colocaria termo ao processo; - No mês de Agosto, o arguido recebeu um novo processo de contraordenação, e com uma coima a pagar no valor de 4000 euros. No entanto, o requerente a mínima possibilidade de pagar o valor mencionado, pois, caso contrário teria de declarar insolvência; - Por altura de 2016, o arguido estava desempregado e foi ajudado por uma funcionária do Centro de Emprego, que o instruiu e influenciou a criar o próprio emprego; - A atividade do arguido é autoemprego, tratando-se de uma atividade de subsistência para si e para o seu agregado familiar; - O art.º 8.º do regime Geral das Contraordenações prevê, a aplicação de uma contraordenação apenas a título de dolo, e a título excecional por negligência se assim tiver previsto; - O arguido ora requerente não praticou os factos pelos quais vem acusado dolosamente; - A atividade do arguido, quase não cria resíduos, conforme se pode confirmar e comprovar pelo facto do arguido não ter sequer esgotado o bidão de 50 litros no decurso da sua atividade; - Tenta reciclar tudo quanto pode e consegue quer por motivos estritamente económicos, quer também por preocupações ecológicas - Por vezes o arguido era contactado por pessoas a quem disponibilizava as latas em excesso; - As que deitou efetivamente fora, o arguido tapou-as bem e colocou-as no ecoponto amarelo, conforme exposto pela Quercus no seu programa Minuto Verde; - Por outro lado, é preciso vincar bem que o arguido faz é pintura, e por isso da sua atividade não resulta qualquer resíduo combustível ou oleoso; - Termos em que atento o exposto, resultam fundadas dúvidas se o arguido praticou ou não a contraordenação pela qual vem acusado, uma vez que a sua atividade é altamente incipiente, em face dos deveres impostos ao operador económico; - Os deveres impostos ao operador económico são absolutamente desfasados da realidade do arguido, que para sobreviver, vai pintando este ou aquele carrito que lhe vai aparecendo. Analisada a defesa apresentada pelo arguido cumpre tecer as seguintes considerações: Desde logo, sobre os 150 euros de coima que o arguido alega ter pago, a mesma deveu-se a um outro processo de contraordenação, ainda que relacionado com a fiscalização levada a cabo no dia … de 2022, o Processo n.º …-2022 em que o arguido era acusado de não ter realizado a mera comunicação previa para o acesso à atividade de exploração de oficinas de manutenção e reparação de veículos automóveis, motociclos e ciclomotores, e de oficinas de adaptação e reparação de veículos automóveis utilizadores de gases de petróleo liquefeito (GPL) e gás natural comprimido e liquefeito (GN), identificadas na lista IV do anexo I do Decreto-Lei n.º 10/2015, processo esse em que tendo a possibilidade, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 9/2021, o arguido procedeu ao pagamento voluntário da coima, razão pela qual o processo foi arquivado. O processo agora em analise, e que corresponde ao processo que o arguido alega ter recebido em agosto, prende-se com o facto de se ter constatado que o arguido, na data da fiscalização, não ter dado cumprimento ao dever de assegurar a gestão de resíduos, considerando que não apresentou quaisquer comprovativos do adequado encaminhamento daqueles que foram produzidos no decurso da sua atividade até à data, na morada em questão, designadamente, lixas, solventes, pó de polimentos de remoção de tintas, papel, plásticos, fitas adesivas, latas de tinta e de betumes, contaminados. Por outro lado, há a atender que a notificação recebida por parte do arguido não corresponde à uma decisão sobre o processo de contraordenação, mas sim de notificação para se pronunciar sobre a acusação que sobre si impendia. O valor de 4000 mil euros, a que se alude na notificação, corresponde, quer, ao valor mínimo da coima aplicável à infração quando praticada a título de dolo, quer ao valor que o arguido, nos termos do artigo 54.º da Lei - Quadro das Contraordenações, querendo, poder proceder ao pagamento voluntario da coima Sobre o processo concretamente dito, e tal nos é informado por parte da ..., bem como dos documentos o arguido após a notificação, verificamos que o mesmo, após a inda da fiscalização e até à presente data fez tudo ao seu alcance para dar resolução a todas as questões levantadas. Assim, o arguido apresentou a esta Câmara Municipal os seguintes documentos: - Certificado da Agência Portuguesa do Ambiente de inscrição no SILiAmb; - Contrato de Acordo de Prestação entre o Arguido ... para proceder à gestão de resíduos; - Pedido de Autorização de Descarga no Sistema Público de Drenagem; - Requerimento de Ligação às Redes de Coletores Municipais; - Contrato de prestação de serviços entre o Arguido e a ... para serviço de segurança e saúde no trabalho; - Contrato de Seguro entre o Arguido e a empresa ...; No entanto, ainda que o arguido tenha vindo a repor a legalidade, a verdade é que na data em que ocorreu a fiscalização, o arguido não cumpria, no desenvolvimento da sua atividade, ao dever de assegurar a correta gestão dos resíduos que produzia, resíduos esses que, nos termos da Decisão 2014/955/EU, do Regulamento (UE) n.º 1357/2014, da Comissão, de 18 de dezembro e do Regulamento (EU) 2017/997, do Conselho, de 8 de junho, estão classificados como sendo resíduos perigosos. INQUIRIÇÕES Inquirição ao infrator, no dia …-2023, pelas 14:24. A atividade do arguido é de pintura de carros. Tem formação nesta atividade que desenvolve. A atividade que desenvolve foi aberta com ajuda de uma funcionária do Centro de Emprego. A funcionaria que o ajudou a abrir a atividade, apenas lhe referiu que necessitava de fazer os pagamentos à Segurança Social e à Autoridade Tributaria. Assume que poderia ter procurado saber sobre a questão dos resíduos, mas sempre pensou que se fosse necessário a senhora lhe ajudaria. A senhora do centro de emprego acabou por ir visitar o espaço após a abertura do mesmo Quando abriu a atividade foi à ..., para pedir um caixote de lixo para a atividade. Na altura a funcionária informou que, excluindo a tinta e os óleos, os resíduos produzidos podiam ser colocados nos caixotes de lixo e reciclagem normais. As matérias que compra para desenvolver a sua a atividade são tintura, verniz, betume e pagmar. O arguido compra somente para o trabalho que vai realizar. Assim, atividade que desenvolve não produz desperdício. Os restos de tinta, junta numa lata para reaproveitar. Aproveitava ainda umas latas para guardar diluente, no entanto, de momento a empresa que trata dos resíduos já faz a recolha dos diluentes. Quanto ás latas vazias, costumava dar a um senhor que as vendia no ferro velho. Sabe que o ferro venho é ao pé do .... Aquando da fiscalização, o arguido contratou uma empresa para tratar dos resíduos que produz na sua atividade. A empresa é a .... Aufere mensalmente mais ou menos 800 €. A loja onde desenvolve a sua atividade, é arrendada. Tem três filhos menores. A sua esposa também trabalha, mas ganha o salário mínimo nacional. A atividade é de auto emprego, não tendo funcionários a seu cargo. Não desenvolve outra atividade. Sobre as declarações do arguido, apenas diremos que estas em nada alteram o sentido da decisão que agora se toma, vindo apenas confirmar alguns do facto já presentes nos autos, ou afirmados pelo próprio na sua defesa. Inquirição à testemunha DD, no dia …-2023, pelas 15:20. Tem sido a Sra. DD a ajudar o arguido a tratar de todos documentos. Estão juntos desde 2010 e conhecem-se desde os 16 anos. Antes de abrir atividade, o arguido trabalhou em diversas empresas. Quando estava no fundo de desemprego, foi incentivado a abrir a sua atividade tendo em conta a sua formação de pintura de carros. Tendo esse incentivo, o arguido abrir a atividade de pintura de carros, tendo recebido um apoio á abertura da atividade durante 3 anos. A Sra. DD têm vindo a ajudar o arguido a tratar de toda documentação da sua atividade. Logo após após a inda da fiscalização, foi tratado de todos os documentos, seguros e contratos necessários para a atividade e para a gestão dos resíduos. Considerando que o arguido é empregado por conta própria, caso tenha que pagar a coima pelo valor de 4000E poderá ter que fechar a empresa. A renda do espaço continua a ser pago. As tintas não são deitadas fora, o arguido aproveita os restos para outros trabalhos. Quanto ao outro processo, da mera comunicação, foram informados que bastava pagar para o processo ser fechado. A infração e o comportamento em causa, não causaram danos a terceiros. Atualmente o arguido tem uma empresa que faz a recolha dos resíduos produzidos. A empresa é a .... Sobre as declarações da testemunha, apenas diremos que estas em nada alteram o sentido da decisão que agora se toma, vindo apenas confirmar alguns do facto já presentes nos autos, ou afirmados pelo próprio arguido na sua defesa. Inquirição à testemunha EE, no dia …-2023, pelas 15:51. A oficina é uma oficina pequena. Pelo que tem conhecimento, o arguido aproveita as matérias de trabalho ao máximo, não desperdiçando qualquer material. Sempre que é preciso ajuda a tomar conta dos netos para que o arguido e a filha possam trabalhar e tratar de documentação. A senhora as vezes vai à oficina quando precisa de tratar do seu carro, da parte da pintura. Sobre as declarações da testemunha, apenas diremos que estas em nada alteram o sentido da decisão que agora se toma, vindo apenas confirmar alguns do facto já presentes nos autos, ou afirmados pelo próprio arguido na sua defesa. Inquirição à testemunha FF, no dia …-2023, pelas 16:05. Conhece o arguido desde que este abriu a sua atividade. Foi la tratar da pintura do carro e ficou agradado com o trabalho por ser uma pessoa meticulosa. Como gostou do trabalho, acabou por recomendar a outras pessoas. Nunca viu problemas com os resíduos que o arguido possa produzir com a sua atividade, nem qualquer desperdício de material. Sobre as declarações da testemunha, apenas diremos que estas em nada alteram o sentido da decisão que agora se toma, vindo apenas confirmar alguns do facto já presentes nos autos, ou afirmados pelo próprio arguido na sua defesa. MEIOS DE PROVA DOCUMENTAL Resultam dos autos como meio de prova documental dos factos: Participação Interna ...-...22; Defesa Apresentada pelo Arguido; Contrato de Serviço com a empresa ...; Certificado da APA de inscrição no SILiAmb; Declaração de Inicio de Atividade; Caderneta Predial; Contrato de Arrendamento; Contrato de prestação de serviços com ...; Certificado de Formação em Segurança no Trabalho; Seguro Ambiental contratado com ...; Certificado de Formação Profissional (Curso de Formação Profissional de Pintura Automóvel); Autorização de Descarga no Sistema Público de Drenagem/Requerimento de Ligação às Redes de Coletores Municipais; Planta de Localização; Registos Fotográficos; Fatura ...; Fatura ...; Fatura-Recibo n.º ...; Fatura FT ...; Fatura N.º ...; Fatura N.º ...; Fatura N.º ...; Fatura N.º ...; Fatura n.º .... MEIOS DE PROVA TESTEMUNHAL Resultam dos autos como meio de prova testemunhal dos factos: GG, Fiscal Municipal - ...; HH, Fiscal Municipal - .... DD - Testemunha; EE - Testemunha; FF - Testemunha. FACTOS PROVADOS Realizada a competente instrução, ficou provado que: 1.º - O arguido, no local identificado nos autos, desenvolvia a atividade de pintura de automóveis. 2.º - No desenvolvimento da sua atividade o arguido produzia resíduos que, nos termos da Decisão 2014/955/EU, do Regulamento (UE) n.º 1357/2014, da Comissão, de 18 de dezembro e do Regulamento (EU) 2017/997, do Conselho, de 8 de junho, estão classificados como sendo resíduos perigosos. 3.º - No dia da fiscalização, constatou-se que o arguido não procedia à correta gestão e disposição dos resíduos que produzia no desenvolvimento da sua atividade. 4.º- Após a fiscalização, o arguido procedeu à reposição da legalidade, no que respeita à gestão de resíduos, na medida em que apresentou documentos comprovativos de Certificado da Agência; Portuguesa do Ambiente de inscrição no SILiAmb; Contrato de Acordo de Prestação entre o Arguido ... para proceder à gestão de resíduos; Pedido de Autorização de Descarga no Sistema Público de Drenagem; Requerimento de Ligação às Redes de Coletores Municipais; Contrato de prestação de serviços entre o Arguido e a ... para serviço de segurança e saúde no trabalho e Contrato de Seguro entre o Arguido e a empresa ... FUNDAMENTAÇÃO A presente decisão baseia-se fundamentalmente na convicção referente à factualidade provada, analisada criticamente à luz de critérios de razoabilidade e bom senso e das regras da experiência comum. DO DIREITO Nos termos do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei 102-D/2020, de 10 de dezembro, "a responsabilidade pela gestão dos resíduos, incluindo os respetivos custos, cabe ao produtor inicial dos resíduos". Já nos termos do n.º 5 do mesmo artigo, cabe ao produtor dos resíduos "assegurar o tratamento dos resíduos" Assim, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 117.º do Decreto-Lei 102-D de 2020, de 10 de dezembro, o não cumprimentos, nos termos do artigo 9.º, da correta gestão dos resíduos, constitui uma contraordenação ambiental grave "O incumprimento do dever de assegurar a gestão de resíduos, a quem, nos termos do previsto no artigo 9.º, caiba essa responsabilidade" Esta contraordenação, nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 22.º da Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais, é punível com coima graduada entre 4000E a 40000E quando praticada com dolo, e de 2000E a 20000E quando praticada com negligencia. A lei prevê ainda a possibilidade, nos termos do artigo 30.º da Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais, a aplicação de sanções acessórias. DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA COIMA Nos termos do artigo 20.º, n.ºs 1 e 2 da LQCA, "A determinação da coima e das sanções acessórias faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa do agente, da sua situação económica e dos benefícios obtidos com a prática do facto", sendo ainda tomadas em conta, "a conduta anterior e posterior do agente e as exigências de prevenção". DA CULPA No que concerne ao elemento subjetivo e atento o disposto no artigo 9.º, n.º 1, da Lei-quadro das Contraordenações Ambientais, na redação atual, "As contraordenações são puníveis a título de dolo ou de negligência", vigorando assim o princípio da culpa (nulla poena sine culpa), nos termos do qual toda a sanção contraordenacional tem como suporte axiológico uma culpa concreta. No entendimento de Figueiredo Dias in, O Movimento da Descriminalização, em jornadas de Direito Criminal, página 331, "não se trata de uma culpa, como a jurídico-penal, baseada numa censura ética, dirigida à pessoa do agente e à sua atitude interna, mas apenas de uma imputação do facto à responsabilidade social do seu autor; dito de outra forma, da adscrição social de uma responsabilidade que se reconhece exercer ainda uma função positiva adjuvante das finalidades admonitórias da coima". Assim, para que exista culpabilidade do agente no cometimento do facto deve o mesmo lhe poder ser imputado a título de dolo ou negligência, consistindo o dolo no propósito de praticar o facto descrito na lei contraordenacional, e a negligência, na falta do cuidado devido, que tem como consequência a realização do facto proibido por lei (cf. Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, in Contraordenações Anotações ao Regime Geral, 2011, 6' edição). No caso em apreço verificou-se que a arguida praticou um facto: - Voluntário, porque dominado pela sua vontade autónoma e livre; - Típico, porque subsumível a uma norma que consubstancia uma contraordenação; - Ilícito, porque desvalioso e contrário à ordem jurídica. Da análise dos autos não foi possível apurar qualquer causa de exclusão de culpa, nos termos dos artigos 12.º, 13.º e 14.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, mas é possível, concluir que o ilícito foi praticado com uma culpa menor. Ou seja, concluir que o ilícito foi praticado, não com dolo, mas com negligência. Analisados os autos, verificamos que o arguido agiu com negligência, porquanto que o mesmo, tendo violando um dever objetivo de cuidado, ao não diligenciar pela correta gestão dos resíduos que produzia, sem que, no entanto, o fizesse com a intenção clara de violar a lei. Verifica-se, em concreto, que os resíduos produzidos não foram causadores de qualquer prejuízo ambiental ou para a saúde da população. Por outro lado, constatou-se que o arguido procedeu, logo após a fiscalização à reposição da legalidade, sendo proativo na procura de pautar o seu comportamento dentro da legalidade. Finalmente, o arguido não apresenta qualquer antecedente contraordenacional deste tipo. Assim, somos levados a concluir que o arguido pratico o facto ilícito com negligencia consciente, nos termos do artigo 15.º, alínea a) do Código Penal, e artigo 8.º, n.º 1 do RGCO. DA SITUAÇÃO ECONÓMICA Desconhece-se a situação económica do arguido por nada ter sido junto aos autos, apesar de ter sido notificado para esse efeito. DO BENEFÍCIO ECONÓMICO Face aos elementos constantes dos autos não foi possível apurar qual o benefício económico retirado pelo arguido com prática da infração. DA DECISÃO Ponderada toda a factualidade, o grau de culpa do(a) arguido(a) e as exigências de reprovação que a ação concretamente praticada suscita, ao abrigo do disposto nos artigos 33.º, 54.º n.º 2 e 58.º do Regime Geral das Contraordenações, aplicável subsidiariamente, por força do nº. 1, do artigo 2º, da Lei-quadro das Contraordenações Ambientais, determino que seja aplicada ao(à) arguido(a): Infração 1 Coima no montante de 2500,00E (dois mil e quinhentos euros) pela violação do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro, que aprova o regime geral da gestão de resíduos. , ilícito previsto e punido pelo Alínea b) do n.º 2 do artigo 117.º. Custas no montante de 61,00 (sessenta e um euros), considerando as despesas efetuadas com comunicações, notificações, transportes e gastos de material, nos termos do artigo 58.º da Lei-quadro das Contraordenações Ambientais (LQCA), aplicável nos termos do artigo 2º, nº. 1, da LQCA e do 41º, do Regime Geral das Contraordenações. ADVERTÊNCIAS Informe-se o arguido que: 1. A supramencionada decisão transita em julgado e toma-se exequível se não for judicialmente impugnada, através de recurso escrito, no prazo de 20 dias após a notificação, do qual constem alegações sumárias e conclusões, que deverá ser presente à Autoridade Administrativa ao abrigo do disposto nos artigos 59.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 433/82 de 27 de outubro, aplicável subsidiariamente, por força do n.º 1 do artigo 2º da Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais; 2. Em caso de recurso, o mesmo deve ser apresentado ao II pelo que deve ser endereçado à ... 3. Dispõe de um prazo de 10 dias, após o carácter definitivo ou o trânsito em julgado da decisão de aplicação de coima, para proceder ao pagamento da coima aplicada e custas, no Balcão da Câmara Municipal/Apoio ao Cidadão, sito na ..., de segunda a sexta-feira, das 08.30h às 19.30h, e sábados das 09h30 às 15h00. Para efeitos de pagamento presencial é necessária marcação prévia, através dos telefones ... ou ...; 4. Se for interposto recurso de impugnação judicial, o tribunal competente julgará e, nos termos do disposto no artigo 75º da Lei-quadro das Contraordenações Ambientais, poderá agravar a presente decisão, por não aplicação aos processos instaurados e decididos nos termos desta Lei da proibição de "reformatio in pejus", decidindo mediante audiência ou, caso o arguido e o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho; 5. No caso de impossibilidade de efetuar o pagamento da coima e custas aplicadas no prazo referido, deverá o facto ser comunicado à Câmara Municipal, por escrito e com a antecedência devida, para os efeitos do disposto nos n.ºs 4 a 6 do artigo 88.º do Decreto-Lei n.º 433/82 de 27 de outubro; 6. Sem prejuízo do disposto no regime geral das contraordenações, poderá ainda o arguido solicitar o pagamento da coima em prestações, não podendo a última delas ir além dos quarenta e oito meses contados do caráter definitivo da decisão (al. a), nº. 1, artigo 54º-A, da Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais). 7. Em caso de entrega de requerimento para efeitos de adiamento ou pagamento em prestações, deverá ser feita a junção de documentos comprovativos e atualizados da situação económica do arguido (Declaração de IRC, IRS ou qualquer outro meio idóneo a fazê-lo); 8. Decorrido o prazo para pagamento voluntário da coima sem que a mesma seja liquidada ou tenha sido entregue requerimento para efeitos de adiamento ou pagamento faseado, será o Processo remetido ao Tribunal de Pequena Instância Criminal de Loures, para efeitos de execução, ao abrigo do disposto no artigo 89.º do normativo em referência. Notifique-se, em conformidade com o disposto nos artigos 46º e 47.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, na sua redação em vigor e aplicáveis por força do nº. 1, do artigo 2º, da Lei-quadro das Contraordenações Ambientais e nos artigos 43º e 44º, desta Lei-quadro. Data: 27/07/2023 O Vereador, (Por delegação e subdelegação de competências do Sr. Presidente CC, exaradas nos termos do Despacho n.º 45/PRES/202I, de 22 de outubro) (BB)” II.3.B. Da impugnação judicial: Em 28-09-2023 foi apresentada a seguinte impugnação judicial da referida decisão condenatória: “1. No dia 12 de janeiro de 2022, ocorreu uma fiscalização, no local de trabalho (oficina). 2. Os senhores inspetores da ..., estiveram presentes no local a dois títulos. 3. O primeiro essencialmente preventivo e o segundo fiscalizador, conforme tiveram ocasião de explicar. 4. Por isso, foi deixada uma notificação, na qual constavam uma série de medidas que o arguido teria de levar a cabo em ordem a não lhe ser aplicada qualquer coima. 5. Todos esses itens, (SEM EXCECÃO), foram resolvidos ou no dia da própria inspeção, ou posteriormente foram entregues ao Sr. Inspetor GG. Todos quanto, naturalmente, estavam na disponibilidade do arguido. (Os inspetores presentes, atento outras fragilidades ligadas às próprias instalações onde funciona a oficina, instruíram simpática e humanamente quanto ao modo de agir) 6. Passado alguns meses (Abril), o arguido pagou uma coima no valor de 150.00€, pensando que com isso poria termo ao processo. (de resto como lhe foi referido e como constava da própria notificação) 7. A esposa do arguido ligou para a ... (fiscalização), tendo-lhe sido informado que o processo estava encerrado. 8. Na altura, sendo advertida que todos os pontos referidos pelo fiscal deveriam ser tratados, pois se houvesse uma nova fiscalização poderia gerar um novo processo, com outra coima. (coisa que não aconteceu.) 9. Alguns dias depois, chegou uma carta da ... a informar que o processo estava encerrado. 10. No mês de Agosto, o arguido recebe novo processo de contra-ordenação, e como uma coima a pagar no valor de 4000 euros a pagar. 11. O requerente não tem a mínima possibilidade de pagar o valor mencionado. 12. Se assim acontecer, não terá outra possibilidade que não a Insolvência. Porém, entendemos que tal situação, será uma grande injustiça, vejamos porquê: 13. Por altura de 2016, o arguido estava desempregado. 14. Por mais que tentasse e tudo tentou, não conseguia encontrar emprego. 15. O arguido é estrangeiro e ainda tem um forte sotaque, este fator, talvez tenha contribuído, para não conseguir nada em torno dos vários patrões que contatou. 16. Na altura, foi informado e ajudado por uma funcionária do Centro de Emprego, que a instruiu e influenciou a criar o próprio emprego. 17. Assim o fez. 18. A atividade do arguido é autoemprego. 19. Trata-se uma atividade de subsistência para si e para o seu agregado familiar. 20. No início e ao longo do desempenho da sua atividade, o arguido tem procurado sempre ajuda para bem desenvolver a sua atividade, dentro da legalidade e da sã concorrência. 21. Tentou sempre informar-se até na junta de freguesia da ..., onde lhe foi informado que a única coisa que não poderia meter no lixo comum seria a tinta, mas plásticos papel e lixas, o poderia fazer. 22. Ao longo da sua atividade, o arguido assim o fez até à fiscalização, ou seja, relativamente aos resíduos (sujos resultantes da pintura), acumulou-os num bidão de 50 litros. 23. As latas das tintas eram colocadas no compartimento próprio disponibilizado pela câmara, ou em outras circunstâncias, o arguido disponibilizava-as a quem delas pudesse fazer proveito. 24. A tinta que remanescia nas pistolas, era limpa com água. 25. A partir da fiscalização, o arguido concluiu em absoluto o processo de separação de lixos e resíduos, como comprovou devidamente no processo em tempo útil, conforme se pode ver nas páginas 10 e 27 dos autos. DA FALTA DE PRESSUPOSTOS DE APLICACÃO DE UMA PENA OU DE UMA CONTRAORDENACÃO 26. O art.º 8.º do regime Geral das Contraordenações prevê, a aplicação de uma contraordenação apenas a título de dolo, e a título excecional por negligência se assim tiver previsto. 27. A presente decisão administrativa imputa um comportamento à arguida título de dolo. 28. O arguido ora requerente não praticou os factos pelos quais vem acusada dolosamente. 29. A atividade do arguido, quase não cria resíduos. 30. Conforme se pode confirmar e comprovar pelo facto do arguido não ter sequer esgotado o bidão de 50 litros no decurso da sua atividade. 31. O Arguido é um micro trabalhador, que vai trabalhando quando tem trabalho. 32. Tenta reciclar tudo quanto pode e consegue quer por motivos estritamente económicos, quer também por preocupações ecológicas. 33. Antes de reciclar as latas de tinta, há outras formas de reduzir o impacto das tintas e das suas embalagens sobre o ambiente. Uma delas é a reutilização. 34. Nesse seguimento, por vezes o arguido era contatado por pessoas a quem disponibilizava as latas em excesso. 35. Recorda-se de que uma vez até as deu a uma pessoa que com elas, disse, criava arte urbana e contemporânea. 36. Porém a verdade é que ao contrário do senso comum, as latas de tinta e as embalagens de plástico de tinta são recicláveis, se o que restar dentro da embalagem ou lata de tinta é residual, ou seja, em poucas quantidades. 37. O arguido não tem qualquer maneira de evitar o desperdício, e nesse sentido as poucas latas de tinta que termina, muitas delas são reaproveitadas, na loja, para servirem de recipientes e outros. 38. As que deitou efetivamente fora, o arguido tapou-as bem e colocou-as no ecoponto amarelo, conforme exposto pela Quercus no seu programa Minuto Verde. 39. Por outro lado, é preciso vincar bem que o arguido faz é pintura. 40. Da sua atividade não resulta qualquer resíduo combustível ou oleoso. 41. Termos em que atento o exposto, resultam fundadas dúvidas se o arguido praticou ou não a contraordenação pela qual vem acusado, uma vez que a sua atividade é altamente incipiente, em face dos deveres impostos ao operador económico. 42. Os deveres impostos ao operador económico são absolutamente desfasados da realidade o arguido, que para sobreviver, vai pintando este ou aquele carrito que lhe vai aparecendo. 43. É certo que o arguido compreende a inteligência da lei e o seu alcance. Sabe que tem de cumprir os requisitos necessários e os deveres que inerem ao exercício daquela atividade. 44. No entanto, é preciso deixar bem claro que as preocupações ambientais e ecológicas decorrentes da mesma foram todas elas cumpridas estritamente e sem exceção. CONCLUSÕES., a. O arguido foi fiscalizado. No âmbito daquela ação, o arguido foi ajudado pelos próprios agentes autuantes, porque a ação de fiscalização tinha uma missão propedêutica e preventiva. b. O arguido resolveu sem penalização todas as situações que foram alvo de reparo pelos agentes, imediatamente ou nos dias seguintes, fazendo disso prova no processo. c. Conforme se pode confirmar e comprovar pelo facto do arguido não ter sequer esgotado o bidão de 50 litros no decurso da sua atividade. d. O Arguido é um micro trabalhador, que vai trabalhando quando tem trabalho. e. Tenta reciclar tudo quanto pode e consegue quer por motivos estritamente económicos, quer também por preocupações ecológicas. f. Antes de reciclar as latas de tinta, há outras formas de reduzir o impacto das tintas e das suas embalagens sobre o ambiente. Uma delas é a reutilização. g. Nesse seguimento, por vezes o arguido era contatado por pessoas a quem disponibilizava as latas em excesso. h. Recorda-se de que uma vez até as deu a uma pessoa que com elas, disse, criava arte urbana e contemporânea. i. Porém a verdade é que ao contrário do senso comum, as latas de tinta e as embalagens de plástico de tinta são recicláveis, se o que restar dentro da embalagem ou lata de tinta é residual, ou seja, em poucas quantidades. j. O arguido não tem qualquer maneira de evitar o desperdício, e nesse sentido as poucas latas de tinta que termina, muitas delas são reaproveitadas, na loja, para servirem de recipientes e outros. k. As que deitou efetivamente fora, o arguido tapou-as bem e colocou-as no ecoponto amarelo, conforme exposto pela Quercus no seu programa Minuto Verde. I. Por outro lado, é preciso vincar bem que o arguido faz é pintura. m. Da sua atividade não resulta qualquer resíduo combustível ou oleoso. n. Termos em que atento o exposto, resultam fundadas dúvidas se o arguido praticou ou não a contraordenação pela qual vem acusado, uma vez que a sua atividade é altamente incipiente, em face dos deveres impostos ao operador económico. o. A gestão dos resíduos tem como princípio a hierarquia dos resíduos: prevenção, reutilização, reciclagem, valorização e eliminação. p. Este princípio define as prioridades em termos de ação, de políticas e de legislação de resíduos. Atento o exposto, somos a requerer a Vossa Excelência se digne relevar o comportamento do arguido pela sua omissão, integrando-a no leque de atos prontamente cumpridos em devido tempo, atendendo assim à sua frágil situação económica e social, sendo que admoestação, foi, como se comprovou nos autos, pena suficiente para cumprir os cuidados de prevenção especial e geral no caso concreto. Requer a audição: 1. Arguido., 2. DD, companheira do arguido que foi o vem auxiliando ao longo do tempo, para ser ouvida quanto ao disposto na presente defesa 3. JJ. Nif ... Morada. ...” II.3.C. Da decisão recorrida (cfr. ref.ªs 158547822 de 27-10-2023, 14571663 de 12-12-2023 e 159682613 de 30-01-2024): Após o arguido ter manifestado oposição a que fosse proferida decisão por despacho, na sequência da notificação que lhe foi dirigida para “vir aos autos dizer expressamente se se opõe a que a decisão seja proferida por mero despacho, com a advertência de que o seu silêncio será valorado como não pretendendo a realização de audiência de julgamento”, foi proferida a seguinte decisão recorrida: “(…) Na senda da posição assumida pela defesa importaria proceder ao agendamento da audiência de discussão e julgamento. Sucede que o Tribunal considera estar em condições de conhecer de imediato da causa, por via da apreciação jurídica a realizar, sendo que a mesma não será prejudicial à defesa do arguido/recorrente. Consequentemente e prevenindo a prática de actos inúteis, importa decidir de imediato. Decisão I - Relatório AA, NIF ..., residente na ... Em ..., veio impugnar judicialmente a decisão proferida pela ..., no âmbito do processo de contra-ordenação n.º 2-334-2022, que o condenou pela prática de uma contra-ordenação grave, pelo o incumprimento do dever de assegurar a gestão de resíduos, a título negligente, sendo uma contra-ordenação p. e p. pelo Art.º 9º DL 102-D/2020 de 10-12 e sancionada pelos Arts.º 117º nº2 al. b) do mesmo diploma supra referenciado e 22º nº3 al. a) da Lei Quadro das Contra-ordenações Ambientais (LQCOA), na coima de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), acrescida de custas do processo no valor de €61,00. Tais factos são imputados à recorrente como tendo sido praticados em ...-...-2022, por referência à.... A infracção em que incorre a recorrente é punível com coima de €2.000,00 a €20.000,00 – v. diploma acima referido. * O recorrente baseia a sua impugnação judicial nas conclusões de fls. 266 a 268, que aqui damos por integralmente reproduzidas, e em resumo, suscitando a questão da fiscalização ter missão propedêutica e preventiva, sendo as questões detectadas de imediato regularizadas, tratando-se de um micro trabalhador, aproveitando e reciclando tudo o possível, alertando pela sua frágil situação económico-financeira e pugnando pela aplicação de mera admoestação. * A Autoridade Administrativa conhecendo do recurso manteve a decisão – fls. 269 a 271. * O Ministério Público ordenou a apresentação dos autos nos termos do Art.º 62.º do Regime Geral das Contraordenações, na sua redacção vigente, valendo este acto como acusação. * O recurso apresentado pelo recorrente foi recebido. * Como vem sendo uniformemente entendido pela jurisprudência, são as conclusões da motivação do recurso que delimitam o seu âmbito, independentemente de na motivação propriamente dita se poderem deduzir outros fundamentos, (cfr. Arts.º 403.º, n.º1 e 412.º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal, aplicáveis por força do disposto no Art.º 41.º, n.º1 do aludido RGCOC), pelo que cumpre apreciar o presente recurso tendo em conta as conclusões formuladas. * O tribunal é competente. * Questão Prévia – Da nulidade da decisão da Autoridade Administrativa Tal como já referimos, o âmbito do recurso afere-se e delimita-se através das conclusões formuladas pela recorrente, conforme jurisprudência constante e pacífica dos tribunais superiores, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. Ao perscrutar o que serve de base à impugnação, deve o Tribunal de recurso detectar e assinalar um qualquer vício que inquine a referida viabilidade (logo o direito de defesa do arguido/recorrente e de fundamentação), dando conta das razões fáctico-jurídicas que a determinam (cfr. artigo 379.º, n.º 2, e 380.º do Código de Processo Penal, aplicáveis ex vi do disposto no artigo 41.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas ou RGCOC.). Coloca-se desde logo, e com premência, a questão se a decisão posta em crise carece de fundamentação e de imputação objectiva e subjectiva, sendo nula. Nesta matéria rege o disposto no artigo 58.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 17 de Outubro, na redacção dada pelo Decreto –Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro. Estabelece este normativo que: «1 – A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter: a. A identificação dos arguidos; b. A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas; c. A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão; d. A coima e as sanções acessórias.» Como referem Simas Santos e Lopes de Sousa (loc. cit., 2002, página 334), em anotação ao preceito citado, «Os requisitos previstos neste artigo para a decisão condenatória do processo contraordenacional visam assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que podem impugnar judicialmente aquela decisão. Por isso as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos”. Na senda do entendimento perfilhado pelos já citados autores, no lugar mencionado, considera-se que a consequência processual da falta dos requisitos previstos no artigo 58.º, não resultando do R.G.C.O., deverá ser retirada dos preceitos do processo criminal relativos às decisões condenatórias, em consonância com o preceituado no artigo 41.º, n.º 1, deste diploma. Assim, a falta dos requisitos previstos no n.º 1, constitui uma nulidade da decisão, de harmonia com o estatuído nos artigos 374.º, n.º s 2, e 3, e 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal. A decisão condenatória administrativa, quando impugnada judicialmente, “… converte-se, para todos os efeitos, numa verdadeira acusação, passando o processo a assumir uma natureza judicial” (cfr. art.º 62.º, n.º 1, do RGCO) – v. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24.01.2013, proc. n.º 704/12.5TBCLD.L1-9, Rel. Francisco Caramelo -, com tudo o que esta arrasta e engloba, não só em termos de factualidade dada como provada, mas também de “provas obtidas”, nomeadamente o auto de notícia. Igualmente e de acordo com o teor do Art.º 283º nº3 do C. P. Penal se impõe a verificação de exigências formais no que concerne à acusação pública. Como referem Simas Santos e Lopes de Sousa na citação já realizada, a falta de conhecimento dos concretos factos imputados inviabiliza o cabal exercício do direito de defesa, quando tal exigência de fundamentação não se mostra suficientemente cumprida. Resulta do preceito legal citado que, mesmo em matéria contraordenacional, da narração acusatória devem constar os factos relativos à tipicidade, à ilicitude e à culpabilidade, onde se reconheça o facto típico, ilícito e ainda o conhecimento (representação) e a vontade de realização do acto típico da infracção em causa. Do exposto, resulta que a decisão condenatória administrativa, proferida em sede de procedimento contraordenacional, vale como acusação. A decisão administrativa tem, assim, de circunstanciar e concretizar, necessariamente, quem actuou, como e em que circunstâncias actuou, e se o fez de forma consciente e voluntária, em clara violação dos seus deveres, praticando, desse modo, a infracção em análise. A decisão da autoridade administrativa ora em apreço não contém tais imputações essenciais, designadamente não identifica cabalmente o agente, a concreta actuação desconforme e como, os concretos resíduos produzidos e características, realizada por quem e com que propósito e conhecimento, local e ocasião, nem identifica a actuação devida (v. fls. 230 e 231). Na verdade e nesta parte, ao longo da decisão e fazendo-se menção ao auto de noticia e participação, a verdade é que a imputação feita a fls. 230 e quantos aos factos não corresponde integralmente à factualidade referenciada a fls. 226, fazendo-se mera remissão e referência a conceitos jurídicos, sem concretizar quem em concreto, a actuação especifica, os resíduos em causa e característica, intenção e motivação, o que levanta desde logo a dúvida e suscita uma contradição sobre o que sucedeu. Não é feita menção a antecedentes e nem ao benefício alcançado pelo arguido, não obstante ser aflorada tal questão na fundamentação. Ao nível subjectivo e da factualidade provada, em nenhum momento é feita qualquer referência ao tipo de actuação ou conduta assumida pelo arguido, se dolosa ou negligente, sendo totalmente omissa nesta parte (apenas se adiantando tal questão mais adiante na fundamentação e nem a final se esclarece tal questão). O que existe em termos jurídicos e da análise da decisão em causa e dadas as o missões e contradições, não é possível ao Tribunal, sequer por remissão e nem ao longo da decisão, percepcionar toda a factualidade em causa e com um mínimo de rigor. Aliás, não podemos deixar de notar que no tange à medida da coima, a decisão posta em crise não realiza qualquer análise crítica e casuística dos elementos a ponderar (v. fls. 232). Resulta do preceito legal citado que, mesmo em matéria contraordenacional, da narração acusatória devem constar os factos relativos à tipicidade, à ilicitude e à culpabilidade, onde se reconheça o facto típico, ilícito e ainda o conhecimento (representação) e a vontade de realização do acto típico da infracção em causa. Do exposto, resulta que a decisão condenatória administrativa, proferida em sede de procedimento contraordenacional, vale como acusação. Se no que se refere à factualidade típica objectiva a decisão administrativa é omissa na concretização dos factos objectivos e carece de fundamentação fáctico-jurídica, o que desde logo coloca em causa o efectivo direito de defesa do arguido, mas igualmente coloca em causa a sua validade, no que concerne ao elemento subjectivo, elemento esse que completa o tipo de ilícito de mera ordenação social, e, que permite concluir pela sua existência ou não, dependendo se o tipo é sancionado a nível doloso e/ou também negligente e qual o seu grau, a decisão sub judice é igualmente omissa. E nesta última parte, nem sequer é possível actuar por remissão para o processo de contraordenação ou para o auto de notícia. V. ainda neste sentido o Ac. Unif. Jurisprud. Nº 1/2015 do STJ e publicado DR 18 I s, contemplando que “ A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art.º 358.º do Código de Processo Penal”, e mais recentemente os Ac. TRL de 31-10-2019 e do TRC de 11-11-2020, ambos in www.dgsi.pt, bem como o AC. STA de 16-01-2020, no mesmo sítio da internet. No Ac. TRL de 16-01-2020 consagrou-se que “…a imputação de factos tem que ser precisa e não genérica, concreta e não conclusiva…. incluindo as circunstâncias de tempo e lugar, devendo conter, além disso, os elementos mínimos exigíveis a uma acusação … estando em falta a narração de factualidade concretizadora do tipo subjectivo da contraordenação imputada, à luz da jurisprudência do Ac. STJ nº 1/2015 não pode ser integrada em julgamento, ou em recurso, mesmo com o disposto no Art.º 358º do CPP…por conseguinte, será seguro concluir que a decisão administrativa já era nula…”. Igualmente no Ac. TRC de 11-11-2020 se plasmou que “…a natureza tendencialmente mais simplificada e menos formal do procedimento contraordenacional não pode constituir justificação para a não descrição de modo compreensível do elemento subjectivo da concreta contraordenação em causa, nomeadamente se estamos perante uma imputação dolosa ou negligente, …sendo que tal omissão importa a nulidade da decisão administrativa e a absolvição do arguido…”. Assim, tal decisão destituída de outra factualidade acrescida, não permite concluir como, em que condições, com que intenção e motivação actuou, e quais as repercussões desses actos, nem tão-pouco é possível ao tribunal aferir a sua actuação negligente, dada a ausência de factualidade, argumentação e prova. Logo, os factos consubstanciadores do elemento objectivo e subjectivo da contraordenação em apreço não se encontram cabalmente descritos na decisão administrativa. Sendo certo que no ilícito contraordenacional a censura se dirige à imputação do facto à responsabilidade social do seu autor, certo também que se exige que a conduta seja uma forma de manifestação de prévia representação e vontade de realização de todos os elementos do tipo objectivo, caso contrário o mesmo não é censurável. Para a imputação subjectiva da acção ao agente, é necessário que, pelo menos, conste da factualidade da decisão que o(a) arguido(a) agiu com dolo ou negligência – o que não se presume – e tem fundamental relevância, não só para aferir da maior ou menor censurabilidade da conduta e determinação da medida da sanção a aplicar, mas para que se verifique a prática da contraordenação, sendo certo que os factos de onde se extrai o elemento subjectivo do tipo têm de constar da decisão, o que não sucede in casu. Razão por que se impõe declarar a nulidade da decisão administrativa «a quo», de harmonia com o estatuído nos artigos 374.º, n.º s 2, e 3, e 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal. É conhecida, nesta matéria, a controvérsia jurisprudencial quanto à qualificação do vício da decisão da autoridade administrativa que omite os elementos típicos ou é insuficiente quanto à factualidade apurada, ora aplicando subsidiariamente as regras relativas aos vícios da sentença (artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal), ora aplicando as normas relativas à acusação deduzida em processo penal (artigo 283.º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal). A diversidade de qualificação das situações, como a ora em apreço, conduzem, igualmente, a soluções diversas, quer à nulidade da decisão com remessa para a autoridade administrativa, quer à procedência do recurso e absolvição do arguido, existindo jurisprudência que entende que é de conhecer oficiosamente da nulidade e outra que considera que a mesma terá de ser arguida pelo recorrente (vide Acórdãos Tribunal da Relação de Évora de 30/06/2003, 9/11/2004, 4/04/2004, 6/01/2004, 17/10/2006, 13/06/2006, Tribunal da Relação do Porto de 18/10/2006, 15/03/2006, 30/03/2005, 27/02/2002, Supremo Tribunal de Justiça 16/10/2002). Importa, ainda, atentar no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 1/2003, igualmente já citado. Nos termos do disposto no artigo 62.º do Decreto-Lei n.º 433/82, em caso de recurso contencioso, a remessa a juízo do processo vale como acusação. Por sua vez, dispõe o artigo 283.º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal, que a acusação deve conter, sob pena de nulidade, a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma sanção. Por sua vez, ocorre vício de insuficiência da matéria de facto provada - artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal - quando a mesma não constitui suporte bastante para a concreta decisão que foi tomada, quer porque não permite integrar todos os elementos materiais de um tipo penal ou contraordenação, quer porque deixa espaços não preenchidos relativamente a dados fundamentais para a determinação da ilicitude, da culpa ou para a fixação da medida da pena e possa ser completada pela devida investigação do tribunal. Conforme se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/01/1997 (in www.dgsi.pt), a insuficiência (…) determina a formação incorrecta de um juízo porque a conclusão ultrapassa as premissas. (…) A insuficiência em termos quantitativos, porque o tribunal não esgotou os seus poderes de indagação da matéria de facto.” Ora, o regime processual constante do Decreto-Lei n.º 433/82, consagra a aplicação subsidiária do direito processual penal, sendo que a sua tramitação simplificada não pode deixar de respeitar as garantias constitucionais. Resulta evidente, porque a lei o diz, que a decisão administrativa vale em sede de impugnação contenciosa como acusação. Contudo, entende-se que as consequências da constatação da ausência de elementos que integram o tipo contraordenacional, em sede de impugnação da decisão administrativa, devem ter um tratamento diferenciado consoante seja posta em causa a fundamentação da decisão administrativa, no sentido do juízo apreciativo que leva à conclusão da prática da infracção e à aplicação da sanção em concreto, pois que em tal parte não pode constituir uma verdadeira acusação, mas de um juízo do decisor face à factualidade, das situações em que a matéria provada é insuficiente para a conclusão que se retira, e ainda dos casos em que a factualidade descrita não permite concluir pelo preenchimento do tipo contraordenacional. Assim, se da decisão administrativa não constam todos os elementos do tipo – nomeadamente objectivo e/ou subjectivo – não pode dizer-se que a narração é insuficiente, mas antes que os factos descritos não constituem a prática de uma contraordenação, não sendo lícito à autoridade administrativa acrescentar esse elemento, carecendo de sentido, por força da remessa dos autos, induzir-se aquela autoridade a compor a acusação até que da mesma resulte a imputação de uma contraordenação. Por outro lado, numa situação como a descrita também não é permitido ao tribunal acrescentar em sede de audiência os elementos em falta, ainda que resulte da prova produzida em julgamento. * Pelo exposto, carecendo o libelo acusatório de sustento factual para uma decisão condenatória, não permitindo sequer o cabal exercício do direito de defesa por parte do arguido, assentando na vacuidade de uma mera imputação conceitual, bem como sendo evidente a ausência dos necessários elementos objectivo e subjectivo, a ausência de análise e fundamentação das sanções e coimas, resta concluir que os factos narrados e a sua fundamentação não são suficientes para imputar ao(à) arguido(a) da prática de qualquer contraordenação, devendo, por isso, ser absolvido(a) e ficando, desse modo, prejudicado, o que, no mais, vem alegado, sem custas. II - Decisão Pelo exposto, julgo procedente o recurso interposto pelo arguido/recorrente, e em consequência decido: a. Absolver o arguido/recorrente da prática da contra-ordenação que lhe vinha imputada, por via da nulidade da decisão administrativa; b. Sem custas, por as mesmas não serem devidas. Após trânsito, comunique à entidade administrativa –cfr. Art.º 70.º, n.º 4 do Regime Geral das Contraordenações, na sua redacção vigente. * Notifique, comunique, dê baixa.” II.4. Da apreciação das questões objeto do recurso: Cumpre agora analisar as já elencadas questões suscitadas (cfr. II.2.): II.4.A. Se a decisão administrativa é omissa quanto à fundamentação, nomeadamente quanto à factualidade referente aos elementos objetivos e subjetivos da contraordenação em causa: Dispõe o art.º 58.º, n.º 1, do R.G.C.C., aplicável ao processamento das contraordenações ambientais por força da remissão do art.º 2.º, n.º 1, da L.Q.C.A. que: “1 - A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter: a) A identificação dos arguidos; b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas; c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão; d) A coima e as sanções acessórias.” Os referidos requisitos para a decisão condenatória da autoridade administrativa terão que ser entendidos como visando assegurar ao arguido a possibilidade do exercício efetivo dos seus direitos de defesa, o que pressupõe, para o que agora interessa, um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e fundamentação da sanção aplicada. Assim, as referidas exigências deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos (cfr. art.º 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.). Contudo, o R.G.C.C. não estabelece qualquer consequência para a inobservância do referido preceito na decisão condenatória proferida em procedimento administrativo. Seja como for, cumpre salientar que a fundamentação da decisão administrativa não obedece aos mesmos cânones de exigência de uma sentença penal, sendo essa menor solenidade plenamente justificada pela também menor gravidade das sanções contraordenacionais, a sua não incidência na liberdade das pessoas, a sua assaz mitigada ressonância ético-social e pelo carácter sumário e expedito que preside ao procedimento por contraordenação na fase administrativa (cfr. SIMAS SANTOS e SOUSA, Jorge Lopes de, in Contra-ordenações – anotações ao Regime Geral, 6.ª edição, Áreas Editora, 2011, pág. 426; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06-11-2008, processo n.º 08P28044; acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17-10-2023, processo n.º 483/21.5T8VLN.G15; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22-02-2023, processo n.º 4619/22.0T9CSC.L1-56; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07-02-2023, processo n.º 118/22.9T8VLS.L1-57; acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 08-01-2018, processo n.º 2126/15.7TBGMR.G18; acórdão do tribunal da Relação de Guimarães, de 11-01-2016, processo n.º 1812/12.8EAPRT.G29; acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 03-10-2012, processo n.º 14/12.8TBSEI.C110). Acresce que, a nível da descrição dos factos imputados numa sentença penal, embora só os factos materiais sejam suscetíveis de prova e, como tal, só estes se podem considerar provados (ou não provados), pelo que as conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas ser objeto de prova, a circunstância de a mesma conter factos conclusivos, em sede de factos provados, não é causa de nulidade da sentença, face ao disposto no art.º 379.º, n.º 1, al. a), do C.P.P., mas tão só de tal matéria se considerar não escrita (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20-06-2018, processo n.º 13/16.0GTCTB.C111). No presente caso, está em causa uma contraordenação ambiental grave, p. e p. pelos arts. 9.º, n.ºs 1 e 5, 117.º, n.º 2, al. b), do R.G.G.R., 2.º, n.º 1, 9.º, n.ºs 1 e 2, e 22.º, n.º 3, al. a), da L.Q.C.A., 15.º, al. a), do C.P. e 32.º do R.G.C.C. Dispõe o art.º 9.º, n.º 1, do R.G.G.R. que: “A responsabilidade pela gestão dos resíduos, incluindo os respetivos custos, cabe ao produtor inicial dos resíduos, sem prejuízo de poder ser imputada, na totalidade ou em parte, ao produtor do produto que deu origem aos resíduos e partilhada pelos distribuidores desse produto, se tal decorrer do presente regime ou de legislação específica aplicável.” Acrescenta o 9.º, n.º 5, do R.G.G.R. que: “O produtor inicial dos resíduos ou o detentor devem, em conformidade com os princípios da hierarquia dos resíduos e da proteção da saúde humana e do ambiente, assegurar o tratamento dos resíduos, podendo para o efeito recorrer, de acordo com o tipo de resíduos: a) A um comerciante ou a um corretor de resíduos; b) A um operador de tratamento de resíduos; c) A uma entidade responsável por sistemas de gestão de fluxos específicos de resíduos; d) A um sistema municipal ou multimunicipal de recolha e/ou tratamento de resíduos.” De acordo com o disposto no art.º 3.º, als. o), v), aa) e dd), do R.G.G.R. entende-se por: “(…) o) «Gestão de resíduos», a recolha, o transporte, a triagem, a valorização e a eliminação de resíduos, incluindo a supervisão destas operações, a manutenção dos locais de eliminação após encerramento, e as medidas tomadas na qualidade de comerciante de resíduos ou corretor de resíduos; (…) v) «Produtor de resíduos», qualquer pessoa singular ou coletiva cuja atividade produza resíduos, isto é, um produtor inicial de resíduos, ou que efetue operações de pré-processamento, de mistura ou outras que alterem a natureza ou a composição desses resíduos; (…) aa) «Resíduos», quaisquer substâncias ou objetos de que o detentor se desfaz ou tem a intenção ou a obrigação de se desfazer; (…) dd) «Resíduo perigoso», o resíduo que apresenta uma ou mais características de perigosidade constantes do Regulamento (UE) n.º 1357/2014, da Comissão, de 18 de dezembro de 2014;” Prescreve o art.º 117.º, n.º 2, al. b), do R.G.G.R. que: “Constitui contraordenação ambiental grave, nos termos da Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais, a prática dos seguintes atos: b) O incumprimento do dever de assegurar a gestão de resíduos, a quem, nos termos do previsto no artigo 9.º, caiba essa responsabilidade;” Por outro lado, de acordo com o disposto no art.º 9.º, n.º 2, da LQCA: “A negligência nas contraordenações é sempre punível.” Finalmente, de acordo com o disposto no art.º 15.º, al. b), do C.P., aplicável por força do disposto no 2.º, n.º 1, da L.Q.C.A. e 32.º do R.G.C.C.: “Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz: b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto.” A decisão recorrida refere: “A decisão da autoridade administrativa ora em apreço não contém tais imputações essenciais, designadamente não identifica cabalmente o agente, a concreta actuação desconforme e como, os concretos resíduos produzidos e características, realizada por quem e com que propósito e conhecimento, local e ocasião, nem identifica a actuação devida (v. fls. 230 e 231).” Também refere que: “(…) ao longo da decisão e fazendo-se menção ao auto de noticia e participação, a verdade é que a imputação feita a fls. 230 [factos provados] e quantos aos factos não corresponde integralmente à factualidade referenciada a fls. 226 [factos imputados], fazendo-se mera remissão e referência a conceitos jurídicos, sem concretizar quem em concreto, a actuação especifica, os resíduos em causa e característica, intenção e motivação, o que levanta desde logo a dúvida e suscita uma contradição sobre o que sucedeu”. Lendo a decisão administrativa no seu todo facilmente se constata que nela se identifica cabalmente a data (...-...-2022) e local (...), o agente (AA, titular do Número de Identificação Fiscal n.º ... e residente em KK), a atividade que ele desenvolvida (atividade de pintura de automóveis) e a conduta imputada sob o ponto de vista objetivo (no desenvolvimento da sua atividade o arguido produziu lixas, solventes, pó de polimentos de remoção de tintas, papel, plásticos, fitas adesivas, latas de tinta e de betumes, contaminados e, assim, resíduos que, nos termos da Decisão 2014/955/EU, do Regulamento (UE) n.º 1357/2014, da Comissão, de 18 de dezembro e do Regulamento (EU) 2017/997, do Conselho, de 8 de junho, estão classificados como sendo resíduos perigosos, sem assegurar a gestão de resíduos, isto é, o adequado encaminhamento daqueles que foram produzidos no decurso da sua atividade até à data) e subjetivo (violando um dever objetivo de cuidado, ao não diligenciar pela correta gestão dos resíduos que produzia, sem que, no entanto, o fizesse com a intenção clara de violar a lei). Por outro lado, não se alcança, dado que o tribunal recorrido tal não esclarece, qual seja a “contradição” que detetou e a “dúvida” que o invadiu. Refere ainda a decisão recorrida que: “Não é feita menção a antecedentes e nem ao benefício alcançado, pelo arguido, não obstante ser aflorada tal questão na fundamentação.” Ora, na decisão administrativa foi expressamente ponderada a ausência de antecedentes contraordenacionais ambientais, pois aí se refere que o mesmo não apresenta qualquer antecedente desse tipo. Da mesma forma foi também ponderado o facto de o arguido não ter retirado qualquer benefício económico com a prática da infração, dado que aí se refere que não se apurou que ele algum tivesse alcançado. Prossegue a decisão recorrida referindo que: “Ao nível subjectivo e da factualidade provada, em nenhum momento é feita qualquer referência ao tipo de actuação ou conduta assumida pelo arguido, se dolosa ou negligente, sendo totalmente omissa nesta parte (apenas se adiantando tal questão mais adiante na fundamentação e nem a final se esclarece tal questão).” Sendo as contraordenações ambientais sempre punidas a título de negligência, para além do já referido, consta expressamente da decisão administrativa que o arguido terá agido com negligência inconsciente. Pese embora nem todos os referidos factos constem no trecho da decisão condenatória em que a autoridade administrativa descreve os factos que considerou provados, o certo é que todos eles constam expressamente da decisão administrativa, não havendo quaisquer dúvidas de que foram tidos por aquela como sendo também imputados ao arguido. Ora, a inclusão na decisão administrativa de factos noutro segmento que não o referente à factualidade apurada, embora possa ser tecnicamente imperfeita do ponto de vista lógico-sistemático da decisão, não pode ser equiparada a uma autêntica carência da alegação de tais factos (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17-10-2023, processo n.º 483/21.5T8VLN.G112). Assim, a conclusão do tribunal recorrido segundo a qual: “(…) não é possível ao Tribunal, sequer por remissão e nem ao longo da decisão, percecionar toda a factualidade em causa e com um mínimo de rigor” não tem qualquer apoio no teor da decisão administrativa. A decisão recorrida refere ainda que: “Aliás, não podemos deixar de notar que no tange à medida da coima, a decisão posta em crise não realiza qualquer análise crítica e casuística dos elementos a ponderar (v. fls. 232).” Mais uma vez, lendo a decisão administrativa no seu todo, facilmente se constata que nela estão enunciados os critérios de determinação da coima estabelecidos no art.º 20.º, n.ºs 1 e 2, da L.Q.C.A. sendo que, na determinação desta se teve em conta: - a negligência inconsciente com que o arguido atuou; - o facto de se desconhecer a situação económica do arguido por nada ter sido junto aos autos, apesar de ter sido notificado para esse efeito; - o facto de não se ter demonstrado ter obtido qualquer benefício com a prática do facto; - a ausência de antecedentes contraordenacionais da mesma natureza; - a circunstância de os resíduos produzidos não terem sido causadores de qualquer prejuízo ambiental ou para a saúde da população; e - o facto de o arguido ter procedido, logo após a fiscalização à reposição da legalidade, sendo proativo na procura de pautar o seu comportamento dentro da legalidade; razão pela qual aplicou uma coima de EUR 2 500 numa moldura abstrata de EUR 2 000 a EUR 20 000. Por fim, a decisão recorrida refere que o vício que aponta à decisão administrativa “nem sequer permite o cabal exercício do direito de defesa por parte do arguido”. Ora, lendo a impugnação judicial que o arguido apresentou precisamente sobre a referida decisão administrativa, nela não se descortina qualquer dificuldade por parte do mesmo em identificar os factos que lhe eram imputados e as razões pelas quais lhe foi aplicada aquela concreta sanção, sobre tudo isso se tendo pronunciado, sendo talvez essa a justificação para que não tenha imputado à decisão administrativa o vício que a decisão recorrida lhe aponta. Assim, a descrição factual que consta da decisão administrativa é e foi suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e apreender as razões pelas quais lhe foi aplicada aquela concreta sanção e, assim, com base nessa mesma perceção, defender-se adequadamente. Desta forma, o fundamento para o vício da decisão administrativa que a decisão recorrida lhe aponta, independentemente da sua qualificação, simplesmente não se verifica. Procede, pois, nesta parte, o recurso interposto. II.4.B. Se os autos deveriam ser remetidos à autoridade administrativa para suprimento dessa falta: Por via do já decidido (cfr. II.4.A.), torna-se imediatamente inútil o conhecimento desta questão suscitada no recurso. II.5. Das custas: O Ministério Público está isento de custas (cfr. arts. 522.º, n.º 1, do C.P.P., 2.º, n.º 1, da L.Q.C.C., 41.º, n.º 1, 94.º, n.º 4, do R.G.C.C.). III. Decisão: Julga-se parcialmente procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência: - Revoga-se a decisão recorrida, determina-se que, em 1.ª instância, os autos prossigam com a designação de data para a realização da audiência de julgamento, sua efetivação e a prolação, a final, de sentença que conheça da impugnação judicial da decisão administrativa interposta pelo arguido (cfr. II.4.A.); e - Declara-se prejudicado o conhecimento da outra questão suscitada no recurso (cfr. II.4.B.). Sem custas. Lisboa, 03-06-2025 Pedro José Esteves de Brito João António Filipe Ferreira Sandra Oliveira Pinto _______________________________________________________ 1. https://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/10/021-037-Recurso-mat%C3%A9ria-de-facto.pdf 2. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/458ff4110b557ba080258ac5002d2825?OpenDocument 3. https://files.dre.pt/1s/1995/12/298a00/82118213.pdf 4. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/6dc86bdfebe48c98802574ff0052e2c6?OpenDocument 5. https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/50141045c8a1121d80258a5c003b6778?OpenDocument 6. https://www.dgsi.pt/Jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/06d5b982976203638025896c0037547c?OpenDocument 7. https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/e371faba4e01de3d80258957005a89de?OpenDocument 8. https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/-/D628060AFC3F45E1802582200059E942 9. https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/f861ff2ef4f565db80257f4100372dd2?OpenDocument 10. https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/bfda7200d256950980257a9a003bdff5?OpenDocument 11. https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/f07b31d51634aeea802582fa004c7289?OpenDocument 12. https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/50141045c8a1121d80258a5c003b6778?OpenDocument |