Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CRISTINA SILVA MAXIMIANO | ||
Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR ARRESTO COMPETÊNCIA TRIBUNAL JUDICIAL TRIBUNAL ARBITRAL CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/08/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃOL | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | (elaborado pela relatora e da sua inteira responsabilidade - art.º 663º, nº 7 do Cód. Proc. Civil) O tribunal judicial é competente para o conhecimento de procedimento cautelar, mesmo que exista uma convenção para resolver por árbitros os litígios que surgissem entre as partes, sendo a competência para decretar providências cautelares concorrente entre os tribunais estaduais e arbitrais, nos termos dos artigos 7º e 29º da Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei nº 63/2011, de 14/12. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I - RELATÓRIO A [ …..(Plant) Ltd. ] deduziu o presente procedimento cautelar de arresto contra B [ ….,S.A.], peticionando que se proceda ao arresto de bens desta, alegando, em síntese, ser titular de um crédito sobre a Requerida emergente de um contrato de fretamento outorgado entre ambas, existindo justo receio da perda da garantia patrimonial. Produzida a prova testemunhal, foi decretado o arresto de bens da Requerida, nos termos constantes da decisão de 05/04/2024. Citada, a Requerida deduziu oposição ao arresto, arguindo, desde logo, a excepção de incompetência absoluta, e pugnando pela sua absolvição da instância. Alegou, para o efeito, que: a Cláusula 37ª do contrato de fretamento que foi invocado pela Requerente contém pacto atributivo de jurisdição plena, descrito em 15 parágrafos, prevendo, adicionalmente, um mecanismo de mediação de acordo com a Lei Britânica; aquele pacto atributivo de competência atribui, exclusivamente, à jurisdição britânica e ao tribunal arbitral a ser instalado em Londres o poder de dirimir qualquer conflito emergente deste contrato, esgotando qualquer poder jurisdicional dos tribunais portugueses, incluindo o decretamento de medidas cautelares; aquela cláusula deve ser interpretada como afastando a intervenção dos tribunais judiciais portugueses do julgamento de qualquer dissídio decorrente da interpretação, execução ou validade deste contrato; os tribunais portugueses foram, por força desta convenção de foro e arbitral, impedidos de conhecer ou decidir medidas cautelares que decorrem da fonte deste contrato; e qualquer medida cautelar a ser julgada ao abrigo deste contrato, apenas pode ser decretada, de acordo com o direito britânico, através tribunal arbitral em Londres. A Requerente pronunciou-se sobre tal excepção, pugnado pela sua improcedência. Invoca, para tanto, que: a cláusula arbitral aposta na cláusula 33ª da Parte I do Contrato de Fretamento refere: “(a) Lei Inglesa, Arbitragem Londres, Londres”; esta cláusula não refere que todas as disputas e a sua resolução serão exclusivamente reguladas por Arbitragem em Londres, com lugar de arbitragem em Londres, nem que as partes não possam intentar medidas cautelares judiciais noutras jurisdições; a parte I daquele contrato estabelece expressamente: “(…) em caso de conflito entre condições, as disposições da Parte I prevalecerão sobre as da Parte II e dos Anexos A, e Anexo B e sobre quaisquer outros anexos na medida do referido conflito mas não para além dele”; a cláusula deste contrato não refere literalmente que qualquer litígio entre as partes será exclusivamente, ou tenha de ser, submetido a arbitragem em Londres, donde, não se pode retirar essa conclusão; do teor literal da cláusula arbitral não se pode concluir que a parte não pode requerer medidas cautelares num tribunal judicial e noutra jurisdição; a cláusula assim não o refere ou impõe; a cláusula arbitral aposta nas cláusulas 33 da Parte I e 37 a) da Parte II do Contrato de Fretamento não impede que um tribunal judicial decrete medidas cautelares para se obter garantia para crédito em disputa; mesmo que assim não se entenda, a lei portuguesa consagra a competência concorrente entre o tribunal judicial e o tribunal arbitral para decretar medidas cautelares antes de ser iniciado o processo arbitral, ou durante este processo arbitral, nos termos do nº 1 do art.º 29º da Lei nº 63/2011, de 14/12; e, ainda que se entenda que a esta arbitragem se aplica a Arbitration Act 1996, também esta lei confere a qualquer tribunal judicial competente um poder estatutário de decretar medidas cautelares, nos termos do disposto na alínea (e), do n.º 2, da Seção 44 do Arbitration Act 1996, especialmente nos casos urgentes, nos termos da alínea (4), da seção 44 do Arbitration Act 1996. Foi proferida decisão que julgou improcedente a excepção dilatória de incompetência absoluta dos tribunais portugueses, com os seguintes fundamentos: “A luz do Código de Processo Civil preterição de tribunal arbitral determina a incompetência absoluta do tribunal nos termos do disposto no art.º 96.º do C.P.C.. Nos termos do art.º 97.º e 99.º, ambos do C.P.C., a incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes e implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar. No caso em apreço, as partes previram no acordo escrito firmado entre si, que teve por objeto o fretamento de um navio, a seguinte clausula: “Parte II Cláusula 37” Este contrato de fretamento será regulado e interpretado de acordo com a lei inglesa e qualquer litígio resultante ou relacionado com este Contrato será submetido a arbitragem em Londres, de acordo com a Lei de Arbitragem de 1996 ou qualquer alteração legal ou reedição da mesma, exceto na medida do necessário para dar efeito às disposições da presente Cláusula. A arbitragem será conduzida de acordo com os termos da London Maritime Arbitrators Association (LMAA) em vigor no momento em que o processo de arbitragem tiver o seu início. O que está em causa na situação sub judice é, precisamente, a interpretação da enunciada clausula 37, no sentido de se aferir se da mesma resulta a substração da providência requerida nestes autos à jurisdição dos tribunais judiciais portugueses. Os fatores de atribuição da competência internacional aos tribunais portugueses são os contidos no art.º 62.º, do C.P.C.: citério da coincidência (al. a)), critério da causalidade (al. b)) e critério da necessidade (al. c)), bastando se verifique um de tais critérios para ter lugar a competência internacional dos tribunais portugueses. Nos termos do art.º 63.º do C.P.C., os tribunais portugueses são exclusivamente competentes: a) Em matéria de direitos reais sobre imóveis e de arrendamento de imóveis situados em território português; todavia, em matéria de contratos de arrendamento de imóveis celebrados para uso pessoal temporário por um período máximo de seis meses consecutivos, são igualmente competentes os tribunais do Estado membro da União Europeia onde o requerido tiver domicílio, desde que o arrendatário seja uma pessoa singular e o proprietário e o arrendatário tenham domicílio no mesmo Estado membro; b) Em matéria de validade da constituição ou de dissolução de sociedades ou de outras pessoas coletivas que tenham a sua sede em Portugal, bem como em matéria de validade das decisões dos seus órgãos; para determinar essa sede, o tribunal português aplica as suas regras de direito internacional privado; c) Em matéria de validade de inscrições em registos públicos conservados em Portugal; d) Em matéria de execuções sobre imóveis situados em território português; e) Em matéria de insolvência ou de revitalização de pessoas domiciliadas em Portugal ou de pessoas coletivas ou sociedades cuja sede esteja situada em território português. No âmbito da ordem jurídica portuguesa, qualquer litígio respeitante a interesses de natureza patrimonial pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros, desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente aos tribunais do Estado ou a arbitragem necessária – art.º 1.º da Lei n.º 63/2011. No caso, resulta do clausulado firmado pelas partes que qualquer litígio resultante ou relacionado com o contrato será submetido a arbitragem em Londres, de acordo com a Lei de Arbitragem de 1996, ou seja, deverá ser submetido da um tribunal arbitral a ser construído e a funcionar nos termos da citada lei e será interpretado à luz da lei inglesa. Todavia, julga-se que o objeto do presente procedimento não se mostra abrangido pelo âmbito da enunciada previsão contratual e, por conseguinte, não assiste razão à requerida. Com efeito, em primeiro lugar cumpre referir que estamos perante um procedimento cautelar preventivo, cuja finalidade é assegurar a satisfação de um crédito cuja “titularidade” ainda não se mostra definida. Ou seja, o presente procedimento judicial não visa definir os direitos e obrigações das partes emergentes da relação jurídica firmada. Na verdade, ainda que este tribunal tenha que fazer uma apreciação indiciária sobre a existência do crédito e, por conseguinte, sobre as obrigações emergentes do acordo e sobre o seu incumprimento, a decisão proferida não resolve o litígio entre as partes, trata-se de um juízo perfunctório com vista a sustentar uma medida para conservação de determinado património. Acresce que, quer à luz da lei arbitral portuguesa, quer à luz da lei de arbitragem inglesa invocada pela requerida, não obstante o acordo de submissão do litígio ao tribunal arbitral, o tribunal judicial tem competência para, pelo menos em casos de urgência, decretar providências com vista à apreensão de bens – art.º 29.º da Lei n.º 63/2011 e alínea (e), do n.º 2 e 3, da Seção 44 do Arbitration Act 1996. Por outro lado, não obstante a cláusula prever a submissão do litígio à lei inglesa, tal previsão não afasta necessariamente a competência dos tribunais portugueses, na medida em que, num quadro de bilateralização da competência internacional (fora da União Europeia e do chamado “espaço Lugano”), os tribunais portugueses consideram-se exclusivamente competentes, por via da interpretativa do art.º 63.º, alínea e) do C.P.C., para execuções e arrestos incidentes sobre bens situados em Portugal – vide acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16.09.2014, proc. n.º 1782/14.8TBLRA-A.C1, disponível em www.dgsi.pt. Pelo que, sem prejuízo da resolução que o caso venha a ter no tribunal arbitral a constituir em Londres e no quadro da lei inglesa, este Tribunal é competente para decretar quaisquer providências provisórias coercivas com vista à apreensão dos bens que se encontrem em território nacional. Assim, julga-se a invocada exceção de incompetência absoluta do tribunal improcedente.” Inconformada, veio a Requerida interpor recurso de apelação de tal decisão, peticionando a sua revogação e substituição por outra que julgue os tribunais portugueses como internacionalmente incompetentes para o decretamento desta providência cautelar; formulando as seguintes Conclusões: “1. O articulado do contrato de fretamento, junto com a PI., na Parte II- Clausula 37 impõe uma convenção que consubstancia um pacto atributivo de jurisdição inserida num contrato subscrito pelas partes. 2. Vejamos a letra desta cláusula, no seu 1.º parágrafo na sua tradução para língua portuguesa: “ O presente Contrato será regido e interpretado de acordo com a lei inglesa e qualquer litígio resultante ou relacionado com o presente Contrato será submetido a arbitragem em Londres, de acordo com a Lei de Arbitragem de 1996 ou qualquer alteração legal ou reedição da mesma, excepto na medida necessária para dar efeito às disposições da presente Clausula.” 3. 4. Esta cláusula 37.ª contém pacto atributivo de jurisdição plena, descrito em 15 parágrafos, prevendo, adicionalmente, um mecanismo de mediação de acordo com a Lei Britânica. 5. O pacto atributivo de competência atribui, exclusivamente, à jurisdição britânica e ao Tribunal arbitral a ser instalado em Londres, o poder de dirimir qualquer conflito emergente deste contrato, esgotando qualquer poder jurisdicional dos tribunais portugueses, incluindo o decretamento de medidas cautelares. 6. Logo, esta cláusula deve ser interpretada, não de aordo com o CPCivil, mas antes à luz da Convençao de Lugano, e assim, afastando a intervenção dos Tribunais judiciais portugueses, do julgamento de qualquer dissidio decorrente da interpretação, execução ou validade deste contrato. 7. Em momento algum, esta cláusula arbitral concede aos Tribunais Portugueses poder para conhecer qualquer conflito, seja ele de natureza substancial, formal, ou cautelar, que resulte da sua interpretação, execução ou validade. 8. Os Tribunais portugueses foram, por força desta convenção de Foro e arbitral, impedidos de conhecer ou decidir medidas cautelares que decorrem da fonte deste contrato. 9. A jurisdição portuguesa foi expressamente excluída pelas partes, em toda a sua dimensão. 10. Assim, qualquer medida cautelar a ser julgada ao abrigo deste contrato, apenas pode ser decretada, de acordo com o direito britânico, através Tribunal Arbitral em Londres, de acordo com aplicação do direito britânico. 11. O aporema daqui reside precisamente na análise da eficácia do pacto atributivo de jurisdição. 12. E neste circunspecto, apenas podemos concluir, pela evidência da convenção de arbitragem, que o Tribunal Português é internacionalmente incompetente para decidir e decretar o arresto dos bens da Requerida, o que deve ser oficiosamente declarada.” A apelada apresentou contra-alegações onde defendeu a improcedência do recurso. Colhidos os vistos, cumpre decidir. II - QUESTÕES A DECIDIR De acordo com as disposições conjugadas dos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1, ambas do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se delimita o objecto e o âmbito do recurso, seja quanto à pretensão do Recorrente, seja quanto às questões de facto e de direito que colocam. Assim, no caso, a única questão a decidir é determinar se o tribunal recorrido é absolutamente incompetente para tramitar e julgar a presente providência cautelar, por ser competente para o efeito o tribunal arbitral a constituir em Londres. III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Com interesse para a decisão relevam os factos constantes da parte I-Relatório desta decisão. IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Como resulta das conclusões recursórias, sustenta a apelante que a Cláusula 37, 1º parágrafo, da Parte II do contrato de fretamento indiciariamente outorgado entre as partes consubstancia um pacto de jurisdição plena, atribuindo exclusivamente ao tribunal arbitral a ser instalado em Londres o poder de dirimir qualquer conflito emergente daquele contrato, esgotando o poder jurisdicional dos tribunais portugueses, incluindo o decretamento de medidas cautelares. Por isto, sempre no entender da apelante, aquela cláusula deve ser interpretada à luz da “Convenção de Lugano”, afastando a intervenção dos tribunais portugueses do julgamento de qualquer dissídio decorrente do contrato, que, por isso, devem ser julgados internacionalmente incompetentes para a presente providência cautelar. É o seguinte o teor da mencionada Cláusula 37, 1º parágrafo, da Parte II do contrato de fretamento indiciariamente outorgado entre as partes (conforme tradução aceite pelas partes): “O presente Contrato será regido e interpretado de acordo com a lei inglesa e qualquer litígio resultante ou relacionado com o presente Contrato será submetido a arbitragem em Londres, de acordo com a Lei de Arbitragem de 1996 ou qualquer alteração legal ou reedição da mesma, excepto na medida necessária para dar efeito às disposições da presente Clausula”. Ora, perante o teor desta cláusula, é cristalino que a mesma, ao contrário do que sustenta a apelante, não consubstancia um pacto atributivo de jurisdição (art.º 94º do Cód. Proc. Civil), cuja violação determinaria a incompetência absoluta do tribunal por infracção das regras de competência internacional (art.º 96º, al. a) do Cód. Proc. Civil), mas, antes, um pacto de arbitragem, cuja violação determinaria a incompetência absoluta do tribunal por preterição do tribunal arbitral (art.º 96º, al. b) do Cód. Proc. Civil). Na verdade, pacto de jurisdição e pacto de arbitragem são realidades distintas. A este propósito, esclarece Luís de Lima Pinheiro, in “Temas de Direito Marítimo – III. Pactos de Jurisdição e Convenções de Arbitragem em matéria de Transporte Marítimo de Mercadorias”, acessível em https://portal.oa.pt: “O pacto de jurisdição é o acordo das partes sobre a jurisdição nacional competente. / O pacto de jurisdição é suscetível de ter um efeito atributivo de competência e um efeito privativo de competência. Tem um efeito atributivo quando fundamenta a competência dos tribunais de um estado que não seriam competentes por aplicação dos critérios de competência legal. Tem um efeito privativo quando suprime a competência dos tribunais de um estado que seriam competentes por aplicação dos critérios de competência legal.” – p. 571 “A convenção de arbitragem é o acordo das partes em submeter a resolução de um ou mais litígios determinados ou determináveis a arbitragem. A convenção de arbitragem tem um efeito positivo — fundamentar a competência do tribunal arbitral — e um efeito negativo — excluir a competência dos tribunais estaduais.” – p. 587. Por isto, “a convenção de arbitragem transnacional não se confunde com a competência internacional dos tribunais portugueses, que se traduz na competência dos tribunais portugueses para conhecer de situações que, apesar de possuírem, na perspetiva do ordenamento português uma relação com ordens jurídicas estrangeiras, apresentam igualmente uma conexão relevante com a ordem jurídica portuguesa, nem com a competência internacional exclusiva dos tribunais portugueses que ocorre quando a ordem jurídica portuguesa não admite a privação de competência por pacto de jurisdição nem reconhece decisões proferidas por tribunais estrangeiros que se tenham considerado competentes.” – Acórdão do STJ de 23/09/2021, relatora Rosa Tching (proc. nº 175/17.0TNLSB.L1.S1), acessível em www.dgsi.pt. Pelo exposto, e como começámos por afirmar, a cláusula em causa nos autos - de onde resulta de forma expressa que qualquer litígio resultante ou relacionado com o contrato será submetido a arbitragem em Londres – reconduz-se a uma convenção de arbitragem, que não é, sequer, regulada pela “Convenção de Lugano” (cfr. art.º 1º, nº 2, al. d) desta Convenção). De acordo com o disposto no art.º 1º, nº 1 da Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei nº 63/2011, de 14/12 (doravante, LAV), desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente aos tribunais do Estado ou a arbitragem necessária, qualquer litígio respeitante a interesses de natureza patrimonial pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros. Como já se viu, a convenção de arbitragem tem um efeito positivo [consistente na atribuição de competência ao tribunal arbitral para julgar o(s) litígio(s) visados pela convenção de arbitragem] e um efeito negativo [que se traduz na incompetência dos tribunais estadais para conhecerem desse(s) litígio(s)], sendo que este – o efeito negativo - encontra-se consagrado no art.º 5º, nº 1 da LAV e impede as partes de procurar a resolução de um litígio abrangido pela convenção junto de um tribunal estadual. Porém, existem excepções a este efeito negativo da convenção de arbitragem e a competência para o decretamento de providências cautelares – como é o caso dos autos – é uma delas. Com efeito, prevê o art.º 7º da LAV o princípio geral de que não é incompatível com uma convenção de arbitragem o requerimento de providências cautelares apresentado a um tribunal estadual, antes ou durante o processo arbitral, nem o decretamento de tais providências por aquele tribunal. Admite, pois, este preceito, e de forma expressa, que as providências cautelares sejam directamente requeridas a um tribunal estadual, antes ou mesmo durante o processo arbitral. Este princípio justifica-se “fundamentalmente, por duas ordens de razões: a) Por um lado, a circunstância de o tribunal arbitral poder ainda não estar constituído quando a providência é requerida, o que inevitavelmente demoraria o seu decretamento; b) Por outro, a maior facilidade de execução que podem apresentar as providências decretadas pelos tribunais do Estado.” - Dário Moura Vicente (Coordenador) e outros, in “Lei da Arbitragem Voluntária Anotada”, 5ª ed. revista e actualizada, 2021, Almedina, p. 51-52. Nesta decorrência, estipula o art.º 29º, nº 1 da LAV que os tribunais estaduais têm poder para decretar providências cautelares na dependência de processos arbitrais, independentemente do lugar em que estes decorram, nos mesmos termos em que o podem fazer relativamente aos processos que corram perante os tribunais estaduais. Ou seja, os tribunais estaduais conservam o poder para decretar medidas cautelares na pendência de uma convenção de arbitragem antes ou durante o processo arbitral e essa competência daqueles tribunais (estaduais) para decretar medidas cautelares na dependência de processos arbitrais não depende do lugar em que estes últimos decorram. O que significa que a LAV prevê o decretamento de providências cautelares tanto pelos tribunais estaduais como pelos tribunais arbitrais (arts. 20º e ss), o que leva a doutrina a reconhecer a existência de competências concorrentes da jurisdição estadual e de jurisdição arbitral em matéria cautelar. Como faz notar Dário Moura Vicente (Coordenador) e outros, in ob. cit., p. 117, o aludido art.º 29º, nº 1 da LAV “não permite sustentar que os tribunais estaduais só podem intervir a título subsidiário. Na verdade, a LAV não confere qualquer competência a título primário aos árbitros para decretarem providenciais cautelares. Acrescente-se que, antes de constituído o tribunal arbitral, só o tribunal estadual pode decretar medidas cautelares.” No mesmo sentido, escreve Manuel Pereira Barrocas, in “Lei de Arbitragem Comentada”, 2ª ed., 2018, Almedina, p. 120-121: “A competência do tribunal estadual em matéria cautelar se bem de que apoio à arbitragem, não faz parte nem é subsidiaria da competência dos tribunais arbitrais. É uma competência própria e independente da competência do tribunal arbitral. (…) Esta disposição do número 1 do artigo 29º afirma claramente (…) que os tribunais estaduais portugueses (…) podem decretar medidas cautelares requeridas por partes de processos arbitrais, a instaurar ou já pendentes em tribunais arbitrais a instalar ou já instalados no estrangeiro, e por dependência desses processos arbitrais.” Em suma, não obstante a existência de uma convenção de arbitragem, é admissível o recurso a um tribunal estadual para solicitar uma providência cautelar, tal não traduzindo uma violação daquela convenção, a sua resolução ou a renúncia à arbitragem. “O decretamento de medidas cautelares pelo tribunal estadual tão-pouco significa a sua incompatibilidade com a convenção de arbitragem, dado que o direito de a parte requerer medidas cautelares à jurisdição estadual decorre diretamente da lei (artigo 29º da LAV) e não da convenção de arbitragem.” – Manuel Pereira Barrocas, in ob. cit., p. 56. É controversa na Doutrina portuguesa a questão referente à (im)possibilidade de as partes excluírem/limitarem o recurso aos tribunais estaduais para decretamento de providências cautelares – cfr. Manuel Pereira Barrocas, in ob. cit., p. 99; e Dário Moura Vicente (Coordenador) e outros, in ob. cit., p. 97-98, nota 107, onde é feita uma resenha de vários autores e respectivas posições sobre esta questão. A este propósito, afigura-se-nos que a norma do art.º 7º da LAV é imperativa, pelo que não são admissíveis convenções de exclusão de competência cautelar dos tribunais estaduais – cfr., neste sentido, Dário Moura Vicente (Coordenador) e outros, in ob. cit., p. 97, nota 107. No sentido de que o tribunal estadual é competente para o conhecimento de procedimento cautelar, mesmo que exista uma convenção para resolver por árbitros os litígios que surgissem entre as partes (arts. 7º e 29º da LAV), sendo a competência para decretar providências cautelares concorrente, pode consultar-se o Acórdão do TRL de 10/03/2022, relator Pedro Martins (proc. nº 22031/21.7T8LSB-A.L1-2) e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 31/01/2020, relator Nuno Coutinho (proc. nº 00910/19.1BEPRT) – ambos, acessíveis em www.dgsi.pt. Perante o exposto, é de concluir que, no caso dos autos, o tribunal recorrido, por força dos arts. 7º e 29º da LAV, tem competência para a presente acção, pese embora a convenção de arbitragem acordada entre as partes. Acresce que, na convenção de arbitragem outorgada entre as partes não é feita qualquer menção expressa de exclusão e/ou de limitação de competência cautelar dos tribunais estaduais, sendo certo que, face à existência de competências concorrentes da jurisdição estadual e de jurisdição arbitral em matéria cautelar - consagrada nos citados arts. 7º e 29º da LAV - qualquer exclusão/limitação daquela competência, a ser admissível [o que para nós, como deixámos dito, não é], sempre teria de ser expressa e directamente consagrada. Donde e em suma, não se verifica a incompetência absoluta do tribunal recorrido para apreciar a presente providência cautelar, por preterição de tribunal arbitral, assim improcedendo a apelação, sendo de manter a decisão recorrida. * As custas devidas pela presente apelação são da responsabilidade da apelante – cfr. art.º 527º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil e art.º 1º, nºs 1 e 2 do Regulamento das Custas Processuais. V. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar improcedente a presente apelação e, em consequência, manter a decisão recorrida. Custas pela apelante. * Lisboa, 8 de Outubro de 2024 Cristina Silva Maximiano José Capacete Carlos Oliveira (Voto em conformidade só não assinando por não se encontrar presente: artigo 153º, nº1, in fine do Código de Processo Civil) |