Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ELISABETE ASSUNÇÃO | ||
Descritores: | AMPLIAÇÃO OBJECTO DO RECURSO DESTITUIÇÃO DE GERENTE JUSTA CAUSA CÔNJUGE COMUNICABILIDADE MAIOR ACOMPANHADO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/26/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1 – Embora não tendo os recorrentes feito menção, em concreto, das passagens das gravações respeitantes ao depoimento de uma testemunha, as transcrições que fizeram do referido depoimento permitem o exercício do contraditório por parte dos contra-alegantes e ainda o exame, sem dificuldade, pelo Tribunal da Relação, da impugnação da matéria de facto em causa. 2 - Cumprindo os recorrentes os restantes ónus previstos no art.º 640º, do CPC, importa, no caso, que o Tribunal da Relação conheça da impugnação da matéria de facto em causa nos autos. 3 – Não obstante a ampliação do âmbito do recurso não configurar um verdadeiro recurso, as exigências de forma são, no entanto, as mesmas, impondo-se que a ampliação seja requerida e que os respetivos fundamentos constem das alegações como refere o art.º 636º, nº 1, do CPC, sintetizadas nas conclusões. 4 – Sendo as conclusões que definem o objeto do recurso, as mesmas têm que ser formuladas, não havendo lugar a despacho de aperfeiçoamento, no caso de não o serem. 5 – O pretendido com o resultado da impugnação da matéria de facto é que a parte que impugnou possa dispor de elementos que sejam suscetíveis de influenciar a decisão de mérito, não devendo o Tribunal da Relação alterar a matéria de facto quando assim não ocorra, não se obtendo, pois, com essa alteração, qualquer efeito juridicamente útil ou relevante, considerando a decisão de mérito proferida. 6 - Não basta a simples violação de algum dos seus deveres para que o gerente possa ser judicialmente destituído por justa causa, sendo necessário que se trate de uma violação grave dos deveres do gerente, nomeadamente dos deveres de cuidado, de diligência e de lealdade, que impliquem perda irreparável da confiança dos afetados por essa atuação dos gerentes. 7 – O âmbito de aplicação do nº 2, do art.º 8º, do CSC, refere-se apenas às situações de comunicabilidade da vertente patrimonial da participação social, nos casos em que só um dos cônjuges teve intervenção no ato jurídico através do qual a participação se tornou um bem integrado na massa dos bens comuns. 8 - À luz do disposto no art.º 8º, nºs 2 e 3, do CSC, importa concluir que a vertente patrimonial da posição do sócio é comunicável ao cônjuge, mas a vertente associativa, apenas por aplicação deste artigo, não o é. 9 – Competindo a representação do sócio, para esse efeito, à acompanhante, nomeada ao maior acompanhado, sócio da sociedade, compete à mesma votar na assembleia geral daquela que deliberou no sentido de aprovar a venda de um imóvel propriedade da mesma. 10 – Não tem a cônjuge do sócio, sujeito a medida de representação especial, que confere poderes à acompanhante para o efeito, legitimidade para intentar ação societária a fim de obter a declaração de rejeição de um ponto da ordem de trabalhos de uma assembleia geral de uma sociedade por quotas, uma vez que não representa o sócio para esse efeito. 11 – Sendo a deliberação de venda de um imóvel da sociedade em si mesma lícita, cabe aos impugnantes fazer prova de factos concretos, que permitam preencher os pressupostos subjetivos e objetivos previstos no art.º 58º, n.º 1 al. b) do CSC, e, logo, que permitam concluir estarmos perante uma deliberação abusiva. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da Secção de Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa Tempestividade do recurso apresentado 1. Alegam os recorridos que o recurso apresentado nos autos é extemporâneo, não devendo ser admitido. Dizem, para o efeito, que, para que o recurso tenha por objeto a reapreciação da prova gravada, tem a parte que dar cumprimento aos ónus previstos no art.º 640º, do Código de Processo Civil (CPC), sob pena de rejeição, o que não aconteceu no caso, uma vez que a parte não indicou, com exatidão, as passagens das gravações em que se funda o seu recurso. Acrescentam que os recorrentes se limitaram a transcrever um pequena parte do depoimento de uma testemunha , não sendo sequer necessário recorrer a esse depoimento para prova do facto negativo, acrescentando que os recorrentes atuaram em abuso de direito, com o único propósito de ampliar um prazo de recurso que já se encontra ultrapassado. O tribunal a quo, proferiu despacho de admissão do recurso nos seguintes termos: “Nos termos do n.º 1 do art.º 638.º do Código Processo Civil, o prazo para a interposição do recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão, reduzindo-se para 15 dias nos processos urgentes e nos casos previstos no n.º 2 do artigo 644.º e no artigo 677.º. Por sua vez, regula o n.º 7. da norma vinda de enunciar que “Se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, ao prazo de interposição e de resposta acrescem 10 dias.” O Recorrente recorreu da decisão proferida quanto à matéria de facto. A sentença recorrida foi proferida no dia 30.04.2024 e expedida para notificação às partes no dia 2.05.2024. Considerando que a notificação foi expedida via CITIUS no dia 2.05.2024, tendo presente o disposto no art.º 248.º do Cód. Processo Civil, presume-se que o Recorrente foi notificado da mesma no dia 6.05.2024 (sendo certo, que os dias 4.05 e 5.05 respeitam a fim de semana), do que decorre que o prazo de recurso teve o seu início no dia 7.05.2024 e o seu término no dia 5.06.2024. Considerando que a Autora recorreu da decisão sobre a matéria de facto, ao prazo referido acresce um prazo de 10 dias, do que decorre que o prazo de recurso teve, no caso concreto, o seu término no dia 15 de Junho de 2024, o que por ser sábado determinou que o prazo em causa terminasse no dia 17.06.2024 (segunda-feira). Por força do disposto no art.º 139.º do Cód. Proc. Civil, o acto de interposição de recurso podia ser praticado até ao terceiro dia útil subsequente, ou seja, até ao dia 20.06.2020. Analisados os autos verifica-se que o Recorrente deu entrada do recurso no dia 20.06.2024 e liquidou a multa devida, ou seja, dentro do período de três uteis conferidos por lei para a prática do acto em causa. Tendo em conta o referido supra, afigura-se manifesto que o presente recurso foi interposto tempestivamente. * Por ser tempestivo, ter sido interposto por quem tem legitimidade e ser legalmente admissível, admito o recurso da sentença proferida, interposto por MP… e MI…, para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual é de apelação, sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tudo nos termos do disposto nos artigos 627.º n.º2, 629.º n.º 1, 631.º, 638.º n.ºs 1, 639.º todos do Código de Processo Civil.”. 2. Cumpre apreciar se o recurso em apreço foi tempestivamente interposto. Na espécie, da análise dos autos, como se refere no despacho de admissão de recurso proferido pelo tribunal a quo, resulta claro que o presente recurso foi interposto dentro do prazo previsto nos nºs 1 e 7, do art.º 638º, do CPC[1], considerando ainda o disposto no art.º 139º, n.º 5, al. c), do mesmo diploma legal, tendo os recorrentes liquidado a multa devida. De facto, a decisão objeto de recurso foi proferida no dia 30.04.2024 e expedida notificação da mesma às partes, por via eletrónica, no dia 02.05.2024, presumindo-se assim, nos termos do art.º 248º, n.º 1, do CPC, que os recorrentes foram notificados daquela no dia 06.05.2024 (os dias 04.05 e 05.05 foram fim de semana). Resulta, pois, que o prazo de recurso teve o seu início no dia 07.05.2024, terminando os 30 dias no dia 05.06.2024. Tendo os AA. recorrido da decisão sobre a matéria de facto, ao prazo referido acresce um prazo de 10 dias, ou seja, com cômputo até ao dia 15.06.2024. Sendo este sábado, o prazo em apreço terminou em 17.06.2024, nos termos do art.º 138º, n.º 2, do CPC. Face ao disposto no art.º 139º, n.º 5, alínea c), do CPC, o ato de interposição de recurso podia ser praticado até ao terceiro dia útil subsequente, ou seja, até ao dia 20.06.2020, o que ocorreu, com o pagamento da correspondente multa. Quanto aos argumentos dos recorridos para considerar que o recurso interposto não é tempestivo, os mesmos não procedem. Não cumpre ao tribunal, ao avaliar da tempestividade do recurso, apreciar do mérito do mesmo, nomeadamente, se a impugnação da matéria de facto deve, ou não, ser apreciada ou rejeitada por cumprir, ou não, todos os requisitos previstos no art.º 640º, do CPC. Igualmente não cumpre ao tribunal apreciar, nesse momento, se os depoimentos transcritos ou referidos nas gravações são, ou não, úteis ou permitem provar ou alterar a matéria de facto. Neste sentido, veja-se o mencionado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.02.2018, e a jurisprudência no mesmo sentido citada naquele: “A apelante que sustenta a alteração da matéria de facto com base em depoimento testemunhal gravado beneficia da prorrogação do prazo de dez dias para recorrer, independentemente da regularidade da impugnação da matéria de facto e do respectivo mérito (art.º 638.º, n.º 7, do CPC).”[2]. Quanto ao invocado abuso de direito, vejamos o art.º 334º, do Código Civil (C.C.). Dispõe este artigo que: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.” Corroborando-se na posição de outros Autores, referem Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação ao artigo enunciado, que: “O abuso de direito pressupõe logicamente a existência do direito (direito subjetivo ou mero poder legal), embora o titular se exceda no exercício dos seus poderes. A nota típica do abuso de direito reside, por conseguinte, na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que ele deve ser exercido.”[3]. Também o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 09.01.2017, diz muito linearmente, relativamente a este instituto, que: “O abuso de direito pressupõe a existência de um direito radicado na esfera do titular, direito que, contudo, é exercido por forma ilegítima por exceder manifestamente a boa fé, os bons costumes ou o seu fim social ou económico (art.º 334º do C.Civil). A justificação do instituto do abuso do direito assenta em razões de justiça e de equidade e prende-se com o facto das normas jurídicas serem gerais e abstratas. Poder-se-á, então, dizer que ocorre uma situação típica de abuso do direito quando alguém, detentor de um determinado direito, consagrado e tutelado pela ordem jurídica, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e ostensivamente contra o sentimento jurídico dominante.”[4] Ora, na espécie, sem dúvida, que existe um direito dos AA. a recorrerem da decisão, direito consagrado no Código de Processo Civil. Podemos considerar que os mesmos exerceram o seu direito de forma ilegítima, tendo em consideração o suprarreferido? Claramente a resposta é negativa, face aos pressupostos que cumpre avaliar para a admissibilidade do recurso interposto, não estando em causa, como referimos supra, aferir, nesta sede, da admissibilidade ou não do pretendido pelos recorrentes no recurso interposto ou do mérito do recurso. Cabe assim considerar tempestiva a interposição do recurso em apreciação. * Ultrapassada esta questão avancemos com a análise do objeto do recurso. 1. Relatório MP… e MI… intentaram, em 13.06.2022, contra Serração …, Lda., J… e S…, ação declarativa de condenação, pedindo a final que: “a) – Deve ser determinado que, na circunstância da incapacidade do Réu J…, a representação das quatro quotas tituladas pelo mesmo no capital da Ré sociedade, acima identificadas no art.º 2º compete, nos termos do n.º 3 do art.º 8º, do Cód. das Soc. Comerciais, à Autora MI…; b) – Deve ser declarado que na assembleia geral de sócios de 27/05/2022 foi rejeitado o ponto único da ordem de trabalhos, consistente em “Deliberar sobre a venda da fração autónoma afeta a habitação, de tipologia TI, identificada pelas letras "BE-B4", do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, localizado na R…, Edifício …, no Funchal, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4…º, da freguesia de …, e nomeação da gerente para representar a Sociedade na referida venda”; c) – Subsidiariamente em relação ao pedido anterior, a ser, por mera hipótese e sem conceder, entendido que ocorreu nessa assembleia de 27/05/2022 deliberação de aprovação do ponto único da ordem de trabalhos, deve ser a mesma anulada, nos termos do art.º 58º, n.º 2, b) do C.S.Com.; d) – Deve ser decretada a destituição do cargo de gerente do Réu J…, com justa causa; e) – Deve ser decretada a destituição do cargo de gerente da Ré S…, com justa causa.” Como fundamento dos seus pedidos alegaram, em síntese, que no dia 27 de Maio de 2022 foi realizada assembleia-geral de sócios da primeira Ré. Nessa assembleia geral esteve presente a mulher do segundo Réu que votou em representação deste, tendo em conta o facto de o mesmo estar sujeito ao regime do Acompanhamento de Maior e igualmente a terceira Ré, que também votou em representação do primeiro Réu. Defendem que a segunda Autora é quem legalmente pode representar o segundo Réu nas assembleias gerais da primeira Ré, dado que as quotas tituladas pelo segundo Réu, na sociedade Ré, pertencem à comunhão conjugal. Defendem, assim, que, em face do sentido de voto da segunda Autora na assembleia em causa, em representação do segundo Réu, o ponto único da ordem de trabalhos foi rejeitado. Caso assim não se entenda, defendem que a deliberação em causa deverá ser declarada anulada à luz do disposto no art.º 58.º, n. º2, al. b) do CSC. Peticionam ainda os Autores a destituição do cargo de gerente dos Réus J… e S…, por justa causa, para o que alegam factos que entendem constituir justa causa para a sua destituição Os RR. citados, vieram apresentar contestação, pedindo a improcedência da ação. Alegam, em síntese, a validade e regularidade das deliberações tomadas na Assembleia Geral em causa nestes autos e a inexistência dos vícios invocados pelos Autores. Suscitaram ainda a ilegitimidade ativa da Autora MI… e defenderam que a representação do Réu J…, no âmbito da primeira Ré compete apenas à terceira Ré, que é a sua Acompanhante. Defendem também não existirem fundamentos para a destituição dos gerentes, com justa causa. * Foi designada data para a realização de audiência prévia. * Foram proferidos o despacho saneador e os despachos a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova, tendo sido apreciadas as exceções suscitadas pelos Réus. Os despachos proferidos não foram objeto de reclamação. * Foi agendada e realizada audiência de discussão e julgamento. * Em 30.04.2024 foi proferida sentença nos autos com o seguinte dispositivo: “Nestes termos, e pelos fundamentos supra expostos, julgo a presente acção parcialmente procedente, por provada e, consequentemente: - Determino a destituição por justa causa, assente em incapacidade para o exercício do cargo, do gerente J…, 2.º Réu. - Absolvo os Réus dos demais pedidos deduzidos. Custas pelos Autores na proporção de 5/6 e pelo Réu J… na proporção de 1/6 (art.º 527.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil). Registe e Notifique.” * Inconformados com esta decisão vieram os AA., em 20.06.2024, apresentar recurso da mesma, pedindo, a final, no que ora nos interessa, que seja conferido provimento ao recurso, devendo ser revogada a sentença, julgando-se procedentes os pedidos formulados sob as alíneas a) e b) e subsidiariamente, em relação a este último, o pedido formulado sob a al. c). Anteriormente referem ainda que deve ser julgado procedente, por provado, o pedido formulado sob alínea e). Apresentaram os recorrentes as seguintes conclusões: “1º Em relação à matéria dos arts. 124º, 126º a 130º da PI, apenas foi dado como provado o facto constante da douta Sentença recorrida sob o ponto 53. 2º O Tribunal a quo omitiu o apuramento da restante matéria aí alegada, concretamente atinente à falta de convocação da assembleia geral de sócios no cumprimento do art.º 35º do Código das Sociedades Comerciais. 3º Deve ser aditado e dado como provado, em relação a essa matéria, o seguinte facto: Desde o facto referido no ponto 53 da matéria de facto apurada, e até à presente data, não foi convocada qualquer assembleia destinada a tomar as medidas previstas no art.º 35º do Cód. das Sociedades Comerciais. 4º Tal factualidade resultou, de forma clara e objectiva, do depoimento da testemunha arrolada pelos Réus, concretamente o Técnico Oficial de Contas da Ré sociedade, M…, prestado em audiência do dia 21-02-2024, e gravado no CITIUS. 5º Nesse sentido são invocados e os seguintes trechos do depoimento em causa: [...] Advogada: - Eu gostaria de saber se o senhor reconhece e confirma o teor do documento 9 junto à Petição Inicial. M…: - Sim, isto é o anexo ao balanço e demonstração de resultados do ano, do período de 2021, das contas de 2021, certo. Advogada: - Está assinado por si? …: - Desculpe, sim, sim. [...] Advogado: - [...] Pergunto-lhe se em relação à menção que é feita designadamente nesse relatório quanto à perda de mais de metade do capital social e que havia que dar cumprimento ao artigo 35º do Código das Sociedades Comerciais, pergunto-lhe efectivamente se tem conhecimento de haver sido convocada essa assembleia com esse objecto ou não? M…: - Não, não houve assembleia, foi mencionado no relatório, foi mencionado no anexo ao balanço, e no ano seguinte estava regularizada a situação. Advogado: - A pergunta, mas portanto, esta assembleia para tomar cumprimento do artigo 35º, não foi até à data de hoje convocada? M…: - Não. 6º Já quanto à peticionada destituição com justa causa dos gerentes, resultou comprovada: a perda de relações contratuais da Ré sociedade da maior importância – cfr. facto provado sob o ponto 17; 7º A diminuição significativa das vendas pelo facto provado sob o ponto 18; 8º O avolumar, ano após ano, de resultados negativos pelo facto provado sob o ponto 19; 9º O aumento do passivo, designadamente bancário e junto das entidades públicas, pelos factos provados sob os pontos 23, 24 e 38; 10º A venda dos equipamentos pelos factos provados sob os pontos 25 a 28, e 30 a 34. 11º A respectiva descapitalização, em proveito próprio do Réu J…, pelos factos provados sob os pontos 36 a 38; 12º A promoção de despedimentos ilícitos, onerando-a, bem como o incumprimento reiterado de obrigações laborais e outras, pelos factos provados sob os pontos 44 a 48. 13º Para além de tudo isso resulta que a gerência da Ré sociedade, e particularmente a Ré S…, a despeito de estar plenamente ciente da perda de mais de metade do capital daquela, não deu qualquer cumprimento ao disposto no art.º 35º do Cód. das Sociedades Comerciais. 14º Competia-lhe convocar tal Assembleia, e não o fez, ao arrepio do indicado normativo, dolosamente, porquanto estava plenamente ciente da dita perda e das medidas impostas por lei, como consta do relatório e demonstração de resultados por si própria subscritos – cfr. ponto 53 da matéria de facto apurada, onde expressamente se mencionada a necessidade de ser dado cumprimento àquele normativo. 15º A situação é tanto mais grave quanto constitui crime, cfr. art.º 523º do Código das Sociedades Comerciais. 16º A gerência está estritamente obrigada a convocar tal Assembleia – não pode escolher não o fazer; e está obrigada a fazê-lo imediatamente - a expressão do art.º 35º é "prontamente." 17º No caso, após o momento referido no ponto 53 da matéria de facto apurada, já foram convocadas duas outras assembleias, a última visando colocar à venda o único imóvel da Ré sociedade - cfr. pontos 54 e 56 da matéria de facto apurada -, mas nada, rigorosamente nada, quanto ao cumprimento do dito normativo. 18º Salienta-se a quebra do saldo dos capitais próprios da Ré sociedade, de € 320.345,65 (em 2017, cfr. doc. 7 junto à PI) para € 63.002,29 (em 2021, cfr. doc. 9 junto à PI), ou seja, representando uma perda objectiva de valor de € 257.343,36, correspondente a 148% do total do capital social da sociedade. 19º Ou seja, a despeito da iminência falimentar da Ré sociedade, evidenciada pela perda de mais de metade do capital, o que a respectiva gerência pretende é prosseguir, a seu belo prazer, com a liquidação de praticamente todo o património daquela, à revelia das respectivas obrigações legais. 20º Existe, como tal fundamento para a destituição, com justa causa, nos termos do art.º 257º, n.º 6, do Cód. Soc. Com., e, como tal, deve ser julgado procedente, por provado, o pedido formulado sob alínea e), ou seja, a destituição do cargo de gerente também da Ré S…, com justa causa. 21º Finalmente, quanto à representação das quotas do Réu J…, incapaz, a mesma compete, nos termos do n.º 3 do art.º 8º, do Cód. das Soc. Comerciais, à Autora MI…, sua cônjuge. 22º O dito art.º 8º, n.º 3 do Cód. das Soc. Com., integra uma norma especial – completando a norma, também especial, ínsita ao respectivo n.º 2. 23º Além da especialidade desse regime, e como tal, segundo se julga, prevalecente, também se argui que um processo de maior acompanhado, não se destina a afectar – nem pode afectar – a administração de um bem comum do casal do maior acompanhado, em detrimento do respectivo cônjuge, que nem foi ouvido, nem tido, nem achado na matéria – sob pena de afronta manifesta aos arts. 1º, 20º, n.º 4, e 62º da C.R.P.. 24º A relação especial do próprio sócio com a sociedade que fundamenta o regime do n.º 2 do art.º 8º, é-lhe estritamente pessoal, e já não se justifica, do mesmo modo, para o respectivo acompanhante. 25º Do mesmo modo, também não se justifica, em relação a uma quota que é bem comum, preterir o cônjuge titular dessa comunhão conjugal, em função de um terceiro, o dito acompanhante. 26º A seguir o entendimento exposto pelos Recorrentes, resulta que, por via da representação da Autora MI…, a deliberação da assembleia de sócios de 27/05/2022 foi no sentido da rejeição, por unanimidade, do ponto único da ordem de trabalhos. 27º Mas, subsidiariamente, a por mera hipótese e sem conceder ser entendido que ocorreu então deliberação de aprovação do ponto único da ordem de trabalhos, por via da representação da acompanhante, a Ré S…, a mesma é anulável: não se concebe, à luz da al. b) do n.º 1, do art.º 58º do CSC, que, nas circunstâncias de facto apuradas, não seja deliberada e gravemente lesiva, quer para a sociedade, quer para os direitos do outro sócio, o Autor MP…, a deliberação de venda, ainda, do único imóvel da sociedade. 28º Ou seja, devem ser julgados procedentes, por provados, os pedidos formulados sob as als. a) e b), e, subsidiariamente em relação a este último, o pedido formulado sob a al. c). 29º Assim se pugna pela efectiva procedência do presente recurso, devendo ser revogada a douta Sentença recorrida, de modo a se fazer Justiça.” * Foram apresentadas contra-alegações pelos RR., ora recorridos pedindo, a final, que seja mantida na integra a decisão proferida. Não foram apresentadas pelos mesmos conclusões. * O juiz do tribunal a quo proferiu, em 15.10.2024, despacho de admissão de recurso interposto, nos termos supra referidos. * Foram colhidos os vistos. Cumpre apreciar. 2. Objeto do recurso Analisado o disposto nos artºs 608º, n.º 2, aplicável por via do art.º 663º, n.º 2, 635º, nºs 3 e 4, 639º, nºs 1 a 3 e 641º, n.º 2 al. b), todos do CPC, sem prejuízo das questões que o tribunal deve conhecer oficiosamente e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução a outras, este Tribunal apenas poderá conhecer das questões que constem das conclusões do recurso, que definem e delimitam o objeto do mesmo. Não está ainda o Tribunal obrigado, face ao disposto no art.º 5º, n.º 3, do citado diploma, a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar essas conclusões, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito. * Considerando o acima referido são as seguintes as questões a decidir no presente recurso: 1 - Da alteração da matéria de facto, nos termos pretendidos pelos recorrentes e pelos recorridos. 2 - Destituição, por justa causa, da gerente da Sociedade R., S…. 3 - Representação das quotas do R. J… na sociedade R., considerando a sua situação de maior acompanhado. 4 - Rejeição ou aprovação do ponto único da ordem de trabalhos da assembleia geral de sócios da sociedade R., realizada em 27.05.2022. 5 - Da anulabilidade da deliberação tomada na mesma assembleia geral de sócios da sociedade R., de 27.05.2022. 3. Fundamentos de facto Os constantes da decisão proferida em primeira instância, nos seguintes termos[5]: 1. A Ré sociedade é uma sociedade comercial por quotas e dedica-se à atividade de indústria de serragem, carpintaria, construção civil e obras públicas, serralharia, corte e fabricação de artigos de mármore, granito, basalto e rochas similares, importação, exportação, comércio por grosso e a retalho de materiais de construção civil. 2. A Ré sociedade gira com o capital social de €174.579,24, integralmente realizado, dividido em cinco quotas, três no valor de €24.939,89 cada, e uma no valor de €74.819,67, pertencentes ao Réu J…, e uma, no valor de €24.939,89, pertencente ao Autor MP…. 3. A Autora MI… e o Réu J… casaram em 26.06.1973, sem precedência de convenção antenupcial. 4. A Autora MI… e o Réu J… não vivem juntos e relacionam-se de modo separado com os respetivos filhos e netos. 5. As quotas pertencentes ao Réu J… foram adquiridas por cessão de quotas onerosa, no estado civil de casado com a Autora MI…. 6. O Réu J… está sujeito a medida adotada no processo de acompanhamento de maior n.º 730/20.1T8FNC, que correu termos no Juízo Local Cível do Funchal, Juiz 2. 7. Os Autores não tiveram intervenção no processo de acompanhamento de maior referido em 6. 8. O processo referido em 6. foi da iniciativa do Réu J…, o qual pediu “que fosse fixada a medida de acompanhamento pela sua filha S…, na vida social, financeira e familiar, sobretudo nas decisões que digam respeito aos actos da sua vida civil quotidianos, nomeadamente a sua saúde, moradia e habitação. Em alternativa também indicou para seu acompanhante, o seu antigo contabilista M…”. Resulta ainda da decisão que: “Para tanto, invocou que vive com a filha referida e que está dependente da supervisão e dos cuidados desta para a realização das suas actividades diárias. Refere que tem sido alvo de pressões psicológicas, quer pelo cônjuge, MI…, quer pelos seus filhos A… e MP…, os quais o levaram ao serviço de urgência, com o propósito de o internar compulsivamente, em 16.06.2017, o que não conseguiram, não tendo sido detectado comprometimento grave das suas funções cognitivas e intelectuais, nessa altura. Referiu que o intuito dos referidos filhos era retirar o requerente da gerência da empresa "Serração …, Lda." e ficar com o seu património. Referiu ainda J… que com o aglutinar de vários episódios semelhantes, já denota alguma perda de memória recente e padece de depressão nervosa grave. Solicitou a prolação de decisão provisória. Ouvido o requerente, foi determinada a realização de perícia e de relatório social. O beneficiário veio informar que piorou o seu estado de saúde, na sequência de ter testado positivo à COVID 19 e reiterou o pedido de prolação de decisão provisória. Resulta dos autos a seguinte factualidade, a partir dos assentos de nascimento juntos, do relatório social de folhas 28 e seguintes e da documentação clínica junta ao processo: 1. J… é casado, nasceu a 06.09.1951 e é filho de JS… e de ME. 2. A 16.06.2017 o requerente foi levado ao Hospital, pela PSP com mandado de condução do Delegado de Saúde, por notícia de ameaça de violência, com arma de fogo, para familiares, mas a filha presente referiu que o pai tinha estado com comportamento adequado e assertivo e que se tratava de um desentendimento entre irmãos, por causa de bens/empresa do pai. J… apresentava discurso coerente, sem história de consumos, sem idealização suicida e sem comportamento agressivo, estava vígil, calmo, colaborante, orientado, sem antecedentes psiquiátricos, apresentava capacidade de cálculo e raciocínio abstrato normais, tendo tido alta no dia seguinte, para regresso à residência. 3. A 07.10.2019 o requerente apresentava depressão nervosa grave, com prejuízo da memória recente e previa-se uma possível reversibilidade dentro de 6 a 12 meses. 4. O requerente vive com a filha S…, divorciada, na casa desta, embora possa pernoitar, acompanhado pela filha, na sua casa, situada em … ou ainda noutra, em …, pertença da empresa de que é sócio gerente, a saber, a "Serração…, Lda.". 5. O requerente encontra-se dependente de terceiros, na supervisão da medicação e em outras actividades diárias, sendo a filha S… sua cuidadora, assegurando a satisfação das necessidades básicas do pai, embora este realize a sua higiene pessoal e deambule sem apoio. 6. O seu discurso varia entre confuso e lógico. 7. O beneficiário subsiste da sua pensão de velhice e dos rendimentos provenientes da actividade da empresa. Conduz diariamente até à sua empresa em …, tendo sido aconselhado pelo medico assistente a manter as suas rotinas. Apesar da sua presença assídua, a tomada de decisões já não passa só por si, sendo apoiado quer pela filha S…, quer por elementos da própria empresa. 8. O requerente não mantém uma relação harmoniosa com a esposa e com os restantes filhos e antes da separação do casal, partilhavam a habitação sem comunicarem entre si. 9. O Autor testou positivo à COVID 19, foi internado a 8 de fevereiro de 2021, com critérios de recuperação a 27.02.2021. Foi transferido para o Hospital Particular da Madeira, a 28.02.2021, com diagnóstico de anemia e leucopenia, com antecedentes de demência, trombocitose, dislipidémia, DM tipo 2 e pneumonia pós-covid. Nessa altura, tinha desorientação temporo-espacial, com discurso incoerente e sem nexo e o seu quadro cognitivo não era totalmente explicado pela demência e poderia estar mascarado/agravado por sequelas pós infeção Covid 10, com possibilidade de alguma reversibilidade. Por TAC CE de 11.03.2021, foi detectado enfarte córtico-subcortical antigo na vertente infero-medial do hemisfério cerebeloso esquerdo, sem imagens sugestivas de demência vascular ou de lesões ocupando espaço. 10. O requerente teve alta a 09.04.2021. Foi novamente internado no Hospital Particular da Madeira, a 06.05.2021, por leucopenia/neutropenia e anemia, tendo tido alta a 10.05.2021, para regresso ao domicílio e estava consciente, mas desorientado. No momento desta última alta, encontrava-se hemodinamicamente estável e sem queixas álgicas, autónomo nas atividades da vida diária, embora carecendo de supervisão, devido ao seu quadro confusional. (…) O Ministério Público não se opôs a que fosse proferida decisão provisória, de representação especial para cuidados de saúde e eventual internamento, conforme o artigo 891º, n.º 2 do Código de Processo Civil, com nomeação, a título provisório, da acompanhante S…, filha do requerente. Atento todo o exposto, importa aplicar a título provisório, ao requerente, a medida de representação especial: - Perante várias entidades, publicas e/ou provadas, para tratar de assuntos do interesse do beneficiário; - Para a tomada de decisões quanto à saúde do requerente; - Para garantir a satisfação das necessidades do beneficiário, com apoio nos actos que se mostrem necessários, incluindo o acompanhamento médico e cumprimento da medicação prescrita; - Para cumprimento das obrigações do requerido, garantindo que sejam efectuados os pagamentos da sua responsabilidade, podendo a acompanhante, para esse efeito, bem como para a aquisição de bens e serviços que se mostrem necessários à satisfação das necessidades do requerente, movimentar conta(s) bancária (s) da titularidade do requerente. Já quanto à gerência da empresa "Serração …, Lda.", não se afigura necessário determinar o que quer que seja, em face ao teor das inscrições 5 e 6 (veja-se folhas 49 dos autos). Destarte, decido, a título provisório, à luz dos artigos 139º, n.º 2, do Código Civil e 891º, n.º 2, do Código Civil: Aplicar ao requerente J…, casado, nascido a 06.09.1951 e é filho de JS… e de ME…, a medida de acompanhamento a que alude o artigo 145º, n.º 2, al. b) do Código Civil, de representação especial: > Perante várias entidades, publicas elou provadas, para tratar de assuntos do interesse do beneficiário; > Para a tomada de decisões quanto à saúde do requerente; > Para garantir a satisfação das necessidades do beneficiário, com apoio nos atos que se mostrem necessários, incluindo o acompanhamento e cumprimento da medicação prescrita; > Para cumprimento das obrigações do requerido, garantindo que sejam efetuados os pagamentos da sua responsabilidade, podendo a acompanhante, para esse efeito, bem como para a aquisição de bens e serviços que se mostrem necessários à satisfação das necessidades do requerente, movimentar conta(s) bancária (s) da titularidade do requerente. Nomear para acompanhante do requerente, com os poderes de representação especial atrás aludidos, a sua filha S…, nascida a 03.12.1975.” 9. M…, proposto também para acompanhante do Réu J… é desde 2017 e até à presente data, o TOC da Ré sociedade. 10. Resulta da Acta avulsa lavrada no dia 10/07/2017, que a Ré S… foi nomeada gerente da Ré sociedade, por deliberação tomada por maioria dos votos, concretamente os inerentes às quotas da titularidade do Réu J…, e contra o voto, desfavorável, do Autor MP…. 11. Foi alterada, no acto referido em 10., a forma de obrigar a sociedade passando a Ré sociedade a se obrigar com a assinatura ou intervenção de qualquer dos gerentes. 12. A deliberação referida em 10 e 11 foi objecto de impugnação, pelo Autor MP…, no processo que correu termos pelo Juízo de Comércio de Funchal, Juiz 2, sob o nº 4322/17.3T8FNC, correspondendo à inscrição feita pela Ap. 1/20171013, que veio a ser julgada improcedente em 1ª Instância, e confirmada por Acórdão proferido em 21/06/2022, pelo Tribunal da Relação de Lisboa. 13. Os registos da nomeação de gerente e alteração da forma de obrigar, encontram-se lavrados provisórios por natureza. 14. Da acta referida em 10. resulta, designadamente: “Dada a palavra ao sócio MP… vota desfavoravelmente porque: a) Ambos os referidos propostos gerentes um a continuar outro a começar, não têm quaisquer condições para o exercício da gerência em causa, quer por razões de idoneidade, ou melhor dizendo, falta dela, quer por razões de saúde, quer por razões de conflito de interesses, quer por razões de disponibilidade até; b) No que toca à questão da disponibilidade verifica-se que a indicada proposta para gerente Sra. Dra. S… tem outra atividade profissional totalmente alheia em relação à actividade da empresa, noutro concelho até, o do Funchal, junto de uma entidade pública, concretamente segundo se julga IDE; c) Em relação ao conflito de interesses, além de a sociedade ser diretamente e indiretamente beneficiária de contratos com entidades públicas designadamente a G…, que colocariam em causa a independência da mencionada proposta gerente, mais se verifica que, ela foi a técnica de contas que agora acaba de cessar, tendo como tal responsabilidade pessoal e direta em relação à apresentação das contas, com particular relevo no que toca aos exercícios dos anos de 2014 e 2015, de cujos IES foi feita expressa mas falsamente constar a aprovação de contas em assembleia geral regularmente convocada; d) Em relação à idoneidade e como resulta do que se referiu a respeito dos ditos exercícios anteriores, verifica-se ter havido um conluio entre o sócio maioritário e único gerente das sociedade e a mencionada técnica de contas cessante, com vista à adulteração dos documentos e movimentos contabilisticamente relevantes da sociedade, objetivamente em prejuízo direto desta e indireto do sócio minoritário; e) Finalmente e no tocante às razões de saúde, verifica-se que, o sócio maioritário e gerente, face à sua idade e condição física atual já não estará em condições de assumir a gerência da sociedade, julgando-se até que essa razão motivou a sua vontade de indicar a técnica oficial de contas mencionada como gerente” … “Na senda do seu voto desfavorável e face às invocadas razões o sócio MP… entende ter ele todas as condições para assumir a gerência da sociedade, ou se assim por ventura não seja a vontade do sócio maioritário, que seja designado judicialmente administrador para a sociedade. Dada a palavra ao sócio gerente J…, pelo mesmo foi dito que, se considera apto a continuar gerente da sociedade como sempre fez, e que mantém a sua proposta de nomear também como gerente a Dra. S…. Não concorda com a necessidade de ser nomeado um administrador judicial, nem concorda que seja nomeado gerente o sócio MP…, tendo dado o seu voto de aprovação à nomeação como gerente da Dra. S…, NIF ….” 15. A Ré R… assumiu a gerência da Ré sociedade após a consolidação da incapacidade do Réu J…. 16. A Ré R… é funcionária pública, exercendo funções no Funchal. 17. A Ré sociedade perdeu o seu maior cliente, a “G…”. 18. As vendas e serviços prestados pela Ré sociedade foram: (i) em 2016 de €317.361,12, (ii) em 2017 de €356.204,98, (iii) em 2018 de €273.587,28, (iv) em 2019 de €317.637,36, (v) em 2020 de €225.213,65 e (vi) em 2021 de €167.611,77. 19. O resultado do exercício da Ré sociedade foi (i) em 2016 foi de €2.405,97 positivos, (ii) em 2017 de €3.685,65 positivos, (iii) em 2018 de €41.292,08 negativos, (iv) em 2019 de € 22.455,11 negativos, (v) em 2020 foi de €129.166,02 negativos, (vi) em 2021 de € 34.394,00 negativos. 20. O resultado operacional de 2021, ascendeu ao total negativo de €62.311,11: Total das vendas e prestação de serviços (€167.611,77) deduzido dos gastos de pessoal (€135.319,92), dos fornecimentos e serviços externos (€35.483,37) e do custo dos inventários vendidos e matérias consumidas (€59.119,59). 21. De 2016 para 2021, os custos com o pessoal da Ré sociedade subiram 23%, de €109.628,75 para €135.319,92. 22. De 2016 para 2021, o valor do inventário da Ré sociedade quebrou 43%, de €91.719,96 para €52.120,27. 23. Em 2021, o passivo da Ré sociedade subiu para €218.388,62, onde se inclui, designadamente, o valor de duas linhas de apoio Covid-19, contratados no ano anterior, no valor de €65.064,16, excluídos os valores das responsabilidades laborais no valor de €129.808,20. 24. No exercício de 2021 a Ré sociedade auferiu a título de subsídio de exploração da quantia de €12.415,68. 25. No exercício de 2021 a gerência vendeu, pelo valor de €12.295,00, o carro de transporte de mercadorias Mitsubishi Canter HD 4X4, de matrícula 0…, destinado à recolha e transporte dos rolos de madeira na serra e caminhos de terra, dado o respectiva dimensão e força de tracção, o qual era do ano de 2003. 26. Foi vendido o camião Volvo FL10, do ano de 1996, de matrícula 2…, com grua HIAB 160, com pinça para agarrar toros de madeira de grande porte, pelo valor de valor de €10.245,00. 27. No final do exercício de 2021 foi vendida a máquina giratória, com 2 baldes, martelo e pinça para agarrar rolos, da marca Kubota 1… (AT), com o número de série 77665 grua HIAB 160, com pinça para agarrar toros de madeira de grande porte. 28. No ano 2022, foi vendido o todo o terreno de marca Mitsubishi, Pajero, de matrícula 0…, do ano de 1992, utilizado para aceder aos caminhos florestais 29. A Ré Sociedade deixou proceder ao corte nos terrenos florestais e subsequente transporte para a serração. 30. No ano de 2021 foram vendidas, pelo valor de €900,00 cada uma, as carrinhas de trabalho, Mitsubishi L300, de matrícula X…, (que não obstante ter problema de motor, a sociedade havia adquirido outro para a respectiva substituição) e L200, de matrícula 2… (esta com problema na embraiagem ou na caixa de velocidades). 31. Em 2021 foi vendido o empilhador de marca Manitou, com torre de elevação até 6 metros, com o valor de €5.000,00. 32. Em 2021 foram vendidas duas máquinas de serrar pedra com o valor de €12.000,00. 33. Em 2021 foram vendidas as máquinas de substituição, em caso de avaria, das máquinas da carpintaria, como sejam, duas tupias, uma serra de fita, uma máquina de lixar portas Singamaster de 1,30m de largo e um aspirador de grande porte, todas no total de valor de €4.000,00. 34. Foi vendido um conjunto de 30 cavaletes de ferro de suporte das chapas de pedra, com o valor unitário de €50,00, no total de €1.500,00. 35. No final de Dezembro de 2017, foram adquiridos o equipamento e stock da sociedade, participada da Ré sociedade, a “I…”, pelo valor de €108.100,00. 36. Por conta do negócio referido em 35, o Réu J… retirou da sociedade “I…”, em proveito próprio, o valor de €106.589,53 a título de reembolso de suprimentos. 37. Da acta da Assembleia Geral de Sócios da Ré sociedade de 11/08/2018 resulta, designadamente, o seguinte: “(…) verifica-se a utilização na integra da conta corrente caucionado da sociedade (pelo valor de € 75.000,00), no final de Dezembro de 2017, com vista a permitir o pagamento de factura de aquisição da (quase) totalidade de equipamentos e stock da sociedade I…, pelo valor de € 108.100,00. Esse valor foi retirado, do lado da sociedade I…, em proveito exclusivo próprio, do também aí sócio gerente J…. Esse valor, resultando de factura de Setembro de 2017, não tem qualquer correspondência com os valores de mercado, e, por outro lado, certo é que a totalidade de stock que o integra, no valor de € 102.150,80, em Janeiro de 2018, permanecia integralmente em inventário, ou seja, do mesmo, volvidos mais de três meses, rigorosamente nada havia sido vendido. Trata-se, no fundo, de um movimento financeiro, com graves implicações financeiras para a sociedade, em benefício injustificado e exclusivo do sócio J….” 38. Para pagamento da factura de aquisição dos equipamentos da sociedade I…, a Ré sociedade teve de utilizar a conta corrente caucionada, esgotando a respectiva disponibilidade financeira, até ao limite do plafond de €75.000,00, no final de Dezembro de 2017. 39. Das facturas de venda FR 2019/82 e FR 2019/84, transportadas no mesmo veículo (8…), com o mesmo descritivo, referente a um “carro de farelo”, uma no valor de €61,00 e outra no valor de € 48,80, não consta a respectiva cubicagem e o valor unitário da mesma. 40. As facturas de compras 1086, 1080 e 1082, são referentes a toros de madeira, com números diferentes de toros. 41. Das contas da Ré sociedade não consta remuneração a favor do Réu J…, nem distribuição de lucros. 42. No curso do exercício de 2021, os suprimentos do Réu J… passaram do valor de €60.207,54, para o valor de €97.577,68. 43. A Ré sociedade promoveu em 2017 o despedimento por justa causa contra o Autor MP…, então trabalhador (encarregado geral da Ré sociedade), o qual foi impugnado judicialmente, tendo, a final, vindo a ser julgado improcedente, implicando, para a Ré Sociedade, excluindo custas processuais, um encargo de €15.338,18. 44. Em 2021 foi promovido de novo o despedimento, no âmbito de processo de despedimento colectivo, suportando o valor de indemnização de €12.269,76, em face da antiguidade de mais de 20 anos ao serviço da Ré sociedade. 45. A Ré sociedade, promoveu o despedimento por justa causa do trabalhador JA…, o qual foi impugnado judicialmente, tendo, a final, vindo a ser julgado improcedente, implicando, para a Ré sociedade um encargo de €56.404,18. 46. A Ré sociedade, promoveu o despedimento por justa causa do trabalhador JVA…, tendo a Ré sociedade vindo a ser condenada no pagamento indemnizatório de €6.000,00. 47. O Autor instaurou contra a Ré sociedade, acção declarativa de condenação, sob o n.º 972/22.4T8FNC, peticionando a condenação desta a pagar-lhe o valor de €73.404,02, e tendo obtido a condenação de Ré no pagamento do valor de €4.845,25. 48. A Ré sociedade não pagou o condomínio da fracção identificada pelas letras "BE-B4", do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, localizado na R…, no Funchal, desde Janeiro de 2019, ascendendo o valor total em dívida a esse título ao montante de €2.307,10. 49. No dia 25.01.2022, o Autor dirigiu à Gerência da Ré uma carta, recebida a 26/01/2022, com o seguinte teor: “Assunto: solicitação de convocação de Assembleia Geral de Sócios Exmª. Gerência, Venho pelo presente meio, na qualidade de sócio da sociedade Serração …, Lda., pessoa colectiva …, titular de uma no valor nominal de €24.939,89, requerer a convocação de Assembleia Geral de Sócios, com vista à apreciação e deliberação sobre os seguintes pontos de ordem de trabalhos: 1 – Cessação da gerência do sócio J…, em função da sua situação de incapacidade; 2 – Nomeação de nova gerência à sociedade; 3 – Apreciação da situação financeira da sociedade, e das medidas a tomar em face da mesma, designadamente em face das últimas contas que foram rejeitadas por deliberação de 29/09/2021. Com os melhores cumprimentos” 50. Do pacto social da Ré sociedade consta: “As Assembleias Gerais serão convocadas por cartas registadas dirigidas aos sócios, com a antecedência mínima de quinze dias, salvo se a lei exigir outra formalidade ou prazo de convocação.” 51. A carta referida em 49 não foi objeto de resposta por parte da gerência e não foi convocada a Assembleia Geral. 52. O Autor MP… requereu judicialmente a convocação da assembleia, que correu termos sob o n.º 861/22.2T8FNC, no Juízo de Comércio do Funchal, Juiz 2, a qual veio a ser indeferida por Sentença de 20/05/2022, confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06.09.2022. 53. Em 05/03/2022, a Ré R… subscreveu o anexo ao balanço e demonstração de resultados, fazendo constar do mesmo o seguinte: “O quadro abaixo evidencia os movimentos registados nas diversas rubricas dos capitais próprios. Capital próprio Inicial Final Capital subscrito 174.579,23 € - 174.579,23 € Reservas legais 10.928,64 € - 10.928,64 € Resultados transitados 35.011,21 € - 94.154,81 € Outras variações no capital próprio 7.093,02 € - 6.043,23 € Resultado líquido do período 129.166,02 € - 34.394,00 € Total dos capitais próprios 98.446,08 € - 63,00229 € Conforme se pode verificar pelo quadro acima, o total dos capitais próprios é inferior a metade do capital social. Portanto, haverá que dar cumprimento ao disposto no artigo 35º do Código das Sociedades Comerciais, isto é, deliberar sobre qual a acção a desencadear para regularizar a situação.” 54. Com data de 13/05/2022, a Ré S… subscreveu e dirigiu ao Autor MP… carta com o seguinte teor: “Assunto: Convocatória para Assembleia-Geral de Sócios (27.05.2022) Exmo. Senhor MP…, Na qualidade de gerente da sociedade comercial por quotas denominada "Serração …, Lda.", com o NIPC …, venho, pela presente, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 65º, 246º, n.º 2, al. c), e 248º, do Código das Sociedades Comerciais, convocá-lo para a Assembleia-Geral de Sócios a realizar no próximo dia 27 de Maio de 2022 às 10 horas, na sede da Sociedade, sita à Estrada…, …, ... é em …, com a seguinte ordem de trabalhos: Ponto Único: Deliberar sobre a venda da fração autónoma afeta a habitação, de tipologia TI, identificada pelas letras "BE-B4", do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, localizado na R…, no Funchal, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, da freguesia de …, e nomeação da gerente para representar a Sociedade na referida venda. Mais proponho que a referida fração autónoma seja posta à venda, de imediato, designadamente junto de agências de mediação imobiliária, e por valor não inferior a EUR 140.000,00 (cento e quarenta mil euros), ficando a gerente nomeada para concretizar a referida venda, outorgando o contrato-promessa de compra e venda e a respetiva escritura definitiva, a favor de qualquer interessado que venha a aparecer, mediante o integral recebimento do preço, que não deverá ser inferior ao referido valor. A urgência na venda da referida fração autónoma decorre da necessidade de obtenção de liquidez para fazer face a responsabilidades financeiras reclamadas (i) pelo Sócio MP…, no processo judicial n.º 972/22.4T8FNC, no montante de EUR 73.404,02 (setenta e três mil, quatrocentos e quatro euros e dois cêntimos) e (ii) pelo ex-trabalhador, J…, no processo judicial n.º 4308/20.0T8FNC, no montante de EUR 63.800,55 (sessenta e três mil, oitocentos euros e cinquenta e cinco cêntimos). Com efeito, a referida fração autónoma constitui uma "propriedade de investimento" desta Sociedade, não estando afeta ao core business da Sociedade, motivo pelo qual a gerência pretende aliená-la com brevidade a fim de obter a liquidez que necessita para reestruturar o seu passivo e assim assegurar a continuidade da atividade operacional, sem necessidade de recorrer a financiamentos bancários. Sem outro assunto, subscrevo-me com os meus cumprimentos. A Gerente” 55. Da acta da assembleia referida em 65 consta o seguinte: “Aos 27 de Maio de 2022, pelas 10h00m, na sede da sociedade Serração …, Lda., pessoa colectiva n.º …, na Estrada …, … reuniu-se a respectiva Assembleia Geral de Sócios, devidamente convocada por cartas de 11/05/2022, encontrando-se presentes: - o sócio MP…, e o respectivo mandatário forense, Dr. JV…; - a gerente da sociedade S…, invocando ainda a qualidade de acompanhante do sócio J…, ao abrigo do regime do maior acompanhado, e em virtude de Sentença de 31/10/2021, proferida no processo n.º 735/20.1T8FNC do Juízo Local Cível do Funchal, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, bem como o respectivo mandatário forense, Dr. RL…; - o TOC da sociedade, Dr. M…. No início da mesma, foi afirmado pelo sócio MP… que: - pretendia assumir a presidência da Assembleia, ao abrigo da respectiva prerrogativa legal, por ser o único sócio pessoalmente presente; - nessa qualidade expressou a autorização para a presença na presente Assembleia de ambos os mandatários forenses, mas já não do referido TOC; - questionou a acompanhante acima referida se o sócio J… iria comparecer, ou não, posto ter o conhecimento de que a respectiva cônjuge, MI…, sendo a quota social em causa bem comum dos mesmos por força do respectivo regime de bens, pretendia exercer nesta Assembleia a representação da mesma nos termos do art.º 8º, n.º 3, do Cód. Soc. Com.. Nesta sequência, pela referida acompanhante, nessa qualidade, foi dito entender que tem legitimidade e poderes de representação do seu Pai para o exercício dos direitos inerentes à quota nesta sociedade, pretendendo representá-lo nesta Assembleia, como sempre fez; inclusive, os seus Pais estão separados de facto há vários anos, nunca a sua Mãe acompanhou os assuntos da sociedade, e tanto assim que foi a filha nomeada acompanhante do Pai, razão pela qual irá representá-lo nesta assembleia. Pelo sócio MP…, enquanto presidente da Assembleia, foi dito que: - não lhe compete ajuizar do acerto da invocada representação, em face da decisão judicial em causa, e mais precisamente no seu confronto com a aludida norma do Cód. das Sociedades Comerciais, com a inerente especialidade; - verifica ainda, por outro lado, que na Sentença em causa foram, no que aqui releva, atribuídos poderes gerais de representação, mas já não de administração, sendo claramente duas faculdades diversas, como resulta do art.º 145º do Cód. Civil; - caso compareça a aludida cônjuge, irá permitir a respectiva presença, manifestando a expressão do seu voto, sem prejuízo de precisamente a mesma faculdade ser conferida à acompanhante, exarando-se em acta, sem qualquer restrição, a expressão de cada qual a esse respeito. Dando início nesta sequência aos trabalhos propriamente ditos, foi solicitada pelo sócio MP…, à gerente Dra. S…, uma explicação mais completa, em relação ao que já consta dito na convocatória, da pretendida venda da fracção autónoma em causa, identificada pelas letras BE-B4, do prédio em regime de propriedade horizontal, denominado Edifício Horizonte, localizado na R…, freguesia de …, concelho do Funchal, inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o art.º 4008º da referida freguesia. Pela gerente foi então explicado que: - é um bem de investimento, que não é necessário à actividade da sociedade; - destina-se a evitar a ruptura de liquidez da sociedade, designadamente, como já sucedeu, por via da penhora de contas bancárias da mesma; - é preciso liquidez para ambos os processos mencionados na convocatória. Pelo sócio MP… foi então dito que existem outros processos como o do ex trabalhador JVA…, de cerca de € 6.000,00, que também põem em causa a liquidez da sociedade, pretendendo saber se também a venda se destinará ao respectivo pagamento; o mesmo quanto ao pagamento do condomínio, segundo a indicação que tem, estando em dívida € 2.307,10; e questionou ainda sobre o montante da eventual mais-valia da venda da fracção. Pela cônjuge MI…, que entretanto compareceu, tendo sido inteirada dos termos entretanto ocorridos, foi questionada a situação da conta caucionada da sociedade, e se a mesma está ou vai ser paga. Pela gerente foi referido que o projecto é de o apartamento ser colocado à venda pelo valor mínimo de €140.000,00, sendo esta a proposta da gerência para primeiro liquidar o condomínio e as dívidas que existirem ou vierem a surgir a curto prazo relacionadas com os processos que actualmente decorrem no tribunal de trabalho, especialmente os acima referidos. Mais esclarece a gerente que não corresponde a referida intenção de assegurar a liquidez em causa a qualquer reconhecimento ou confissão de dívida ou responsabilidade, em relação às responsabilidades que ainda estão em discussão, mas sim por uma questão de prudência e aproveitando as condições actualmente favoráveis do mercado, que possibilitam que a gerência tenha tempo para alienar este activo nas melhores condições do mercado e não se vendo pressionada com uma eventual venda apressada num contexto de penhoras e de execuções. Esclarece ainda que, nesse projecto, a conta caucionada seria paga se ainda houver liquidez, com a liquidez que sobrar, e, concretamente a liquide que sobrar será utilizada no exercício da actividade da sociedade, podendo ser aplicada na amortização da conta caucionada se outras urgências não surgirem, entretanto, designadamente pagamento de impostos e contribuições. Quanto à mais valia fiscal, esclarece a gerente que dependerá do valor da venda do imóvel. Pelo sócio MP… foi então dito entender que o apartamento corresponde à mais valia da renda que vem gerando, e questiona a possibilidade de venda de outros bens em vez daquele, designadamente os veículos de matrículas 1… e 4…. Mais referiu que, segundo sabe, quanto à responsabilidade laboral do ex-trabalhador JA…, terá sido admitida a possibilidade do respectivo pagamento prestacional, o que não foi aceite nem respondido pela sociedade, podendo essa ser uma possível solução de resolução dos valores em causa. A gerente, em relação a essa alegada proposta de pagamento prestacional, desconhece-a; e quanto às viaturas, tratam-se de viaturas antigas, com o valor comercial insignificante, face às necessidades de liquidez da empresa. Pelo sócio MP… e pela cônjuge do sócio J…, MI…, foi então referido que, nas condições financeiras actuais, só admitem a venda da fracção em causa, com vista, em primeiro lugar, ao pagamento da conta caucionada; mais entendem existir uma questão de conflito de interesses, no que à gerência diz respeito, pela respectiva responsabilidade pessoal pelos créditos laborais que possam subsistir. A gerente não se opõe à aplicação do produto da venda ao pagamento da conta caucionada, que estima rondar o valor actual de capital utilizado de €60.000,00, podendo ainda o remanescente liquidar as dívidas laborais; no entanto, a viabilização desta solução proposta pelo sócio MP… ficará condicionada à boa vontade do mesmo quanto ao pagamento da eventual procedência do pedido que o mesmo interpôs no Tribunal de Trabalho, visto que o produto da venda do apartamento não será suficiente para acudir as todas as pretensões do sócio MP…. Foi neste momento discutida a possibilidade de acordarem quanto à venda da fracção, pelo valor mínimo proposto de €140.000,00, e à afectação do respectivo produto especificamente nos seguintes termos: A - ser pago o valor total devido ao condomínio da fracção em causa; B - ser pago o valor remanescente devido ao trabalhador JVA… e em execução no Tribunal do Trabalho; C - ser pago o valor remanescente devido ao trabalhador JA… nos termos do respectivo incidente de liquidação em curso junto do Tribunal do Trabalho; D - ser integralmente liquidada e cancelada a conta corrente caucionada junto do Banco …; E - ser o remanescente reservado pela sociedade para pagamento da eventual mais valia resultante da venda da fracção. A venda, pelo referido preço mínimo, e especificamente em conformidade com o estipulado nas referidas alíneas de A) a E), é acordada e aceite por todos os presentes, mediante ainda as seguintes condições: 1 - A de o sócio MP…, em relação à respectiva acção laboral em curso contra a sociedade, se obrigar a, em caso de procedência parcial ou total da mesma, não executar a respectiva eventual condenação antes de decorridos dois anos completos a partir da data da prolação da Sentença em primeira instância; 2 - Não haver distribuição de lucros até que essa eventual responsabilidade da sociedade esteja integralmente paga, sendo que, havendo-os, na parte disponível após asseguradas as reservas legais, os mesmos serão obrigatoriamente afectos a esse pagamento. Chegados a este momento, foi pela gerente referido que não podia haver lugar ao cancelamento da conta corrente caucionada, em virtude de precisar da mesma em termos de liquidez para o giro comercial da sociedade, e vendo-se impossibilitada de abrir novas soluções de crédito, uma vez que a banca tem recusado quando confrontada com o registo das várias acções judiciais que o sócio MP… tem vindo a intentar contra a sociedade. Pelo sócio MP… foi então dito que a recusa de financiamento à empresa não tem a haver com os processos que tem promovido, mas com os sucessivos resultados negativos que a empresa vem apresentando, em valor, segundo avalia, superior a € 180.000,00 — para além da recusa das contas do último exercício apresentado. Pela cônjuge, MI…, foi referido que a única garantia patrimonial da sociedade remanescente susceptível de assegurar o pagamento da referida responsabilidade bancária é o apartamento, e, fora isso, será a mesma apenas garantida pelo seu património e do seu marido, J…; na situação de incapacidade deste, e afastamento de ambos da actividade concreta da sociedade, bem como face ao acumular dos prejuízos, não pode, como tal, aprovar esta venda, sem a específica afectação, nos termos acima referidos, para o efectivo pagamento e cancelamento da aludida responsabilidade bancária. Sujeita a votação a matéria da convocatória, verificou-se o voto contra do sócio MP…, o voto contra da cônjuge do sócio J…, MI…, expresso ao abrigo do artigo 8º, n.º 3, do Cód. das Soc. Com., e o voto favorável da acompanhante S…, expresso ao abrigo da Sentença de acompanhamento de maior do sócio J… acima identificada. E nada mais havendo a tratar, foi encerrada a presente sessão, pelas 12h30m, e da mesma lavrada a presente acta, a qual vai assinada pelos presentes (excluindo os mandatários).” 56. Com data de 31/05/2022, a Ré S… subscreveu e dirigiu ao Autor M… carta com o seguinte teor: “Assunto: Convocatória para Assembleia-Geral de Sócios Exmo. Senhor MP…, Na qualidade de gerente da sociedade comercial por quotas denominada "Serração …, Lda.", com o NIPC …, venho, pela presente, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 65º, 242º e 246º, n.º 1, al. c), do Código das Sociedades Comerciais, convocá-lo para uma Assembleia-Geral de sócios a realizar no próximo dia 17 de Junho de 2022, às 10 horas, na sede da Sociedade, sita à Estrada …, em …, com a seguinte ordem de trabalhos: Ponto Um: Apresentação, discussão e deliberação sobre o Relatório e Contas do exercício findo em 31.12.2021; Ponto Dois: Deliberar sobre a aplicação dos resultados do exercício findo em 31.12.2021; Ponto Três: Deliberar sobre a propositura de ação judicial com vista à exclusão do sócio MP…, face aos respetivos comportamentos desleais e gravemente perturbadores do funcionamento da Sociedade; Com efeito, a gerência tem verificado, com enorme preocupação, que o Sócio MP… insiste em tudo fazer para asfixiar a tesouraria desta Sociedade e para dificultar o seu normal funcionamento, estando ainda a aproveitar-se do acesso às contas da mesma para conduzir uma atividade concorrencial através de uma outra sociedade que só a ele pertence. Em concreto, o referido Sócio tem vindo a intentar uma escalada de ações judiciais contra a Sociedade e sem qualquer fundamento válido, de que são exemplo os processos de impugnação de deliberações sociais e de convocação de Assembleia-Geral n.º 4322/17.3T8FNC, n.º 6645/18.5T8FNC, n.º 2149/19.7T8FNC, n.º 3492/20.8T8FNC, n.º 4703/20.5T8FNC e n.º 861/22.2T8FNC, a correr termos no Juízo de Comércio do Funchal. No exercício do seu direito à informação, o referido Sócio tem tido acesso indiscriminado a toda a informação de teor comercial e financeiro desta Sociedade, designadamente no âmbito da preparação das Assembleias-Gerais de aprovação de contas dos exercícios de 2019, 2020 e 2021, assim como através das perícias e auditorias requeridas nos referidos processos judiciais. Apesar disso, o referido Sócio tem vindo a acusar maliciosamente esta sociedade de estar a conduzir uma atividade económica paralela e de proceder a vendas não declaradas, situação que assume contornos de especial gravidade quando se constata que tal acusação é feita junto dos tribunais. Mais grave ainda é o facto de o referido Sócio estar a conduzir uma atividade concorrencial à desta Sociedade, através de uma nova sociedade comercial por quotas constituída pelo mesmo, com sede na mesma freguesia e concelho de …, e ainda com o mesmo objeto social. Apesar de a quota única dessa sociedade - denominada "P…, Lda.", com o NIPC … - ser titulada pela mulher do sócio – RA… - a verdade é que se trata de um bem comum do casal, para além de que o Sócio MP… tem sido visto a proceder ao fornecimento de produtos de serração a clientes de …, conduzindo uma viatura de mercadorias e procedendo à carga e descarga de produtos. De resto, a sua esposa é funcionária pública e não tem quaisquer conhecimentos nesta área de atividade. O referido Sócio aproveita-se mesmo do acesso à informação desta Sociedade para identificar os nossos melhores fornecedores e Clientes, assim como os preços de venda ao público dos nossos produtos, conseguindo, desse modo, distorcer as regras de livre concorrência e canalizar a atividade desta sociedade para a referida sociedade comercial que só a ele pertence. Por outro lado, o Sócio MP… tem vindo a intervir em juízo contra esta Sociedade, facultando elementos de prova documental e prestando depoimentos testemunhais prejudiciais aos interesses da Sociedade, tal como sucedeu no processo n.º 4308/20.0T8FNC, do Juízo do Trabalho do Funchal, em que era Autor o ex-trabalhador JS…, e no qual esta sociedade foi condenada no pagamento de uma indemnização de elevado montante ao referido trabalhador. Não sendo isso suficiente, o Senhor MP… compareceu na Assembleia-Geral de Sócios que se realizou no dia 29.09.2021, destinada à aprovação das contas do exercício findo a 31.12.2020, tendo presidido à assembleia e, arrogando-se o único titular do direito de voto, declarou votar contra o Relatório e Contas daquele exercício, sem qualquer fundamento sério e sem sequer deliberar motivadamente sobre a elaboração de novas contas ou à respetiva reforma, em pontos concretos, conforme determina o artigo 68º, do Código das Sociedades Comerciais. Deste modo, o Sócio bem sabia que estava a prejudicar a Sociedade, deixando-a sem as contas aprovadas e sem qualquer solução alternativa ou construtiva. Ademais, no passado dia 27 de Maio de 2022, o Sr. MP… voltou a comparecer e a presidir a mais uma Assembleia-Geral Extraordinária desta Sociedade, votando uma vez mais contra a proposta da gerência para que fosse alienado um ativo imobiliário que não se encontra afeto à respetiva atividade operacional, como forma de obtenção de liquidez para fazer face a necessidades financeiras de curto prazo, incluindo o pagamento de uma alegada indemnização que este mesmo Sócio está a peticionar nos autos n.º 972/22.4T8FNC, do Juízo do Trabalho do Funchal, no montante de EUR 73.404,02 (setenta e três mil, quatrocentos e quatro euros e dois cêntimos). O referido sócio não só votou contra (uma vez mais), como não apresentou qualquer alternativa ao financiamento da Sociedade, nem através de suprimentos deste sócio, nem com recurso a meios de financiamento externo, bem sabendo que a mesma corre o risco de poder vir a enfrentar uma situação de insolvência, caso não consiga gerar liquidez no curto/médio prazo para fazer face a responsabilidades antigas. Ora, o conjunto dos referidos factos e atitudes levam-nos a concluir que o Sócio MP… está determinado a prejudicar gravemente e assim destruir esta Sociedade, recorrendo a atos desleais, sobretudo consubstanciados na condução de uma atividade concorrencial através de uma outra sociedade constituída em nome da sua mulher, como também contribuindo para a total asfixia financeira e de tesouraria desta sociedade. Tudo isso a partir de uma quota minoritária representativa de apenas 10% do capital social, mas que, em manifesto abuso de direito, vem conseguindo perturbar o funcionamento desta Sociedade, que se aproxima de um cenário de insolvência. O referido sócio sabia e sabe, não só por ser pessoa experiente, mas também por lhe ter sido dito e explicado na última Assembleia-Geral, que as instituições financeiras regionais não estão a aprovar novas linhas de financiamento para esta Sociedade, justificando essa decisão com a instabilidade dos Sócios refletida em todas aquelas ações judiciais que se encontram registadas e visíveis na certidão permanente da sociedade. Face a todo o exposto e à deslealdade do Sócio MP…, a gerência pretende intentar uma ação de exclusão deste sócio, propondo que a Assembleia-Geral vote favoravelmente a tal medida, após o que será conferido mandato forense a Advogado para representar a sociedade nessa ação. Finalmente, a gerência esclarece que facultará o acesso ao relatório e contas da sociedade, do exercício de 2021, com exceção da identificação dos seus clientes e fornecedores, que não serão revelados ao sócio MP…, pelos motivos acima enunciados. Sem outro assunto, subscrevo-me com os meus cumprimentos A Gerente” 57. MI… nunca participou na vida da sociedade ou na tomada de decisão de qualquer matéria referente à sociedade Serração … Lda. e não foi convocada para a Assembleia-Geral de sócios que se realizou no dia 27.05.2022. 58. O sócio J… reside com a 3.ª Ré, desde 2020, sendo esta quem lhe presta todo o apoio necessário à sua sobrevivência, acolhendo-o em sua casa, preparando-lhe as refeições, levando-o a consultas e tratamentos médicos, prestando-lhe assistência e dando-lhe o carinho e o conforto necessário. 59. Por Sentença de 04/11/2022 foi alterada a medida de acompanhamento de maior do 2.º Réu, passando a concretizar os poderes que foram conferidos à acompanhante e ora 3.ª Ré, neles incluindo poderes para: “Requerer, relativamente às sociedades em que o acompanhado é sócio ou gerente, todos os atos de registo, e deliberar o encerramento da atividade, liquidação da sociedade e apresentação à insolvência, na medida das quotas e com os poderes que caberiam ao acompanhado.” 60.º A Ré S… tem acompanhado a vida da sociedade, é licenciada em gestão de empresas, é Contabilista Certificada e tem dedicado parte do seu tempo à gestão da 1.ª Ré. 61. A Ré S… desloca-se às instalações da Ré Sociedade, para se inteirar dos assuntos correntes e dialogar com os trabalhadores, que lhe reportam as suas funções e recebem ordens e instruções daquela que é quem faz a gestão comercial, financeira, jurídica, contabilística, dos recursos humanos e até mesmo operacional da sociedade. 62. A G…, Lda. é uma entidade pertencente ao sector empresarial do Governo Regional da Madeira, estando sujeita às regras da contratação pública. 63. No último concurso público lançado pela G…, para aquisição de paletes de madeira, que ocorreu no ano de 2020, foi vencedora uma outra empresa que apresentou uma proposta mais baixa do que a 1.ª Ré. 64. Desde 2020 a G… não voltou a lançar nenhum concurso público. 65. S… passou a assumir a gerência efectiva da sociedade a partir de 2021. 66. O facto de a G… não ter lançado novos concursos públicos para a aquisição de paletes em madeira tem causado impacto nas contas da 1.ª Ré e levou a quebra de faturação e aos resultados registados no ano de 2021. 67. Em face dos factos referidos em 66., os gerentes da 1.ª Ré tomaram medidas com vista à reestruturação da empresa, decidindo alienar activos da sociedade que não se encontravam afectos à exploração ou que apresentavam um estado de degradação, não estavam a ser utilizados e que representavam custos relacionados com o pagamento de seguros de responsabilidade civil automóvel e com o pagamento de IUC’s. 68. Os gerentes decidiram promover o despedimento colectivo por razões de mercado e para conter a estrutura de custos da 1.ª Ré. * I) Impugnação da matéria de facto Referem os recorrentes, nas alegações de recurso apresentadas, que da alegação apresentada pelos AA. na petição inicial apenas foi dado como provado o facto constante da sentença sob o ponto 53, tendo o Tribunal omitido o apuramento da restante matéria aí alegada, concretamente atinente à falta de convocação da assembleia geral de sócios no cumprimento do disposto no art.º 35º do Código das Sociedades Comerciais (CSC). Transcrevem nessas alegações trechos do depoimento da testemunha M…, concluindo que, deve ser aditado um facto com o seguinte teor: “Desde o facto referido no ponto 53 da matéria de facto apurada, e até à presente data não foi convocada qualquer assembleia destinada a tomar as medidas previstas no art.º 35º do Cód. das Sociedades Comerciais.” Dispõe o art.º 640º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC) que: “1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnadas diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Menciona, por sua vez, o n.º 2, na sua alínea a), do mesmo normativo legal que: “No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;” Importa antes de mais enquadrar o normativo em análise, designadamente o referido no seu n.º 2, a fim de conhecer da questão da impugnação da matéria de facto em apreço. Diz Abrantes Geraldes, na análise que faz deste artigo, que: “… Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, todo ou em parte, em prova gravada, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportuno.”[6] Menciona, por sua vez, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 12.10.2023, que: “Incumprindo o recorrente o ónus de impugnação previsto no art.º 640.º, n.º 1 do CPC (especificação dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, dos concretos meios probatórios que impõem que sobre eles seja proferida uma decisão diferente - incluindo as exactas passagens da gravação dos depoimentos em que se estriba - , e da decisão alternativa que deverá ser proferida sobre as questões de facto impugnadas), e tal como aí expressamente afirmando, terá o seu recurso que ser rejeitado («sob pena de rejeição»).[7] Tal como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.02.2024: “A especificação dos concretos meios probatórios convocados e a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre do preceituado no artigo 662º/1 do CPPCivil.”[8] No entanto e referida rejeição deve ser “temperada” tendo em atenção as finalidades referidas, de acordo com o entendimento que tem vindo a ser acolhido pelo Supremo Tribunal de Justiça. Citamos uma referência de um Acórdão deste tribunal, de 25.01.2024: “É entendimento dominante neste Supremo Tribunal que o ónus previsto no art.º 640.º do CPC se desdobra em dois tipos: • Um ónus primário que respeita à obrigação de indicação dos concretos pontos de facto impugnados, por se tratar de uma imposição de delimitação do objecto do recurso (n.º 1 do art.º 640.º do CPC); • Um ónus secundário que visa possibilitar um mais facilitado acesso aos meios de prova gravados pertinentes para a apreciação da impugnação da matéria de facto (n.º 2 do art.º 640.º do CPC). Ciente de que a imposição de ónus de impugnação representa um condicionamento ao direito de acesso aos tribunais e, em especial, ao direito ao recurso (cfr. artigo 20.º, n.º 1, da CRP), este Supremo Tribunal de Justiça tem-se esforçado por interpretar o disposto na norma com certa cautela, evitando leituras excessivamente formalistas que possam conduzir a restrições injustificadas das garantias associadas ao processo equitativo e convocando sempre, para o efeito da melhor interpretação da norma, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Assim, de acordo com a orientação maioritária (e em crescendo) da jurisprudência deste Supremo Tribunal, a interpretação do art.º 640.º do CPC não deve ser pautada por uma perspetiva formalista, mas antes por critérios preferencialmente materiais, em função do princípio da proporcionalidade dos ónus, cominações e preclusões impostos pela lei processual, princípio que constitui uma manifestação do princípio da proporcionalidade das restrições, consagrado no art.º 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição, e da garantia do processo equitativo, consagrada no art.º 20.º, n.º 4, da Constituição. Devendo o tribunal fazer uma análise conjugada quer das conclusões quer das alegações de recurso, no sentido em que haja uma complementaridade entre ambas e que permitam o exercício do contraditório pela parte contrária e a apreensão do seu teor pelo tribunal de recurso, sem grande esforço.”[9] Quanto ao cumprimento desse ónus secundário cita-se ainda o referido no Acórdão do mesmo Supremo Tribunal, de 21.03.2019: “Dito de outro modo e na expressão do Acórdão do STJ, de 19.02.2015 ( processo nº 299/05.6TBMGD.P2.S1), enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1 do referido art.º 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, al. a) do mesmo artigo, tal sanção deverá ser aplicada com algum tempero, só se justificando nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame por banda do tribunal de recurso. Desde que não exista essa dificuldade, apesar da indicação pelo recorrente da localização dos depoimentos não ser totalmente exata e precisa, não se justifica a rejeição do recurso.”[10] No caso, importa considerar que não obstante os recorrentes não fazerem menção em concreto às passagens das gravações respeitantes ao depoimento da testemunha M…, o que é certo é que as transcrições do referido depoimento permitiram o referido exercício do contraditório por parte dos contra-alegantes e permitem ainda o exame, sem dificuldade, pelo Tribunal da Relação, da impugnação da matéria de facto em causa. Cumprindo os recorrentes os restantes ónus previstos no art.º 640º, do CPC, importa assim conhecer da impugnação da matéria de facto em causa nos autos, em linha do entendimento referido supra do Supremo Tribunal de Justiça, com o qual concordamos. Mas antes de avançarmos outra questão ainda se suscita, face ao teor das contra-alegações apresentadas. Referem os contra-alegantes nas suas alegações de recurso que: “… caso venham a ser aditados os factos indicados no recurso dos AA., devem, também, por maioria de razão ou identidade de raciocínio, ser igualmente aditados os factos referidos no artigo 124º da Contestação, mais precisamente que “na data da contestação já se encontrava ultrapassada a descapitalização da sociedade, face ao desempenho das contas do exercício de 2022, cuja gestão tem sido feita pela Ré S…”. Ora interpretando aquilo que os recorridos pretendem, estaríamos aqui perante uma eventual ampliação do âmbito do recurso a requerimento dos recorridos, ainda que não muito explicita, ao abrigo do disposto no art.º 636º, n.º 2, segunda parte, do CPC. No entanto, tal como refere Abrantes Geraldes: “No exercício dessa faculdade a parte deve, então, observar os requisitos legais previstos para a impugnação da matéria de facto que estão previstos no art.º 640º, incluindo a formulação de conclusões, pois são estas que delimitam o objeto da pretendida ampliação.”[11] Também a jurisprudência se pronunciou sobre esta questão referindo-se, designadamente, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 07.11.2023, que: “O recorrido, ao requerer a ampliação do objeto de recurso, tem de concluir as suas alegações, com uma síntese conclusiva, das quais resultem as questões de direito ou de facto que coloca à reapreciação do tribunal, sob pena de rejeição liminar da ampliação requerida, por aplicação do disposto no art.º 641, n.º 2, al. b), do C.P.C.”[12] Igualmente, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17.11.2016, se refere claramente que: “Pese embora a ampliação do âmbito do recurso não configure um verdadeiro recurso, ainda assim, pelas razões apontadas, as exigências de forma são as mesmas, ou seja, tem a ampliação que ser requerida e os respetivos fundamentos constarem das alegações como dispõe o art.º 636º, nº 1, do CPC, sintetizadas, obviamente, nas conclusões (art.º 639º, nº 1), uma vez que, repete-se, sendo as conclusões que definem o objeto do recurso, têm que ser formuladas. Refira-se ainda que a ampliação não se confunde com o recurso que autonomamente interpusera. São dois momentos e atos processuais diferentes e com um fim diverso. Se valesse para o efeito o recurso que havia interposto, desnecessária seria a requerida ampliação, que configuraria até a prática de um ato inútil e, nessa medida, ilícito face ao princípio da limitação dos atos (art.º 130º do CPC).” Acrescentando-se ainda, mais à frente, que: “… perante a sobredita omissão, não havia lugar ao convite à formulação das conclusões, mas ao não conhecimento da ampliação do âmbito do recurso como decidido pela Relação.”[13] Importa assim concluir que a ampliação do recurso apresentada pelos recorridos, não contendo as contra-alegações de recurso conclusões, deve ser rejeitada, não se conhecendo da ampliação de recurso nos termos pretendidos pelos recorridos. Apreciemos então a impugnação da matéria de facto requerida pelos recorrentes: Pretendem os recorrentes que seja aditado um facto com o teor referido. No entanto, não assiste razão aos recorrentes quando referem que a matéria em apreço foi omitida, tendo em consideração o teor do alegado. De facto, a alegação dos recorrentes é a de que “Não foi até ao momento convocada assembleia com o objeto da convocatória requerida pelo Autor MP…” (art.º 124º da p.i.), continuando com uma alegação geral relativamente à não convocação de assembleias com o objeto de “tomar as medidas previstas no art.º 35º do Cód. das Sociedades Comerciais.” O tribunal refere no ponto 51. da matéria de facto que: “A carta referida em 49 não foi objeto de resposta por parte da gerência e não foi convocada a assembleia geral.”, ou seja, não foi convocada a assembleia nos termos pretendidos pelo Autor MP…, nos termos invocados no art.º 124º da p.i. Mas o tribunal não se limita apenas a enunciar o referido, menciona também nos factos 54 e 56, dados como provados, o teor das convocatórias para assembleias-gerais de sócios feitas pela referida R. S…, na qualidade de gerente. Assim sendo, como referimos, importa concluir que a alegação feita pelos AA., tendo em consideração a matéria dada como provada, não foi omitida, como referem os recorrentes, sabendo-se da matéria de facto provada, que a missiva dirigida pelo A. MP… não teve resposta e a assembleia pretendida não foi convocada e qual o objeto das assembleias convocadas pela referida gerente nos termos expostos. O que os recorrentes pretendem é consignar como matéria provada uma conclusão face aos restantes factos provados. E tanto assim é que o tribunal a quo não descurou a questão em apreço, tendo referido na fundamentação de direito o seguinte, quanto a esta questão: “Acresce dizer que, o facto de se ter verificado o incumprimento do disposto no art.º 35º do Cód. das Sociedades Comerciais, por si, não deverá ser fundamento de destituição de gerente, atentos os factos provados e levados a efeito pela mesma no sentido de recuperar a sociedade financeira e contabilisticamente. Isto porque, não basta a simples violação de algum dos seus deveres para que o gerente possa ser judicialmente destituído, sendo necessário que se trate de uma violação grave que comprometa a confiança dos sócios no gerente, o que não se afigura ser. Em face dos factos dados como provados, entendemos que não existe fundamento para a destituição da gerente S… por justa causa, pelo que este pedido terá de improceder.” Assim, mesmo que se entendesse ser de consignar um facto como o mencionado pelos recorrentes, essa consignação revelar-se-ia inócua, face ao conhecimento pelo tribunal da questão suscitada e ao correspondente recurso impugnando essa decisão tomada pelo tribunal. A este propósito pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 14.07.2021, nos seguintes termos: “O que se pretende é que, com o resultado da impugnação de facto, a parte que impugnou passe a ter ao seu dispor elementos capazes de influenciar a decisão de mérito, modificando-a, assim logrando obter um efeito juridicamente útil ou relevante.”.[14] Ora não é este o caso, uma vez que a decisão de mérito impugnada já contempla o conhecimento do referido “incumprimento do disposto no art.º 35º do Cód. das Sociedades Comerciais…”. Não cumpre, pois, a este tribunal, considerar, face ao referido, qualquer alteração/aditamento da matéria de facto nos termos pretendidos pelos recorrentes. * Resolvida esta questão, importa conhecer do mérito do recurso. 4. Apreciação do mérito do recurso Destituição com justa causa da gerente da sociedade R. S…. Dispõe o art.º 257º, respetivamente, nos 1, 5 e 6 do CSC, que: “1 - Os sócios podem deliberar a todo o tempo a destituição de gerentes. (…) 5 – Se a sociedade tiver apenas dois sócios, a destituição da gerência com fundamento em justa causa só pelo tribunal pode ser decidida em ação intentada pelo outro. (…) 6 – Constituem justa causa de destituição, designadamente, a violação grave dos deveres do gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respetivas funções.” Importa apurar em que consiste a justa causa referida no citado artigo. Interpreta Castanheira Neves este conceito dizendo que: “Em tese geral, diremos que é justa causa, a situação que, atendendo aos interesses da sociedade e do gerente, torna inexigível àquela manter a relação orgânica com este, designadamente porque o administrador violou gravemente os seus deveres ou revelou incapacidade ou ficou incapacitado para o exercício normal das suas funções.”[15] Também a jurisprudência se tem largamente pronunciado sobre esta questão, citando-se a propósito o referido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26.02.2019: “A justa causa destitutiva do gerente da sociedade, relaciona-se com os princípios da confiança e a boa fé que devem ser observados por quem detém tal função na sociedade, princípios relevantes nas relações com os credores sociais, sócios e terceiros, de modo a que a transparência dos comportamentos e o rigor ético das condutas, possam ser valorados objectivamente e subjectivamente. A justa causa é uma sanção excludente do “infractor”, que visa defender a sociedade, na sua inserção na vida comercial.[16] Ora os gerentes da sociedade, como é caso da gerente em crise, estão sujeitos aos deveres previstos no art.º 64º, n.º 1, al. a), do CSC, nomeadamente deveres de cuidado, “revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado;”. Como refere Ricardo Costa, na última parte citando Coutinho de Abreu: “O dever de cuidado consiste na obrigação de os administradores cumprirem com diligência as obrigações derivadas do seu ofício-função, de acordo com o máximo interesse da sociedade e com o cuidado que se espera de uma pessoa medianamente prudente em circunstâncias e situações similares. Tal obrigação implica que “os administradores hão-de aplicar nas actividades de organização, decisão e controlo societários o tempo, esforço e conhecimento requeridos pela natureza das funções, as competências específicas e as circunstâncias”[17]. Na espécie, está em causa “apenas” a destituição da sócia gerente S…. Apreciemos a matéria de facto provada, tendo, em primeiro lugar, em consideração os factos invocados pelos recorrentes neste âmbito – a factualidade dada como provada nos pontos 17 a 19, 23 e 24, 25 a 28, 30 a 34, 36 a 38, 44 a 48. Facto 17 – Perda do maior cliente da sociedade “G…”; Factos 18 e 19 – Valores de vendas e prestação de serviços e resultado dos exercícios reportados aos anos de 2016 a 2021; Factos 23 e 24 – Valor do passivo da R. e subsídio de exploração auferido no exercício de 2021. Factos 25 a 28 e 30 a 34 – Vendas de equipamentos; Factos 36 e 37 – Factos respeitantes ao R. J…; Facto 38 – Utilização de conta corrente caucionada. Factos 44 a 46 – Promoção pela sociedade de despedimentos de trabalhadores, inclusive do A. MP…. Facto 47 – Ação promovida pelo A. MP… contra a R. sociedade, na qual a mesma foi condenada no pagamento do valor de 4.845,25 €. Facto 48 – Não pagamento pela sociedade R. de um condomínio de uma fração no valor total de 2.307,10 €. Impõe-se agora analisar esta factualidade em conjugação com os restantes factos dados como provados. Resulta dos factos 60 e 61 que a R. em causa, S…, tem acompanhado a vida da sociedade, é licenciada em gestão de empresas, é Contabilista Certificada e tem dedicado parte do seu tempo à gestão da sociedade. Acresce que a mesma desloca-se às instalações da R. Sociedade, para se inteirar dos assuntos correntes e dialogar com os trabalhadores, que lhe reportam as suas funções e recebem ordens e instruções daquela que é quem faz a gestão comercial, financeira, jurídica, contabilística dos recursos humanos e até mesmo operacional da sociedade. Do facto provado 66, resulta que o facto de a referida empresa G… não ter lançado novos concursos públicos para aquisição de paletes em madeira tem causado impacto nas contas da 1ª Ré, sociedade, e levou a quebra de faturação e aos resultados registados no ano de 2021. Menciona-se também nos factos 67 e 68 que, em face destes factos, os gerentes da R. sociedade tomaram medidas com vista à restruturação da empresa, decidindo alienar ativos da sociedade que não se encontravam afetos à exploração ou que apresentavam um estado de degradação, não estavam a ser utilizados e que representavam custos relacionados com o pagamento de seguros de responsabilidade civil automóvel e com o pagamento de IUC´s e ainda que os gerentes decidiram promover o despedimento coletivo por razões de mercado e para conter a estrutura de custos da 1ª Ré. No que respeita ao cliente “G…”, ficaram igualmente provados os factos sob os pontos 62, 63 e 64, resultando dos mesmos que está em causa uma entidade pertencente ao sector empresarial do Governo Regional da Madeira, sujeita às regras de contratação pública e que no último concurso público lançado foi vencedora uma outra empresa que apresentou uma proposta mais baixa do que a 1ª R., não tendo desde 2020 sido lançado novo concurso público. Ora atendendo a esta factualidade poderemos considerar existir justa causa de destituição da gerente S…, com estes fundamentos? Entendemos que não. No que respeita à perda do cliente “G…” não resulta qualquer conduta por parte desta gerente que permita concluir ter existido qualquer incumprimento dos seus deveres, nomeadamente de forma gravosa. Estiveram em causa as leis do mercado, sendo a sociedade R. vencida num concurso público, por outro proponente, que apresentou condições mais favoráveis. Quanto aos valores de vendas e prestações de serviços e aos resultados de exercício, verificamos que os mesmos foram afetados, nomeadamente, pela perda do referido cliente, tendo os gerentes da sociedade tomado medidas com vista à restruturação da empresa, promovendo ainda o despedimento coletivo por razões de mercado e para conter a estrutura dos custos da R. Sociedade. Verifica-se ainda que os despedimentos mencionados nos factos 45 e 46 foram promovidos como despedimentos por justa causa. Quanto ao valor do passivo mencionado no facto 23, o mesmo reporta-se ao ano de 2021, e inclui o valor de duas linhas de apoio Covid 19., importando ter em consideração o provado no facto 66. Quanto ao referido no facto 24, está em causa um apoio financeiro no valor de 12.415,68 €, concedido à sociedade, nada se retirando desse facto. No que concerne às vendas de equipamentos, verificamos pela factualidade provada em 67, que essas vendas terão ocorrido no âmbito das medidas tomadas pela gerência de restruturação da empresa. O mesmo quanto ao despedimento coletivo promovido. Quanto aos factos respeitantes ao R. J… não importa conhecer dos mesmos nesta sede. No que respeita à utilização do valor da conta caucionada importa considerar que estas contas visam, precisamente, prevenir insuficiências de tesouraria a curto prazo e são um mecanismo ao dispor das empresas, por acordo com as entidades bancárias, nada se retirando quanto à mera prova da utilização do valor da conta caucionada de uma sociedade comercial para adquirir bens para essa mesma sociedade, nomeadamente quanto à inexistência de uma gestão criteriosa. Quanto à ação promovida pelo A. MP… contra a R., nada se acrescenta sobre a mesma, apenas se sabendo que a R. sociedade foi condenada a pagar-lhe o valor de 4.845,25 €, sendo o pedido inicial de 73.404,02 €. Igualmente quanto ao não pagamento do condomínio relativamente à fração identificada em 48, nada mais sabemos, apenas se sabendo que a sociedade tem uma dívida por falta de pagamento do valor total de 2.307,10 €. Assim sendo, e em sumula, da conjugação dos factos provados não resulta prova da violação por parte da gerente S… dos deveres fundamentais previstos no art.º 64º, do CSC, designadamente do dever de cuidado, provando-se que a mesma acompanha a vida da sociedade, é licenciada em gestão de empresas e é contabilista certificada, fazendo uma gestão próxima da sociedade (factos 60º e 61º). Resulta ainda que a gerência da sociedade, face à perda do seu maior cliente, procurou restruturar a sociedade, designadamente reduzindo custos. Dos factos dados como provados supra enunciados não resulta assim que gerente S… tenha violado, de forma grave, os seus deveres ou que demonstre incapacidade para o exercício do cargo, de maneira a permitir a pretendida destituição por justa causa. Vejamos agora no que respeita ao alegado incumprimento do disposto no art.º 35º, do CSC. Dispõe o art.º 35º do CSC, no que ora nos interessa, que resultando das contas de exercício que metade do capital social se encontra perdido, devem os gerentes convocar de imediato a assembleia geral, a fim de nela se informar os sócios da situação e estes tomarem as medidas julgadas convenientes (n.º1), sendo que se considera perdida metade do capital social quando o capital próprio da sociedade for igual ou inferior a metade do capital social (n.º 2). Como refere Paulo de Tarso Domingues: “… o regime do art.º 35º visa não só tutelar interesses de terceiros, mas também os interesses dos próprios sócios alertando-os (desempenha a tal função de aviso) para a situação económico difícil que se encontra a sociedade com os riscos daí inerentes.”[18] Acrescenta o mesmo autor que: “… a “campainha” que o art.º 35º faz soar deve ser acionada sempre que a perda do capital é evidenciada, seja pelas contas do exercício, seja por contas intercalares (…) ou ainda, em qualquer momento independentemente da elaboração de contas, desde que os gerentes/administradores tenham “fundadas razões” para admitir que essa perda se verifica (cfr. art.º 35º, 1).”[19] A questão que se coloca no caso é se o incumprimento da convocação da referida assembleia geral, no caso, face ao dado como provado no facto 53, constitui um incumprimento por parte da sócia gerente consubstanciador da sua destituição por justa causa. Cumpre analisar o caso em concreto, na linha do referido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26.02.2019, que enuncia relativamente ao conceito de justa causa que: “Trata-se de um conceito indeterminado, dotado de plasticidade, adaptável casuisticamente, para aferir se, uma certa actuação se compagina com os direitos e deveres do gerente destituendo.”[20] Como vimos, a norma visa a proteção dos sócios e dos credores, desempenhando a função de “aviso” descrita acima. Ora quanto aos sócios da sociedade, um deles era/é gerente da sociedade – o sócio J…, portanto conhecedor da situação em referência. O outro é o ora A. MP…. Ora relativamente ao A. MP… resulta dos autos que o mesmo tinha conhecimento da situação financeira da sociedade, por aquela ser discutida nas assembleias gerais da sociedade, tendo inclusive solicitado a convocação de uma assembleia geral para discussão dessa situação e posteriormente intentado uma ação visando obter judicialmente a convocação de uma assembleia. Assim a função de aviso relativamente a este era igualmente desnecessária. No que respeita aos credores, não obstante o incumprimento referido quanto à convocação da mencionada assembleia, resulta dos autos que os gerentes da sociedade têm tentado reverter a situação, tomando nomeadamente medidas para a restruturação da sociedade e reduzir custos e pessoal. Para além disso, como se refere, e bem, na sentença proferida no tribunal a quo: “não basta a simples violação de algum dos seus deveres para que o gerente possa ser judicialmente destituído, sendo necessário que se trate de uma violação grave que comprometa a confiança dos sócios no gerente, o que não se afigura ser.” Como refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30.09.2014, a propósito desta questão: “Constitui justa causa de destituição de gerente, actuação sua que exprima violação grave dos deveres de gerente, mormente, dos deveres de cuidado, de diligência e de lealdade, que impliquem perda irreparável da confiança dos afectados por essa actuação, seja no contexto interno da sociedade, seja na sua relação com terceiros a justificar a impossibilidade da manutenção do vínculo que o une ao ente societário, por existir conflito de interesses gerador de danos efectivos ou potenciais, que devam ser consideradas razão inequívoca da inexigibilidade da manutenção daquele vínculo jurídico. A lei alemã alude a “grosseira violação dos deveres, incapacidade de condução regular dos negócios ou privação da confiança…”, ou seja, quando “a confiança por manifestos e improcedentes fundamentos foi destruída […]”. Diz ainda o mesmo Acórdão mais à frente, citando jurisprudência no mesmo sentido do Supremo Tribunal de Justiça, que: “Perfilha-se o entendimento de que a justa causa referida no art.º 257º do Código das Sociedades Comerciais “tem um carácter especial, consubstanciando-se numa quebra de confiança, por razões justificadas, entre a sociedade, representada pela assembleia geral, e o gerente (cfr., neste sentido, entre outros, Acs. deste Tribunal, de 10.02.00 e 19.02.04, in BMJ 494-353 e “Sumários”, nº78, pág. 27, respectivamente)” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11.7.2006, in www.dgsi.pt.”[21] Ora, no caso, podemos considerar que ocorreu essa violação grave? Entendemos que não, face não só ao supra referido, quanto à mencionada função de aviso, mas também considerando que a factualidade dada como provada na sentença não permite concluir existir conflito de interesses entre a sociedade e a referida gerente, suscetível de gerar danos efetivos ou potenciais para a sociedade, os seus sócios e os credores, face à atuação dos gerentes da sociedade com a tomada de medidas concretas, no sentido de alterar a situação financeira da sociedade. Não constitui assim também este um fundamento de destituição da gerente nos termos pretendidos pelos recorrentes. Quanto ao referido no art.º 523º, do CSC, e à responsabilidade penal prevista no mesmo não nos cumpre ora analisar, por estar fora do âmbito deste recurso.[22] Passemos agora à análise da segunda questão suscitada no recurso. Da representação das quotas do R. J…. Está em causa o pedido formulado pelos AA. na ação respeitante à determinação que, na circunstância da incapacidade do R. J…, a representação das quatro quotas tituladas pelo mesmo no capital social da Ré sociedade, compete nos termos do n.º 3 do art.º 8º, do CSC, à A. MI…. Dos factos dados como provados nos autos resulta que foi aplicada ao referido R. J…, no âmbito de processo de maior acompanhado, por sentença proferida em 31.10.2021, uma medida de representação especial, nos termos dados como provados no facto 8 supra enunciado e nomeada acompanhante provisória do mesmo S…. Da decisão proferida consta nomeadamente a representação daquele, pela acompanhante: “Perante várias entidades públicas e/ou privadas para tratar de assuntos de interesse do beneficiário (…). Para cumprimento das obrigações do requerido (…) (facto 8). Posteriormente, por sentença datada de 04.11.2022, foi alterada a medida de acompanhamento, concretizando-se os poderes conferidos à acompanhante, neles incluindo poderes para: “Requerer, relativamente às sociedades em que o acompanhado é sócio ou gerente, todos os atos de registo, e deliberar o encerramento da atividade, liquidação da sociedade e apresentação à insolvência, na medida das quotas e com os poderes que caberiam ao acompanhado.” (facto 59). Não nos cabe aqui interpretar a decisão proferida neste âmbito relativamente à situação do R. J… na sociedade R., mas apenas conhecer da questão colocada a este tribunal relativamente à representação das quotas do mencionado R. e à sua integração ou não no património conjugal ou representação pela sua nomeada acompanhante. Está em causa, no caso, o regime do maior acompanhado. Dispõe o art.º 138º, do C.C. que: “O maior impossibilitado, por razões de saúde, deficiência ou pelo seu comportamento, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres, beneficia das medidas de acompanhamento previstas neste Código.” O acompanhamento do maior nos termos referidos no art.º 140º, n.º 1, do mesmo diploma legal: “visa assegurar o seu bem-estar, a sua recuperação, o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres, salvo as exceções legais ou determinadas por sentença.” O acompanhamento limita-se ao necessário (nº 1, art.º 145º, do C.C.), podendo o tribunal, em função de cada caso e independentemente do que haja sido pedido cometer ao acompanhante algum ou alguns dos regimes previstos no art.º 145º, n.º 2, do C.C., designadamente a representação geral ou especial com indicação expressa, neste caso das categorias de atos para que seja necessária (al. b). Como refere Mafalda Miranda Barbosa: “No quadro do regime do acompanhamento, parte-se da ideia de que o acompanhado mantém a sua capacidade de exercício. Contudo, consoante a modelação que, em concreto, a medida possa conhecer, pode ser atribuído ao acompanhante o poder para representar genérica ou especificamente o beneficiário ou para o autorizar a celebrar determinados negócios. Significa isto que, em determinadas situações, o regime do acompanhamento pode redundar na limitação (mas não exclusão) da capacidade de exercício do indivíduo.”[23] Refere ainda, Carlos Ferreira de Almeida, relativamente em concreto à representação que: “A representação consiste na atuação em nome e por conta de outrem, legitimada por poderes para agir nas circunstâncias dessa atuação. Agir por conta de outrem significa, em geral, agir no interesse de outrem (ainda que também no interesse próprio), na posição jurídica em que estaria o representado, se fosse ele a praticar o ato. A atuação representativa que reúna estes requisitos é direta e imediatamente eficaz para o representado.”[24] Nos termos do art.º 145º, n.º 4, do C.C. “A representação legal segue o regime de tutela com as adaptações necessárias…”. Isto leva-nos desde logo ao art.º 1935º, do mesmo diploma legal, que enuncia, no seu n.º 1, que “O tutor tem os mesmos direitos e obrigações dos pais, com as modificações e restrições constantes dos artigos seguintes.”, sendo que aos pais competem os poderes de representação nos termos previstos nos artºs 1878º, n.º 1 e 1881º, n.º 1., do C.C. Defendem os recorrentes, na espécie, que os poderes de representação relativamente às quotas do R. J… competem à A. e não à nomeada acompanhante no processo de maior acompanhado. Dispõe o art.º 8º, do CSC, sobre a participação dos cônjuges em sociedades. No caso, está em causa uma sociedade em que as quotas da sociedade da titularidade do referido J… foram adquiridas por cessão onerosa, no estado de casado com a A. MI…, sendo ambos casados no regime de comunhão de adquiridos, regime supletivo. Diz o art.º 8º, n.º 2, que: “Quando uma participação social for, por força do regime matrimonial de bens, comum aos dois cônjuges, será considerado como sócio, nas relações com a sociedade, aquele que tenha celebrado o contrato de sociedade ou, no caso de aquisição posterior ao contrato, aquele por quem a participação tenha advindo ao casal.” O âmbito de aplicação deste n.º 2 do preceito atingirá unicamente as situações de comunicabilidade da vertente patrimonial da participação social, em que apenas um dos cônjuges teve intervenção no ato jurídico através do qual a participação se tornou um bem integrado na massa dos bens comuns[25], o que face à redação do facto n.º 5, parece ser o caso dos autos. Quem é o sócio neste caso, face ao referido no citado n.º 2? Como menciona Pinto Furtado: “… a posição de sócio envolve um feixe de direitos e obrigações de naturezas diferentes que, para este efeito, se devem distinguir, consoante a sua natureza, em patrimoniais, por um lado, e associativos (corporativos, políticos, administrativos, ou como se lhes queira chamar), por outro. Nesta base, a regra é claramente a seguinte, que vem estabelecida no art.º 8º, n.º 2 CSC. Quando a participação social for, por força do regime matrimonial de bens, comum aos dois cônjuges, só será considerado consócio, nas relações com a sociedade, aquele que tenha celebrado o contrato de sociedade ou, no caso de aquisição posterior, aquele por quem a participação tenha vindo para o casal. Como se vê este princípio parece muito claro: a vertente patrimonial da posição do sócio é comunicável ao cônjuge; a vertente associativa, política ou corporativa de sócio, não.”[26] Também J.P. Remédio Marques refere, a propósito deste n.º 2, que: “A pessoa do cônjuge é estranha à sociedade de que o outro é sócio: o cônjuge do sócio deve ser qualificado, para a maioria dos efeitos, como um estranho ou terceiro relativamente à sociedade”.[27] Vejamos o n.º 3, do citado art.º 8º, do CSC. Dispõe este artigo, na parte que ora nos interessa, que: “O disposto no número anterior não impede o exercício dos poderes de administração atribuídos pela lei civil ao cônjuge do sócio que se encontrar impossibilitado, por qualquer causa, de a exercer nem prejudica os direitos que, no caso de morte daquele que figurar como sócio, o cônjuge tenha à participação.” Esta impossibilidade prevista na lei pode desde logo ser uma impossibilidade jurídica, nomeadamente de incapacidade de exercício de direitos, ou uma incapacidade fáctica, não fazendo a lei qualquer limitação. Refere Pinto Furtado, a propósito desta norma, que: “Se o sócio estiver impossibilitado por qualquer causa, de exercer os poderes de administração dos bens do casal, será lícito ao cônjuge não sócio exercer, na sociedade, esses poderes, relativamente à vertente patrimonial da posição de sócio.”[28] Ora não está em causa, no que respeita à pretendida “representação das quotas” do A., a vertente patrimonial da posição de sócio, mas sim a vertente associativa, os direitos e deveres associativos dos sócios, que não são, como refere, Pinto Furtado, propriamente bens suscetíveis de ordenação em bens próprios e comuns, comunicáveis ou incomunicáveis.[29] Estes últimos não fazem parte do exercício dos poderes de administração atribuídos pela lei civil ao cônjuge do sócio e, portanto, não poderão, por esta via, ser exercidos nos termos pretendidos. Quem poderá então exercer, neste caso, esta vertente associativa, designadamente representar este sócio nas assembleias da sociedade e votar nas mesmas? Concordamos com a sentença proferida pelo tribunal a quo quando refere “Ora, analisados os poderes de representação conferidos à Acompanhante, aqui 3.ª Ré, entendemos que a mesma dispunha de legitimidade para representar o 2.ª Réu nas assembleias de credores das sociedades de que o mesmo é sócio, por se integrarem nos poderes de representação perante entidades públicas ou privadas. A sentença proferida em 4.11.2022 veio, de resto, clarificar a abrangência dos poderes de representação conferidos à Acompanhante, no sentido de a mesma poder representar o Acompanhado seu pai junto das sociedades, na medida das quotas e com os poderes que caberiam ao acompanhado.” De facto, não obstante as duas decisões proferidas, no âmbito do processo de acompanhamento de maior, relativamente ao regime aplicável ao sócio J… não sejam completamente esclarecedoras relativamente a esta questão, temos de ter em consideração que, como vimos, estão em causa poderes de representação, com o âmbito supra referido, representação especial, com a delimitação dada pelo tribunal na decisão inicial, designadamente para representação do maior acompanhado perante entidades públicas e ou privadas e cumprimento das obrigações do requerido e posteriormente, com data posterior a 27.05.2022 (data da assembleia em apreciação), numa concretização dos poderes da acompanhante de conferência de determinados poderes específicos para requerer relativamente às sociedades de que o referido J… é sócio e gerente “todos os atos de registo, e deliberar o encerramento da atividade, liquidação da sociedade e apresentação à insolvência, na medida das quotas e com os poderes que caberiam ao acompanhado.” Assim sendo, cabe à nomeada representante nas referidas sentenças, a filha S…, a representação do referido J…, no que concerne aos direitos e deveres associativos inerentes à qualidade de sócio da sociedade em crise, nomeadamente de estar presente, deliberar e votar nas assembleias da sociedade, em representação daquele. Refere-se, por último, quanto à alegada violação do disposto nos artºs 1º, 20º, n.º 4 e 62º da Constituição da República Portuguesa (CRP), que não se antevê a violação de qualquer dos preceitos indicados, estando em causa um processo judicial (processo de acompanhamento de maior) em que foi cumprido o princípio do contraditório, nos termos dos normativos aplicáveis ao mesmo, que, no caso, não incluem a recorrente, cônjuge de referido J…, apenas se limitando o tribunal a quo e este tribunal a interpretar e, aplicar a lei, não se vislumbrando qualquer violação dos preceitos constitucionais de proteção previstos com respeito à soberania do Estado, direito a um processo equitativo ou ao direito à propriedade privada. Rejeição do ponto único da ordem dos trabalhos na assembleia geral de 27.05.2022, da sociedade Serração …, Lda. Pretendem os recorrentes que seja declarado que na assembleia geral da sociedade R., de 27.05.2022, foi rejeitado o ponto único da ordem de trabalhos da mesma que consistiu em: “Deliberar sobre a venda da fração autónoma afeta a habitação, de tipologia T1, identificada pelas letras “BE-B4”, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, localizado na R…, no Funchal, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, da freguesia de …, e nomeação da gerente para representar a Sociedade na referida venda.” Analisado o facto 55, resulta do mesmo que sujeita a matéria constante do ponto único da ordem de trabalhos da assembleia a votação, votou contra o sócio MP…, votou contra a cônjuge do sócio J…, ora A. e recorrente nesta ação, MI… (voto expresso ao abrigo do artigo 8º, n.º 3, do CSC) e votou favoravelmente a acompanhante S… (voto expresso ao abrigo da sentença de acompanhamento de maior do sócio J…). Face ao entendimento suprarreferido, dúvidas não existem que, a referida A. MI… não podia exercer, nos termos pretendidos, os poderes societários de votar na referida assembleia geral de sócios da R. sociedade, como fez, uma vez que a representação do sócio J…, neste âmbito, competia, como supra enunciado, à acompanhante do mesmo S…. Assim sendo, o referido voto manifestado pela enunciada MI… não vincula o sócio, incumbindo a representação do mesmo à acompanhante S…, que votou nessa qualidade. Considerando o capital da sociedade e a divisão das suas quotas, importa considerar a aprovação do ponto único da ordem de trabalhos submetido à assembleia. Improcede, pois, a pretensão dos apelantes que seja declarado pelo tribunal que este ponto da ordem de trabalhos foi rejeitado. Anulação da deliberação tomada na Assembleia Geral da sociedade R. realizada no dia 27.05.2022. Pretendem os apelantes que que seja anulada a deliberação suprarreferida, aprovada na assembleia geral da sociedade, no dia 27.05.2022, ao abrigo do disposto no art.º 58º, n.º 1 al. b), do CSC. Uma questão prévia se coloca relativamente à A. MI…. De acordo com o art.º 59º, n.º 1, do CSC, a anulabilidade das deliberações sociais, pode ser arguida, nomeadamente, por qualquer sócio, que não tenha votado no sentido que fez vencimento, nem posteriormente tenha aprovado a deliberação expressa ou tacitamente. Ora, como vimos supra, à referida MI… não compete exercer os poderes associativos pertencentes ao sócio J…. Carece assim a mesma de legitimidade para obter nesta ação a anulabilidade da deliberação em apreço. No entanto, também é sócio, o também A. e recorrente aqui nesta ação, MP…, que esteve presente na assembleia e votou contra o deliberado. Pode assim o mesmo obter, ao abrigo do citado preceito legal, a anulabilidade da deliberação em apreço. Dispõe o art.º 58º, do CSC, na parte que ora nos interessa, no seu n.º 1, alínea b) que: “São anuláveis as deliberações que: (…) b) Sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiro, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos”. Refere Coutinho de Abreu, em anotação a esta alínea b), que: “Temos aqui duas espécies de deliberações abusivas: as apropriadas para satisfazer o propósito de alcançar vantagens especiais em prejuízo da sociedade ou de sócios; as apropriadas para satisfazer o propósito tão-só de prejudicar a sociedade ou sócios – as chamadas deliberações emulativas.”[30] Refere por sua vez, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 25.01.2024, que: “Este preceito visa reprimir as deliberações abusivas. No fundo, estão em causa as deliberações com finalidades extrassociais. Visa-se o abuso de direito, como figura geral, aqui equivalendo à violação da lei. O artigo 58.º, alínea b), contém os seguintes elementos previsivos: a) a adequação para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros; b) em prejuízo da sociedade ou de outros sócios; ou c) com a intenção de simplesmente prejudicar a sociedade ou os sócios.”[31] Vejamos então o caso em concreto. Está em apreciação a venda de uma fração autónoma, tendo sido proposto, em dizeres constantes da convocatória para a assembleia geral em referência, que o imóvel seja posto à venda pelo valor de 140.000,00 € e justificando-se a urgência na venda pela necessidade de obtenção de liquidez para fazer face a responsabilidades financeiras reclamadas em processos judiciais pelo sócio MP… e por um ex-trabalhador, nos montantes respetivamente de 73.404,02 € e 63.800,55 €. Foi ainda dito que a mencionada fração constitui uma “propriedade de investimento” da sociedade. A discussão feita em assembleia sobre o referido ponto encontra-se plasmada na ata transcrita no facto 55, que nos dispensamos de transcrever. Está em causa o voto do sócio J…, ainda que através da sua representante. É o voto deste sócio que temos que analisar, importando ainda ter em atenção que a deliberação de venda de um bem da sociedade em si, assim como a nomeação de um gerente para representar a sociedade na referida venda é uma deliberação lícita. A questão que se coloca é se ficaram em primeiro lugar provados factos que permitam concluir que o propósito do sócio, com a aprovação desta deliberação é a de conseguir vantagens especiais para si ou para outrem em prejuízo da sociedade ou de outro sócio? Tal como já se entendeu em Acórdão deste mesmo Tribunal e Secção, de 01.10.2024: “O art.º 58º, n.º 1, al. b) do CSC, ao aludir ao “propósito” de um dos sócios de conseguir, através do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios, não exemplifica de forma concretizadora qualquer atuação que autorize uma presunção de abuso, pelo que, sendo as deliberações, em si mesmas, lícitas, seria necessária a prova de factos concretos a partir dos quais o tribunal, inferindo o duplo propósito a que alude o recorrente, poderia bloquear o exercício do direito do sócio pela qualificação do mesmo como abusivo.”[32] Ora esta prova, no caso, claramente não foi feita, não resultando quaisquer factos, nomeadamente da discussão em sede de assembleia geral, que permitam concluir existir a prova de factos concretos a partir dos quais o tribunal possa inferir esse propósito. O que resulta provado é que a referida venda, e é esta que importa analisar, visa financiar a sociedade de forma a obter liquidez para suprir necessidades financeiras da mesma e não para obter vantagens especiais do sócio, em prejuízo da sociedade ou do sócio MP…. Igualmente não resultam provados factos em concreto, face ao suprarreferido, que permitam concluir que o propósito da deliberação tomada foi prejudicar a sociedade ou o sócio MP…. Quanto às alegadas: descapitalização da sociedade; venda de bens e omissão de convocação da assembleia nos termos do art.º 35º, do CSC, essa factualidade já foi objeto de análise supra, não estando as mesmas em análise agora, mas sim o objeto concreto da deliberação em causa. E ainda que se analise o contexto referido pelos alegantes da vida societária, igualmente não podemos considerar, do conjunto de toda a factualidade provada (sendo esta a factualidade a considerar e não a visão da mesma dos alegantes), que o voto em apreço tenha sido abusivo, encontrando-se demonstrados os pressupostos subjetivo ou objetivo que permitem considerar o preenchimento da citada alínea b). Como refere Olindo Geraldes: “O primeiro pressuposto consiste na intenção ou vontade de obter vantagens especiais, que podem ser materiais ou de outra natureza, ou de causar prejuízos à sociedade ou aos sócios minoritários. A vantagem é especial por não ser extensível à generalidade dos sócios, como importava ser, por observância e respeito do princípio da igualdade de tratamento dos sócios (…) O segundo pressuposto, por seu turno, traduz-se na adequação ou aptidão da deliberação social para alcançar o propósito ilegítimo pretendido.”[33]. Ora a prova do preenchimento destes pressupostos, com o enquadramento suprarreferido, não foi, reitera-se, feita nos autos, não podendo, pois, o tribunal concluir estar-se perante uma deliberação abusiva e logo anulável. Importa, pois concluir que improcede, na sua totalidade, a apelação apresentada. Os apelantes deverão suportar as custas devidas, face ao seu decaimento (artºs 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do Código de Processo Civil). 5. Decisão Pelo exposto, acordam as Juízas desta Secção de Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação apresentado e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida. Custas pelos apelantes. Registe e Notifique Lisboa, 26.11.2024 Elisabete Assunção Paula Cardoso Isabel Maria Brás Fonseca _______________________________________________________ [1] Tratando-se de um processo sem natureza urgente. [2] Proc. n.º 8440/14.1T8PRT.P1.S1, Relatora Maria da Graça Trigo, disponível em www.dgsi.pt [3] Código Civil anotado, Vol. I, 4ª edição, Coimbra Editora Limitada, pág. 300. [4] Proc. n.º 102/11.8TBALD.C2, Relator Luís Cravo, disponível em www.dgsi.pt [5] Retificando-se o manifesto lapso constante dos factos provados 54 e 56, passando a constar Autor MP… onde consta Réu MP…. [6]António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª edição atualizada, Almedina, pág. 198. [7] Proc. n.º 605/21.6T8VCT-C.G1, Relatora Maria João Matos, disponível em www.dgsi.pt. [8] Proc. n.º 18321/21.7T8PRT.P1.S1, Relator Nelson Borges Carneiro, disponível em www.dgsi.pt. [9] Proc. n.º 1007/17.4T8VCT.G1.S1, Relator Fernando Baptista, disponível em www.dgsi.pt [10] Proc. n.º 3683/16.6T8CBR.C1.S2, Relator Rosa Tching, disponível em www.dgsi.pt. Tomando posição também neste sentido, Abrantes Geraldes na obra citada, (nota 5), pág. 201 (nota de rodapé 348). [11] Obra citada (nota 5), pág. 149. [12] Proc. n.º 1203/22.T8GRD-C1, Relatora Cristina Neves, disponível em www.dgsi.pt. [13] Proc. n.º 4622/09.6TTLSB.L1.S1, Relator Ribeiro Cardoso, disponível em www.dgsi.pt. [14] Proc. n.º 65/18.9T8EPS.G1.S1, Relator Fernando Baptista, disponível em www.dgsi.pt. [15] Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. 4, Almedina, Pág. 119. [16] Proc. n.º 219/13.4TYLSB.L2.S3, Relator Fonseca Ramos, disponível em www.dgsi.pt. [17] Deveres gerais dos administradores e “gestor criterioso e ordenado”, I Congresso Direito das Sociedades em Revista, Almedina, Coimbra, 2011, pág. 167. [18] Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. I, 2ª edição, Almedina, pág. 558. [19] Obra citada (nota 17), págs. 558 e 559. [20] Proc. n.º 219/13.4TYLSB.L2.S3, Relator Fonseca Ramos, disponível em www.dgsi.pt [21] Proc. n.º 1195/08.0TYLSB.L1.S1, Relator Fonseca Ramos, disponível em www.dgsi.pt. [22] Sobre esta questão cf. obra citada (nota 17), nota de rodapé 46, pág. 560. [23] Maiores acompanhados da incapacidade à capacidade, Revista da Ordem dos Advogados, I-II, 2018, disponível em https://portal.oa.pt/media/130218/mafalda-miranda-barbosa_roa_i_ii-2018-revista-da-ordem-dos-advogados.pdf , pág. 247. [24] Capacidade e incapacidades contratuais dos maiores acompanhados, Revista de Direito Comercial, 12.05.2020, disponível em https://www.revistadedireitocomercial.com/capacidade-e-incapacidades-contratuais-dos-maiores-acompanhados, pág. 1067, [25] Neste sentido, J.P. Remédio Marques, obra citada (nota 17) pág. 168. [26] Jorge Henrique Pinto Furtado, com a colaboração de Nelson Rocha, Curso de Direito das Sociedades, 5ª edição, revista e atualizada, Almedina, págs. 239 e 240. [27] Obra citada (nota 17), pág. Pág. 167 e 168. [28] Obra citada (nota 25), pág. 241. [29] Obra citada (nota 25), pág. 240. [30] Obra citada (nota 17), pág. 713. [31] Proc. n.º 22/22.0T8TNV.E1, Relatora Anabela Luna de Carvalho, disponível em www.dgsi.pt. [32] Proc. n.º 8404/23.4T8SNT.L1-1, Relatora Ana Rute Alves Costa Pereira, disponível em www.dgsi.pt. [33] Olindo dos Santos Geraldes, Deliberações Sociais Abusivas e Responsabilidade Civil, 2008, disponível em https://trl.mj.pt/wp-content/uploads/2022/09/Deliberacoes_sociais.pdf, págs. 8 e 9. |