Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9145/16.4T8ALM-A.L1-7
Relator: CARLOS OLIVEIRA
Descritores: ESCRITURA PÚBLICA
TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/22/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Sumário (art.º 663º nº 7 do CPC) – Da exclusiva responsabilidade do relator

1.–A escritura pública donde apenas constam declarações dos outorgantes no sentido de constituírem uma hipoteca para garantia do pagamento de quantias que possam vir a ser devidas por força de um contrato de empréstimo anteriormente celebrado, não são título executivo em ação executiva destinada a obter o pagamento de quantia certa, nos termos do Art. 701.º n.º 1 al. b) do C.P.C., porque essa escritura não importa na constituição ou reconhecimento duma obrigação pecuniária.

2.–O documento que constituiria ou reconheceria a existência da obrigação exequenda seria, no caso, o contrato de empréstimo que, por ter sido celebrado por documentos particular e já depois das alterações ao Código de Processo Civil decorrentes da entrada em vigor da Lei n.º 41/2013 de 26/6, deixou de ter força de título executivo.

3.–Tendo o exequente instaurado outra ação executiva, contra os mesmos devedores-executados, tendo por objeto a mesma dívida, emergente do mesmo contrato de empréstimo, mas fundada em livrança entregue em branco para garantia e titulação das obrigações pecuniárias emergente desse empréstimo, verifica-se uma situação atípica de litispendência com a presente execução que tinha por base a “escritura de hipoteca”.

4.–A “execução” da garantia hipotecária constante de escritura pública pode ser promovida no processo de execução relativo ao mesmo crédito, mas em que o título executivo é uma livrança.

5.–A inexistência de título executivo determina a procedência dos embargos de executado (Art. 729.º al. a) do C.P.C.).
Decisão Texto Parcial:Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.



I–RELATÓRIO:


B., executado nos autos principais, veio deduziu oposição à execução, mediante embargos, contra o Banco BPI, S.A., invocando a inexistência de título executivo, a nulidade do contrato de mútuo em causa, a modificação da obrigação em função da declaração de insolvência da devedora principal, a não verificação da perda do benefício do prazo e a falta de vencimento da dívida.

Admitidos os embargos, o exequente contestou pugnando pela improcedência da oposição.

Realizou-se audiência prévia, na qual se determinou a notificação das partes para se pronunciarem sobre a oportunidade de uma decisão de mérito nesta fase processual.

De seguida foi proferida sentença que julgou os embargos improcedentes e determinou o prosseguimento da execução contra o embargante.

É dessa sentença que o Embargante veio recorrer, tendo no final das suas alegações apresentado as seguintes conclusões:
Nulidade
I–Deve anular-se a “sentença” e todos os atos subsequentes, nos termos do artigo 195.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e ordenar-se que se profira novamente a sentença, porquanto, com a omissão da formalidade prevista no artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, cometeu-se uma nulidade processual prevista no artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
II–A “sentença” recorrida viola o disposto nos artigos 154.º, n.º 1, 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil e no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
No caso de assim se não decidir
Omissão de pronúncia
III–O recorrente na conclusão na oposição à execução por embargos de executado colocou a questão da inexigibilidade, socorrendo-se para fazer valer o seu ponto de vista dos factos alegados nos artigos 69.º a 72.º, da narração.
IV–A Exm.ª Senhora juíza do Tribunal recorrido não decidiu aquela questão.
V–Verifica-se a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, traduzindo-se no incumprimento, por parte da Exm.ª Senhora juíza do tribunal de 1.ª instância, do dever prescrito no n.º 2, do artigo 608.º, n.º 2, do mesmo diploma legal.
Sem prescindir
VI–Não satisfaz os requisitos legais, a atitude do Tribunal de 1.ª instância de referenciar como matéria de facto documento(s) junto(s) aos autos, dando-o(s) “por integralmente reproduzido(s)”, sem Transcrever, deste(s) documento(s), o que em seu entender é matéria de facto significante para uma tomada de decisão de direito.
Por outro lado
VII–Em rigor, não basta dar como reproduzido(s) determinado(s) documento(s), pois que isso não permite a apreensão do seu conteúdo e as decisões judiciais devem compreender-se por si próprias, sem recurso a elementos externos.

Impugnação da decisão relativa à matéria de facto
VIII–Importa eliminar o ponto “4. por cartas Registadas com aviso de receção, datadas de 13.09.2015, enviadas e recebidas pelos executados, o exequente interpelou os executados para o pagamento da quantia de €108.766,21 e comunicou-lhes que “(…) tendo-se verificado a declaração de insolvência da empresa Q., Lda. em 18.03.2016, e não tendo sido pagas a este Banco a que aquela se obrigou decorrentes do empréstimo concedido, por contrato datado de 17.12.2013 e posterior aditamento / alteração, informamos que procedemos ao preenchimento da livrança caução (…)” “dos “ factos provados”, por incorretamente julgado.
A Exm.ª Senhora juíza do tribunal recorrido não fundamentou ponto a ponto o decidido, fez uma fundamentação genérica para todos os pontos.
Pelo que e em boa verdade torna-se impossível a impugnação de tal decisão, sendo certo que sobre o recorrente impende um exigente ónus de alegação (Artigo 640.º, do Código de Processo Civil) e o julgamento eficaz pelo Tribunal de Recurso.
No entanto e em relação ao embargante B. dir-se-á que aquele facto assenta nos “documentos juntos” pela Embargada B.P.I., S.A., ao requerimento executivo, como n.º 5 (carta e aviso de receção), apresentadas a fls. … do processo físico e registadas no sistema informático (Citius)?
Salvo o muito e devido respeito, incorretamente
Dos documentos (carta e aviso de receção) juntos pela Embargada B.P.I., S.A., como documento n.º 5, ao requerimento executivo, apresentadas a fls. … do processo físico e registadas no sistema informático (Citius), não se pode retirar que o executado B. recebeu aquela carta, na medida em que quem a recebeu foi uma pessoa não identificada, por não “facultou B.I.”, como se manuscreveu no aviso de receção.
Aliás
Também não se pode retirar das “cartas registadas com aviso de receção” que estão “datadas de 13.09.2015”, o que entendemos que só por mero lapso é que se escreve “2015”. Pois, é bom de ver que se queria escrever “13.09.” 2016. Tal extrai-se cristalinamente e sem margem para dúvidas da “sentença” e dos elementos do Processo).

IX- Com relevo para a decisão da causa, importa aditar à matéria de facto considerada provada (“factos provados”) na “sentença” os factos seguintes, colhidos dos elementos que constam dos autos e de acordo com a posição assumida a respeito pelas partes nos respetivos articulados (a sua não impugnação) e ainda com a regra de distribuição do ónus da prova (Artigo 342.º, do Código Civil)
5.– Do teor “da escritura pública de hipoteca” – em “3” da narração do “requerimento executivo” - dada à execução, extrai-se a “data do ato – seis de janeiro de 2014” e que “o banco celebrou com a sociedade Q., limitada ... um contrato de empréstimo sob a forma de escrito particular até ao montante de 149.000,00 euros, sendo donos e legítimos possuidores da fração hipotecada.
... Em garantia do integral e tempestivo cumprimento de todas as obrigações que para a sociedade Q., limitada, emergem do ... contrato de empréstimo ... constituem a favor do Banco hipoteca sobre a identificada fração.
... Em garantia do integral e tempestivo cumprimento de todas as obrigações que para a sociedade Q., limitada, emergem do ... contrato de empréstimo ... constituem a favor do Banco hipoteca sobre a identificada fração “.
Consignou-se naquele “empréstimo de 149.000 € ...

6.–Garantias:
6.1.-Aval de B. ... que será aposto em livrança em branco subscrita por V.Exs(a) a nosso favor ...
6.2.- Hipoteca sobre a fração ...

7.–Incumprimento:
7.1.-No caso de incumprimento por parte de V. Exa. (s), de qualquer obrigação pecuniária ou de outra natureza, poderá o banco rescindir o presente contrato, considerando vencido e exigível todo o seu crédito.
7.2.-O não cumprimento por parte de V. Exa. (s) de outros obrigação, seja qual for a forma que a mesma revista, contraída junto deste banco ou de qualquer outra entidade que integre o grupo BPI, confere igualmente ao banco o direito de rescindir o presente contrato, e considerar vencido e exigível todo o seu crédito.
7.3.-Verificando-se qualquer situação indiciadora de que V. Exa.(s) se encontra(m), ou virá(ão) a encontrar-se, a curto prazo, na impossibilidade de incumprir pontualmente as suas obrigações, seja para como o banco, seja para com qualquer um dos seus credores, poderá o banco por simples comunicação dirigida a V. Exa. (s), resolver o contrato.

Entre outras são tidas como situações indiciadoras da impossibilidade de cumprir:
a)- Pendência, a requerimento de V. Exa. (s) ou de terceiro, de processo especial de recuperação de empresa e de falência ou de procedimento da mesma natureza;
b)- Verificação de qualquer facto que, nos termos da lei, seja revelador da situação de insolvência de v. Exa. (s);”, conforme documento junto como n.º 2 ao “requerimento executivo”.

6.– Em 2016 março 18, a “Q., Lda.” – cabeçalho daquele documento junto como n.º 2 ao “requerimento executivo” – foi declarada insolvente no âmbito do processo que corre termos sob o n.° 3490/16.6T8LSB, pela Inst. Central – 2.ª Sec. Comércio – J1, do Tribunal da Comarca de Lisboa – Barreiro, conforme documento junto como n.º 1 à oposição à execução por embargos e aceite pela exequente no artigo 2.º, da contestação.
7.– O exequente banco BPI, S.A., foi citado como um dos 5 (cinco) maiores credores, para reclamar o seu crédito naquela insolvência - aceite pela exequente no artigo 2.º, da contestação -.
8.– O exequente banco BPI, S.A., constituiu mandatário judicial naquela insolvência - aceite pela exequente no artigo 2.º, da contestação -.
8.– O exequente banco BPI, S.A., reclamou o crédito naquela insolvência, nomeadamente o alegado crédito decorrente daquele “empréstimo” – junto como documento n.º 1, ao “requerimento executivo” - com aquela “escritura pública de hipoteca” – junta como documento n.º 2, ao “requerimento executivo”, concluindo “termos em que se requer a verificação e graduação do crédito comum do reclamante sobre a insolvente...” - Aceite pela exequente no artigo 2.º, da contestação -.
9.– O crédito foi verificado e graduado como requerido pelo Banco BPI, S.A. e consta da lista dos créditos reconhecidos, no âmbito do processo de insolvência mencionado.
10.– Da “escritura pública de hipoteca” junta como documento n.º 1, ao “requerimento executivo”, extrai-se que “… vamos conceder-lhe o empréstimo ...
... Procederemos à concessão do empréstimo logo que V. Exº. (s) nos dê(em) o acordo às estipulações acima indicadas, formalize(m) a(s) garantia (s) e nos entregue(m) declaração da segurança social nos termos da legislação em vigor”.
11.– O exequente Banco BPI, S.A., alega no “requerimento executivo”, que “deu o seu crédito por integralmente vencido” – em “7.” – e na “data da resolução” – em “8.” – e “data da resolução do contrato (18.03.2016)” – em “9.” –, “conforme cartas registadas com aviso de receção datadas de 13.09.2015, conforme doc. 4, doc. 5, doc. 6, doc. 7 e doc. 8 “ – em “7.”.
12.– Consignando-se no “empréstimo de 149.000 €...
1.- Prazo: 72 meses a contarem da data da abertura do crédito”,
Conforme documento junto como n.º 2 ao “requerimento Executivo”.

X– Do teor “da escritura pública de hipoteca” – em “3” da narração do “requerimento executivo” - dada à execução como titulo executivo, extrai-se a “data do ato – seis de janeiro de 2014” e que “o banco celebrou com a sociedade “Q., Limitada ... um contrato de empréstimo sob a forma de escrito particular até ao montante de 149.000,00 euros, sendo donos e legítimos possuidores da fração hipotecada.
... Em garantia do integral e tempestivo cumprimento de todas as obrigações que para a sociedade Q., limitada, emergem do ... contrato de empréstimo ...constituem a favor do Banco hipoteca sobre a identificada fração”.
XI– Tal não é fonte de um direito de crédito nem se reconhece a existência de uma obrigação já anteriormente constituída pelos Executados.
Logo
XII– Pela alínea b), do n.º 1, do artigo 703.º, do Código de Processo Civil, a “escritura pública de hipoteca” não constitui título executivo.
XIII– A Exm.ª senhora juíza do Tribunal Recorrido fez errada interpretação do artigo 703.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil.
Mais
XIV– Do teor “da escritura pública de hipoteca” antes referida não se convencionam prestações futuras nem se constituem obrigações futuras.
Logo
XV– Pela alínea b), do n.º 1, do artigo 703.º e artigo 707.º, do Código de Processo Civil, a “escritura pública de hipoteca” não constitui título executivo.
Sem prescindir
Desde logo
XVI– Não foi alegado nem provado que o valor do empréstimo foi efetivamente entregue à mutuária.
Mais
XVII– Uma vez que a obrigação exequenda não resulta “da escritura pública de hipoteca” junta como documento n.º 2, ao “requerimento executivo”, exige-se que o exequente faça complementarmente prova da respetiva constituição.
XVIII– O exequente juntou “escritura pública de hipoteca” que dá à execução um documento como n.º 1, ao “requerimento executivo”, cujo “assunto” é “empréstimo de 149.000,00 €”, de cujo teor se extrai “vamos conceder-lhe o empréstimo ...
... Procederemos à concessão do empréstimo logo que V. Exº. (s) nos dê (em) o acordo às estipulações acima indicadas, formalize (m) a (s) garantia (s) e nos entregue(m) declaração da segurança social nos termos da legislação em vigor”.
XIX– O “empréstimo de 149.000,00€” à “sociedade “Q., limitada” - “escritura pública de hipoteca” junta como documento n.º 2, ao “requerimento executivo”, não foi feito por escrito particular.
E
XXV– Tratando-se de um contrato de mútuo, este é nulo por vício de forma e não pode ser considerado eficaz, atento o disposto no artigo único do decreto-lei n.º 32765, de 29 de abril, de 1943, nulidade que é de conhecimento oficioso.
Ou seja
XXI– Por virtude da invalidade formal do mútuo, o título apresentado é inexequível e o processamento da execução inviável.
Deste modo
XXII– Verifica-se inexequibilidade do título, o que obsta ao Prosseguimento da execução contra os executados.
XXIII– A “sentença” recorrida viola o disposto nos Artigos 362.º e 263.º, do Código Comercial e 1142.º, do Código Civil, os Decreto-Lei n.º 459/83, de dezembro 30, Decreto-Lei n.º 32765/43, de abril 29 e Decreto-Lei n.º 298/92, dezembro 31.
Mais
XXIV– O Exequente não demonstra que foi formalizada qualquer “garantia” nem entregue “declaração da segurança social nos termos da legislação em vigor”.
Pelo que
XXV– O título apresentado é inexequível e o processamento da execução inviável.
Sem prescindir
XXVI– O mútuo é, de sua natureza, um contrato real, no sentido de que só se completa pela entrega (empréstimo) da coisa.
XXVII– O “empréstimo” para ser exequível carece de ser complementado com a apresentação de um outro documento comprovativo da constituição da obrigação (prova adminicular), passado em conformidade com as respetivas cláusulas.
No caso sujeito
XXVIII– Tal não foi feito pelo exequente, não foi alegado nem provado por este.
XXIX– Na falta de apresentação pelo exequente da prova complementar a que alude o artigo 707.º, do Código de Processo Civil, o título apresentado é inexequível.
Sem prescindir
XXX– A Q., Ld.ª, cumpriu com as obrigações a que se comprometeu perante o exequente até ao facto narrado no artigo seguinte.
XXXI– Em 2016 março 18, a “Q., Lda.” – cabeçalho daquele documento junto como n.º 2 ao “requerimento executivo” – foi declarada insolvente no âmbito do processo que corre termos sob o n.° 3490/16.6T8LSB, pela Inst. Central – 2.ª Sec. Comércio – J1, do tribunal da comarca de Lisboa – barreiro, conforme documento que se junta como n.º 1 e aqui se dá por integralmente reproduzido.
XXXII– A insolvência da “Q., Lda.”, regula a dívida garantida por aquela “escritura pública de hipoteca” em termos diversos do originário “empréstimo de 149.000 €” e com base no qual foi emitido aquele título executivo.
XXXIII– Tal constitui causa superveniente que torna inexigível o título executivo.
XXXIV– O(s) dono(s) da fração hipotecada pode(m) opor ao Exequente a modificação da obrigação garantida decorrente da insolvência, nos termos previstos no código de insolvência e recuperação de empresas, conquanto não possa(m) ser considerado(s) quer sujeito da relação subjacente quer parte naquela insolvência.
XXXV– A dívida exequenda encontra-se regularizada no âmbito daquela insolvência, não podendo ser exigida de forma diversa ao executado B., até porque pode, em rigor, o exequente Banco BPI, S.A., ser pago do seu crédito.
Mais
XXXVI– A exequente B.P.I., S.A., exerceu um direito contra o Executado B. e outros, tendo em vista o seu crédito reclamado, verificado e graduado na insolvência antes referida.
XXXVII– Sendo aquele direito abusivo.
XXXVIII– Estamos perante uma situação que poderá ser equacionada, à luz das regras da boa-fé.
XXXIX– Tal traduz-se num abuso de direito.
XL– A “sentença” recorrida viola o disposto no artigo 334.º, do Código Civil.
Sem prescindir
XLI– O pagamento dos valores exigidos pelo exequente não foi exigido ao devedor “Q., Lda.”.
XLII– O executado B. está na execução por ter constituído hipoteca com outros.
Pelo que
XLIII– Não pode existir a perda do benefício do prazo de pagamento, quando tal não seja declarado expressamente.
XLIV– Para que o B. possa responder na execução, tem de ser interpelado o devedor “Q., Lda.”, o que exequente Banco BPI, S.A., não fez.
Assim
XLV– Não é exigível o pagamento pelo executado B..
Também
XLVI– Aos fiadores e aos terceiros que tenham constituído uma hipoteca não é extensiva a perda do benefício do prazo, face ao disposto no artigo 782.º, do Código Civil.
Donde resulta que
XLVII– Não pode a “hipoteca” – em “3” da narração do “requerimento executivo” - dada à execução, garantir as responsabilidades pedidas e liquidadas pelo Banco BPI, S.A., por estas serem inexigíveis.
Sem prescindir
XLVIII– O Exequente Banco BPI, S.A., não rescindiu o contrato.
e
XLIX– Não dirigiu à Q., Ld.ª nem ao(s) executado(s) qualquer comunicação a resolver o contrato.
L– A dívida não está vencida e consequentemente, não é exigível.
Sem prescindir
LI– O exequente Banco BPI, S.A., alega e está a pedir “– Capital: € 105.160,98 - juros remuneratórios à taxa de 5,5% acrescida de 3% de mora a título de cláusula penal, calculados desde a data de resolução do contrato (18.03.2016) até à presente data (07.11.2016): €6.529,70 - imposto do selo : € 261,19”, em “9.”, do “requerimento executivo”.
LII– O credor não pode rescindir ou resolver o contrato e exigir aquele “– capital”, “juros remuneratórios” e “imposto do selo” decorrentes dele.
LIII– tal é inexigível.

Pede assim que seja o recurso julgado por procedente e em consequência:
- Anular-se a sentença recorrida e todos os atos subsequentes, por a “fundamentação da decisão de facto” não especificar os meios de prova que foram decisivos para a formação da convicção da Exm.ª Senhora Juíza, o que não satisfaz a exigência legal estabelecida no artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.
No caso de assim não se entender
-Declarar-se a nulidade da “ sentença “ por omissão de pronúncia, com as legais consequências.
Sem prescindir
- Eliminar-se da matéria de facto provada o ponto “4.”.
- Aditar-se à matéria de facto provada os factos constantes da conclusão “VIII”, desta peça forense revogando-se a sentença recorrida
- Sendo o documento (“escritura”) apresentado à execução ser julgado não constitutivo de “título executivo” e, em consequência, deve a execução ser julgada extinta, por falta de título (artigos 10.º, n.º 5, 703.º e 707.º, do Código de Processo Civil).
Mais
- Declarando-se a inexequibilidade do título executivo, por virtude da invalidade formal do “empréstimo de 149.000,00€”, o que obsta ao prosseguimento da execução.
Sem prescindir
- Declarando-se a inexequibilidade do título executivo, por o exequente não demonstrar que foi formalizada qualquer “garantia” nem entregue “declaração da Segurança Social nos termos da legislação em vigor”, o que obsta ao prosseguimento da execução.
Sem prescindir
- Declarando-se a inexequibilidade do título executivo, por virtude da falta de apresentação pelo Exequente da prova complementar do “empréstimo” a que alude o Artigo 707.º, do Código de Processo Civil, o que obsta ao prosseguimento da execução.
Sem prescindir
- Declarando-se a inexigibilidade do título executivo, por a insolvência da “Q., Lda.”, regular a dívida garantida pela “escritura pública de hipoteca”, o que obsta ao prosseguimento da execução.
Sem prescindir
- Declarando-se que não é exigível o pagamento das dívidas pedidas e liquidadas pelo Banco BPI, S.A. e em consequência, absolvendo-se o Executado B. do pedido executivo.
Sem prescindir
- Declarando-se a inexigibilidade do título executivo, por a dívida não estar vencida, o que obsta ao prosseguimento da execução.
Sem prescindir
- Declarando-se a inexigibilidade do título executivo, por o contrato estar rescindido e/ou resolvido, o que obsta ao prosseguimento da execução.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Tribunal a quo veio a pronunciar-se sobre as arguidas nulidades da sentença nos seguintes termos:
«O Recorrente veio arguir, em sede de recurso, a nulidade da sentença proferida nos autos, por falta de especificação dos meios de prova e omissão de pronúncia.
«Ora, compulsada a sentença, verifica-se que foram elencados, devidamente, os meios de prova tidos em conta pelo Tribunal, referindo-se expressamente que os factos resultaram do acordo das partes e dos documentos juntos aos autos e não impugnados.
«Por outro lado, o Tribunal pronunciou-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes, nomeadamente sobre a falta de vencimento da dívida.
«Como tal, entende-se que não se verifica qualquer das nulidades invocadas pelo recorrente, mantendo-se a sentença nos seus exatos termos.»
*

II–QUESTÕES A DECIDIR

Nos termos dos Art.s 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. Art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Vide: Abrantes Geraldes, Ob. Loc. Cit., pág. 107).

Assim, em termos sucintos as questões essenciais a decidir são:
a)- A nulidade da sentença;
b)- A impugnação da matéria de facto;
c)- A falta de título executivo e da sua exequibilidade; e
d)- A inexigibilidade da obrigação exequenda.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.


III–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença sob recurso julgou por provada a seguinte factualidade:
1.– O exequente, a sociedade Q., Limitada e os executados assinaram o escrito junto ao requerimento executivo como documento 1 (tendo sido junta cópia melhor legível de tal documento e onde consta a assinatura e carimbo da referida sociedade), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, datado 17.12.2013, nos termos do qual consta “Assunto: Empréstimo de 149.000,00 €” e onde o exequente declara que “Na sequência de conversações havidas, vimos comunicar que vamos conceder-lhe o empréstimo supra nas seguintes condições: (…)”.
2.– Em 06.01.2014, os executados outorgaram Escritura de Hipoteca a favor da exequente da fração autónoma designada pela letra "A" do prédio descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o número 1769, “(…) em garantia do integral e tempestivo cumprimento de todas as obrigações da sociedade Q., Limitada, emergem do referido contrato de empréstimo (…)”
3.– A referida hipoteca encontra-se registada a favor do Exequente, pela inscrição AP. 925 de 2014/01/06.
4.– Por cartas registadas com aviso de receção, datadas de 13.09.2015, enviadas e recebidas pelos executados, o exequente interpelou os executados para o pagamento da quantia de €108.766,21 e comunicou-lhes que “(…) tendo-se verificado a Declaração de Insolvência da empresa Q., Lda. em 18.03.2016, e não tendo sido pagas a este banco a que aquela se obrigou decorrentes do empréstimo concedido, por contrato datado de 17.12.2013 e posterior aditamento / alteração, informamos que procedemos ao preenchimento da livrança caução (…)”.
4.– (repetido) A sociedade Q., Limitada foi declarada insolvente por sentença de 18.03.2016.
*

Tudo visto, cumpre apreciar.


IV–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Delimitado o objeto do recurso e fixadas as questões a apreciar, iremos então debruçar-nos sobre elas pela ordem de precedência lógica, começando inevitavelmente pelas nulidades imputadas à sentença recorrida.

1.–Das nulidades da sentença.

O Recorrente invoca duas situações distintas que, no seu entender, determinariam a verificação de nulidades da sentença. Por um lado, a sentença seria nula por não ter especificado os fundamentos que estiveram subjacentes à fundamentação da decisão de facto, em violação ao disposto nos Art.s 154.º n.º 1, 607.º n.º 4 do C.P.C. e Art. 205.º da Constituição. Por outro lado, a sentença seria nula por não se ter pronunciado sobre a questão da inexigibilidade, tal como invocada nos artigos 69.º a 72.º da petição de embargos, em violação do disposto nos Art.s 615.º n.º 1 al. d) e 608.º n.º 2 do C.P.C..

Comecemos pela primeira das situações invocadas:

1.1- Da nulidade por falta de especificação dos fundamentos.
Releva a Recorrente que na fundamentação da decisão de facto da sentença recorrida reza o seguinte: «A factualidade assente decorreu do acordo das partes, tendo ainda presente os documentos juntos e a sua não impugnação».

Entende a Recorrente que esta fundamentação viola do disposto no Art. 607.º n.º 4 do C.P.C., que obriga o juiz a declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção. Tal como viola ainda o Art. 154.º n.º 1 do C.P.C. e o Art. 205.º da Constituição, pois não permite aos interessados compreender o decidido e sindicar a decisão para efeitos da sua impugnação via recurso. Desde logo, porque não são especificadas as razões determinantes da decisão, nem os concretos meios de prova decisivos para a formação da sua convicção, dificultando o recorrente de cumprir os ónus de alegação estabelecidos no Art. 640.º do C.P.C., o que se traduz em omissão que tem manifesta influência no exame e decisão da causa, quer para efeitos de impugnação, quer do seu julgamento, com relevância nos termos do Art. 195.º do C.P.C., justificando-se por isso a anulação da sentença recorrida.

Como vimos o Tribunal a quo limitou-se a sustentar que não se verifica a nulidade invocada (cfr. fls 134).

Embora o Recorrente não faça esse enquadramento jurídico-processual, a situação alegada poderia em abstrato integrar a previsão da parte final da al. c) do n.º 1 do Art. 615.º do C.P.C., que estabelece a nulidade da sentença quando «ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível».

Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, pág. 151) esclarecia a este respeito que: «A sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido é ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é suscetível de duas interpretações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz.»

Assim, a decisão judicial é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 7/6/1994, Relator: Cardoso Albuquerque, in BMJ nº 438, pág. 569). A ininteligibilidade da decisão não se reporta ao conteúdo ou mérito, mas à exteriorização formal do discurso “quo tale”, perfilando-se, nesta perspetiva, situações de ambiguidade expositiva, de obscuridade, de excessivo gongorismo impeditivo da univocidade ou, no limite, de meros lapsos de escrita (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/9/2006, Relator: Sebastião Póvoas, acessível em www.dgsi.pt/jstj).

Diremos que a ambiguidade se reporta a situações em que a decisão acolhe mais do que um sentido e a obscuridade traduz a dificuldade de compreensão do sentido da decisão, porque oferece dúvidas e admite várias interpretações.

Essas situações não se traduzem em vícios da tramitação do processado, tal como reguladas no Art. 195.º do C.P.C., mas sim em vícios do próprio ato decisório, em si mesmo considerado.

Efetivamente, o Art. 154.º n.º 1 do C.P.C. obriga a que as decisões proferidas sobre qualquer pedido ou sobre situações que suscitem dúvidas no processo sejam sempre fundamentadas, sendo particularmente relevante a decisão que incida sobre a matéria de facto, atento ao disposto no Art. 607.º n.º 4 do C.P.C. e à necessária sindicabilidade dessa decisão perante os tribunais superiores, considerando os ónus de impugnação impostos às partes nos termos do Art. 640.º do C.P.C..

Ora, no caso dos autos, o Tribunal deu por provados 5 factos:
- O primeiro reporta-se ao documento n.º 1 junto com o requerimento executivo datado de 17/12/2013, identificando-o exatamente desse modo e pelos seu dizeres iniciais;
- O segundo reporta-se à escritura de hipoteca de 6/1/2014 (não se identifica o documento, mas percebe-se do contexto do processo que se reporta ao documento n.º 2 junto com o requerimento executivo);
- O terceiro reporta-se ao ato do registo da hipoteca a favor do exequente (uma vez mais não se identifica o documento, mas percebe-se do contexto do processo que se reporta ao documento n.º 3 junto com o requerimento executivo);
-  O quarto reporta-se a cartas registadas com aviso de receção, datadas de 13/9/2015, enviadas e recebidas pelos executados e interpelar para o pagamento e a comunicar a insolvência da “Quadricor, Lda.” (também não se identificam os documentos, mas percebe-se no contexto do processo que se reportam aos documentos n.º 4, 5, 6, 7 e 8 juntos com o requerimento executivo); e
- O quinto reporta-se à insolvência da sociedade “Q, Lda.”, por sentença de 18/3/2016 (também não se identificam os documentos, mas uma cópia dessa sentença foi junta como documento n.º 1 pelo embargante, ora Recorrente - cfr. doc. de fls 17 verso a fls 19 verso).

Ou seja, apesar de merecer veemente censura as omissões verificadas na fundamentação de facto, correspondendo o consignado na sentença a uma deficiente técnica de exposição da convicção a que o Tribunal Recorrido chegou, não podermos dizer que a decisão seja totalmente ininteligível e ofereça ambiguidades tais que não permitam ao Recorrente impugnar a decisão sobre a matéria de facto.

O Tribunal a quo refere na “fundamentação da decisão de facto” que os factos foram admitidos por acordo das partes e tiveram por base os documentos juntos, que não foram impugnados. É certo que não identificou esses documentos, mas percebe-se do contexto do processo, e do teor dos factos provados, que relevou apenas os 8 documentos que foram juntos com o requerimento inicial executivo. Nessa medida, o Recorrente, que foi devidamente citado para os termos da ação executiva e, portanto, também do teor dessa prova documental, estava em perfeitas condições para perceber, como nós, quais os documentos relevados, permitindo-lhe pôr em causa os dois fundamentos que constam da sentença como estando na base da convecção do Tribunal: o “acordo das partes” e os “documentos não impugnados”.

O Recorrente também pretende pôr em evidência que a sentença dá por reproduzidos documentos sem transcrever as declarações relevantes desses mesmos documentos, o que não permite percecionar a matéria de facto significante para uma tomada de decisão de direito.

Mais uma vez, reconhecemos que estamos perante um erro técnico que não é absolutamente decisivo para determinar a declaração de nulidade da sentença.

Efetivamente, não se deveria apenas dar como reproduzidos determinados documentos, sem deles transcrever as declarações mais relevantes para o julgamento caso, pois desse modo não se consegue percecionar de forma imediata o conteúdo do dado por provado e, no final, tal pode também dificultar a apreciação do sentido da decisão judicial. No entanto, esse vício pode ser suprível, nos termos do Art. 662.º n.º 1 do C.P.C., nomeadamente quando estejam em causa documentos (alegadamente) não impugnados. Aliás, o Recorrente encarregou-se de impugnar a matéria de facto provada e, portanto, será nesse contexto que iremos a apreciar da necessidade de alteração dos factos provados.

Em face do exposto, julgamos que não se verifica a nulidade da sentença em causa, improcedendo nessa parte as conclusões apresentadas em sentido contrário.


1.2–Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

O Recorrente veio também por em causa a validade da sentença por esta não se ter pronunciado sobre a questão da inexigibilidade da obrigação exequenda, tal como por si suscitadas nos artigos 69.º a 72.º da oposição à execução por embargos de executado, o que constituiria uma violação da al. d) do n.º 1 do Art. 615.º do C.P.C. e um incumprimento do dever prescrito no n.º 2 do Art. 608.º do mesmo diploma legal.

Nos termos do Art. 615º n.º 1 al. d) do C.P.C. a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

Esta nulidade está relacionada com o disposto no Art. 608º n.º 2 do C.P.C., segundo o qual: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.»

Neste contexto, há que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes. Conforme já ensinava Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, pág. 143): «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.» Ou seja, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões/pretensões formuladas de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado (Cfr. Acórdãos do S.T.J. de 7/7/1994, Relator: Miranda Gusmão, BMJ n.º 439, pág. 526 e de 22/6/1999, relator: Ferreira Ramos, in C.J. 1999 – tomo II, pág. 161, da Relação de Lisboa de 10/2/2004, Relatora: Ana Grácio, in C.J. 2004 – tomo I, pág. 105, de 4/10/2007, Relatora: Fernanda Isabel Pereira, de 6/3/2012, Relatora: Ana Resende, Proc. n.º 6509/05, acessíveis em www.dgsi.pt/jtrl).

Esta nulidade só ocorre quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir pedido e exceções e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das “razões” ou dos “argumentos” invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas (cfr. Ac.s do S.T.J. 21/12/2005, Relator: Pereira da Silva, de 20/11/2014, Relator: Álvaro Rodrigues, Proc. n.º 810/04). 

O conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição direta sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui (cfr. Ac. do S.T.J. de 8/3/2001, Relator: Ferreira Ramos, acessível em www.dgsi.jstj/pt). Não ocorre nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando nela não se conhece de questão cuja decisão se mostra prejudicada pela solução dada anteriormente a outra (cfr. Ac. do S.T.J. de 3/10/2002, Relator: Araújo de Barros, acessível em www.dgsi.pt/jstj.).

A não concordância da parte com a subsunção dos factos às normas jurídicas e/ou com a decisão sobre a matéria de facto de modo algum configuram causa de nulidade da sentença (cfr. Ac. do T.R.L. de 17/5/2012, Relator: Gilberto Jorge, Proc. n.º 91/09).

Feitas estas considerações gerais, vejamos a sua pertinência no caso concreto.

De facto, nos artigos 69.º a 72.º da oposição à execução o embargante vem invocar não ser exigível o pagamento de capital, juros remuneratórios e imposto de selo, quando há rescisão ou resolução do contrato.

A sentença recorrida não se debruçou diretamente sobre esta matéria, mas temos de realçar que a mesma tinha sido suscitada na petição de embargos no pressuposto de que o pedido de pagamento do capital, juros remuneratórios e imposto de selo, tal como formulado no requerimento inicial executivo, fundava-se numa alegada rescisão ou resolução do contrato. Sucede que o exequente não sustentou o seu pedido de pagamento nesse pressuposto e, efetivamente, não houve nenhuma resolução ou rescisão do contrato de mútuo. O que houve foi a declaração de insolvência da sociedade mutuária, a qual implica, nos termos do Art. 780.º n.º 1 do C.C., que o credor possa exigir o imediato cumprimento integral do contrato e, nos termos do Art. 91.º do C.I.R.E., tal determina igualmente o vencimento de todas as obrigações do insolvente, com a consequente perda de benefício de prazo.

A sentença teve isso expressamente em consideração da discussão jurídica da causa (cfr. fls 71 a 75) quando se pronunciou sobre a falta de vencimento da obrigação e não verificação da perda de benefício de prazo e quais as consequências da modificação da obrigação em função da declaração de insolvência da devedora principal no que concerne ao embargante. Pelo que, deve considerar-se que a apreciação destas questões prejudicou a apreciação daquela que o Recorrente entende não ter sido objeto de conhecimento, pois o que estaria em causa era o vencimento imediato de todas as obrigações motivada pela insolvência do devedor principal.

O Recorrente pode não concordar com semelhante entendimento, mas essa discordância relevará apenas para efeitos de eventual reconhecimento de que existe um “erro de julgamento” e não como nulidade da sentença. Pelo que, improcedem as conclusões que sustentam posição diversa da exposta, não podendo igualmente proceder os pedidos de anulação ou nulidade da decisão recorrida.


2.–Da impugnação da matéria de facto.
(…)

2.4-Condensação das alterações à matéria de facto.

Em face do exposto, a impugnação da matéria de facto procede parcialmente, configurando-se as alterações introduzidas na seguinte versão final:

1.– O exequente, a sociedade Q., Limitada e os executados assinaram o escrito junto ao requerimento executivo como documento 1 (onde consta a assinatura e carimbo da referida sociedade), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, datado 17.12.2013, nos termos do qual consta “Assunto: Empréstimo de 149.000,00 €” e onde o exequente declara que «Na sequência de conversações havidas, vimos comunicar que vamos conceder-lhe o empréstimo supra nas seguintes condições: (…)», daí se destacando em particular as cláusulas com o seguinte teor:
«1.– Prazo: 72 meses a contarem da data da abertura do crédito»
«2.– Utilização: O empréstimo será utilizado de uma só vez através da utilização da vossa conta de depósitos à ordem n.º (…)
«3.– Finalidade: Para liquidação e encerramento da CCC n.º (…).
«4.– Juros e outros encargos.
«4.1- O empréstimo vencerá juros calculados dia a dia sobre o capital em dívida, à taxa Euribor a 3 meses, arredondado à milésima (…)
«5.– Reembolso.
«5.1- Em 69 prestações mensais e sucessivas de capital e juros a fixar tendo em conta a taxa mencionada em 4.1, com início 4 meses pós a data de concessão do empréstimo (…)
«6.–Garantias:
«6.1.- Aval de B. (…), Célia ... (…) e Paulo ... (…) que será oposto em livrança em branco subscrita por V.Exs(a) a nosso favor e acompanhada de carta nos termos usuais nesta Banco.
«6.2.- Hipoteca sobre a fração autónoma (...).
«7.– Incumprimento:
«7.1.- No caso de incumprimento por parte de V. Exa. (s), de qualquer obrigação pecuniária ou de outra natureza, poderá o Banco rescindir o presente contrato, considerando vencido e exigível todo o seu crédito.
«7.2.- O não cumprimento por parte de V. Exa. (s) de outros obrigação, seja qual for a forma que a mesma revista, contraída junto deste Banco ou de qualquer outra entidade que integre o Grupo BPI, confere igualmente ao Banco o direito de rescindir o presente contrato, e considerar vencido e exigível todo o seu crédito.
«7.3.- Verificando-se qualquer situação indiciadora de que V. Exa. (s) se encontra (m), ou virá (ão) a encontrar-se, a curto prazo, na impossibilidade de incumprir pontualmente as suas obrigações, seja para como o Banco, seja para com qualquer um dos seus credores, poderá o Banco por simples comunicação dirigida a V. Exa. (s), resolver o contrato.

Entre outras são tidas como situações indiciadoras da impossibilidade de cumprir:
«a)- pendência, a requerimento de V. Exa. (s) ou de terceiro, de processo especial de recuperação de empresa e de falência ou de procedimento da mesma natureza;
«b)- verificação de qualquer facto que, nos termos da lei, seja revelador da situação de insolvência de V. Exa. (s);
(…).
«Procederemos à concessão do empréstimo logo que V. Exº.(s) nos dê(em) o acordo às estipulações acima indicadas, formalize(m) a(s) garantia(s) e nos entregue(m) declaração da Segurança Social nos termos da legislação em vigor».
2.– Em 06.01.2014, os executados outorgaram Escritura de Hipoteca a favor da exequente da fração autónoma designada pela letra "A" do prédio descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o número 1769, “(…) em garantia do integral e tempestivo cumprimento de todas as obrigações da sociedade Q., Limitada, emergem do referido contrato de empréstimo (…)”
«2-A. Nos termos dessa Escritura de Hipoteca, datada de 6 de janeiro de 2014, junta como documento n.º 2 com o requerimento executivo, ficou aí consignado na cláusula “E” que:
«E1.- Que nesta data o Banco acordou com a sociedade “Q., Limitada” (…) um contrato de empréstimo sob a forma de escrito particular até ao montante de 149.000,00 Euros, sendo donos e legítimos possuidores da fração hipotecada.
«- Que em garantia do integral e tempestivo cumprimento de todas as obrigações que para a sociedade Q., Limitada, emergem do referido contrato de empréstimo, os primeiros intervenientes constituem a favor do Banco hipoteca sobre a identificada fração.»
3.–A referida hipoteca encontra-se registada a favor do Exequente, pela inscrição AP. 925 de 2014/01/06.
4.–Por cartas registadas com aviso de receção, datadas de 13.09.2016, enviadas e recebidas pelos executados, o exequente interpelou os executados para o pagamento da quantia de €108.766,21 e comunicou-lhes que “(…) tendo-se verificado a Declaração de Insolvência da empresa Q., Lda. em 18.03.2016, e não tendo sido pagas a este banco a que aquela se obrigou decorrentes do empréstimo concedido, por contrato datado de 17.12.2013 e posterior aditamento / alteração, informamos que procedemos ao preenchimento da livrança caução (…)”.
5.–Por sentença de 18 de março de 2016, transitada em julgado a 11 de abril de 2016, a “ Q., Lda.” foi declarada insolvente no âmbito do processo que corre termos sob o n.° 3490/16.6T8LSB, na Instância Central – 2.ª Sec. Comércio – J1, do Tribunal da Comarca de Lisboa – Barreiro (cfr. doc. de fls 141 e 153 a 157 do apenso “A”).
6.–O Exequente, Banco BPI, S. A., foi citado como um dos 5 maiores credores, para reclamar o seu crédito naquela insolvência (cfr. doc. de fls 143 a 152 do apenso “A”).
7.–O Exequente Banco BPI, S. A., constituiu Mandatário Judicial naquela insolvência (cfr. doc. a fls 144 a 149 do apenso “A”).
8.–O Exequente Banco BPI, S. A., reclamou o crédito naquela insolvência pelo valor total de €105.353,78, constando da relação de créditos reconhecidos, entregue nos autos pela administradora de insolvência ao abrigo do Art. 129.º do C.I.R.E., tendo o mesmo sido verificado e graduado como crédito comum, por sentença proferida a 12 de dezembro de 2016, no processo n.º 3490/16.6T8LSB-A da Instância Central, 2.ª Secção de Comércio, J1, do Tribunal de Comarca de Lisboa- Barreiro, a qual transitou em julgado a 2 de janeiro de 2017, não constando desses autos que o exequente BPI, S.A. tenha recebido qualquer importância de pagamento pela quantia em dívida (cfr. doc. de fls 141 e 158 a 180).


3.– Da falta de título executivo e a sua inexequibilidade.

Resolvidas as questões prévias, cumpre então agora debruçar-nos sobre o mérito dos embargos de executado, tendo em atenção o sentido da sentença recorrida e as conclusões de recurso apresentadas pelo apelante.

O embargante sustentou na petição de embargos que a escritura pública de hipoteca junta com o requerimento executivo não constituiria título executivo, nos termos do Art. 703.º n.º 1 al. b) do C.P.C., porque nela não se reconhece a existência de qualquer obrigação anteriormente constituída. Por outro lado, nos termos do Art. 707.º do C.P.C., nessa escritura também não se convencionaram prestações futuras, nem se constituem obrigações futuras.

O exequente, por seu turno, relembrou na sua contestação que para além da escritura de hipoteca, foi celebrado um contrato de empréstimo e foi subscrita uma livrança, assinada igualmente pelo embargante, a qual foi preenchida em conformidade com o contrato de empréstimo no qual se reconhecia a constituição duma dívida.

A sentença recorrida afinou pelo diapasão de que o título executivo é uma escritura pública de hipoteca, nos termos da qual o embargante e demais executados, declaram dar de hipoteca a favor do exequente um imóvel para garantia do integral cumprimento das obrigações assumidas pela sociedade “Q., Lda.” emergentes de contrato de empréstimo no valor de €149.000,00. Pelo que, existiria título executivo, nos termos do Art. 703.º n.º 1 al. b) do C.P.C. (e não al. a) como por lapso conta da sentença - cfr. fls 69).

Nas alegações de recurso o mesmo argumentário expedido na petição de embargos é repetido uma vez mais.
Apreciando, verificamos que, apesar de ter sido alegado que os executados também subscreveram uma livrança, o título executivo é identificado do seguinte modo no formulário do Requerimento executivo preenchido pelo exequente e entregue em juízo:
«Finalidade da Execução: Pagamento de Quantia Certa - Dívida comercial [Execuções]
«Título Executivo: Escritura
«Factos:
«1.– O Exequente é uma Instituição de Crédito que tem por objeto a prática das mais diversas operações relativas ao comércio bancário.
«2.– No âmbito da sua atividade, o Exequente celebrou, em 17.12.2013, com sociedade Q., Limitada, um contrato de empréstimo, sob a forma de escrito particular, até ao montante de €149.000,00 (cento e quarenta e nove mil euros), conforme Doc.1 que ora se junta e se considera integralmente reproduzido.
«3.– Para garantia do bem e integral cumprimento das responsabilidades assumidas no âmbito do descrito contrato de empréstimo, os Executados Célia ......, B....., Paula Cristina ...... e Paulo ...... constituíram, através da outorga da Escritura Pública de Hipoteca, em 06.01.2014, de fls 1 a fls 9, na 2ª Conservatória do Registo Predial de Almada, através de procedimento "Casa Pronta" ao qual foi atribuído o número de processo 358/2014, Hipoteca a favor do Exequente sobre o seguinte imóvel: (…)»

Neste contexto foram juntos pelo exequente 2 documentos: Por um lado, o documento n.º 1, que corresponde a uma carta datada de dezembro de 2013, com todas as condições de empréstimo que o Banco se propunha conceder à “Quadricor, Lda.”, no final da qual consta ainda uma declaração de aceitação, assinada pela mesma sociedade e por todos os demais executados, após a expressão: «concorda-se com os termos e conteúdo da presente carta»; Por outro, o documento n.º 2, que é uma escritura de constituição de hipoteca sobre imóvel a favor do mesmo banco, igualmente subscrita pelos mesmos executados, e que se destinaria a cumprir uma das condições de concessão do crédito estipuladas pelo exequente, com vista a garantir a possibilidade de incumprimento das obrigações assumidas pela sociedade devedora, na carta a que se reporta o documento n.º 1.

Dito isto, como é evidente, dos termos desta última escritura não consta qualquer declaração que seja sequer equiparável à celebração de um contrato de empréstimo, porque pura e simplesmente não é esse o objeto do acordo assim formalizado. Dessa escritura constam apenas declarações negociais típicas da constituição duma garantia real relativa a um crédito acordado anteriormente. Mais concretamente: o crédito a que se reporta o contrato formalizado em dezembro de 2013 pelo documento n.º 1 junto com o requerimento executivo.

Em 6 de janeiro de 2014, os executados limitaram-se a outorgar uma “Escritura de Hipoteca” para garantir o «integral e tempestivo cumprimento de todas as obrigações da sociedade Q., Limitada [emergentes] do referido contrato de empréstimo» (sic). Ou seja, daquele contrato que é mencionado na cláusula “E1”, nos seguintes termos: «E1. Que nesta data o Banco acordou com a sociedade “Q., Limitada” (…) um contrato de empréstimo sob a forma de escrito particular até ao montante de 149.000,00 Euros (…)».

O empréstimo não foi assim celebrado por escritura pública (de hipoteca), mas por escrito particular constante da carta datada de 17 de dezembro de 2013, que mereceu a declaração de aceitação pelos executados nos termos já mencionados.

Os executados não se declaram devedores de qualquer quantia perante o banco exequente nos termos estritos da escritura de constituição da hipoteca junta como documento n.º 2 com o requerimento executivo. Limitaram-se, como referido, a constituir uma garantia real para o caso de haver incumprimento das obrigações que poderiam emergir para a sociedade “Q., Limitada” no contrato que foi formalizado por escrito particular, junto como documento n.º 1 ao mesmo requerimento executivo.

Ora, nos termos do Art. 703.º n.º 1 al. b) do C.P.C. a execução pode ter por base documentos exarados ou autenticados por notário, desde que neles se importe a “constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação”. Só que a mera constituição duma garantia real para o caso de incumprimento do devedor principal não constitui uma declaração de dívida ou o reconhecimento da obrigação de cumprimento.

Como foi decidido, e bem, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7/12/2000 (Relator: Malheiro Ferraz – disponível em www.dgsi.pt), ainda que no quadro do Código de Processo Civil anterior: «As escrituras públicas de constituição de hipoteca por terceiro para garantir o pagamento das quantias pelo devedor, só são títulos executivos, nos termos do Art. 50 do Cód. Proc. Civil, se das mesmas ou do outro instrumento constar o montante e a exigibilidade da dívida que garantem.
De outro modo, são apenas meros instrumentos de garantia de uma dívida cuja existência terá de ser comprovada por outro título que revista as características exigidas no Art. 46º al. c) do mesmo Código.»


Pelas razões já expostas, o título executivo não pode ser encontrado diretamente na escritura de hipoteca, tal como o exequente pretendeu fazer ao preencher o formulário do requerimento inicial executivo.

Poderia ainda assim dizer-se que a obrigação pecuniária exequenda pode ser encontrada no contrato constante do escrito particular junto como documento n.º 1 com o requerimento executivo. No entanto, ainda que assim pudesse ser, desde que entrou em vigor a Lei n.º 43/2013 de 26/6, que aprovou o Novo Código de Processo Civil, os documentos particulares, assinados pelos devedores, que importem na constituição de obrigações pecuniárias, deixaram de poder servir de título executivo, ao contrário do que até então resultava do Art. 46.º n.º 1 al. c) do C.P.C. com a redação do Dec.Lei n.º 38/2003 de 8/3.

Atualmente, ressalvados os títulos de crédito, ou outros documentos a que, por disposição legal, se reconheça força executiva (Art. 703.º n.º 1 al.s c) e d) do C.P.C.), os documentos particulares não podem servir de título executivo, sendo que não pode haver execução sem título a que a lei reconheça força executiva bastante (Art. 10.º n.º 5 e 703.º n.º 1 do C.P.C.).

Ora, o Novo Código de Processo Civil já estava em vigor quando foi celebrado o acordo formalizado por escrito particular que constitui o “contrato de empréstimo” convencionado entre as partes, não podendo este servir, portanto, de título executivo na presente ação.

Em todo o caso – após nossa solicitação, pelo despacho de 4/9/2019 de fls 184 apenso B –, resulta ainda dos autos que o mesmo exequente terá instaurado uma outra ação executiva contra os mesmos devedores aí identificando como título executivo uma livrança (cfr. doc. de fls 190 a 383 do apenso B).

Nesse outro processo, que corre termos perante o Juiz 1 do Juízo de Execução de Almada, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, sob o n.º 9144/16.6T8ALM, consta um requerimento executivo onde se pode ler o seguinte:
«Finalidade da execução: pagamento de quantia certa – Letras, Livranças e cheques (execuções)
«Título executivo: Livrança
«Factos:
«Livrança subscrita pelo montante de €106.441,53 (cento e seis mil quatrocentos e quarenta e um euros e cinquenta e três cêntimos), vencida e não paga, acrescida de juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento, assim como despesas e honorários do Agente de Execução». (cfr. doc. a fls 197 a 199 do apenso B).
A livrança a que se refere esse outro requerimento executivo consta por cópia a fls 200 e 201, resultando desse documento que tem o valor de “€106.441,53”, tem data de emissão de “6/1/2014”, vencimento de “2016/03/18”, destina-se a “garantia de contrato de empréstimo” e está assinada por “NR”, na qualidade de gerente da “Q, Lda.”, no lugar destinado à assinatura do subscritor, dela constando a declaração: «no seu vencimento pagarei(emos) por esta via de livrança ao Banco BPI, S.A., ou à sua ordem a quantia de cento e seis mil, quatrocentos e quarenta e um euros e cinquenta e três cêntimos». Do verso constam outras assinaturas, incluindo a do embargante, por baixo da expressão manuscrita «bom por aval à empresa subscritora».

É inquestionável que, nos termos do Art. 703.º n.º 1 al. c) do C.P.C., a execução pode ter por base «títulos de crédito» e, uma livrança, como a apresentada naquela execução, será, sem dúvida nenhuma, um título de crédito, nos termos dos Art.s 75.º a 77.º da L.U.L.L.. Mas, esse título de crédito não pode ser invocado pelo exequente na execução principal aos presentes embargos, que corre termos com o n.º 9145/16.4T8ALM.

Acresce ainda que, do assim exposto, só poderemos constatar que a outra execução, que corre termos sob o n.º 9144/16.6T8ALM (cfr. doc. de fls 190 a 387 do apenso B), tem por objeto o pagamento da mesma quantia exequenda do processo n.º 9145/16, sendo que as partes são exatamente as mesmas, pelo que existe uma situação de “litispendência atípica” que não foi alegada.

Neste momento existem duas execuções movidas pelo mesmo exequente, contra os mesmos devedores, relativas ao crédito emergente do mesmo contrato de empréstimo, só que no processo n.º 9144/16.6T8ALM figura como título executivo uma “livrança”, que havia sido entregue ao banco para titulação do crédito emergente do contrato de empréstimo, enquanto que no processo de execução principal a que se referem os presentes embargos (Proc. n.º 9145/16.4T8ALM), o título executivo é uma “escritura”, ou seja, será a “escritura de hipoteca” constituída para garantir o pagamento do crédito emergente do mesmo contrato de empréstimo.

Assim sendo, o exequente não pode invocar nos presentes autos a existência da livrança como título executivo, porque aquela faz parte da causa de pedir e do pedido da outra ação executiva que instaurou. Por outro lado, não pode invocar o contrato de empréstimo, titulado pela carta de 17/12/2013, porque esse documento particular não tem força de título executivo, nos termos do Art. 703.º do C.P.C. vigente. Finalmente, não pode invocar a escritura de hipoteca como título executivo, porque dos termos daquela apenas resulta a constituição duma garantia real sobre um crédito que tem subjacente um título que não têm força executiva, nos termos do Art. 703.º do C.P.C., pois dessa escritura não resulta a constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação por parte dos devedores.

Com o devido respeito, não podem existir duas execuções que tenham por objeto a mesma dívida exequenda e em que sejam parte, como credor-exequente e devedores-executados, exatamente as mesmas pessoas. Se o exequente pretende “executar” a garantia decorrente da constituição de hipoteca, quando o crédito já se mostra titulado por livrança, deverá pura e simplesmente, na execução instaurada com base nesse título de crédito, nomear à penhora o imóvel hipotecado, juntando a escritura de hipoteca. Não faz sentido instaurar duas execuções com o mesmo objeto, porque nesse caso haveria uma situação de litispendência (Art. 580.º e 581.º do C.P.C.).

A exceção de litispendência é uma exceção dilatória de conhecimento oficioso (Art.s 576.º n.º 2, 577.º al. i) e 578.º d C.P.C.) que deve ser deduzida na ação proposta em segundo lugar, sendo a precedência determinada pela data da citação da parte contrária ou, caso a citação seja feita no mesmo dia, pela ordem de entrada das respetivas petições (Art. 582.º do C.P.C.).

No caso não existem elementos nos autos que nos habilitem a dizer em qualquer das ações os executados foram citados em primeiro lugar, sendo certo que, pela numeração dos processos considerados, o com o n.º 9144/16 deu formalmente entrada em juízo antes do com o n.º 9145/16.

Em qualquer caso, o que se pode constata é que, antes de mais, o processo n.º 9144/16 tem um título executivo (livrança) e o processo n.º 9145/16 (que é a execução principal relativa aos presentes embargos de executado) não tem título executivo bastante, pelas razões que acabámos de expor.

Na verdade esta “segunda” execução parece tratar-se apenas duma forma de dar materialização prática à garantia real da obrigação que está subjacente à emissão da livrança e, nessa medida, é uma execução inútil, porque esse resultado pode ser obtido no processo executivo que tem por título executivo a livrança.

Sem prejuízo, só podemos concordar com as conclusões que sustentam que no caso os embargos de executado deveriam proceder por falta de título executivo, tendo assim a sentença recorrida violado o Art. 703.º, 729.º al. a) e 731.º do C.P.C. e devendo, por isso, ser revogada.


4.–Inexigibilidade da obrigação exequenda.

Considerando que inexiste título executivo, todas as questões relacionadas com a inexigibilidade da obrigação exequenda ficam inevitavelmente prejudicadas, atento o disposto no Art. 608.º n.º 2, aqui aplicável “ex vi” Art. 663.º n.º 2, ambos do C.P.C..

Aliás, essas questões devem ser apreciadas nos embargos de executado que igualmente foram deduzidos por apenso à execução com o n.º 9144/16, onde de facto existe um título executivo contra o qual foram opostas as mesmas exceções (cfr. doc. de fls 190 a 386 do apenso B), sendo aquele o processo adequado ao julgamento definitivo dessas questões.


V–DECISÃO

Com os fundamentos expostos, acorda-se em julgar a apelação procedente por provada e, mesmo que improcedendo as apontadas causa de anulação ou nulidade da decisão recorrida, mas procedendo a impugnação da matéria de facto, nos termos constante do ponto 2 do presente acórdão, julgamos revogar a sentença na sua parte dispositiva, que assim é substituída pela decisão de julgarmos procedentes os embargos de executado, por inexistência de título executivo bastante, absolvendo, em consequência, o embargante do pedido executivo de pagamento contra si formulado com base na escritura de hipoteca.
- As custas pelo apelado (Art. 527º n.º 1 do C.P.C.).
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Lisboa, 22 de outubro de 2019


                             
(Carlos Oliveira)                             
(Diogo Ravara)                             
(Ana Rodrigues da Silva)

Decisão Texto Integral: