Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3564/05.9TVLSB.L1-2
Relator: VAZ GOMES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
RECONSTITUIÇÃO NATURAL
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/04/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Sumário: I-Resulta da lei que o princípio na indemnização é o da reconstituição natural (cfr. art.ºs 562/1 e 566/1) e que a indemnização apenas é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.
II-O fim precípuo da lei nesta matéria é, por conseguinte, o de prover à directa remoção do dano real à custa do responsável, visto ser esse o meio eficaz de garantir o interesse capital da integridade das pessoas, dos bens ou dos direitos sobre estes.
III- Não tendo a Autora logrado fazer prova de outros danos senão daqueles que se encontram provados no ponto 8 da decisão de facto, apenas desses é que a Ré está obrigada a custear a respectiva reparação a efectuar pela Autora ou a seu mando, o que ainda é reconstituição natural, dado que a Ré os não reparou apesar de para tanto solicitada e haver urgência na reparação.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na 2.ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO
APELANTE/RÉ: L..., S.A.
APELADA /AUTORA
Ambos com os sinais dos autos.
A Autora propôs contra a Ré acção declarativa de condenação com processo ordinário a que deu o valor de €37.080,00, a qual foi distribuída aos .../06/05 na ... secção da ... vara cível de Lisboa e onde pede a condenação da Ré:
a) No pagamento da quantia de € 19.780,00 aos quais acresce o IVA à taxa legal;
b) No pagamento de € 4.800,00 correspondente a seis meses de arrendamento de uma habitação igual à da Autora;
c) No pagamento de € 5.000,00 correspondente às deslocações (dos filhos e da própria) durante seis meses e mudanças de residência;
d) No pagamento de € 7.500,00 correspondente aos danos morais sofridos pela Autora e seus filhos menores;
e) No pagamento dos juros legais sobre todas as referidas quantias até ao pagamento integral das mesmas.
Em suma alegou:
· É dona da fracção autónoma designada pela letra “G” (3.º andar direito) do prédio sito na Rua ...., n.º ... em Lisboa;
· A Ré é dona da fracção autónoma designada pela letra “H” (3.º esquerdo com uma arrecadação no lado esquerdo do 4.º andar) do prédio supra mencionado;
· A Ré, sem autorização nem licenciamento para obras derrubou a parede da sua arrecadação do lado esquerdo, unindo-a com a do lado direito que é parte comum do prédio, transformando-a numa só fracção autónoma, construiu um apartamento com cozinha e casa de banho, construção essa que originou entupimento e degradação das caleiras do telhado vedando o acesso aos restantes condóminos;
· Facto que foram determinantes do aparecimento de infiltrações no 3.º andar direito que posteriormente levaram ao desabamento dos tectos da casa de banho e sala da fracção da autora;
· Por esta razão e por falta de condições de habitabilidade a Autora foi forçada a abandonar a sua fracção onde residia com os filhos menores, tendo a Autora sido obrigada a encontra uma outra habitação com encargos suplementares durante 6 meses período de duração provável da obra de reparação do seu andar;
· A Ré apesar de instada a reparar o imóvel nunca o fez; um dos accionistas da Ré em assembleia de condóminos informou que iria iniciar as obras de reparação da cobertura do prédio incluindo as da fracção da autora; no seguimento de conversações com a Sociedade Ré que se responsabilizou pela reparação da fracção foi-lhe enviado o orçamento válido por 60 dias no valor de € 19.780,00 mais IVA
A Ré citada veio contestar a acção e vários factos alegados pela Autora em suma dizendo:
· O Regulamento do condomínio do prédio atribui a utilização exclusiva do espaço ao condómino do 3.º esquerdo e a situação relativa à utilização do sótão foi dada a conhecer a todos os AA;
· As alterações efectuadas não tiveram quaisquer consequências ao nível das caleiras e o acesso pelos restantes condóminos sempre lhes esteve vedado com o acordo dos mesmos;
· Ocorreram infiltrações que afectaram o condómino do 2.º esquerdo e que a R. resolveu, tendo sido tomada idêntica atitude relativamente à A. que não aceitou e dificultou o acesso à fracção para avaliação dos danos.
· O Sr. J.... informou a R. de que iria fazer obras de reparação da cobertura e de facto fez várias as quais são da responsabilidade do ocupante do 3.º esquerdo, mas é falso que tenha referido que iria efectuar reparações de estragos no 3.º D.tº e que tenha assumido o seu pagamento.
· A R. não recebeu o documento 3 da Autora e desconhece se os trabalhos ali descritos correspondem aos danos alegadamente causados pelo sótão direito;
· A ser devido o valor pelos danos morais, o seu valor é manifestamente exagerado.
Houve Réplica da Autora onde diz que o Regulamento de 25/09/1979 não tem validade jurídica, já que a primeira reunião de condóminos apenas teve lugar em 21/04/1997 e a Autora não tem conhecimento da utilização exclusiva do lado direito da aludida arrecadação pela Ré.
Houve audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, fixados os factos assentes e elaborada a Base Instrutória. Instruídos os autos com os documentos camarários que se encontram de fls. 105/119. Procedeu-se ao julgamento com observância da forma legal e gravação dos depoimentos produzidos, tendo sido proferida decisão sobre a matéria de facto em audiência a que esteve presente apenas a mandatária da Autora que nada reclamou.
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Inconformada com a sentença de 18/11/08 que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 19.780,00 acrescida de I.V.A. à taxa legal acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento dela recorreu a Ré em cujas alegações conclui:
a) Do facto 8 resulta que as infiltrações causaram o desabamento dos tectos da casa de banho, cozinha e sala de fracção da Autora;
b) Do facto 11 resulta que a Autora enviou à Ré um orçamento no valor de € 19.780,00 depois de conversações entre a A. e a R. nas quais esta tinha dito àquela que repararia os danos;
c) Desse orçamento consta a execução dos seguintes trabalhos: Demolição dos tectos da sala, do quarto n.º 2, cozinha e casa de banho, assim como rodapés apodrecidos, janelas, tábuas do chão da sala e guarnições das paredes da sala e do quarto n.º 2; Colocação e fornecimento de cinco janelas novas, incluindo os aros das mesmas em madeira e pintados com tonta de esmalte de cor branca; Afagamento do chão do hall de entrada e sala, com reparação de tábuas apodrecidas e envernizamento com três demãos de verniz parquidur da Dyrup; pintar todo o apartamento com as demãos necessárias a tinta branca, incluindo a cozinha casa de banho 2 quartos hall e sala; pintar e reparar todas as madeiras das portas, na totalidade 26, contando com as veda luz das janelas em tinta de esmalte meio brilho, incluindo rodapés e guarnições das paredes.
d) A Mmª Juiz a quo na douta sentença recorrida tendo fixado o valor dos danos por mera remissão para o orçamento, sem cuidar de verificar os trabalhos dele constantes, acabou por condenar a R. muito para além dos danos que causou;
e) Isto é, a Ex.ma Juiz “ a quo” dá como provado que as infiltrações causaram o desabamento dos tectos da cozinha sala e casa de banho e condena a R. a reparar a casa todas à Dra. LF ora A.
f) A R. devia ter sido condenada, sim, mas na estrita medida dos danos que causou, pois não existe qualquer nexo de causalidade entre os danos dados como provados e a maior parte dos trabalhos constantes do orçamento para o qual a douta sentença remete;
g) A douta sentença recorrida violou assim os art.ºs 483, 562, 563 e 566 do CCiv, pelo que revogando-se a douta sentença se fará justiça.
Em contra-alegações conclui a Autora:
1. No apartamento da Autora (3.º andar direito da Rua ....) começaram a aparecer infiltrações, nos tectos, provenientes do andar superior;
2. Em 1998, efectivamente, desabaram os tectos do apartamento e a A. foi obrigada a mudar de casa, por não ter condições de habitabilidade;
3. Com efeito, as traves que sustentavam os tectos (trata-se de um prédio pombalino cuja estrutura assenta em madeira), apodreceram, facto determinante da impossibilidade de funcionamento da instalação eléctrica e consequente fornecimento da energia eléctrica;
4. A R. admite que houve dano, admitindo a consequente condenação na conclusão f);
5. O dever de indemnizar, tanto no campo da responsabilidade contratual, como no da extracontratual, só existe quando cumulativamente, se verifiquem os seguintes requisitos: a) a ilicitude do facto danos; b) a culpa, sob a forma de dolo ou negligência do autor do facto; c)o nexo de causalidade entre o facto e os danos sofridos pelo lesado;
6. Foi suspensa a instância, por duas vezes, para proporcionar, à Ré, a possibilidade de reparar os danos causados à Autora;
7. A Autora apresentou o orçamento para reparação do apartamento, porém, a Ré, nunca contrapôs qualquer outro orçamento a este;
8. Nem cuidou de reparar os danos causados em propriedade alheia;
9. Com efeito, todos os danos constantes do orçamento decorrem da existência de humidade e da queda de águas no apartamento que, por via destes factos está desabitado há mais de 10 anos.
10. Admitindo que a Ré deve ser condenada, admitida está a ilicitude da sua conduta bem como a culpa e a violação grave dos deveres gerais que lhe são impostos e o consequente nexo de causalidade com o dano causado á Recorrida
11. Aplicou assim, correctamente, a douta sentença recorrida as normas vertidas nos artigos 483, 562, 563 e 566 do CCiv.
Recebido o recurso, foram os autos aos vistos legais dos Meritíssimos Juízes-adjuntos os quais nada sugeriram, nada obstando ao conhecimento do mesmo.
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Questão a resolver: Tendo ficado provado que as infiltrações originadas pelas obras que a Ré realizou determinaram o aparecimento de infiltrações na fracção da Autora que posteriormente levaram ao desabamento dos tectos da casa de banho, cozinha e sala dessa fracção, vendo-se a Autora obrigada a sair dela e que no seguimento das conversações com a sociedade ré esta se responsabilizou pela reparação da fracção com envio de um orçamento de reparação, nada tendo a Ré reparada ou dito quanto ao orçamento, deve a Ré ser condenada, sema mais no valor de reparação constante desse orçamento como se decidiu na sentença ou se, pelo contrário, não se demonstrando o nexo de causalidade entre os danos causados e as reparações constantes do orçamento, não pode valer o orçamento, ocorrendo assim erro de julgamento quanto aos artigos 483, 562, 563, 566 do CCiv.

II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido deu como assentes os seguintes factos que não vêm impugnados nos termos da lei de processo civil:
1. A Autora é dona e legítima proprietária da fracção autónoma, designada pela letra “G” (3.º andar Dt.º) do prédio sito na Rua ...., em Lisboa (alínea A);
2. A Ré é dona e legítima possuidora da fracção autónoma designada pela letra “H” (3.º andar Esquerdo), com uma arrecadação no lado esquerdo do 4.º andar do prédio referido na alínea A)- (alínea b);
3. Um dos accionistas da Ré, Sr. J..., informou a assembleia de condóminos que iria iniciar as obras de reparação da cobertura do prédio bem como da reparação dos estragos no terceiro direito, tendo assumido pagamento das obras de reparação na fracção da Autora (alínea C);
4. Na primeira reunião do condomínio realizada em 21/4/1997, foi deliberado designar um administrador provisório, tendo sido nomeado o Sr. Arquitecto M...., condómino do 1.º direito (alínea D);
5. A Ré, sem autorização nem licenciamento para obras, derrubou a parede da sua arrecadação do lado esquerdo unindo-a com a do lado direito transformando-as numa só fracção autónoma. (Resp ao quesito 1);
6. Nela, a Ré construiu um apartamento com cozinha e casa de banho. (Resp ao quesito 2);
7. Esta construção originou o entupimento e a degradação das caleiras do telhado, e vedou o acesso aos restantes condóminos. (Resp ao quesito 3.º);
8. Factos, determinantes para o aparecimento de infiltrações no terceiro andar direito, que posteriormente levaram ao desabamento dos tectos da casa de banho, cozinha e sala de fracção da Autora. (Resp ao quesito 4.º);
9. Por esta razão e por falta de condições de habitabilidade, a Autora foi forçada a abandonar a sua fracção, onde residia, com dois filhos menores. (Resp ao quesito 5.º)
10. Antes de ter sido confrontada com esta situação, a Autora, inconformada com as referidas infiltrações, pediu à Ré, por diversas vezes, que procedesse à sua reparação, mas tal nunca aconteceu. (Resp ao quesito 6.)
11. No seguimento de conversações com a sociedade Ré, que se responsabilizou pela reparação da fracção, foi-lhe enviado o orçamento (válido por 60 dias) no valor de € 19.780.


III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Tendo ficado provado que as infiltrações originadas pelas obras que a Ré realizou determinaram o aparecimento de infiltrações na fracção da Autora que posteriormente levaram ao desabamento dos tectos da casa de banho, cozinha e sala dessa fracção, vendo-se a Autora obrigada a sair dela e que no seguimento das conversações com a sociedade ré esta se responsabilizou pela reparação da fracção com envio de um orçamento de reparação, nada tendo a Ré reparada ou dito quanto ao orçamento, deve a Ré ser condenada, sema mais no valor de reparação constante desse orçamento como se decidiu na sentença ou se, pelo contrário, não se demonstrando o nexo de causalidade entre os danos causados e as reparações constantes do orçamento, não pode valer o orçamento, ocorrendo assim erro de julgamento quanto aos artigos 483, 562, 563, 566 do CCiv.

São as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso e aquelas cujo conhecimento esteja prejudicado pela solução da a outras (cfr art.ºs 660 n.sº 1 e 2, 288, 514, 684/3, 690/4, 713/2 todos do Código de Processo Civil).

Matriz legal relevante segundo o recurso: artigos 483, 562, 563, 566 do CCiv.

483/1: “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
n.º 2: “Só existe obrigação de indemnizar independentemente e culpa no casos especificados na lei.”

562: “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga a reparação.”

563: “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria se não fosse a lesão”
566/1: “A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.”
2: “Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos;

A obrigação de indemnizar no quadro da responsabilidade civil, pressupõe a existência de um facto voluntário ilícito, ou seja controlável pela vontade do agente e que infrinja algum preceito legal e um direito ou interesse de outrem legalmente protegido, censurável àquele do ponto de vista ético-jurídico, isto é que lhe seja imputável a título de dolo ou culpa e de um dano ou prejuízo reparável e de um nexo de causalidade adequada entre este dano e aquele facto.
O facto ilícito neste caso consubstanciou-se na realização de obras por parte da Ré, sem qualquer licenciamento nem autorização e que se traduziram na união de duas arrecadações existentes no sótão do edifício em que se inserem as fracções, aquelas transformadas numa só fracção onde a Ré construiu, necessariamente sem autorização nem licenciamento municipal um apartamento com cozinha e casa de banho, obras essas que originaram entupimento das caleiras do telhado e que foram determinantes do aparecimento de infiltrações na fracção da Autora. A ilicitude também na vertente da privação do uso ou gozo da fracção autónoma por parte da sua proprietária, ora Autora que teve de sair de sua casa em virtude dela não oferecer condições de habitabilidade já que as infiltrações levaram ao desabamento de tectos de três da divisões da fracção.
Há duas modalidades de nexo de imputação, o nexo de imputação subjectiva, a título de culpa e o nexo de imputação objectiva ou a título de risco, sendo que o primeiro liga o facto ao agente por um laço de raiz psicológica onde opera ou pode operar a vontade do agente numa escolha ou aceitação livre, enquanto que o segundo liga o facto a certa pessoa por um laço de carácter meramente jurídico, construído pela lei. É claro que neste dois fenómenos entram elementos de construção normativa e os fins do direito não se compadecem com uma noção rígida de vontade como pura função psicológica, traduzida num acto carregado e reflexão e de motivação, daí que surjam figuras como a vontade presumida, vontade ficta ou vontade ínsita na negligência consciente ou inconsciente, como funcionalmente criadas pela necessidade de reajustamento da vontade normativa ao serviço do dever ser. A culpa encerrará um juízo de facto, baseado no facto psíquico do agente nessa medida matéria de facto mas também encerra um juízo de valor, na medida em que traduza a violação de deveres jurídicos contidos na norma ou omissão de comportamento exigido pela lei, o que já é matéria de direito, conforme entendimento uniforme do Supremo Tribunal de Justiça.
No recurso não se discute nem a ilicitude do facto da ré nem a culpa, matéria que se tem de considerar indiscutida e assente, atento o alcance das conclusões de alegações de recurso, apenas os danos e nexo de causalidade.
A determinação do nexo de causalidade entre a conduta do agente e o prejuízo sofrido pelo lesado coloca uma questão de facto e uma questão de direito. É questão de facto determinar se a conduta do agente foi condição naturalística sem a qual o dano não se teria verificado. É questão de direito apurar se aquela condição, determinada naturalisticamente, foi de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo portanto inadequada a produzir tal dano (modalidade negativa da teoria da causalidade adequada enunciada por Ennecerus-Lehmann)- cfr. entre outros Ac do STJ de 10/04/1997 no processo 944/96, 2.ª secção, relatado pelo Conselheiro Sousa Inês.
O facto que seja condição do dano deixará de ser causa adequada do dano se for de todo irrelevante para a sua produção (formulação negativa da causa adequada acolhida pelo art.º 563 do CCiv).
Os danos que a sentença recorrida deu como provados foram infiltrações na fracção “que posteriormente levaram ao desabamento dos tectos da casa de banho, cozinha e sala da fracção.” As infiltrações e consequente desabamento dos tectos. São estes os danos que estão naturalisticamente relacionados com as obras que ilicitamente a Ré levou a cabo na sua fracção e que em termos de causa adequada nos aprecem relacionados com a acção da Ré.
Sob a epígrafe “O Direito” a sentença recorrida segue dizendo que os danos são aqueles (parágrafo 2.º de fls. 203). Depois num único parágrafo remata: “Ficou ainda demonstrado que para reparação dos danos causados na fracção da autora foi feito um orçamento no valor de € 19.780,00 a que acresce o IVA à taxa legal. Ora de acordo com os art.ºs 564 e 566 do CC a indemnização a pagar à Autora terá de ser fixada nesse valor.”
Resulta da lei que o princípio na indemnização é o da reconstituição natural (cfr. art.ºs 562/1 e 566/1) e que a indemnização apenas é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.
O fim precípuo da lei nesta matéria é, por conseguinte, o de prover à directa remoção do dano real à custa do responsável, visto ser esse o meio eficaz de garantir o interesse capital da integridade das pessoas, dos bens ou dos direitos sobre estes.[1]
A indemnização em dinheiro, pecuniária ou compensatória, face aos termos do art.º 566/1, tem natureza subsidiária e não alternativa em relação à indemnização específica ou reconstitutiva, dada a natureza excepcional da sua constituição original (impossibilidade de reconstituição natural, insuficiência da reparação natural ou onerosidade excessiva dela para o devedor).
Neste sentido veja-se o acórdão do STJ disponível no sítio www.dgsi.pt cujo sumário a seguir se transcreve:

Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 02B032 
 
Nº Convencional: JSTJ00000478
Relator: QUIRINO SOARES
Descritores: RECONSTITUIÇÃO NATURAL
INDEMNIZAÇÃO
PEDIDO SUBSIDIÁRIO
 
Nº do Documento: SJ200202140000327
Data do Acordão: 14-02-2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL ÉVORA
Processo no Tribunal Recurso: 1952/00
Data: 30-06-2001
Texto Integral: N
Privacidade: 1
 
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Área Temática: DIR CIV - DIR OBG / DIR RESP CIV.
DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CPC67 ART2 N2 ART468 N1.
CCIV66 ART562 ART566 N1. 
 
Sumário : I - Entre reconstituição natural e indemnização em dinheiro, enquanto formas de cumprimento da obrigação de indemnização, não existe relação de alternatividade, mas sim de subsidiariedade.
II - Não se torna possível deduzir pedidos em alternativa como simples opção de base meramente processual.

*

Mas se assim é, quando o lesante não repare, ou não repare em tempo útil, tendo em consideração o tipo de dano real produzido e que se consubstanciou no caso em apreço na privação da Autora de utilização da sua própria casa de habitação da qual foi obrigada a sair por não ter condições de habitabilidade, havendo, por isso, manifesta urgência na reparação da fracção, a Autora, lesada, ficou legitimada a mandar reparar a fracção à custa do lesante ora Ré, e a debitar-lhe o respectivo valor da reparação. E mesmo neste circunstancialismo o que a Autora exerce é o seu legítimo direito à reparação ou reconstituição natural da coisa danificada, tal como acima referido por Antunes Varela. Neste sentido veja-se o seguinte sumário e transcrição parcial de acórdão do STJ disponível no mesmo sítio informático:
Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 06B4430 
 
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: CUSTÓDIO MONTES
Descritores: RESTAURAÇÃO NATURAL
INDEMNIZAÇÃO
REPARAÇÃO
 
Nº do Documento: SJ200701110044307
Data do Acordão: 11-01-2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
 
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE.
 
Sumário : 1. Na obrigação de indemnizar, deve em princípio, proceder-se à reconstituição natural, sendo sucedânea a indemnização por equivalente.
2. Mas a indagação de saber se em cada caso cabe a restauração natural ou a indemnização por equivalente tem a ver com a melhor forma de satisfazer não o interesse do lesante mas o do lesado, em benéfico de quem regem tais princípios.
3. O lesante apenas poderá discutir se a restauração natural é excessivamente onerosa para si, devendo, em tal caso, optar-se pela indemnização em dinheiro; e, sendo este o caso, pode também discutir o respectivo montante.
4. Constitui restauração natural e não indemnização por equivalente as despesas suportadas pelo lesante para substituição ou reparação do bem danificado.
(…)
O princípio geral na obrigação de indemnizar é o da restauração natural, sendo sucedâneo o da indemnização por equivalente.

Mas a indagação de saber se em cada caso cabe a restauração natural ou a indemnização por equivalente tem a ver com a melhor forma de satisfazer o interesse do lesado que não o do lesante, embora a lei determine que o dano, em princípio, se deve reparar com a reconstituição natural.

Na verdade, o que interessa é saber de que forma se deve reconstituir a "situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação," (8) sem esquecer que esta alternativa é estabelecida em favor do lesado que não do lesante.

Este apenas poderá discutir se a restauração natural é excessivamente onerosa para si, devendo, em tal caso, optar-se pela indemnização em dinheiro, podendo também discutir o respectivo montante. (9)

No caso concreto dos autos, os RR. não questionam o montante fixado para a reconstrução do muro nem que seja onerosa a restauração natural.

Dizem, sim, que a atribuição desse montante aos AA. constitui indemnização por equivalente, devendo, no caso, prevalecer a restauração natural.

Mas isso afasta-se, como vimos, do princípio geral que preside à obrigação de indemnizar definida pelo art. 562.º, já citado: "quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação".

Por outro lado, não é verdade que a atribuição do montante em causa constitua indemnização por equivalente.

De facto, os 35.212,10 € fixados destinam-se à "execução das obras de reconstrução do muro dos autores," o que integra restauração natural e não indemnização por equivalente.

É o que se diz, de forma acertada na seguinte passagem da sentença da 1.ª instância que o acórdão recorrido confirmou: "está em causa,...., a reposição da situação tal como existiria antes da violação do disposto no art. 1348.º do CC, e não uma qualquer compensação monetária que dê uma satisfação equivalente à que foi perdida."

Em apoio do que defendemos, Júlio Gomes (10) , ao analisar o âmbito da "restauração natural, entende, na esteira da doutrina Alemã, que "tratando-se da lesão de um bem, caberá certamente neste domínio a sua reparação".

E, na doutrina nacional, indica que esse também parece ser o entendimento de A. Varela: "entre nós, Antunes Varela, ....parece sugerir que as despesas com a substituição cabem ainda na reparação natural ..."

De facto, este Mestre (11) dá como exemplos de restauração natural a reparação do bem danificado: "se o dano (real) consistiu na destruição ou no desaparecimento de certa coisa (veículo, quadro, jóias, etc.) ou em estragos nela produzidos, há que proceder à aquisição de uma coisa da mesma natureza e à sua entrega ao lesado, ou ao conserto, reparação, ou substituição da coisa por conta do agente."

E quando se opta pela reparação da coisa danificada, nada impede que, em determinados casos, o lesado opte pelos custos para reparar o bem danificado, estando em tais casos, no domínio da restauração natural (12)

São os casos em que "o lesado não confiará no lesante, para proceder à aquisição do bem substitutivo ou para efectuar as reparações", sendo "o próprio lesado a substituir o bem ou a repará-lo". (13)

No caso dos autos, os RR. não são empreiteiros para procederem eles próprios à reparação do muro nem a relação de má vizinhança, bem espelhada na matéria de facto, o aconselharia.

O muro não pode ser idêntico ao que foi derrubado, porque o derrube de terras "obriga à reconstrução do muro de betão armado em 25 metros".

Portanto, o dano real dos AA. só pode ser reposto com a reconstrução do muro, cujo custo foi avaliado com peritagens no processo, devendo ser removido "à custa dos responsável", como ensina A. Varela. (14)
*
Concluímos assim que a Autora está legitimada a mandar reparar os tectos das divisões que desabaram, danos esses que se prova não só serem naturalisticamente causados pelas obras ilegais levadas a cabo pela Ré na sua fracção como constituem, em termos legais, causa adequada daquele dano.
A sentença ordenou o pagamento da quantia que consta do orçamento enviado pela Autora à Ré e relativamente ao qual a Ré nada disse.
O que se prova dos pontos 3, parte final 11, primeira parte é que a Ré se responsabilizou pela reparação na fracção. E essa responsabilização tem de ser entendida como responsabilização pelos danos por si causados nem outra conclusão faz sentido. Mais se prova no ponto 11 que nesse seguimento foi enviado à Ré o orçamento de € 19.780,00 e que consta de fls. 18 a 20 dos autos.
Ora o orçamento em causa que se encontra a fls. 18/20 dos autos é um documento particular subscrito por JC, que não é parte na acção e que não se demonstra ter sido contratado pela Ré para o efeito da sua elaboração, pelo que nem sequer o valor dos art.ºs 373 e 376 possui. O mencionado JC que será responsável da empresa CC Lda com sede na CC, terá sido contactado pela Autora com vista à elaboração de um orçamento de reparação da mencionada fracção, orçamento esse que contempla não só os tectos que desabaram, como ainda do quarto n.º 2, rodapés apodrecidos, janelas tábuas do chão da sala e guarnições das paredes, colocação e fornecimento de 5 janelas novas, incluindo os aros das mesmas em madeira e pintados a tinta de esmalte, afagamento do chão do hall de entrada e da sala, com reparação de tábuas apodrecidas e envernizamento com três demãos de verniz, pintura de todo o apartamento, pintura de todas as madeiras de portas na totalidade 25, veda luz das janelas, rodapés e guarnições das paredes.
Ora, a grande falha deste processo é que não houve uma peritagem à fracção, de forma a poder concluir-se que danos reais na fracção é que tiveram efectiva causa nas infiltrações causadas pelas obras ilícitas da Ré. Nem a Autora alegou (e também por isso não foi levado nem aos factos assentes nem à Base Instrutória), nem o Tribunal deu como provado, tão-pouco inferiu dos elementos de prova juntos aos autos outros danos que não o desabamento dos tectos referidos. O auto de vistoria da Câmara Municipal constante de fls. 108 a 119 e datado de 30/10/206 não é uma peritagem realizada no âmbito deste processo, a ele tão-pouco a sentença se refere, e terá apenas o valor de uma vistoria ad perpetuam rei memoriam, realizada por uma comissão técnica para fixação do estado de todo o imóvel em que se insere a fracção danificada com vista à realização de obras, com referência à mencionada data de 30/10/06, um ano e cinco meses realizada após a data da entrada em juízo da acção. Ainda que tivesse o valor de prova pericial, dele não se colhe a conclusão da causalidade entre as deficiências encontradas na fracção dos autos e a infiltração causada pelas obras da Ré (veja-se a fls. 118 a conclusão 3 que refere que as principais causas de salubridade são devidas a infiltrações que terão existido na cobertura nomeadamente através dos algerozes, a obras de melhoramentos efectuadas em algumas instalações sanitárias e cozinhas e a infiltrações provenientes do terraço existente na cobertura).
Donde a conclusão inevitável de que sendo ónus de alegação e prova da lesada Autora o dos danos reais produzidos na fracção sua propriedade pela obra ilícita da Ré (art.º 342/1), não tendo a Autora logrado fazer prova de outros danos senão daqueles que se encontram provados no ponto 8 da decisão de facto, apenas desses é que a Ré está obrigada a custear a respectiva reparação, sendo que o Tribunal apenas poderia lançar mão da equidade em conformidade com o disposto no art.º 566/3, relativamente ao valor dos danos patrimoniais efectivamente provados em termos de causalidade com o ilícito, valor aquele que não ficou provado, se para tanto dispusesse de elementos.
Neste sentido a jurisprudência do nosso mais alto Tribunal, de que destacamos o sumário e transcrição parcial de acórdão que se segue, disponível no mencionado sítio informático:
Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 07B2131 
 
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: PRIVAÇÃO DO USO DE VEICULO
DANO EMERGENTE
LUCRO CESSANTE
EQUIDADE
INDEMNIZAÇÃO
 
Nº do Documento: SJ200810300021317
Data do Acordão: 30-10-2008
Votação: MAIORIA COM 2 VOTOS DE VENCIDO
Texto Integral: S
Privacidade: 1
 
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
 
Sumário :
1. Os juízos de equidade relevam em matéria de cálculo indemnizatório, mas não suprem a inexistência de factos reveladores do dano ou prejuízo reparável envolvente.
2. Como a indemnização em dinheiro é medida pela diferença entre uma datada situação patrimonial do lesado e a que ele então teria se não tivesse ocorrido o dano, não dispensa a lei o apuramento de factos que revelem a existência de dano específico na esfera da pessoa afectada.
3. A mera privação do uso de um veículo automóvel, sem factos reveladores de dano específico emergente ou na vertente de lucro cessante, é insusceptível de fundar a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil.
 
Decisão Texto Integral:

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:
(…)
Também é certo dever o tribunal julgar equitativamente, dentro dos limites que tiver por provado se não puder averiguar o valor exacto dos danos (artigo 566º, nº 3, do Código Civil).
Isso significa que os juízos de equidade não suprem a inexistência de factos reveladores do dano ou prejuízo reparável derivado de facto ilícito lato sensu, porque o referido suprimento só ocorre em relação ao cálculo do respectivo valor em dinheiro.
Ademais, prescreve a lei que, em regra, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos (artigo 566º, nº 2, do Código Civil).
Assim, face ao referido normativo, a indemnização pecuniária deve corresponder à diferença entre a situação patrimonial efectiva do lesado aquando da decisão da matéria de facto e a sua situação provável nessa altura se a causa do dano não tivesse ocorrido.
A referida regra de cálculo da indemnização em dinheiro, inspirada pelo princípio da diferença patrimonial, não dispensa, como é natural, o apuramento de factos que revelem a existência de dano ou prejuízo na esfera patrimonial da pessoa afectada.
(…)
Não constam dos autos elementos que nos permitam concluir do valor da reparação desses danos, uma vez que o orçamento de fls. 18/20 não discrimina o valor de reparação de cada um deles em causa nos autos pelo que nem por equidade o Tribunal recorrido e por igual razão este Tribunal de recurso pode fixar um valor de reparação relativo à reparação dos tectos que deverá ser relegado para liquidação em execução de sentença em conformidade com o comando do n.º 2 do art.º 661 do CPC. O valor que se apurar vencerá juros de mora à taxa legal em vigor desde a citação para esta acção em conformidade com o disposto no art.º 805/3.
IV- DECISÃO
Tudo visto acordam os juízes em julgar parcialmente procedente a apelação, revogar a sentença recorrida apenas quanto ao valor condenatório (€ 19.780, 00, acrescida de Iva à taxa legal) que se substitui por este acórdão que condena a Ré a pagar à Autora o custo de reparação dos tectos da casa de banho, cozinha e sala da fracção autónoma designada pela letra “H” (3.º esquerdo) do prédio sito na Rua ...., danos esse constantes do ponto 8 da “Fundamentação de Facto”, valor esse a liquidar em execução de sentença, com o limite de € 19.780,00 valor a vencer juros nos termos do art.º 805/3. No mais mantém-se a sentença recorrida.
Custas pela Autora e pela Ré na proporção do decaimento em ambas as instâncias em conformidade com o disposto no art.º 446/1 e 2 do Código do Processo Civil.
Lxa., 4/6/2009
João Miguel Mourão Vaz Gomes
Jorge Manuel Leitão Leal
Nelson Paulo Martins de Borges Carneiro

[1] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 2.ª edição, vol. I, pág. 760. Também Menezes Leitão, em Direito das Obrigações, 3.ªedição, vol. I., pág.. 402 refere que da conjugação dos art.ºs 562 e 566 resulta uma clara primazia da reconstituição in natura sobre a indemnização em dinheiro, ou seja que é primordialmente através da reparação do objecto destruído ou da entrega de outro idêntico que se  estabelece a obrigação de indemnização. António Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, ed AAFDL 1980, 2.º vol, págs. 399/400 realça que a indemnização quanto ao seu conteúdo pode ser específica quando a respectiva prestação implique a entrega ao lesado dum bem igual ao prejudicado e pecuniária quando haja apenas lugar  à restituição do valor correspondente ao do lesado, normalmente através duma entrega em dinheiro, classificação esta que segue de perto uma outra que atendendo ao escopo visado pela indemnização, distingue a indemnização entre reconstitutiva quando vise colocar o lesado na situação idêntica à da ausência de lesão ou tão só compensatório quando pretenda conceder ao ofendido, bens a título de compensação, sendo que resulta da lei nitidamente a preferência pela indemnização específica.