Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3265/21.0T8VCT-A.L1-7
Relator: JOSÉ CAPACETE
Descritores: INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
TERCEIRO
RÉU
LITISCONSÓRCIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/25/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário[i]:
(Elaborado pelo relator e da sua inteira responsabilidade – art.º 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil[ii])
1. Os recursos devem circunscrever-se às questões que já tenham sido submetidas ao tribunal de categoria inferior e aos fundamentos em que a decisão recorrida se alicerçou, com exceção das questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos imprescindíveis ao seu conhecimento.
2. Em sede de intervenção principal provocada de terceiros, o n.º 1 do art.º 317.º do CPC trata da situação em que o autor faz valer na ação uma obrigação solidária, mas aciona na posição de réu apenas um ou alguns dos devedores, caso em que o chamamento para a intervenção pode visar a condenação do chamado ou dos chamados na conformidade do respetivo direito de regresso que ao acionado possa vir a assistir se realizar a totalidade da prestação.
3. Tal situação não é confundível com a que pode suscitar o incidente de intervenção acessória provocada, previsto no art.º 321.º do CPC, desenhado para as situações em que exista uma relação de dependência entre a condenação do réu no âmbito de uma determinada relação jurídica e o posterior exercício do direito de regresso com fundamento numa outra relação jurídica.
4. Para que a intervenção do terceiro possa ser promovida pelo réu, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 3 do art.º 316.º do CPC , é essencial que o terceiro pudesse ter sido um litisconsorte inicial dessa parte, ou seja, o terceiro interveniente tem de ser alguém que podia ter sido demandado em litisconsórcio com o réu inicial.
5. (...) assim entrando no processo, como réu, ao lado do réu primitivo, um dos sujeitos da relação material controvertida que à ação serve de causa de pedir, isto é, da relação material controvertida tal como configurada pelo autor na petição inicial.
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[i] Neste acórdão utilizar-se-á a grafia decorrente do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original.
[ii] Diploma a que pertencem todos os preceitos legais citados sem indicação da respetiva fonte.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Relatório:
E… instaurou esta ação declarativa de condenação contra R..., S…, S.A., H… e D…, alegando, em síntese, que foi acusada no âmbito de um processo crime por ofensas à integridade física de uma criança, crime do qual, em sede de julgamento, veio a ser absolvida.
Sucede que o pai da criança, o réu R..., informou a ré S..., S.A. que a autora havia ofendido fisicamente o seu filho e contra ela se mostrava deduzida uma acusação.
A ré S..., S.A., «no âmbito do programa televisivo “....”, perante o 3º Réu, no dia 21 de Janeiro de 2020, veio apresentar a sua “historia” e tecer várias acusações em relação à A.», «tudo isto ainda antes da A. ter tido direito a um julgamento e numa fase – a de acusação – na qual a lei lhe confere uma presunção de inocência».
Daí resultou a violação do seu direito ao bom nome, à honra, e à presunção de inocência, tendo sido ultrapassado o direito à liberdade de liberdade de expressão e informação, assim como a liberdade de imprensa.
No episódio daquele programa emitido na referida data, foram veiculadas falsidades acerca da conduta da autora, a pugnando-se inclusivamente pela sua suspensão da autora do exercício de funções.
Na sequência da transmissão do dito episódio daquele programa pela ré S..., S.A., a autora sentiu-se envergonhada, triste, ansiosa, angustiada, deprimida, perdeu a sua autoestima, teve receio de perder a confiança dos pais dos seus alunos e da sua entidade patronal, perdeu a vontade de estar com a família, amigos e vizinhos.
O réu D... é diretor de programas da S..., S.A., pelo que deve ter conhecimento antecipado das matérias a publicar, em ordem a impedir a divulgação daquelas que sejam suscetíveis de gerar responsabilidade criminal ou cível para os seus autores ou para o órgão de comunicação social emitente.
Em consequência do descrito, a autora sofreu danos de natureza não patrimonial, pelos quais pretende ser ressarcida.
Conclui assim a petição inicial com que foi introduzida em juízo a ação de que estes autos de recurso em separado constituem apenso:
«Nestes termos e nos melhores de direito deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, em consequência, condenar os RR
a) a pagar à autora a indemnização de € 20.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a data da citação;
b) Condenar os RR de numa indemnização no valor de € 50,00 por cada dia após o transito
em julgado ou após a data em que tomaram conhecimento da absolvição, que mantiveram o programa no site, a liquidar em execução de sentença;
c) a removerem do site todos os links para a visualização do programa assim como inibirem-se de o voltar a transmitir;
d) condenar em sanção compulsória de € 500,00 por dia até que o programa seja retirado da plataforma informática, a liquidar em execução de sentença;
e) a exibirem no mesmo horário e com a mesma duração de tempo um programa em que reconheçam que estavam em erro e de forma injusta, pediram que a A. fosse suspensa».
*
Na contestação conjunta que apresentaram, a ré S..., S.A. e o réu D... deduziram incidente de intervenção principal provocada de terceiro, alegando, além do mais, o seguinte:
«A Ré S..., S.A. é uma sociedade comercial que tem por objeto social o exercício de atividade no âmbito da televisão, multimédia, audiovisual e produção cinematográfica, bem como qualquer outra atividade de comunicação, nomeadamente Internet, vídeos em qualquer suporte e publicações de qualquer género (...).
A Ré S..., S.A. é, para o efeito, titular de alvará e de licença para o exercício da atividade de televisão através do ..º canal de sinal aberto, sendo também detentora, entre outros, de autorização para a exploração dos canais SN, SR, SI, SM, SK e SC (...).
A PC, Lda. (“PC”), […] é uma sociedade comercial que se dedica à conceção, criação, desenvolvimento, produção, realização, promoção, comercialização, aquisição e exploração de direitos, distribuição, exibição e difusão de obras audiovisuais, multimédia, rádio, televisão, vídeo, teatro, cinema, publicidade, marketing, multimédia, música, jornais, revistas, publicações periódicas e não periódicas, eventos artísticos e culturais e atividades conexas e complementares inerentes a estas atividades (...).
Sendo, aliás, uma empresa experiente e com prestigiada reputação no mercado e na atividade em que opera e, tanto quanto sabem os Réus S..., S.A. e D..., uma empresa cumpridora e zelosa das suas obrigações e direitos daqueles que, nas várias qualidades, intervêm ou são visados nos programas que produz.
Em 31 de Janeiro de 2020, e no âmbito das respetivas atividades, a Ré S..., S.A. celebrou com a PC um contrato de produção da 6.ª série da obra audiovisual denominada “....”, que vigorou entre 01.01.2020 e 30.12.2020 e foi objeto de uma adenda em 25.01.2021 (de ora em diante conjuntamente referidos como “Contrato”) […].
Mais concretamente, por meio do referido Contrato, a Ré S..., S.A. encomendou à PC, mediante o pagamento de uma contrapartida monetária, a produção da 6.ª Série do programa televisivo “....” (“Programa”), para ser transmitido, em direto, na S..., S.A., duas vezes por semana, no mínimo entre as 14h15 e as 15h30m, a partir de 1 de janeiro de 2020 (...).
Sendo que, o episódio do Programa que é objeto da presente ação, por ter sido emitido no dia 21.01.2020, encontra-se abrangido pelo mencionado Contrato.
A PC concordou em produzir e entregar à S..., S.A. o Programa, pertencendo à S..., S.A. a titularidade da totalidade dos direitos de propriedade intelectual sobre o Programa e o direito de reprodução, representação e utilização secundária do mesmo em diversas plataformas, desde logo nas emissões televisivas da Ré S..., S.A., na Internet, entre outras melhor definidas no respetivo clausulado (...).
Sendo a preparação, desenvolvimento, execução do formato do Programa e a coordenação e supervisão dos respetivos conteúdos, sempre e a todo o tempo, da responsabilidade da PC (...).
E sendo que, naturalmente, tal Programa destinava-se a ser emitido pela Ré S..., S.A., como efetivamente o foi.
Daqui se obtém que a Ré S..., S.A. não participou na preparação, desenvolvimento e execução do formato do Programa, nem teve qualquer intervenção na respetiva seleção e coordenação dos seus conteúdos, tendo procedido à sua emissão em televisão e nos demais meios técnicos autorizados, nos moldes em que este foi criado pela PC e nos termos do Contrato.
Tendo sido a PC quem diligenciou pela afetação de todos os recursos necessários à realização e produção do Programa, quem encetou todos os contactos necessários à participação e intervenção do apresentador, Réu H…, dos comentadores e demais intervenientes do Programa ― incluindo, portanto, no que à primeira peça exibida no episódio de 21.01.2020 diz respeito, a intervenção do Réu R..., com quem a Ré S..., S.A. nunca teve qualquer contacto (...).
ORA,
Nos termos do Contrato, a PC constituiu-se na obrigação de “[n]ão introduzir no Programa quaisquer imagens ou afirmações verbais que sejam suscetíveis de violar princípios ou normas ético-jurídicas fundamentais” (...).
Mais declarou e garantiu a PC que “informa os terceiros intervenientes na Obra, incluindo, sem limitar, titulares de direitos conexos e quaisquer pessoas participantes na Obra, dos termos relevantes do presente Contrato, exonerando desde já a S..., S.A. de qualquer reclamação derivada do incumprimento pela PC, do estabelecido no presente Contrato” (...).
Nesta medida, ficou acordado entre as Partes que compete à PC “em exclusivo, responder por, e cumprir, todo o tipo de responsabilidades pecuniárias ou outras, nomeadamente a título de indemnização, que venham a ser discutidas, ditadas ou acordadas por autoridades judiciais ou administrativas ou provenientes de acordos extrajudiciais, e que resultem da produção e realização da Obra objeto do presente Contrato, ou das suas obrigações neste consagradas, bem como as responsabilidades inerentes a infrações cometidas por empregados ou colaboradores seus neste quadro, designadamente, em termos de violação de direitos intelectuais e de propriedade industrial, direitos personalidade, violação da Lei da Televisão e outros, nos termos gerais da lei.”
Desse modo, obrigou-se a PC a responder, a título exclusivo, por “qualquer indemnização por violação de direitos de terceiros, obtida por condenação judicial ou acordo extrajudicial obtido com a concordância da PC, por força dos conteúdos da Obra” isto é, do Programa, (...).
Mais acordaram as Partes que “a S..., S.A. tem direito de regresso sobre a PC, caso venha a ser condenada, por decisão administrativa ou sentença transitada em julgado, no âmbito de um processo de qualquer natureza, por qualquer ação ou omissão imputável comprovadamente à PC” (...)».
Por fim, e nos termos da Cláusula 9.º, n.º 1 do Contrato, acordaram as Partes, em termos gerais, que a parte que não cumpra as suas obrigações, ou que as cumpra defeituosamente, será responsável pelos danos que causar à parte lesada (e sem prejuízo do direito da parte lesada à execução específica ou à resolução do Contrato).
Ora, tendo a presente ação judicial por objeto uma suposta violação do direito ao bom nome, à honra e à presunção de inocência da Autora, em virtude da produção e emissão do episódio de 21.01.2020 do Programa, o evento em causa encontra-se necessariamente coberto pelas obrigações e garantias prestadas pela PC à Ré S..., S.A. no Contrato.
(...)
Não podendo, assim, ser a Ré S..., S.A. e, por inerência, o Réu D... enquanto seu Diretor de Programas, responsabilizados, a qualquer título, pela eventual violação do direito ao bom nome, à honra e à presunção de inocência da Autora, em virtude da produção e emissão do episódio de 21.01.2020 do Programa.
Face a este enquadramento, desde já se requer o chamamento à demanda da PC 2, Lda., (...) para intervenção principal na qualidade de Ré, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 316.º, n.º 3, alínea a), do CPC.
Sem prescindir, requer-se subsidiariamente, que seja admitida a sua intervenção acessória, nos termos do artigo 321.º, n.º 1 do CPC, caso V. Exa. não admita, por qualquer razão, a requerida intervenção a título principal,
Isto porque, ao abrigo do Contrato, caso os Réus S..., S.A. e, por inerência, o Réu D... enquanto seu Diretor de Programas, venham a ser condenados no âmbito da presente ação (o que não se admite), ambos serão sempre titulares de um direito de regresso contra a PC – (...).
O que, desde já, se deixa invocado para todos os efeitos legais».
*
Não foi deduzida oposição a tal incidente.
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No dia 30 de dezembro de 2022 foi proferido despacho (Ref.ª 138622128), do qual consta, além do mais, o seguinte:
«(...)
O Código de Processo Civil prevê os incidentes da intervenção de terceiros, fazendo-se uma distinção entre intervenção principal e intervenção acessória.
Na concretização da assinalada distinção, na intervenção principal, o terceiro é chamado a ocupar na lide a posição de parte principal, ou seja a mesma posição da parte principal primitiva a que se associa, fazendo valer um direito próprio (art.º 312º do CPC), podendo apresentar articulados próprios (art.º 314º do CPC) e sendo a final condenado ou absolvido na sequência da apreciação da relação jurídica de que é titular efetuada na sentença, a qual forma quanto a ele caso julgado, resolvendo em definitivo o litígio em cuja discussão (art.º 320º do CPC).
Com respeito à intervenção acessória o terceiro é chamado a assumir na lide uma posição com estatuto de assistente (art.º 323º, nº 1 do CPC) e por isso a sua intervenção circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na ação de regresso invocada como fundamento do chamamento (art.º 321º, nº 2 do CPC), sendo que a sentença final não aprecia a ação de regresso mas constitui caso julgado às questões de que dependa o direito de regresso do autor do chamamento, com as limitações do art.º 323, nº 3 do CPC).
Trata-se de incidente que visa permitir a participação de um terceiro perante o qual o réu possui, na hipótese de procedência da ação, um direito de regresso, concluindo-se que para justificar esta intervenção não basta um simples direito de indemnização contra um terceiro, tornando-se ainda necessário que exista uma relação de conexão entre o objeto da ação pendente e o da ação de regresso (cfr. art.º 322º, n.º 2, in fine, do C.P.C. vigente, art.º 331º, nº 2 in fine do C.P.C. revogado). E essa conexão está assegurada sempre que o objeto da ação pendente seja prejudicial relativamente à apreciação do direito de regresso contra o terceiro
Deste modo, com este incidente o réu obtém não só o auxílio do chamado, como também a vinculação deste à decisão, de carácter prejudicial, sobre as questões de que depende o direito de regresso (...).
No caso, da factualidade invocada pelos co-réus melhor supra identificados decorre que a chamada não tem, no caso, a mesma posição da parte principal primitiva a que se associa, ou seja, aos Réus, verificando-se, face à matéria de facto invocada no requerimento do presente incidente, que a chamada não poderá vir a fazer valer um direito próprio, de forma que pusesse, a final, ser condenada ou absolvida na sequência da apreciação da relação jurídica de que é titular efetuada na sentença, formando quanto a ela caso julgado, resolvendo em definitivo o litígio em cuja discussão.
O que resulta antes evidenciado é que os co-réus pretendem antes assegurar a participação de um terceiro perante o qual os réus invocam o direito de regresso, na hipótese de procedência da ação, existindo uma relação de conexão entre o objeto da ação pendente e o da ação de regresso, conexão que se encontra assegurada por se vislumbrar que o objeto da presente ação se mostra prejudicial relativamente à apreciação do direito de regresso contra o terceiro.
Considerando que no requerimento que deu causa ao presente incidente vêm os Réus, subsidiariamente, deduzir o incidente de intervenção acessória principal e sobre tal pedido foi já exercido contraditório, o Tribunal pode oficiosamente, convolar tal requerimento.
Verificando, assim, face ao disposto no artigo 322.º, n.º 2 do CPC que se mostra relevante o interesse que está na base do chamamento e ainda que a intervenção não perturba indevidamente o normal andamento do processo e, mostrando-se convincente, face às razões invocadas, a viabilidade da ação de regresso e da sua efetiva dependência das questões a decidir na causa principal, julga-se procedente por provado o presente incidente de intervenção acessória provocada de:
“PC, LDA.” (“PC”), (...).
*
Cite, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 323.º, n.º 1 do CPC».
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Os réus S..., S.A. e D... recorreram dessa decisão, mediante requerimento apresentado no dia 6 de fevereiro de 2023, concluindo assim, com interesse para a decisão do recurso, as respetivas alegações:
A) Vem o presente recurso interposto do Despacho proferido pelo Tribunal a quo em 30.12.2022, o qual decidiu rejeitar o pedido de intervenção principal provocada da Chamada PC, Lda. (“PC” ou “Chamada”) deduzido pelos ora Recorrentes na sua Contestação, e, consequentemente, admitir apenas o pedido de intervenção acessória por estes subsidiariamente deduzido;
D) Sucede, no entanto, que a decisão do Tribunal a quo parte de um errado entendimento e de uma errada interpretação daquela que é a efetiva alegação (factual e jurídica) dos Recorrentes e da sua intenção/pretensão ao deduzir o incidente sub judice - levando, por conseguinte, a uma errada aplicação do Direito aos factos.
E) Com efeito, e ao contrário do que parece ter entendido o Tribunal a quo, por meio do incidente de intervenção provocada deduzido, os Recorrentes não se limitaram a invocar e a pretender fazer valer um direito de regresso contra a PC (tanto que a sua intervenção a título acessório, nos termos do artigo 321.º do CPC, foi apenas requerida  pelos Recorrentes a título subsidiário);
F) Pelo contrário, os Recorrentes invocaram expressamente que é a PC quem deve responder diretamente (e em exclusivo) perante a Autora por qualquer eventual violação dos direitos desta última em resultado da produção e emissão do Programa dos autos (responsabilidade na qual de forma alguma se concede e por mera cautela de patrocínio se equaciona), não podendo os ora Recorrentes, por conseguinte, ser responsabilizados perante Autora a esse mesmo título;
K) (...) face ao alegado pelos Recorrentes em sede de Contestação é inegável que a PC é também ela sujeito da relação material controvertida, podendo (rectius, devendo) figurar na ação como litisconsorte (voluntário) dos Réus, já que teve intervenção e contribuição para a verificação do (suposto) ilícito invocado;
L) Por outro lado, é também inegável que os Recorrentes têm um interesse atendível em chamar a PC a intervir na demanda, já que no seu entendimento, e face ao teor do Contrato celebrado, é a referida entidade quem deve responder diretamente perante a Autora por qualquer eventual direito indemnizatório que assista a esta última (sendo certo que, no limite, mesmo que se entenda que a Chamada não pode responder em exclusivo perante a Autora – o que não se concede e por mera cautela se equaciona – a mesma sempre responderia então conjuntamente com os Réus, de forma solidária, face ao disposto no artigo 497.º, n.º 1 do Código Civil);
M) É, pois, inequívoco que, face ao alegado pelos Recorrentes em sede de incidente de intervenção provocada, a PC tem também ela legitimidade processual para intervir como parte principal na causa, ao lado dos Réus, encontrando-se, efetivamente, em situação de poder, a final, ser condenada ou absolvida na sequência da apreciação da relação material controvertida, em sede de sentença, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo;
N) E se face à relação material controvertida, tal como conformada pela Autora na Petição Inicial e pelos Réus em sede de Contestação, a Chamada é (ou pode ser) diretamente responsável perante a Autora pelos (supostos) danos por esta sofridos, podendo, em abstrato, ser absolvida ou condenada perante a mesma em sede de sentença – tal como o podem ser os recorrentes - então é claro e inequívoco que:
a) A Chamada tem um interesse igual ao dos Réus, podendo intervir como parte principal na causa (cfr. artigo 311.º do CPC);
b) A Chamada tem efetivamente um direito próprio a fazer valer, paralelo ao dos Réus (cfr. artigo 312.º do CPC);
c) Os Recorrentes, enquanto Réus, tem um interesse atendível em chamar a intervir a Chamada, enquanto sua litisconsorte voluntária (cfr. artigo 316.º, n.º 3, a) do CPC), já que, no seu entendimento, é a Chamada quem deve responder diretamente e em exclusivo perante a Autora, e não eles (ou, no limite, com eles solidariamente).
P) O próprio direito de regresso pode, também ele, servir de fundamento à intervenção principal provocada de terceiros, e não apenas à intervenção acessória, nomeadamente nos termos do artigo 317.º, n.º 1 do CPC;
Q) De facto, existindo responsabilidade solidária nos termos do artigo 497.º do Código Civil, qualquer dos lesantes tem legitimidade para contestar a ação por se tratar de um caso de litisconsórcio voluntário, pelo que o incidente de intervenção principal é o aplicável à situação em que o demandado pretende fazer intervir na ação o co-responsável;
T) (...) face à relação material controvertida tal como ela emerge conjuntamente das alegações da Autora e dos Réus, a PC pode (rectius, deve) figurar na ação como litisconsorte (voluntário) dos Réus, já que também teve intervenção e contribuição para a verificação do ilícito invocado (no qual, evidentemente, não se concede e por mera cautela de patrocínio se equaciona);
U) Podendo a Chamada ser entendida como responsável solidária, também a mesma poderia ser chamada a intervir a título principal por forma a que os Recorrentes pudessem satisfazer o direito de regresso que dispusessem sobre a mesma, face ao estipulado no Contrato;
V) Tal significando, portanto, que, no limite, também ao abrigo do artigo 317.º do CPC deveria a intervenção principal provocada da Chamada ter sido admitida pelo Tribunal a quo, mal tendo andado o Tribunal ao decidir apenas pela procedência da sua intervenção acessória;
W) Com a Decisão recorrida, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 311.º, 312.º e 316.º, n.º 3, alínea a) (e também o 317.º) do CPC, devendo tal Decisão ser revogada e substituída por outra que julgue admita e ordene a intervenção da PC a título de interveniente principal, associando-se aos Recorrentes».
Conforme refere Rui Pinto, «depois de formular conclusões, o recorrente termina deduzindo um pedido de revogação, total ou parcial, de uma decisão judicial»[3].
No presente recurso, após a formulação das conclusões as apelantes deduzem o seguinte pedido revogatório:
«Nestes termos, deverá ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se o Despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que admita o incidente de intervenção principal provocada da PC, como associada dos (co)-Réus».
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido por despacho datado de 27 de janeiro de 2025, após o que foi remetido a este tribunal ad quem.
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II – ÂMBITO DO RECURSO:
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art.º 639.º, n.º 1), que se determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso.
Efetivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art.º 635.º, n.º 3), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo art.º 635.º).
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso, ainda que, eventualmente, hajam sido suscitadas nas alegações propriamente ditas.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo (cfr. os arts. 627.º, n.º 1, 631.º, n.º 1 e 639.º).
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art.º 5.º, n.º 3) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art.º 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2).
À luz destes considerandos, neste recurso importa decidir se estão reunidos, in casu, os pressupostos de que a lei faz depender o deferimento do incidente de intervenção principal provocada da “PC”.
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III – FUNDAMENTOS:
3.1 – Fundamentação de facto:
A factualidade relevante para a decisão do presente recurso é a que decorre do relatório que antecede.
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3.2 – Fundamentação de direito:
Conforme afirmado em «II – ÂMBITO DO RECURSO» o recurso de apelação não se destina a apreciar questões novas, mas antes a reapreciar as questões apreciadas pela 1ª instância, a não ser as de conhecimento oficioso.
Tal como afirma no Ac. do S.T.J. de 17.11.2016, Proc. nº 861/13.3TTVIS.C1.S2 (Ana Luísa Geraldes), in www.dgsi.pt, «em sede recursória o que se põe em causa e se pretende alterar é o teor da decisão recorrida e os fundamentos desta. A sua reapreciação e julgamento terão de ser feitos no seio do mesmo quadro fáctico e condicionalismo do qual emergiu a sentença proferida e posta em crise», vale por dizer que os recursos «devem circunscrever-se às questões que já tenham sido submetidas ao Tribunal de categoria inferior e aos fundamentos em que a sentença se alicerçou (...), salvo, naturalmente, as questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos imprescindíveis ao seu conhecimento.
Não permitindo a lei que nos recursos sejam discutidas questões novas que não foram suficientemente submetidas ao escrupuloso respeito pela regra do contraditório, a fim de obviar que, numa etapa desajustada, se coloquem questões que nem sequer puderam ser convenientemente discutidas ou apreciadas».
Ou seja, os recursos não podem ter como objeto a decisão de questões novas, que não tenham sido especificamente tratadas na decisão de que se recorre, mas apenas a reapreciação, em outro grau, de questões concretamente decididas pela instância inferior.
A reapreciação constitui um julgamento parcelar sobre a validade dos fundamentos da decisão recorrida, como remédio contra erros de julgamento, e não um julgamento sobre matéria nova que não tenha sido objeto da decisão de que se recorre.
Por conseguinte, o objeto e o conteúdo material da decisão recorrida constituem o círculo que define também, como limite maior, o objeto do recurso e, consequentemente, os limites e o âmbito da intervenção e do julgamento, isto é, os poderes de cognição do tribunal de recurso.
Em conclusão: em sede de recurso não podem ser suscitadas questões novas que não tenham sido submetidas e constituído objeto específico da decisão do tribunal recorrido.
Vem isto a propósito de os apelantes, neste recurso, suscitarem questões novas, ou seja, questões:
- que não invocaram em sede de incidente de intervenção principal provocada;
- que, obviamente, não constam do teor da decisão recorrida e dos seus fundamentos,
e das quais, como é evidente, este tribunal ad quem não pode conhecer.
Na contestação que apresentaram, os réus S..., S.A. e D... estribam o incidente de intervenção principal da “PC”, única e exclusivamente no art.º 316.º, n.º 3, al. a); ou seja, invocam como fundamento daquele incidente, a existência de uma situação de litisconsórcio voluntário entre a ré S..., S.A. e a “PC”, sendo esta, no dizer daqueles réus, sujeito da relação material controvertida discutida na ação.
Foi em função desse fundamento, o mesmo é dizer, da causa de pedir invocada pelos réus S..., S.A. e D...,  no incidente para sustentação do pedido de intervenção da “PC”, que o tribunal a quo decidiu o suscitado incidente de intervenção de terceiros.
Em momento algum daquele incidente, suscitado, insiste-se, em sede de contestação, os réus S..., S.A. e D... invocam o art.º 317.º, o qual prevê, no seu n.º 1, a exigência da prestação a algum dos condevedores solidários, dispondo que o chamamento pode ter por fim o reconhecimento e a condenação na satisfação do direito de regresso que lhe possa vir a assistir se tiver de realizar a totalidade da prestação.
Como refere Salvador da Costa, o n.º 1 do art.º 317.º trata «(...) da situação em que o autor faz valer na ação uma obrigação solidária, mas aciona na posição de réu apenas um ou alguns dos devedores, caso em que o chamamento para a intervenção pode visar a condenação do chamado ou dos chamados na conformidade do respetivo direito de regresso que ao acionado possa vir a assistir se realizar a totalidade da prestação.
Assim, como o devedor solidário pode ser singularmente demandado pela totalidade da dívida, a lei permite-lhe fazer intervir os condevedores a seu lado na ação.
Assim, no caso de se tratar de obrigação solidária, o chamamento pode visar não só a defesa conjunta, como também que o réu obtenha o reconhecimento do seu direito de regresso se for condenado a pagar a totalidade do débito, assim se munindo, desde logo, de um título executivo contra o chamado»[4].
É verdade que os réus S..., S.A. e D..., requerentes do incidente de intervenção de terceiros, invocam o direito de regresso contra a “PC”.
Fazem-no, no entanto, não em sede de incidente de intervenção principal, e com arrimo na previsão do art.º 317.º, mas em sede de incidente de intervenção acessória da mesma “PC”, deduzido subsidiariamente, e com arrimo no art.º 321.º, n.º 1.
Só o que, em causa neste recurso está o incidente de intervenção principal provocada, o qual, deduzido a título principal, foi indeferido, e não o incidente de intervenção acessória provocada, o qual, deduzido a título subsidiário, foi deferido.
Foquemo-nos, assim, no art.º 316.º, n.º 3, al. a), norma segundo a qual «o chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este (...) mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida».
Segundo Miguel Teixeira de Sousa, para que a intervenção do terceiro possa ser promovida pelo réu, ao abrigo do citado preceito, é essencial que o terceiro pudesse ter sido um litisconsorte inicial dessa parte, ou seja, o terceiro interveniente tem de ser alguém que podia ter sido demandado em litisconsórcio com o réu inicial[5], o que não é, manifestamente, o caso da situação aqui ajuizada.
Salvador da Costa afirma «entra no processo, como réu, ao lado do réu primitivo, um dos sujeitos da relação material controvertida que à ação serve de causa de pedir»[6], vale por dizer, da relação material controvertida objeto dos autos[7], rectius, da relação material controvertida tal como configurada pela autora na petição inicial.
De outra forma dizendo, e acompanhando o Ac. da R.E. de 14.07.2021, Proc. n.º 2705/15.5T8PTM-A.E1 (Francisco Xavier), in www.dgsi.pt, a permissão do chamamento contida no art.º 316.º, n.º 3, al. a), tem que ser balizada pela legitimidade, aferida de acordo com o artigo 30º do mesmo diploma, ou seja de acordo com a relação material controvertida tal como o autor a configurou na petição inicial.
No caso concreto, como facilmente se constata, não se mostram reunidos os pressupostos para o deferimento do incidente de intervenção principal provocada da “PC”, desde logo pela simples razão de que a referida chamada não é titular da relação material controvertida tal como a autora a configura na petição inicial.
Aliás, o que decorre do próprio excurso dos réus S..., S.A. e D..., é que estará em causa uma relação de dependência entre a sua eventual condenação ao abrigo da relação material controvertida configurada pela autora na petição inicial, e o exercício do direito de regresso contra a “PC”, sustentado numa relação jurídica distinta, de cariz contratual, que tem como sujeitos a ré S..., S.A. e a referida “PC”, suportada pelo contrato acima aludido, celebrado entre estas duas entidades, o que, indiscutivelmente nos remete para o regime do art.º 321.º, tal como fez a decisão recorrida e, acrescente-se, muito bem.
Em conclusão, o recurso improcede, devendo manter-se a decisão recorrida, que não merece censura.
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IV – DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os juízes que integram a 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação improcedente, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.
As custas da apelação, na vertente de custas de parte, são a cargo dos recorrentes (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2).

Lisboa, 25 de março de 2025
José Capacete
Carlos Oliveira
Micaela Sousa
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[1] Neste acórdão utilizar-se-á a grafia decorrente do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original.
[2] Diploma a que pertencem todos os preceitos legais citados sem indicação da respetiva fonte.
[3] Manual do Recurso Civil, Volume I, AAFDL Editora, Lisboa, 2020, p. 293.
[4] Os Incidentes da Instância, 9.ª Edição, Almedina, 2017, p. 92.
[5] CPC online, em anotação ao art.º 316.º, in https://blogippc.blogspot.com/2024/11/cpc-online-22.html.
[6] Os Incidentes…, p. 90.
[7] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Edição, Almedina, 2022, p. 406.