Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
54/07.9PTALM.L1-5
Relator: NUNO GOMES DA SILVA
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
ALCOOLÉMIA
TAXA
ERRO
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/27/2009
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIAL
Legislação Nacional: PORTARIA Nº 1556/2007, DE 10 DE DEZEMBRO
Sumário: I – O controlo metrológico a que obrigatoriamente os instrumentos de medição, entre os quais os alcoolímetros, são sujeitos «envolvendo mais de seis centenas de entidades públicas e privadas» (cfr o preâmbulo do Dec. Lei nº 192/2006, de 26 de Setembro, que definiu os procedimentos de avaliação para um conjunto de instrumentos de medição, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva nº 2004/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março) destina-se «a promover a defesa do consumidor e a proporcionar à sociedade, em geral, e aos cidadãos em particular, a garantia do rigor das medições efectuadas com os instrumentos de medição» (cfr o preâmbulo citado). Por isso, nesse controlo se avalia se um instrumento de medição proporciona «um elevado nível de protecção metrológica, para que qualquer parte envolvida possa ter confiança no resultado da medição» e se foi «projectado e fabricado tendo em vista um elevado nível de qualidade no respeitante à tecnologia da medição e à segurança dos dados de medição».

II - Como já foi afirmado pela melhor jurisprudência que nesta matéria se vem seguindo de perto, a prova, cuja função é a demonstração da realidade dos factos não pressupõe uma certeza absoluta, lógico-matemática ou apodíctica nem, por outro lado, a mera probabilidade de verificação de um facto. Assenta na certeza subjectiva, na «consciência de um elevado grau de probabilidade assente no raciocínio lógico do juiz», na sua convicção para além de toda a dúvida razoável, não qualquer dúvida, mas apenas a dúvida fundada em razões adequadas.

III - Ora, em situações como a que se apresenta, em que a medição é efectuada por aparelho aprovado e sujeito às verificações exigíveis segundo um regulamento destinado a conferir todas as garantias de rigor, confiança e segurança e em que não ocorreram quaisquer situações práticas das que podem levar a uma imprecisão do funcionamento como por exemplo, a vibração, o choque mecânico, problemas electrostáticos ou electromagnéticos, ou a variação desajustada do ambiente climático não se vislumbra quais sejam as razões adequadas para que estabeleça a dúvida que afecte a convicção do julgador; para que a certeza, não a certeza absoluta mas a que tem em si o grau de probabilidade bastante para ter como verificado o facto, não seja adquirida. Quando o objectivo de conferir um elevado grau de fiabilidade e de precisão nas medições é precisamente o desiderato das apertadas exigências de fiscalização.
Decisão Texto Integral: 1. – No âmbito do processo nº 54/07.9PTALM do 1º Juízo Criminal de Almada o arguido G… P… foi julgado e condenado por um crime de condução em estado de embriaguez do art. 292º, nº 1 do C. Penal na multa de 70 dias à taxa diária de 11,00 €, perfazendo a quantia de 770,00€ e ainda, ao abrigo do art. 69º, nº 1, al. a) do diploma citado na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 meses.

         O magistrado do Ministério Público interpôs recurso por discordar da circunstância de o tribunal ter dado como provado que o arguido conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 1,72 g/l quando a TAS medida pelo aparelho Drager, 7110 MKIIIP foi de 1,86 g/l, sendo atribuído aquele nível de álcool por dedução do chamado erro máximo admissível. Pede ainda a condenação do arguido em multa de 80 dias

         Não houve resposta ao recurso.

         Neste Tribunal, a Sra. procuradora-geral adjunta deu parecer no sentido de que o recurso merece provimento.

                                                                  *

         2. – O resultado do julgamento quanto aos factos provados e não provados e respectiva fundamentação foi o seguinte:

         2.1. – Factos provados:

1) No dia 27.01.2007, pelas 03.20 horas, na Av. Aliança Povo-M. F. A., em Almada, o arguido conduzia o automóvel, ligeiro, de passageiros, de marca Citroen, modelo Saxo, de matrícula ……..;

2) Interceptado por elementos policiais da PSP o arguido veio a ser submetido a teste de alcoolemia tendo apresentado uma TAS de 1,72 g/litro de sangue;

3) Percorreu, pelo menos, 500 metros ao volante do automóvel referido em 1);

4) Antes de conduzir o automóvel referido em 1) ingeriu, pelo menos, 6 cervejas;

5) Viajava acompanhado de 1 pessoa;

6) O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, representando como possível que conduzindo o veículo referido em 1) após a ingestão de bebidas alcoólicas cometia um crime e, ainda assim, conformou-se com tal facto;

7) Não são conhecidos antecedentes criminais ao arguido;

8) O arguido confessou, de forma integral e sem reservas, os factos de que vinha acusada(o);

9) O arguido é solteiro;

10) Exerce a profissão de consultor de tecnologias de informação, auferindo o vencimento, mensal, de 1.400,00 euros;

11) Está habilitado com a licenciatura em Informática e Gestão de Empresas;

12) Vive com os pais, em casa destes.

2.2. – Fundamentação da matéria de facto (transcrição):

Quanto à matéria de facto dada como provada nos autos o tribunal considerou os seguintes elementos probatórios:

Pontos 1), 2) e 6): O tribunal fundou a sua convicção no teor do auto de notícia junto aos autos, no teor do talão do alcoolímetro de marca, modelo e número de série constante dos autos correspondente ao primeiro exame efectuado ao arguido, tendo em consideração que nos termos do artigo 2°, n° 1, da Lei n° 18/2007, de 17.05, o segundo exame que lhe foi efectuado excedeu, em muito, os 30 minutos após a realização do primeiro, na confissão, integral e sem reservas de tais factos, por parte da(o) arguida(o), bem como nas suas declarações, sinceras, quanto à marca e modelo do automóvel em causa nos autos.

Pontos 3), 4) e 5): Considerou-se o teor das declarações, sinceras, da(o) arguida(o).

Ponto 7): O tribunal teve em consideração o CRC junto aos autos a fls. 38.

 Pontos 9) a 12): Tomou-se em consideração as declarações, honestas, da(o) arguida(o) prestadas quanto às suas condições sócio-económicas;

Quanto ao resultado apurado no teste de álcool realizado ao arguido através do alcoolímetro supra há a considerar o disposto no Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, entrado em vigor por via da publicação da Portaria n° 1556/2007, de 10 de Dezembro.

Nos termos do artigo 1°, de tal regulamento, o mesmo "(…) aplica-se a alccolímetros quantitativos ou analisadores quantitativos adiante designados por alcoolímetrso nos termos da legislação aplicável".

Mais se diz no artigo 4°, de tal diploma, que "os alcoolímetros deverão cumprir os requisitos metrológicos e técnicos, definidos pela Recomendação OIML R 126".

Nos termos do artigo 5°, de tal diploma, "o controlo metrológico dos alcoolímetros é da competência do Instituto Português da Qualidade, I. P. - IPQ e compreende as seguintes operações:

a) Aprovação de modelo;

b) Primeira verificação;

e) Verificação periódica

d) Verificação extraordinária".

Dispõe o artigo 8°, do diploma supra, que "os erros máximos admissíveis- EMA, variáveis em função do teor de álcool no ar expirado - TAE, são o constante do quadro que figura ao quadro anexo ao presente diploma e que dele faz parte integrante".

Ainda nos termos do artigo 10°, do mesmo diploma, "os alcoolímetros cujo modelo tenha sido objecto de autorização de uso, determinada ao abrigo da legislação anterior, poderão permanecer era utilização enquanto estiverem mu bani estado de conservação e nos ensaios incorrerem em erros que não excedam os erros máximos admissíveis da verificação periódica".

Em anexo ao supra referido diploma diz-se que "os erros máximos admissíveis- EMA, são definidos pelos seguintes valores:

TAE - teor de álcool no ar
expirado (mg/l)
EMA
Aprovação de modelo/
primeira verificação
Verificação periódica/
verificação
extraordinária

TAE < 0,400  

0,400< TAE < 2,000

TAE > 2,000    

 + 0,020 mg/l

   + 5% 

    + 20%   

  + 0,032 mg/l

   + 8%

+ 30%

                 
                                                                                                  Mais se considera a informação dirigida ao Tribunal Judicial da Comarca de Condeixa-a-Nova, onde já exerci funções, pelo Instituto Português de Qualidade (IPQ), a qual converte em teor de álcool no sangue (TAS) as margens de erro que no diploma em apreço são medidas em teor de álcool no ar expirado (TAE).

Nos termos do artigo 81°, n° 3, do CE, a conversão dos valores de TAL em TAS E baseada no principio de que 1 mg de álcool por litro de ar expirado é equivalente a 2,3 g de álcool por litro de sangue.

Ora, em tal informação esquematiza-se o seguinte quanto às margens de erro dos alcoolímetros tendo em consideração o factor de conversão de 2.3 para conversão da TAE em TAS:

a) Um valor menor ou igual a 0,400 g/l de TAE corresponde a um valor menor ou igual a 0,920 g/l de TAS;

b) Um valor situado entre 0,400 e 2,000 g/1 de TAL corresponde a um valor situado entre 0,920 a 4,60 g/l de TAS;

c) Um valor superior a 2,000 g/l de TAE corresponde a um valor superior a 4,60 g/l deTAS.

Apenas fazemos referência à informação prestada pelo IPQ supra referida para maior facilidade de exposição, sendo certo que os valores acima referidos para a TAS resultam de uma operação de conversão realizada por via da realização de uma mera operação matemática acessível a qualquer cidadão.

Tais margens de erro, consideradas no artigo 8°, do supra referido regulamento, bem como no já referido anexo ao mesmo, tendo em consideração o supra referido factor de conversão, cifram-se em:

a) + ou - 0,074% - para as TAS entre 0 e 0,920 g/1;

b) +ou-8%- para as TAS entre 0,920 e 4,60 g/1;

c) +ou-30%- para as TAS superiores a 4,60 g/l;

Qualquer aparelho de medição, mecânico ou digital, comporta uma margem de erro.

No entanto, as mais das vezes a mesma é desconhecida ou, quando conhecida, não tem implicações relevantes, sendo até aceite no sector de actividade (ex. comércio) em que o aparelho actua.

No caso dos alcoolímetros a margem de erro de medição não é eliminada nas verificações a que os mesmos são sujeitos: em tais verificações, pelo contrário, o IPQ apenas se assegura de que os resultados das medições por eles efectuadas se contém dentro dessas margens de erro, tal como, aliás, resulta do disposto no artigo 10°, do supra referido regulamento.

Ora, tendo em consideração a relevância penal da prova produzida pela análise efectuada por recurso ao alcoolímetro, e a sua implicação na determinação da medida da pena ou na condenação ou absolvição da(o) arguida(o), neste último caso sempre que estejam em causa taxas de alcoolemia próximas do limite mínimo relevante para a prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, o tribunal, tendo dela conhecimento, não pode deixar de considerar, a favor da(o) arguida(o), a margem de erro de tais aparelhos.

Em tal operação não se põe em causa o resultado do meio de prova, documental, obtido através da utilização do alcoolímetro, apenas e só partindo desse meio probatório se toma em consideração um erro de um aparelho mecânico, erro esse reconhecido pela entidade que, em Portugal, ê responsável pela verificação técnica de tais aparelhos.

Não se diga, por outro lado, em desabono de tal posição que caso o cidadão não se conforme com a medição efectuada pelo alcoolímetro sempre pode requerer a realização de contraprova.

Na verdade, pensar assim seria onerar o cidadão com o ónus de provar que a medição efectuada pelos alcoolímetros não se encontra correcta quando é ao Estado, enquanto utilizador de tais aparelhos no âmbito da justiça penal e contra-ordenacional, a quem cabo garantir a fidedignidade dos resultados por ele alcançados devendo, por outro lado, o cidadão poder confiar nas leituras apresentadas pelos mesmos e que estas correspondem à efectiva TAS de que a(o) arguida(o) é portadora(o).

Por outro lado, ainda que realizada a contraprova, a qual pode ter lugar por meio de novo exame através de alcoolímetro, passando a prevalecer o seu resultado face ao do exame inicial, esta de nada valeria à(ao) arguida(o) (artigo 153°, n° 3, al. a), nº 4 e nº 6, do CE), porquanto a mesma, como é bom de ver, não retira ao aparelho a variação de erro de que o mesmo padece.

O que acaba de dizer-se é, aliás, defendido nos seguintes acórdãos:

a) Do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07.05.2008, processo n° 2199/2008-3, www.dgsi.pt relatado por Carlos Almeida, o qual contém extensa fundamentação com a qual, nesta parte, concordamos;

b) Do Tribunal da Relação do Porto, de 02.04.2008 processo n° 0810479; de 19.2.2007, processo n° 0746058; de 07.05.2008, processo 0810922; de 02.04.2008, processo n° 0810479; de 14.05.2008, processo n° 0811397, e de 07.0.5.2008, processo n° 0810638, www.dgsi.pt;

c) Do Tribunal da Relação de Coimbra, de 09.01.2008, processo n° 426/04.0GTSTR.C1, e de 09.01.2008, processo n° 15/07.1PAPBL.C1, www.dgsi.pt

d) Do Tribunal da Relação de Guimarães, de 26.02.2007, processo n°2602/062 www.dgsi.pt

No caso concreto, para a TAS apresentada pela(o) arguida(o), constante do talão supra (1,86 g/litro de sangue), tal margem de erro cifra-se em 8% (para mais ou para menos) – margem de erro a ter em consideração nas TAS que se situem entre 0,920 g/l e 4,60 g/l.

Assim, usando do principio do in dubio pro reo no que toca à duvida, objectiva e inultrapassável, quanto variação do erro, deve proceder-se ao desconto, para menos, da margem de erra na TAS acusada pela(o) arguida(o; após análise efectuada pelo alcoolímetro supra referido_

Após dedução a tal TAS da margem de erro supra chegámos à TAS dada como provada nos autos.

3. – O primeiro aspecto que há a realçar na decisão recorrida é o da flagrante contradição insanável da fundamentação, vício esse previsto no art. 410º, nº 2, al. b) CPP.

É que o tribunal, inequivocamente, deu como provado que o arguido foi submetido a teste de pesquisa de álcool no sangue e que acusou uma TAS de 1,26 g/l. E fundamentou esta decisão quer na confissão desses mesmos factos feita pelo arguido quer no teor do talão do alcoolímetro junto aos autos.

Se o tribunal pretendia existir como veio acontecer considerar um suposto erro de medição deveria ter dado como não provado que o arguido tivesse acusado uma taxa de álcool de 1,86 g/l, assim como dar como provado o facto respeitante à taxa de álcool que considerou que teria no sangue, ou seja, 1,72g/l. 

Porque inegavelmente de matéria de facto se trata.

Aliás, o recurso tem precisamente a ver com essa questão de facto e de interpretação da prova.

A dita questão (crê-se que escusadamente em voga) coloca-se por se considerar a existência de um eventual erro de medição no alcoolímetro por meio do qual foi feita na pessoa do arguido a fiscalização da condução sob influência do álcool.

          São conhecidos os termos em vem sendo suscitada.

Inicialmente, a partir de um ofício do Director Geral de Viação (nº 14811, de 2006.07.11) começaram algumas decisões judiciais a considerar que só é possível, com base no valor registado pelos alcoolímetros, apurar que o examinando apresenta uma TAS compreendida entre x e y, sendo x o valor correspondente à TAS registada menos a margem máxima de erro e y o valor correspondente à TAS registada mais a margem de erro máxima admissível.

Depois dessa fase inicial «descobriu-se» em alguns tribunais que havia uma Portaria, a nº 1556/2007, de 10 de Dezembro que fixava margens de erro admissíveis o que significava que os aparelhos de medição poderiam estar a medir erradamente – por exagero – os níveis de álcool no sangue. E a partir daí começou-se a descontar ao valor resultante da medição efectuada a «margem de erro admissível».

Tardia foi a «descoberta» porque, na verdade, os chamados «erros máximos admissíveis» são valores convencionais estabelecidos para o controlo metrológico dos mais diversos instrumentos de medição e no caso dos alcoolímetros eram já definidos em termos semelhantes aos da Portaria nº 1556/2007 na «velha» Portaria nº 748/94, de 13 de Agosto, sem que fosse quem fosse se lembrasse de efectuar descontos.

Que de resto, era a aplicável no caso presente visto que os factos são de 2007.01.27[1].

Assim como tais «EMA» estão definidos para toda uma série de instrumentos de medição sujeitos a controlo metrológico. Como é o caso dos cinemómetros, ou aparelhos de medição de velocidade instantânea (Portaria nº 1542/2007, de 6 de Dezembro que revogou a Portaria nº 714/89, de 9 de Outubro). Ou tantos outros instrumentos de uso comum como os contadores de água, de electricidade ou os taxímetros. E decerto que ao Sr. juiz que proferiu a decisão sob recurso não ocorreu efectuar, nas leituras medidas por tais instrumentos dos produtos respectivos que haja consumido (água, electricidade, transporte de táxi), a dedução dos erros máximos admissíveis e efectuar os pagamentos dos consumos desses mesmos produtos em conformidade com esse desconto.

Porquê?

Naturalmente porque o controlo metrológico a que obrigatoriamente os instrumentos de medição são sujeitos «envolvendo mais de seis centenas de entidades públicas e privadas» (cfr o preâmbulo do Dec. Lei nº 192/2006, de 26 de Setembro, que definiu os procedimentos de avaliação para um conjunto de instrumentos de medição, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva nº 2004/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março) se destina «a promover a defesa do consumidor e a proporcionar à sociedade, em geral, e aos cidadãos em particular, a garantia do rigor das medições efectuadas com os instrumentos de medição» (cfr o preâmbulo citado). Por isso, nesse controlo se avalia se um instrumento de medição proporciona «um elevado nível de protecção metrológica, para que qualquer parte envolvida possa ter confiança no resultado da medição» e se foi «projectado e fabricado tendo em vista um elevado nível de qualidade no respeitante à tecnologia da medição e à segurança dos dados de medição».

É por isso, que com argumentos aproximados a tese da dedução do erro máximo admissível à taxa efectivamente medida pelos alcoolímetros tem sido rejeitada de forma quase unânime por este Tribunal da Relação.

Entre muitos outros foram nesse sentido os seguintes acórdãos:

- de 2007.06.26, proc 3769/07,

- de 2007.10.03, proc 4223/07,

- de 2007.10.09, proc 5112/07,

- de 2007.10.18, proc 7895/07,

- de 2007.10.23, proc 7226/07,

- de 2007.10.23, proc 7089/07,

- de 2007.10.29, proc 8661/07,

- de 2008.01.29, proc 9383/07,

- de 2008.02.12, proc 9621/07,

- de 2008.02.19,  proc 4226/07,

- de 2008.02.21, proc 10259/07,

- de 2008.04.08, proc 1491/08,

- de 2009.03.03, proc 8284/08,

-  de 2009.03.23, proc 166/08.1PTAGH

muitos deles com sumário ou texto integral publicado em www.dgsi.pt.

         No que a este Tribunal da Relação diz respeito a excepção primeira, entre os publicados e que permanece largamente minoritária vem do Acórdão de 2008.05.07 (também disponível em www.dgsi.pt) no qual se apoia, de resto, a decisão recorrida.

         No essencial, a argumentação deste aresto radica na circunstância de entender que os aparelhos de medição não têm «uma fiabilidade absoluta» e que um tribunal criminal só pode considerar como provado um facto quando se tenha convencido da sua verdade «para além de toda a dúvida razoável» e essa dúvida razoável só se pode afastar com a concreta dedução da margem de erro admissível ao valor indicado no aparelho de medição.

         A discordância relativamente a esta tese é frontal.

         Como já tem sido referido em muitas outras ocasiões e é por demais sabido a prova tem por função a demonstração da realidade dos factos (art. 341º, nº 1 C. Civil) e é, normalmente apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do tribunal (art. 127º CPP).

Ela não pressupõe, como já foi afirmado pela melhor jurisprudência que nesta matéria se vem seguindo de perto, uma certeza absoluta, lógico-matemática ou apodíctica nem, por outro lado, a mera probabilidade de verificação de um facto.
E assenta na certeza subjectiva, relativa ou histórico-empírica do facto, ou dito de outro modo:
a) No alto grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida (cfr. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil” p. 191; Antunes Varela, “Manual de Processo Civil”, p. 421);

b) No grau de certeza que as pessoas mais exigentes da vida reclamariam para dar como verificado o facto respectivo (Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório, III”, p. 345);

c) Na consciência de um elevado grau de probabilidade – convicção – assente no raciocínio lógico do juiz e não em meras impressões (Castro Mendes, “Do Conceito de Prova em Processo Civil” p. 306 e 325);

d) Na convicção – objectivável, raciocinada (baseada na intuição e na reflexão) e motivável – para além de toda a dúvida razoável, não qualquer dúvida, mas apenas a dúvida fundada em razões adequadas (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I,” p. 205¸ Direito Processual Penal, - Lições Policopiadas – 1988/89, p. 140-141).

Ora, em situações como a que se apresenta em que a medição é efectuada por aparelho aprovado e sujeito às verificações exigíveis segundo um regulamento destinado a conferir todas as garantias de rigor, confiança e segurança como salientado supra, e em que não ocorreram quaisquer situações práticas das que podem levar a uma imprecisão do funcionamento como por exemplo, a vibração, o choque mecânico, problemas electrostáticos ou electromagnéticos, ou a variação desajustada do ambiente climático não se vislumbra quais sejam as razões adequadas para que estabeleça a dúvida que afecte a convicção do julgador; para que a certeza, não a certeza absoluta mas a que tem em si o grau de probabilidade bastante para ter como verificado o facto não seja adquirida. Quando o objectivo de conferir um elevado grau de fiabilidade e de precisão nas medições é precisamente o desiderato das apertadas exigências de fiscalização.

Isto significa que, para a tese que seguiu a decisão recorrida, comummente se aceita como segura, em termos de prova, a autoria de um documento por determinada pessoa a partir de um exame pericial à letra e assinatura que confere um grau, no domínio da probabilidade, de «muito provável» a essa autoria; ou a intenção de matar a partir de uma presunção médico-legal, retirada de uma análise pericial, mas humana, feita numa autópsia. Mas recusa-se a prova de um facto feita a partir da medição de instrumento sujeito a rigorosa certificação porque há a possibilidade de erro!!! E que dizer, já agora, da «certeza» ou da «fiabilidade absoluta» da prova testemunhal?! Como se determinará o «erro máximo admissível» na prova testemunhal, ainda – quer se queira quer não é a prática que o demonstra – a mais utilizada das provas? Se o argumento soberano é o da certeza e segurança jurídicas qual a bitola que as assegura num determinado depoimento?

No acórdão de 2008.02.12, proferido no proc. 9621/07, citado supra, pelo relator do presente reproduziu-se o essencial da argumentação do acórdão de 2008.01.29, no proc 9383/07 da 5ª Secção deste Tribunal, também já mencionado, que, por sua vez, se abordoou com plena oportunidade, na comunicação apresentada por M. Céu Ferreira e António Cruz ao 2º Encontro Nacional da Sociedade Portuguesa de Metrologia com o título «Controlo Metrológico de Alcoolímetros do Instituto Português da Qualidade» (disponível no sítio www.spmet.pt/)[2] e que se adequa ao que se vem referindo.

Desse acórdão se transcreve o seguinte a que a evolução legislativa (ainda que aqui inaplicável) não retirou pertinência:

«O Decreto Regulamentar n° 24/98, de 30 de Outubro, que regulamentava os procedimentos para a fiscalização da condução sob o efeito do álcool ou de substâncias estupefacientes ou psicotrópicas[3], estabelecia no n.° 2 do seu artigo 12° que a aprovação, por despacho do director-geral de viação, dos analisadores utilizados nos testes quantitativos de álcool no ar expirado, era precedida de aprovação de marca e modelo, a efectuar pelo Instituto Português da Qualidade, nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros.

O Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros em vigor na altura dos factos era o que constava em anexo à Portaria n° 748/94, de 13 de Agosto[4].

É certo que neste Regulamento definiam-se erros máximos admissíveis nos alcoolímetros. Assim dispunha-se no n° 6 nesse Regulamento:

"Nos alcoolímetros, os erros máximos admissíveis, em cada indicação, são definidos pelos seguintes valores:

a) Aprovação de modelo - os erros máximos admissíveis na aprovação de modelo são os definidos na norma NF X 20 - 701;

b) Primeira verificação - os erros máximos admissíveis da primeira verificação são os definidos para a aprovação de modelo;

c) Verificação periódica       os erros máximos admissíveis da verificação periódica são uma vez e meia os da aprovação de         modelo".

Porém, a definição pelo Regulamento acima referido de determinados erros máximos admissíveis, quer para a aprovação de modelo e primeira verificação, quer para a verificação periódica, não significava que os valores do TAS indicados pelos alcoolímetros devidamente aprovados estivessem errados.

Na verdade, conforme escrevem M. Céu Ferreira e António Cruz (…):

"A definição, através da Portaria n.° 748/94, de determinados erros máximos admissíveis, quer para a Aprovação de Modelo e Primeira Verificação, quer para a Verificação Periódica, visa definir barreiras dentro das quais as indicações dos instrumentos de medição, obtidas nas condições estipuladas de funcionamento, são correctas. Ou seja, um alcoolímetro de modelo aprovado e com verificação válida, utilizado nas condições normais, fornece indicações válidas e fiáveis para os fins legais. (negrito e sublinhados acrescentados)

"Os EMA[5] são limites definidos convencionalmente em função não só das características dos instrumentos, como da finalidade para que são usados. Ou seja, tais valores limite, para mais e para menos, não representam valores reais de erro, numa medição concreta, mas um intervalo dentro do qual, com toda a certeza (uma vez respeitados os procedimentos de medição), o valor da indicação se encontra". (negrito e sublinhados acrescentados).

"De acordo com os resultados laboratoriais obtidas durante as operações de controlo metrológico, demonstra-se que os EMA não são uma "margem de erro", nem devem ser interpretados como tal."

"O valor da indicação do instrumento é, em cada situação, o mais correcto. O eventual erro da indicação, nesse momento, nessa operação, com o operador que a tiver efectuado, nas circunstâncias de ambiente locais, qualquer que tenham sido outros factores de influência externos ou contaminados do ar expirado, seja ele positivo ou negativo, está com toda a probabilidade contido nos limites do EMA".

Interpretando os erros máximos admissíveis constantes agora da Portaria nº 1556/2007 (como já antes da Portaria n.° 748/94) com o alcance que se acaba de expor é inequívoco que não pode subsistir a decisão recorrida quanto ao TAS de que era portador o arguido.

Na verdade, se a decisão recorrida não pôs em causa a aprovação do aparelho utilizado no exame de pesquisa de álcool no ar expirado, as condições normais de utilização desse aparelho e o procedimento de fiscalização utilizado pelo agente de autoridade, não há fundamento para concluir que o TAS indicado pelo aparelho utilizado na pesquisa de álcool no ar expirado do arguido padece de erro» (sublinhado acrescentado).

Acresce a isto que, por um lado, o arguido aceitou o resultado do teste, depois de ter sido efectuada contra-prova, (art. 153º, nº 3 C. Estrada) e, por outro, o tribunal fundou a sua convicção na confissão integral e sem reservas dos factos imputados entre os quais figurava que aquele conduzia com uma taxa de álcool de 1,24 g/l e que admitiu que podia estar a conduzir com uma taxa de álcool igual ou superiora 1,2 g/l e mesmo assim decidiu conduzir, renunciando, por isso, à produção da restante prova (cfr acta a fls 23). Impunha-se, assim, como determina o art. 344º, nº 2, al. a) CPP que o tribunal considerasse provado que o arguido era portador daquela TAS.

Ao desvalorizar a prova que consiste no resultado do controlo feito nos precisos termos em que a lei o determina e ao acabar por não considerar a confissão integral e sem reservas (cfr acta a fls. 60) quanto a um consumo de álcool que constitui crime o tribunal – além do supra mencionado vício de contradição insanável de fundamentação já acima assinalado – incorreu ainda no vício de erro notório na apreciação da prova (citado art. 410º, nº 2, al. c) CPP) que importa corrigir alterando parcialmente a matéria de facto no tocante ao ponto 2 dando como provado que, como resulta do documento de fls 4 (medição efectuada às 3h35m) e da confissão integral e sem reservas dos factos descritos na acusação no dia, hora e local descritos na sentença, o arguido foi submetido a exame para determinação da taxa de alcoolemia através do aparelho Drager Alcootest modelo 7110MKIII verificando-se que conduzia com uma taxa de álcool no sangue (TAS) de 1,86 g/l.

                                             *

4. – Dito isto entende-se também que se não justifica o pedido de alteração da pena de multa que foi fixada. Quer o tempo significativo já decorrido desde os factos sem que o arguido registe comportamento merecedor de reparo quer mesmo a sua postura em julgamento quer ainda as suas condições económicas não apontam para a necessidade de uma pena mais severa.

Improcede, pois, nessa parte o recurso.

                                             *

5. – Em face do exposto decide-se conceder parcial provimento ao recurso, alterando a matéria do ponto 1 dos factos provados em conformidade com o referido supra.

No mais, mantêm-se a decisão recorrida.

Sem tributação.

  Nuno Gomes da Silva
Pedro Martins (Vencido conforme de declaração junta)

               PCS 54/07.9PTALM.L1 do 1º juízo de competência criminal de Almada

              Voto vencido:

              É reconhecido pelas normas que regulam a fiscalização do tipo de aparelho em causa nos autos (agora a Portaria n.º 1556/2007 de 10/12, e OIML R 126; antes o Decreto Regulamentar nº 24/98 de 30/10 e Portaria nº 748/94 de 13/08 e norma NF X 20-701, no essencial idênticos para o que aqui interessa) que o resultado que, para um caso concreto, esse aparelho dá, pode estar em erro.

              O que é certo nesse resultado é apenas que o grau de álcool por litro de sangue está, de certeza, entre dois limites.

              A sentença recorrida, com base no princípio do in dubio pro reo considerou, por isso, que só podia ter a certeza de que o arguido tinha, pelo menos, uma taxa correspondente ao limite mínimo que aquele exame permite alcançar.

              Com isto, a sentença não põe em causa o uso dos aparelhos, nem diz que eles não servem para nada, nem encontra arbitrariamente um valor de álcool por litro de sangue para o caso concreto, nem duplica a dedução de erros à taxa encontrada pelo aparelho.

              Pelo contrário, baseia-se nas precisas considerações científicas que legitimam o uso do aparelho e que estabelecem as margens de erro dos resultados que ele pode dar.

              Dito de outro modo, as normas técnico-científicas que regulam o funcionamento e utilização do aparelho e a leitura dos resultados por ele alcançados, não dizem que o aparelho dá um resultado preciso, dizem antes que ele dá um resultado que está situado de certeza entre duas margens e diz como é que se podem achar essas margens.

              Ora, o juiz, sabido isto, isto é, que o resultado está entre dois limites, não pode deixar de entender, por força do princípio do in dubio pro reo, que só pode ter a certeza que o valor que pode utilizar, na condenação do arguido, é o valor correspondente ao limite mínimo.

              O que o juiz faz, assim decidindo, é, com base na notação técnica fornecido  pelo  aparelho  e  com  base  nas  precisas considerações técnico--científicas constantes nas normas legais que regulam a aprovação, homologação, funcionamento e utilização do aparelho, concluir pela real taxa de álcool que pode ter a certeza existir num litro de sangue do arguido que está a julgar.

              Compreende-se, por tudo isto, que o ac. do STJ de 10/09/2009 (publicado sob o nº. 458/08.0GAVGS.C1-A.S1) ao abordar um acórdão do TRC que segue a posição amplamente maioritária (não dedução de erros), pondo-o em confronto com um outro que segue a posição minoritária (dedução de erros), esclareça:
“[…] mesmo que se considerasse “prova pericial” [como  faz o acórdão fundamento/da corrente maioritária] a notação técnica fornecida, haveria que abordar essa informação, apenas, como um elemento necessário ao juízo técnico-científico especializado, relevante para efeitos de julgamento, a complementar, noutra parte, com a consideração das EMA [o sublinhado é meu]
Insiste [o acórdão fundamento] a seguir no facto de as EMA serem verificadas pelo Instituto Português de Qualidade e não “casuisticamente, em todas e cada uma das múltiplas medições que o aparelho venha a realizar”, insurgindo-se contra o que apelida de “qualquer outra (nova) aplicação das margens de erro definidas pelo Regulamento aprovado pela Portaria para a "Aprovação" do aparelho”.
Como é mais que evidente, em lado algum do acórdão recorrido se contesta que as EMA devem ser verificadas pelo Instituto Português de Qualidade e não “casuisticamente, em todas e cada uma das múltiplas medições que o aparelho venha a realizar”. Ninguém “verifica” margens de erro depois de uma medição concreta de teor de álcool, feita a um condutor. Podem ou não ser tomadas em consideração, o que é completamente diferente.    
Muito menos o acórdão recorrido pretende que possa haver “duas aplicações de margem de erro”, o que aliás só poderia ser configurado se a notação técnica já incluísse uma dedução de EMA.
Como já se disse, e não vamos insistir, uma coisa é apurar tecnicamente a margem de erro de um aparelho para que possa ser usado pelas autoridades, e outra, muito diferente, é dar por provado certo facto em julgamento, concretamente o TAE apresentado por certa pessoa, em certa ocasião.
O acórdão recorrido achou que na reconstituição dos factos se devia ter em conta um concreto EMA, (evidentemente apurado, verificado, controlado, só pelo Instituto Português de Qualidade), enquanto o acórdão fundamento achou que não devia ter-se isso em conta.

                                                                 *

              Por outro lado, como a taxa de álcool por litro de sangue foi achada pelo juiz com base numa notação técnica tomada “como um elemento necessário ao juízo técnico-científico especializado, relevante para efeitos de julgamento, a complementar, noutra parte, com a consideração das EMA”, ou seja, como elemento de uma prova vinculada, o resultado alcançado não podia ser posto em causa pela confissão do arguido.

              Como se diz no voto de vencido do acórdão do TRE de 1/7/2008, publicado sob o nº. 2699/07-1,
“estamos, pois, perante um caso de prova legal ou vinculada, na medida em que a determinação e prova da taxa de álcool no sangue apenas pode fazer-se pelos métodos e com recurso aos meios aprovados pelos organismos estatais competentes, mas também com o sentido de que os resultados se impõem aos particulares e ao tribunal, desde que obtidos com respeito pelas normas que regulam as características técnicas dos aparelhos e o procedimento para aquisição e leitura da prova. Nem a confissão do arguido, nem a prova testemunhal, nem sequer eventuais meios técnicos de que por sua conta o arguido ou outrem se tivesse socorrido, podem suprir a falta daqueles meios de prova ou infirmar o seu resultado (assim […] Pedro de Albergaria e Pedro Mendes de Lima (juízes de direito), Condução em estado de embriaguez. Aspectos processuais e substantivos do regime vigente in Sub Judice nº 17 (Jan-Março2000) p. 60).

                                                                 *

              E, tendo em conta tudo isto, aceitar-se-á que o estudo que se tem visto ser citado em defesa do contrário do aqui seguido, tenha antes que ser lido como confirmando o que antecede, ou seja, que o resultado do aparelho dá apenas a certeza de que a taxa se situa entre dois limites.

              Trata-se da comunicação apresentada por M. Céu Ferreira e Antó-nio Cruz ao 2º Encontro Nacional da Sociedade Portuguesa de Metrologia com o título Controlo Metrológico de Alcoolímetros do Instituto Português da Qualidade (http://www.spmet.pt/comunicacoes_2_encontro/Alcoolime tros_MCFerreira.pdf)
Os EMA […] representam […] um intervalo dentro do qual, com toda a certeza (uma vez respeitados os procedi-mentos de medição), o valor da indicação se encontra.

              É certo que estes autores antecipam estas frases das seguintes:
Ou seja, tais valores limite, para mais e para menos, não representam valores reais de erro, numa medição concreta, mas um intervalo…

              Mas, acompanhando-se aquele voto de vencido do ac. do TRE, que significam, então, os erros máximos admissíveis?

              Da Portaria 1556/2007, tal como da OILM R 126 onde são fixados os EMA considerados, não resulta outra coisa que não seja o valor semântico da locução e o que o senso comum permite concluir a partir daqueles textos normativos.

                                                                 *

              Por fim, lembre-se que este modo de proceder (dedução de erros) teve origem numa chamada de atenção pela própria entidade encarregue da orientação da fiscalização da condução sob o efeito do álcool (através da tabela divulgada pela DGV remetida aos tribunais pela Circular 101/2006 do Conselho Superior da Magistratura) e que esta solução é, como se diz ainda naquele voto de vencido do acórdão do TRE:
a solução que […] de forma consensual, tem sido seguida para ultrapassar as incertezas suscitadas pelos velocímetros actualmente utilizados na fiscalização do trânsito.

              O mesmo se podendo dizer quanto aos cinemómetros, tal como que se pode confirmar, salvo erro, no sítio da ANSR (<= DGV), relativamente aos autos de excesso de velocidade, em que, ao lado da velocidade med[ida] (no caso: 160 km/h) se fala logo a seguir na velocidade cons[iderada] (no caso: 152 km/h) –http://www.ansr.pt/Default.aspx?tabid= 102&language=pt-PT.

              Ou como se pode comprovar na matéria de facto dos acórdãos publicados na base de dados do ITIJ relativos a contra-ordenações, em que se contrapõe a velocidade apurada à velocidade registada: No dia 07-06-2005, pelas 10:32 horas, no I. P. n.º 5, km 92,9, Viseu, o arguido, conduzindo o veículo ligeiro de passageiros, com matrícula 29-65-ZG, praticou a seguinte infracção: «O veículo circulava, pelo menos à velocidade de 121 km/h, correspondente à velocidade de 128 km/h registada, deduzido o valor do erro máximo admissível, sendo a velocidade máxima permitida no local de 90 km/h (ac. do TRC de 23/05/2007, publicado sob o nº. 2971/06.4TBVIS.C1 - o mesmo acontece no acórdão do mesmo TRC de 26/04/2007, publicado sob o nº. 457/06.6TBFND.C1). Diga-se entretanto que também aqui existe um estudo idêntico acima referido, agora sob o título: O Controlo Metrológico dos Cinemómetros, de António Cruz  e Olivier Pellegrino (http://www.ipq.pt/backFiles/CONTROLO_VELOCIDADE_080402.pdf)...

                                                                 *

Note-se que parece ser este o melhor entendimento das coisas em Espanha, entendimento seguido pelas próprias autoridades, como se vê do seguinte:

Logo depois da entrada em vigor da Lei 15/07, de 30/11, que deu nova redacção ao artigo 379.1 do Código Penal, criminalizando a condução em excesso de velocidade em dadas circunstâncias, a sentença 48/2008, do titular del Juzgado de lo Penal 3 de Jerez de la Frontera, de 17 de febrer del 2008 (publicada em http://www.icasbd.org/pdf_revista/ arxius_externs/UI95/eu_95_sentencia_03.pdf), absolveu do crime de excesso de velocidade (superior a 180 km/h) um condutor que circulava a 186 km/h, com base na dúvida, tendo em conta “los márgenes máximos de error de precisión legalmente permitidos” (fazendo o necessário depois para que o condutor fosse processado pela infracção administrativa).

Manuel Hernández Izaguerri, Abogado del Estado Sustituto para la Guardia Civil-Comandancia de Zaragoza, Jefe de la Unidad de Policía Judicial de la Guardia Civil Adscrita-Juzgados de [lo penal?], num artigo de formação publicado na revista da Guardia Civil, Junio 2008, págs. 107/110, no sítio da Guardia Civil, do Ministerio del Interior, do Gobierno de España), a propósito daquela lei, informa que:
Hasta ahora con carácter general los Jueces y Tribunales en vía contencioso administrativa han tenido en cuenta los márgenes de error permitidos para los cinemómetros en el proceso de graduación de la sanción administrativa por infracción de exceso de velocidad: Sentencia de 28 Mar. 2000, recurso 745/1997 del TSJ Comunidad Valenciana, Sala de lo Contencioso-administrativo, Sección 3ª, que aplicó los márgenes de error previstos en la Orden ITC de 11 de febrero de 1994 actualmente derogada por la Orden ITC/3699/2006, de 22 de noviembre, que regula el control metrológico del Estado de los instrumentos destinados a medir la velocidad de circulación de vehículo a motor y resolvió diciendo «Aplicadas estas normas al presente caso, resulta que efectuada la corrección de cinco centésimas, la velocidad a la que estaría circulando el vehículo denunciado seria de 99' 75 (105-5,25), inferior a la máxima permitida de 100 km/h. y, en consecuencia no estaría cometiendo la infracción imputada». Sentencia de la AN, Sala de lo Contencioso-administrativo, Sección 1ª, de 21 ene. 2000; Sentencia de la AN, Sala de lo Contencioso administrativo, Sección 1ª, de 17 nov. 2000, SJ Castilla-La Mancha, Sala de lo Contencioso-administrativo, Sección 2ª, S de 11 feb. 2000.

E depois “ensina” que:
para ser respetuoso con los principios de legalidad y seguridad jurídica, la conclusión a la que llegamos es en primer lugar, que en la actualidad no es posible medir la velocidad con margen de error cero, es decir, no es posible obtener una medición de la velocidad real. De ahí que el deber ser (velocidad real) no es posible pretenderlo, ni exigírselo a la norma, ni a quienes la aplican en este momento temporal. La realidad es otra distinta, es decir, la velocidad medida por los cinemómetros es aproximada a velocidad real, dado que existen unos márgenes de error permitidos […] Por ello el deber ser de la norma penal, aunque no puede ambicionar la perfección en la medición de la velocidad, si que debe pretender lo más justo y seguro jurídicamente, dado que se conocen los márgenes de error de estos aparatos, pues otra cosa sería que estos no se supieran. Por tanto debemos invocar razones de seguridad jurídica, para que los operadores jurídicos consideren a priori dichos márgenes de error permitidos en estos aparatos, al alza a favor del infractor, tanto en sede administrativa como en sede penal.

A 24/04/2008, um Fiscal Delegado do Estado espanhol dá conhecimento das “normas, visadas por el Fiscal General del Estado, a las que habrán de ajustarse los atestados que se elaboren por hechos relativos a los delitos contra la Seguridad Vial”(está publicado em: http://www.gomez delarosaabogados.com/docs/varios/ORDEN%20FISCALIA%20SOBRE%20ATESTADOS%20ALCOHOLEMIA.pdf)

Aí diz-se, quanto à:
CONDUCCIÓN CON VELOCIDAD SUPERIOR A LA PERMITIDA, ART.379.1 DEL CÓDIGO PENAL.
Los atestados que se elaboren por esta circunstancia deberán atenerse a las siguientes instrucciones:
6. En todos los atestados que se elaboren por esta causa será imprescindible que obre en las actuaciones la documentación del cinemómetro utilizado que exprese: si el cinemómetro se está usando como fijo o como móvil; si el modelo del cinemómetro ha sido aprobado antes o después del 30-10-2006; si ha sido reparado o modificado y la fecha de la reparación o modificación; la fecha de puesta en servicio de ese aparato; y ello con el objeto de comprobar que el certificado que se adjunta es el que corresponde y poder calcular el error aplicable. De conformidad con la Orden ITC/3699/2006.
7.- En todo caso se debe incluir en el atestado uno de los siguientes certificados, según los casos: […]
8.- ERRORES: Los errores que deben tenerse en cuenta en las mediciones de velocidad son los siguientes: […]
9. […] Una vez realizada la medición de velocidad se aplicarán los errores establecidos en las tablas anteriores, según el caso, y SOLO se tramitarán por vía judicial aquellos en los que el resultado de dichas operaciones, siga arrojando una velocidad por encima de las establecidas en el art. 379.1 del Código Penal. De no ser así se tramitarán en la vía administrativa.
[…]
CONDUCCIÓN CON TASA DE ALCOHOL SUPERIOR A LA PERMITIDA,
ART. 379.2 SUPUESTO SEGUNDO, DEL CÓDIGO PENAL.
Los atestados que se elaboren por esta circunstancia deberán atenerse a las siguientes instrucciones: […]
3.- Debe constar la documentación del etilómetro utilizado que exprese la fecha de puesta en servicio de ese etilómetro, la fecha de aprobación del modelo y la indicación de si ha sido reparado o modificado y la fecha de la reparación o modificación y ello con el objeto de comprobar que el certificado que se adjunta es el que corresponde y poder calcular el error aplicable
4.- Debe constar uno de los siguientes certificados, según los casos: […]
5.- ERRORES: En cuanto a los márgenes de error aquí ha de atenderse en todo caso a los normativos previstos en los arts. 3, 9 y 15 de la O.M. ITC/3707 […]
6. […] Una vez realizada la medición con etilómetro se aplicarán los errores establecidos en los párrafos anteriores, según el caso, y SOLO se tramitarán por vía judicial aquellos en los que el resultado de dichas operaciones, siga arrojando una tasa de alcohol por encima de las establecidas en el art. 379.2 del Código Penal. De no ser así se tramitarán en la vía administrativa. SALVO que existan síntomas suficientes para aplicar el apartado anterior.

No sítio http://espam.malaga.eu/catalogo/BOLETINES/BOLETIN16 /art0116.pdf, revista escuela de seguridad pública del ayuntamiento de Málaga, constam as seguintes instruções do Intendente da Polícia Local (para as infracções quanto à taxa de álcool, depois de ter escrito idênticas considerações para a questão da velocidade):
Con respecto a la determinación del margen de error de los instrumentos de medición, se continuará respetando el procedimiento seguido hasta ahora, si bien y dada la trascendencia que soportan los índices de alcohol en aire espirado, en este nuevo aparatado penal, se atenderá a las siguientes instrucciones:
a) En los etilómetros que se encuentren durante su primer año de servicio y que no hayan sido reparados o modificados, el error aplicable será del 5%, por tanto el valor medido ha de ser igual o superior a 0,64mlgrs/l aire espirado para que se cumpla el tipo penal solo por la tasa.
b) En los etilómetros que lleven mas de un año en servicio o hayan sido reparados o modificados el error aplicable será del 7,5%, por tanto el valor medio del índice ha de ser igual o superior a 0,65 mgrs/l en aire espirado para cumplirse el tipo penal solo por la tasa.

Em França, a Cour de Cassation (= “STJ”), ao contrário do Cour d’ Appel (= a 2ª instância, tribunal da relação), decidiu que as margens de erro podem aplicar-se a uma medida efectuada aquando de um controle de alcoolémia, mas não revogou a decisão da 2ª instância porque a interpretação das medidas das taxas de alcoolémia efectuadas por meio de um etilómetro constitui uma faculdade do juiz e não uma obrigação. Cabe pois ao juiz apreciar, segundo as circunstâncias, se a margem de erro deve ou não ser aplicada.

A decisão da Cour de Cassation de 24/06/2009, está publicada sob o nº de pourvoi 09-81119 http://www.legifrance.gouv.fr/affichJuriJudi.do?old Action=rechJuriJudi&idTexte=JURITEXT000020903672). O droit medical que dá nota destas decisões, resume assim a situação criada: A lei reconhece aos etilómetros uma margem de erro para medir a alcoolémia dos condutores. Não é por isso, no entanto, que um individuo sujeito a tal controle pode prevalecer-se dessa margem de erro para  para escapar ao processo judicial e não se ver condenado. Tal é deixado à descricionaridade do juiz pela Cour de Cassation (http://www.droit-medical.com/actualites/1-jurisprudences/576-ethylometre-alcoolemie-pouvoir-appreciation-juge#ixzz 0Tiw2g0Va).

O acórdão da Cour de Cassation diz o seguinte:
“Attendu que si c'est à tort que l'arrêt énonce que les marges d'erreur prévues par les dispositions réglementaires visées au moyen ne peuvent s'appliquer à une mesure effectuée lors d'un contrôle d'alcoolémie, l'arrêt n'encourt pas pour autant la censure, dès lors que l'interprétation des mesures du taux d'alcoolémie effectuées au moyen d'un éthylomètre constitue pour le juge une faculté et non une obligation”. Ou seja: se é sem razão que a sentença enuncia que as margens de erro previstas pelas disposições regulamentares em causa não se podem aplicar a uma medida efectuada aquando de um controlo de alcoolémia, apesar disso a sentença não incorre em censura porque a interpretação das medidas da taxa de alcoolémia efectuada por meio de um etilómetro constitui para o juiz uma faculdade e não uma obrigação.

Também no Brasil a questão parece há muito ser resolvida deste modo, desde logo como resulta da resolução 085/98 (doc. 02) da Comissão de Gerenciamento do “PROGRAMA DE SEGURANÇA RODOVIÁRIA” que resolveu “alterar o limite de velocidade para os Controladores Eletrônicos de Velocidade do tipo “ lombada eletrônica ” estabelecendo a velocidade máxima em 50 Km/h, passando a emitir autuações para os veículos flagrados em velocidade igual ou superior a 58 Km/h.” (veja-se: http://www.apriori.com.br/ cgi/for/multa-controle-eletronico-de-velocidade-modelo-t965.html)

Desde 2006, a questão está resolvida pela regulamentação dada às normas do art. 218 da Lei 9.503 de 23/09/1997 - que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro, com a versão dada pela Lei 11.334 de 25/07/2006 -, pela Resolução 202 DE 25/08/2006, que altera as tabelas de valores referenciais de velocidade estabelecida pela Resolução 146/03 do CONTRAN de 27/08, conforme Anexo II, onde se faz a correspondência entre velocidades medidas e velocidades consideradas, que é a tabela do anexo II, que tem ainda a seguinte obs: para  velocidades  medidas  superiores  aos  indicados na  tabela, considerar  o erro  máximo admissível de 7%, com arredondamento matemático para se calcular a velocidade considerada.

Naquela resolução 146/03 esclarece-se (art. 4) que a velocidade considerada para efeito de aplicação de penalidade é a diferença entre a velocidade medida [= aquela que é fornecida pelo instrumento medidor de velocidade - indicado no disposito mostrador]  e o valor correspondente ao seu erro máximo permitido.

Essa regulamentação (146/03) é seguida e explicada num relatório final da Comissão Especial de Pardais e Lombadas Eletrónicas, da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, de Nov2004 (publicada em http://www.al.rs.gov.br/Download/ComEspPardais/relatorio pardais.pdf), dela resultando que  como o valor da velocidade real (verdadeira) do veículo não pode ser determinada, assim como ocorre em qualquer medição de qualquer outra grandeza, somente se pode afirmar que a velocidade real de um veículo, obtida a partir da medição realizada por um controlador de velocidade, é um valor compreendido dentro de um intervalo. 

Desta forma, como aí se explica, resta concluir que, nos termos da legislação metrológica,
- para velocidades abaixo de 100 km/h:
(velocidade medida – 7 km/h) ≤ velocidade real ≤ (velocidade média + 7 km/h)
- para velocidades acima de 100 km/h:
(velocidade medida – 7 %) ≤ velocidade real ≤ (velocidade média + 7%).
Assim sendo, o “maior valor” que se pode assegurar, técnica e legalmente, para a velocidade do veículo, é:
- Velocidade medida – 7 km/h: para velocidades medidas até 100 km/h;
- Velocidade medida – 7%: para velocidades medidas acima de 100 km/h.
De outra maneira se estará imputando ao motorista a responsabilidade de conduzir o veículo a uma velocidade acima daquela assegurada pela legislação.
Ou seja, a velocidade considerada para efeito da aplicação da penalidade é o valor calculado pelo equipamento medidor, da forma: a velocidade medida pelo instrumento (indicada) menos o erro máximo admitido pela legislação metrológica. É portanto a velocidade considerada para efeito da aplicação da penalidade, o valor que deve ser remetido para efeitos de enquadramento da infracção no art. 218 do CBT, por ser o maior valor, respeitada a legislação vigente, que se pode imputar ao motorista para efeito da sua responsabilização.
Este relatório esclarece, depois, que a “tolerância” para a medição da velocidade adicionada ao erro máximo admitido pela legislação metrológica na fiscalização de verdadeiros excessos de velocidade existe em outros países, como Estados Unidos, Alemanha, Suécia, Holanda, Austrália, entre outros exemplos.

                                                                 *

              No sentido da dedução dos erros, vejam-se ainda os acs. do TRP de 21/01/2009 publicado sob o nº. 0817609, de 04/02/2009 publicado sob o nº. 0816424, e de 30/09/2009, publicado sob o nº. 442/08.3PBMAI.P1, todos na base de dados do ITIJ. Quase todos os outros acórdãos seguem a posição contrária e inúmeros deles estão já referidos no recurso interposto.

                                                                 *

              Assim sendo, considerando-se que TAS encontrada na sentença recorrida foi bem fixada, não tinha a mesma que ser alterada.

Lisboa, 27/10/2009

Pedro Martins

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[1] Porém, o tribunal recorrido no seu afã tabelar/justificativo acabou até por considerar legislação que não estava em vigor nessa data.

[2] www.spmet.pt/comunicacoes_2_encontro/Alcoolimetros_MCFerreira.pdf. Salvo o devido respeito esta comunicação muito utilizada para fundamentar a posição da decisão recorrida não tem sido lida mas sim treslida.
[3] Revogado pelo art. 2º da Lei nº 18/2007, de 17 de Maio. Tendo esta Lei entrado em vigor em 2007.08.15 conclui-se que na data da prática dos factos ainda estava em vigor aquele Decreto Regulamentar
[4] Esta Portaria foi revogada pelo nº 2 da Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro, que aprovou o novo “Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros”, como referido supra e que naquilo que se discute nada alterou. Embora reafirma-se não deva ser considerada no caso presente em que os factos ocorreram antes da sua entrada em vigor.
[5] “Erros Máximos Admissíveis”