Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5403/20.1T8LSB-A.L1-6
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: ASPETOS CIVIS DO RAPTO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS
CONVENÇÃO DE HAIA
REGULAMENTO BRUXELAS
II BIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/21/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: -O processo especial instituído pelo artº 3 da Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, de 25 de Outubro de 1980, que entrou em vigor em Portugal a 1 de Dezembro de 1983 e no artº 11 do Regulamento (CE) nº 2201/2003, Relativo à Competência, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Matrimonial e em Matéria de Responsabilidade Parental, aplicável desde 1 de Março de 2005 em todos os Estados-Membros da União Europeia, com exceção da Dinamarca, constitui um procedimento especial que se destina a assegurar o rápido regresso dos menores ao Estado do seu domicílio habitual, quando se verifique a sua deslocação ou retenção ilícitas.
II-A finalidade presente em ambos os diplomas consiste em evitar situações de auto-tutela e de criação de situações de facto e em que o critério a respeitar consiste sempre na defesa do superior interesse da criança.
III- A verificação da deslocação ou a retenção de uma criança, só é considerada ilícita, nos termos do artº 3 da Convenção de Haia e 11 nº2 do Regulamento CE nº 2021/2003, quando se verifiquem dois pressupostos:
-a violação de um direito de custódia atribuído pelo Direito do Estado onde a criança tenha a sua residência habitual imediatamente antes da sua transferência ou da sua retenção, direito que pode resultar de um efeito ex lege, de uma decisão judicial ou administrativa ou de acordo de custódia vigente segundo o Direito do Estado de residência habitual;
-que este direito estivesse a ser exercido de maneira efectiva, individualmente ou em conjunto, no momento da transferência ou da retenção, ou o devesse estar se tais acontecimentos não tivessem ocorrido.
IV-Tendo ambos os progenitores acordado na deslocação das menores para Portugal, com o fim de neste país estabelecerem a sua residência definitiva, no âmbito de um projecto de família previamente acordado e regressando posteriormente a progenitora ao seu país de origem, permanecendo as menores à guarda do pai, não se verificam os requisitos previstos no artº 3 da Convenção.
Sumário da Responsabilidade do Relator (artº 663 nº7 do C.P.C.)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
           
RELATÓRIO
O MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO em representação do Estado Português/ Direcção Geral de Reinserção Social, propôs contra D…, acção tutelar comum, com vista ao regresso à Alemanha das menores L… e LN , ambas nascidas no dia 29 de Janeiro de 2019, em Dresden, República Federal da Alemanha, de nacionalidade alemã, filhas de D… e de J…, ao abrigo da Convenção de Haia de 25 Outubro de 1980 sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças e do Regulamento (CE) 2201/2003.
Fundamentou o seu pedido nos seguintes factos:
-as menores são de nacionalidade alemã;
-a Alemanha é o estado da sua residência habitual;
-os progenitores não são casados entre si;
-as crianças residiam com a mãe em 01139 Dresden, Lommatzscher, Str. 35, Alemanha;
-foram retiradas à mãe pelo pai em 13/02/20, à força e sob violência e trazidas para Portugal, contra a vontade da mãe, não mais regressando à Alemanha;
 -o progenitor não permite contactos entre a mãe e as filhas;
-segundo a lei alemã a custódia das crianças cabe à mãe, sendo assim a sua deslocação e retenção em Portugal ilícitas.
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Notificado, o requerido veio deduzir oposição alegando que se deslocou com as menores e a mãe das crianças para Portugal, de mútuo acordo, com a finalidade de estabelecerem neste país a residência definitiva da família e que a mãe das menores regressou à Alemanha em 06/02/20, sem nada dizer, deixando as menores ao cuidado do requerido, nunca mais procurando estabelecer contacto com as mesmas.
Mais alegou que previamente ao seu regresso à Alemanha, a mãe subscreveu acordo no que respeita ao poder paternal das crianças, confiando-as à guarda e cuidados do pai.
Arrolou prova documental e testemunhal.
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Após, designada data para conferência de pais e, ouvidos ambos os progenitores, sem que fosse ouvida a prova testemunhal arrolada por decisão proferida pelo tribunal ad quo, foi proferida decisão que considerou a existência de retenção ilícita das menores neste país e ordenou “o regresso imediato à Alemanha das crianças L… e LN, para entrega à sua progenitora J….” 
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Não se conformando com esta decisão, veio o requerido interpor recurso, do qual constam as seguintes:
“CONCLUSÕES:
1. Por sentença proferida pelo Tribunal a quo foi ordenado o regresso imediato à Alemanha das crianças L.. e LN…, para entrega à sua Progenitora J...
2. O Tribunal a quo formou a sua convicção nos factos admitidos por acordo das partes e na valoração crítica da prova produzida, designadamente nas declarações dos Progenitores conjugadas entre si e na prova documental junta aos autos.
3. O Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos:
1 – As crianças … nasceram no dia 29 de Janeiro de 2019, em Dresden, República Federal da Alemanha, e são filhas de D…e de J…, actualmente a residir na Rua….. Lisboa.
2 – As menores são de nacionalidade alemã e o assento de nascimento das crianças foi lavrado no Registo Civil de Dresden, Alemanha, ….5 – Os progenitores das menores não foram e não são casados entre si, e as crianças encontram-se registadas em nome de ambos.
6 – Desde o seu nascimento até 11 de Dezembro de 2019, as crianças residiam com a mãe em 01139 Dresden, Lommatzscher,…, Alemanha.
9 – Em 11 de Dezembro de 2019, as crianças acompanhadas da mãe e do pai e outros familiares paternos, vieram para Portugal.
10 – Em 4 de Fevereiro de 2020, as menores foram inscritas na Creche “Voz do Operário”, instituição de ensino que continuam a frequentar.
12 – No dia 06 de Fevereiro de 2020, a progenitora, que não vivia na mesma casa do progenitor, mas em casa de familiar deste, e obrigada a viver separada das filhas, aproveitou uma oportunidade e fugiu de casa, dirigindo-se à Embaixada Alemã em Lisboa, onde pediu ajuda para voltar ao seu país.
15 – A progenitora deixou para trás os seus haveres pessoais e bem assim as filhas – aproveitando uma saída do pai com familiar paterno levando as crianças ao médico.
16 – O progenitor apresentou uma queixa-crime contra a progenitora, alegando maus tratos, a qual deu origem ao processo com o NUIPC 31/20.4SALSB, que se encontra em fase de investigação.
17 – Em 20 de Fevereiro de 2020, o progenitor apresentou um requerimento para homologação do acordo de regulação das responsabilidades parentais, das filhas menores …, o qual foi distribuído ao Juiz 1 deste Tribunal sob o nº 5403/20.1T8LSB.
18 – Em 6 de Março de 2020, a progenitora deu entrada na Autoridade Central Alemã, do pedido de regresso das crianças à Alemanha.
23 – O progenitor não permite contactos entre a mãe e as filhas, desde 6 de Fevereiro de 2020, tendo bloqueado a progenitora em todas as redes sociais.
4. Com menção ao art. 640º nº1 a), b) e c) do CPC, o Recorrente atenta que os pontos 6, 12 e 23 do artigo 4º, foram incorrectamente julgados pelo douto Tribunal a quo, propondo-se citar infra as concretas provas que determinam decisão diversa da recorrida e que os pontos 9 e 15 dos factos provados deveriam ter originado decisão diversa da que foi proferida pelo Tribunal Recorrido.
5. Não pode o ora Recorrente deixar de observar que a decisão recorrida considerou que “as declarações da Progenitora J…. foram prestadas de forma espontânea, serena, objectiva, clara, coerente, consistente, e por isso, “credíveis”, quando na verdade a Progenitora esteve em todo o depoimento acompanhada pela sua Mãe que esteve constantemente a dizer-lhe as respostas e que nunca foi repreendida pelo Tribunal a quo e que no que se refere “ às declarações do Progenitor aqui Recorrente, as mesmas foram prestadas de forma hesitante, incoerente e inconsistente, pelo que não mereceram credibilidade do Tribunal”.
6. Conforme vem citado na douta sentença recorrida e foi dado como provado, especificamente nos pontos 9, 12 e 15, as Menores vieram para Portugal no dia 11 de Dezembro de 2019 acompanhadas por ambos os Progenitores e por familiares paternos, foi a Progenitora que decidiu unilateralmente abandonar o nosso país e engendrou e preparou juntamente com a sua Mãe uma fuga de Portugal que acabou por concretizar no dia 6 de Fevereiro de 2020 e que em consciência e por decisão própria deixou para trás os seus haveres pessoais e bem assim as suas filhas que tinham acabado de completar um ano de idade, aproveitando uma saída do Progenitor aqui Recorrente para levar as Menores ao médico, factos corroborados pelas declarações de ambos os Progenitores e da prova documental junta aos autos.
7. No que respeita à deslocação das Menores para Portugal, pelo Progenitor aqui Recorrente, foi referido o seguinte: (a voltas 07.59 a 8.14)
“ J – Então as crianças… nasceram…e os senhores estavam a residir em casa dos avós, não é? E residiram nessa casa na Alemanha em Dresden até quando?
P – Até irmos embora dia 11 de Dezembro.
J – E a senhora J.. e as meninas residiram com o senhor e os avós, residiram com os senhores desde o dia de nascimento até ao dia 11 de Dezembro?
P – Tiveram sempre lá sim.
J – Não houve nenhum período em que a Mãe, a senhora J.. e as suas filhas estivessem a residir noutra casa em Dresden ou noutra cidade alemã?
P – Não.”
8. E ainda sobre quem regressou a Portugal no dia 11 de Dezembro de 2019 ( a voltas 09.45 a 10.30)
“ P – Viémos para Portugal.
J – Então quem é que regressou a Portugal? O senhor, a senhora J…, as vossas filhas…
P – Correcto. E os meus Pais.
J – A senhora J… tem alguma família em Portugal?
P – Que eu saiba não.
J – E ela concordou…ela percebeu, compreendeu a…que tipo de vida ia ter em Portugal?
P – Sim…eu sempre, nunca escondi que ia ser difícil, até psicologicamente.”
9. Na mesma direcção, a Progenitora respondeu o seguinte: ( a voltas 01.06.31 a 01.09.57)
“M – Fui morar para Portugal…o que na altura foi acordado é que eu fizesse uma espécie de tempo de experimentação de prova de férias em Portugal para saber como é que era a vida lá e que fomos, apanhamos o voo no dia 12 do 12 de 2019 e depois eu regressei para a Alemanha no dia 6 de Fevereiro com a ajuda da Embaixada Alemã.
J – Quem é que a acompanhou quando veio para Portugal?
M – Foi o Progenitor comigo, com as nossas duas crianças e também os Pais do Progenitor.
J – Então qual era o projecto, o acordo que tinha feito com o Pai das suas filhas?
M – O que foi acordado é que eu me deslocasse a Portugal para ver se sentia vontade, se me podia imaginar a viver lá, viver junto com o D…e as crianças. Um objectivo também era eu frequentar em Portugal a escola, aprender português e consequentemente encontrar emprego em Portugal.
J – Se o objectivo era ficar a residir em Portugal com o Pai das suas filhas e com as suas filhas?
M – Sim, originariamente estava planeado isso.”
10. Ficou comprovado que a deslocação das Menores para Portugal foi uma decisão voluntária e em consciência de ambos Progenitores e que as Menores vieram acompanhadas pelos dois, para residirem definitivamente em Portugal no âmbito de um projecto de família previamente acordado entre os Progenitores.
11. Relativamente ao ponto 15 dos factos provados e à “fuga” da Progenitora de Portugal para a Alemanha, diz a mesma nas suas declarações: ( a voltas 01.19.47 a 01.20.37)
“J – Se durante o período em que esteve em Portugal ela ou o Pai acompanharam, levaram as meninas ao médico?
M – Sim, o Progenitor tinha uma marcação no médico no dia 6 do 2, quando eu depois fugi, foi lá com as crianças e com a Mãe dele.
J – Porque é que ela não o acompanhou?
M – Isto foi no dia 6 do 2 e ninguém perguntou, ninguém me tinha informado e eu também para esse dia já tinha planeado a minha fuga entre aspas.”
12. A Progenitora assumiu deliberadamente “fugir” de Portugal e deixar para trás voluntária e conscientemente as suas filhas à guarda e cuidados do Progenitor e da família paterna.
13. Ora, se este facto foi dado como provado, é necessário e fundamental que se considere provado que não houve retenção ilícita das Menores em Portugal!
14. No que respeita à total ausência de contactos da Progenitora aqui Recorrida com as filhas, também erradamente foi dado como provado no ponto 23 que era o Recorrente que não permitia o contacto entre a Mãe e as filhas, tendo-a bloqueado em todas as redes sociais.
15. Contudo, e como seguidamente se demonstrará, foi precisamente o contrário, foi a Recorrida que desde o dia 6 de Fevereiro de 2020 que não estabelece qualquer contacto com as filhas, não liga para saber como estão nem sequer ousa enviar mensagens para saber se as filhas estão bem ou não e sobre o bem-estar e desenvolvimento delas. Está completamente alheada da vida das Menores!
16. Tudo isto ficou provado em sede de declarações do Progenitor aqui Recorrente: ( a voltas 14.45 a 15.20)
“ P – até hoje não sabemos nada dela, nunca se preocupou em saber como é que está as filhas. J – O senhor não tem qualquer contacto com a senhora J.. desde o dia 6 de Fevereiro? É isso que está a dizer?
P – Exactamente. Não porque eu assim quis. É porque a J… bloqueou toda a gente… a mim, aos meus irmãos, a minha Mãe…o meu Pai…todos.”
17. Sobre a ausência de contactos do lado da Progenitora foi dito o seguinte: (voltas 01.33.19 a 01.34.50)
“ J – Depois de sair do país se teve algum contacto com as filhas?
 M – Não. Não consegui estabelecer nenhum contacto, porque ele, o Progenitor bloqueou a Progenitora em todas as redes sociais e…
J – O Progenitor diz exactamente o contrário. Que foi ela que o bloqueou nas redes sociais.
M – Não, foi ao contrário.
J – Se ela tentou contactar a família do Progenitor…os tios…os avós..
M – Não, eu já sabia que eles não me iam responder, porque estavam muito chateados.
J – Mas nem sequer tentou? A minha perguntou é se tentou contactar.
M – Não.”
18. E isto, demonstra novamente que, a Recorrida deixou deliberadamente as filhas menores em Portugal e que desde o dia 6 de Fevereiro de 2020, que por iniciativa e vontade dela, que não tem qualquer contacto com as filhas, não se preocupando em saber se as filhas estão bem de saúde, se estão a crescer de forma saudável e se estão a ser bem tratadas e cuidadas. Infelizmente, a Recorrida não quer saber de nada nem procura ver nem que seja por videochamada nem ter qualquer com as filhas!
19. Os factos supra expostos e a prova carreada para os autos, determinam necessariamente uma decisão diferente da que foi sentenciada pelo Tribunal Recorrido, pela inexistência de transferência ilícita das Menores para Portugal e pelo facto de as Menores não estarem indevidamente retidas no nosso país!
20. Por outro lado, convém esclarecer que a sentença recorrida apenas se fundou nos pressupostos legais da aplicabilidade da Convenção de Haia, desconsiderando por completo o superior interesse das Menores, mormente se estão ou não integradas em Portugal, quem as tratou, guardou e cuidou desde a fuga da Mãe no dia 6 de Fevereiro de 2020 até ao dias de hoje, quem as alimentou e vestiu, quem olhes dá amor, carinho e atenção e quem é a figura de referência das Menores, conforme é referido no Relatório Social da Casa da Misericórdia de Lisboa elaborado pelas Técnicas … já junto como Doc. 1.
21. Além disso, também esta integração em Portugal é reforçada pelo Recorrente nas suas declarações que infra se transcrevem: (a voltas 20.56 a 21.21)
“ P – As minhas filhas já estão integradas aqui em Portugal. Eu também estou a lutar por elas. J – Mas também estavam integradas até Dezembro de 2019 na Alemanha.
P – Não. Porque nunca tiveram em creche, nunca tiveram em nada, sempre estiveram em casa. Aqui já têm uma vida…já têm a creche, têm uma família que está aqui sempre para elas, têm um Pai presente, têm um Pai que gosta muito delas também.”.
22. Entregá-las à Mãe é entregá-las a uma pessoa estranha para elas, uma pessoa que não vêem desde os 12 meses de idade (têm agora 21 meses), que não manteve qualquer contacto com elas durante estes meses todos, que não sabe quais são os seus gostos, as suas vontades, as suas manias e personalidades, no fundo que não as conhece! Esta é a verdade!
23. Por último, convém destacar que a acrescer ao facto da Progenitora aqui Recorrida ter regressado ao seu país de origem e ter, na verdadeira acepção da palavra, deixado as filhas em Portugal à guarda e cuidados do Progenitor ora Recorrente, assinou um acordo das responsabilidades parentais a expressar exactamente isso: Que as Menores ficavam à guarda e cuidados do Pai com quem continuariam a residir!
24. A este respeito, pela Progenitora foi referido que: ( a voltas 01.24.44 a 01.27.23)
“ J – Assinou um papel mas não sabe o conteúdo. Se o papel que assinou estava em branco ou se já tinha um texto?
M – Sim, tinha um texto em português mas eu não sabia qual o conteúdo.
J – Se ela sabe alguma de português, fala alguma coisa de português?
M – Não. Nada.
J – Só para confirmar então, não lhe foi apresentada uma tradução para alemão desse documento?
M – Não.
J – Nem lhe foi explicado o conteúdo desse documento?
M – Também não. Eu estava sob pressão, ameaçaram-me com a polícia, a Mãe do Progenitor e o D...
J – Se assinou só um papel ou assinou vários papéis?
M - ….Foi uma folha escrita, com escritas, com dizeres.
J – Não sei se é possível mostrar aqui (é exibido à Progenitora o acordo das responsabilidades parentais que ela assinou e que se encontra junta aos autos principais).
M – Sim sim, foi isto.
J – Foi este o documento que, o papel que assinou?
M – Sim. Como disse não sabia qual o teor.
J – Se sabe quando é que assinou este documento?
M – Se não estou em erro deve ter sido finais de Janeiro, mas no mês de Janeiro de certeza.”. 25. Apesar de confirmar sem margem para dúvidas que foi ela que assinou o documento que se encontra junto aos autos e que corresponde ao acordo das responsabilidades parentais acordado entre os Progenitores, tenta desculpar-se ao dizer que não conhecia o teor do mesmo.
26. Porém, tais declarações não podem, no entender do Recorrente, merecer qualquer credibilidade, na medida em que foi exibido à Progenitora aqui Recorrida não só a versão do acordo em língua portuguesa, como também a respectiva tradução em língua alemã, tendo em conta que a Progenitora não fala português e apenas conhece algumas palavras.
27. Tudo isto foi infirmado pelo Recorrente nas seguintes declarações: ( a voltas 15.58 a 16.30)
“ P – Foi no dia 5 do 2, porque a seguir quando ela fugiu, já eu tinha o documento traduzido em alemão para ela assinar.
J – E ela percebeu…o que estava escrito nesse papel?
P – Lá está! Eu fui traduzir o papel, com carimbos e tudo, com pessoas especializadas para isso mesmo, paguei para isso. A J… sabia bem o que é que ia assinar.”
28. Com o devido e merecido respeito, só uma decisão que implique que as Menores continuem a residir em Portugal à guarda e cuidados do Pai aqui Recorrente é que coloca em primeiro lugar o superior interesse das Menores, em detrimento do suposto regime legal aplicável, cujos requisitos de aplicabilidade não se encontram preenchidos!
29. No que se refere à fundamentação de direito, fundou-se o Tribunal a quo na Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia em 25 de Outubro de 1980, ratificada pelo Estado Português pelo DL nº 33/83 de 11 de Maio, e pela Alemanha, designadamente no art. 1º a).
30. Nos termos do preceito legal imediatamente supra mencionado; “ A Convenção tem por objecto assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente;”
31. De acordo com toda a factualidade e prova supra demonstrada, no caso em apreço não se verifica nenhum dos requisitos supra mencionados no normativo legal.
32. Concluindo, entende o Recorrente e salvo melhor e douta opinião que, necessário será concluir que deverá ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por outra que decrete a permanência das Menores em Portugal à guarda e cuidados do Pai, que é a sua figura de referência e onde estão familiar e socialmente integradas, fazendo-se assim a costumada e almejada justiça!
Nestes termos e nos mais de Direito e com o Mui douto suprimento dos Venerandos Desembargadores, deve o presente Recurso ser admitido e ser revogada a Decisão Recorrida, substituindo-a por uma Decisão que decrete a permanência das Menores em Portugal à guarda e cuidados do Pai, ora Recorrente.
Com o que farão V. Exas. Venerandos Desembargadores, a costumada e almejada JUSTIÇA!”
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Pelo Digno Magistrado do M.P. foram apresentadas contra alegações pugnando pela manutenção da decisão em apreço.
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As menores foram entregues a sua mãe, em cumprimento da sentença recorrida em 16/11/20, nas instalações da Polícia de Segurança Pública de Lisboa.
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QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos do disposto nos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]
Nestes termos, a questão a decidir no recurso interposto consiste em apurar se:
a) deve ser alterada a matéria de facto dada como adquirida pelo Tribunal requerido;
b) no caso em apreço, se verificam os requisitos previstos na Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia em 25 de Outubro de 1980 e no Regulamento CE nº 2201/2003 - deslocação ou retenção ilícitas em estado diferente do estado de residência habitual, sendo o regresso promovido pelo progenitor que detém a guarda do menor.
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Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes Adjuntos, cumpre decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido e relevante para a presente decisão é a seguinte:
1. As crianças L..e LN.. nasceram no dia 29 de Janeiro de 2019, em Dresden, República Federal da Alemanha, e são filhas de D… e de J.., actualmente a residir na Rua …. Lisboa.
2. As menores são de nacionalidade alemã e o assento de nascimento das crianças foi lavrado no Registo Civil de Dresden, Alemanha, ….
3. A progenitora, J.., é de nacionalidade alemã e reside na Alemanha.
4. O progenitor, D…, é de nacionalidade portuguesa e reside em Portugal.
5. Os progenitores das menores não foram e não são casados entre si, e as crianças encontram-se registadas em nome de ambos.
6. Desde o seu nascimento até 11 de Dezembro de 2019, as crianças residiam com a mãe em  Dresden, Lommatzscher,  Alemanha.
7. Na Alemanha, a principal cuidadora das crianças era a progenitora, sendo esta quem assegurava a prestação de todos os cuidados às filhas, as quais conviviam regularmente com a família materna.
8. Na Alemanha, as crianças eram acompanhadas pela médica D. K.., desde 11 de março de 2019 até 05 de novembro de 2019.
9. Em 11 de Dezembro de 2019, as crianças acompanhadas da mãe e do pai, e outros familiares paternos, vieram para Portugal.
10. Em 4 de Fevereiro de 2020, as menores foram inscritas na Creche “Voz do Operário”, instituição de ensino que continuam a frequentar.
11. A inscrição e a frequência das menores na referida creche foi efectuada sem o consentimento da progenitora.
12. No dia 06 de fevereiro de 2020, a progenitora, que não vivia na mesma casa do progenitor, mas em casa de familiar deste, e obrigada a viver separada das filhas, aproveitou uma oportunidade e fugiu de casa, dirigindo-se à Embaixada Alemã em Lisboa, onde pediu ajuda para voltar ao seu país.
13. A embaixada providenciou documentos provisórios para que a mãe pudesse regressar à Alemanha, pagou-lhe o bilhete de avião e funcionários da embaixada providenciaram alimentação para a progenitora.
14. A progenitora não conseguiu levar consigo o seu cartão de identificação, o seu passaporte e o seu cartão multibanco, que ficaram em poder do progenitor, e este entregou ao OPC em 06.02.2020.
15. A progenitora deixou para trás os seus haveres pessoais e bem assim as filhas – aproveitando uma saída do pai com familiar paterno levando as crianças ao médico.
16. O progenitor apresentou uma queixa-crime contra a progenitora, alegando maus tratos, a qual deu origem ao processo com o NUIPC 31/20.4SALSB, que se encontra em fase de investigação.
17. Em 20 de Fevereiro de 2020, o progenitor apresentou um requerimento para homologação de acordo de regulação das responsabilidades parentais, das filhas menores …, o qual foi distribuído ao Juiz 1 deste Tribunal sob o n.º 5403/20.1T8LSB.
18. Em 6 de março de 2020, a progenitora deu entrada na Autoridade Central Alemã, do pedido de regresso das crianças à Alemanha.
19. O Hospital Universitário “Carl Gustav Carus” de Dresden informou em 28 de setembro de 2020 que a progenitora “encontrou-se em regime ambulatório desde o ano 2011 até o ano 2016. Durante o atendimento, o diagnóstico de autismo foi excluído em caso da senhora J... Não se podia identificar restrições ao seu estado de saúde”.
20. Entre 01 de julho de 2020 até 28 de fevereiro de 2021, a progenitora J recebeu do Estado alemão a quantia mensal de 723,00€.
21. Os progenitores não apresentaram um pedido de custódia conjunta.
22. A progenitora J.. não fala, nem compreende a língua portuguesa.
23. O progenitor não permite contactos entre a mãe e as filhas, desde 6 de fevereiro de 2020, tendo bloqueado a progenitora em todas as redes sociais.
24. Nas declarações prestadas em 24 de setembro de 2020, a progenitora declarou que não lhe foi explicado o conteúdo, nem apresentada uma tradução para alemão do documento relativo ao “acordo” de regulação das responsabilidades parentais (que lhe foi exibido), o qual foi assinado sob ameaça.
25. Em 24 de setembro de 2020, a progenitora reiterou o seu pedido de regresso à Alemanha das suas filhas menores ...
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B- Factos Não Provados:
Com relevo para a decisão final não resultaram provados os seguintes factos:
a) Em 11 de Janeiro de 2019, a progenitora foi viver para casa do progenitor e dos pais deste, avós paternos das menores para Grossenhainer, … na Alemanha.
b) Na Alemanha, essa foi sempre a morada onde residiram as menores desde o seu nascimento até virem para Portugal com os Progenitores e com a avó paterna.
c) As menores sempre viveram com ambos os progenitores, desde o seu nascimento e até ao dia 6 de Fevereiro de 2020.
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REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Insurge-se o recorrente quanto à decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto, alegando que os pontos 6, 12 e 23, foram incorrectamente julgados, por das declarações do pai resultar que as menores viviam na sua casa e dos avós paternos na Alemanha e das declarações conjuntas de ambos os progenitores ter resultado que foi a progenitora que decidiu regressar à Alemanha, deixando as filhas ao cuidado do pai e avós paternos, nunca mais tendo tentado qualquer contacto para saber do estado das filhas.
Mais alegou que os pontos 9 e 15 dos factos provados deveriam ter originado decisão diversa da que foi proferida pelo Tribunal Recorrido, considerando que resultou provado que a deslocação das menores para Portugal foi uma decisão voluntária e em consciência de ambos os progenitores e que as menores vieram acompanhadas pelos dois, para residirem definitivamente em Portugal, no âmbito de um projecto de família previamente acordado entre estes.
Por último alega que, em relação ao ponto 24, as alegações da progenitora não podem por si só merecer credibilidade, para se considerar que um acordo, por si subscrito, não é válido, invocando as declarações do progenitor, das quais decorre que lhe foi explicado o conteúdo deste documento e que, inclusivamente, solicitou uma tradução do documento para alemão para a mãe também assinar, o que não fez por ter regressado ao seu país.
Cumpre-nos pois apreciar esta impugnação, começando por decidir 
d)  Se se verificam os requisitos para a alteração da matéria de facto e se esta deve ser alterada no sentido propugnado pelo recorrente;           
Relativamente aos requisitos de admissibilidade do recurso quanto à reapreciação da matéria de facto pelo tribunal “ad quem”, versa o artº 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, o qual dispõe que:
«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
No que toca à especificação dos meios probatórios, «Quando os meios probatórios invocados (…) tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (Artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).
No que respeita à observância dos requisitos constantes deste preceito legal, após posições divergentes na nossa jurisprudência, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que «(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.» [3]
Assim, “O que verdadeiramente importa ao exercício do ónus de impugnação em sede de matéria de facto é que as alegações, na sua globalidade, e as conclusões, contenham todos os requisitos que constam do art. 640º do Novo CPC.
A saber:
- A concretização dos pontos de facto incorrectamente julgados;
- A especificação dos meios probatórios que no entender do Recorrente imponham uma solução diversa;
- E a decisão alternativa que é pretendida.”[4]
Por outro lado, não basta fazer uma impugnação genérica da matéria de facto, com remissão para meios de prova igualmente genéricos e sem os delimitar em relação a cada facto. As exigências contidas neste preceito impõem que “esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos”.[5]
Por último, no que toca à possibilidade e limites da reapreciação da matéria de facto, garantindo-se um efectivo duplo grau de jurisdição de forma a que este tribunal em sede de recurso, forme a sua própria convicção, tem este de ser enquadrado com o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no artº 607 nº 5 do C. P. Civil e com os princípios da oralidade e da mediação de que beneficiou o tribunal de primeira instância.
Por último há que não esquecer que os autos correspondem ao processo especial, instaurado ao abrigo do disposto nos artigos 2º, 3º, 4º, 5º, 7º e 14º da Convenção de Haia, de 25 de outubro de 1980, sobre os Aspetos Civis de Rapto Internacional de Crianças, na sequência de pedido formulado pela Autoridade Central Portuguesa, os quais se inscrevem no âmbito da jurisdição voluntária, conforme disposto nos arts. 3º nº 3, 12º, 49º e seg. do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), e 986º e segs. do C.P.C.
Característica essencial destes processos consiste no facto de se não regerem por regimes de legalidade estrita, incumbindo ao magistrado realizar as provas que julgue pertinentes, recusar outras que tenha por desnecessárias, inúteis ou dilatórias face à sua natureza célere e urgente, bem como adquirir os factos relevantes e necessários para a boa decisão da causa, sem estar dependente dos factos, directa ou indirectamente, alegados pelas partes (conforme dispõe o art. 986.º nº2 do Código de Processo Civil).
Esta ampla liberdade de investigação e aquisição de factos decorrente da natureza deste tipo de processos, não se estende, no entanto, à fase de recurso, estando este tribunal limitado pela impugnação feita, nomeadamente e no que se reporta aos factos, pelo cumprimento e verificação dos requisitos previstos no artº 640 do C.P.C.[6]
No caso em apreço, estes requisitos mostram-se cumpridos pelo recorrente, pelo que nada obsta à apreciação da impugnação da matéria de facto. Para o efeito, este tribunal ouviu as declarações prestadas por ambos os progenitores e analisou os documentos e relatórios que foram juntos aos autos.
Volvendo à impugnação feita ao ponto 6 dos factos provados, invoca o progenitor em apoio da sua pretensão, as suas declarações e a errónea valoração feita pelo tribunal recorrido das declarações de ambos os progenitores, considerando que o tribunal não podia decidir este ponto baseando-se apenas nas declarações da progenitora e afastando por completo as suas declarações, insurgindo-se contra a falta de credibilidade que o tribunal lhe apontou e a total credibilidade conferida às declarações da progenitora que, segundo o apelante, foram ditadas por sua mãe, presente na inquirição, sem qualquer oposição do tribunal.
Para prova deste ponto, o tribunal ad quo baseou-se exclusivamente nas declarações da progenitora, uma vez que não indica qualquer outro meio de prova, nomeadamente documental, que efectivamente comprove que as menores desde o seu nascimento residiam apenas com a mãe, na morada indicada no ponto 6.
Impugnado este facto na oposição do progenitor e desmentido pelas suas declarações, pretendendo este que as menores residiam consigo e com a progenitora em Dresden, desde o seu nascimento até à decisão conjunta de virem viver para Portugal, considerou o tribunal recorrido credíveis as declarações da progenitora por serem “prestadas de forma espontânea, serena, objectiva, clara, coerente, consistente” e pouco credíveis as declarações do progenitor por terem sido prestadas de forma “hesitante, incoerente e inconsistente”.
Ouvidos os depoimentos dos progenitores, não se adere à tese do tribunal recorrido de que apenas as declarações da progenitora são credíveis, por contraponto às do progenitor. Não identificámos os traços de confundibilidade, incoerência e hesitação apontados ao pai, que decorreram no essencial de lhe serem apontados erros nas datas indicadas em requerimentos formulados pelo seu mandatário, neste e no apenso, olvidando o tribunal recorrido que a versão trazida pela progenitora, vertida no pedido de regresso das menores à Alemanha e que serviu de base à petição apresentada pelo Ministério Público, é totalmente falsa. Conforme resulta dos factos provados, o pai não retirou as crianças à mãe na Alemanha, pela força e com violência, partindo de seguida para Portugal, contra a vontade desta.
Por outro lado, também não colhe a alegação do progenitor de que as respostas da progenitora teriam sido ditadas pela sua mãe, alegadamente presente na inquirição, sem oposição do tribunal. Se tal tivesse acontecido (e da gravação não resulta esta realidade), ao requerido, representado pelo seu mandatário presente nessa diligência, cabia o ónus de suscitar a nulidade (cfr. artº 201 do C.P.C.).
Não o tendo feito, não pode agora suscitar esta questão, que não se reporta apenas à credibilidade das declarações, mas constitui antes nulidade das mesmas que, por não invocada nem conhecida atempadamente, o não pode ser neste momento. 
É assim necessário apreciar de forma crítica as declarações de um e outro progenitor, conjugando-a com a prova documental constante dos autos.
Posto isto, a respeito do ponto 6 os progenitores das menores prestaram efectivamente declarações contraditórias. O pai, que a progenitora após o nascimento das menores passou a residir em sua casa e de seus pais, a mãe, que residiam consigo e com o seu pai, na morada consignada no ponto 6.
Sobre esta questão, pelo progenitor, ora recorrente, foram juntas duas declarações escritas:
-uma do Hospital onde nasceram as menores, com tradução a fls. 104, da qual decorre que à data do nascimento destas, a progenitora indicou a morada constante do ponto 6;
-a outra, que consiste num certificado de residência, junto a fls. 105, com tradução no verso, da qual decorre que na residência indicada como sendo a do pai, apenas se mostram registados como constituindo o agregado familiar os avós paternos, o pai e o tio das menores, mas não as menores ou a mãe destas.
Na ausência de qualquer outro meio de prova que confirmasse o alegado pelo pai (uma vez que no registo de nascimento das menores não consta a morada de residência dos progenitores), temos pois que estas menores residiam em Dresden, Alemanha (facto sobre o qual estão de acordo), decorrendo da conjugação deste dois documentos, como mais provável que residissem na morada indicada pela mãe. Trata-se no entanto de questão de somenos importância, pois o que releva para o thema decidendum é que as crianças residiam, antes da sua vinda para Portugal, na Alemanha e têm nacionalidade alemã.
Em relação ao ponto 12, o que resultou da declaração de ambos os progenitores é que a progenitora, nessa ocasião, por desentendimentos surgidos com a cunhada do progenitor, residia em casa da avó deste, permanecendo as filhas com o pai, e que no dia 06/02/20, aproveitou uma ida das menores ao médico com o progenitor e regressou à Alemanha, com a ajuda da Embaixada Alemã.
Não resultou, nem que esta era obrigada a viver separada das filhas, nem quem a obrigava a tal, ao que decorre, sem oposição visível da progenitora, quer recorrendo aos Tribunais, à Polícia ou à sua Embaixada, uma vez que não dominava a língua portuguesa.
Impõe-se assim a alteração deste ponto em conformidade com a concreta prova produzida, para o seguinte:
“No dia 06 de fevereiro de 2020, a progenitora que, na sequência de desentendimentos com familiares do progenitor, não vivia na mesma casa do progenitor mas em casa de outro familiar deste, permanecendo as menores a residir com o progenitor, aproveitou a ida das menores ao médico com o progenitor, dirigindo-se à Embaixada Alemã em Lisboa, onde pediu ajuda para voltar ao seu país.”
No que se reporta ao ponto 23, discorda o progenitor de ter sido dado como assente que o pai impede os contactos da mãe com as menores, uma vez que quer das suas declarações, quer das declarações da progenitora, decorreu que foi esta que não mais tentou o contacto com estas menores.
Neste aspecto tem inteira razão o progenitor.
Das declarações da própria progenitora resultou que desde que regressou à Alemanha no dia 06/02/20, não mais teve contacto com as menores porque, segundo a mesma, o progenitor a bloqueou nas redes sociais. A insistência do tribunal, referiu que também nunca contactou o progenitor, nem outros familiares paternos (avós e irmão), porque “estariam muitos zangados consigo”. Questionada se pelo menos tinha tentado este contacto, respondeu que não.
Dos autos também não resulta e nem a mãe o refere, que esta, desde 06/02/20, tenha por qualquer meio, presencial, telefone, skipe ou zoom, tentado o contacto com as menores, quer por intermédio dos familiares paternos das menores, quer por intermédio da própria creche que estas frequentam, ou que tenha por qualquer via intentado saber qualquer informação sobre a evolução, cuidados e bem estar das menores (por mensagem, mail, telefone, carta ou qualquer outro meio).
A progenitora também não o requereu ao tribunal, como poderia e seria natural que tivesse feito, caso existisse efectivo impedimento de contacto com as filhas e pretendesse este contacto. Denote-se que o pedido de regresso das menores deu entrada apenas em 06/03/20 e que a decisão proferida pelo tribunal recorrido é de Outubro de 2020. Ora, no caso em apreço, as menores são de tenra idade (menos de dois anos), altura em que as relações entre mãe e filhos são, usualmente, mais fortes, pelo que não é compreensível esta aparente conformidade com qualquer ausência de contacto.
Não se vê assim que seja possível consignar que o pai não permite os contactos entre a mãe e as filhas desde 06/02/20, porque nenhuma prova foi feita no sentido de que o progenitor impede os contactos.
Muito pelo contrário, a mãe, de acordo com as suas declarações, desde 06/02/20 nunca mais tentou o contacto com as filhas, ou sequer saber informações sobre elas, sendo a referência às redes sociais perfeitamente irrelevante. O contacto entre pais e filhos, em especial com um ano de vida, não se faz pelas redes sociais, nem é admissível que seja esta identificada como meio de contacto ou de exclusão de contacto, sendo perfeitamente irrelevante saber quem bloqueou quem nas redes sociais.
Assim sendo, procede a impugnação do recorrente a respeito do ponto 23, alterando-se a sua redacção para “Desde 06/02/20, a progenitora não mais tentou ver ou contactar as menores, nem saber informações sobre as mesmas”.
Por último o progenitor vem impugnar os pontos 9, 15 e 24, com fundamento nas declarações de ambos os progenitores, alegando que destas resultou que a deslocação das menores para Portugal foi uma decisão voluntária e em consciência de ambos os progenitores e que as menores vieram acompanhadas pelos dois, para residirem definitivamente em Portugal no âmbito de um projecto de família previamente acordado entre estes e que a mãe decidiu regressar à Alemanha, deixando as menores à guarda e cuidados do pai.
No ponto 9, fez o tribunal recorrido consignar que “Em 11 de Dezembro de 2019, as crianças acompanhadas da mãe e do pai, e outros familiares paternos, vieram para Portugal.” Não se fez consignar, no entanto, a finalidade desta vinda para Portugal, que não é irrelevante para a sorte dos autos (nomeadamente para consideração do domicílio habitual), uma vez que pelo progenitor foi alegado que foi decidido entre ambos estabelecerem-se em Portugal definitivamente (não se tratando de deslocação em gozo de férias ou outro motivo temporário) e que o tribunal ordenou o regresso das menores à Alemanha, por considerar que se tratava de um caso de retenção ilícita neste país.
Ora, das declarações coincidentes quer do progenitor, quer da progenitora, resultou que efectivamente o projecto inicial e a razão da vinda para Portugal, era estabelecerem neste país a sua residência definitiva como casal, no âmbito de um projecto de família, planeando a progenitora ter aulas de português e procurar após um emprego. Projecto que se gorou por desentendimentos surgidos entre esta e a família paterna, segundo declarações de ambos os progenitores, mas que não invalida o acima afirmado.
Assim sendo, altera-se a redacção do ponto 9 dele se fazendo constar que “Em 11 de Dezembro de 2019, as crianças acompanhadas da mãe e do pai, e outros familiares paternos, vieram para Portugal, para aqui estabelecerem residência definitiva, no âmbito de um projecto de família previamente acordado entre os progenitores.”
Relativamente ao ponto 15 não se vislumbram razões para alteração do decidido, nem o pai explica em que consiste a sua discordância. Efectivamente, estão ambos de acordo em que a progenitora regressou à Alemanha, deixando neste país as menores ao cuidado do pai e avós paternos, aproveitando uma ida destas ao médico com o progenitor. Alega o progenitor que esta bem sabia dessa ida ao médico e que apenas não acompanhou as menores e o progenitor, porque tinha já projectado regressar à Alemanha. Tal questão é não só absolutamente irrelevante para a sorte dos autos, como não invalida o que se fez consignar neste ponto.
Relativamente ao ponto 24, alega o recorrente que da prova feita resulta que a mãe assinou um acordo de regulação das responsabilidades parentais, pelo que a alegação de que não sabia o que estava a assinar é falsa. Indica como meio de prova as declarações da mãe que confirma a assinatura do aludido acordo e as suas próprias declarações das quais decorre que a mãe sabia o que estava a assinar, que lhe foi explicado o conteúdo e que o fez de forma voluntária.
A questão do aludido acordo, junto com o apenso de regulação das responsabilidades parentais, surge da alegação do pai de que a mãe expressamente conferira a guarda das menores ao pai e da impugnação feita pela mãe, que alega que o referido acordo foi por si assinado, sem que soubesse o que estava a assinar, por não dominar a língua portuguesa e sob ameaças.
O tribunal ad quo sobre este ponto ouviu apenas os progenitores (pois que não inquiriu nenhuma das testemunhas indicadas pelo recorrente) e, sobre o mesmo, fez consignar no ponto 24 que a mãe declarou não ter conhecimento do conteúdo do documento que assinara e que mais declarou, que o fizera sob ameaça do progenitor.
Ora, fazer-se consignar que a mãe declarou algo, não equivale a dar-se como provado o facto declarado, em especial quando se pretende saber se o documento escrito, assinado pela mãe, o foi sem esta ter conhecimento do que estava a assinar e sob ameaças, ou seja com falta de consciência da declaração e mediante coacção física (cfr. artº 259 do C.C.).
Não constitui sequer um “facto” que devesse constar da matéria assente pelo tribunal, pois que relevante seria efectivamente consignarem-se os factos dos quais decorresse viciada a vontade da progenitora na subscrição deste documento que atribui a guarda ao pai. E, para o efeito, o tribunal teria de produzir prova sobre esta questão, se não estivesse elucidado, e não limitar-se a consignar que a mãe declarou que a sua vontade fora viciada.
Não pode manter-se assim o ponto 24 na formulação que lhe foi dada, sendo que este tribunal não tem, no entanto, por assente, ouvidas as declarações de ambos os progenitores que a mãe tenha assinado este acordo, sob ameaças e sem consciência da declaração feita, como o tribunal de primeira instância também não teve, razão para apenas ter feito consignar que a mãe assim o declarou (e sendo certo que a este respeito não produziu qualquer outro meio de prova, mormente os indicados pelo progenitor).
Assim sendo, elimina-se o referido ponto, porque já assente o essencial desta matéria no ponto 17.
Assim sendo, alteram-se os pontos 9, 12, 23 da matéria de facto assente, que passam a ter a seguinte redacção:
9 – “Em 11 de Dezembro de 2019, as crianças acompanhadas da mãe e do pai, e outros familiares paternos, vieram para Portugal, para aqui estabelecerem residência definitiva, no âmbito de um projecto de família previamente acordado entre os progenitores.”   
12- “No dia 06 de fevereiro de 2020, a progenitora que, na sequência de desentendimentos com familiares do progenitor, não vivia na mesma casa do progenitor mas em casa de outro familiar deste, aproveitou a ida das menores ao médico com o progenitor, dirigindo-se à Embaixada Alemã em Lisboa, onde pediu ajuda para voltar ao seu país.”
23 - “Desde 06/02/20, a progenitora não mais tentou ver ou contactar as menores, nem saber informações sobre as mesmas”. 
Elimina-se o ponto 24 da matéria de facto.
No demais, mantém-se a matéria de facto fixada pela primeira instância.
*
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Insurge-se o progenitor contra a decisão do tribunal de primeira instância, de ordenar o regresso das crianças à Alemanha, alegando que os factos assentes impunham decisão diversa e que o tribunal desconsiderou o superior interesse das menores que se encontram integradas e felizes junto do progenitor paterno e nenhuma relação têm com a sua mãe, que nunca mais as contactou, após ter regressado voluntariamente ao seu país de origem.
O Tribunal ad quo ordenou o regresso das menores, por considerar que “a situação dos autos configura uma retenção ilícita, por violação do direito de custódia, atribuído à mãe, de acordo com a lei alemã”, aplicável tendo em conta a nacionalidade das crianças, enquadrando assim os factos que considerou adquiridos no disposto no artº 3 da Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, de 25 de Outubro de 1980, que entrou em vigor em Portugal a 1 de Dezembro de 1983 e no artº 11 do Regulamento (CE) nº 2201/2003, Relativo à Competência, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Matrimonial e em Matéria de Responsabilidade Parental, publicado no JO L338de 23.12.2003, aplicável desde 1 de março de 2005 em todos os Estados-Membros da União Europeia, com excepção da Dinamarca.
Conforme resulta do preâmbulo da Convenção de Haia de 1980, constitui esta um instrumento de cooperação judiciária internacional que vincula os Estados Contratantes, neles se incluindo Portugal e a Alemanha e que actua em duas vertentes:
-a instituição de medidas que garantam o regresso imediato da criança ao Estado da sua residência habitual, quando ilicitamente transferidas para outro Estado contratante, ou nele retidas indevidamente;
-assegurar o respeito efectivo, nos outros Estados Contratantes, dos direitos de custódia e de visita existentes num Estado Contratante.
O mesmo objectivo presidiu ao Regulamento CE nº 2201/2003 de 27 de Novembro (Regulamento Bruxelas II bis), o qual, em relação aos Estados-Membros vinculados por este regulamento, prevalece sobre a Convenção (cfr. art. 60.º, alínea e), mas não exclui a sua aplicação, nomeadamente no que se reporta à deslocação e retenção ilícitas de menores, tendo em conta o disposto no artº 8 e 11 deste Regulamento.
Nesta medida, o Regulamento Bruxelas Bis II não substitui a Convenção de Haia, mas antes complementa-a e interpreta-a, nomeadamente no que concerne aos fundamentos de oposição ao regresso da criança ilicitamente deslocada ou retida previstos no artº 13 da Convenção de Haia.
A finalidade presente em ambos os diplomas consiste em evitar situações de auto-tutela e de criação de situações de facto e em o critério a respeitar consiste sempre na defesa do superior interesse da criança.
Nesta medida, o processo expedito previsto no Regulamento (CE) n.º 2201/2003 e na Convenção de Haia de 1980, visa obter o regresso das crianças ao seu Estado de residência habitual, apurada a deslocação e retenção ilícitas.
A verificação da deslocação ou a retenção de uma criança, só é considerada ilícita, nos termos do artº 3 da Convenção de Haia e 11 nº2 do Regulamento CE nº 2021/2003, quando se verifiquem dois pressupostos:
-a violação de um direito de custódia atribuído pelo Direito do Estado onde a criança tenha a sua residência habitual imediatamente antes da sua transferência ou da sua retenção, direito que pode resultar de um efeito ex lege (no caso em apreço da lei aplicável tendo em conta a nacionalidade das crianças e a residência habitual dos progenitores), de uma decisão judicial ou administrativa ou de acordo de custódia vigente segundo o Direito do Estado de residência habitual;
-que este direito estivesse a ser exercido de maneira efectiva, individualmente ou em conjunto, no momento da transferência ou da retenção, ou o devesse estar se tais acontecimentos não tivessem ocorrido.
Nos termos do artº 5 a) da Convenção, o direito de custódia, inclui o direito de decidir sobre o lugar da sua residência.
Com base neste preceito, conclui o tribunal ad quo que a permanência das menores em Portugal, cabendo a guarda à mãe segundo a lei da nacionalidade das menores e peticionando a mãe o seu regresso, configura retenção ilícita.
No entanto, sendo o direito de custódia da criança relevante para aferir a quem cabe decidir sobre a sua residência, não é, no entanto, determinante para, por si só, integrar o conceito de retenção indevida da criança noutro Estado, para efeitos da aplicação da Convenção de Haia de 1980 e do Regulamento CE nº 2201/2003.
Como condições de aplicação das medidas previstas nestes diplomas, exige-se que quem peticiona o regresso tenha a efectiva guarda do menor, no momento que antecedeu a deslocação ou retenção e que este menor tenha sido deslocado para Estado diferente da sua residência habitual ou nele retido, sem conhecimento e autorização do progenitor que detém a guarda. 
Só nesta medida releva a questão de saber quem detém a custódia ou a guarda do menor, uma vez que este processo especial não se destina à discussão de questões relativas à regulação ou exercício do poder parental e sem que, por mero efeito dessa apreciação decorra “a deslocação da competência para essa apreciação para os tribunais do Estado, para onde a criança foi deslocada,” mas sendo certo que, da decisão que recuse o regresso dos menores, decorre a atribuição de competência aos tribunais nacionais para a regulação do poder parental, cfr. decorre do disposto no artº 8 do Regulamento CE 2201/2003. [7]   
Nesta medida a Convenção de Haia e o Regulamento 2201/2003 asseguram o regresso das crianças ao seu Estado de origem, quando ilicitamente deslocadas ou retidas, nos termos definidos nestes diplomas e quando peticionado pelo progenitor que invoca a titularidade do poder/dever de guarda da criança, poder/dever este que lhe advém de decisão judicial, de acordo eficaz ou da lei aplicável.
Mas, como se refere em Acórdão desta Relação de 10-04-2014, processo n.º 6146/10.OTCLRS.L1-7 (relatora: Rosa Ribeiro Coelho) “o art. 3.º da referida Convenção prevê que para que a subtração do menor seja considerada ilícita é necessário que haja a violação de um direito de guarda, concedido a uma pessoa, uma instituição ou qualquer outro organismo, só ou conjuntamente, pelo Direito do Estado onde o menor tenha a sua residência habitual imediatamente antes da sua deslocação ou da sua retenção, e que esse Direito seja efetivamente exercido no momento do deslocamento ou do não regresso.”
O pedido formulado nos presentes autos fundava-se na deslocação ilícita das menores do local da sua residência habitual na Alemanha, pelo pai, pela força e contra a vontade da mãe, a quem, segundo a lei alemã, incumbia a sua guarda.
A terem resultado provados os invocados factos, estaria preenchido o pressuposto do artº 3 desta Convenção de Haia, justificando-se assim a determinação imediata do seu regresso ao seu domicílio habitual, sito na Alemanha e entrega ao progenitor a quem incumbia a guarda efectiva das menores, antes de dela ser privado.
No entanto, dos factos assentes resultou que a deslocação das menores da Alemanha para Portugal, se deveu a acordo de ambos os progenitores, com o fim de neste país estabelecerem a sua residência definitiva, no âmbito de um projecto de família previamente acordado.
Ou seja, ambos os progenitores alteraram o domicílio habitual destas menores para esse país, onde passaram a residir, em conjunto, até ao momento em que a mãe, por desentendimento surgidos com a família do progenitor, passou a residir noutra casa, permanecendo as menores com o pai e sem que se denote dos autos que tal aconteceu contra a vontade da mãe.
Não existindo deslocação ilícita, conforme consta do pedido formulado e o reconheceu a decisão recorrida, para que se pudesse considerar que existia retenção das menores de forma ilícita, necessário seria que estas tivessem permanecido num estado diferente da sua residência habitual contra a vontade do progenitor a quem incumbe a guarda, por nele se encontrarem de forma temporária, v.g. em gozo de férias ou no exercício de um direito de visitas, recusando após o progenitor que não exercia a guarda o seu regresso ao Estado de residência habitual.
É ainda necessário que a custódia fosse efectivamente exercida pela pessoa que peticiona o regresso ou que devesse estar a ser exercida, caso se não tivesse verificado a deslocação ou retenção. Não é suficiente que o progenitor que peticiona o regresse tenha a custódia “já que por força do estabelecido na al. b) do citado art.º 3.º, o exercício de tal direito tem que ser efetivo, significando tal pressuposto que para a aplicação do estatuído na Convenção da Haia de 1980 não basta que ao requerente caiba o direito em causa, mostra-se necessário que esse direito esteja a ser efetivamente observado.”[8]
Ora, a respeito do exercício da custódia pela pessoa que peticiona o regresso, no momento imediatamente antecedente à retenção, veio o Acórdão do STJ de 24/06/2010, proferido no proc. nº 622/07.9TMBRG.G1.S1, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), esclarecer, num caso em que, por sentença judicial foi fixado ao menor, como residência habitual a casa de seu pai, após este se ter deslocado com a mãe para outro Estado, que “não poderia considerar-se ilícita a retenção a não ser desde o momento em que a sentença de 10 de Agosto de 2006 fixou ao menor, como residência habitual, a casa de seu pai.
Ora nessa altura a custódia que a sentença atribuiu ao pai (na medida em que fixou a residência como se viu) não era efectivamente exercida pelo pai; nem se pode dizer que “o devesse estar” a ser exercida efectivamente pelo pai, individualmente ou em conjunto, pela razão atrás apontada relativamente à deslocação (al. b) do artigo 3º).
Não pode pois considerar-se ilícita, nem a deslocação, nem a retenção; o que, por si só, justifica a decisão proferida pelas instâncias.

Volvendo ao caso dos autos, a deslocação das menores para Portugal decorreu de opção conjunta dos seus progenitores que aqui pretendiam estabelecer residência definitiva e que efectivamente estabeleceram a residência habitual das menores neste país.
O posterior regresso da progenitora à Alemanha, após desentendimentos com a família paterna das menores, que tinham ditado a efectiva separação do progenitor, deixando as menores de facto entregues à guarda efectiva e cuidados do outro progenitor, não integra o conceito de retenção, constante do artº 3 da Convenção e do artº 11 do Regulamento, ainda que à mãe incumbisse, por força da lei alemã, a custódia das menores, uma vez que foi esta que consentiu na deslocação e na manutenção das crianças neste país pelo menos até 06/03/20[9]. Acordo que sempre existiria, ainda que a progenitora não tivesse subscrito acordo de regulação do poder paternal das menores, no qual a guarda e cuidados destas incumbe ao progenitor.
Ainda que assim não fosse, não consta dos factos assentes que a permanência das crianças em Portugal, se deveu a acção do pai ou de terceiros, com a oposição da progenitora e que contra ela a mãe não pudesse ter reagido aquando da invocada retenção das menores.
Por outro lado, quer a Convenção de Haia (artº 3), quer o Regulamento CE nº 2021/2003, no artº 8, estabelecem como escopo orientador a defesa do superior interesse da criança.
Neste caso acresce ainda que se encontra a decorrer processo de averiguação por alegados maus tratos praticados pela mãe sobre as menores, à data com menos de um ano, que a mãe das menores abandonou este país regressando ao seu país de origem, deixando duas menores de tenra idade entregues ao outro progenitor e que, desde essa data nunca mais intentou, ainda que por intermédio do Tribunal, qualquer contacto com estas menores ou sequer informações sobre as mesmas.
Há ainda a considerar que as menores, conforme decorre dos relatórios juntos aos autos datados de se encontram bem integradas e felizes junto do progenitor e demais família paterna, que manifestam forte vínculo afectivo pelo progenitor e que não conhecem a mãe que não vêm à quase um ano e que nunca as procurou. O estabelecimento de relações afectivas e o efectivo contacto com os filhos é um dever que decorre da parentalidade e a sua ausência demonstra a falta de um vínculo afectivo e emocional entre esta mãe e estas filhas e é em si equivalente a uma situação de maus tratos. Acresce que, sobre a mãe apenas se sabe que vive de um subsídio do Estado Alemão, encontrando-.se pelo contrário o progenitor a trabalhar e evidenciando forte afectividade pelas menores e preocupação com o seu futuro.
De acordo com estes factos, a decisão de regresso sempre violaria o disposto no artº 8 do Regulamento CE nº 2021/2003, pois que não assegura o superior interesse das menores, impondo-se assim como refere o Prof. Luís Lima Pinheiro[10]uma interpretação conforme à Convenção sobre os Direitos da Criança, segundo a qual o critério decisivo deve ser sempre o superior interesse da criança em causa”.
Impõe-se assim a revogação da decisão recorrida, por não preenchidos os requisitos do artº 3 desta Convenção e porque o superior interesse das menores assim o impõe.
*
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta relação em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida, recusando o regresso das menores L….e LN… à Alemanha.
Sem custas (artº 4 nº1 i) do RCP).
Dê conhecimento da presente decisão ao tribunal recorrido, pelo meio mais expedito.

Lisboa 21/01/21
Cristina Neves
Manuel Rodrigues
Ana Paula Carvalho
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[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
[3] Ac. STJ de 01.10.2015, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1, Ana Luísa Geraldes; Ac. STJ de 14.01.2016, proc. n.º 326/14.6TTCBR.C1.S1, Mário Belo Morgado; Ac. STJ de 11.02.2016, proc. n.º 157/12.8TUGMR.G1.S1, Mário Belo Morgado; Ac. STJ, datado de 19/2/2015, proc. nº 299/05, Tomé Gomes; Ac. STJ de 22.09.2015, proc. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção, Pinto de Almeida; Ac. STJ, datado de 29/09/2015,proc. nº 233/09, Lopes do Rego; Acórdão de 31.5.2016, Garcia Calejo, proc. nº 1572/12; Acórdão de 11.4.2016, Ana Luísa Geraldes, proc. nº 449/410; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.1.2015, Clara Sottomayor, proc. nº 1060/07.
[4] Ac. STJ. de 03.03.2016, Ana Luísa Geraldes, proc. nº 861/13.3TTVIS.C1.S
[5] Veja-se neste sentido a jurisprudência firmada pelos Acs. do STJ de 05/09/18, relator Gonçalves Rocha, proc. nº 15787/15.8T8PRT.P1.S2 e de 27/09/18, relator Sousa Lameira, proc. nº 2611/12.2TBSTS.L1.S1.
[6] Neste sentido vide Ac. do S.T.J. de 5/11/2009, no proc. n.º 1735/06. OTMPRT.S1, disponível in www.dgsi.pt.
[7] Beleza, Maria dos Prazeres Pizarro, “Jurisprudência Sobre Rapto Internacional de Crianças”, Revista Julgar, nº 24, 2014, págs. 78.
[8] PINTO Leal, Ana Teresa, I Jornadas de Direito da Família e da Criança – O direito e a prática forense” Alteração da Residência da Criança – Questão de particular importância? pp. 44 a 46, in http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/eb_JornadasFamiliaC2018.pdf.
[9] Neste sentido vidé ainda o Ac. desta Relação de 11/10/16, relatora Teresa Henriques, proc. nº 788/16.7T8TVD.L1-1.
[10] DESLOCAÇÃO E RETENÇÃO INTERNACIONAL ILÍCITA DE CRIANÇAS, Comunicação proferida na Conferência “Direito da Família e Direito dos Menores: que direitos no século XXI?”, que teve lugar na Universidade Lusíada, em outubro de 2014, disponível online in https://portal.oa.pt/upl/%7B40b76efc-8042-4aa6-92d6-5aa473019980%7D.pdf