Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1254/21.4T8SXL.L1-7
Relator: DINA MONTEIRO
Descritores: ACÇÃO ESPECIAL DE ACOMPANHAMENTO DE MAIOR
MEDIDA CAUTELAR
AUTORIZAÇÃO PARA VENDA
PRESSUPOSTOS
PROPOSTAS DE COMPRA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I.– O deferimento de medidas cautelares, entre elas, a autorização para a venda de imóveis, basta-se com a comprovação nos autos da real e urgente necessidade de salvaguarda da subsistência e necessidades do Maior Acompanhado, e ainda que não existam concretas propostas de compra.

II.– Imprescindível é que se encontrem definidos os elementos essenciais para a realização dessa venda, como seja o valor do imóvel e a fixação de um preço mínimo – artigos 139.º do Código Civil e 891.º do Código de Processo Civil Revisto.



Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


I.–RELATÓRIO:


A intentou ação especial de acompanhamento de maior a favor de B, seu cônjuge, alegando que o mesmo sofre de demência e, face a patologia de que padece, se encontra em dependência de terceiros, não conseguinte gerir a sua vida diária e cuidar dos seus interesses e património, necessitando de supervisão de terceiros.

Por sentença já transitada em julgado, o Tribunal decidiu:
- Decretar o de acompanhamento do Beneficiário B e aplicar ao mesmo a medida de acompanhamento de representação geral, e bem assim, nos termos do art. 147° CC, vedar o exercício de direitos pessoais, e, bem assim, a celebração de negócios da vida corrente.
- Fixar ainda a representação geral de bens, mormente no que se refere â abertura e movimentação de contas bancárias.
- Fixar como data a partir da qual a medida decretada se tornou conveniente Julho de 2019 (artigo 900.°, n° 1 do CPC);
- Determinar a revisão da medida de acompanhamento o prazo de cinco anos (artigo 155° do Código Civil).
- Nomear como acompanhante do Beneficiário a sua esposa A.
- Nomeia-se, para efeitos da composição do Conselho de Família: Sónia ....., filha, como pro-tutora, e Carlos ....., filho, na qualidade de vogal
- Determina-se a publicidade da sentença através de editais”.

Em sede cautelar a Requerente requereu ainda a venda de uma viatura que ali identificou e ainda a venda de um imóvel, que também identificou.
Para o efeito alegou que para liquidação dessas despesas com o lar e outras, bem como com as despesas básicas da própria Requerente, são insuficientes os rendimentos obtidos com as pensões de reforma que ambos auferem (Requerente e o seu cônjuge, o aqui maior acompanhado).
O Senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância deferiu o pedido de venda da viatura automóvel tendo indeferido a da venda do imóvel uma vez que, neste último caso, entendeu que não tinha sido apresentada uma proposta concreta de compra sobre a qual o Tribunal pudesse pronunciar-se em termos de deferimento ou não da pretendida autorização.

Inconformada com o assim decidido, a Requerente interpôs recurso de Apelação no âmbito do qual formulou as seguintes conclusões:
1.–Verifica-se, a páginas 3 e 4 da d. Sentença recorrida, um lapso de escrita na identificação da Requerente e na indicação da matricula da viatura cuja venda se autorizou, lapso esse cuja retificação se requer, de modo a que passe a constar: (i) A nomeação de A como acompanhante provisória; e (ii) Desde já autorizar a mesma a proceder a venda da viatura com a matricula XX-XX-XX, por quantia não inferior a € 1.500,00 (mil e quinhentos euros).
2.–Tendo sido peticionada, no Requerimento Inicial, a concessão de autorização judicial para a venda, por valor não inferior a € 100.000,00 (cem mil euros), da fração autónoma designada pela letra "B”, correspondente a uma moradia geminada sita na Rua da ..., n.° ...-A, em 2...-... - P____ F_____, foi tal autorização indeferida nos seguintes termos: «Face ao exposto, inexistindo um concreto negócio a autorizar, indefere-se a requerida autorização, sem prejuízo, de oportunamente, existindo uma proposta de compra possa vir a Acompanhante nomeado requerer a respetiva autorização judicial para um acto concreto de compra e venda.».
3.–Entendimento aquele que, com a ressalva do devido respeito, não pode proceder, já que enferma de manifesto equívoco na qualificação e enquadramento do pedido indeferido, já que, nos termos do disposto no n.° 2 do art. 891.° do CPC: «Em qualquer altura do processo, podem ser requeridas ou decretadas oficiosamente as medidas cautelares que a situação justificar». Medidas cautelares aquelas que, sob pena da sua total ineficácia, não podem deixar de assumir as características e os pressupostos dos procedimentos cautelares, v.g. a summaria cognitio e o periculum in mora (vd., neste sentido, o Acórdão do STJ de 20.3.1990, proferido no processo ao qual foi atribuído o numero convencional JSTJ00012868 e disponível em www.dgsi.pt, e também o Acórdão do STA de 24.5.2018, proferido no processo n.° 0371/18, igualmente disponível em www.dgsi.pt).
4.–O pedido julgado improcedente pela d. Sentença recorrida foi deduzido ao abrigo do disposto no n.° 2 do art. 891.° do CPC, como resulta do ponto V do Requerimento Inicial, sob a epígrafe «DECRETAMENTO DE MEDIDAS CAUTELARES», que abrange os artigos 18.° a 29.° daquele mesmo requerimento.
5.–A d. Sentença recorrida incorre em erro na apreciação e valoração da prova documental junta com a petição inicial, já que, com base nos Docs. 7 a 12 juntos com aquela mesma peça processual, deveria ter sido considerado provado o facto alegado no art. 20.° daquela mesma petição, ou seja, que: «A institucionalização do Réu na Residencial Geriátrica da ..... é fonte de um custo mensal fixo de € 1.122,64, a que acrescem despesas extraordinárias, que, apesar de serem variáveis, perfazem uma média mensal superior a € 100,00».
6.–Por outro lado, com base nos Docs. 13 e 14 juntos à petição inicial, a d. Sentença recorrida devia também ter considerado provado o facto alegado no art. 21.° daquela mesma petição, ou seja, que: «A institucionalização do Réu na Residencial Geriátrica da ..... importa um custo anual de cerca de € 14.670,00, sendo que, conjuntamente, a Autora e o Réu auferem anualmente € 14.376,00, provenientes de pensões de reforma».
7.–Ainda com base nos mesmos Docs. 13 e 14 juntos à petição inicial, a d. Sentença recorrida deveria ter considerado provado o facto alegado no art. 22.° daquela mesma petição, ou seja, que: «A institucionalização do Réu na Residencial Geriátrica da ..... não só absorve a totalidade dos rendimentos auferidos pela Autora e pelo Réu, como, inclusivamente, são estes mesmos rendimentos insuficientes para custear aquela institucionalização».
8.–Assim, não só à luz dos factos que foram considerados provados pela d. Sentença recorrida, mas também à luz dos factos que deveriam ter sido considerados provados, o Réu incorre mensalmente, por virtude das necessidades inerentes ao seu estado de saúde, em encargos superiores aos seus rendimentos, sendo que este deficit já se vem acumulando desde que o Réu se encontra institucionalizado na Residencial Geriátrica da ....., ou seja, desde Janeiro de 2020. Factos aqueles que, por conseguinte, claramente evidenciam a necessidade da venda da fração autónoma identificada na alínea a) do art. 19.° da petição inicial, para garantia da satisfação das despesas de saúde e de subsistência do Réu.
9.–Sendo que, nos termos do disposto no n.° 2 do art. 891.° do CPC, podem ser requeridas ou decretadas oficiosamente, em qualquer altura do processo, todas e quaisquer medidas cautelares que a concreta situação do maior acompanhado justificar, sobretudo aquelas medidas que, em caso de estar o seu decretamento dependente da normal demora de um processo de autorização judicial, possam vir a ser ineficazes para a salvaguarda da satisfação das necessidades de saúde e de subsistência do Réu. Por conseguinte, e com a ressalva do devido respeito por melhor entendimento, não é minimamente aceitável o entendimento vertido na d. Sentença recorrida, nos termos do qual não possa o Tribunal, mesmo em sede de Medidas Cautelares, autorizar antecipadamente o acompanhante a celebrar, em representação do maior acompanhado, concretos negócios jurídicos de venda de bens especificados e em condições também elas previamente definidas, como, por exemplo, através da fixação de um preço mínimo de venda.
10.–Até porque, como é sabido, o ritmo do Mercado (v.g. do Mercado Imobiliário) não é o ritmo dos Tribunais, e, caso venha a surgir uma proposta de compra da fração autónoma identificada na alínea a) do art. 19.° da petição inicial, não é razoável esperar que o proponente esteja disposto a esperar meses, ou até anos, para que a ora Autora obtenha uma decisão judicial de autorização de venda daquele mesmo imóvel.
11.–Por conseguinte, a d. Sentença recorrida, v.g. por intermédio da concreta decisão que se impugna por meio do presente recurso, enferma de violação da norma do n.° 2 do art. 891.° do CPC, já que, segundo aquela que é a correta interpretação e aplicação desta norma, podem ser requeridas ou decretadas oficiosamente, em qualquer altura do processo, todas e quaisquer medidas cautelares que a concreta situação do maior acompanhado justificar para salvaguarda da sua subsistência, incluindo a autorização judicial para a venda de determinados bens do maior acompanhado relativamente aos quais não existam ainda concretas propostas de compra, desde que se encontrem definidos os elementos essenciais da venda, como seja a fixação de um preço mínimo.
Conclui, assim, pela prolação de Acórdão que, revogando a Sentença recorrida, declare a medida cautelar de autorização da Requerente a proceder à venda, por valor não inferior a € 100.000,00 (cem mil euros), da fração autónoma designada pela letra “B”, correspondente a uma moradia geminada sita na Rua da ..., n.° ...-A, em 2...-... - P____ F____.

Uma vez que não se mostrava cumprida a notificação ao Ministério Público, quer das alegações de recurso quer do recebimento desse mesmo recurso, nem o Senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância se tinha pronunciado sobre as retificações materiais da sentença suscitadas pela Apelante, foi determinado que o processo baixasse à 1.ª Instância para suprimento dos actos omitidos.

Cumpridas que foram as diligências em falta, o Ministério Público não apresentou contra-alegações.

Cumpre apreciar e decidir.

II.–FACTOS PROVADOS

1.–A 02 de Dezembro de 2021 o Senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância proferiu a seguinte decisão cautelar:
“Em sede cautelar veio a Requerente requerer como medida provisória a venda de uma viatura e ainda a venda de um imóvel, que identifica, porquanto as despesas mantidas com o Requerido, designadamente para pagamento do lar e outras despesas com o mesmo, uma vez que essas despesas e ainda as despesas e básicas da aqui requerente, não logram ser liquidadas apenas com o valor das pensões de reforma que ambos auferem.
No âmbito da presente decisão, encontra-se fundamentalmente em causa se se encontram ou não reunidos todos os pressupostos necessários à aplicação de medida(s) cautelar(es), designadamente a nomeação de acompanhante provisório e autorização de determinados actos a praticar por este, no caso a venda de uma viatura e de um imóvel.
Com efeito, preceitua o artigo 139.°, n.° 2 do Código Civil, que “em qualquer altura do processo, podem ser determinadas as medidas de acompanhamento provisórias e urgentes, messarias para providenciar quanto à pessoa e bens do requerido".
Por sua vez, estatui o artigo 891.°, n.° 2, do Código de Processo Civil, que “em qualquer altura do processo podem ser requeridas ou decretadas oficiosamente as medidas cautelares que a situação justificar."
Ainda que esteja em causa um juízo meramente perfunctório, a aplicação de medidas provisórias demanda sempre que as mesmas se baseiem em suficiente motivação fáctica e jurídica, que ancore tal sentido decisório, mormente no que diz respeito à necessidade e urgência de que aquelas se revistam, in casu.
Com efeito, subjaz aos normativos supra citados a ideia de necessidade e subsidiariedade, porquanto consagram medidas que apenas antecipam uma decisão final, mas não a substituem, devendo o julgador ter presente o respeito pela dignidade do beneficiário e pelo estritamente indispensável à salvaguarda dos seus interesses fundamentais (cfr. Paula Távora Vítor, in “Código Civil Anotado", Vol. I, Almedina, p. 171).
Ora, da factualidade dada como assente, verifica-se que o requerido padece de demência, encontra-se numa situação de incapacidade absoluta - não logrando gerir a sua pessoa e bens (conforme infra se especificará em sentença), encontra-se a residir em lar de idosos, pagando mensalmente € 1190,00, acrescido de outras despesas de cerca de € 100,00 mensais, mais resultando que os mesmos auferem reformas nos montante anuais evidenciados a fls. 28. Por outro lado, resulta que o Requerido não mais conduzirá a referida viatura, sendo que a mesma se deprecia.

Afigura-se, pois, ser de deferir a pretensão, e por essa via, determina-se:
A nomeação de A como acompanhante provisória;
Desde já autorizar a mesma a proceder a venda da viatura com a matrícula XX-XX-XX, por quantia não inferior a € 1.500,00 (mil e quinhentos euros).
Deverá juntar aos autos o comprovativo da venda e ainda do depósito do preço, no prazo de 10 dias após a venda ora autorizada.
No que se reporta ao imóvel, cumpre atentar no seguinte.

A logica da autorização judicial - ainda que aqui por via cautelar, que lhe subjaz é que o Tribunal seja chamado a pronunciar-se sobre um concreto acto de disposição, com um objeto perfeitamente delimitado, por forma a garantir o escrutínio pretendido pela lei, mormente o concreto preço e condições de venda.
Torna-se, assim, imperioso que, aquando da propositura da ação, exista, pelo menos, um projeto do acto que se pretende ver autorizado, concretizando-se o tipo de negócio a praticar [ou uma compra e venda ou uma permuta] e os termos do mesmo, individualizando, desde logo, as contrapartidas económicas acordadas [por exemplo, o preço acordado], as obrigações que o mesmo acarreta, os encargos financeiros associados ao mesmo.
Efetivamente, apenas se justifica requerer autorização judicial para uma concreta venda e respetivas condições e preço, para que o Tribunal possa, no momento adequado, aquilatar de adequação e necessidade da pretendida venda, para efeitos da defesa do interesse da interditada tendo em conta.
Face ao exposto, inexistindo um concreto negócio a autorizar, indefere-se a requerida autorização, sem prejuízo, de oportunamente, existindo uma proposta de compra possa vir a Acompanhante nomeado requerer a respetiva autorização judicial para um acto concreto de compra e venda”.
2.–A sentença que decretou o acompanhamento de representação geral de B e do seu acompanhamento pelo seu cônjuge, A, transitou em julgado.
3.–A aqui Requerente e o Beneficiário B casaram um com o outro em 30 de Outubro de 1970, no regime de comunhão de adquiridos;
4.–O imóvel mencionado nos autos é uma fração autónoma designada pela letra “B”, correspondente a uma moradia geminada sita na Rua da ..., n.º ..., em P____ F_____, com a tipologia de um T3 e com o valor patrimonial de € 95.937,80 segundo avaliação realizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira no ano de 2018;
5.–Este imóvel foi adquirido pela aqui Requerente e pelo Beneficiário B, na constância do matrimónio, encontrando-se registado a favor destes na Conservatória do Registo Predial do Seixal pela Ap. 3 de 31 de Outubro de 1996.
6.–A moradia acima referida era a casa de morada de família da aqui Requerente, A, e do Beneficiário B;
7.–A presente ação deu entrada em Tribunal no dia 19 de Maio de 2021.

III.–FUNDAMENTAÇÃO

O conhecimento das questões por parte deste Tribunal de recurso encontra-se delimitado pelo teor das conclusões ali apresentadas salvo quanto às questões que são de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.ºs 3 a 5 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil Revisto.
O conteúdo de tais conclusões deve obedecer à observância dos princípios da racionalidade e da centralização das questões jurídicas objeto de tratamento, para que não sejam analisados todos os argumentos e/ou fundamentos apresentados pelas partes, sem qualquer juízo crítico, mas apenas aqueles que fazem parte do respetivo enquadramento legal, nos termos do disposto nos artigos 5.º e 608.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil Revisto.
Excluídas do conhecimento deste Tribunal de recurso encontram-se também as questões novas, assim se considerando todas aquelas que não foram objeto de anterior apreciação pelo Tribunal recorrido.
A única questão de Direito colocada à consideração deste Tribunal é a de se saber se o pedido de deferimento de uma medida cautelar de autorização para venda de bem de um maior acompanhado, por parte do seu representante, tem de ser acompanhada da apresentação de uma concreta proposta de compra.
Assim o entendeu o Senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância, nos termos da decisão que consta do Ponto 1 dos Factos Provados.
De forma distinta entende a Apelante, na qualidade de acompanhante nomeada ao seu cônjuge, o aqui maior acompanhado, a quem foi aplicada a medida de acompanhamento de representação geral e que defende que “(…) podem ser requeridas ou decretadas oficiosamente, em qualquer altura do processo, todas e quaisquer medidas cautelares que a concreta situação do maior acompanhado justificar para salvaguarda da sua subsistência, incluindo a autorização judicial para a venda de determinados bens do maior acompanhado relativamente aos quais não existam ainda concretas propostas de compra, desde que se encontrem definidos os elementos essenciais da venda, como seja a fixação de um preço mínimo”.
Para além desta questão de Direito, suscita também a Apelante o aditamento de matéria de facto que considera Provada, em face dos documentos juntos ao processo e que não sofreram contestação.
A Apelante apresentou ainda pedidos de retificação de erros materiais constantes da decisão em apreciação e que foram já objeto de deferimento pelo Senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância e de inserção nos locais respetivos pelo que, quanto a esta questão, nada mais há a determinar que não seja uma chamada de atenção ao Senhor Funcionário que, no cumprimento do determinado, não procedeu ainda à correta retificação do nome da aqui Apelante, como podemos verificar da consulta ao processo.
Trata-se, porém, da execução de uma decisão já proferida pelo Senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância e que, como tal, será verificada pelo mesmo em determinação ao Senhor Funcionário daquele Tribunal.

Vejamos as demais questões acima enunciadas.

Comecemos pela apreciação da matéria de facto, cuja fixação em termos de Provado, necessariamente irá condicionar a apreciação da questão de Direito.

Defende a Apelante que devem ser aditados à matéria Provada os factos que constam dos documentos juntos ao processo com os números 7 a 14 e dos quais resulta que:
1.–“A institucionalização do Réu na Residencial Geriátrica da ..... é fonte de um custo mensal fixo de € 1.124,64 a que acrescem despesas extraordinárias, que, apesar de serem variáveis, perfazem uma média mensal superior a € 100,00”;
2.–“A institucionalização do Réu na Residencial Geriátrica da ...importa um custo anual de cerca e € 14.670,00 sendo que, conjuntamente, a Autora e o Réu auferem anualmente € 14.376,00 provenientes de pensões de reforma”;
3.–“A institucionalização do Réu na Residencial Geriátrica da .... não só absorve a totalidade dos rendimentos auferidos pela Autora e pelo Réu como, inclusivamente, são estes mesmos rendimentos insuficientes para custear aquela institucionalização”.

Como podemos observar da leitura da decisão proferida e acima transcrita, o Senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância, na análise que realizou acabou por considerar que “(…) verifica-se que o requerido padece de demência, encontra-se numa situação de incapacidade absoluta - não logrando gerir a sua pessoa e bens (conforme infra se especificará em sentença), encontra-se a residir em lar de idosos, pagando mensalmente €1190,00, acrescido de outras despesas de cerca de € 100,00 mensais, mais resultando que os mesmos auferem reformas nos montante anuais evidenciados a fls. 28”, ou seja, um montante anual de € 14.376,00 conforme se extrai daquele documento.

Incontornavelmente, trata-se de matéria que deve integrar o núcleo de factos a serem considerados como Provados.

Porém, a verdade é que, como podemos concluir pela transcrição acima realizada, também o Senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância teve esse mesmo entendimento tendo sido considerados na decisão proferida, muito embora na decisão não conste, formalmente, a indicação dos Factos Provados, quer em relação a estes Factos, quer em relação a outros.

Estamos, porém, no âmbito de uma ação que tem caráter urgente e a que se aplicam “com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz (…)”, ou seja, em que as regras formais não se impõem ao conteúdo da decisão – artigos 986.º e seguintes do Código de Processo Civil Revisto.

Importante é que, na decisão proferida, constem elementos seguros de que tais factos foram ali tidos em consideração, como é o caso aqui em análise.

No mais, estamos perante a realização de simples operações matemáticas para a realização das quais temos os elementos necessários e que, como também podemos comprovar da leitura do enxerto da decisão acima transcrito, foram ali considerados.

Assim sendo, todos os factos que a Apelante pretende que sejam introduzidos como Factos Provados, detêm já essa categoria e foram tidos em consideração na prolação da decisão ora impugnada.

O que aqui importa analisar em sede de recurso é uma questão distinta: é a de se saber se perante estes dados (factos provados), devia o Senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância ter proferido decisão a autorizar a pretendida venda do imóvel.

E a essa concreta questão, não pode este Tribunal de recurso deixar de responder afirmativamente.
Com efeito, desde logo podemos constatar que o entrave colocado ao deferimento desta venda não foi seguido quanto à autorização da venda do veículo automóvel, prontamente autorizada.
O bem cuja autorização de venda é peticionada é um bem comum de Requerente e do seu marido, o aqui Maior Acompanhado, pelo que sempre se teria de ter como validamente aceite o valor mínimo avançado para a pretendida venda, quer atendendo ao interesse próprio da aqui Requerente na sua venda pelo valor mais elevado possível – uma vez que é também proprietária desse bem -, quer atendendo ao próprio valor recente (2018) atribuído pelas Finanças, quer ao próprio facto de estarmos perante a venda de uma propriedade que foi a casa de morada de família o que, por si só, demostra as dificuldades que estão a ser vivenciadas pela família para suportar os custos com a Residencial onde o Beneficiário se encontra a residir.

Por outro lado, tendo sido apresentado um valor mínimo para a pretendida venda do imóvel, sendo certo que a sua venda poderá ser realizada por um valor muito mais elevado, podemos constatar que não houve qualquer oposição ao valor dessa avaliação que subjaz à pretensão deduzida, quer por parte do Tribunal, quer do próprio Ministério Público.

A questão centra-se, assim, como acima já deixamos expresso, saber se essa autorização para a venda do imóvel pode ser autorizada sem que tenha sido apresentada uma concreta proposta de compra.

Salvo sempre o devido respeito, nem a lei impõe tal requisito, conforme se extrai do conteúdo do artigo 139.º do Código Civil e 891.º do Código de Processo Civil Revisto, nem tal procedimento se nos afigura viável tendo em atenção a forma como atualmente decorrem as transações no mercado imobiliário, cada vez mais com o aparecimento imprevisível de compradores e que, quando surgem, esperam uma concretização imediata, como é do conhecimento comum.

Comprovada a necessidade de venda de um determinado bem, para fazer face às despesas do maior acompanhado – questão que não está aqui em discussão tendo, aliás, sido assumida como verificada pelo Senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância -, o que importa salvaguardar no interesse desse maior acompanhado, é saber se o valor atribuído ao bem a ser vendido está conforme os valores vigentes no mercado à data da sua concretização.

Preenchidos estes pressupostos, como no caso estão, há todo o interesse em autorizar a venda do imóvel do maior acompanhado para fazer face ao pagamento das despesas decorrentes do seu internamento no Residencial Geriátrica em que se encontra e que, como também é do conhecimento comum, não se compadecem com a espera pelo concreto aparecimento de um comprador que, por sua vez, sempre teria também de esperar por uma posterior decisão do Tribunal concedendo tal autorização e que, face ao inerente tempo de espera, poderia também perder o interesse na própria aquisição. E tudo isto com concretos prejuízos para o maior acompanhado, para o seu representante legal, o cônjuge daquele e aqui Apelante, assim como para os demais familiares que compõem o Conselho de Família, filhos de ambos.

Por fim sempre se dirá que não se compreende que benefícios poderiam ser trazidos a todos estes interessados, e à salvaguarda da manutenção dos cuidados a prestar ao maior acompanhado, a indicação de um concreto comprador para a venda.

Estamos perante um processo com natureza urgente sendo que o que deve ser apurado é a necessidade da venda requerida e se o valor indicado para a sua realização acautela os interesses do maior acompanhado, situações que, como acima já deixamos expresso, o Tribunal de 1.ª Instância deu resposta positiva e que, no mais, não se encontra em recurso.

IV.–DECISÃO

Face ao exposto, revogando-se a decisão proferida pelo Senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância, autoriza-se A, acompanhante do Beneficiário B, a proceder à venda da fração autónoma designada pela letra "B”, correspondente a uma moradia geminada sita na Rua da ..., n.° ..., em 2...-... - P____ F____, por valor não inferior a € 100.000,00 (cem mil euros).
Nos dez dias seguintes à realização desta venda, deverá ainda esta acompanhante comprovar nos autos o depósito do valor correspondente a essa venda.
Sem custas.


Lisboa, 08 de Fevereiro de 2022



Dina Maria Monteiro
Isabel Salgado
Maria da Conceição Saavedra