Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
678/03.3TTLSB.L1-4
Relator: LEOPOLDO SOARES
Descritores: OCUPAÇÃO EFECTIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/09/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I - A violação do dever de ocupação efectiva não pode ser analisada exclusivamente no plano da realização pessoal do trabalhador em termos de se entender que a sua inactividade (quando comprovada) confere sempre um direito à rescisão unilateral do contrato por parte do trabalhador.
II - Ao direito de valorização e dignificação profissional dos trabalhadores contrapõe-se o princípio da liberdade da iniciativa económica das empresas, também consagrado constitucionalmente, de tal forma que a existência de um dever de ocupação efectiva decorre, em primeira linha, de um princípio de igualdade entre os trabalhadores da mesma empresa; os trabalhadores devem estar sempre numa situação de igualdade quer quanto à ocupação quer quanto à execução do trabalho, e daí que a violação do dever de ocupação efectiva se deva reconduzir a um problema de boa fé.
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

A, , intentou acção emergente de contrato individual de trabalho contra “B.
Pede  a sua condenação a pagar-lhe € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) por danos morais e a quantia de € 64.867,44 a título de horas extraordinárias efectuadas e não pagas, ou no valor que, a tal título , se vier a liquidar em execução de sentença.
Alega, em resumo, que ,  trabalha por conta e sob a direcção da Ré , desde 1 de Junho de 1988, exercendo  as funções de contabilista e responsável pela escrita,
A partir de Janeiro de 1990, passou a desempenhar as funções de Directora Administrativa e Financeira,
Ultimamente desempenhava as funções de Directora de Serviços.
Todavia a  Ré retirou-lhe as suas funções, deixando-a sem nada para fazer.
Verificou-se violação do dever de ocupação efectiva.
Desde  1997, prestou trabalho além do horário normal de trabalho, que nunca lhe foi pago.
Realizou-se audiência de partes.
A Ré veio contestar.
Alegou, em síntese, que retirou à autora o pleno exercício das suas funções.
Porém, foi-lhe explicado que o seu posto de trabalho tinha deixado de existir, o mesmo se passando com as horas de trabalho suplementar porquanto beneficiava de flexibilidade de horário.
Foi proferido despacho saneador e fixada a matéria de facto assente e a base instrutória.
Foram apresentadas reclamações que foram deferidas.
Realizou-se julgamento que foi gravado.
Fixou-se a matéria de facto em moldes que não mereceram reparos.
Foi proferida sentença que na parte decisória teve o seguinte teor:
“ Nos termos e fundamentos expostos e atentas as disposições legais citadas,
julga-se a acção improcedente, e, em consequência absolve-se a ré “Red Portuguesa – Publicidade Exterior, SA”, do pedido.
Custas a cargo da autora (artigo 446º do Código Processo Civil).
Registe e notifique.” – fim de transcrição.
Inconformada  a Autora recorreu .
Formulou as seguintes conclusões:
(…)
A Ré contra alegou.
Formulou as seguintes conclusões:
(…)
O recurso foi admitido .
O Exmº Procurador – Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do  recurso.
Foram colhidos os vistos dos Exmºs Adjuntos.
Nada obsta à apreciação.                         
                                                            ***                             
                                           
Em 1ª instância foi dada a seguinte  matéria de facto:
1. A autora desempenhava na ré, ultimamente as funções de Directora de
Serviços – (A)
2. Nessa qualidade competia-lhe, pelo menos, a coordenação das seguintes
áreas: administrativa, financeira, da contabilidade, da tesouraria, de pessoal, de
contencioso, das compras e orçamentos e ainda as funções especificas de técnica oficial de contas – (B).
3. A autora exercia as suas funções sob as ordens, direcção e fiscalização da ré, reportando directamente ao Conselho de Administração desta – (C).
4. Em 2001 a retribuição mensal da autora era composta por Esc. 569.000$00,
de remuneração base acrescida de subsidio de almoço – (D).
5. Desde Abril de 1994 a ré tinha distribuído à autora uma viatura de propriedade daquela, para uso profissional da autora, suportando a ré todos os custos de manutenção e seguro da mesma, inclusive todo o consumo de gasolina destinada ao uso profissional e destinada ao uso pessoal – (E).
6. Em 05 de Fevereiro de 2002, a autora foi notificada da decisão da ré de
proceder ao seu despedimento, com efeitos imediatos – (F)
7. Tal decisão foi tomada pela ré na sequência de processo de extinção do posto de trabalho da autora – (G).
8. A autora não se conformando com tal decisão, requereu procedimento cautelar de suspensão do despedimento e bem assim instaurou a competente acção de impugnação, que correm termos pela 1ª secção do 1º juízo deste Tribunal (…) – (H)
9. Na identificada providência cautelar foi proferida decisão que decretou a suspensão de despedimento da autora, decisão actualmente pendente de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa – (I)
10. Em 27 de Março de 2001 a maioria do capital social da ré, foi adquirida pela
empresa de direito francês, denominada C, SA – (J)
11. Na sequência de negociações, iniciadas em Agosto de 2000, com os
anteriores titulares das correspondentes acções – (L)
12. A autora participou na discussão e elaboração do orçamento da empresa
para o exercício de 2001 – (M)
(A alínea N) dos Factos Assentes foi eliminada cf. despacho de fls. 129)
13. Nessa medida e perante a próxima transferência de titularidade da maioria do capital social, os representantes da promitente adquirente, participaram, em pelo menos, duas reuniões e posteriores trabalhos relativos à elaboração do dito orçamento, solicitando à autora que incluísse no orçamento que estava a elaborar algumas alterações do seu interesse – (O)
14. Sugestões que, aceites pelo então Conselho de Administração, a autora
introduziu no dito orçamento – (P)
15. A autora efectuou uma intervenção cirúrgica em 02 de Abril de 2001 – (Q).
16. A necessária recuperação da autora implicou que a mesma se mantivesse de baixa até 22 de Maio de 2001, data em que compareceu no seu posto de trabalho para reiniciar as suas funções – (R).
17. Após o seu regresso da baixa médica referida supra, a autora, por ordens e
instruções da ré, foi instalada na sala onde funcionava a tesouraria, do grupo C – (S).
18. Encontrando-se a sua secretária e cadeira exactamente por baixo do
aparelho de ar condicionado – (T)
19. Em finais de Junho de 2001 pretendeu a ré negociar com a autora a
cessação do contrato que mantinha com esta – (U).
20. Negociações que foram efectuadas até, pelo menos, Dezembro de 2001, sem que tivesse sido obtido acordo entre a autora e ré – (V).
21. A partir de Novembro de 2002, foi retirada à autora a responsabilidade pelo
preenchimento e respectiva assinatura das declarações mensais do IVA, ou qualquer outra – (X).
22. No organigrama apresentado em 18 de Outubro de 2001 a autora já nem
constava do mesmo – (Y).
23. Como não obtivesse o acordo da autora, a ré em Janeiro de 2002, iniciou
procedimento de extinção do posto de trabalho da autora – (Z).
24. A retribuição da autora, em 1997, era constituída por Esc. 126.500$00 de
remuneração base – (AA)
25. Em 1998, no período de Janeiro a Agosto, constituída por Esc. 126.500$00
de remuneração base – (BB).
26. E, no mesmo ano, mas por período de Setembro a Dezembro, a retribuição
mensal base da autora era constituída por Esc. 140.000$00 – (CC).
27. Em 1999, e no período de Janeiro a Agosto, a retribuição mensal base da
autora era constituída por Esc. 140.000$00 – (DD).
28. No período de Setembro a Dezembro de 1999, a retribuição base da autora
era constituída por Esc. 150.000$00 – (EE)
29. No ano de 2000 e de Janeiro a Abril, a retribuição mensal base da autora era constituída por Esc. 150.000$00 – (FF).
30. Ainda em 2000, no período de Maio a Dezembro, a retribuição mensal base
da autora era constituída por Esc. 569.000$00 – (GG)
31. A autora tinha o uso de um telemóvel fornecido pela ré – (HH).
32. Tinha ainda a autora o uso de um computador portátil, fornecido pela ré – (II).
33. A autora podia efectuar com o telemóvel referido em HH), por motivos de
ordem particular, alguns telefonemas pessoais – (JJ).
34. Durante o período que mediou a negociação e concretização do negócio
referido em J) e L) – Agosto de 2000 e Março 2001 – a autora, no desempenho e exercício das suas funções manteve contactos com os representantes da então promitente compradora – (4º).
35. Participando e acompanhado, no exercício das suas funções, as auditorias
efectuadas no referido período – (5º)
36. Durante a referida fase – Agosto de 2000 a Março de 2001 – a autora foi em número de vezes não concretamente apurado solicitada pelos representantes da promitente adquirente, para prestar ou fornecer informações da área da sua competência – (6º).
37. A autora prestava as informações solicitadas – (7º)
38. A secretária da autora ficou colocada ao lado da porta, que dava acesso e
passagem de e para a rua através de um corredor – (11º).
39. A autora realizava tarefas designadamente relativas a assuntos pendentes
designadamente cobranças difíceis – (15º).
40. No período após a baixa a autora apresentou instabilidade emocional – (21º).
41. A autora apresentava instabilidade pessoal perante o futuro profissional –
(22º).
42. A autora foi informada que por causas que lhe foram explicitadas, que o seu posto de trabalho tinha deixado de existir na empresa ora ré e que por isso havia necessidade de se proceder à cessação do contrato – (35º).
43. Cessação essa que, por todas as razões, a ora ré gostaria de fazer por
acordo com a ora autora – (36º).
44. Quando os serviços da ré transitaram para as instalações da “C” foram disponibilizados à autora na sala onde funcionavam os serviços de tesouraria do “C” a que a ré passou a pertencer, secretária, computador, telefone e artigos de escritório – (38º).
45. A sala de serviços de tesouraria do “C estava preparada
para receber e integrar os serviços administrativos da ora ré em conjunto com os das restantes empresas do Grupo – (39º).
46. A coordenação era efectuada por cada um dos respectivos coordenadores de acordo com os procedimentos do Grupo, habitualmente na língua francesa – (41º e 42º).
47. Os técnicos oficiais de contas de todas as empresas do “C” eram os Srs. SQ e PR – (44º)
48. A autora tinha flexibilidade nas horas de entrada e saída – (46º)
49. Pelo menos no período entre 1999 a 2001, a autora prestou também funções na empresa “D, SA” – (47º)
50. Para efeitos do negócio de venda das acções da ré à “C SA” foi
expressamente solicitado à autora, pelos antigos accionistas, que provisionasse todos os eventuais débitos da ré, que não constassem especificamente das respectivas contas, nomeadamente débitos de natureza laboral, nada tendo sido referido a esse propósito – (52º)

                                                *
Tendo em conta o disposto no nº 3º artigo 659º  do CPC mais se acrescentam os seguintes factos por decorrerem de documentos juntos aos autos:
51- Em 4 de Junho de 2003, pela Relação de Lisboa, (...) foi proferido acórdão  com o teor constante de fls. 343 a 355 dos autos que aqui se dão por inteiramente transcritas.
52 - Em 30 de Janeiro  de 2008, pela Relação de Lisboa, (...) foi proferido acórdão  com o teor constante de fls. 421 a 466 dos autos que aqui se dão por inteiramente transcritas que transitou em julgado em 14 de Fevereiro de 2008 ( vide fls. 469)

                                                                ****           
 
É sabido que o objecto do recurso apresenta-se delimitado pelas conclusões da respectiva alegação (artigos 684º nº 3º e 690º nº 1º do CPC ex vi do artigo 87º do CPT).[i]
In casu, o recurso da Autora suscita duas  questões.
A primeira respeita à matéria de facto, sendo certo que impugna as respostas oportunamente dadas aos nºs  20º, 21º, 22º e 23º da Base Instrutória.
A segunda consiste em saber se em virtude da violação do seu direito a ocupação efectiva a Ré deve ser condenada a pagar-lhe a peticionada indemnização a título de danos morais.
                                                             ***

Por sua vez, a Ré nas suas contra alegações também suscita uma  questão que deve ser dirimida; isto é , saber se a Autora – recorrente deve ser condenada como litigante de má-fé, em multa a fixar segundo o  critério deste Tribunal e em indemnização a favor da apelada, consistente no reembolso das despesas a que a obrigou, nomeadamente dos honorários do seu mandatário forense.

                                                          ***

Cabe, pois, apreciar a primeira questão.
(…)
Assim, decide-se conferir as seguintes respostas aos quesitos 20 e 23:
20 – Provado apenas que no período após a baixa a Autora evidenciava nervosismo e não conversava.
21  - Mantém-se a resposta dada ( ou seja : Provado que no período após a baixa a autora apresentou instabilidade emocional).
22 - Mantém-se a resposta dada ( ou seja : Provado que apresentava instabilidade pessoal perante o futuro profissional).
23 – Provado que no período após a baixa a Autora  sentiu-se triste com a sua
 nova situação profissional.
Procede , pois, parcialmente o recurso nesta vertente.

                                                                 ****

E no tocante à segunda vertente do recurso ?
Segundo a recorrente dos autos, apenas resulta assente, quanto aos fundamentos para a extinção do posto de trabalho, que as funções da recorrente podiam e continuaram a ser exercidas por terceiros estranhos à sociedade, pelo que, sem discutir a bondade  desse fundamento, uma vez que as funções se mantinham, nenhuma razão havia para que não continuassem a ser exercidas por si , isto é para que esta não continuasse efectivamente ocupada pela recorrida, até à cessação do contrato de trabalho.
Por outro lado, entende que logo após a compra da maioria do capital social da recorrente pela C S.A. e o regresso da situação de baixa médica, a nova estrutura accionista a “emprateleirou”  retirando-lhe o núcleo essencial das funções que até aí vinha exercendo e deslocando fisicamente o seu posto de trabalho, colocando-a sob condições adversas, com o único propósito de força-la a um acordo de revogação do contrato de trabalho, só tendo “extinguido” o posto de trabalho porque não aceitou o acordo proposto.
Em relação a tal questão a decisão recorrida teceu doutas considerações de direito atinentes à existência do invocado direito  [ii] ao trabalho efectivo.
A  invocada situação de inactividade teve início antes da entrada em vigor do CT /2003 ( ou seja antes de 1.12.2003 ).
“ Todavia antes da entrada em vigor deste diploma, embora tal dever apenas tivesse consagração legal no tocante aos praticantes desportivos ( artigo 12 a) da Lei nº 28/98, de 26 de Junho), já alguma doutrina e a jurisprudência maioritária , tendiam a admitir o direito de ocupação  efectiva do trabalhador “ inicialmente apenas nas profissões em que a inactividade prolongada é mais susceptível de fazer diminuir o valor profissional do trabalhador – assim, em funções de relevante visibilidade, ou, em áreas profissionais altamente especializadas, que carecem de uma actualização constante – e mais recentemente , na generalidade dos contratos de trabalho”. [2]
Actualmente, tal como refere Júlio Manuel Vieira Gomes,  “ parece poder afirmar-se  que a afirmação do direito à ocupação efectiva corresponde (…)  à visão dominante ou, pelo menos , é hoje partilhada por um sector significativo da doutrina , e na nossa opinião , tal direito encontrou acolhimento expresso no Código do Trabalho , mais precisamente no seu artigo 122º, al b)” .[3]
Segundo tal preceito é proibido ao empregador obstar, injustificadamente, à prestação efectiva do trabalho.[4]
Desta forma, “ ao reconhecimento do direito do trabalhador à ocupação efectiva inere o correspondente dever do empregador, cuja violação se reconduz a um incumprimento contratual.
Este incumprimento dá lugar a uma dupla tutela: uma tutela positiva, que se consubstancia no direito do trabalhador de reclamar o exercício da actividade contratada; e uma tutela negativa, que se consubstancia no direito do trabalhador a ser compensado pelos  danos patrimoniais e não patrimoniais que a inactividade lhe tenha causado , nos termos previstos no artigo 363º do CT”. [5] [6]
No sentido de que o “ nosso ordenamento jurídico-laboral, tanto no domínio da LCT, como actualmente no Código do Trabalho (o art. 122º al. b) não deixa dúvidas a esse respeito), consagra um verdadeiro “dever de ocupação efectiva” do trabalhador a cargo do empregador “ aponta , aliás, acórdão da Relação de Lisboa, de 09-03-2006, proferido no processo 11649/2005-4 acessível in www.dgsi.pt.” – vide  ac. da Relação   de Lisboa de 25-06-2008 proferido  no processo 4098/2008-4 acessível in www.dgsi.pt).
Contudo tal como se refere em aresto desta Relação de 25.1.2006, que se passa a transcrever, atento o interesse que o raciocínio que ai consta tem nos presentes autos.( processo 8769/2005-4  , Relator: Ramalho Pinto):
“I – O trabalhador tem o direito à ocupação efectiva do seu posto de trabalho, como manifestação do direito ao trabalho, com o consequente dever do empregador de o ocupar, não o deixando improdutivo.
II- Todavia, para se poder falar de violação do direito do trabalhador à sua ocupação efectiva, tem de se verificar uma injustificada desocupação do mesmo, necessariamente imputável, em termos de culpa, à entidade patronal, podendo ocorrer situações em que o empregador esteja objectivamente impedido de oferecer ocupação ao trabalhador, ou em que se deva atender a interesses legítimos do mesmo empregador na colocação do trabalhador em estado de inactividade (por razões económicas, disciplinares ou outras).”.
Neste aresto refere-se o seguinte :
“O trabalhador tem o direito à ocupação efectiva do seu posto de trabalho, como manifestação do direito ao trabalho, com o consequente dever do empregador de o ocupar, não o deixando improdutivo. Estão em jogo interesses morais do trabalhador, que tem direito à realização pessoal por via do trabalho, pelo que a inactividade traduz-se numa desvalorização pessoal, principalmente se essa inactividade revestir carácter prolongado.
Sendo o trabalho um meio de realização pessoal e tendo em conta que deve ser respeitada a dignidade da pessoa, parece que para a entidade empregadora surge um verdadeiro dever de ocupação efectiva que se traduz num dever de diligência de conservar o trabalhador condignamente ocupado (Pedro Furtado Martins, in Direito e Justiça - Revista da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa - Suplemento páginas 182-183).
A relação do trabalho não é para o trabalhador um mero facto de sobrevivência mas também um meio de realização pessoal- Ac. do STJ de 7/6/2000, in www.dgsi.pt.
Apesar de à entidade patronal ser conferida a faculdade de, dentro do poder organizativo que lhe está, por inerência, atribuído, organizar o local de trabalho da forma que julgar mais conveniente, distribuindo os trabalhadores pelos sítios que entenda mais adequados, também é inquestionável que o deve fazer com o devido respeito pelos direitos e pela dignidade dos seus trabalhadores.
Este direito à ocupação efectiva tem vindo a ser reconhecido, de forma unânime, pela doutrina e jurisprudência, como corolário de preceitos constitucionais, v.g. os artºs 59º, nº 1, da Constituição, onde se consigna que "todos têm o direito ao trabalho", e 60º, nº 1, al. b), segundo o qual todos os trabalhadores têm direito "à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal".
Também da L.C.T. resulta tal direito, quando na al. c) do artº 19º se preceitua que a "entidade patronal deve proporcionar aos trabalhadores boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como moral", sendo-lhe proibido que se oponha a que o trabalhador exerça os seus direitos- al. a) do artº 21º, e um desses direitos é o de exercer a actividade correspondente à categoria para que foi contratado- nº 1 do artº 22º, ou que efectivamente exerce.
Monteiro Fernandes, nas suas Noções Fundamentais, vol. 1, 140, refere:
"E mesmo em geral se pode dizer que a efectivação do trabalho corresponde a interesses, pelo menos morais, de qualquer trabalhador "maxime" quando a função se ajusta às suas específicas aptidões e preferências. No plano das realidades, pode decerto entender-se que a inactividade (mesmo remunerada) constitui, pelo menos quando prolongada, um factor de desvalorização do trabalhador. Daí que se possa afirmar, no plano dos princípios, algo semelhante a um direito do trabalhador à ocupação efectiva."
No mesmo sentido se pronuncia João Moreira da Silva, Direitos e Deveres dos Sujeitos da Relação Individual do Trabalho, 109 e ss.:
"Entendemos (...) que o nosso sistema jurídico-laboral consagra um verdadeiro dever geral de ocupação efectiva a cargo do empregador, cuja inobservância injustificada pode ser invocada pelo trabalhador quando este se sinta lesado nos seus legítimos interesses, configurando um verdadeiro direito como manifestação (ou extensão) do direito ao trabalho".
Na jurisprudência, e sem usar outro critério que não seja o exemplificativo, refiram-se os Acórdãos do S.T.J. de 25/1/88, BMJ 373º, 446 (onde se cita doutrina estrangeira defensora do direito em questão), de 14/10/87, Ac Dout. 313, 138, de 22/9/93, Col. Jur/STJ, 1993, II, 269 e de 2676/96, Col. Jur/STJ, 1996, II, 285. No muito bem elaborado Ac. do mesmo Supremo Tribunal de 22/9/93, citado, chama-se a atenção para essa "existência de um direito do trabalhador à ocupação efectiva, referenciando-se, em simetria, a obrigação jurídica do empregador de utilizar a capacidade laboral do trabalhador, sem que possa arbitrariamente deixa-lo improdutivo".
O próprio Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se debruçar sobre o assunto, em decisão proferida a 10/7/96 (DR, II Série, de 18/12/96), sustentando que não pode deixar de reconhecer-se a decorrência do dever de ocupação efectiva da norma do artº 59º, nº 1, al. b), da Constituição, enquanto iluminada pelo disposto nos seus artºs 1º e 2º, e afirmando-se que "...a nossa lei fundamental assenta na dignidade da pessoa humana, que é o fundamento de todo o ordenamento jurídico, base do próprio Estado, ideia que unifica todos os direitos fundamentais e que perpassa também pelos direitos sociais, que incluem o próprio direito ao trabalho".
Mas, por outro lado, é claro que a violação desse direito não pode, até pelo seu próprio conteúdo, exposto, ser uma consequência automática de toda e qualquer inactividade do trabalhador, mesmo quando determinada, expressa ou tacitamente, pela entidade patronal.
Na apreciação dessa existência não podem, obviamente, deixar de ser tidas em contas todas as circunstâncias do caso concreto, em termos tais que legitimem a conclusão da inobservância, injustificada, do dever do empregador em fornecer ao trabalhador todas as condições materiais e organizativas para o desempenho das suas funções.
O que quer dizer que só se poderá falar de violação do direito do trabalhador à sua ocupação efectiva se se verificar uma injustificada desocupação do mesmo, necessariamente imputável, em termos de culpa, à entidade patronal: esta, pese embora ter todas as condições para ocupar o trabalhador, para lhe conferir funções atinentes à sua categoria profissional, não o faz, criando uma situação de desrespeito por um direito constitucionalmente garantido ao trabalhador.
Como refere Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 12ª edição, pag. 285 (citado pela recorrente), a “questão vem (…) a colocar-se no plano da exigibilidade: não se pode deixar de reconhecer como atendíveis as situações em que o empregador esteja objectivamente impedido de oferecer ocupação ao trabalhador, assim como aquelas em que esteja na presença de interesses legítimos do mesmo empregador na colocação do trabalhador em estado de inactividade (razões económicas, disciplinares ou outras)”.
A entidade empregadora apenas nas circunstâncias especiais preceituadas na lei poderá retirar ao trabalhador o exercício efectivo das funções que, no cumprimento do contrato de trabalho, lhe compete desempenhar, como sejam as do encerramento temporário da empresa em reconversão, da suspensão preventiva no processo disciplinar ou da aplicação da sanção disciplinar de suspensão com perda de retribuição-Ac. da Rel. de Lisboa de 23/9/92, in www.dgsi.pt.
Como se decidiu no Ac. da Rel. de Coimbra de 12/10/99, Col. 1999, T. 4, pag. 79 e ss., ocorre "violação do direito à ocupação efectiva sempre que uma injustificada inactividade é imposta ao trabalhador pela entidade patronal, ou quando deixa de lhe proporcionar as condições à efectiva realização das tarefas compreendidas no conteúdo funcional da categoria atribuída ao trabalhador, desaproveitando a actividade a que aquele se obrigou e quer prestar condignamente, de forma a realizar-se pessoal e socialmente.
Quando o trabalhador é colocado pela entidade patronal numa situação de inactividade ou de subaproveitamento, assiste-lhe o direito de rescindir o seu contrato de trabalho com justa causa, consubstanciado na violação do direito a uma efectiva ocupação das suas funções."
Daqui deriva, necessariamente, que incumbe sempre às entidades patronais a prova da razão pela qual manteve os seus trabalhadores desocupados.
Como se refere no Ac. da Rel. de Lisboa 29/1/2003, in www.dgsi.pt, na óptica das necessidades da empresa e dos interesses do empregador, pode haver, por vezes, situações de inactividade temporária de trabalhadores, sem que isso seja ilegítimo. Basta pensar em situações de suspensão disciplinar do trabalhador, de necessidade de reduzir a produção, em actividades sazonais, de reestruturação da empresa, etc.. O direito não pode de forma alguma permitir é a desocupação do trabalhador que não se mostre efectivamente fundada. Há um dever de diligência a cargo da entidade empregadora de conservar o trabalhador condignamente ocupado.
No Ac. do STJ de 7/10/2004, disponível no mesmo site, afirma-se o seguinte:
“Por outro lado, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a reconhecer que a violação do direito à ocupação efectiva do trabalhador acarreta como consequências a possibilidade de rescisão do contrato com justa causa, por parte do trabalhador, e ou a responsabilidade patronal por danos patrimoniais e não patrimoniais (por todos, Monteiro Fernandes, ob. cit. pág. 279-280). O mesmo autor sublinha, porém, que a questão se coloca, antes de mais, no plano da exigibilidade, o que implica que não se possa deixar de reconhecer-se "como atendíveis as situações em que o empregador esteja objectivamente impedido de oferecer ocupação ao trabalhador, assim como aquelas em que se esteja em presença de interesses legítimos do mesmo empregador na colocação do trabalhador em estado de inactividade (por razões económicas, disciplinares ou outras)". Desenvolvendo um pouco mais este ponto de vista, Pedro Romano Martinez considera que "o direito de ocupação efectiva existirá tão-só, na medida em que o empregador actue de má fé. Se a entidade patronal actuar contra o disposto no art. 762.°, n.º 2, do Código Civil, o trabalhador pode exigir que lhe seja atribuída uma actividade concreta.
O direito de ocupação efectiva corresponde a uma concretização do art. 762.°, n.º 2, do CC no domínio do Direito do Trabalho. Assim, se a entidade patronal não atribuir trabalho a um determinado trabalhador por qualquer represália, estará a agir contra a boa fé e, nesse caso, será possível ao trabalhador exigir o direito de ocupação efectiva" (Direito do Trabalho, II vol., 1º Tomo, 3ª edição, pág. 321).
Em suma, o direito de ocupação efectiva não se pode fazer valer perante situações em que o empregador tem motivos válidos para suspender a actividade do trabalhador, sendo que a jurisprudência, embora tenha vindo a reconhecer a existência desse direito em termos de grande amplitude, também tem aceite que existem limitações objectivas à aplicação prática do princípio - cfr. os acórdãos do STJ de 10 de Abril de 1996, Processo n.º 4345(4ª), e de 6 de Abril de 2000, Processo n.º 14/00 (4ª).
Em qualquer caso, o que se interessa reter é que a violação do dever de ocupação efectiva não pode ser analisada exclusivamente no plano da realização pessoal do trabalhador em termos de se entender que a sua inactividade (quando comprovada) confere sempre um direito à rescisão unilateral do contrato por parte do trabalhador. Ao direito de valorização e dignificação profissional dos trabalhadores, que poderá encontrar suficiente arrimo no artigo 59º, n.º 1, alínea b), da Constituição, contrapõe-se o princípio da liberdade da iniciativa económica das empresas, também consagrado constitucionalmente (artigo 61º, n.º 1), de tal forma que a existência de um dever de ocupação efectiva decorre, em primeira linha, de um princípio de igualdade entre os trabalhadores da mesma empresa; os trabalhadores devem estar sempre numa situação de igualdade quer quanto à ocupação quer quanto à execução do trabalho, e daí que a violação do dever de ocupação efectiva se deva reconduzir a um problema de boa fé (Pedro Romano Martinez, ob. cit, págs. 312-315 e 321; a mesma ideia em Monteiro Fernandes, ob. cit, pág. 279)”.- fim de transcrição e sublinhado nosso.
                                                               ***
Mas será que na presente situação se deve considerar que a Ré violou culposamente o seu dever de ocupar efectivamente a recorrente e consequentemente , verificados os inerentes pressupostos ( violação contratual culposa, existência dos invocados danos e nexo de causalidade entre ambos) deve haver lugar à fixação da peticionada indemnização por danos não patrimoniais ?
Analisados os autos afigura-se que a resposta é negativa.
Com relevo directo para apreciar tal questão provou-se a matéria constante em                                                                                 
 1,2,3, 6,7,8,9,10, 11,12,13,14,15,16,17,18,19,20,21,22,23,,34,35,36,37,38,39,42,43,44,45,46,47,48,49,50,51 e 52.
Ou seja provou-se que , ultimamente , a autora desempenhava para a ré, as funções de Directora de Serviços, competindo-lhe  a coordenação das áreas: administrativa, financeira, da contabilidade, da tesouraria, de pessoal, de contencioso, das compras e orçamentos , bem como as funções de técnica oficial de contas.
Em 27 de Março de 2001 , a maioria do capital social da ré, foi adquirida pela
C, SA.
A autora esteve de baixa médica de 2 de Abril de 2001 até 22 de Maio desse ano , data em que  voltou ao trabalho.
Após o seu regresso  por ordens da ré, foi instalada na sala onde funcionava a tesouraria, do grupo C, encontrando-se a sua secretária, colocada ao lado da porta, que dava acesso e passagem de e para a rua através de um corredor, por baixo do aparelho de ar condicionado.
Quando os serviços da ré transitaram para as instalações da “C” foram disponibilizados à autora na sala onde funcionavam os serviços da tesouraria do “C a que a ré passou a pertencer, secretária, computador, telefone e artigos de escritório.
Em finais de Junho de 2001, a Ré pretendeu negociar a cessação do  contrato de trabalho da Autora.
Tal ocorreu até , pelo menos, Dezembro de 2001.
Todavia não chegaram a acordo.
A autora não constava do organigrama de empresa apresentado em 18 de Outubro de 2001, sendo que foi informada que , por causas que lhe foram explicitadas, o seu posto de trabalho tinha deixado de existir na empresa e havia necessidade de proceder à cessação do seu  contrato e que gostariam de fazer acordo com ela.
A coordenação era efectuada por cada um dos respectivos coordenadores de acordo com os procedimentos do Grupo, habitualmente em língua francesa, sendo que os técnicos oficiais de contas de todas as empresas do “C” eram os Srs. SQ e PR.
A partir de Novembro de 2002, foi retirada à autora a responsabilidade pelo
preenchimento e respectiva assinatura das declarações mensais do IVA, ou qualquer outra.
Uma vez que não obteve  o acordo da autora quanto à cessação do contrato,   em Janeiro de 2002, a Ré iniciou procedimento tendente à  extinção do seu posto de  trabalho.
Em consequência , em 5 de Fevereiro de 2002, a autora veio a ser  notificada da decisão da ré de proceder ao seu despedimento, com efeitos imediatos.
A Autora veio a impugnar a licitude do seu despedimento por extinção do posto de trabalho.
Foi proferida sentença, posteriormente confirmada pela Relação , que julgou licita a aludida extinção.
Cumpre, assim, concluir que a ré facultou à autora condições materiais e organizativas para que pudesse desempenhar as funções que lhe fossem destinadas ( nomeadamente secretária, telefone, computador e artigos de escritório, ainda que numa sala onde funcionava a tesouraria).
E também se constata que a autora passou a realizar tarefas relativas a assuntos pendentes, designadamente cobranças difíceis.
Todavia é evidente que deixou de exercer as funções (de  coordenação e de técnico oficial de contas ) que correspondiam ao núcleo essencial das que devia executar , sendo que a coordenação passou a ser levada a cabo pelos  coordenadores da Ré.
Ou seja , resumindo, a ré continuou a atribuir à autora algumas funções.
Porém , retirou-lhe as de coordenação e de técnica oficial de contas.
Contudo essa diminuição coincidiu com o período que antecedeu a extinção do seu posto de trabalho - que foi reputado de lícita pelo Tribunal -  sendo essa a razão justificativa do comportamento da ré.
Como tal afigura-se que embora se tenha verificado uma diminuição das tarefas que estavam atribuídas à autora, nomeadamente daquelas que constituíam o seu núcleo essência, a mesma não configura  por parte da Ré uma violação do dever de ocupação efectiva da Autora.
É que a diminuição de actividade ( ou inactividade em termos do núcleo essencial das funções que anteriormente lhe estavam atribuídas) decorreu do desaparecimento das funções inerentes ao seu posto de trabalho , sendo que não se vislumbra que os inerentes motivos possam ser assacados à Ré , e levaram à extinção lícita ( vide ponto nº 52 da matéria de facto que se refere ao aresto que confirmou   a sentença de 1ª Instância que considerou lícito o despedimento da A., decorrente da extinção do seu posto de trabalho e consequente cessação do respectivo contrato, julgando improcedente a acção de impugnação intentada pela A)  do seu contrato de trabalho.
E mostrando-se tal matéria decidida, nada mais há a dirimir sobre a legalidade da extinção do posto de trabalho da recorrente, sendo também patente que a alegada inactividade da Autora se mostra directamente conexionada com a situação que levou à extinção do seu posto de trabalho.
Como tal cabe considerar que a Ré logrou ilidir a presunção que sobre si impendia de  incumprimento do contrato de trabalho ( vide artigo 799º do CC).
Ora só haveria lugar à peticionada indemnização – e consequentemente à apreciação da verificação dos danos morais se a Ré tivesse praticado o ilícito contratual que lhe é assacado.
Tanto basta para fazer improceder a pretensão indemnizatória da Autora e consequentemente a segunda vertente do recurso.                                                           ficando desta forma , desde logo, prejudicada a apreciação da verificação dos invocados danos morais.

                                                          ****


Finalmente cumpre apreciar a pretensão da Ré atinente à condenação da Autora como litigante de má fé.
Nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 456.º do Código de Processo Civil, “diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.
Cabe salientar que  “... a litigância de má fé é um instituto processual de cariz público, de reprovação de um uso manifestamente censurável do processo.
Ela só diz respeito a ofensas cometidas no exercício da actividade processual a situações jurídicas igualmente processuais ou ao próprio processo em si. (…) Todo o processo se encontra dirigido para a obtenção de uma decisão donde resulta que, ao fim e ao cabo, o sujeito passivo da má fé será sempre o tribunal.
 A proibição de litigância de má fé revela-se, assim, como um instituto
destinado a assegurar a moralidade e eficácia processual, porquanto com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça. O dolo ou má fé processual não vicia vontades privadas nem ofende meramente interesses particulares das partes envolvidas.
Também não se circunscreve a uma violação sem mais do dever geral de actuar de boa fé. O aspecto específico da má fé processual é, conforme defendemos, outro diverso e mais grave: o de transmutar a irregularidade processual em erro ou irregularidade judicial”- vide Pedro de Albuquerque, Responsabilidade processual por litigância de má fé, abuso de direito e responsabilidade civil em virtude de actos praticados no processo, na Revista da Ordem dos Advogados, Ano 2006, Ano 66, Vol. II, Set. 2006, disponível em http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos.
Mas será que em face do teor do recurso interposto pela Autora e dos factos provados se deve considerar que a mesma exerceu o seu direito de acção – neste particular consubstanciado no de recorrer  - bem sabendo da falta de fundamento da sua pretensão e que para litigar alterou a verdade dos factos ?
Em relação a este último ponto afigura-se que tal imputação não pode proceder.
A Autora  não desmentiu a sorte das acções nas quais não obteve provimento.
E nem não se esgrima com a omissão desses factos, uma vez que eram cognoscíveis e indesmentíveis, bastando para isso consultar os autos.
Coisa distinta é a relevância de direito que a recorrente lhes confere.
Porém , uma interpretação distinta a tal nível – ainda que menos acertada , tal como se afigura que sucede no caso concreto  – só por si, não configura o tipo de litigância que a Ré pretende ver sancionada.
De facto, quando se está – como se afigura que é o caso - perante uma questão de interpretação e aplicação da lei aos factos, não se verifica litigância de má fé processual, “porque a discordância na interpretação da lei, e na sua aplicação aos factos , é faculdade que não pode ser coarctada em nome de uma certeza jurídica que seria na maior parte dos casos uma falaz ilusão” ( vide ac. do STJ de 24.4.1991, AJ nº 18, pág 28 citado por Rui Correia de Sousa , Litigância de má fé , colectânea de sumários de jurisprudência , 2º edição, revista e actualizada, Quid Juris, pág 231). 
Daí que a pretensão da Ré neste ponto não deva proceder.

                                                    ***

Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente o recurso, confirmando-se inteiramente a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

DN (processado e revisto pelo relator - art 138º nº 5º do CPC)
                                                                                            
Lisboa, 9 de Fevereiro de 2010

Leopoldo Soares
Seara Paixão
Ferreira Marques
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[i] Nas palavras do Conselheiro Jacinto Rodrigues Bastos:
“As conclusões consistem na enunciação, em forma abreviada, dos funda
mentos ou razões jurídicas com que se pretende obter o provimento do recurso…
Se as conclusões se destinam a resumir, para o tribunal ad quem, o âmbito do recurso e os seus fundamentos pela elaboração de um quadro sintético das questões a decidir e das razões porque devem ser decididas em determinado sentido, é claro que tudo o que fique para aquém ou para além deste objectivo é deficiente ou impertinente” – Notas ao Código de Processo Civil, volume III, Lisboa, 1972, pág 299.
Como tal transitam em julgado as questões não contidas nas supra citadas conclusões.
Por outro lado, os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas  pelas partes e decididas pelos Tribunais inferiores, salvo se importar conhecê-las oficiosamente ( vide vg: Castro Mendes , Recursos , edição AAFDL, 1980, pág 28, Alberto dos Reis , CPC, Anotado, Volume V, pág 310 e acórdão do STJ de 12.12.1995, CJSTJ, Tomo III, pág 156).
[ii] Nomeadamente que: “O reconhecimento do dever de ocupação efectiva na generalidade das situações jurídicas de trabalho subordinado correspondia já à posição dominante na jurisprudência (Cfr., entre outros, os Acs. do STJ, de 29/01/1988, in Acórdãos Doutrinais, nº 317, págs. 697 e ss., de 25/11/1988, in Acórdãos Doutrinais, nº 326, págs. 264 e ss. e de 19/03/1992, in http://www.dgsi.pt (internet) e parte da doutrina, muito embora encontrasse a sua fundamentação em argumentos díspares, quais sejam o art.º 59.º nº 1 al. b) da Constituição da República Portuguesa, os art.ºs 22.º, 42.º n.º 1 e 43.º, todos do Regime Jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 49 408, de 24 de Novembro de 1969, ou o princípio da boa fé no cumprimento das obrigações, conjugado com os valores próprios do direito do trabalho (Neste sentido Pedro Furtado Martins, in Direito e Justiça, “Despedimento Ilícito, Reintegração na Empresa e Dever de Ocupação Efectiva”, pág. 188 e ss.).
Actualmente acha-se expressamente consagrado no manancial de garantias do trabalhador (al. b) do art.º 122.º do Código do Trabalho), decorrendo ainda de princípios fundamentais do sistema, em particular o da boa fé.
A prestação de trabalho, mais do que nenhuma outra, implica a assunção de determinadas condutas positivas por parte do empregador. Antes da obrigação de retribuir, pode dizer-se que se liga à prestação de trabalho uma outra destinada a possibilitá-la.
A colaboração creditória assume, pois, no contrato de trabalho, uma relevância fundamental.
A execução do trabalho, reclama da parte do empregador, o fornecimento das condições materiais necessárias ao exercício da prestação laboral. Logo, para que esta se torne viável, para que o trabalhador desempenhe as suas funções não basta que se disponha a desempenhá-las sendo ainda indispensável a cooperação do dador de trabalho, traduzida na concessão de condições materiais e organizativas.
Assim, é legitimo afirmar que, celebrado o contrato, o trabalhador tem direito a estar efectivamente ocupado, não podendo a entidade patronal, sem justificação deixá-lo inactivo” – fim de transcrição.
Decisão Texto Integral: