Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ARLINDO CRUA | ||
Descritores: | OPOSIÇÃO À PENHORA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/17/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I - O incidente de oposição à penhora, previsto nos artigos 784º e 785º, ambos do Cód. de Processo Civil, configura-se como meio específico de reacção contra um acto de penhora, pretendendo fazer face aos casos de impenhorabilidade objectiva, visando especificamente a alínea a) do artº. 784º as situações ou causas de impenhorabilidade processualmente previstas, que geram situações de impenhorabilidade absoluta e total, de impenhorabilidade relativa ou de impenhorabilidade parcial ; II - a penhora de imóvel entende-se como inútil e desadequada e, como tal, violadora dos princípios da adequação ou eficiência e proporcionalidade, quando, na prossecução da execução, atento o valor dos créditos reclamados fundados na garantia real de hipoteca e, como tal, gozando de privilégio, efectuando-se juízo de prognose, nada sobrará para liquidação do crédito exequendo, cumprido que seja o pagamento ao credor reclamante ; III - na situação em que o valor dos créditos reclamados, fundados na garantia real de hipoteca que onera o imóvel penhorado, é inferior ao próprio valor patrimonial tributário do imóvel, crendo-se, ainda, que o valor patrimonial tributário do imóvel sempre será bem inferior ao seu valor real (atenta, desde logo, a sua localização, e apesar da idade), não pode afirmar-se, com pertinência, naquele juízo de prognose da proporcionalidade da penhora, que esta é inútil e desadequada e que, na prossecução da execução, atento o valor dos créditos reclamados, fundados na garantia real de hipoteca e, como tal, gozando de privilégio, nada sobraria para liquidação do crédito exequendo. Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]: I – RELATÓRIO 1 – AAA, Executado, deduziu oposição à penhora, peticionando o seguinte: a) que seja ordenada a procedência da oposição e, consequentemente, ordenado o levantamento da penhora, e cancelamento do respectivo registo, da fracção F do prédio urbano correspondente ao segundo andar direito, do prédio urbano denominado anterior n.º … da freguesia de Agualva-Cacém sito em Agualva, Rua … n.º …, Rua … n.ºs … e Rua … n.ºs …, inscrito na respectiva matriz sob o artº ... da freguesia de Agualva e Mira-Sintra, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Agualva-Cacém sob o n.º ... da freguesia de Agualva ; b) que seja suspensa a venda até à decisão a proferir em 1ª instância. Alegou, em suma, o seguinte: - sobre a fracção penhorada incidem duas hipotecas anteriores, para além daquela que garante o crédito exequendo ; - com o prosseguimento da execução o credor irá reclamar os créditos garantidos pelas hipotecas ; - pelo que é provável que o valor obtido na venda não chegue para liquidar o crédito hipotecário e as custas e encargos do processo executivo ; - para além de que o imóvel penhorado constitui a casa de morada de família do executado ; - pelo que a penhora efectuada, bem como o prosseguimento da execução, mostra-se inútil e desadequada, por violação dos princípios da adequação e da proporcionalidade. 2 – Notificado de tal requerimento inicial, Veio o Exequente, nos termos do nº. 1, do artº. 785º, do Cód. de Processo Civil, apresentar oposição, alegando, em súmula, que: - atenta a modalidade da venda e a localização do imóvel é expectável que a venda ocorra por valor muito superior ao valor patrimonial do imóvel ; - pelo que a venda do imóvel não se mostra inútil e muito menos desadequada, pois é o único bem dos Executados capaz de liquidar uma grande parcela da quantia exequenda ; - inexiste qualquer violação dos princípios da proporcionalidade e da adequação, pois o direito de propriedade dos Executados e o direito de crédito do Exequente encontram-se num plano de paridade e até mesmo de igualdade ; - a casa de morada de família não é impenhorável. Conclui, no sentido da oposição à penhora ser julgada improcedente, por não provada, seguindo a execução os seus ulteriores termos. 3 – Em 15/02/2020, o Tribunal Recorrido julgou improcedente a oposição à penhora. 4 – Inconformado com o decidido, o Executado/Oponente interpôs recurso de apelação, em 16/03/2020, por referência à decisão prolatada. Apresentou, em conformidade, o Recorrente as seguintes CONCLUSÕES: “A. No dia 16-07-2014, o Banco Comercial Português, S.A. instaurou acção executiva para Pagamento de quantia certa, no valor de € 96.357,48, contra BBB, CCC, DDD e AAA, apresentando como título executivo escritura de mútuo com hipoteca e fiança (cfr. requerimento executivo). B. No requerimento executivo o Exequente indicou, além do mais, que: I- Por escritura de 24/08/2010 lavrada Cartório Notarial de Lisboa de ..., constituíram os executados CCC e DDD a favor do ora exequente, hipoteca voluntária sobre os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob as fichas ... e ..., da freguesia de .... II- Por contrato constante da mesma escritura, o ora exequente concedeu aos Executados BBB e AAA, a seu pedido, um empréstimo de €. 86,000,00, quantia de que se confessaram devedores. III- A hipoteca foi constituída em garantia do pagamento do referido empréstimo, dos juros à taxa de 9 % ao ano, em caso de mora elevada de 4% a titulo de cláusula penal e despesas judiciais e extrajudiciais acordadas e fixadas em €. 3.440,00 e encontra-se devidamente registadas a favor da exequente na respectiva Conservatória. IV- Também pela escritura antes mencionada os executados CCC e DDD se constituíram, como fiadores, solidariamente devedores e principais pagadores de todas as importâncias que viessem a ser devidas à ora exequente, por força e nos termos da referida escritura. V- Consequentemente, comprometeram-se estes a reembolsar a exequente de quaisquer importâncias que lhe fossem devidas ao abrigo da dita escritura, renunciando a todo o benefício, prazo ou direito que, de qualquer modo, pudesse limitar ou anular as obrigações por eles assumidas. VI- Sucede que os executados não cumpriram com as obrigações a que se comprometeram e assumiram na referida escritura e, relativamente ao mencionado empréstimo apenas pagaram à exequente as prestações que se venceram até 05-10-2013, data em que ficou em dívida o capital de €. 84.409,47. VII- Os juros são contados sobre o referido capital à taxa contratada acrescidos da sobretaxa de 4% a título de cláusula penal, estando liquidados até esta data €. 8.508,01. VIII- As responsabilidades dos executados para com a exequente, em capital, juros e despesas ascendem até esta data a €. 96.357,48, acham-se vencidas e não pagas pelo que esta pretende cobrá-las coercivamente, C. Nos autos foi, entre outros, penhorada a Fração autónoma designada pela letra “F”, correspondente ao segundo andar direito, do prédio urbano denominado anterior n.° … da freguesia de Agualva-Cacém sito em Agualva, Rua … n° …, Rua … n.°s … e Rua … n.°s …., inscrito na respectiva matriz sob o art° ... da freguesia de Agualva e Mira-Sintra, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Agualva-Cacém sob o n.° ... da freguesia de Agualva. D. O ano de inscrição na matriz do imóvel a que pertence a fracção penhorada foi em 1976 e o valor patrimonial tributário da fracção “F” é de €57.096,79, determinado no ano de 2076 (cfr. certidão do teor matricial junta ô execução a 06-06-20 18). E. Sobre a fracção autónoma designada pela letra “F” incidem duas hipotecas a favor do Banco Santander Totta, S.A., registadas mediante a apresentação n.° 77 de 2007/06/05, sendo o montante máximo assegurado de € 77.925,00 e mediante a apresentação n.° 78 de 2007/06/05, sendo o montante máximo assegurado de € 10.275,00 (cfr. certidão do registo predial junta à execução a 18-12-2019). F. A 03- 72-20 18, o Banco Santander Totta, S.A. reclamou nestes autos os créditos garantidos pelos hipotecas mencionadas em 5., no valor total de €45 457,47 (cfr. apenso de reclamação de créditos). G. À data de 10-10-2079, o valor da quantia exequenda e custas previsíveis do execução era de € 127542,56 (cfr. informação do Agente de Execução junta à execução a 10- 10-2019).” H. Como foi alegado e não impugnado a fracção autónoma designada pela letra “F” constitui a casa de morada de família do recorrente. I. Sobre a fracção penhorada e que constitui a casa de morada de família do recorrente, incidem, pois, três hipotecas: • Uma a favor do exequente, constituída por escritura outorgada em 24/08/2010 para garantia do empréstimo de € 86.000,00. • Duas a favor do Banco Santander Totta, SA registadas na Conservatória do Registo Predial de Agualva — Cacém em 5 de Junho de 2007, sendo os valores máximos assegurados de € 71.925,00 e de € 10.275,00. J. Provado está, ainda, conforme caderneta predial junta com a oposição e certidão, junta pelo exequente, que em 2016, o valor patrimonial tributário da fracção penhorada foi fixado em € 51.096,19. K. A fracção será, em princípio e nos termos do n.° 2 do art.° 816 do Código Processo Civil, posta à venda e a mesma anunciada por 85% do valor patrimonial tributário, ou seja € 43.431,76, tanto mais que não está demonstrado que seja outro o valor de mercado. L. Acresce que as despesas prováveis, de acordo com o auto de penhora, perfazem, pelo menos € 8.440,95. M. Importa saber se a penhora efectuada sobre a casa de morada de família do recorrente é, ou não, inútil e desadequada por violação dos princípios da adequação e da proporcionalidade. N. Refere-se no Ac. do TRL de 06/06/2017, Proc. 3449.O9OT2SNT-A.L1 -6, in www.dpsi.pt “Em sede de apreensão de bens ou direitos patrimoniais do executado, importa observar o princípio da proporcionalidade/adequação a que tal acto está submetido, ie., não pode esquecer-se o interesse de o devedor (ou terceiro) não ser excessivamente e inutilmente onerado na fase da responsabilidade patrimonial.” O. E acrescenta-se no mesmo aresto: “Havendo lugar à intervenção dos credores do executado — v.g. que sejam titulares de uma garantia real sobre os bens a penhorar — o juízo de prognose da proporcionalidade/adequação da penhora de bens onerados deve, também, ser efectuado tendo em conta as causas de preferência no pagamento de que beneficiam os credores reclamantes. - Ainda assim, apenas constando do autos elementos claros, seguros e manifestos que apontem para que, após a venda dos bens penhorados/onerados e após o pagamento dos credores reclamantes, nenhuma quantia sobrará para liquidação — ainda que parcial — crédito exequendo, lícito é ao Juiz indeferir a requerida penhora com fundamento na respectiva desproporcionalidade/desadequação.” P. Por outro lado, como, aliás, tem sido entendido pela jurisprudência “a penhora de bens móveis ou imóveis tem natureza processual de apreensão e garantia preferencial do crédito exequendo sobre outros bens não objecto de tal preferência que no caso dos bens sujeitos a registo, será a que decorre da anterioridade registral.” Q. Significa isto, no entendimento de acórdão citado que “a penhora e respectiva medida deve ser concretizada (..) com referência ao valor do crédito exequendo e da expectativa de valor de alienação do bem penhorado em processo executivo.” R. E que “(O)s princípios da adequação e da proporcionalidade impõem que exista, em regra, relação entre tais valores.” S. A penhora deve, pois orientar-se pelo princípio da proporcionalidade e em obediência ao mesmo devem ser penhorados apenas os bens suficientes para liquidar a quantia exequenda. T. Ora, como se refere no Ac. TRC de 16-04-2013, Proc. 3234/09.9T2AGD-C.C1, in www.dgsi.pt, para além de não se poder ignorar “o carácter ruinoso da venda executiva”, U. “Como mostra a simples observação do quotidiano judiciário, a venda executiva é, em regra, ruinosa, Le., é realizada por um preço muito aquém do valor real dos bens”. V. Não ignorando que o sector imobiliário teve o seu incremento e valorização nos grandes centros urbanos e em zonas de eleição, também não podemos olvidar, da simples observação do quotidiano judiciário, que não é essa a situação que ocorre em zonas como aquela em que o imóvel penhorado se situa, ou seja Agualva-Cacém, em que predomina a habitação social e a construção de menor qualidade. W. Logo, face ao valor dos créditos preferenciais reclamados pelo Banco Santander Totta, SA, juros destes, honorários do Sr. Agente de Execução, custas e despesas prováveis e indicadas no auto de penhora (€ 8.440,95) nenhuma quantia será entregue para liquidar a quantia exequenda. X. Assim e porque o produto da venda não representa qualquer vantagem patrimonial para o exequente, não poderá deixar de se concluir pela violação do princípio da proporcionalidade e, consequentemente, pela não admissão da penhora efectuada”. Conclui, no sentido da procedência do recurso, revogando-se a decisão recorrida. 5 – Não foram apresentadas contra-alegações. 6 – O recurso foi admitido por despacho de fls. 35, datado de 21/09/2020, como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. 7 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir. * II – ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que: “1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. 2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas ; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”. Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação do Recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Pelo que, na ponderação do objecto do recurso interposto pelo Recorrente Oponentes, delimitado pelo teor das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede consubstancia-se em aferir fundamentalmente se deve manter-se a penhora efectuada sobre o imóvel pertencente ao Executado Oponente. O que implica, in casu, a análise das seguintes questões: 1) da apreciação do regime legal da oposição à penhora ; 2) da alegada violação dos princípios da proporcionalidade e adequação na penhora efectivada. * III - FUNDAMENTAÇÃO A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Na decisão apelada foi considerada provada a seguinte factualidade: 1 – No dia 16-07-2014, o Banco Comercial Português, S.A. remeteu por via electrónica acção executiva para pagamento de quantia certa, a que atribuiu o valor de € 96.357,48, contra BBB, CCC, DDD e AAA, apresentando como título executivo escritura de mútuo com hipoteca e fiança (cfr. requerimento executivo). 2 – No requerimento executivo o exequente indicou, designadamente, o seguinte: «1º Por escritura pública de 24/08/2010 lavrada Cartório Notarial de Lisboa de ..., constituíram os executados CCC e DDD a favor da ora exequente, hipoteca voluntária sobre os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob as fichas ... e ..., da freguesia de ... ( Doc. 1 ). 2º Por contrato constante da mesma escritura, a ora exequente concedeu aos Executados BBB e AAA, a seu pedido, um empréstimo de €. 86.000,00, quantia de que se confessaram devedores ( Doc. 1 ) 3º A hipoteca foi constituída em garantia do pagamento do referido empréstimo, dos juros à taxa de 9 % ao ano, em caso de mora elevada de 4% a titulo de cláusula penal e despesas judiciais e extrajudiciais acordadas e fixadas em €. 3.440,00 e encontra-se devidamente registadas a favor da exequente na respectiva Conservatória ( Docs 1 e 2). 4º Também pela escritura antes mencionada os executados CCC e DDD se constituíram, como fiadores, solidariamente devedores e principais pagadores de todas as importâncias que viessem a ser devidas à ora exequente, por força e nos termos da referida escritura ( Docs. 1 ). 5º Consequentemente, comprometeram-se estes a reembolsar a exequente de quaisquer importâncias que lhe fossem devidas ao abrigo da dita escritura, renunciando a todo o benefício, prazo ou direito que, de qualquer modo, pudesse limitar ou anular as obrigações por eles assumidas. 6º Sucede que os executados não cumpriram com as obrigações a que se comprometeram e assumiram na referida escritura e, relativamente ao mencionado empréstimo apenas pagaram à exequente as prestações que se venceram até 05-10-2013, data em que ficou em dívida o capital de €. 84.409,47 ( Docs 3 ). 7ºOs juros são contados sobre o referido capital à taxa contratada acrescidos da sobretaxa de 4% a título de cláusula penal, estando liquidados até esta data €. 8.508,01. 8º As responsabilidades dos executados para com a exequente, em capital, juros e despesas ascendem até esta data a €. 96.357,48, acham-se vencidas e não pagas pelo que esta pretende cobrá-las coercivamente. 9º Face à mencionada escritura de hipoteca ora dada à execução, tem a exequente direito a haver dos executados o capital em dívida e os juros de mora vencidos e vincendos contados às referidas taxa e sobretaxa até total pagamento bem como as despesas acordadas e fixadas, incidindo sobre os juros que vierem a ser pagos o imposto de selo que for devido, a arrecadar pelo Estado no acto da cobrança. 10º A escritura de hipoteca junta sob os docs. 1 e que se dá por inteiramente reproduzida para os devidos e legais efeitos, constitui título executivo bastante de acordo com os seus clausulados e a alínea b) do artigo 703.º do Código Processo Civil. 11º A exequente pretende assim que, mediante esta execução, lhe seja paga a quantia de €. 84.409,47 de capital em dívida, €. 8.508,01 de juros de mora vencidos e €. 3.440,00 de despesas acordadas e fixadas, no total de €. 96.357,48, bem como os juros vincendos contados às mesmas taxa e sobretaxa até total pagamento e ainda ao Estado o imposto de selo sobre os juros que vierem a ser pagos, a arrecadar pelo estado no acto da cobrança. Termos em que requer a V.Exª. que, após penhora do bem hipotecado, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 855º do Código Processo Civil, se digne ordenar a citação dos executados para pagarem à exequente a citada quantia de €. 96.357,48 de capital, juros vencidos e despesas acordadas, assim como os juros vincendos contados ás taxas e sobretaxa referidas, desde esta data até integral pagamento, tal como ao Estado o imposto de selo a arrecadar no acto da cobrança, seguindo-se os ulteriores termos do processo até final.» (cfr. requerimento executivo). 3 – Nos autos foram penhorados os seguintes bens: – Prédio Misto situado em …, composto por Cultura arvense e casa de habitação de rés do chão e sótão, anexo, piscina e logradouro, cabendo à parte urbana a A.C. de 508,5 m2 e a A.D 1514,50 m2, confronta do Norte e de Poente com Caminho, do Sul e Nascente com CCC, inscrito na respetiva matriz rústica sob o n.º … Secção … matriz urbana … freguesia de ..., descrito na Conservatória dos Registos Predial de Torres Vedras, sob o n.º ... freguesia de ..., o qual foi adjudicado no âmbito do processo executivo nº 1957/14. 0TBTVD do Tribunal Judicial de Torres Vedras - 3º Juízo; – Prédio rústico situado em ..., com a área total de 42170 m2 composto por Cultura arvense, mato e pastagem, confronta do Norte com Caminho e herdeiros de …, do Sul com regueira e … e outros, de Nascente com … e … e de Poente com CCC e outro e, inscrito na respectiva matriz sob o n.º … secção …, freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial Torres Vedras sob o n.º ... freguesia de ..., o qual foi adjudicado em Processo de Execução Fiscal; – Fração autónoma designada pela letra “F”, correspondente ao segundo andar direito, do prédio urbano denominado anterior n.º … da freguesia de Agualva-Cacém sito em Agualva, Rua … n.º …, Rua … n.ºs … e Rua … n.ºs …, inscrito na respectiva matriz sob o artº ... da freguesia de Agualva e Mira-Sintra, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Agualva-Cacém sob o n.º ... da freguesia de Agualva (cfr. informação do Agente de Execução junta à execução a 10-10-2019). 4 – O ano de inscrição da matriz do imóvel a que pertence a fracção penhorada foi em 1976 e o valor patrimonial tributário da fracção “F” é de € 51.096,19, determinado no ano de 2016 (cfr. certidão do teor matricial junta à execução a 06-06-2018). 5 – Sobre a fracção autónoma designada pela letra “F” incidem duas hipotecas a favor do Banco Santander Totta, S.A., registadas mediante a apresentação n.º 17 de 2007/06/05, sendo o montante máximo assegurado de € 71.925,00 e mediante a apresentação n.º 18 de 2007/06/05, sendo o montante máximo assegurado de € 10.275,00 (cfr. certidão do registo predial junta à execução a 18-12-2019). 6 – A 03-12-2018, o Banco Santander Totta, S.A. reclamou nestes autos os créditos garantidos pelas hipotecas mencionadas em 5., no valor total de € 45 457,41 (cfr. apenso de reclamação de créditos). 7 – À data de 10-10-2019, o valor da quantia exequenda e custas previsíveis da execução era de € 127.542,56 (cfr. informação do Agente de Execução junta à execução a 10-10-2019). * B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO - Da oposição à penhora Como princípio geral da garantia geral das obrigações, estatui o artº. 601º, do Cód. Civil, que “pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios”. Prevendo acerca da realização coactiva da prestação, e como princípio geral da acção de cumprimento e execução, dispõe o artº. 817º, do mesmo diploma, que “não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor, nos termos declarados neste código e nas leis de processo”. Tal direito substantivo é processualmente concretizado através das acções executivas, definidas como “aquelas em que o credor requer as providências adequadas à realização coativa de uma obrigação que lhe é devida” – cf., o nº. 4. do artº. 10º, do Cód. de Processo Civil [2]. A garantia geral das obrigações é, deste modo, constituída por todos os bens que integram o património do devedor, constituindo esta sujeitabilidade “a responsabilidade patrimonial, que, resultante do incumprimento, é o fundamento de toda a execução por equivalente, bem como da execução específica, ainda quando por meio direto, das obrigações pecuniárias” [3]. Todavia, para que o direito do exequente possa ser satisfeito, através da afectação e transmissão dos direitos do executado, é mister que se proceda á prévia apreensão judicial dos bens deste, através da penhora, que se constitui, assim, como “o ato judicial fundamental do processo de execução para pagamento de quantia certa, aquele em que é mais manifesto o exercício do poder coercitivo do tribunal: perante uma situação de incumprimento, o tribunal priva o executado do pleno exercício dos seus poderes sobre um bem que, sem deixar ainda de pertencer ao executado, fica a partir de então especificamente sujeito à finalidade última de satisfação do crédito do exequente, a atingir através da disposição do direito do executado nas fases subsequentes da execução”. Pelo que, prima facie, “todos os bens que constituem o património do devedor, principal ou subsidiário, podem ser objeto de penhora, à exceção dos bens inalienáveis e de outros que a lei declare impenhoráveis” [4]. Em consonância com o prescrito no nº. 1, do artº. 735º, o qual prescreve estarem “sujeitos à execução todos os bens do devedor suscetíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda”. Entre os fundamentos do incidente de oposição à penhora, prescreve a alínea a), do nº. 1, do artº. 784º, que “sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se á penhora com algum dos seguintes fundamentos: a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada” (sublinhado nosso). Acrescenta o normativo seguinte, nos seus nºs. 1 e 2, ser a oposição “apresentada no prazo de 10 dias a contra da notificação do ato da penhora”, seguindo o presente incidente “os termos dos artigos 293º a 295º, aplicando-se, ainda, com as necessárias adaptações, o disposto nos nºs 1 e 3 do artigo 732º”. Como meio específico de reacção contra um acto de penhora, pretende fazer face aos casos de impenhorabilidade objectiva, visando especificamente a enunciada alínea a) “as causas de impenhorabilidade enunciadas na lei processual”, que geram “situações de impenhorabilidade absoluta e total, de impenhorabilidade relativa ou de impenhorabilidade parcial” [5]. O prazo de oposição à penhora, fixado em 10 dias, conta-se e reporta-se, por sua vez, “a cada concreta penhora, contando-se o prazo para o seu exercício desde a data da respectiva notificação” [6]. Aquele fundamento da oposição à penhora - Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada – preenche-se, assim, nomeadamente, nos “casos em que tenham sido penhorados bens ou direitos cujo valor exceda o da quantia exequenda e demais custas da execução, em violação do princípio da proporcionalidade, previsto nos arts. 735º, nº. 3, e 751º” [7]. Prescreve o nº. 3, do artº. 735º, que “a penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 20 %, 10 % e 5 % do valor da execução, consoante, respetivamente, este caiba na alçada do tribunal da comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do tribunal da Relação, ou seja superior a este último valor” (sublinhado nosso). O presente normativo consagra o “princípio da proporcionalidade entre a amplitude da quantia exequenda (incluindo as despesas previsíveis da execução) e a penhora, orientação que deve ser seguida não apenas quando a execução seja instaurada contra um só executado como ainda em face da multiplicidade de patrimónios responsáveis pela dívida. Mas, na medida em que existam elementos que revelem créditos que virão a beneficiar de melhor graduação preferencial, tal deverá ser ponderado na delimitação dessa proporcionalidade. Ocorrendo violação das regras da proporcionalidade, o executado agirá mediante dedução do incidente de oposição à penhora (art. 784º, nº. 1, al. a))” [8]. No mesmo sentido, referencia Marco Carvalho Gonçalves [9] que através do princípio de proporcionalidade ali consagrado “o legislador procurou proteger o executado contra a verificação de eventuais abusos na execução do seu património, impedindo, designadamente, a penhora de bens e/ou direitos de valor manifestamente superior ao necessário ao pagamento da dívida exequenda e demais custas e despesas da execução ou que, pelo facto de se encontrarem onerados, não permitam a satisfação do crédito exequendo e das custas e despesas da execução” (sublinhado nosso). Acrescenta Rui Pinto [10], aludindo ao mesmo princípio que este é também designado “por princípio da suficiência”, e tem “raiz constitucional no princípio da propriedade privada (cf. artigo 62º CRP) que torna excecional qualquer oneração ou perda forçada das situações jurídicas ativas privadas”, acrescentando, citando jurisprudência, que tem-se “defendido que a «natureza gravosa» da penhora limita-se àquilo que seja necessário para a satisfação do crédito exequente e das custas”. Ora, uma das manifestações especiais do princípio da proporcionalidade encontra-se estatuída no nº. 3, do artº. 751º (redacção à data da instauração da execução, aqui aplicável por força do prescrito no artº. 11º, nº. 1, da Lei nº. 117/2019, de 13/09), ao prever uma moratória provisória quanto está em equação a penhora de imóveis ou de estabelecimento comercial. Referencia, expressamente, que: “Ainda que não se adeqúe, por excesso, ao montante do crédito exequendo, é admissível a penhora de bens imóveis ou do estabelecimento comercial desde que: a) A penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de 12 meses, no caso de a dívida não exceder metade do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância e o imóvel seja a habitação própria permanente do executado; b) A penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de 18 meses, no caso de a dívida exceder metade do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância e o imóvel seja a habitação própria permanente do executado; c) A penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de seis meses, nos restantes casos”. E, referencia o nº. 1, do mesmo normativo, que “a penhora começa pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostrem adequados ao montante do crédito do exequente”, o que traduz a confirmação do princípio da adequação ou da eficiência, “segundo o qual deve privilegiar-se a penhora das posições jurídicas que sejam aptas a proporcionar a satisfação do crédito exequendo da forma mais expedita, sem prejudicar desnecessariamente os interesses patrimoniais do executado” [11]. O cumprimento deste princípio cardinal ou fundamental da concretização da penhora constitui “um poder vinculado do agente de execução”, pelo que, em caso de discórdia relativamente à adequação da penhora concretamente realizada, pode arguir-se a nulidade da mesma, nos quadros gerais do artº. 195º [12]. Ora, a aplicação do princípio da proporcionalidade “implica a formulação de um juízo de prognose, segundo o qual o valor do crédito exequendo a ponderar reporta-se ao momento em que previsivelmente o mesmo virá a ser satisfeito”, relevando, ainda, “o valor de mercado de venda do bem a penhorar, decorrendo das regras da experiência comum que, normalmente, um bem móvel usado terá um valor inferior ao da aquisição”. Todavia, existindo reclamação de créditos, aquele “juízo de prognose da proporcionalidade da penhora não pode deixar de ponderar também as regras relacionadas com a preferência atribuída aos credores privilegiados”. Pelo que, aduzem, existe jurisprudência que entende “que nos casos em que resulte dos autos, de forma clara e segura, que, consumada a venda dos bens penhorados e realizado o pagamento aos credores reclamantes, nada sobrará para satisfazer o crédito exequendo, deverá obstar-se à penhora desses bens, em virtude de a diligência se revelar desproporcionada e inadequada”. Situação que se afigurava com especial acuidade ou pertinência “quando esteja em causa a penhora de imóvel que constitua a habitação permanente do executado, mas que esteja onerado com hipoteca a favor de terceiro (v.g. instituição de crédito que financiou a aquisição), sem que exista uma situação de incumprimento da dívida. Num caso assim, em que, apesar da dívida exequenda, o executado mantém em dia os pagamentos referentes ao crédito hipotecário, sendo de prever que o produto da venda executiva se esgotará na satisfação do próprio crédito hipotecário, essa venda, além de não apresentar qualquer utilidade para o exequente, é suscetível de conduzir a um desfecho desproporcionado, à luz de uma equilibrada composição dos interesses em presença, na medida em que se perspetive que o executado perderá o imóvel onde habitava, sem vantagem alguma para o exequente ou para o credor hipotecário. Neste cenário, não estará afastada a possibilidade de encontrar no ordenamento jurídico uma solução diferente da que resulte da aplicação automática das simples regras sobre a garantia patrimonial dos créditos através da penhora e venda de bens do executado” (sublinhado nosso) [13]. Efectuado este percurso doutrinário, e ainda antes de apreciarmos o que vem sendo o entendimento jurisprudencial, vejamos o caso concreto. A execução para pagamento de quantia certa foi instaurada, entre outros, contra o ora Oponente AAA, apresentando como título executivo escritura pública de mútuo com hipoteca e fiança, figurando como exequente O Banco Comercial Português, S.A.. Tal hipoteca voluntária incidia sob os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob as fichas ... e ..., da freguesia de .... A quantia exequenda peticionada foi no montante de 96.357,48 €, incluindo capital, juros vencidos e despesas acordadas e fixadas, peticionando-se, ainda, o pagamento de juros vincendos e correspondente imposto de selo sobre estes, sendo que, em 10/10/2019, o valor da quantia exequenda e custas prováveis era de 127.542,56 €. Foram penhorados dois imóveis – misto e rústico -, sendo que o misto – descrito sob o nº. ... - foi adjudicado no âmbito de outro processo executivo, enquanto que o rústico – descrito sob o nº. ... - foi adjudicado em processo de execução fiscal. Foi, ainda, penhorado um terceiro imóvel, nomeadamente a fração autónoma designada pela letra “F”, correspondente ao segundo andar direito, do prédio urbano denominado anterior n.º … da freguesia de Agualva-Cacém sito em Agualva, Rua … n.º …, Rua … n.ºs … e Rua … n.ºs …, inscrito na respectiva matriz sob o artº ... da freguesia de Agualva e Mira-Sintra, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Agualva-Cacém sob o n.º ... da freguesia de Agualva. Esta fracção tem como titular inscrito e registado o ora Executado/Oponente AAA, possuindo o valor patrimonial tributário de 51.096,19 €, determinado no ano de 2016. Sobre a mesma fracção incidem duas hipotecas registadas em 05/06/2007, a favor do Banco Santander Totta, S.A., tendo como montante máximo assegurado a quantia de 71.925,00 € e de 10.275,00 €. Na execução, da qual o presente incidente constitui apenso, o mesmo Banco Santander Totta, S.A. reclamou os créditos garantidos por aquelas hipotecas, no valor total de 45.457,41 €. Decorre daquele lastro factual, que não tendo sido possível obter pagamento da quantia exequenda através do produto da venda dois imóveis hipotecados, e que foram objecto de penhora, pretende-se que tal pagamento ocorra mediante o produto da venda do terceiro imóvel penhorado, isto é, a fracção autónoma de que o ora Executado/Oponente é proprietário. Todavia, este alega que a penhora e o prosseguimento da execução (com a sua potencial venda judicial) sobre tal imóvel, que constituirá a sua casa de morada de família, mostra-se inútil e desadequada, por violação dos princípios da adequação e da proporcionalidade, uma vez que a sua posterior venda não seria suficiente para liquidar o crédito hipotecário (e a preferência de pagamento deste decorrente) e a quantia exequenda. Tal argumentação não foi acolhida na decisão apelada, onde se entendeu que os créditos reclamados na execução, garantidos pelas hipotecas sobre a fracção F, têm o valor total de 45.457,41 €., o que é valor inferior ao valor patrimonial tributário, fixado em 51.096,19 €, no ano de 2016. Pelo que, acrescentou-se, não se pode concluir, desde já, que a venda não chegará para pagar ao Exequente, pelo que a penhora da fracção de que o Oponente é proprietário não é inadmissível nem ofende o princípio da proporcionalidade, tendo-se determinado a improcedência da oposição. Vejamos. Pode afirmar-se, segundo aquela factualidade assente, que a penhora do imóvel pertencente ao Oponente se revela como violadora dos princípios da adequação (ou suficiência) e da proporcionalidade ? Ou seja, a penhora efectivada é inútil e desadequada pois, na prossecução da execução, atentos os créditos reclamados fundados na garantia real de hipoteca e, como tal, gozando de privilégio, efectuando-se o aludido juízo de prognose, nada sobrará para liquidação do crédito exequendo, cumprido que seja o pagamento ao credor reclamante ? Em primeiro lugar, urge consignar inexistir qualquer norma que impeça a penhora de imóvel que seja a habitação própria permanente do executado e sua família, pois esta não figura na elencagem dos bens absoluta ou relativamente impenhoráveis – cf., artigos 736º e 737º. E, mesmo as limitações impostas pelo nº. 3, do artº. 751º, na redacção aplicável (conforme supra expusemos) e nos vigentes nº.s 3 e 4, do mesmo normativo, não impedem tal penhora, mas antes a condicionam a determinados pressupostos ali enunciados, nomeadamente, a duração da execução sem satisfação integral do credor, e o valor da dívida em execução [14]. Acerca da referenciada questão, o recente douto Acórdão desta Relação de 27/02/2020 [15], em situação em que os créditos reclamados eram no valor de 75.813,64 €, inferior ao valor patrimonial do imóvel, fixado em 77.024,00 €, entendeu que “não só o valor do crédito reclamado é inferior ao valor patrimonial do imóvel (€ 77.024,00) como apenas no caso de a venda vir a ser efetuada por valor inferior ao crédito reclamado o exequente não logrará obter qualquer montante do produto da mesma”, o que apelidou de tese que “não passa de mera conjetura”. Acrescentou, ainda, que no mencionado “artº 751º o legislador consignou como regra o princípio da proporcionalidade e da adequação, mas também os desvios a essa regra. Ou seja, o legislador sopesou os interesses em conflito e admitiu desvios à preponderância absoluta do princípio da proporcionalidade, em circunstâncias muito precisas, em termos tais que nem sequer se pode falar em exceções, pois que cada uma delas contempla uma ponderação, tendo sempre por referência, e por conciliação, por um lado, o valor do crédito exequendo e, por outro lado, a impossibilidade da satisfação integral do credor por determinado período”. No mesmo sentido, referencia-se no douto aresto desta mesma Relação de 06/04/2017 [16] estar em causa, no citado nº. 3, do artº. 735º, “a consagração pela nossa lei adjectiva, e em sede de acção executiva, dos princípios da adequação ou proporcionalidade, os quais obrigam a que o acto de apreensão de bens do executado deva limitar-se àqueles que sejam necessários à satisfação do crédito do exequente”. Acrescenta, explicitando, que “a agressão do património do executado só é permitida numa medida que seja adequada e necessária para a satisfação da pretensão do exequente, o que impõe a indispensável ponderação dos interesses do exequente na realização da prestação e do executado na salvaguarda do seu património, sendo que, tal ponderação conduz a que a natural e indispensável prevalência dos interesses do exequente não pode fundamentar uma completa indiferença pelos do executado, dado que a posição jurídica do credor, embora prevalecente, não pode ser considerada absoluta. Isto dito, e por influência dos apontados princípios da proporcionalidade e da adequação, pacifico é assim que a penhora não pode ser objectivamente excessiva, não devendo consequentemente atingir bens ou direitos que, embora pertencentes ao executado, não devam - porque não necessário - responder pela satisfação do crédito exequendo. Por outra banda, e ainda à luz dos mesmos princípios, nada justifica outrossim a apreensão de bens de devedor a solicitação de determinado credor quando, à partida, lícito é antever com segurança que da referida agressão do património do executado não resultará qualquer possibilidade de a pretensão do exequente ser satisfeita - na totalidade ou apenas parcialmente . Neste conspecto, assume particular relevância a possibilidade de à acção executiva serem chamados outros credores do executado , ainda que apenas daqueles que sejam titulares de uma garantia real sobre os bens penhorados (cfr. artº 788º, nº1, do CPC ), caso em que, em concreto a aferição da adequação e proporcionalidade da penhora, deve, compreensivelmente, ser efectuada levando em consideração - antecipadamente, qual juízo de pura prognose - as causas de preferência no pagamento de que beneficiam os credores reclamantes ( cfr. artºs 751º, 786º, nº3, e 788º, do CPC)” (realce nosso). Acrescenta, sumariando, que “apenas constando dos autos elementos claros, seguros e manifestos que apontem para que, após a venda dos bens penhorados/onerados, e após o pagamento dos credores reclamantes , nenhuma quantia sobrará para liquidação - ainda que parcial - do crédito exequendo, lícito é ao juiz indeferir a requerida penhora com fundamento da respectiva desproporcionalidade/desadequação”. Aparentemente (como veremos) em diferenciado sentido, enunciemos os seguintes arestos, todos desta mesma Relação: - de 27/06/2017 [17], acerca de situação semelhante ao caso sub júdice, começando-se por definir que a questão decidenda consistia em apurar se devia manter-se a penhora efectivada nos autos, para pagamento do remanescente da quantia exequenda. No caso em apreciação, após a adjudicação do imóvel hipotecado, ficou em dívida o remanescente de € 35.754,32, acrescido de juros vincendos, o valor base para venda do imóvel, cuja penhora é questionada, foi fixado em 66.319,29 € e o valor do crédito reclamado pelo credor com a garantia real de hipoteca sobre este imóvel foi de 109.309.62 €. Defendeu-se, então, que “a par do presumível perigo da insuficiência do valor da venda e da provável insatisfação do credor exequente, teremos o correspondente sacrifício inútil da executada/fiadora e talvez mesmo também o prejuízo do credor reclamante (cujo crédito, pelos vistos, vem sendo regularmente satisfeito), se o valor dessa venda não for superior a € 109.309,62. Ou seja, afiguram-se claramente previsíveis os inconvenientes decorrentes da venda do imóvel para a executada ... ... e para o credor reclamante, sem que consiga vislumbrar-se, com o mínimo de seriedade, a correspondente vantagem patrimonial do exequente apelante. Cabendo ao tribunal ponderar sobre a adequação da penhora à satisfação do crédito do exequente, cabe-lhe ainda ajustar o processo e a forma dos atos processuais ao fim que se visa atingir, assegurando o equilíbrio dos interesses em disputa (cfr. 547 do C.P.C.). Entendendo-se que a penhora da referida fração “T”, nas condições assinaladas, não se adequa, de forma justa e proporcionada, aos fins da presente ação executiva, é de manter a decisão recorrida que determinou o levantamento da respetiva penhora e ordenou o cancelamento do registo” (sublinhado nosso) ; - de 16/11/2016 [18], no qual se reconheceu a necessidade de, com base em juízos de probabilidade razoável, garantir-se que após a satisfação do crédito hipotecário alguma quantia será ainda entregue para pagamento do crédito exequendo. Na situação em apreciação, o remanescente do crédito exequendo, após ter sido excutado o bem onerado com a garantia real, era superior a 40.000,00 €, o valor base de venda do imóvel penhorado, mediante propostas em carta fechada, pertencente ao Executado, foi fixado em 65.000,00 €, o crédito reclamado, e não impugnado, com garantia real sobre este imóvel ascendia a 87.857,70 €, sendo o valor patrimonial/tributário deste imóvel o de 31.779,30 €. O Acórdão negou provimento ao recurso da decisão que havia determinado o levantamento da penhora sobre o imóvel, em virtude do fiador executado, proprietário do imóvel penhorado, o ter hipotecado ao banco credor hipotecário, e que, “a ser vendido, nem a dívida ao credor hipotecário será satisfeita” ; - de 10/01/2016 [19], estando igualmente em causa o pagamento da quantia remanescente da quantia exequenda, após execução da hipoteca do imóvel em sede fiscal, no valor de € 21.715,59 e despesas previsíveis de € 2.171,55. Todavia, sobre o imóvel subsequentemente penhorado incide hipoteca, tendo sido reclamado, e não impugnado, pelo credor banco, a quantia de 115.311,07 €, acrescido de juros, enquanto que o valor patrimonial/tributário do imóvel fixa-se em 82.553,88 €. Considerou-se, então, que o exequente “já executou a hipoteca do imóvel e quer receber o que aquela não abrangeu. No caso vertente, temos outra hipoteca, sobre outro imóvel e o credor hipotecário já reclamou o seu crédito. Não vem provado, mas presumimos que é residência do executado e estão a pagar as referidas prestações. Na eventualidade de ser autorizada a venda teriam de ser graduados créditos para pagamento do montante que excederia o crédito concedido e a hipoteca registada a favor de outra entidade bancária”. Constatando-se que “o crédito hipotecário existente é superior ao valor do bem que responde pela hipoteca, temos de concluir que seguramente não seria possível autorizar a venda e graduar créditos, colocando o executado em estado de necessidade, sem qualquer resultado ou utilidade para a apelante. Sendo certo que, não devem ser autorizados actos judicias que não têm qualquer efeito útil, e oneram os autos, sem possibilidade de a exequente receber o seu crédito, colocando o executado em estado de ter de pedir a insolvência”. Donde, conclui-se, não dever prosseguir a execução quando a venda do bem penhorado, naquele juízo de prognose, não se configura como adequada para obter o pagamento do crédito do exequente. Compulsando o entendimento supra exposto, resulta claro que a situação concreta em apreciação assume contornos diferenciados dos descritos nestes três últimos arestos. Com efeito, a fracção penhorada, pertencente ao ora Executado/Oponente, possui o valor patrimonial tributário de 51.096,19 €, determinado no ano de 2016. O Banco titular das duas hipotecas registadas sobre tal fracção reclamou, em 03/12/2018, créditos garantidos por aquelas hipotecas, no valor total de 45.457,41 €, ou seja, o crédito reclamado, há dois anos atrás, já era de montante inferior ao valor patrimonial tributário do imóvel. Pelo que se crê que, presentemente, e presumindo-se que as amortizações vêm sendo cumpridas, tal crédito será, inclusive, de valor inferior. Ora, apesar do valor do crédito exequendo ser elevado - 127.542,56 €, em 10/10/2019 -, neste momento, e de acordo com as informações constantes dos autos, não é possível concluir que com a eventual venda do imóvel penhorado a Exequente não veja satisfeito, ainda que presuntivamente parcialmente, o seu crédito, isto é, que a penhora efectivada não se revele adequada, eficiente e proporcional ao valor e satisfação do crédito exequendo. Ou seja, de acordo com os valores equacionados, e efectuando o aludido juízo de prognose da proporcionalidade da penhora, e crendo-se, ainda, que o valor patrimonial tributário do imóvel sempre será bem inferior ao seu valor real (atenta, desde logo, a sua localização, e apesar da idade), não pode afirmar-se, com pertinência, que a penhora questionada é inútil e desadequada pois, na prossecução da execução, atentos os créditos reclamados fundados na garantia real de hipoteca e, como tal, gozando de privilégio, nada sobraria para liquidação do crédito exequendo. O que determina, claramente, a sua manutenção e, em consequência, sem necessidade de outros acrescentos, juízo de improcedência da presente apelação, com consequente confirmação da decisão apelada/recorrida. * Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, tendo o Apelante decaído na pretensão recursória, é responsável pelo pagamento das custas devidas. * IV. DECISÃO Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em: a) Julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo Executado/Oponente/Apelante AAA; b) Em consequência, confirma-se a decisão apelada, que julgou improcedente o incidente de oposição à penhora. c) Custas a cargo do Apelante – cf., artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil. Lisboa, 17 de Dezembro de 2020 Arlindo Crua António Moreira Carlos Gabriel Castelo Branco _______________________________________________________ [1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original. [2] As disposições legais infra citadas, salvo expressa menção em contrário, reportam-se ao presente diploma. [3] José Lebre de Freitas, A Acção Executiva à luz do código revisto, 2ª Edição, Coimbra Editora, 1997, pág. 235 e 236. [4] Idem, pág. 234 e 237. [5] Ibidem, pág. 225 e 226. [6] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Vol. I, 2ª Edição, Almedina, pág. 316. [7] Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 3ª Edição, 2019, Almedina, pág. 402 e 403. [8] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, pág. 99. [9] Ob. cit., pág. 356. O mesmo Autor cita o ensinamento de Inocêncio Galvão Telles – Manual de Direito das Obrigações, pág. 64 -, referenciando que “o princípio da proporcionalidade remonta ao sistema romano da cognitio extra ordinem, segundo o qual a execução devia restringir-se aos bens do devedor que fossem necessários para assegurar o pagamento da dívida. Com efeito, este sistema começou por constituir uma excepção, para depois se tornar a regra, em relação ao sistema de execução universal da venditio omnium bonorum, que assentava na ideia de que, em caso de dívida, deviam ser apreendidos todos os bens do devedor, os quais eram posteriormente vendidos como um todo, após o que se procedia ao pagamento aos credores através do produto dessa venda”. [10] Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2018, pág. 526. [11] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 132. [12] Rui Pinto, ob. cit., pág. 584. [13] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 133. [14] Consagração legal que já mereceu, inclusive, Juízo de constitucionalidade, conforme Acórdão do Tribunal Constitucional nº. 612/2019, incidente sobre aquele normativo na redacção antecedente à Lei nº. 117/19, de 13/09 (aqui aplicável). [15] Relatora: Teresa Sandiães, Processo nº. 870/13.2TCLRS-B.L1-8, in www.dgsi.pt . [16] Relator: António Santos, Processo nº. 3449/09.0T2SNT-A.L1-6, in www.dgsi.pt . [17] Relatora: Maria da Conceição Saavedra, Processo nº. 6331/08.4TBAMD-D.L1-7, in www.dgsi.pt . [18] Relatora: Maria Alexandrina Branquinho, Processo nº. 1797/03.1TCSNT.L1, in www.dgsi.pt . [19] Relatora: Catarina Manso, Processo nº. 9729/10.4T2SNT-B.L1-8, in www.dgsi.pt . |