Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1539/15.9PBCSC.L1-3
Relator: CRISTINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores: CRIMES SEXUAIS
VIOLAÇÃO
CONSENTIMENTO
RESISTÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/01/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: Na valoração como meios de prova dos relatos contendo as descrições das experiências sexuais abusivas, é importante considerar que a vítima não tem de demonstrar que não contribuiu para a ocorrência do crime sexual que sofreu, mesmo que não viva de acordo com o papel social que lhe está atribuído pelos padrões culturais e históricos preestabelecidos, bem como, que todo o relacionamento sexual que não seja livremente consentido deve ser criminalizado – é a solução que resulta expressamente do artº 36º da Convenção de Istambul e das alterações aos nºs 2 dos artigos 163º e 164º do Código Penal, introduzidas pela Lei nº 83/2015 de 5 de Agosto ( e também pela Lei 101/2019 de 6 de Setembro) .
Não é necessário, nem exigível que a vítima adote comportamentos heroicos de oposição ou defesa à atuação do agressor, correndo riscos ainda maiores do que o de lesão da sua liberdade ou da sua autodeterminação sexual, para se considerar o crime como consumado.
Para a consideração do preenchimento do tipo de violação previsto no artº 164º nº 1 do CP, na versão da Lei 83/2015 de 5 de Agosto, é crucial ponderar que a paralisação ou inibição da vontade da vítima em resistir à agressão sexual não tem de ser feita através de violência irresistível ou invencível ou de gravidade extrema.
Para além da reação expressa e ostensiva de oposição, o conceito de violência ali previsto é suficientemente amplo para incluir também o aparente assentimento oferecido como meio de evitar um mal superior, perante a ineficácia, a inaptidão ou inutilidade da resistência à prática sexual abusiva, para evitar a consumação desta.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que integram a 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido no dia 22 de Outubro de 2019, no processo comum colectivo -______, o arguido H__________, foi condenado como autor material de um crime de violação, p. e p. pelo art. 164º nº 1 al. a) do Código Penal, na pena de quatro anos e seis meses de prisão.
Na mesma decisão, o arguido H__________ foi condenado a pagar à lesada M________ a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), a título de compensação por danos não patrimoniais.
O arguido interpôs recurso deste acórdão, sintetizando as razões da sua discordância, nas seguintes conclusões:
1. Foi o Arguido condenado pela prática de 1 (um) crime de violação p. e p. pelos arts. 26° e 164°/1/a) do Código Penal na redacção pré-vigente, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, sendo ainda condenado a pagar à Assistente/Demandante a quantia de € 10.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
2. O Recorrente não se conforma, por diversos motivos, com o acórdão ora recorrido.
3. Em primeiro lugar e quanto à matéria de facto, porque considera que foram erradamente julgados os factos dados como provados em 8 a 17,22,23 e 24 e os factos 1 a 10 do segmento “do pedido de indemnização civil” da factualidade dada como provada - pelo que, nesta sede, expressamente os impugna.
4. Considera ainda o Recorrente que deviam ter sido dados como provados dois factos. A saber: “Quando trabalharam Juntos em  , existiu grande proximidade e intimidade entre o Arguido e a Ofendida, tendo chegado a beijar-se” e “O Arguido confessou ter, nas circunstâncias de tempo e espaço dadas como provadas, mantido uma relação de coito vaginal com a Assistente".
5. Sendo que os elementos de prova que impunham, a nível factual, decisão diversa da recorrida são: declarações do arguido, prestadas na sessão de julgamento do dia 09/09/2019, com início às 10:13:41 e fim às 10:50:45, gravadas no sistema integrado de gravação digital em uso no tribunal com o n° 20190909101342_e conforme acta do mesmo dia; declarações da assistente/demandante, prestadas na sessão de julgamento do dia 09/09/2019, com início às 10:52:38 e fim às 12:37:29, gravadas no sistema integrado de gravação digital em uso no tribunal com o n.° 20190909105238_e conforme acta do mesmo dia; depoimento da testemunha D_________, prestado na sessão de julgamento do dia 09/09/2019, com início às 14:03:47 e fim às 14:31:28, gravadas no sistema integrado de gravação digital em uso no tribunal com o n.° 20190909140347_e conforme acta do mesmo dia; depoimento da testemunha Patrícia Alexandra Agostinho Santos Pereira, prestado na sessão de julgamento do dia 09/09/2019, com início às 15:07:30 e fim às 15:20:34, gravadas no sistema integrado de gravação digital em uso no tribunal com o n.° 20190909150730_e conforme acta do mesmo dia e relatório social elaborado pela D.G.R.S.P. e datado de 30/01/2019, de fls.... dos autos.
6. Comece por se dizer que, apesar do tribunal recorrido ter procurado desvalorizá-lo, o Recorrente confessou que havia mantido, no dia 25/09/2014, relação de coito vaginal com a Assistente.
7. Na verdade, esta confissão do Arguido não se limita a admitir aquilo que não podia negar, porquanto a existência de penetração vaginal não resulta de qualquer elemento de prova (à excepção do depoimento da assistente que foi prestado após as declarações do Recorrente, prestadas logo no início do julgamento).
8. Ou seja, quando o Recorrente assume essa prática sexual com a Ofendida, na verdade, nada no processo o confirmava ou provava.
9. Contrariamente ao que sustenta o tribunal a quo essa penetração vaginal não resulta nem da prova pericial de fls. 60 e 70 e 116 a 118 dos autos - donde só se pode retirar que foram encontrados vestígios biológicos do Recorrente nas cuecas da Assistente (sendo este o dador maior de diferentes dadores) e que foi encontrado sémen do Recorrente no chão da zona dos cacifos da loja da Jean Louis David onde decorreram os factos -, nem da análise pericial feita pelo INML e junta já no decorrer da audiência - donde só resulta que a Assistente não apresentava lesões na zona intra e peri-vaginal e que no interior da sua vagina existiam vestígios de sémen, mas desconhecendo-se a quem pertenceriam nem da participação criminal apresentada pela Assistente - pois que, como todos sabemos, essa participação não tem valor probatório.
10. O que serve por dizer que o Recorrente confessou bem mais do que aquilo que não podia negar, pelo que não se compreende porque foi essa sua confissão desvalorizada!
11. Pelo contrário, considera o Arguido que a sua confissão até devia constar da factualidade dada como provada - pelo que seria sempre relevante, ainda que só para a eventual determinação da medida da pena.
12. Essa confissão resulta concretamente e de forma inequívoca das declarações prestadas em audiência pelo Recorrente (e acima concretamente identificadas e parcialmente transcritas).
13. Assim, impõe-se, desde logo, o aditamento à matéria de facto dada como provada que “O Arguido confessou ter, nas circunstâncias de tempo e espaço dadas como provadas, mantido uma relação de coito vaginal com a Assistente
14. Do mesmo passo, cremos que também devia ter sido dado como provado que, em momento anterior aos factos, existiu uma relação de grande proximidade e intimidade (mesmo flirt, nas palavras do tribunal recorrido) entre Arguido e Assistente.
15. Essa relação existente entre ambos resulta logo do depoimento da Assistente (no corpo do presente recurso concretamente identificado e parcialmente transcrito) - que afirmou que quando conheceu o Recorrente gostaram um do outro, que, nessa altura, faziam umas “brincadeiras”, que, numa das vezes em que o Recorrente lhe deu boleia para casa, se chegaram a beijar e chegou mesmo a admitir que mantiveram uma relação, que só terá cessado quando a Assistente descobriu que o Arguido era casado.
16. Mas também a testemunha, no seu depoimento (atrás concretamente identificado e parcialmente transcrito), afirmou que quando a Assistente foi trabalhar para a loja de Cascais o Arguido passou a ali se dirigir para fazer a depilação facial, com frequência mais ou menos mensal, e que era frequente dar boleias à Assistente, tal como essas boleias eram frequentes em eventos globais da empresa.
17. Ainda a testemunha Patrícia Pereira, no seu depoimento (atrás concretamente identificado e parcialmente transcrito), relatou ter assistido a situações de grande intimidade entre os dois - como a Assistente sentar-se ao colo do Arguido intimidade que não existia com qualquer outro colega. Mais relatou que, na sua perspectiva, naquela altura, existia entre ambos uma relação de namoro.
18. Proximidade e intimidade estas que também foram relatadas, nas suas declarações (acima identificadas e parcialmente transcritas), pelo Arguido.
19. Do exposto e pela sua relevância processual, deve passar também a constar da matéria de facto dada como provada que “Quando trabalharam Juntos em  , existiu grande proximidade e Intimidade entre o Arguido e a Ofendida, tendo chegado a beijar-se".
20. Quanto aos factos dados, na nossa perspectiva, incorrectamente como provados, esclarece-se que a razão da discordância do Recorrente, numa primeira linha, se prende com a valoração que foi feita da versão dos factos apresentada pela Assistente - valoração que consideramos que pode e tem de ser posta em crise nesta sede recursiva. 
21. Com efeito, a Assistente narrou os factos como os mesmos acabaram por ser dados como provados, ao passo que o Arguido, apesar de assumir que existiu cópula vaginal, disse que tudo se passou de forma consensual.
22. Ora, da prova que efectivamente se produziu, cremos que a versão da Assistente não encontra suporte suficiente para que lhe pudesse ter sido, como foi, dada uma credibilidade absoluta, nem que, ao invés, se tenha produzido outra prova que permitisse concluir que o que o Recorrente afirmou não correspondia à verdade.
23. Cremos que, na pior das hipóteses, do confronto das duas versões e tendo em atenção o que foi a demais prova, o tribunal tinha que ter ficado na dúvida insanável sobre qual delas correspondia à verdade dos factos.
24. Em especial porque neste tipo de crimes, normalmente, só os intervenientes directos é que realmente sabem o que e como se passou e, insiste-se, qualquer da prova que se produziu é apta a validar a versão da Assistente em detrimento da versão do Arguido.
25. Como já dissemos, da prova pericial produzida nem sequer se pode extrair que tenha existido coito vaginal. muito menos contra a vontade da Assistente.
26. Aliás, o exame feito pelo INML é claro ao referir que não existiam quaisquer lesões na região vulvar, na vagina ou colo do útero da Assistente.
27. E se este exame pericial não tem a virtualidade de demonstrar que a relação sexual foi consensual, cremos que poderá, pelo menos, ser um indício nesse sentido. Ou seja, este elemento de prova é mais condizente com a versão do Arguido do que com a da Assistente.
28. Os fotogramas recolhidos junto da C.P.. nos quais parece percepcionar-se a Assistente a esfregar os olhos, também não provam qualquer violação!
29. Até se podem compaginar com o que foi dito pelo Arguido, no sentido de, após a relação sexual ocorrida e perante a recusa do Recorrente em deixar a sua mulher para "fazer vida” com a Assistente, esta ter ficado desolada.
30. Também não podemos olvidar ter a testemunha D______ referido, de forma clara, no seu depoimento que, quando no dia seguinte aos factos, foi abordado pela Assistente e esta lhe disse que algo teria acontecido entre si e o Recorrente, ao ter a testemunha e a coordenadora de ambos Insistido para que fosse apresentar queixa à polícia a Assistente disse que não queria fazer queixa, só queria saber quais as intenções do arguido para consigo.
31. Ora, esta narração da testemunha é inequívoca, pelo que não se pode aceitar a “interpretação” que dela faz o tribunal recorrido, apenas para eliminar um elemento que claramente contradiz a versão da Assistente e coincide com a versão do Arguido!
32. Não se pode aceitar que se interprete querer saber quais as intenções de alguém em relação a si, ainda para mais no contexto em que isto é dito de recusa em apresentar queixa-crime, como significando querer saber como alguém pode ter certo tipo de comportamento ou prejudicar outrem de determinado modo - como o tribunal recorrido fez no acórdão ora sob escrutínio!
33. Até porque é o próprio tribunal que considera (cfr. página 17 do acórdão) que a Assistente se expressa e exprime de forma correcta.
34. Também causa no mínimo estranheza que, como se retira do depoimento de D_________, a Assistente lhe tenha dito, no dia dos factos e antes de atender o Recorrente, que não queria fica sozinha com este, “porque ele queria fazer sexo com ela".
35. Se, como a Assistente relatou, apesar do clima que entre ambos existiu em  , já não convivia nem contactava com o Arguido (à excepção de uma ou outra festa global da empresa) desde que havia saído para a loja de Cascais - o que, como disse, teria ocorrido cerca de 1 ano antes como sabia ou desconfiava que o Arguido queria ou iria querer fazer sexo consigo?!
36. Ademais, se a Assistente tinha essa convicção, cumpre questionarmo-nos do porquê de ter aceitado atendê-lo tão perto da hora do fecho do estabelecimento e quando era evidente que não seria possível concluir o trabalho antes desse fecho?!
37. Ainda, se estava assim tão receosa, então porque é que, como D______ e a própria Assistente narraram, nada disse quando o colega D______ lhe comunicou que se ia embora da loja? Porque não lhe pediu que ficasse até ao fim do atendimento ao Arguido?
38. Mais, como se explica que em audiência, a Assistente não tenha sabido concretizar. "porque já não se lembrava bem”, se a ansiedade que sentiu quando soube que iria estar com o Arguido e quando estava com ele era por ter medo que este pudesse fazer-lhe algo ou porque receava voltar a cair na tentação de se deixar envolver com ele?!
39. É que, contrariamente ao que consta de página 13 do acórdão, a Assistente nunca disse que essa ansiedade era medo de que o Arguido lhe fizesse mal!
40. Não se podendo aceitar que o tribunal recorrido venha, para o que lhe interessa (leia-se, no que não é compatível com a versão da Assistente) a procurar desvalorizar os depoimentos de D______e P______por, alegadamente, terem deposto de modo "evasivo e comprometido".
41. Ora, as testemunhas em apreço não se furtaram a responder a qualquer questão, nem se mostraram comprometidas fosse de que modo fosse! Ou será que alguém depõe de modo “comprometido” só porque aquilo que diz não coincide com o que declara a Assistente?!
42. Além do mais, cremos que os depoimentos não podem ser cindidos! Ou seja, não se pode considerar que segmentos do que a testemunha diz, só porque coincide com o que diz a Assistente, são válidos e credíveis e os demais segmentos, onde o que se diz é contrário ao que diz a Assistente, não têm qualquer validade... O depoimento ou é todo ele credível e a pessoa que o presta merece essa credibilidade ou, então, nada do que disse vale!
43. Ora, o tribunal recorrido não se dispensa de, em vários momentos no seu acórdão, seguir e aceitar como bom o depoimento de D______- por exemplo, quando este referiu que a Assistente lhe disse que não queria ficar sozinha com o Arguido porque este queria fazer sexo consigo...
44. Pelo que terá que se concluir que os depoimentos de D______ e P______ têm que ser tidos por totalmente credíveis e daí extrair as necessárias consequências quanto às manifestas contradições com o que foi narrado pela Assistente.
45. Outro exemplo dessa contradição é que D______ confirma o que o Arguido disse no sentido de. após a Assistente ter passado para a loia de Cascais, ali ter começado a se deslocar frequentemente para fazer o tratamento facial com esta, sendo que D______ refere expressamente que. nesses dias, a Assistente sempre se mostrou satisfeita pela presença do Arguido.
46. De tudo o que se disse resulta que, à excepção das declarações da Assistente, nenhuma prova se produziu que contrarie a versão do Recorrente - pelo contrário! 
47. Não se podendo também compreender, em face desta coincidência com toda a prova que se produziu, porque se considerou que a versão do Arguido era “inconsistente e fantasiosa”.
48. Apenas porque, apesar de no essencial coincidir com a demais prova, colide com a versão da Assistente?!
49. Não esqueçamos que a Assistente também tem um interesse directo na causa, que é lograr a condenação do Arguido no pagamento da indemnização no valor de € 10.000 que contra este deduziu - pelo que nem se pode sustentar a total imparcialidade daquela ou que o seu interesse processual seja apenas o da punição do Recorrente por factos que diz que contra si este praticou....
50. Do exposto, resulta claro que a versão apresentada pela Assistente não podia ter sido credibilizada como correspondendo à verdade dos factos ou que era mais credível que a do Recorrente!
51. Pelo que se Impunha, no limite de acordo com o principio do In dubio pro reo, que se dessem como não provados todos os factos que resultaram exclusivamente do depoimento da Assistente - e que aqui expressamente se impugnaram.
52. Mas ainda que assim não se entenda e se tenha o depoimento da Assistente como “a verdade dos factos” sempre se impõe alterar os factos tidos por provados em 8, 10, 15, 22 e 23 - porquanto não reflectem sequer o depoimento da Assistente.
53. E tratam-se estes de factos sobre que não versa qualquer outra prova...
54. Em 8 foi, nomeadamente, dado como provado que “o Arguido [na zona dos vestiários] agarrou a Assistente".
55. Sucede que em momento algum do seu depoimento disse a Assistente que o Arguido a agarrou!
56. Aquilo que a Ofendida referiu como acima transcrevemos, foi que o Recorrente a tentou abraçar e beijar - o que é bem diferente de tê-la agarrado.
57. Pelo que deve o facto provado em 8 passar a ter a seguinte redacção: “8. Nesse local, o Arguido tentou abraçar a Assistente, dizendo-lhe "Estou feliz por estarmos sozinhos. Vamos matar saudades"
58. Deu-se como provado em 10 que, após ter seguido a Assistente para a zona dos vestiários, “o Arguido empurrou a Assistente para a zona dos cacifos”.
59. Porém, o que a Assistente declarou foi que, perante a aproximação do Recorrente, ela própria recuou para a zona dos cacifos (como acima se transcreveu) - não tendo referido qualquer empurrão do Arguido.
60. Assim, ou se passa o facto 10 para os factos não provados ou terá que se alterar a sua redacção para: “10. Acto contínuo, a Assistente recuou para a zona dos cacifos”.
61. Deu-se como provado em 15 que, para tentar repelir a acção do Arguido, a Assistente lhe bateu.
62. Ora, mais uma vez, não foi isso que a Assistente disse que aconteceu!
63. 0 que a Assistente referiu (como atrás se transcreveu) foi me fez um gesto a ameaçar bater no recorrente - o que é totalmente diverso de ter-lhe efectivamente batido.
64. Devendo, por isso, ser o facto 15 alterado, passando a ter a seguinte redacção: “15. A Assistente tentou repelir a acção do Arguido fazendo um gesto a ameaçar que lhe bateria, tendo o Arguido retorquido: “Bate-me, sou todo teu".
65. Em 22 deu-se por provado que a Assistente tentou sempre repelir e afastar o Recorrente, tendo estado sempre a dizer-lhe para parar.
66. Primeiramente, não resulta do depoimento da Assistente que esta tenha sempre tentado repelir ou afastar o Recorrente.
67. Por exemplo, como a Assistente declara, não tentou repelir ou afastar o Arguido quando este se agachou e lhe beijou a vagina - sendo que até seria um momento oportuno para o fazer, tendo em conta a posição mais fragilizada do Recorrente em relação à Assistente...
68. Mas a Assistente refere também expressamente que quando o Arguido a penetrou deixou de se opor (porque entendeu que não valia a pena)!
69. Quanto aos pedidos para parar, de acordo com o depoimento da Assistente (acima transcrito), esta refere que só fez tais pedidos num momento inicial (ainda anterior à narrada introdução dos dedos do Arguido na sua vagina), quando o Recorrente tentava abraçá-la e beijá-la - o que aliás é exactamente o que consta do facto dado como provado em 12.
70. Assim, deve a redacção do facto 22 passar a ser a seguinte: “22. A Assistente fez algumas tentativas para repelir e afastar o Arguido até ao início do coito vaginal, o que não conseguiu".
71. Em 23 deu-se como provado que o Arguido actuou com o propósito alcançado de, com recurso â força física, constranger a Assistente a suportar, contra a sua vontade, a introdução dos dedos e pénis daquele na sua vagina.
72. Sucede que, do depoimento da Assistente atrás largamente transcrito, não resulta este recurso à força física!
73. 0 Arguido não agarrou a Assistente em momento algum... Não a empurrou... Não lhe bateu... Mesmo durante o coito não a prendeu apenas a tendo ladeado com os seus braços (até porque nessa altura, como vimos, nem sequer a Assistente reagia...).
74. Pelo que terá que passar a expressão “com o recurso à força física” para os factos dados como não provados.
75. Caso se considere não poderem ser tidos por provados a totalidade dos factos resultantes do depoimento da Assistente, então impõe-se a total absolvição do Recorrente (seja quanto à matéria criminal, seja quanto ao P.I.C. deduzido).
76. Caso se entenda manter a validade do depoimento da Assistente e apenas se altere a matéria de facto provada em 8, 10, 15, 22 e 23 - nos moldes acima descritos -, sempre terá que se alterar a subsunção da conduta do Recorrente ao Direito.
77. Porque, mesmo neste último caso, não resulta que tenha existido violência - requisito essencial para o preenchimento do n° 1 do art. 164° C.P. (na versão aplicável in casu).
78. Pelo que o crime a imputar ao Recorrente teria que ser o previsto na alínea a) do n° 2 do art. 164° C.P.
79. E mantendo-se a condenação do Recorrente (seja pelo crime previsto no nº 1 ou no nº 2 do art. 164º C.P.) sempre se dirá que o tribunal recorrido também errou na ponderação dos elementos que o art. 71° C.P. manda atender na determinação do quantum punitivo - pelo que se afirma que o acórdão recorrido está em violação deste preceito normativo. 
80. Quanto às necessidades de prevenção geral sentidas no caso, diremos, desde logo, que não compreendemos em que elementos se baseia a alegada “especial e crescente censurabilidade e violência empregues no cometimento” deste tipo de crimes...
81. Tal como não aceitamos que haja uma «descrença galopante no sistema de justiça» que justifique a necessidade de mais severas punições - crendo, tão-só, que, actualmente, este tipo de ilícitos é objecto de uma maior cobertura e exposição mediática sensacionalista, que não pode, de todo, ser a bitola para as decisões dos tribunais!
82. Ou seja, não perscrutamos as elevadíssimas necessidades de prevenção geral a que alude o acórdão recorrido - entendendo que tais necessidades são apenas elevadas.
83. Quanto à prevenção especial, consideramos que não faz sentido a hipervaloração (negativa) da alegada violência empregue pelo Recorrente.
84. Como vimos, aliás, nem sequer se pode entender que existiu violência.
85. Mas ainda que assim não fosse, é ter virado a Assistente de costas para si e tê-la entremeado nos seus braços que configura um acto de especial violência?! Não cremos...
86. A haver “violência”, diremos que seria num grau praticamente nulo...
87. Ou seja, daqui não resulta qualquer indicador de o Recorrente ter uma personalidade especialmente cruel ou desviante.
88. Também não cremos que a confiança existente entre o Recorrente e a Assistente e o colega D______ se possa reflectir negativamente em sede de prevenção especial.
89. Em primeiro lugar, note-se que não resulta dos factos provados que o Arguido tenha premeditado o crime que lhe é assacado...
90. Depois, a existência duma relação anterior de especial intimidade com a Assistente (que, como vimos, é inegável) também nunca poderia ser uma agravante! Se o Arguido tivesse violado alguém que não conhecia ou com quem nunca tinha sido íntimo, isso sim, seria um indicador de uma personalidade mais perigosa e desviante.
91. Sendo que o Arguido nunca culpou, nem culpa a Assistente por estar na posição processual em que está! O Recorrente defendeu e defende é que a relação sexual que entre ambos ocorreu em 25/09/2015 foi consentida - o que é bem diferente!
92. Sendo que nesta sede também deveria ter sido valorizado o facto de o Recorrente ter confessado a existência de penetração vaginal (quando bem podia tê-lo negado ou não ter prestado declarações).
93. Pelo que consideramos que as necessidades de prevenção especial são baixas.
94. Assim, mantendo-se a condenação do Recorrente pelo crime prescrito pelo art. 164°/1/a) C.P., a pena a aplicar-lhe não pode ser superior a 4 (quatro) anos de prisão.
95.  Condenando-se o Recorrente pelo crime previsto no art. 164°/2/a) C.P., a respectiva pena não poderá ultrapassar 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
96. E num ou noutro caso sempre se justificará a determinação da suspensão da execução da pena.
97. Pois que, à partida, a condenação em pena suspensa é SEMPRE uma condenação e, por isso, um duro e severo castigo, que não equivale à ausência de punição ou a “passar entre os pingos da chuva” e não é o mesmo que uma absolvição.
98. Pelo que, in casu, uma pena de prisão suspensa satisfaz plenamente as necessidades de prevenção geral.
99. Sendo que também consideramos que, dos factos e da personalidade do arguido demonstrada nos autos, é mais que possível fazer um juízo de prognose favorável quanto à suficiência da mera censura e ameaça de prisão para evitar a reincidência.
100. Neste particular, não deixa de se referir a incompreensão do Recorrente quanto a ter o tribunal recorrido ignorado totalmente a conclusão final do relatório elaborado pela D.G.R.S.P.
101. É que se é verdade (o que até se estranha...) que o tribunal recorrido tenha vertido na matéria de facto provada a maioria das conclusões desse relatório (e não apenas os factos relativos ao Arguido aí expostos), não se compreende que deliberadamente se tenha “esquecido” de mencionar aquela que é a conclusão final desse relatório, da qual consta de forma cabal que, caso o Recorrente seja condenado e em pena que o permita, “estão reunidas condições para a aplicação de medida de execução na comunidade" - entenda-se, estão reunidas todas as condições para ser aplicada ao recorrente a suspensão da execução da pena em que for condenado!
102. Ora, aceitar até como facto parte das conclusões do relatório e depois fazer “vista grossa” àquela que é a conclusão essencial e, diga-se, até um dos propósitos da elaboração desse relatório não só é completamente desleal, como demonstra bem a parcialidade do tribunal relativamente ao Arguido.
103. Sendo que também não é verdade que o Arguido tenha, com a sua postura em audiência, revelado uma total indiferença pelo outro (como diz o acórdão recorrido)!...
104. Insiste-se, o Recorrente apenas defendeu (e defende) que a cópula vaginal mantida com a Assistente foi consensual e desejada por ambos.
105. Ademais, resulta do relatório social e dos factos provados em 57 e 59 que o Recorrente denota perfeita consciência das consequências que para si podem advir da prática de crimes - pois que as tem estado a viver na pele.
106. Devendo atender-se ainda ao facto de, antes e depois de 25/09/2015, não haver registo ou indicação de que tenha praticado qualquer outro crime.
107. O Recorrente não denota uma personalidade Incapaz de se conformar com o Direito ou com a obediência às regras de sã convivência social - pelo contrário.
108. Ademais, a ressocialização do agente é sempre melhor e mais facilmente alcançada em liberdade do que em reclusão, pois que a reclusão, invariavelmente, leva ao esbatimento dos laços familiares, sociais e profissionais.
109. Concluindo, o juízo de prognose favorável é mais que possível, pelo que devia ter sido determinada a suspensão da execução da pena de prisão. Não o tendo sido, o acórdão recorrido está em violação do art. 50° C.P.
110. Pelo que deverão V. Exas. determinar essa suspensão.
111. Finalmente, consideramos que o montante indemnizatório arbitrado é excessivo.
112. Desde logo, em comparação com casos mais ou menos semelhantes e em que tal indemnização ronda os € 5.000.
113. Depois porque o tribunal recorrido ponderou erradamente a situação económica do Recorrente (sendo que se desconhece qual a situação económica da Demandante).
114. O Recorrente, enquanto cabeleireiro em prática individual, aufere, presentemente, cerca de € 1.000 mensais (facto 63), sendo o seu agregado familiar composto pela sua mulher e dois filhos de 9 e 6 anos de idade (facto 49) e a mulher do Recorrente não exerce qualquer actividade profissional, reservando-se a tomar conta dos filhos do casal e da sua mãe (facto 52) - ou seja, o Recorrente ê a única fonte de sustento da sua família.
115. Assim, deve o montante Indemnizatório ser reduzido para valor nunca superior a € 5.000.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência:
Passar a constar da matéria de facto dada como provada que “Quando trabalharam juntos em  , existiu grande proximidade e intimidade entre o Arguido e a Ofendida, tendo chegado a beijar-se” e que “O Arguido confessou ter, nas circunstâncias de tempo e espaço dadas como provadas, mantido uma relação de coito vaginal com a Assistente”
Darem-se como não provados os factos 8. a 17., 22., 23. e 24. e os factos 1. a 10. dados como provados no segmento “do pedido de indemnização cível”, assim se absolvendo, in totum, o Arguido;
Ou
Alterar-se a redacção dos factos provados em 8, 10, 15, 22 e 23, assim se condenando o Recorrente pelo crime p. e p. pelo art. 164°/2/a) C.P.;
Alterar-se a pena que possa vir a ser aplicada ao Recorrente e determinando-se sempre a suspensão da respectiva execução e
Reduzir-se a indemnização arbitrada para não mais de € 5.000.
Admitido o recurso, tanto a assistente, como o Mº. Pº. apresentaram resposta.
Assim, na resposta que apresentou, o Mº. Pº, formulou as seguintes conclusões:
1) - O Tribunal “a quo” fez um correcto apuramento e valoração da matéria de facto, segundo as regras da experiência, em obediência ao preceituado no art. 127° do C.P.P.;
 2) - A prova que serviu de base à formação da convicção do Tribunal, designadamente no que concerne às declarações da ofendida/assistente, e bem assim à demais prova pericial e documental junta aos autos, é manifestamente suficiente para fundamentar a decisão de facto que foi proferida.
3) - Em especial, julgamos que essa mencionada prova foi suficiente para que se pudessem dar como assentes, como efectivamente foram, os factos descritos nos pontos 8) a 17), 22) a 24) da matéria de facto dada como provada (factualidade concretamente impugnada no presente recurso). Isto é,
4) - O acto sexual ocorrido entre arguido e assistente (que consistiu, para além do mais, em penetração vaginal) não foi consensual, não foi querido ou permitido por ambos os intervenientes (tendo a assistente manifestado expressamente oposição e oferecido resistência) e foi perpetrado com recurso à força física (violência).
5) - E, por outro lado, não resultou assente que o arguido tivesse confessado os factos que lhe eram imputados na acusação, e bem assim que, em data anterior aos mesmos, tenha existido grande proximidade e intimidade entre o aquele e a assistente.
6) - Sendo efectivamente suficiente essa mencionada prova, outra solução não restava ao tribunal que não fosse dar os referidos factos como provados e não provados, respectivamente.
7) - Do teor da decisão recorrida é possível apreender, com precisão e clareza, os motivos pelos quais foi dada credibilidade às declarações da assistente, sendo perceptível o raciocínio lógico seguido pelo Tribunal, e a razão pela qual, apesar de o arguido os não ter confirmado, tais factos terem sido dados como provados.
8) - A conclusão que as Mmas. Juízas alcançaram quanto à verificação desses factos é logicamente aceitável e, como tal, não nos merece qualquer censura.
9) - Igualmente não nos merece qualquer reparo a circunstância de não ter sido suspensa na sua execução a pena de prisão aplicada ao recorrente.
10) - A escolha da pena a aplicar ao arguido é alcançada pelo julgador com recurso a critérios jurídicos fornecidos pelo legislador, não se tratando, pois, de um poder discricionário.
11) - Se o tipo criminal em causa admite a condenação com uma pena privativa ou com uma pena não privativa da liberdade, o art. 70° do mesmo código impõe que se opte por esta última, se tal se mostrar adequado e suficiente às finalidades da punição expressas no art. 40°.
12) - Para a determinação da pena concreta aplicável ao arguido, pesam as orientações fornecidas pelo art. 71° do C. Penal, nomeadamente as circunstâncias que , não fazendo parte do tipo , deponham a favor ou contra ele.
13) - Atendendo a tais orientações legais e ao quadro fáctico apurado nos presentes autos, consideramos acertada a decisão das Mmas. Juízas a quo no que concerne à medida concreta da pena que foi aplicada à recorrente, a qual se encontra situada em ponto não muito afastado do limite mínimo da abstractamente prevista para o crime em apreço, revelando-se, assim, justa e necessária.
14) - Por último, atendendo ainda às orientações legais prescritas no art. 50°, n° 1 do C. Penal, consideramos acertada a decisão das Mmas. Juízas a quo no que concerne à não suspensão dessa pena, pois que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizavam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição - prevenção geral e especial.
15) - É assim evidente que não existe qualquer violação do disposto nos preceitos legais invocados.
Concluiu que o acórdão recorrido deverá ser mantido, negando-se provimento ao recurso.  
Por seu turno, a assistente, respondeu com as seguintes conclusões:
1. Vem o arguido Hossem Ben Gadhoum recorrer para este Venerando Tribunal por não se conformar com o, aliás, Douto, Acórdão do Tribunal “a quo”, que o condenou pela prática, “em autoria material, e na forma consumada de um crime de violação, previsto e punido nos termos do artigo 26º e 164º, nº 1, alínea a) do C Penal, na redacção pré vigente, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão”, bem como no pagamento do pedido de indemnização civil no montante de €10.000 (dez mil euros).
2. Não merece qualquer provimento o recurso apresentado, não sendo de qualquer reparo ou censura o Douto Acórdão proferido pelo Tribunal a quo.
3. Pretende o Recorrente, com o seu recurso, ver reapreciada a matéria de facto e ver reapreciados e dados por não provados os factos 8 a 17, 22, 23 e 24 da acusação, e 1 a 10 do pedido de indemnização civil, não lhe assistindo qualquer razão.
4. Considera o Recorrente que deveria ter sido dado como provado que “o Arguido confessou ter, nas circunstâncias de tempo e espaço dadas como provadas, mantido uma relação de coito vaginal com a Assistente”.
5. Pretende também o Recorrente ver dado como provado que “quando trabalharam em  , existiu grande proximidade e intimidade entre o Arguido e a Ofendida, tendo chegado a beijar-se”
6. Nenhuma razão assiste ao Recorrente, bem tendo o Tribunal a quo analisado tais factos ou indícios, valorando-os na sua motivação e levando, e bem, à decisão nos termos em que o fez.
7. É o próprio Recorrente que nas suas motivações reconhece o princípio da vinculação temática a que está sujeito o tribunal, reconhecendo inclusive que tais factos que pretende ver aditados não se encontram explanados nem na acusação (pronúncia) e nem na contestação.
8. Estes factos são meramente acessórios e em nada alterariam a decisão do Tribunal a quo.
9. A alegada “confissão” parcial do arguido não pode ser considerada um facto a ser dado ou não dado como provado pelo tribunal, mas sim um meio de prova que foi devidamente valorado pelo Tribunal, ao abrigo do Princípio da Livre Apreciação da Prova por parte do julgador.
10. Resulta do depoimento da testemunha D_________ , gravado em sistema informático, no dia 09/09/2019, com a referência 20190909140347_4064665_2871336, na sua generalidade dos minutos 00:00:00 a 00:26:15, que quando saiu do salão só ali permaneceram a Assistente, o Arguido e mais ninguém, corroborando assim as declarações da Assistente sobre a autoria dos factos.
11. Também do teor do depoimento desta testemunha resulta que pela Assistente lhe foi dito, antes da chegada do Arguido, que “não queria ficar sozinha com ele porque ele queria fazer sexo com ela”.
12. Os fotogramas demonstram, nos exatos momentos após a prática dos factos, a Assistente a chorar copiosamente, corroborando assim as declarações da Assistente e sendo consistentes com as regras de experiência comum dos comportamentos de uma vítima de violência sexual.
13. Foi em repetição de prova que, mudando agora de estratégia processual (uma vez que nas sessões cuja prova foi invalidada o arguido não prestou declarações antes da produção de prova testemunhal), o Arguido confessou a existência da cópula vaginal, e é neste contexto que a confissão é analisada e valorada pelo Tribunal a quo.
14. Pelo Tribunal a quo foi feito um juízo de valor e valoração global de toda a prova produzida em audiência de julgamento e, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, a referida confissão não teve a valoração pretendida por aquele.
15. Mesmo que se reconheça a existência das declarações de admissão da cópula por parte do arguido, tal não resulta na necessidade da adição de um facto dado por provado com tal teor, mas sim, essa confissão resultou valorada, certamente, pelo Tribunal para dar-se como provado o facto nº 17, na parte em que refere “O Arguido (…) introduziu o seu pénis erecto na vagina da Assistente(…)”.
16. No que diz respeito ao aditamento de um facto que reconheça a existência de um relacionamento íntimo durante o período de tempo em que trabalharam ambos no estabelecimento em  , este facto é totalmente acessório, e com o devido respeito, irrelevante.
17. Ainda assim não resulta da prova produzida em audiência de julgamento que a versão apresentada pelo Arguido tenha qualquer sustentação.
18. A Assistente admite nas suas declarações, gravadas na generalidade no dia 09/09/2019, com a referência 20190909105238_4064665_2871336 do minuto 00:00:00 ao minuto 01:04:59 no sistema citius, que manteve um “flirt” com o Arguido durante o período de tempo em que se encontravam ambos a trabalhar no estabelecimento de  , mas, quando questionada directamente pela Mma. Juiza do Tribunal a quo esclarece que o ato de maior intimidade que teve com o Arguido, mesmo durante esse período foi um beijo (vide 00:08:34 a 00:10:28).
19. A versão dos factos narrada pela Assistente é corroborada pelas declarações da testemunha D_______, cujo depoimento se encontra gravado no sistema citius ao dia 09/09/2019, com a referência 20190909144824_4064665_2871336 dos minutos 00:00:00 aos minutos 00:17:42, que refere “está aqui um homem, eu tenho medo dele. Tu podes vir um dia ficar aqui sentado dentro da salão para ele saber que eu tenho alguém para me defender (…)” – vide 00:04:28 a 00:05:14, e corroborada pelo depoimento da testemunha arrolada pelo Arguido, Patrícia Alexandra Agostinho Santos, cujo depoimento se encontra gravado na generalidade no sistema citius ao dia 09/09/2019, com a referência 20190909150730_4064665_2871336, do minuto 00:00:00 ao minuto 00:13:03, que refere expressamente ter visto o namorado da M________que “veio busca-la duas vezes” ao salão – vide 00:11:31 a 00:11:40.
20. Não existe qualquer prova nos autos que resulte na corroboração de que mantiveram um relacionamento sexual durante esse período de tempo.
21. Não merece qualquer credibilidade a versão apresentada pelo Arguido que existiu um relacionamento sexual com a Arguida durante o período de tempo em que ambos trabalharam no salão em  , porquanto não tem qualquer sustentação em nenhuma outra prova existente nos autos, e são contrariadas pelas declarações da Assistente, existindo até indícios probatórios bastantes que corroboram a versão desta, nomeadamente o depoimento das testemunhas D_______ e Patrícia Santos.
22. Bem decidiu o Tribunal a quo ao não proceder à alteração da matéria de facto, aditando factos que não constavam da pronúncia, da contestação e são meramente acessórios e não sustentados pela prova carreada para os autos.
23. No que diz respeito ao facto dado por provado nº 8, que pretende no seu recurso vê-lo como não provado, nenhuma razão assiste ao Recorrente, na medida em que o mesmo é confirmado inclusivamente pelas suas próprias declarações.
24. Conforme se verifica da análise do depoimento do Arguido, quando questionado pela Mma. Juíza com o teor do facto dado por provado nº 8, e questionado “Sim?”, a resposta do mesmo foi “Sim! Sim”, vide depoimento do arguido do minuto 00:22:00 a 00:22:16.
25. Nenhuma censura pode ser feita ao juízo de valor e fundamentação constante do acórdão, porquanto as declarações da Assistente são claras, credíveis, exaustivas e sustentadas por outros elementos de prova.
26. Pretende o Recorrente dar um sentido diferente às declarações prestadas pela Assistente, cingindo-se ao elemento literal das mesmas e olvidando toda a envolvente das declarações.
27. Não assiste qualquer razão ao Recorrente na interpretação que pretende fazer à prova produzida, na medida em que pretende retirar da exposição que faz a Assistente, que tenta apresentar um quadro visual por palavras da sucessão dos factos com expressões como “tenta agarrar”, “tentei bater”, para se poder expressar o movimento dos intervenientes.
28. É facilmente entendível que a expressão “tentar” utilizada pela Assistente tem por base o facto de os seus actos não terem conseguido repelir a agressão final.
Ou seja, ao referir que “tentou bater”, “tentou afastar”, na verdade retira-se de toda a exposição feita pela mesma que ela bateu, ela afastou o Arguido, mas sem sucesso, uma vez que ele acabou por consumar, contra a sua vontade, o ato sexual.
29. Da conjugação da totalidade das declarações da Assistente se verifica claramente, e sem margem para qualquer dúvida, que o recuar da Assistente não foi um ato voluntário da mesma, mas sim provocado pelos avanços físicos do Recorrente.
30. E, o Tribunal a quo teve oportunidade de visualizar a estatura física do Recorrente em comparação com a da Assistente que, claramente, de estatura muito inferior, somente pelo avançar dos passos daquele contra si, levaria a um recuar no espaço físico possível para tentar repelir o contacto físico e a agressão iminente, e tal recuar resulta num empurrar por parte da presença física do arguido e não por ato voluntário da Assistente.
31. O próprio Arguido, nas suas declarações, admite que a Assistente lhe bateu, embora tentando desculpar-se dizendo que configurou tal acção como uma brincadeira – vide minuto 00:24:03 a 00:24:15 das declarações do Arguido.
32. Foi toda esta envolvente e análise global da prova que o Tribunal a quo teve criteriosamente valorada para dar como provados, e nos termos em que o fez, os factos nº 9 a 17, 22, 23 e 24 da pronúncia.
33. Não pode o Recorrente pretender valorar as suas declarações como verdadeiras, na medida em que as mesmas não são corroboradas por quaisquer outros elementos de prova, são contraditórias entre si e/ou não são compatíveis com as regras da experiência, sequer.
34. O Arguido apresenta como “justificação” para se ter verificado nos fotogramas a imagem da Assistente a chorar, e ter esta apresentado a queixa-crime que deu origem aos presentes autos, uma versão fantasiosa onde indicia que a mesma o fez numa espécie de vingança por aquele não querer deixar a sua esposa e filhos para ir viver com a Assistente.
35. Tal argumentação contraria as mais elementares regras da experiência comum pois, se no dizer do Arguido, este e a Assistente mantinham relação íntima, com inclusive prática de relações sexuais, quando ambos trabalhavam em  , o momento natural para ocorrer “uma vingança” seria quando o Arguido terminou esse relacionamento quando a Assistente saiu de   e não quase um ano depois quando tiveram um encontram sexual ocasional!!
36. Verifica-se que nenhuma credibilidade merece a versão dos factos apresentada pelo Recorrente, porquanto somente tenta justificar e encontrar uma narração que consiga sanar o que de facto aconteceu: que o arguido manteve relações sexuais com a Assistente sem o consentimento desta!
37. E foi exactamente esta a convicção que o Tribunal a quo não pode deixar de ter também, face à análise critica, conjugada de toda a prova existente em juízo.
38. Não pode o Recorrente pretender fazer-se valer do princípio do in dubio pro reo, porquanto o tribunal a quo procedeu a uma análise crítica, ponderada e devidamente fundamentada e motivada em todos os elementos de prova produzida em audiência de julgamento e não teve qualquer dúvida sobre a culpabilidade do Recorrente.
39. Nenhum reparo merece o Douto Acórdão proferido, devendo ser negado provimento ao recurso, e mantendo-se a decisão nos seus exactos termos que no âmbito dos factos dados como provados, quer na subsunção jurídica da conduta do Arguido, quer na medida da pena aplicada.
40. No que diz respeito ao quantum indemnizatório em que foi condenado o Arguido o mesmo se reparo merecesse seria por escasso.
41. Resultou provado que os danos para a Assistente se manifestam ainda hoje, decorridos quase cinco anos da prática dos factos e irão perdurar ainda por bastante tempo.
42. Resultou provado que a Assistente ainda hoje tem necessidade de acompanhamento psicológico e psiquiátrico por parte das técnicas da APAV.
43. Ficou provado, a Assistente, pelas acções ilícitas do Arguido, ficou com a sua vida familiar destruturada, estando ainda incapacitada de manter um relacionamento interpessoal com segurança e confiança que lhe permita manter níveis de estabilidade.
44. Impõe-se o dever de indemnizar a Demandante pelos prejuízos não patrimoniais que o ato ilícito do Arguido provocou, nos termos do disposto no artigo 483.º e 487.º do Código Civil.
45. O montante da indemnização por danos não patrimoniais “será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.º” (art. 496.º, n.º 3 do CC).
46. A Assistente sofreu danos não patrimoniais irreparáveis ou de difícil reparação, mormente quanto às sequelas psicológicas em consequência da violentação a que esteve sujeita, como vítima de actos de cariz sexual, para satisfazer os instintos libidinosos do arguido, aproveitando-se este da sua força física e confiança que tinha com a vítima e com os restantes colegas de trabalho.
47. Estas perturbações têm reflexos na personalidade e comportamento da ofendida, que se vê privada de manter uma vida familiar e constituir família devido às sequelas que ainda permanecem.
48. Atendendo aos factos dados como provados nº 1 a 10 do pedido de indemnização civil, o montante indemnizatório, pelos danos sofridos que se arbitrou em € 10.000,00 (dez mil euros) não merece qualquer reparo, na medida em que respeita os princípios de equidade, proporcionalidade e adequação que determina a lei.
49. Não colhe a argumentação do Recorrente, não merecendo o Douto Acórdão qualquer reparo ou censura, devendo manter-se a decisão também nesta parte, e sendo negado provimento ao recurso.
Remetido o processo a este Tribunal e aposto o visto previsto no art. 416º nº 2 do CPP, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tal como requerido pelo arguido, nos termos do disposto no art. 411º nº 5 do citado diploma, tendo a audiência decorrido com observância do formalismo legal.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objecto do recurso e identificação das questões a decidir:
De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 do CPP e dos vícios previstos no art. 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito ( Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995 e o AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07.12.2005).
Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso e os limites dos poderes de  apreciação e decisão do Tribunal Superior (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061).
Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º por remissão do art. 424º nº 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art. 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no art. 410º nº 2 do mesmo diploma;
Finalmente, as questões relativas à matéria de Direito.
Seguindo esta ordem lógica, em face dos fundamentos do recurso apresentados nas conclusões, as questões que cumpre apreciar, no presente recurso, são as seguintes:
A) Erro de julgamento, nos termos do art. 412º do CPP;
B) Violação do princípio in dubio pro reo.
C) Caso da impugnação da matéria de facto, não resulte a absolvição do recorrente, a alteração da redacção dos factos provados em 8, 10, 15, 22 e 23;
D) O enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido pelo crime p. e p. pelo art. 164° nº 2 al. a) C.P. (ausência de violência para a prática do acto sexual);
E) A alteração da pena que possa vir a ser aplicada ao Recorrente para, no máximo, um ano e seis meses de prisão;
F) Aplicação do instituto da suspensão da execução da pena;
G) Redução da compensação por danos não patrimoniais para € 5.000.
2.2. DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Da sentença recorrida consta a seguinte matéria provada e não provada e a forma como o Tribunal a quo fundamentou a mesma (transcrição):
2.1. FACTOS PROVADOS
Da pronúncia
1-O Arguido e a Assistente, M________, conheceram-se em data não concretamente apurada, mas localizada no ano de 2014, quando ambos trabalhavam no cabeleireiro da rede "Jean Louis Davis”, sito em  .
2-A partir de data não concretamente apurada, mas localizada no início do segundo trimestre do ano de 2015, a Assistente passou a trabalhar no cabeleireiro da mesma rede, sito na Avenida Valbom, n° 28, em Cascais.
3-No dia 25 de Setembro de 2015, pelas 18h30, o Arguido contactou a Assistente pelo telefone, solicitando-lhe que o atendesse para aparar a barba e fazer depilação facial, ao que a Assistente acedeu.
4-No mesmo dia, pelas 19h40, o Arguido compareceu no estabelecimento onde a Assistente trabalhava, em Cascais,
5-Como o estabelecimento encerrava às 20h00, o Arguido e a Assistente ficaram sozinhos no salão.
6-Após conclusão do trabalho, em hora não concretamente apurada, mas perto das 20h50, a Assistente dirigiu-se aos vestiários, a fim de trocar de roupa e fechar o estabelecimento.
7-Nessa altura, o Arguido seguiu a Assistente até à zona dos vestiários.
8-Nesse local, o Arguido agarrou a Assistente, dizendo-lhe; "Estou feliz por estarmos sozinhos. Vamos matar saudades!”.
9-A Assistente tentou soltar-se e afastar o Arguido, mas não conseguiu.
10-Acto contínuo, o Arguido empurrou a Assistente para a zona dos cacifos.
11-Nesse local, o Arguido levantou o vestido da Assistente e tentou tocar-lhe na vagina.
12-A Assistente disse-lhe repetidamente para parar, ao que o Arguido respondia que tinha saudades suas.
13-O Arguido prosseguiu, logrando baixar as cuecas da Assistente.
14-E, após, introduziu os seus dedos na vagina da Assistente, provocando-lhe dores.
15-A Assistente tentou repelir a acção do Arguido, batendo-lhe, tendo o Arguido retorquido: "Bate-me, sou todo teu!".
16-Após, o Arguido beijou a vagina da Assistente e introduziu novamente os dedos.
17-Seguidamente, o Arguido virou a Assistente de costas para si, e, ficando a mesma presa com o seu peito pressionado contra os cacifos que se encontravam naquele local, e entre os braços do Arguido que apoiou as mãos contra os cacifos, impossibilitando-a de se soltar, introduziu o seu pénis erecto na vagina da Assistente, provocando-lhe dores.
18-Após o que, como o Arguido estava prestes a ejacular, retirou o seu pénis da vagina da Assistente e ejaculou para o chão.
19-Nessa altura, o Arguido disse à Assistente “Ainda bem que não foi para dentro!”.
20-Após ter-se ido limpar, o Arguido aproximou-se da Assistente, como se nada tivesse acontecido, perguntando-lhe "Estás pronta para sair?".
21-Ambos abandonaram o cabeleireiro peias 21h00, tendo-se a Assistente deslocado para a estação de comboios de Cascais, onde apanhou o comboio das 21h16, com destino à estação de Oeiras.
22-A Assistente tentou sempre repelir e afastar o Arguido, o que não conseguiu, pelo que esteve sempre a pedir-lhe que parasse.
23-Ao agir da forma descrita, o Arguido actuou deliberada, livre e conscientemente, com o propósito logrado de, com o recurso à força física, constranger a Assistente a sofrer, contra a sua vontade, introdução vaginal dos dedos e pénis daquele, bem sabendo que assim punha em causa a liberdade sexual da Assistente, o que previu e quis.
24- O Arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.
*
Mais se provou que:
25 - O Arguido é o penúltimo de sete filhos nascidos do matrimónio dos pais, nasceu em Hammamet, uma cidade costeira da Tunísia com forte componente turística, e aí permaneceu até 2008, altura em que se deslocou para Portugal, após matrimónio com uma cidadã portuguesa, a sua actual mulher
26-O pai de H________manteve sempre actividade como motorista de pesados e a mãe cumpriu, como habitual na sua cultura, a tarefa de cuidado da casa, do marido e dos filhos.
27-Toda a família, mais tarde, dedicou-se à exploração de espaços de diversão nocturnos, tendo com isso perdido localmente alguma estima, uma vez que se afastaram dos cânones religiosos muçulmanos, comercializando e consumindo álcool.
28-A europeização da família foi continuada, aliás, pelo arguido e pelos irmãos, que na sua maioria vieram a casar com mulheres de vários locais da Europa, vindo a residir nesses países.
29-O arguido beneficiou de boas condições de desenvolvimento, afectivas e materiais, tendo vivido a sua infância de forma despreocupada, inserida em ambiente familiar coeso.
30-A educação alicerçada em valores tradicionais de subordinação e respeito pelos mais velhos em geral e pelos progenitores em particular, contribuiu para o comportamento linear que o arguido protagonizou.
31-O Arguido iniciou ainda com cinco anos de idade o processo de escolarização, depois de ter frequentado dois anos de educação pré-escolar.
32-Estudou sempre em instituições públicas, mostrando-se um aluno interessado e com razoável aproveitamento.
33-No 12° ano de escolaridade, o último do ciclo que lhe permitiria aceder ao ensino superior, foi assaltado por dúvidas quanto ao que pretendia para o futuro por ter familiares com formação universitária e sem emprego.
34-Mudou então para a denominada Escola das Profissões, onde iniciou curso técnico de mecânica de que viria a desistir três meses antes do termo previsto, para começar um outro, de cabeleireiro.
35-Embora esta actividade fosse aquela para que sentia ter talento e motivação, abandonou-a ao fim de três meses, cedendo à pressão da família que a considerava desprestigiante.
36-Aos vinte anos o arguido empregou-se peia primeira vez num laboratório fotográfico, onde permaneceu cerca de dois anos, até ter passado a trabalhar com o irmão mais velho, proprietário de vários restaurantes e discotecas.
37-Mais tarde, com a partida deste irmão para a Alemanha, foi ele, um outro irmão e um tio, que passaram a ocupar-se destes empreendimentos.
38-Foi neste meio que acabou por conhecer Bárbara Puga, uma turista portuguesa, com quem viria a relacionar-se e mais tarde a casar-se, na Tunísia, em Abril/2008.
39-Em Portugal, onde chegou em Julho do mesmo ano, o arguido passou a coabitar com o cônjuge e respectivos pais, numa moradia propriedade destes, em Paço de Arcos.
40-Realizou no CEPAB - Centro de Ensino dos Profissionais de Arte e Beleza um curso de cabeleireiro e ainda sem o ter finalizado foi convidado por um dos professores para trabalhar no SANJAM no CascaisShopping, ali tendo ficado 9 meses, até completar o curso; depois disso tem-se repartido entre vários saiões pertencentes quer à cadeia SANJAM quer à Jean Louis David.
41-Nesta última empresa ascendeu rapidamente e de colaborador passou a responsável de salão, tornando-se também formador, em sessões por várias localidades do pais.
42-Numa determinada altura quiseram que ele aceitasse colaborar num projecto em que ele não via futuro e que portanto recusou.
43-Dai em diante abriu-se um conflito entre ele e a coordenadora da Jean Louis David da área de Lisboa que até hoje não foi ultrapassado. 
44-Na sequência do litígio o arguido pediu demissão, mais tarde voltou a trabalhar para a mesma empresa mas para um franchisado e de novo viu-se na contingência de sair por reacendimento do litígio que o opunha à referida coordenadora.
45-O Arguido é descrito como indivíduo extrovertido, bem-humorado, não lhe sendo conhecidas respostas violentas, ainda que tenha dificuldade na regulação das emoções, tendendo a exprimi-las de uma forma directa e crua, o que acaba por trazer-lhe dissabores, ainda que possa ser-lhe reconhecida razão.
46-H________teve uma iniciação sexual precoce, diversificada e sem ligação emocional, banalizada que era a conduta sexual enquanto factor social na zona turística onde cresceu, desde que ocorresse com mulheres estrangeiras.
47-O arguido convive bem com a dicotomia em que, por um lado, se define como mero sujeito sexual e de desejo, liberto dos constrangimentos impostos pelas tutelas tradicionais; por outro, assume empenhadamente o seu lugar na família, enquanto pai e marido, aí mantendo um papel sexual no âmbito do compromisso e do contrato.
48-O cônjuge do arguido, apesar da pouca segurança acerca da fidelidade dele e dos acontecimentos que levaram ao presente processo judicial, decidiu manter o relacionamento face às muitas qualidades pessoais que lhe reconhece e, acima de tudo, tentando entender a sua posição sui generis quanto às práticas sexuais, crente também de que se a situação ocorresse com ela, ele seria, à luz da sua forma de estar, totalmente tolerante e compreensivo.
49-Hossem Gadhou habita com a mulher, os dois filhos, uma rapariga de nove anos e um rapaz de seis e a sogra, proprietária da moradia onde residem.
50-O arguido é muito acarinhado pela família da mulher, que enaltece a devoção que ele consagra à família, o esforço que faz em prol do bem-estar de todos, facto que associam aos seus valores culturais.
51-A mulher do arguido exerceu a profissão de advogada até à gravidez do filho mais velho, tendo-a interrompido por complicações na gestação. 
52-Mais tarde, atento o rendimento do trabalho conseguido por Hossem Gadhou, foi entendido pelo casal que seria benéfico que ela desistisse da advocacia, passando a dedicar-se aos cuidados aos filhos e à mãe.
53-O relacionamento do casal é tido como de grande entendimento, mostrando-se o arguido um marido atento e carinhoso, ainda que muito assoberbado peio trabalho, e um pai extraordinário.
54-O Arguido é tido pela sua mulher como um homem criativo, intrinsecamente honesto, com uma mentalidade aberta e contemporânea, com ambição pessoal e profissional que faz com que adopte comportamentos em prol da auto-realização, que lhe é muito querida.
55-Os filhos do Arguido ignoravam, pelo menos à data em que foi elaborado o relatório social, o objecto do presente processo judicial.
56-O arguido tem pouca capacidade de avaliar, interpretar e ter em consideração os sentimentos, direitos e vontade das mulheres em particular, que o poderá conduzir a supervalorizar a satisfação do desejo, ainda que em detrimento da autodeterminação do outro.
57-O Arguido tem receio da perda da família, que ele tanto preza, da diminuição de prestígio profissional, a par do próprio processo judicial, que está a mostrar-se verdadeiramente intimidante, tanto para ele como para a mulher,
58-Para além de sentir ter posto em risco a manutenção do agregado e de ainda hoje não ter recuperado a confiança do cônjuge, também em termos laborais o arguido sentiu fortes repercussões da presente situação judicial, não apenas em termos de imagem profissional como de oportunidades de trabalho.
59-Assim, e por ter que cumprir apresentações semanais na PSP da sua área de residência, deixou de poder realizar acções de formação e teve que optar por um emprego muito menos prestigiante e desde há sensivelmente seis meses presta apenas serviços de cabeleireiro ao domicílio, tendo consequentemente visto substancialmente reduzidos os seus proventos. 
60-A nível laboral, H________apresentou um percurso auspicioso, sendo reconhecido pelo seu talento e assim tendo registado uma rápida ascensão, traduzida em responsabilidades acrescidas que lhe eram solicitadas.
61-O comportamento sexual do arguido, eventualmente decorrente de práticas precoces casuais e de representações distorcidas, surge assente na noção de direito ao prazer, de realização sexual e de procura de experimentação, conduta esta que não lhe merece verdadeira crítica, por não ter associada a componente afectiva, já que essa se mantém adstrita ao cônjuge.
62-Não sendo um indivíduo percepcionado como estruturalmente violento o arguido pode contudo, na sua ânsia de satisfação do desejo libidinoso, não crer na verbalização, não atender à comunicação não verbal nem aos sinais paralinguísticos, e assim ofender a liberdade e determinação sexual do outro.
63-Actualmente, exerce o Arguido a actividade profissional por conta própria, auferindo um rendimento mensal médio de cerca de €1,000,00.
64-Do certificado de registo criminal do Arguido nada consta.
DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL
1-A Assistente ficou encurralada entre os cacifos e o corpo do Arguido, limitando os seus movimentos, razão pela qual não conseguiu soltar-se e afastar do arguido, no momento referido em 9).
2-Ao forçar a introdução dos seus dedos e posteriormente do seu pénis dentro da vagina da demandante, o demandado provocou-lhe dores, que perduraram vários dias.
3-A conduta do Demandado supra descrita provocou ainda na demandante sentimentos de angústia e de ansiedade pelas circunstâncias, pelo modo violento como ocorreu e pela quebra de confiança que tinha naquele enquanto seu colega de trabalho.
4- Sentiu-se ainda vexada e humilhada, nomeadamente por a agressão ter ocorrido no seu local de trabalho por um colega em quem confiou e peia circunstância de tais factos terem chegado ao conhecimento dos seus colegas de trabalho, de superiores hierárquicos e até de clientes do estabelecimento comercial,
5- O que levou a Demandante a evitar a sua deslocação àquele local e culminou com a sua mudança de entidade patronal.
6- Mais se sente vexada por ter que se expor e relatar os factos perante várias pessoas até ao final do julgamento.
7- Como consequência directa e necessária da conduta do demandado supra descrita, a demandante desenvolveu um receio de intimidade, o que levou a um desgaste da sua relação com o seu então companheiro.
8- Como consequência directa e necessária da conduta do demandado supra descrita, a demandante sentiu vergonha de si própria e do seu corpo, que sentiu sujo e conspurcado desde a relação forçada pelo Arguido.
9 -Desde da data referida em 3), que a demandante entrou em estado depressivo, tendo constantes estados de pânico e períodos de choro, sentindo ainda a demandante receio de se deparar novamente com o demandado, entrando em pânico quando na rua se cruza com algum homem de características físicas semelhantes.
10 - Bem como fortes dores de cabeça, insónias e perda de apetite.
2.2. FACTOS NÃO PROVADOS
Da Pronúncia
Não há
DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL
1-Como consequência directa e necessária da conduta do Demandado, a Demandante ficou com a marca da fivela do cinto daquela na zona das suas pernas e nádegas.
2- Bem como marcada com nódoas negras no seu corpo durante vários dias.
2.3. FUNDAMENTAÇÃO
Para dar por provados os factos que como tal se consignaram, formou o tribunal a sua convicção na análise crítica e conjugada do relatório pericial junto aos autos a fls. 60 a 70 e 116- 118, bem como nos exames médicos e perícia médica juntas em 01 de Outubro de 2019, no auto de denúncia de fls, 3, no auto de apreensão de fis. 41, nas declarações de consentimento juntas a fls, 71 e 72, nos fotogramas do sistema de videovigilância da CP de fls. 103 a 112, quando concatenados com as declarações do arguido, da ofendida e das testemunhas inquiridas em sede de audiência de discussão e julgamento, na parte em que demonstraram ter conhecimento directo dos factos, tudo analisado à luz das regras de experiência comum, razoabilidade e bom senso.
Concretizando.
Refira-se, desde já, que as testemunhas D______e P______demonstraram ter conhecimento directo dos factos sobre os quais depuseram. Contudo, por terem tido, por vezes, um depoimento evasivo e comprometido, apenas se valoraram as suas declarações na parte corroborada pela demais prova produzida, nos termos que infra se analisarão.
Por seu turno, atento o modo claro, objectivo, consistente e sustentado como depuseram as testemunhas, revelando conhecimento directo quanto aos factos sobre os quais depuseram, mereceram os respectivos depoimentos inteira credibilidade.
O  Arguido prestou declarações admitindo ter mantido relações sexuais com a Ofendida/Assistente nas circunstâncias de tempo e lugar que se deram por provadas, e, no essencial, quanto aos concretos actos sexuais praticados e expressões que proferiu naquele momento, negando no entanto que os actos sexuais ocorridos tenham sido forçados, sendo antes consentidos, mais referindo que ocorreram como decorrência e num contexto de um relacionamento já anteriormente existente entre ambos, que descreveu. 
Porém, não nos mereceram credibilidade as declarações prestadas pelo Arguido, por inconsistentes, vagas e infirmadas pela demais prova carreada para os autos, pelas razões que passaremos a expor.
Em primeiro lugar, os factos que o Arguido admite, não necessitavam de ser admitidos pelo próprio, porquanto a prova pericial junta a fis. 60 a 70, 116 a 118, quando conjugada quer com o auto de denúncia junto quer com os fotogramas do sistema de videovigilância, igualmente juntos, bastariam para que o Tribunal desse como provado que no dia e local descritos o Arguido e a Assistente mantiveram relações sexuais.
Ou seja, o Arguido admitiu aquilo que não podia refutar, aduzindo quanto ao contexto em que tais actos sexuais ocorreram uma versão sem respaldo na demais prova carreada para os autos.
No caso dos autos, como sucede na maior parte dos crimes contra a autodeterminação sexual, as únicas pessoas com conhecimento do que realmente se passou são os seus directos intervenientes - agressor e vitima-, porquanto ocorrem tais factos, por norma, longe de olhares de terceiros e em locai não acessível a estes, pelo que raras vezes existem testemunhas directas de tais factos.
E o caso em apreço não foge à regra.
Neste contexto assumem particular importância as declarações prestadas por ofendida e arguido, as quais merecem uma ponderada valorização.
Ora a ofendida, além de ter relatado ao Tribunal a natureza da relação que manteve com o Arguido em  , as razões que a levaram a deixar de trabalhar em tal local, quando voltou a encontrar o Arguido, a razão que a levou a aceitar atendê-lo no dia dos factos, à hora em que o fez, bem como o lugar e o contexto em que foi forçada a manter relações sexuais com o Arguido, descreveu ainda pormenorizadamente ao Tribunal que concretas ofensas sofreu e o modo como as sofreu. 
Além de ter relatado ao Tribunal, pormenorizada e consistentemente, a sucessão lógica e cronológica dos factos ocorridos nesse dia, desde o momento em que o Arguido ligou para o salão de cabeleireiro, onde a ofendida trabalhava, até ao momento em que retornou à sua casa, relatou ainda o seu estado de espírito ao longo desse tempo, sendo que, atento o modo sincero, sustentado, sereno, circunstanciado e não empolado como depôs, mereceu-nos o seu depoimento inteira credibilidade.
Por outro lado, e pese embora a gravidade dos factos de que foi vítima, não demonstrou, em momento nenhum, rancor pelo Arguido, mas apenas mágoa por não entender ainda hoje a sua conduta, descrevendo-o como bom profissional e colega de profissão, apesar das inúmeras investidas que o arguido teve para com a ofendida quando trabalharam juntos em   e que a deixaram, nessa altura, desconfortável, situação que pensou no entanto estar ultrapassada em face do hiato de tempo entretanto decorrido.
Mais esclareceu que aceitou atendê-lo perto da hora do fecho do estabelecimento e após o Arguido ter telefonado a dizer que estava atrasado, por se tratar de um colega que trabalha na mesma rede de cabeleireiros, tendo no entanto ficado ansiosa (esclarecendo que se tratava de medo/receio) por estar ciente que, a partir de determinado momento, iria estar sozinha com o Arguido no salão.
Mais esclareceu que a causa de tal ansiedade teve por base as condutas que o Arguido teve para com a ofendida em  , e que lhe causavam desconforto (agarrava-a por trás no vestiário, tentando abraçá-la e surpreendê-la despida), tendo-lhe inclusivamente dito que lhe queria fazer um filho o que, apesar de ter sido dito em tom de brincadeira, como referiu, “deu para perceber que tinha que me afastar dessa pessoa” (sic).
Ora, as declarações prestadas pela ofendida neste particular, e o modo como as prestou, são fracturantes e contrastantes com a versão trazida pelo Arguido que se mostrou inconsistente e até fantasiosa (nomeadamente quanto ao facto de ter dito que fez a marcação com dois dias de antecedência e a descrição que fez das cuecas que a ofendida envergava naquele dia), sem respaldo na prova produzida (nomeadamente nos depoimentos concordantes de D______ e da própria ofendida), não colhendo assim que o que move e moveu a ofendida, ao longo do processo, seja um alegado sentimento de despeito por, segundo o Arguido, este não querer deixar a sua mulher e filhos para ir viver junto com a ofendida.
Efectivamente, das declarações da Ofendida não se extrai qualquer despeito, mas antes um esforço hercúleo em relatar ao Tribunal o mais objectivamente possível, e de forma não empolada, o modo como os concretos actos sexuais ocorreram (o Arguido agarrou-a por várias vezes, abraçando-a e tentando beijá-la; e, apesar de inúmeras vezes lhe ter dito para parar, tendo-lhe inclusivamente batido (como o próprio arguido admite), introduziu, por mais de uma vez, os seus dedos na vagina da ofendida, quer antes quer depois de lhe ler baixado as cuecas que envergava por baixo do vestido que trazia; após beijou a vagina da ofendida; e, apesar de ter tentado escapar dos braços do Arguido, este virou- a de costas para si, abriu o fecho das calças, retirou o seu pénis erecto e introduziu-o na vagina da ofendida, donde apenas o retirou quando estava prestes a ejacular), onde os mesmos ocorreram e como ambos estavam posicionados nesse momento (a ofendida estava no sítio mais estreito do vestiário entre os cacifos e a parede tendo ficado encurralada), o que fez para os evitar  (bateu no arguido e, disse-lhe insistentemente para parar), a razão pela qual não pode soltar-se nem sair do local (trata-se de um local pequeno e estreito e atendendo ao sitio onde estava posicionada quando o Arguido chegou e a estatura física deste em comparação com a da ofendida ficou encurralada, não conseguindo soltar-se nem sair), sendo que o modo espontâneo, pausado, tímido, contido, mas extremamente emotivo, e com a voz embargada, como depôs, contrasta flagrantemente com a descrição que o Arguido fez da ofendida e das alegadas intenções desta.
Acresce que a descrição feita pela ofendida do local onde os factos ocorreram (vestiário/cacifos) é concordante com as fotografias que se mostram juntas a fls. 66 e 67, retratando de facto um local pequeno e estreito, que impede que duas pessoas se movimentem no interior do mesmo lado a lado, sendo que, atenta a altura e estatura física do Arguido, em comparação com a da ofendida, e tendo este entrado no local após a ofendida, como o próprio admite, esta apenas conseguiria sair se o Arguido lhe cedesse passagem, o que não fez, antes a tendo impedido.
Por outro lado, o relatado pela ofendida no que à natureza do relacionamento que ambos tiveram em dada altura quando trabalhavam juntos em   (um m) concerne, o que a levou a afastar-se do Arguido ainda naquele local (saber que o Arguido era casado e que tinha filhos, ao contrário da ofendida) e ter sentido necessidade de pedir ao seu então ex-companheiro (com quem posteriormente reatou o relacionamento) para ir ter ao seu locai de trabalho para fazer sentir ao Arguido que não estava sozinha, para que este parasse as suas investidas contra a ofendida, tem sustentação no depoimento prestado por DD_______, ex-companheiro da Assistente, o qual depôs de forma serena e revelando conhecimento directo dos factos sobre os quais depôs, razão pela qual nos mereceu inteira credibilidade, bem como no depoimento prestado por Patrícia Pereira.
Acresce que além de a ofendida ter pedido a D____ que este comparecesse no seu local de trabalho com o fim referido, no próprio dia 25 de Setembro de 2015, disse ao seu então gerente, a testemunha D_________, conforme relatado pelo mesmo, que não queria ficar sozinha com o Arguido, porque este queria fazer sexo com ela (sic), tendo inclusivamente pedido à referida testemunha, nesse dia, para ficar.
Mais referiu tal testemunha, tal como o Arguido, que, após o último cliente ter saído, saíram a Assistente e o Arguido do gabinete de estética onde até então estavam sozinhos, acabando o tratamento no salão, perante a testemunha que, entretanto e por razões profissionais, se ausentou do local.
Referiu ainda D______que a ofendida é uma pessoa fechada e reservada, especialmente quanto à sua vida pessoal e, apesar de lhe ter causado perplexidade a afirmação da mesma quanto ao facto de não querer estar com o Arguido por este querer fazer sexo com ela, incompreensivelmente, não a considerou alarmante.
Ou seja, das condutas concludentes da ofendida extrai-se que a mesma não queria estar sozinha com o Arguido, cujos comportamentos para com a mesma lhe causaram e ainda lhe causavam desconforto ao ponto de pedir ajuda a terceiros, inclusivamente a quem não tinha confiança para o efeito.
E o acabado de referir não se mostra minimamente infirmado pelo depoimento prestado pela testemunha Patrícia Pereira, antes corroborado, porquanto apesar de ter relatado de forma vaga situações que, no seu entender, revelavam alguma familiaridade e confiança entre o Arguido e a Assistente, referiu também que, de facto, a Assistente inicialmente não sabia que o Arguido era casado, tendo inclusivamente visto, por duas vezes no saião de cabeleireiro  , o namorado da assistente.
Pelo exposto, o comportamento efectivamente adoptado pela Assistente não é minimamente consentâneo com o referido peio Arguido, de aquela, no dia dos factos, ter querido manter relações sexuais com o mesmo e pretender que este deixasse a sua mulher e filhos para viverem juntos, ademais numa altura em que a ofendida tinha companheiro, com quem pretendia ter filhos, conforme esta relatou, bem como a testemunha Dimitrii .
Neste contexto, a tristeza demonstrada e retratada pelos fotogramas junto a fls. 103 a 112 por parte da ofendida, tem apenas por causa a conduta que o Arguido lhe infligiu, por concordantes e consistentes com a versão aduzida por aquela, e absolutamente consentâneas com as regras de experiência comum e, não, a justificação apresentada pelo Arguido desprovida de qualquer sustentação.
Outrossim, é absolutamente consentâneo com as regras de experiência comum que a ofendida apenas tivesse apresentado queixa no dia seguinte aos factos.
Aliás a própria justificou a sua opção: precisava de segurança e de apoio, o que se compreende face à circunstância de a ofendida ser de nacionalidade estrangeira, residir, à data dos factos, há pouco tempo em Portuga!, não tendo cá família além do companheiro que não lhe deu, no imediato, qualquer apoio nem lhe transmitiu segurança, como ambos relataram.
Pelo que, essa segurança e esse apoio apenas encontrou junto dos seus colegas de trabalho - D______(gerente de loja) e P_____(coordenadora) que a acompanharam à polícia para apresentar queixa, certamente por lhes ter merecido credibilidade o que esta relatou. 
A sustentar a credibilidade que a Assistente mereceu junto dos colegas, basta relembrar o depoimento da testemunha D______quando, além do mais, referiu que a ofendida nesse dia lhe disse, a chorar compulsivamente (as lágrimas caiam 4 a 4 - (sic)), "o que eu temia aconteceu!”, antes de ir apresentar queixa, tendo por isso percebido que algo aconteceu.
É certo que a referida testemunha também disse que a Assistente lhe terá dito, após lhe terem dito que devia ir à polícia, que pretendia saber quais as intenções do arguido perante ela, afirmação que, no entanto, não soube explicar.
Não podemos esquecer que a ofendida é de nacionalidade ucraniana, estando em Portugal apenas desde 2010, tendo os factos ocorrido em 2015.
E pese embora se expresse e se exprima de forma correcta, existem, em cada país, expressões próprias para as várias situações.
E o certo é que ao longo do seu depoimento a ofendida disse várias vezes ter-se questionado, após a ocorrência dos factos, referindo como alguém pode prejudicar a isso? Porque é que alguém me pode prejudicar a isso?, querendo com isso evidentemente dizer como é que alguém pode fazer isto a outrem, ou como é que ele foi capaz de me fazer isto ou o que é que ele quer de mim.
E é neste contexto, com este sentido e fim, que o Tribunal interpreta a afirmação, o relato feito por D______quando alegadamente questionado pela ofendida quanto às intenções do Arguido, já que esta peremptoriamente afirmou nunca ter pretendido fazer vida em comum com o Arguido, muito menos à data dos factos, o que aliás resulta da conduta concludente que a mesma adoptou conforme deixamos exposto.
Foi também neste contexto de desprotecção familiar e social, por ser emigrante e não ter recebido do seu companheiro o apoio merecido e devido, que necessitou de sentir segurança e apoio de terceiros, seus colegas de trabalho, que lho deram, quando, no dia seguinte, retornou ao local dos factos, relembrou o sucedido e também vi que era difícil (-sic), como relatou.
Sem prejuízo do referido, é, aliás, absolutamente normal e concordante com as regras de experiência comum que uma pessoa colocada nas concretas circunstâncias da ofendida e, após o sucedido não tivesse força anímica para, sozinha, num país que não é o dela, relatar a terceiros desconhecidos factos tão íntimos, humilhantes e vexatórios como aqueles que sofreu.
De facto, nas mais variadas situações as vítimas têm comportamentos e reacções díspares perante as mais variadas formas de violência que vivenciam, sendo que o comportamento que adoptam perante as várias situações está orientado para a sua preservação, podendo optar por diferentes estratégias de sobrevivência.
M________não é excepção á regra.
Peio que nenhuma estranheza nos causa, contrariamente ao arguido, o facto de a ofendida apenas ter contado os factos no dia seguinte, momento em que apresentou queixa, tendo ainda sido submetida a observação, exames e perícia médicos no dia 27-09-2015.
Há ainda que atentar no depoimento de C________ da Silva, da APAV, que, de forma objectiva, isenta e sustentada, relatou ao Tribunal o acompanhamento psicológico que lhe prestou, a frequência do mesmo, a razão que levou a Assistente a pedir acompanhamento por parte da APAV e como a ofendida se encontrava quando se dirigiu à APAV, razão pela qual nos mereceu, tal depoimento, inteira credibilidade.
Por fim, cabe referir o seguinte,
Submetida que foi a ofendida a perícia médico-legal, não se observaram lesões na área genital.
Contudo, tal facto, por si só e contrariamente ao referido pelo Arguido, não quer dizer que a penetração que sofreu tenha sido consensual e até prazerosa ou com desejo, como este afirmou, porquanto, as perícias, em crimes desta natureza, são muitas vezes inconclusivas, no que à observação de lesões concerne, o que por si só e não complementado com outra prova cabal que a sustente, não impõe necessariamente a conclusão de a vítima não ter sofrido qualquer agressão sexual. 
E se nos ativermos apenas no raciocínio do Arguido para concluir que a falta de lesões na área genital se deve certamente ao facto de a ofendida estar lubrificada nesse momento pelo prazer sentido, sempre podemos retorquir com o seguinte: o Arguido beijou a ofendida na vagina e introduziu-lhe, por várias vezes, os dedos na vagina, concluindo-se, assim, que o próprio Arguido tratou de a lubrificar.
Porém, aceitando que o exame médico-legal junto não tem a virtualidade de, por si só, fazer prova dos factos imputados ao Arguido, ainda assim, tal perícia, conjugada com os elementos clínicos que a antecedem e as queixas apresentadas pela ofendida, nesse momento (dois dias após os factos), e a demais prova que supra se analisou, conclui-se que também tais provas sustentam a versão da Assistente.
Ou seja, todo o depoimento prestado por M________, além de, por si só e pelas razões referidas, nos ter merecido inteira credibilidade, tem ainda o mesmo inteiro respaldo na demais prova carreada para os autos, acrescentando-se ainda que a mesma fez o que estava ao seu alcance para evitar o Arguido e as condutas que lhe causavam desconforto, bem como no modo como se dirigiu às várias entidades policiais, médicas e judiciais, com vista à sua protecção.
Assim, da prova produzida, quando conjugada com as declarações prestadas pelo Arguido e pela Assistente nesta sede, e com a personalidade revelada pelo arguido em julgamento, perante a total ausência de arrependimento, e a sucessão de factos anteriores e posteriores à sua conduta, deduz o Tribunal, por inferência lógica e com recurso às regras da experiência comum e da normalidade, a prova dos denominados “factos internos”, ou seja, dúvidas não tem este Tribunal Colectivo que o Arguido actuou deliberada, livre e conscientemente, com o propósito logrado de, com o recurso à força física, constranger a Assistente a sofrer, contra a sua vontade, introdução vaginal dos dedos e pénis daquele, bem sabendo que assim punha em causa a liberdade sexual da Assistente, o que previu e quis, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida peia lei penal.
No que aos factos provados constantes do PIC concerne, alicerçou o Tribunal a sua convicção no depoimento prestado pela ofendida que, pelas razões sobejamente referidas, nos mereceram credibilidade, quando conjugado com os depoimentos prestados por D_______Volodín, seu então companheiro, D______e C________, donde resulta que, após os factos, a demandante entrou de baixa médica, bem como os seus vários estádios emocionais e os sentimentos de medo, vergonha e humilhação, sendo aliás hoje do conhecimento comum das pessoas e consensualmente aceite que uma mulher vítima de um crime sexual experimenta, como norma, os mesmos estádios emocionais que aparecem em outras crises profundas, O medo, a vergonha e a humilhação são os sentimentos mais comuns que se manifestam em estados de extrema ansiedade, que perduram ao longo da sua vida - cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. n.° 473/16.0JAPDL, de 12-06-2019, disponível em www.dgsi.pt.
Pelo exposto, deram-se por provados os factos que supra se consignaram como tal, nos precisos termos aí constantes.
*
No que aos factos não provados concerne, resultaram os mesmos da ausência de prova cabal produzida, bem como do facto de serem contrários ou incompatíveis com os provados ou prejudicados por estes, não obstante investigados.
*
Foi valorado o relatório social do arguido junto autos, no que respeita às respectivas condições económico-sociais, não se tendo o arguido oposto à sua valoração, tendo-se ainda atendido nas declarações prestadas pelo Arguido nesta sede.
Mais se atentou no depoimento prestado pela testemunha quanto ao modo como este processo está ser vivenciado pelo Arguido e sua mulher, resultando ainda de tal depoimento, bem como no das testemunhas P______e D______, que o arguido é tido como pessoa íntegra e trabalhadora pelos seus amigos e colegas de trabalho.
Para prova dos antecedentes criminais foi tido em devida conta o Certificado de Registo Criminal junto aos autos.
2.3. Apreciação do mérito do recurso
O erro do julgamento verifica-se sempre que o Tribunal tenha dado como provado um facto acerca do qual não foi produzida prova e, portanto, deveria ter sido considerado não provado, ou inversamente, quando o Tribunal considerou não provado um facto e a prova é clara e inequívoca, no sentido da sua comprovação.
O mecanismo por via do qual deverá ser invocado é o da impugnação ampla da matéria de facto, que se encontra prevista e regulada no art. 412º nºs 3, 4 e 6 do CPP, a qual envolve a reapreciação da actividade probatória realizada pelo Tribunal, na primeira instância e da prova dela resultante, mas com limites, porque subordinada ao cumprimento de um dever muito específico de motivação e formulação de conclusões do recurso (Maria João Antunes, in RPCC – Ano 4 Fasc.1 – pág. 120; Acórdão do STJ n.º 3/2012, de 8/3/2012, DR, I Série, n.º 77, de 18/4/2012 Acs. da Relação de Guimarães de 6.11.2017, proc. 3671/13.4TDLSB.G1; da Relação de Évora de 09.01.2018 proc. 31/14.3GBFTR.E1; da Relação de Coimbra de 08.05.2018, proc. 30/16.0GANZR.C1; da Relação de Lisboa de 12.06.2019, processo 473/16.0JAPDL.L1, in http://www.dgsi.pt). 
Assim, nos termos do nº 3 do art. 412º do CPP, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e c) as provas que devem ser renovadas».
O nº 4 do mesmo artigo acrescenta que, tratando-se de prova gravada, as indicações a que se referem as alíneas b) e c) do nº 3 se fazem por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, sendo que, neste caso, o tribunal procederá à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, segundo o estabelecido no nº 6.
Ou seja, o recorrente terá de indicar, com toda a clareza e precisão, o que é que, na matéria de facto, concretamente, quer ver modificado, apresentando a sua versão probatória e factual alternativa à decisão de facto exarada na sentença que impugna, e quais os motivos exactos para tal modificação, em relação a cada facto alternativo que propõe.
Assim, quanto à especificação dos concretos pontos de facto, a mesma «só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e se considera incorrectamente julgado» (Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª. ed., 2009, nota 7 ao art. 412º., pág. 1144).
Portanto, só os factos controvertidos por efeito das provas cujo conteúdo seja adequado à conclusão de que se impõe uma decisão diferente da recorrida, segundo a motivação do recorrente, é que são objecto de sindicância pelo Tribunal da Relação.
Já a especificação das concretas provas, «só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida. Por exemplo, é insuficiente a indicação genérica de um depoimento, de um documento, de uma perícia ou de uma escuta telefónica realizada entre duas datas ou a uma pessoa. Mais exactamente, no tocante aos depoimentos prestados na audiência, a referência aos suportes magnéticos só se cumpre com a indicação (…) das passagens dos depoimentos gravados que impõem diferente decisão, não bastando a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento» (Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª. ed., 2009, nota 8 ao art. 412º., pág. 1144).
Quando se trate de depoimentos de testemunhas, de declarações de arguidos, assistentes, partes civis, peritos ou consultores técnicos, o recorrente tem, pois, de individualizar, no universo das declarações prestadas, quais as particulares passagens, nas quais ficaram gravadas as frases que se referem ao facto impugnado.
Acresce que a reapreciação da matéria de facto em sede de recurso só pode determinar a sua alteração, se se concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não quando apenas se constatar que seria possível uma decisão diferente.
Essa modificação será, ainda, assim, tão só a que resultar do filtro da documentação da prova, segundo a especificação do recorrente, por referência ao conteúdo da acta, com indicação expressa e precisa dos trechos dos depoimentos ou declarações em que alicerça a sua divergência (art. 412º nº4 do CPP), ou, pelo menos, mediante «a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas pelo recorrente» (Ac. do STJ nº 3/2012, de fixação de jurisprudência de 08.03.2012, in D.R. 1.ª série,  nº 77 de 18 de abril de 2012).
«É em face dessa prova que, em sede de recurso se vai aferir da observância dos juízos de racionalidade, de lógica e de experiência e se estes confirmam, ou não, o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos, cuja veracidade cumpria demonstrar. Caso esteja demonstrado que o juízo constante da decisão recorrida é compatível com aqueles critérios não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não estiver, então a decisão recorrida merece alteração. Com o que em nada se viola a imediação da prova, que fica acessível, imediatamente, ao juiz de recurso tal e qual como foi produzida em primeira instância» (Paulo Saragoça da Mata, in A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença em Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, Coimbra 2004, pág. 253).
Caso se limite a indicar a totalidade de um documento ou de uma perícia, ou de uma escuta telefónica, por reporte a um determinado período, ou as declarações prestadas por um certo número de testemunhas, na sua globalidade, não pode considerar-se cumprido o ónus, nem viabilizada a possibilidade de reapreciação da matéria de facto, pelo Tribunal de recurso.
Tal forma genérica de impugnação, além de permitir converter em regra uma excepção, desvirtuando completamente o regime do duplo grau de jurisdição da matéria de facto, que se traduz num reexame pontual e parcial da prova, porque restrito aos precisos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, prejudica e pode mesmo inviabilizar o exercício legítimo do princípio do contraditório pelos demais sujeitos processuais com interesse juridicamente relevante no desfecho do recurso.
Além disso, transferiria para o tribunal de recurso a incumbência de encontrar e selecionar, segundo o seu próprio critério, as específicas passagens das gravações que melhor se adequassem aos interesses do recorrente, ou seja, de fazer conjecturas sobre quais seriam os fundamentos do recurso, o que não é aceitável, porque o tribunal não pode, nem deve substituir-se ao recorrente, no exercício de direitos processuais que só a este incumbem, nos termos da lei, nem deve tentar perscrutar ou interpretar a sua vontade, interferindo, por essa via, com a própria inteligibilidade e concludência das motivações do recurso, logo, com a definição do seu objecto.
É, igualmente, inadmissível, à luz dos princípios da imediação e oralidade da audiência de discussão e julgamento, da livre apreciação da prova e da segurança jurídica, partindo da constatação de que o contacto que o Tribunal de recurso tem com as provas é, por regra e quase exclusivamente, feito através da gravação, sem a força da imediação e do exercício sistemático do contraditório que são característicos da prova produzida no julgamento.
«(…) Impõe-se ao recorrente a necessidade de observância de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta especificação dos concretos pontos da matéria de facto, que considera incorrectamente julgados, das concretas provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, tudo com referência ao consignado na acta, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso. Esta exigência é de entender como contemplando o princípio da lealdade processual, de modo a definir em termos concretos o exacto sentido e alcance da pretensão, de modo a poder ser exercido o contraditório». ( Ac. STJ n.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 18-4-2012).
A forma minuciosa e exigente como está previsto e regulado este tríplice ónus de especificação ilustra como o duplo grau de jurisdição da matéria de facto não implica a formulação de uma nova convicção por parte do tribunal de recurso, em substituição integral da formada pelo tribunal da primeira instância, nem equivale a um sistema de duplo julgamento, antes se cingindo a pontos concretos e determinados da matéria de facto já fixada e que, de acordo com a prova já produzida ou a renovar, devem necessariamente ser julgados noutro sentido, justamente, de harmonia com os referidos princípios que postulam a excepcionalidade das alterações ao julgamento da matéria de facto, feito na primeira instância e a concepção do recurso como um remédio.
Trata-se, em suma, de colocar à apreciação do tribunal de recurso a aferição da conformidade ou desconformidade da decisão da primeira instância sobre os precisos factos impugnados com a prova efetivamente produzida no processo, de acordo com as regras da experiência e da lógica, com os conhecimentos científicos, bem como com as regras específicas e princípios vigentes em matéria probatória, designadamente, com os princípios da livre apreciação da prova e in dubio pro reo, assim como, com as normas que regem sobre a validade da prova e sobre a eficácia probatória especial de certos meios de prova, como é o caso da confissão, da prova pericial ou da que emerge de certo tipo de documentos.
«(…) Pede-se ao tribunal de recurso uma intromissão no julgamento da matéria de facto, um juízo substitutivo do proclamado na 1.ª instância, mas há que ter em atenção que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em segunda instância, não impõe uma avaliação global, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida e muito menos um novo julgamento da causa, em toda a sua extensão, tal como ocorreu na 1.ª instância (…)» (Ac. STJ n.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 18-4-2012. No mesmo sentido, Acs. do Tribunal Constitucional nºs 124/90; 322/93; 59/2006 e 312/2012, in www.tribunalconstitucional.pt e AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07-12-2005).
«É em face dessa prova que, em sede de recurso se vai aferir da observância dos juízos de racionalidade, de lógica e de experiência e se estes confirmam, ou não, o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos, cuja veracidade cumpria demonstrar. Caso esteja demonstrado que o juízo constante da decisão recorrida é compatível com aqueles critérios não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não estiver, então a decisão recorrida merece alteração. Com o que em nada se viola a imediação da prova, que fica acessível, imediatamente, ao juiz de recurso tal e qual como foi produzida em primeira instância» (Paulo Saragoça da Mata, in A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença em Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, Coimbra 2004, pág. 253).
«O tribunal ad quem não procede a um novo julgamento, verifica apenas da legalidade da decisão recorrida, tendo em conta todos os elementos de que se serviu o tribunal que proferiu a decisão recorrida. Daí que também a renovação da prova só seja admitida em situações excepcionais e, sobretudo, o recorrente tenha que indicar expressamente os vícios da decisão recorrida» (Prof. Germano Marques da Silva, Registo da Prova em Processo Penal, Tribunal Colectivo e Recurso, in Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, vol. I, Coimbra, 2001. No mesmo sentido, Ana Maria Brito, Revista do C.E.J., Jornadas Sobre a Revisão do C.P.P., pág. 390; Cunha Rodrigues, «Recursos», in O Novo Código de Processo Penal, p. 393).
Assim, a convicção do julgador, no tribunal do julgamento, só poderá ser modificada se, depois de cabal e eficazmente cumprido o triplo ónus de impugnação previsto no citado art. 412º nºs 3, 4 e 6 do CPP, se constatar que decisão da primeira instância sobre os precisos factos impugnados quando comparada com a prova efetivamente produzida no processo, deveria ter sido a oposta, seja porque aquela convicção se encontra alicerçada em provas ilegais ou proibidas, seja porque se mostram violadas as regras da experiência comum e da lógica, ou, ainda, porque foram ignorados os conhecimentos científicos, ou inobservadas as regras específicas e princípios vigentes em matéria probatória, designadamente, os princípios da livre apreciação da prova e in dubio pro reo, assim como, as normas que regem sobre a validade da prova e sobre a eficácia probatória especial de certos meios de prova, como é o caso da confissão, da prova pericial ou da que emerge de certo tipo de documentos (autênticos e autenticados).
Porém, se a convicção ainda puder objectivável de acordo com essas mesmas regras e a versão que o recorrente apresenta é meramente alternativa e igualmente possível, então, deverá manter-se a opção do julgador, porquanto tem o respaldo dos princípios da oralidade e da imediação da prova, da qual já não beneficia o Tribunal de recurso.
«A censura dirigida à decisão de facto proferida deverá assentar “na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na convicção ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção(…)”.
«A reapreciação da prova, dentro daqueles parâmetros, só determinará uma alteração da matéria de facto quando do respectivo reexame se concluir que as provas impõem uma decisão diversa, excluindo-se a hipótese de tal alteração ter lugar quando aquela reapreciação apenas permita uma decisão diferente da proferida, porquanto, se a decisão de facto impugnada se mostrar devidamente fundamentada e se apresenta como uma das possíveis soluções face às regras da experiência comum, deve a mesma prevalecer, não ocorrendo, nesse caso, violação das regras e princípios de direito probatório» (Ac. da Relação de Lisboa de 10.09.2019 proc. 150/18.7PCRGR.L1-5. No mesmo sentido, por todos, Acs. do STJ de 12.09.2013, proc. 150/09.8PBSXL.L1.S1 e de 11.06.2014, proc. 14/07.0TRLSB.S1; Acs. da Relação de Coimbra de 16.11.2016, proc. 208/14.1JACBR.C1; de 13.06.2018, proc. 771/15.0PAMGR.C1 e de 08.05.2019, proc. 62/17.1GBCNF.C1; Acs. da Relação do Porto de 15.11.2018, proc. 291/17.8JAAVR.P1 e de 25.09.2019, processo 1146/16.9PBMTS.P1; da Relação de Lisboa de 24.10.2018, proc. 6744/16.8L1T9LSB-3; de 13.11.2019, proc. 103/15.7PHSNT.L1, in http://www. dgsi.pt).
Uma vez que o arguido cumpriu com o tríplice ónus de impugnação especificada de acordo com as exigências contidas no art. 412º nºs 2, 4 e 6 do CPP, este Tribunal procedeu à audição da prova produzida na sessão da audiência de discussão e julgamento que se realizou no dia 9 de Setembro de 2019.
O arguido recorrente coloca o cerne do erro de julgamento, em duas vertentes:
Em primeiro lugar, no aditamento à matéria de facto de dois factos que reputa de essenciais, ou seja, o de que o arguido confessou ter mantido com a assistente nas circunstâncias de tempo e lugar dadas com provadas, uma relação de coito vaginal, tal como argumenta nas conclusões 4 e 6 a 13 e ainda o de que em momento anterior aos factos, quando trabalharam juntos em  , existiu uma relação de grande proximidade e intimidade entre o arguido e a assistente, tendo chegado a beijar-se conforme as conclusões 14 a 19.
Em segundo lugar, o arguido acusa o acórdão recorrido de contra a prova produzida, designadamente, contra as declarações do arguido e do assistente, os depoimentos das testemunhas  , bem assim o teor do relatório DGRSP de 30 de Janeiro de 2019, ter considerado como provados os factos exarados no acórdão nos pontos 8 a 17 e 22 a 24 sob a epígrafe «Da pronúncia» e nos pontos 1 a 10, sob a epígrafe «Do pedido de indemnização civil», ou seja, todos os que se referem ao uso de força física e da sujeição contra a vontade da assistente a manter com o arguido uma relação sexual de cópula completa, ao processo de formação da vontade integrador do nexo de imputação subjectiva do crime de violação e dos prejuízos de natureza não patrimonial que deram lugar à fixação de uma compensação à assistente, no valor de € 10.000,00.
Quanto a ser aditado à matéria de facto provada que “o Arguido confessou ter, nas circunstâncias de tempo e espaço dadas como provadas, mantido uma relação de coito vaginal com a Assistente” e que “quando trabalharam em  , existiu grande proximidade e intimidade entre o Arguido e a Ofendida, tendo chegado a beijar-se”, o recurso não merece provimento por várias razões.
No que se refere à confissão.
O estatuto jurídico-processual do arguido envolve todo um conjunto de direitos e deveres entre os quais se integra o direito de manter o silêncio acerca dos factos que lhe são imputados e sobre o conteúdo das declarações que sobre eles prestar, previsto no art. 61º nº 1 al. d) do CPP.
Este privilégio da não auto-incriminação que se traduz, em termos práticos, na inexistência de qualquer dever a cargo do arguido de falar com verdade sobre os factos que constituem o objecto do processo ou sequer de prestar declarações sobre eles, tem tutela constitucional implícita na presunção de inocência e nas garantias de defesa, nos termos do art. 32º nºs 1 e 2 da CRP.
Assim sendo, este direito, tal como os demais que caracterizam o seu particular estatuto, acompanham o arguido ao longo de toda a tramitação processual, daí que o seu direito ao silêncio seja expressa ou reflexamente reconhecido, noutras disposições legais, como é o caso dos arts. 132º nº 2; 141º nº 4 al. a) e 343º nº 1 do CPP.    
E o silêncio, mesmo que não traga qualquer benefício ao arguido, como também não o pode prejudicar, tratando de um “não-facto”, que nem sequer tem de ser tido em atenção, seja na matéria de facto provada, seja, na motivação da decisão de facto, seja no enquadramento jurídico-legal da mesma, ou na escolha e determinação concreta da pena.
Em contrapartida, a confissão integral e sem reservas tem ou pode ter uma importante repercussão, na marcha do processo, concretamente, quanto à produção dos meios de prova indicados na acusação e ao montante da Taxa de Justiça, bem como na decisão da causa, quanto à fixação da matéria de facto provada e em matéria de escolha e determinação concreta da pena, tal como previsto no art. 344º do CPP e nos arts. 71º e 72º do Código Penal.
Com efeito, para o processo penal, a confissão representa a obtenção da prova sobre os factos imputados ao arguido na acusação e/ou na pronúncia através das suas declarações, ou seja, corresponde à afirmação da veracidade dos factos que integram a prática de um crime, feita pelo arguido perante uma autoridade judiciária, sendo integral, quando incluí todos os factos imputados e sem reservas quando desacompanhada de outros factos novos susceptíveis de dar aos factos imputados um tratamento jurídico diferente daquele que é o atribuído pela acusação ou pela pronúncia (Carlos Climent Duran, La Prueba Penal, Tomo I, 2.ª ed., p. 377; Rui Soares Pereira, Acerca do valor probatório da confissão do arguido, intervenção realizada no dia 07 de julho de 2012, no âmbito do III Curso Pós-Graduado de Aperfeiçoamento em Direito da Investigação Criminal e da Prova, organizado pelo Instituto de Direito Penal e Ciências Criminais da Faculdade de Direito de Lisboa – IDPCC, https://www.plmj.com/xms/files/v1_antigos_anteriores_a_abr2019/Artigos_e_Publicacoes/2018/acerca_do_valorValor_probatorio_da_confissao_do_arguido_-_DIC.PDF).
«A confissão constitui, pois, um modo particularmente privilegiado de demonstração dos factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena, que nos termos do n.º 1 do artigo 124.º do Código de Processo Penal constituem o objeto da prova.» (José António Rodrigues da Cunha, A Colaboração do Arguido com a Justiça - A Confissão e o Arrependimento no Sistema Penal Português, Julgar nº 32, 2017, p. 51,   in http://julgar.pt/wp-content/uploads/2017/05/JLGR32-JARC.pdf).
A confissão integral e sem reservas, na medida em que revela ou pode revelar capacidade de auto-censura e sensibilidade aos valores jurídicos violados e, conjugada com outras circunstâncias relacionadas com a reparação dos males do crime, pode até ser demonstrativa de arrependimento, por parte do arguido é susceptível, por essas vias, de constituir, ou uma circunstância atenuante geral, ou integrar uma causa de atenuação especial da pena. 
Quando se verifique, a confissão integral e sem reservas, revela, pois, uma daquelas «qualidades de personalidade» do agente do crime que interessa à decisão a tomar sobre a sanção penal a aplicar (Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, 4.ª ed., p. 806; Anabela Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, 1995, pp. 665 a 678; José António Rodrigues da Cunha, A Colaboração do Arguido com a Justiça - A Confissão e o Arrependimento no Sistema Penal Português, Julgar nº 32, 2017, p. in http://julgar.pt/wp-content/uploads/2017/05/JLGR32-JARC.pdf).
E em face desta sua dimensão normativa, não pode deixar de ser integrada nos factos provados, porque essa é a condição essencial para poder ser valorada em sede de escolha e dosimetria da pena.
«Assim, importa sempre conhecer e tratar na sentença o modo como o agente pessoalmente se posiciona em relação aos crimes que cometeu, fazendo-o factualmente, quando, pela positiva, os confessa e demonstra reconhecimento e interiorização do mal do crime» (Ac. da Relação de Évora de 04.04.2013, proc. 1137/10.3PCSTB.E1, in http://www.dgsi.pt).
No caso vertente, o reconhecimento que o arguido fez quanto à veracidade da relação sexual de coito vaginal mantida com a assistente poderia, quanto muito ser considerada como uma confissão parcial e com reservas, na medida em se restringiu a apenas um dos elementos constitutivos do tipo de violação p. e p. pelo art. 164º do CP.
Todavia, na versão do arguido, essa prática sexual surge enquadrada num contexto de reciprocidade e consentimento da assistente visando a descaracterização como crime dessa mesma relação e, consequentemente, o afastamento da sua responsabilidade penal.
Assim sendo, o facto a considerar é o de que entre o arguido e a assistente existiu efectivamente uma relação de coito vaginal, no dia 25 de Setembro de 2015, no cabeleireiro, e esse já consta dos factos 1, 2 e 17 do acórdão recorrido.
Esse reconhecimento, mesmo sendo uma confissão, porque é parcial e com reservas, não merece outro tratamento que não seja apenas o de meio de prova, precisamente, as declarações do arguido e essas foram valoradas e invocadas no lugar adequado, ou seja, na motivação da convicção do Tribunal, quanto à prova e à fixação da matéria de facto, como resulta claramente do seu texto.
E de nada serve o argumento de que, quando o arguido prestou declarações, a assistente ainda não havia apresentado a sua versão dos factos e, por isso, quando o mesmo arguido assumiu essa prática sexual, nada no processo o confirmava ou infirmava (conclusões 7. e 8.).
Desde logo, porque o presente processo acabou por ter dois julgamentos, ou melhor uma sessão de julgamento e uma outra audiência completa.
Por vicissitudes relacionadas com a doença da Mma. Juiz Presidente do Colectivo original, realizou-se uma primeira audiência de discussão e julgamento, no dia 7 de Março de 2019, na qual o arguido nem sequer prestou declarações e na qual foram tomadas declarações à assistente e inquiridas as testemunhas D_________, Patrícia Alexandra Agostinho Santos, C________ e D_______.
Aquilo que o arguido denomina de confissão, são declarações que prestou no segundo julgamento, que teve de ser realizado por outro Tribunal Colectivo, no dia 9 de Setembro de 2019, em virtude da impossibilidade da Mma. Juiz Presidente do Colectivo inicial de continuar a audiência do dia 7 de Março, portanto, depois de saber o que é que cada um dos referidos assistente e testemunhas tinha a dizer sobre os factos.
Em todo o caso, o exame crítico das provas não se faz em função do momento temporal em que os meios de prova ou de obtenção de prova são adquiridos para o processo, sendo completamente indiferente que o arguido, tendo optado por exercer o seu direito ao silêncio, pelo menos, no início do primeiro julgamento, tenha depois, no segundo julgamento, prestado declarações.
É que o exame crítico das provas é global, referindo-se a todos as provas produzidas e só tem lugar, depois de discutida a causa, aquando da decisão final, tal como resulta das disposições conjugadas dos arts. 374º e 379º do CPP.
Nem é pela circunstância de o arguido ter assumido a existência do «coito vaginal» com a assistente, antes de esta ter prestado declarações, que as suas declarações devem ser mais ou menos valorizadas, porque o que deve sopesar na avaliação da prova e ser determinante na atribuição de credibilidade ou na conclusão pela sua inexistência são outros factores associados à lógica das coisas, a critérios de razoabilidade humana, a regras de experiência comum, quando aplicados ao conteúdo das declarações do arguido, à forma como foram prestadas, no que se refere a aspectos como a linguagem corporal, as expressões faciais, a fluidez do discurso, a prontidão e espontaneidade das respostas e, ainda, à sua análise comparada com o conteúdo dos outros meios de prova.
De resto, como também deve acontecer quando se trata de valorar as declarações de assistente, de partes civis e os depoimentos das testemunhas.
No que se refere às conclusões 7. e 9., sempre se dirá que, efectivamente, contrariamente ao que foi exarado no acórdão recorrido, quanto ao que consta na participação criminal, esta não tem qualquer valor probatório, porque corresponde a um relato de factos feito pela própria assistente e não a factos presenciados primeiro e relatados depois pelo OPC que a subscreve.
Das disposições conjugadas contidas nos arts. 243º; 99º nºs 1 e 4; 169º do CPP, 363º nº 2 e 371º do CC e 255º do CP, resulta que o auto de notícia vale como documento autêntico, quando levantado por autoridade judiciária, órgão de policia criminal ou outra entidade policial que presenciou o crime, na exacta medida em que essa constatação dos factos seja imediata,  feita de forma directa e pessoal e abranja a identificação do seu autor pela autoridade ou funcionário público, no exercício das suas funções, porque se assim for, dispensa qualquer investigação prévia.
Nesse condicionalismo, mas só nesse, é que estará dotado de força probatória plena dos factos materiais que documenta, quando descritos pelo próprio agente que os presenciou e enquanto a sua autenticidade ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa (artigos 363 n º 2 do C. C. e 169 º do CPP).
Todavia, não tem qualquer força probatória se e quando elaborado por um órgão de polícia criminal, que não tenha presenciado a infracção, mas apenas tenha procedido a inquérito prévio sobre a matéria nele relatada, nem o auto elaborado por um agente de autoridade que mencione as declarações de uma testemunha (cfr., nesse sentido, Ac. da Relação do Porto de 05.01.2011, proc. 280/09.6TAVCD.P1; Ac. da Relação de Évora de 20.12.2012, proc. 721/07.7PBEVR.E1, Ac. da Relação de Guimarães de 25.05.2013, proc. 2319/11.6TBFAF.G1, Ac. da Relação de Lisboa de 31.10.2017, proc. 638/14.9SGLSB.L1-5; Ac. da Relação de Coimbra de 21.02.2018, proc. 63/16.7GBCLD.C1; Ac. da Relação de lisboa de 07.02.2019, proc. 98/18.5PLSNT.L1-9, todos in http://www.dgsi.pt e Paulo Pinto de Albuquerque, no seu Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª ed., em anotação ao art. 243º, pág. 642).    
  Merece, pois, concordância, a afirmação do recorrente de que a participação criminal que o Tribunal Colectivo invocou como um dos meios de prova para retirar importância às declarações do arguido para demonstrar a existência da relação sexual mantida com a assistente, no dia 25 de Setembro de 2015, não tem qualquer valor probatório.
Tal, porém, não neutraliza em nada o que ficou dito quanto à improcedência da pretensão do arguido de ver inserida nos factos provados uma confissão, que afinal, nem sequer é uma confissão, mas que, mesmo que fosse, por ser meramente parcial e com reservas, sempre teria o seu local próprio, na motivação da decisão de facto, onde, aliás, já se encontra mencionada e analisada.
De qualquer modo, não deixa de se assinalar o acerto das conclusões do Tribunal do julgamento, quando refere que «o arguido se limitou a admitir aquilo que não podia negar».
Não porque bastasse o teor da participação criminal, mas antes porque na lógica da decisão e da argumentação exposta para alicerçar essa convicção, na sua globalidade, as declarações da assistente que descreveu os actos descritos na pronúncia de uma forma que mereceu credibilidade ao Tribunal do julgamento, pelas razões que este exarou na motivação da sua convicção, conjugadas com o relatório pericial de fls. 115 a 118, do qual resulta a existência de sémen do arguido nas cuecas da assistente, foram consideradas bastantes para demonstrar a existência da penetração (isto, aparte a análise do erro de julgamento quanto aos factos considerados provados sob os pontos 8 a 17 e 22 a 24 do acórdão e os descritos nos pontos 1 a 10 sob a epígrafe «Do pedido de indemnização civil», que outra das questões a decidir, neste recurso).
Essa é, aliás, a argumentação depois desenvolvida pelo Tribunal, quando compara as versões dos factos apresentada pela assistente e pelo arguido, explicitando as razões por que acreditou na versão dos factos apresentada pela primeira e não na versão do segundo, com recurso a certos pormenores dos relatos e à comparação com outros meios de prova, designadamente, testemunhal que, no entender do mesmo Tribunal, dão consistência às declarações da assistente e retiram-na às declarações do arguido. 
Por fim, estas afirmações de que o arguido nem sequer precisava de ter admitido que manteve com a assistente a relação sexual descrita nos factos e de que admitiu aquilo que não podia refutar, por muito que mereçam a discordância do arguido, não representam a desvalorização das declarações por ele prestadas, mas a constatação de que, com o relato que a assistente fez dos factos, a partir do momento em que o Tribunal o credibilizou e concluiu que o mesmo é fidedigno à sucessão de eventos que realmente aconteceram no dia 25 de Setembro de 2015, tendo sido encontrados fluídos pertencentes ao arguido, na zona dos cacifos do salão de cabeleireiro, onde ambos descrevem que aconteceram as práticas sexuais e ainda nas cuecas da assistente, já resultaria provada a penetração, pelo que a negação do arguido sobre a existência de penetração seria totalmente inverosímil, do mesmo modo que a sua admissão é redundante.
Feito este ponto de ordem, o que verdadeiramente interessa é que, contrariamente, ao que o arguido afirma, as suas declarações, na parte em que assumiu ter mantido a tal relação de coito vaginal com a assistente foram consideradas como meio de prova, a par de outros igualmente aptos, segundo a avaliação feita pelo Tribunal, para demonstrar tal facto, como resulta de forma expressa da motivação da convicção do Tribunal. Não foram, pois, desvalorizadas.
O que foi desvalorizado foi o contexto de relação amorosa mais ou menos informal, ou intermitente, ou casual que o arguido declarou manter com a assistente e a natureza consensual da prática do coito vaginal, naquele dia 25 de Setembro de 2019, mas nessa parte, as declarações do arguido não são confissão alguma, porque não encerram a afirmação da veracidade de qualquer facto que constitua crime, muito menos, nos termos descritos na pronúncia.
Pelo contrário, o que o arguido pretende com essa declaração é, precisamente, retirar àquele acto sexual qualquer conotação violenta ou de coerção da vontade da assistente, para afastar a tipicidade do seu comportamento como crime de violação. Ora, essa circunstância não constava da pronúncia (de resto, nem tinha de constar, pois que até podia existir essa relação amorosa e ter havido violação, na vigência dessa mesma relação).
Por estas razões, impõe-se negar provimento ao recurso, nesta parte, já que ouvidas as declarações do arguido prestadas em audiência, a avaliação feita pelo Tribunal do julgamento se mostra conforme com as regras de experiência comum e é correcta.
Quanto à pretensão de que seja incluída na matéria de facto que “quando trabalharam em, existiu grande proximidade e intimidade entre o Arguido e a Ofendida, tendo chegado a beijar-se”, cumpre, antes de mais, referir que várias versões foram apresentadas: o arguido, corroborado pela testemunha Patrícia Alexandra Agostinho Santos (que até relatou que, pelo menos uma vez, viu a assistente sentada no colo do arguido, quando ambos trabalhavam no salão de  ), que a relação que existia entre eles era de namoro, que passavam algumas noites juntos, que mantinham um com o outro alguns gestos de intimidade, inclusive, segundo a versão do arguido, relações sexuais; a da assistente, de que existiam algumas «brincadeiras» entre eles, sem que tenha sido explícita na concretização sobre de que brincadeiras se tratou, mas acrescentando em confirmação a uma pergunta feita pelo Tribunal, que se tratava de «jogos de sedução», sem que se tenha percebido qual terá sido o grau de intimidade que se estabeleceu entre a assistente e o arguido e explicando, em todo o caso, que o arguido tentava apanhá-la sozinha no vestiário e quando soube que ele era casado e porque achava que as atitudes do arguido estavam a ser demais, até sentiu alívio por ter sido transferida para o salão das Amoreiras, tendo a assistente referido que o arguido lhe dava boleias para casa, circunstância que foi confirmada pela testemunha D_________ e pela testemunha Patrícia Agostinho, sendo que a testemunha D_________ apenas referiu que eles – assistente e arguido – eram amigos.
Foi a assistente quem referiu que, uma vez, nessas boleias, ela e o arguido se beijaram.
Este facto não foi alegado por ninguém, sendo um facto meramente circunstancial que resultou da discussão da causa, concretamente, da versão da assistente.
Expressões como «grande proximidade» e «grande intimidade» são totalmente conclusivas e, além de tanto poderem caracterizar uma relação amorosa, como uma relação de mera amizade, ou mesmo um vínculo familiar, aquilo que é grande proximidade e intimidade para uns, poderá não sê-lo para outros, carecendo, pois, de integração com circunstâncias objectivas, que não foram alegadas, nem resultam inequívocas da prova produzida. 
Acresce que é uma afirmação, de todo em todo, irrelevante, porque não esclarece, mesmo que fosse verdadeira, se as práticas sexuais descritas em 8 a 24 da matéria de facto provada no acórdão recorrido foram consensuais como o arguido pretende, ou se ocorreram como ali se encontram descritas, sendo certo que a existência de uma relação de grande intimidade, mesmo que se trate de intimidade sexual, nem explica o comportamento do arguido, se se chegar à conclusão de que os factos descritos como integradores do crime de violação se devem assim manter no acórdão recorrido, por não haver erro de julgamento, nem neutraliza qualquer possibilidade de os mesmos terem sido efectivamente cometidos, dos mesmo modo que não lhes retira a ilicitude e a censurabilidade, já que o preenchimento do tipo descrito no art. 164º do CP não depende da existência de qualquer contexto ou vínculo relacional entre a vítima e o agressor.
O recurso improcede, pois, igualmente, no que concerne às conclusões 14 a 19.
Quanto ao erro de julgamento, na consideração como provados dos factos descritos em 8 a 17, 22 a 24 e daqueles que sob a epígrafe «Do pedido de indemnização civil» se encontram enumerados de 1 a 10, o Arguido alicerçou a impugnação da matéria de facto, essencialmente, na contradição das duas versões – a do arguido e a da ofendida – sobre a natureza consensual do acto sexual e na violação do princípio in dubio pro reo.
Quanto aos elementos de prova que impõem, quanto a tal factualidade, decisão diversa da recorrida, são os seguintes:
- Declarações do arguido, prestadas na sessão de julgamento do dia 09/09/2019, com inicio às 10:13:41 e fim às 10:50:45, gravadas no sistema integrado de gravação digital em uso no tribunal com o n.° 20190909101342_4064665_2871336 e conforme acta do mesmo dia;
- Declarações da assistente/demandante, prestadas na sessão de julgamento do dia 09/09/2019, com inicio às 10:52:38 e fim às 12:37:29, gravadas no sistema integrado de gravação digital em uso no tribunal com o n.° 20190909105238_4064665_2871336 e conforme acta do mesmo dia;
- Depoimento da testemunha D_________, prestado na sessão de julgamento do dia 09/09/2019, com início às 14:03:47 e fim às 14:31:28, gravadas no sistema integrado de gravação digital em uso no tribunal com o n° 20190909140347_4064665_2871336 e conforme acta do mesmo dia;
- Depoimento da testemunha Patrícia Alexandra Agostinho Santos Pereira, prestado na sessão de julgamento do dia 09/09/2019, com início às 15:07:30 e fim às 15:20:34, gravadas no sistema integrado de gravação digital em uso no tribunal com o n.° 20190909150730_4064665_2871336 e conforme acta do mesmo dia;
- Relatório social elaborado pela D.G.R.S.P. e datado de 30/01/2019.
Não há qualquer dúvida de que, a coincidência das duas versões – a apresentada pelo arguido e pela assistente – se restringe a aspectos como: de que no dia 25 de Setembro de 2015, no interior das instalações do salão de cabeleireiro da marca Jean Louis David, sito em Cascais, concretamente, na zona dos cacifos existiram entre o arguido e a assistente, pelo menos, uma relação de sexual de cópula completa que se traduziu na penetração da vagina da assistente pelo pénis do arguido; de que quando ficaram sozinhos, nesse dia e local, o arguido lhe disse que estava contente por estarem sozinhos e que iam matar saudades de que a assistente bateu no arguido, ao que ele lhe respondeu «bate-me, sou todo teu»; de que o arguido ejaculou para o chão.
Quanto a todos os restantes factos, tais versões são diametralmente opostas e inconciliáveis, especialmente no que se refere à natureza forçada ou consensual deste acto sexual, quanto a saber se, para além do coito vaginal, houve actos sexuais de relevo de outra natureza, concretamente, beijos do arguido na vagina da assistente e introdução dos dedos do arguido, na vagina da assistente e se houve uso de força física por parte do arguido, para constranger a assistente a tais práticas, pois é destes aspectos que depende a solução das questões colocadas no presente recurso, desde logo, quanto à pretendida absolvição do arguido do crime de violação.
O arguido recorrente coloca o enfoque desta parte do recurso na violação do princípio in dubio pro reo, por considerar que existe uma contradição insanável entre a as declarações que prestou e as da assistente e porque a versão dos factos apresentada pela assistente não tem, ao contrário do que foi decidido pelo Tribunal da primeira instância, nenhum outro meio de prova que a corrobore ou lhe dê credibilidade.
Na sua formulação constante do art. 32º nº 2 da Constituição da República, o princípio da presunção de inocência surge articulado com o princípio in dúbio pro reo, na medida em que, quando aplicado à apreciação da matéria de facto, impõe a absolvição, quando haja dúvida acerca da culpabilidade do arguido (esta culpabilidade, na acepção de facto criminalmente punível, abrangendo, pois, todos os elementos constitutivos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime,  circunstâncias agravantes e excludentes da ilicitude e da culpa).
A dúvida relevante para a aplicação do princípio in dubio pro reo terá de ser a que corresponde a «um estado psicológico de incerteza dependente do inexacto conhecimento da realidade objectiva ou subjectiva» (Perris, “Dubbio, Nuovo Digesto Italiano, apud, Giuseppe Sabatini “In Dubio Pro Reo”, Novissimo Digesto Italiano, vol. VIII, págs. 611-615), mas desde que seja positiva e racional, que ilida a certeza contrária, enfim, que seja uma dúvida impeditiva da convicção do tribunal.
O in dubio pro reo tem a sua oportunidade de aplicação circunscrita à ocorrência de factos incertos e não é mais do que o resultado da aplicação do princípio da presunção de inocência à actividade judicial de valoração da prova e de resolução de dúvidas dela emergentes quanto à verificação dos factos que integram o objecto do processo.
Por isso, nem sequer é rigorosa a afirmação do recorrente de que se tratam de dois princípios autónomos, porque um – o in dubio pro reo – é mais restrito (pois vigora apenas em sede de valoração da prova e, ainda assim, apenas quando subsistam incertezas sobre os factos) e uma mera consequência do outro – o de presunção de inocência do arguido (mais abrangente e com múltiplas manifestações, em todo o processo, v.g., no princípio da aplicação retroactiva do regime jurídico concretamente mais favorável ao arguido; da proibição da reformatio in pejus).
É um princípio de prova e um mecanismo de resolução dos estados de incerteza, na convicção do julgador, quanto à verificação dos factos integradores de um crime ou relevantes para a pena. Pressupõe que a dúvida seja razoável e se mantenha insanável, mesmo depois de esgotado todo o iter probatório e feito o exame crítico de todas as provas. Resolve a dúvida, cominando-lhe como consequência a consideração dos factos como não provados e a consequente absolvição do arguido, ou, em qualquer caso, a decisão da matéria de facto, sempre, no sentido que mais favorecer o arguido.
«Além de ser uma garantia subjetiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3ª ed., pág. 203).
«O tribunal deve dar como provados os factos favoráveis ao arguido, quando fica aquém da dúvida razoável, apesar de toda a prova produzida» (Maria João Antunes Direito Processual Penal, 2016, Almedina, p. 171).
«O principio in dubio pro reo aplica-se sem qualquer limitação, e portanto não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também às causas de exclusão da ilicitude (v. g. a legitima defesa), de exclusão da culpa. Em todos estes casos, a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido» (Figueiredo Dias in Dtº Processual Penal, I, 1974, p. 211).
Constituí, deste modo, um limite normativo ao princípio da livre apreciação da prova, previsto no art. 127º do CPP, na medida em que a dúvida que lhe subjaz, sendo insuperável, impõe-se com carácter vinculativo, impedindo o juiz de decidir uma parte do objecto do processo: precisamente, a que se refere aos factos incertos que sejam desfavoráveis ao arguido.
«Não adquirindo o tribunal a "certeza" (a convicção positiva ou negativa da verdade prática) sobre os factos (...), a decisão tem de ser, por virtude do princípio in dubio pro reo, a da absolvição. Neste sentido não é o princípio in dubio pro reo uma regra de ónus da prova, mas justamente o correlato processual da exclusão desse ónus» (Castanheira Neves in Processo Criminal, 1968, p. 55/60).
Nesta medida, é também o correlato processual do princípio da culpa – nulla poena sine culpa - porquanto o seu desiderato último é garantir que sem a demonstração suficiente dos pressupostos de facto de tal decisão, jamais haverá lugar à aplicação de qualquer pena ou medida de segurança (cfr.  Cristina Líbano Monteiro, Perigosidade de Inimputáveis e «in Dubio Pro Reo», Studia Juridica 24, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1997, p. 11).
Nos termos do art. 428º do CPP, os poderes de cognição do tribunal da Relação incluem os factos fixados na primeira instância e, na medida em que o in dubio pro reo é uma vertente processual do princípio nulla poena sine culpa, a sua inobservância também pode e deve ser apreciada como um erro de julgamento, nos termos regulados pelo art. 412º do CPP.
Com efeito, a impugnação ampla da matéria de facto, visando os chamados erros de julgamento, habilita o Tribunal da Relação, fora dos limites apertados dos vícios decisórios previstos no art. 410º do CPP a aferir da conformidade ou desconformidade da decisão sobre os factos impugnados com a prova efectivamente produzida no processo, de acordo com as regras da experiência e da lógica, com os conhecimentos científicos, bem como, com as regras específicas e os princípios vigentes em matéria probatória, entre os quais se incluem, naturalmente, os princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo.
Nesta perspectiva, o enquadramento da violação do in dubio pro reo como erro de julgamento,  postula uma concepção objectiva da dúvida quanto aos factos desfavoráveis ao arguido, que é, de resto, a que melhor se coaduna com os princípios da culpa e da livre apreciação da prova, perante as dúvidas sobre os factos desfavoráveis ao arguido, no sentido em que, se o Tribunal tem a máxima liberdade, mas também a máxima responsabilidade na forma como deve, com objectividade, efectuar o exame crítico e global das provas, adquirir a sua convicção quanto aos factos provados e fundamentar a sua decisão, também a dúvida relevante para a aplicação do princípio in dubio pro reo terá de ser motivada, segundo critérios de razoabilidade e de lógica, igualmente sindicáveis e passíveis de impugnação em via de recurso.
«Só a uma convicção objectivável e motivável terá de corresponder uma dúvida também ela objectivável e motivável (…) ao pedir-se ao juiz, para a prova dos factos, uma convicção objectivável e motivável, está-se a impedi-lo de decidir quando não tenha chegado a esse convencimento; ou seja: quando possa objetivar e motivar uma dúvida. (…). Não importa tanto saber se aquela concreta pessoa teve ou não dúvida sobre o facto – do que para a ciência e discernimento que deve possuir em comum com qualquer outro julgador e o há-de levar, portanto, a uma avaliação da prova admissível por todos (ao menos no seu conteúdo essencial). Um “juiz” médio (neste sentido) ter-se-ia convencido da veracidade daquele testemunho, da autenticidade daquele documento, da espontaneidade daquela confissão? Ou, pelo contrário, não poderia deixar de duvidar, com razoabilidade, da ocorrência de determinado facto perante a prova produzida?
«O princípio da livre apreciação da prova, entendido como esforço para alcançar a verdade material, como tensão de objectividade, encontra assim no “in dubio pro reo” o seu limite normativo, ao mesmo tempo que transmite o carácter objectivo à dúvida que acciona este último.
«Livre convicção e dúvida que impede a sua formação são face e contra-face de uma mesma intenção: a de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva» (Cristina Líbano Monteiro, Perigosidade de Inimputáveis e «In Dubio Pro Reo», Coimbra Editora, 1997, pp. 51-53).
Assim sendo, também haverá violação do princípio in dubio pro reo, sempre que o tribunal do julgamento tenha julgado provado facto desfavorável ao arguido, não obstante a prova disponível não permitir, de forma racional e objectiva, à luz das máximas de experiência comum, das regras da lógica, dos conhecimentos científicos aplicáveis, ou das normas e princípios legais vigentes em matéria de direito probatório, com o grau de certeza ou convencimento «para além de toda a dúvida razoável», dar por verificada a realidade desse facto,  mesmo que do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras do senso comum, não resulte que o Tribunal se tenha confrontado, subjetivamente, com qualquer dúvida insuprível, no momento da decisão (cfr. nesse sentido, Acs. da Relação de Évora de 19.08.2016, processo 36/14.4GBLLE.E1 e da Relação de Lisboa de 29.11.2016, processo 18/14.6PFLRS.L1-5; de 07.05.2019, processo 485/15.0GABRR.L2, in http://www.dgsi.pt).
No entanto, para que o Tribunal da Relação possa detectar a violação do in dubio pro reo, como erro de julgamento e segundo a concepção objectiva da dúvida, nos termos acima expostos, é preciso que o recorrente cumpra cabalmente os ónus primário e secundário de impugnação especificada de que o art. 412º faz depender o êxito da pretensão de reavaliação da prova produzida e de subsequente sindicância da convicção do Tribunal do julgamento sobre essa prova produzida em primeira instância.
Para fundamentar a sua conclusão de que os únicos meios de prova de que o Tribunal dispõe são as declarações do arguido e da assistente sem que existam outros meios de prova que permitam atribuir maior credibilidade a uma ou a outra versão e que alguns meios de prova até reforçam a versão do arguido, razões porque o Tribunal não podia ter ultrapassado a dúvida razoável, nas conclusões 20 a 38, o recorrente vem invocar os motivos pelos quais as declarações da assistente não são credíveis e nas conclusões 40 a 49, os aspectos dos depoimentos das testemunhas D_________Pedro Gomes e Patrícia Agostinho Pereira que o Tribunal desconsiderou sem qualquer fundamento legal.  
Importa, desde já esclarecer que, em relação ao depoimento da testemunha Patrícia Agostinho Pereira, o recorrente nem sequer explicou em que é que o mesmo exige necessariamente decisão de facto oposta à que foi tomada no acórdão recorrido, considerando que esta testemunha revelou ter conhecimento directo apenas do tipo de relação existente entre a assistente e o arguido, quando todas trabalhavam no salão de cabeleireiro  , cerca de um ano antes destes factos e, ainda, assim, apenas durante o horário de trabalho, pois que, como a testemunha fez questão de explicar não tinha convívio social com os colegas.
Quanto a essa relação, explicou que a assistente e o arguido tinham entre si a tal «grande intimidade e proximidade», tendo presenciado, pelo menos, uma vez, a assistente sentada no colo do arguido e ouvido dizer aos colegas que saíam com o arguido e a assistente à noite, que eles voltavam juntos para casa e que passaram algumas noites juntos.
A assistente nega ter mantido qualquer tipo de contacto sexual com o arguido, mas seja, como for, repete-se que a existência de uma relação íntima, ainda que meramente ocasional entre o arguido e a assistente, mesmo que ainda existisse no dia 25 de Setembro de 2015 (o que não foi dito por ninguém) nada esclarece quanto a saber se os actos sexuais descritos na matéria de facto do acórdão recorrido foram ou não forma consentidos pela assistente. E a testemunha em causa acabou por reconhecer que nada sabia quanto aos factos ocorridos no dia 25 de Setembro de 2015, pelo que não se descortina qualquer possível erro de julgamento com fundamento neste depoimento.      
Concede-se com o recorrente (conclusão 24) que, em virtude da plasticidade que a sexualidade assume, das particulares vicissitudes que contextualizam as práticas sexuais abusivas, em condições de secretismo e privacidade se existem crimes acerca dos quais o julgador tem de se resignar com o carácter fluído, volátil e frágil da prova, os crimes sexuais estão entre esses e até em lugar de destaque, porque, na esmagadora maioria dos casos, não há testemunhas e os protagonistas apresentam versões incompatíveis sobre os mesmos factos e, ainda, porque a prova pericial não é inequívoca quanto à existência da agressão sexual.
Isso não implica que o Tribunal se demita de reconstituir historicamente os factos.
Mesmo a propósito de outros crimes, o que a experiência diária da prática forense ensina, é que é quase impossível ou de verificação muito excepcional que a prova se produza sem lacunas, incertezas, ou mesmo incoerências ou até contradições.
Haja ou não divergências mais ou menos substanciais nas declarações dos arguidos, nos depoimentos das testemunhas ou entre uns e outros ou entre estes e documentos, ou outros meios de prova, são dificuldades que não desoneram, nem devem desmotivar os Tribunais da busca pela verdade material que é o critério inspirador do princípio da livre convicção, consagrado no art. 127º do CPP.
Nem impedem os Tribunais de formular a sua convicção, dando como provados factos que assentem em juízos de probabilidade lógica preponderante, seja porque os conteúdos dos meios de prova, quando confrontados com a alternativa oposta, apontam claramente, no sentido de que aqueles factos aconteceram como a acusação os descreve, seja à luz de máximas de experiência ou de critérios de razoabilidade humana, ou porque são corroborados por outros meios probatórios que lhes dão consistência ou porque, na análise comparativa e conjugada de todo o acervo probatório, a imagem global que deles resulta, para além da dúvida razoável, é que vem a ser exarada no texto da decisão final.
Tudo dependerá da credibilidade que oferecerem ao julgador, de acordo com os tais raciocínios objectivos assentes em critérios de lógica e regras de experiência comum.
O princípio da livre apreciação da prova genericamente consagrado no artigo 127º do CPP, assenta na inexistência de regras legais que atribuam valor específico, pré-determinado às provas, ou que estabeleçam alguma hierarquia entre elas e na admissibilidade de todos os meios de prova, em geral, desde que não incluídos nas proibições contidas no art. 126º do CPP, em sintonia com o princípio consagrado no art. 32º nº 8 da Constituição.
Este sistema de livre apreciação da prova tem várias implicações, desde logo, no que se refere ao processo de fixação da matéria de facto e da sua exposição, na decisão final, quanto à formação da convicção do Tribunal e às exigências de fundamentação da decisão de facto, nos termos previstos no art. 374º nº 2 do CPP.
Por fim, a valoração crítica dos depoimentos das vítimas não pode desgarrar-se do uso de presunções naturais, ou judiciais que serão absolutamente necessárias, quando, precisamente, por efeito das alterações cognitivas e de memória, ou por efeito da jovem idade das vítimas e correspondente estágio ainda incipiente de desenvolvimento cognitivo, ou por dificuldades de memória resultantes do tempo decorrido sobre os factos, não conseguem descrever com rigor as concretas circunstâncias de tempo em que os factos ocorreram.
De acordo com o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127º do CPP e da total ineficácia jurídica do aforismo “testis unus testis nullus”, do que resulta que um único depoimento, seja o da própria vítima, ou outro qualquer, desde que credível, pode ilidir a presunção de inocência e fundamentar uma condenação, em nada neutralizam a possibilidade do o Tribunal dar como provada a existência de um crime e a identidade do seu autor, porque qualquer meio de prova, desde que legalmente admissível, pode ser suficiente e adequado para o efeito.
A valoração da prova testemunhal ou por declarações de arguidos e/ou assistentes faz-se a partir da conjugação de múltiplos factores: em primeiro lugar, o conteúdo dos depoimentos e declarações propriamente dito, do qual se pode retirar a verosimilhança ou falta dela, dos factos sobre que versam esses depoimentos ou declarações; depois, a linguagem corporal e gestual, o tom de voz, os silêncios, hesitações, a fluidez dos discurso, ou seja, a forma como é feito o relato dos factos, a clareza e a serenidade ou firmeza com que são transmitidos, a coerência dos mesmos, ou a sua variabilidade ou consistência perante os diferentes interlocutores, no decurso da inquirição em audiência, podem ser muito reveladores da credibilidade do depoimento ou das declarações.
Somam-se outras circunstâncias atinentes à razão de ciência, ao interesse ou posicionamento da pessoa perante os factos objecto do processo e, no caso das testemunhas e dos assistentes,  a sua postura de hostilidade ou de indiferença em relação ao arguido, o interesse que revelem ter em falar apenas sobre os factos acerca dos quais demonstram ter conhecimento directo e certezas, ou, pelo contrário, apenas se mostrem interessadas em incriminar o arguido, ou assentem os seus relatos em meras conjecturas ou suspeições, que podem contribuir de forma decisiva para credibilizar estes meios de prova.
O mesmo se diga da análise comparativa, entre si e com outros meios de prova, na consideração de determinados depoimentos ou declarações como credíveis e dignos de alicerçarem a convicção do Tribunal e de outros como inverosímeis ou inúteis para a fixação da matéria de facto.
«(...) o testemunho não é a exacta reprodução de um fenómeno objectivo, porque é modificado pela subjetividade da testemunha, e se, por isso, duas testemunhas dificilmente podem prestar depoimentos idênticos, deduzir da diversidade que se nota na sua acareação, que uma delas deva, necessariamente, estar de má fé, é um erro».
«Efectivamente, às vezes, um depoimento sem lógica, contraditório, é considerado pouco fiel, porque se julga que a testemunha não se recorda bem, ou então insincero, ao passo que os testemunhos correntes dão uma impressão de fidelidade e de veracidade, e pode ser o contrário, provindo o primeiro de uma dificuldade em se exprimir, ou de um fenómeno de timidez, ao passo que a naturalidade do segundo pode derivar de uma hábil preparação (...)».
«Há, portanto, um certo coeficiente pessoal na percepção e na evocação mnemónica, que torna, necessariamente, incompleta a recordação, de forma que não há maior erro que considerar a testemunha como uma chapa fotográfica, deduzindo de não ser completo o seu depoimento que ela é reticente.» (Enrico Altavilla, em “Psicologia Judiciária, Personagens do Processo Penal”, 4° vol., Arménio Amado, Editor, Sucessor-Coimbra, 1959, pág. 112).
Mas num sistema, como o processual penal português, de livre apreciação da prova, não tem qualquer eficácia jurídica o aforismo “testis unus testis nullus”, pelo que, um único depoimento, mesmo sendo o da própria vítima, pode ilidir a presunção de inocência e fundamentar uma condenação, do mesmo modo que as declarações do arguido por si só, isoladamente consideradas, podem fundamentar a sua absolvição.
«É hoje consensual que um único testemunho, pode ser suficiente para desvirtuar a presunção de inocência desde que ocorram: a) ausência de incredibilidade subjectiva derivada das relações arguido/vítima ou denunciante que possam conduzir à dedução da existência de um móbil de ressentimento, ou inimizade; b) verosimilhança – o testemunho há-de estar rodeado de certas corroborações periféricas de carácter objectivo que o dotem de aptidão probatória; c) persistência na incriminação, prolongada no tempo e reiteradamente expressa e exposta sem ambiguidades ou contradições (Nesse sentido, cfr., entre outros, António Pablo Rives Seva, La Prueba en el Processo Penal-Doctrina de la Sala Segunda del Tribunal Supremo, Pamplona, 1996, pp.181-187)» (Ac. da Relação de Guimarães de 07.12.2018, processo 40/17.0PBCHV.G1, in http://www.dgsi.pt).
E o que é, igualmente, certo é que um testemunho pode não ser necessariamente todo verdadeiro, nem necessariamente todo falso e ainda assim ser perfeitamente válido para fundamentar a convicção do Tribunal na consideração como provados de todos ou parte dos factos sobre que tenha incidido, desde que, à luz das regras de experiência comum, dos critérios de razoabilidade humana, das regras da ciência ou da técnica ou do valor probatório pleno de determinados meios de prova pré catalogados pela lei com essa especial eficácia, nas correlações que o Tribunal possa estabelecer com os demais meios de prova, tal depoimento se mostre credível e consistente (daí que contrariamente ao que o recorrente pretende na conclusão 42, os depoimentos possam e até devam ser cindidos quando seja evidente que em parte são verdadeiros, logo, necessários para alicerçar a convicção e, noutra parte, ou são falsos ou não podem ser credibilizados por outras razões).  
Da audição da prova produzida na audiência, quando comparada com o elenco dos factos considerados provados e com as razões da convicção explanadas na motivação não se descortina qualquer violação do princípio da livre convicção do julgador. Antes tal decisão merece concordância.
A circunstância de o relatório pericial não demonstrar a existência de coito vaginal, em virtude de a assistente não apresentar lesões na região vulvar, na vagina ou no colo do útero, além de ter sido tida em conta pelo Tribunal, que a ela se referiu expressamente na motivação da decisão de facto, carece de qualquer relevância, porquanto quer o arguido, quer a assistente declararam que mantiveram entre si, naquele dia 25 de Setembro de 2015, uma relação sexual que envolveu a penetração da vagina da assistente pelo pénis do arguido, sendo, de resto, esse um dos poucos aspectos em que as duas versões são coincidentes. Ademais, foi encontrado sémen do arguido, quer no local onde ambos também reconheceram que tal prática sexual foi mantida, quer nas cuecas que a assistente vestia, no dia dos factos, o que só pode ter ficado a dever-se a tais actos sexuais, de resto, também em sintonia com a descrição de ambos, segundo a qual o arguido ejaculou para o chão, na fase final da penetração.
Portanto, não se vislumbra em que é que estes relatórios periciais poderiam servir de critério de desempate entre a versão do arguido de que a assistente consentiu aquele acto sexual e a desta última, de que foi forçada a praticá-lo, com recurso à força física.
Eles apenas demonstram a existência de sémen do arguido, no local dos factos e nas cuecas da assistente. A existência da relação sexual, essa resulta das duas versões neste ponto coincidentes apresentadas por ambos e o carácter forçado e com uso da força física por parte do arguido resulta do relato da assistente corroborado pelos excertos de depoimentos das testemunhas D_________, D_______, C________ e com as fotografias do local dos cacifos no interior do salão de cabeleireiro onde os factos se verificaram e com os fotogramas da CP.    
É verdade que os fotogramas retirados do sistema de videovigilância da CP mostram a assistente a esfregar constantemente os olhos, quando se dirigiu no comboio de regresso a casa, após a ocorrência dos factos, o que é compatível com o choro que a assistente referiu e que o arguido apresentou uma versão que pode explicar este choro (conclusão 29).
Mas o que é facto, é que, segundo o depoimento da testemunha D_________, a assistente nem sequer queria ficar sozinha com o arguido, tendo pedido à referida testemunha que não saísse do salão enquanto ela não terminasse de atender o arguido, justamente, porque achava que ele queria ter sexo com ela e porque, segundo a própria referiu na audiência, tinha receio que acontecesse alguma coisa.
O choro também foi presenciado pelo namorado da assistente, a testemunha D_______, na manhã seguinte, quando ela lhe contou que tinha sido violada, no dia anterior, pelo arguido.
Também a testemunha  D_____, relatou ao Tribunal que quando a assistente chegou ao local de trabalho e lhe contou o sucedido, chorava intensamente.
Por isso, tal como o Tribunal do julgamento concluiu e está de acordo com as regras de experiência comum e com critérios de razoabilidade, o esfregar de olhos constante que se vislumbra a assistente a fazer naqueles fotogramas, sendo compatível com o choro, dá consistência à versão dos factos apresentada pela assistente, por ser coerente com a natureza forçada e violenta dos actos sexuais a que foi exposta e sujeita e ao sofrimento emocional e psicológico associado a este tipo de experiências de abuso.
O mesmo se diga quanto à coincidência entre o relato da assistente acerca do modo como os factos se sucederam a as fotografias do espaço onde se encontram os cacifos disponíveis no processo que mostram, como se assinala no acórdão recorrido, como o espaço era exíguo e estreito com apenas uma saída, sendo, pois fácil ao arguido, com o seu próprio corpo, impedir a assistente de sair e «afunilar-lhe» o caminho, até a deixar entre ele e os cacifos sem qualquer margem de manobra para escapar.
De resto, da audição das declarações de um e de outro, mostra-se totalmente acertada a análise que o Tribunal Colectivo fez dos respectivos conteúdos e a valoração no sentido de atribuir veracidade à versão da assistente e não ter feito o mesmo à versão do arguido, no que se refere à tese por este preconizada de que as práticas sexuais foram mantidas por vontade livre de ambos.
Tal como se afirma no acórdão recorrido, a assistente fez um relato sereno, com alguma emotividade que, de resto, só lhe confere ainda mais credibilidade, atenta a natureza traumática da agressão sexual sofrida e descrita, aliás, como confirmado pelo depoimento da testemunha C________, Psicóloga ao serviço da APAV e que acompanha a assistente desde há cinco anos, na sequência dos factos objecto deste processo.
As declarações da assistente denotam, ainda, grande preocupação de rigor, no sentido de afirmar apenas as circunstâncias sobre as quais tinha certezas e sem qualquer sinal de ressentimento ou instinto de vingança em relação ao arguido, apenas mágoa por ele ter assumido para com ela o comportamento que relatou e que vem descrito na matéria de facto provada no acórdão de forma coincidente com essa descrição.
Esta versão da assistente é credível, é plausível, é lógica e mostra-se corroborada, por outros meios de prova, desde logo, pelo depoimento da testemunha D______ que, além de ter sido solicitado pela assistente para ficar com ela, naquele dia 25 de Setembro de 2015, no interior do salão de cabeleireiro onde os factos ocorreram, a fim de impedir que a assistente ficasse sozinha com o arguido, na manhã do dia seguinte, constatou o estado emocional da assistente com expressões como «ela chorava compulsivamente, as lágrimas caíam-lhe às quatro de cada vez», ao contar-lhe que o seu receio do dia anterior se confirmara e que tinha mantido uma relação sexual com o arguido.
Por isso, acrescentou a mesma testemunha, achou que ela devia fazer queixa à polícia, porque a reacção dela era reveladora de que o sexo que havia mantido com o arguido não tinha sido consentido.
A circunstância de a assistente não querer apresentar queixa, num momento inicial a que o recorrente dá ênfase nas conclusões 30 a 32, mais não é do que uma reacção absolutamente natural, como foi explicado pela testemunha C________ e, aliás também resulta dos padrões de sintomatologia associada a este tipo de agressão e ao seu impacto traumatizante (os chamando efeitos psicológicos da violência sexual) e das questões de vitimização secundária que são sobejamente conhecidas, associadas à exposição e ao reviver do trauma, com os riscos de descredibilização e desvalorização da experiência de abuso, pelos OPC e pelas autoridades judiciárias.    
O recorrente envolve-se em divergências de interpretação sobre pormenores como o de a assistente querer saber das intenções do arguido, ou sobre o significado que o Tribunal da primeira instância lhe atribuiu, nas concussões 32 e 33 não excluí o essencial – a versão dos factos apresentada pela assistente é credível, porque é intrinsecamente lógica, porque a forma como as suas declarações foram prestadas se apresenta genuína, espontânea e porque é consentânea com vários outros meios de prova que a corroboram e a reforçam, a começar pelo seu estado ansioso e depressivo, sobejamente presenciado pelas testemunhas D_________, C________ e D_______ por alguns factos circunstanciais anteriores, como seja o receio de ficar sozinha com o arguido, naquele dia, os pedidos feitos à testemunha D_______ para que a fosse buscar ao local de trabalho, quando ainda estava no salão de  , para que o arguido visse que ela não estava sozinha e a deixasse em paz que confirmam,  para além de qualquer dúvida razoável que os actos sexuais descritos no acórdão recorrido aconteceram e não eram desejados pela assistente.
Em relação à interrogação que o recorrente faz nas conclusões 34 e 35, a circunstância de a assistente já não conviver com o arguido há cerca de um ano, entre o tempo em que trabalharam juntos no salão de   e o dia dos factos e, ainda assim, ter intuído ou desconfiado que o arguido pretendia fazer sexo com ela, nesse dia, foi a testemunha D_________ que referiu que, naquele dia, a assistente lhe pediu para não se ausentar do salão, referindo que não queira ficar sozinha com o arguido, porque achava que ele queria fazer sexo com ela.
A própria assistente também relatou ao Tribunal que ficou ansiosa com medo de ficar sozinha com o arguido por recear que «pudesse acontecer alguma coisa».
De qualquer modo, essa sua desconfiança é consentânea com o relato da própria assistente de que, enquanto trabalharam juntos em  , o arguido estava constantemente a tentar ficar sozinho com ela no vestiário e de que até ficou aliviada quando foi transferida para o salão das Amoreiras, pois, segundo referiu «aquilo já era demais», pelo que não pode retirar-se qualquer ilação de falta de credibilidade nas declarações da assistente.
Ao contrário, há um pormenor que a assistente referiu – o de que, apesar de, nessa altura em que trabalhava no salão em  , estar separada do seu namorado de anos, a testemunha D_______, pediu a esta último que a fosse buscar algumas vezes ao salão, para mostrar ao arguido que não estava sozinha e pensando que, dessa forma, o arguido se afastaria dela.
Esta circunstância foi confirmada pela referida testemunha que descreveu de forma coincidente e detalhada, que a pedido da assistente chegou a ir buscá-la algumas vezes ao salão de  , o que fez ciente de que se tratava de uma tentativa da assistente para afastar dela o arguido, tendo-lhe a assistente contado que ele andava a tentar manter contractos íntimos com ela e que ela não os queria.
Este relato da testemunha D_______ dá consistência ao relato da assistente, no sentido de que as tentativas de aproximação para manter contactos íntimos com assistente, levados a cabo pelo arguido, pelo menos, a partir de certa altura (que a assistente situa, no momento em que soube que o arguido era casado), não eram queridos pela assistente, mas além disso, ilustram circunstâncias passadas que permitiam à assistente desconfiar que ficando sozinha com o arguido ele poderia tentar manter contactos físico de intimidade com ela, mesmo depois de passado o tal período de cerca de um ano sem se verem.      
No que concerne às conclusões 36 e 37, quase só falta o recorrente afirmar que a assistente é que foi a responsável criminalmente pela sua própria violação, por ter aceite atender o arguido perto da hora do fecho do estabelecimento e quando era evidente que iria ficar sozinha com ele, como se fosse de esperar, à luz das regras de experiência comum, ou de convívio social ou outras quaisquer, que uma vez estando sozinha com o arguido, inevitavelmente, este iria tentar manter relações sexuais com ela e, por conseguinte, não teria qualquer outra alternativa, senão sujeitar-se a tais práticas, mesmo contra sua vontade, ou, em alternativa, que, estando criada aquela oportunidade de intimidade e privacidade, por estarem sozinhos no interior do salão de cabeleireiro, estaria justificada a ilicitude ou excluída a culpa no comportamento do arguido, em virtude de ela ter aceite depilar-lhe a barba, de acordo com a marcação prévia efectuada horas antes.
Depois, contrariamente, ao que o recorrente pretende, nas conclusões 38 a 40, a assistente disse, expressamente, que quando soube que o arguido tinha feito uma marcação de depilação da barba perto da hora do fecho ao público, sentiu uma ansiedade que tentou controlar com a ideia de que era um colega de trabalho e que eram amigos.
Foi convidada pela Mma. Juiz Presidente do Colectivo a explicar se essa ansiedade era de contentamento, ao que a mesma respondeu «era mais por medo (…) receio de ficar sozinha com ele. Porque comecei a pensar que podia acontecer alguma coisa….».    
No que se refere às conclusões 41 a 48, contrariamente ao que o recorrente pretende, nem face à motivação da convicção do Tribunal, tal como exarada no texto do acórdão recorrido nem face à prova produzida se vislumbra em que provas é que o recorrente sustenta as afirmações de que nenhuma prova sustenta as afirmações da assistente e toda a prova é coincidente com a versão do arguido.
Tão-pouco se alcança em que é que pelo facto de o arguido frequentar o salão de Cascais e já ter feito ali quatro ou cinco tratamentos de depilação da barba, antes dos factos objecto deste processo, segundo os depoimentos das testemunhas D______ e P______(conclusões 44 e 45) e do facto de a assistente sempre se ter mostrado satisfeita na presença do arguido contraria a versão da assistente de que não quis e manifestou a sua recusa e oposição pela forma que descreveu, ao arguido, no dia 25 de Setembro de 2015, quando este tentou e conseguiu manter contactos e práticas sexuais com ela.  
A ser como o recorrente pretende, compete então perguntar como é que se concilia a natureza consensual dos actos sexuais praticados no dia 25 de Setembro de 2015, pelo arguido na pessoa da assistente e com esta, com os relatos feitos pelas testemunhas D_________, D_______ e C________, acerca do estado emocional da assistente, de choro compulsivo, desorientação, baixa médica, sem regresso àquele local de trabalho, desorganização da sua vida pessoal, com o fim do relacionamento com o companheiro, a testemunha D_______ com quem tinha projectos até de ter filhos, sendo que esta testemunha explicou de forma absolutamente convincente, sem qualquer hesitação e de modo  espontâneo, o quão traumatizada a assistente ficou, descrevendo reacções e sintomas de forma coincidente com a descrição feita pela testemunha C________, a qual, por seu turno, esclareceu que a assistente tinha e ainda tem sintomas característicos, desde físicos, a nível do aparelho digestivo, do sistema imunitário, emocionais e de comportamento, concretamente ao nível das dificuldades de relacionamento íntimo, depressão e ansiedade que são os característicos das experiências de violência sexual.
Esta pergunta fica sem qualquer resposta, neste contexto probatório.
Refira-se, além do mais, que a postura do arguido perante os factos, no sentido de desvalorizar as recusas da assistente, mesmo apesar de ter reconhecido, tal como a assistente também afirmou, que ela lhe bateu, ao que lhe respondeu «bate-me, sou todo teu», está em total harmonia com uma específica linha de comportamento do arguido que tal como exarado nos pontos 46, 47, 56, 61 e 62 da matéria de facto provada revelam que tem uma interpretação muito própria acerca do que sejam relações sexuais consensuais e, sobretudo, que é incompatível com a necessária preservação da liberdade sexual dos outros, nos termos em que a mesma é tutelada no Código Penal.
Aqui se transcrevem novamente, só para reforçar o acerto da avaliação da prova e concretamente da credibilização da versão da assistente, em detrimento da que foi apresentada pelo arguido, feita no acórdão sob recurso.
Esses factos são os seguintes:
46-H________teve uma iniciação sexual precoce, diversificada e sem ligação emocional, banalizada que era a conduta sexual enquanto factor social na zona turística onde cresceu, desde que ocorresse com mulheres estrangeiras.
47-O arguido convive bem com a dicotomia em que, por um lado, se define como mero sujeito sexual e de desejo, liberto dos constrangimentos impostos pelas tutelas tradicionais; por outro, assume empenhadamente o seu lugar na família, enquanto pai e marido, aí mantendo um papel sexual no âmbito do compromisso e do contrato.
56 -O arguido tem pouca capacidade de avaliar, interpretar e ter em consideração os sentimentos, direitos e vontade das mulheres em particular, que o poderá conduzir a supervalorizar a satisfação do desejo, ainda que em detrimento da autodeterminação do outro.
61-O comportamento sexual do arguido, eventualmente decorrente de práticas precoces casuais e de representações distorcidas, surge assente na noção de direito ao prazer, de realização sexual e de procura de experimentação, conduta esta que não lhe merece verdadeira crítica, por não ter associada a componente afectiva, já que essa se mantém adstrita ao cônjuge.
62-Não sendo um indivíduo percepcionado como estruturalmente violento o arguido pode contudo, na sua ânsia de satisfação do desejo libidinoso, não crer na verbalização, não atender à comunicação não verbal nem aos sinais paralinguísticos, e assim ofender a liberdade e determinação sexual do outro.
Tudo isto, para concluir que o Tribunal da primeira instância valorou criticamente as provas em estrita obediência aos critérios do valor probatório pré-fixado legalmente à prova pericial, quanto às perícias forenses de detecção e identificação dos vestígios biológicos, fez uma analise comparativa, detalhada e concatenada de todos os meios de prova, confrontou as versões opostas do arguido e da assistente, explicou os motivos pelos quais acreditou na assistente e não acreditou no arguido, com argumentos que além de se encontrarem perfeitamente sustentados quer na prova pericial e nas provas por imagens – as fotografias do local, comparadas com a descrição dos factos da assistente e os fotogramas retirados do interior do comboio onde a assistente se fez deslocar momentos após os factos -, quer na prova testemunhal, especialmente, os depoimentos das testemunhas  , D_______ e C________, se mostra correcta, segundo regras de senso comum e critérios de razoabilidade humana, pelo que não merece qualquer reparo.               
No que se refere à conclusão 49, se é de interesse no desfecho da causa que se trata, que interesse poderá ser mais preponderante do que o do arguido em não ser condenando numa pena de quatro anos e seis meses de prisão efectiva?
Além disso, considerando os factos considerados provados nos pontos 57 a 59, quanto ao impacto em que o presente processo e o conhecimento dos factos seu objecto teve para o arguido, pondo em risco a manutenção do seu agregado familiar, pois ainda não recuperou a confiança do cônjuge e também em termos laborais, pois resultou provado que o arguido sentiu fortes repercussões da presente situação judicial, tanto em termos de imagem profissional como de oportunidades de trabalho, o arguido teria todo o interesse em não assumir que forçou a assistente contra sua vontade à prática dos actos sexuais descritos no acórdão recorrido.
Quanto às alterações que subsidiariamente, o recorrente pretende ver introduzidas nos factos descritos em 8, 10, 15, 22 e 23, o argumento essencial do recorrente consiste na circunstância de a assistente nunca ter referido que o arguido a agarrou pois que apenas referiu que o arguido a tentou agarrar e beijar e que à aproximação do arguido, a assistente recuou para a zona dos cacifos, sendo que além disso não resulta das declarações da assistente que tenha tentado sempre repelir ou afastar o arguido e que durante o coito não prendeu a assistente, apenas a tendo ladeado com os braços.
Em primeiro lugar e seguindo um critério de lógica, não se vislumbra como é que uma pessoa que pretende abraçar e beijar outra que não quer ser abraçada, nem beijada, consegue fazê-lo sem a agarrar e sem a prender, se esta se manifesta contrária e indisponível para as suas tentativas de manutenção de contacto íntimo, do mesmo modo que, tendo a assistente descrito como é que tudo se passou até ao momento em que o arguido a virou de costas para ele, a que se seguiu a penetração, será de todo em todo impossível, de acordo com as lei da física, que não a tenha agarrado.
Por isso, mesmo não tendo dito expressamente as palavras agarrar, tal não significa que o Tribunal não as possa e deva mesmo inferir, de acordo com critérios de lógica por recurso às chamadas presunções naturais que são meios de prova tão válidos como quaisquer outros.
Também quanto às tentativas da assistente para repelir e afastar o arguido, sendo certo que a assistente referiu, como argumentado na conclusão 68 que deixou de opor resistência, quando percebeu que não valia a pena, tal não significa que tenha consentido em tal prática, mas apenas que optou por a suportar, neste caso, segundo a descrição da própria, apenas porque percebeu que de nada adiantaria.
Cumpre, ainda, assinalar que, na valoração como meios de prova dos relatos contendo as descrições das experiências sexuais abusivas, é importante considerar que a vítima não tem de demonstrar que não contribuiu para a ocorrência do crime sexual que sofreu, mesmo que não viva de acordo com o papel social que lhe está atribuído pelos padrões culturais e históricos preestabelecidos, bem como, que todo o relacionamento sexual que não seja livremente consentido deve ser criminalizado – é a solução que resulta expressamente do art. 36º da Convenção de Istambul e das alterações aos nºs 2 dos artigos 163º e 164º do Código Penal, introduzidas pela Lei nº 83/2015 de 5 de Agosto ( e também pela Lei 101/2019 de 6 de Setembro) – não sendo necessário, nem exigível que a vítima adopte comportamentos heroicos de oposição ou defesa à actuação do agressor, correndo riscos ainda maiores do que o de lesão da sua liberdade ou da sua autodeterminação sexual, para se considerar o crime como consumado, até porque «está hoje já estabelecido pela Psicologia que a ausência de resistência física por parte da vítima não pode ser considerada como uma forma de aceitação ou consentimento da agressão, mas pelo contrário expressa apenas o desejo de sobreviver a uma situação cujo controle não detém e relativamente à qual experimenta um sentimento de completa impotência» (Ac. da Relação de Lisboa de 12.06.2019, proc. 473/16.0JAPDL.L1, in http://www.dgsi.pt. Cfr., também, a propósito da violação de uma jovem de dezoito anos por um grupo de cinco homens que ficou conhecido na comunicação social como «La Manada», nas festividades de San Fermín em 2016 e da distinção entre uso de violência e intimidação sobre a vítima e mera ausência de consentimento, o acórdão do Supremo Tribunal Espanhol nº 344/2019, recurso de casacion núm.: 396/2019: «la intimidación empleada no ha de ser de tal grado que presente caracteres irresistibles, invencibles o de gravedad inusitada. Basta que sea suficiente y eficaz en la ocasión concreta para alcanzar el fin propuesto, paralizando o inhibiendo la voluntad de resistencia de la víctima y actuando en adecuada relación causal, tanto por vencimiento material como por convencimiento de la inutilidad de prolongar una oposición de la que -sobre no conducir a resultado positivo-, podrían derivarse mayores males», in https://www.diariodesevilla.es/2019/07/05/Sentencia_Sala_Segunda_caso_La_Manada_JG.pdf?hash=c2bc31bd7c438c8d4dc829a6b2d4e4c79cb3e064).
A questão é, por conseguinte, saber qual foi a parte dos pedidos feitos pela assistente para que o arguido parasse com aquele comportamento, para que se fossem ambos embora, que o arguido não compreendeu e com base em quê, achou ele que a recusa da assistente em manter relações sexuais com ele, a ponto de até lhe ter batido, era afinal, um consenso.
E para que a oposição da vítima fosse suficientemente ilustrativa do uso de violência ou coerção da vontade, teria a assistente de agredir fisicamente o arguido e sujeitar-se a ser por ele também agredida, para se poder dar como provado que o arguido a agarrou e constrangeu, mesmo durante o acto sexual propriamente dito ?
Neste contexto concreto, afigura-se que não, porque da descrição dos factos apresentada pela assistente, de resto, mesmo quando deixou de se debater e de repelir as tentativas de contacto do arguido foi, segundo o que explicou, porque percebeu que, dada a compleição física do arguido e a circunstância de se encontrar encurralada na zona dos cacifos não tinha nem como opor resistência, nem como escapar, razões pelas quais, perante esta imagem global dos factos e de toda a resistência física e verbal oposta pela assistente de forma inequívoca dirigida ao contacto sexual pretendido pelo arguido e nos momentos imediatamente anteriores à sua consumação, não serão alterados os enumerados em 8, 22 e 23, sendo que, no que se refere ao 15, também não será alterado, até porque foi confessado pelo arguido, não sendo pelo facto de a assistente ter referido que fez o gesto de lhe bater (e não de ameaçar bater, diversamente do que diz o recorrente que, na alegação de que houve consentimento da assistente, recrimina o Tribunal de primeira instância por não ter valorizado as suas declarações como confissão e naquilo em que que as suas declarações são uma verdadeira e própria confissão, prefere que não sejam afinal valoradas, escudando-se em preciosismos de linguagem, com base no discurso directo da assistente), que se impõe a solução preconizada pelo recorrente (a qual, aliás, nem corresponde a erro de julgamento, pois que este envolve sempre conclusão contrária à adoptada pelo Tribunal da primeira instância e não é o caso, tudo se traduzindo afinal numa divergência de opinião do arguido em relação à interpretação feita pelo Tribunal).
Quanto ao facto descrito em 10 do acórdão, o recorrente tem toda a razão.
Diz-se nesse ponto que «10-Acto contínuo, o Arguido empurrou a Assistente para a zona dos cacifos».
Ora, o que resultou da prova produzida foi que, à aproximação do arguido, a assistente foi recuando, até ter ficado encostada aos cacifos. Esta foi a descrição que ela fez deste facto que não foi referido por mais ninguém.
Por isso, o facto 10 será alterado nos seguintes termos:
10. Acto contínuo, a assistente recuou para a zona dos cacifos.
No mais, sendo a versão dos factos apresentada pela assistente plausível, lógica e credível, pelas razões que se expuseram e por aquelas que com todo o acerto foram exaradas na motivação da decisão de facto inserta no acórdão recorrido, não há nada a alterar, nessa decisão, pela simples razão de que não há erro de julgamento. 
O recurso improcede, pois, nesta parte, com excepção da alteração do facto dez, nos termos acima definidos.
A não aplicação o princípio in dubio pro reo consubstancia, ainda, um vicio de erro notório na apreciação da prova previsto no art. 410º nº 2 alínea c) do CPP. 
O art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal, estabelece a possibilidade de o recurso se fundamentar na insuficiência da matéria de facto provada para a decisão; na contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão, ou no erro notório na apreciação da prova, «mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito».
A apreciação destes vícios não implica qualquer sindicância à prova produzida, no Tribunal de primeira instância, porque envolve apenas a análise do texto da decisão recorrida, na sua globalidade, sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, ainda que constem do processo. Apenas as regras de experiência comum podem servir de critério de aferição da sua existência, conjugadas com o teor literal da decisão impugnada.
O erro notório na apreciação da prova supõe que do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com o senso comum, deflua de forma fácil, evidente e ostensiva que factualidade ali exarada é arbitrária, contrária à lógica, a regras científicas ou de experiência comum, ou assenta na inobservância de regras sobre o valor da prova vinculada, ou das leges artis (Acs. do STJ de 12.03.2015, processo 40/11.4JAAVR.C2; de 06.12.2018, processo 22/98.0GBVRS.E2.S1 e de 03.04.2019, processo 38/17.9JAFAR.E1.S1 e Simas Santos e Leal Henriques, in “Recursos em Processo Penal, 7ª ed., 2008, Editora Rei dos Livros, pág. 77).
«Verifica-se erro notório na apreciação da prova quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que está notoriamente errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando de um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum (…)» (Leal-Henriques e Simas Santos no Código de Processo Penal Anotado, vol. II, 2ª edição, pág. 740, em anotação ao artigo 410º).
«É o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta» (Germano Marques da Silva – Curso de Processo Penal, Vol III, pág. 341).
A violação do princípio in dúbio pro reo pode, efectivamente, ser tratada como erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410º nº 2 al. c) do CPP, na medida em que introduz um critério vinculativo de decisão perante factos incertos e uma limitação normativa ao princípio da livre apreciação genericamente consagrado no art. 127º do CPP (cfr., nesse sentido, Paulo Albuquerque, Comentário do Cód. Proc. Penal, UCP, 2011, 4ª ed. pág. 1119 e Acs. do STJ de 27.04.2011, processo 7266/08.6TBRG.G1.S1; de 08.01.2014, processo 7/10.0TELSB.L1.S1, da Relação de Lisboa de 28.09.2017, processo 433/15.8PBSNT.L1-9, in http://www.dgsi.pt).
Quando apreciada como erro notório na apreciação da prova, o in dúbio pro reo tem subjacente uma concepção subjectiva, que enfoca como pressuposto específico deste princípio apenas a dúvida subjetivamente sentida pelo tribunal do julgamento, uma dúvida histórica verificada no momento da decisão.
Segundo esta concepção, a violação do princípio in dubio pro reo só se verificará, então, quando do próprio texto da decisão (eventualmente, conjugado com regras de senso comum) resulte expresso, com um mínimo de clareza, por exemplo, porque defluí da fundamentação da convicção quanto à prova produzida, que o tribunal se encontrou num estado de dúvida quanto aos factos que devia dar por provados ou não provados, mas, apesar dessa incerteza, acabou por optar em considerar como provados aqueles de que resulta prejuízo, ou maior prejuízo para o arguido (cfr. Acs. da Relação de Coimbra de 25.02.2015, processo 28/13.0GAAGD.C1; de 12.09.2018, processo 28/16.9PTCTB.C1; do STJ de 29.05.2013, processo 344/11.6JALRA.E1.S1; de 28.06.2018, processo 687/13.4GBVLN.P1.S1, da Relação de Lisboa de 09.07.2019, processo 731/17.6PEOER.L1-5in http://www.dgsi.pt).
Em contrapartida, se, pela análise do teor literal da decisão, por si só, ou conjugado com as regras de experiência comum, o tribunal do julgamento em primeira instância não se debateu com qualquer dúvida séria acerca da demonstração de algum facto desfavorável ao arguido, não haverá qualquer violação do in dubio pro reo.
Ora, do texto da decisão recorrida, não se vislumbra que o tribunal se tenha deparado com um non liquet probatório ou tenha tido qualquer tipo de hesitação na consideração como provados de todos os factos descritos na pronúncia, com fundamento nalguma inexactidão ou incerteza na recolha de informação resultante das provas produzidas e, estando nessa incerteza, deu como provados os factos ao invés de os considerar não provados.
Do mesmo modo, a convicção alcançada pelo tribunal recorrido, tal como o respectivo processo de formação vem descrito na fundamentação da decisão de facto está longe de se poder qualificar com uma impossibilidade lógica, seja por violação de regras de experiência comum, ou por uma errada utilização de presunções naturais, ou por inobservância de uma norma legal ou princípio aplicáveis em matéria de valor dos meios de prova ou de obtenção de prova obtidos para o processo, ou da sua força probatória.
Muito menos arbitrária, considerando o esforço argumentativo, recorrendo aos aspectos mais relevantes das declarações do arguido e da assistente e dos depoimentos testemunhais, à sua análise comparada que a sentença expressa no respectivo texto, assim como as razões pelas quais esses testemunhos se apresentaram convincentes.
Pelo contrário, no caso vertente, o que a análise da decisão recorrida mostra, sobretudo, quanto à fundamentação da decisão da matéria de facto, é que a dúvida razoável foi superada pelas regras de experiência comum e por critérios de lógica, reportados à razão de ciência e ao conteúdo daquelas declarações e depoimentos, pelo que também não se verifica a violação do princípio in dubio pro reo, como vício decisório.
Como é sabido, a incriminação do art. 164º nº 1 do CP, na versão da Lei 83/2015 que é a que foi aplicada no acórdão recorrido, pressupõe, do ponto de vista objectivo, o constrangimento de alguém – homem ou mulher – por outrem, a manter relações de cópula, coito anal ou oral, por algum dos modos de acção típica – com uso de violência, através de ameaça grave, ou colocando-o inconsciente ou na impossibilidade de opor resistência, com vista à intromissão e compressão da liberdade e autodeterminação sexual da vítima, bem como da sua intimidade sexual.
Meios típicos de constrangimento da vítima são: a violência; a ameaça grave; a colocação da vítima em estado inconsciente, ou numa situação de incapacidade de oferecer resistência.
No que se refere à violência exigida pelo art. 164º como meio típico da consumação, aquele que importa analisar, para a decisão do presente recurso, fora de dúvida que existirá sempre que sobre a vítima é exercida força física, seja na modalidade de vis absoluta, seja, na de vis compulsiva, dirigidas a vencer a resistência oferecida ou esperada (verificando-se a vis compulsiva, quando o coagido é capaz de tomar uma decisão segundo a sua própria vontade, apesar de essa vontade ser pressionada e a vis absoluta, quando o coagido não é capaz de opor resistência à ação do sujeito ativo).
Mas, fazendo o art. 164º referência genérica a «violência» e tendo em consideração a especificidade do bem jurídico protegido, sobretudo, do ponto de vista defensivo da liberdade sexual, traduzido no direito da vítima de não sofrer qualquer espécie de intromissão física ou moral dirigida para a realização de actos sexuais, a violência moral deve também ser elemento constitutivo do tipo de violação.
«É que a violência moral (consistente, v.g., no perigo de um mal maior para a vítima ou sua família) pode determinar a cópula e, a não ser que se reconduzissem factos deste tipo à noção de “ameaça grave” (com as dificuldades inerentes à determinação do que é “grave” e à respectiva prova), ela ficaria impune. (…) A “grave ameaça” é algo diferente, de um ponto de vista qualitativo. Consiste, (…), no colocar a vítima perante a iminência da verificação da violência (física ou moral) provocando-lhe um tal temor que a determine à cópula» (Sénio Alves Crimes Sexuais, Notas e Comentários aos artigos 163.º a 179.º do Código Penal, Livraria Almedina, Coimbra – 1995, pág. 32 e ss.).
Ou seja, a violência corporiza a acção exercida sobre a vítima que contrarie a sua vontade, nela se incluindo, tanto a reacção expressa, ostensiva, de oposição, como o aparente assentimento oferecido como meio de evitar um mal superior. Determinante é que sejam utilizados meios que impedem a formação da vontade ou a liberdade de determinação da vítima e que para esta ceder à prática do acto sexual típico pretendido pelo agente se apresente, naquele contexto, como o menor dos males.
«O entendimento amplo do conceito de violência, para efeitos da concretização do crime permite, desde logo, que nos casos em que haja, porventura, algum “consentimento” da vítima no desenrolar do acto, tão só e apenas para evitar o mal maior de ser brutalizada com agressões físicas, sejam, mesmo assim, considerados como situações de violação» (Mouraz Lopes, Os Crimes Contra a Liberdade e Autodeterminação Sexual no Código Penal, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1998, pág. 35 e ss. No mesmo sentido, Acs. do STJ de 14.03.2002, in Sumários do STJ; de 22.02.2006; in http://www.dgsi.pt; da Relação de Coimbra de 17.02.1993, CJ, Tomo I, p. 70; da Relação de Coimbra de 26.11.2008; de 25.06.2014, proc. 238/13.0JACBR.C1.; Ac. da Relação do Porto de 10.09.2014, proc. 1054/13.5JAPRT.P1; de 30.11.2016, proc. 43/13.4JAPRT.P1, Ac. da Relação de Lisboa de 12.06.2019, proc. 473/16.0JAPDL.L1, in http://www.dgsi.pt).
Conteúdo da acção típica, em qualquer destas três modalidades é, desde logo, a cópula, cujo conceito tradicional, do ponto de vista médico – legal, consiste na introdução total ou parcial do pénis na vagina, independentemente da circunstância de ter havido emissio seminis, partindo da constatação de que, no momento da ejaculação já se verificou a lesão do bem jurídico objecto da protecção legal.
«Para a consumação da cópula basta a conjunctio membrorum, não sendo necessária nem a emissio seminis, nem que a imissio penis seja completa (Rodrigues Devesa, Derecho Penal Español, 11.ª Edição, 1988, Dykinson, Madrid, pág. 177 e ss.; o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ nº 5/2003, de 24 de Setembro de 2003, nos termos do qual, «para o preenchimento valorativo do conceito de acto análogo à cópula a que se refere o artigo 201.º, n.º 2, do Código Penal de 1982, versão originária, é indiferente que tenha havido ou não emissio seminis». No mesmo sentido, José Mouraz Lopes “Os Crimes Contra a Liberdade e Autodeterminação Sexual no Código Penal”, p. 24; Leal Henriques/Simas Santos, O Código Penal de 1982, Volume III, pp. 564 e 59-60; e Leal Henriques-Simas Santos, Código Penal Anotado, 2.º Volume, 1996, Rei dos Livros, pág. 238; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16.11.1995, CJSTJ, Tomo III, pág. 239 e segs., de 11.01.1995, CJSTJ, Tomo I, pág. 178 e segs., de 24.09.2003 e de 11.11.2004, estes, in http://www.dgsi.pt).
Sendo certo que a cópula vulvar ou vestibular que implica um contacto meramente externo dos órgãos sexuais masculinos e femininos, na medida em que atinge a consumação pela emissio seminis, sem que se tenha verificado penetração do pénis na vagina, fica afastada do âmbito da previsão do art. 164º do CP, sob pena de violação do princípio «nullum crimen sine lege» (Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo II, p. 472. No mesmo sentido, M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, Código Penal, Parte geral e especial, com Notas e Comentários, Almedina, 2014, pág. 693; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 449 e 450).
«Cópula continuará a ser entendida como resultado de uma relação heterossexual de conjunção carnal entre órgãos sexuais masculinos e femininos e que, como tal exige sempre a introdução completa ou incompleta do órgão sexual masculino na vagina o que afasta a equiparação da chamada cópula vestibular ou vulvar» (Ac. do STJ de 29.10.2008. No mesmo sentido, Ac. do STJ de 25.03.2010, ambos in http://www.dgsi.pt).
Com a redacção dada ao art. 164º do C. Penal, pela Lei nº 65/98 de 2 de Setembro, o coito anal ou o coito oral passaram a integrar o tipo de violação, ao lado da cópula. O primeiro consiste na penetração do ânus e o segundo na penetração da boca, pelo pénis.
O acento tónico da conduta é, pois, colocada no contacto físico, «(…) porque o significado comum do coito exige um conjunção de corpos com intervenção do órgão sexual masculino e não apenas do corpo com outros órgãos ou com quaisquer objectos» (Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo I, p. 473; Ac. do STJ de 28.05.2008, Ac. da Relação do Porto de 30.11.2016, proc. 43/13.4JAPRT.P1, in http://www.dgsi.pt).
Quanto ao nexo de imputação subjectiva, trata-se de um crime essencialmente doloso, em qualquer das modalidades previstas no art. 14º do CP, sendo que a vontade livre e consciente do agente tem de englobar todos os elementos típicos da violação.
Com efeito, embora o processo executivo, em qualquer dos três meios agora previstos (coito oral, coito anal, cópula), pressuponha motivação diversa e decisões autónomas, para cada um deles, sendo também diferentes os desvalores de resultado em cada um deles, por implicarem modos e graus diferentes de intromissão e compressão da auto determinação sexual da vítima, têm de comum, que o autor do facto tenha a intenção de satisfazer os seus instintos sexuais, de praticar com a vítima ou de a determinar a praticar com outrem cópula, coito anal ou oral, à custa do uso de violência ou ameaça, para quebrar a resistência ou forçar a vontade da vítima, no sentido de a compelir a praticar com o próprio ou com outrem algum daqueles actos sexuais.
Em matéria de enquadramento jurídico-penal da factualidade apurada, o acórdão recorrido é claro e inequívoco, ao estabelecer que os factos descritos em 8 a 18 e 22 e 23 integram os conceitos de cópula completa, quer na modalidade de penetração da vagina pelo pénis, quer na modalidade de penetração da vagina pelos dedos, a ausência de consentimento da visada e o uso de violência física, como forma de a obrigar a suportar tais práticas sem reagir
E não merecendo provimento as teses defendidas pelo recorrente relativamente à modificação da matéria de facto, é indubitável que se mostra provado que o arguido de forma livre, voluntária e consciente, quis praticar aqueles actos com a assistente e agiu desse modo, depois de a ter colocado, mediante uso de força física, na impossibilidade de resistir à sua conduta.
Por isso, não haverá lugar a qualquer alteração no enquadramento jurídico-penal da matéria de facto que foi feito no acórdão recorrido.
Importa, assim, analisar a excessividade da pena e a possibilidade de aplicação do instituto da suspensão, nos termos do art. 50º do CP (conclusões 79 a 110).
Nos termos do art. 40º nº 1 do CP, é função da pena, salvaguardar a reposição e a integridade dos bens jurídicos violados com a prática dos crimes e, na medida do possível, assegurar a reintegração do agente na sociedade, consagrando a prevenção geral e a prevenção especial como fundamentos legitimadores da aplicação das penas e acrescentando, no seu nº 2, que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Este art. 40º veio, pois, concretizar no âmbito do Direito Penal e em matéria de escolha e dosimetria das penas, os princípios constitucionais da necessidade e da proporcionalidade ou da proibição do excesso, consagrados no artigo 18º nº 2 da CRP.
Por seu turno, o art. 71º nº 1 do CP impõe que a determinação da pena seja realizada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Com efeito, «o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena» (Hans Heinrich Jescheck, in Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, pág. 1194).
   «A protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial» (Fernanda Palma, As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva, nas Jornadas sobre a Revisão do Código Penal, 1998, AAFDL, pág. 25).
A culpa não é, pois, o fundamento da pena, antes constituindo, a um tempo, o seu suporte axiológico-normativo, não havendo pena sem culpa – nulla poena sine culpa – e também o limite que a pena nunca poderá exceder.
E é a culpa apreciada em concreto, de acordo com a teoria da margem da liberdade, segundo a qual os limites mínimo e máximo da sanção são ajustados à culpa, conjugada com os fins de prevenção geral e especial das penas.
Assim, em primeiro lugar, a medida da pena será fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos (exigências de prevenção geral positiva).
De seguida, dentro desta moldura, a medida concreta da pena será doseada por referência às exigências de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais.
Por fim, a culpa fornece o limite máximo e inultrapassável da pena. 
«A culpa do infractor apenas desempenha o (importante) papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite máximo da pena a aplicar por maiores que sejam as exigências sociais de prevenção» (Américo Taipa de Carvalho, em Prevenção, Culpa e Pena, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 322).
Culpa e prevenção são, por conseguinte, os dois limites a observar no processo de escolha e determinação concreta da medida da pena e prosseguindo a necessidade de assegurar este equilíbrio, entre a medida óptima da tutela dos bens jurídicos e das expectativas da comunidade e a medida concreta da pena abaixo da qual «já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar» (cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 229).
O art. 71º do Código Penal enumera as circunstâncias que contribuem para agravar ou atenuar a responsabilidade, a que o Tribunal deverá atender, para tal efeito.
Dispõe este preceito, no nº 1, que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
O nº 2 do mesmo artigo enumera, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender, dispondo o nº 3, que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, em correspondência com o artigo 375º nº 1 do CPP, que impõe que a sentença condenatória especifique os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.
Nessa enumeração exemplificativa vislumbram-se critérios, tanto associados à prevenção geral, como é o caso da natureza e do grau de ilicitude do facto (que impõem maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como relacionados com exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
Com efeito, esses critérios referem-se, uns, à execução do facto – als. a), b), c) e e), parte final, como é o caso do grau de ilicitude do facto, do modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência e os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; outros, à personalidade do agente, como sejam as suas condições de vida e a sua preparação ou falta dela, para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena – als. d) e f) – e, outros, ainda, à conduta anterior e posterior ao facto – al. e) - especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime.
Mas estas circunstâncias a que se refere o mencionado nº 2 do art. 71º, são aquelas que não integram os elementos constitutivos do tipo, sob pena de violação do princípio do «ne bis in idem».
No entanto, tais circunstâncias, na parte em que a sua intensidade concreta ultrapasse os limites necessários que a lei considera no tipo incriminador para a determinação da moldura penal abstracta, devem ser consideradas na fixação concreta dessa moldura.
Estas circunstâncias devem ser, ainda, valoradas de acordo com a teoria da margem da liberdade.
Tal como resulta do teor das conclusões, o recorrente pretende a redução da pena, no caso, para 4 anos de prisão (conclusões 94 e 95) por considerar que não existem necessidades especiais de prevenção geral, que em matéria de prevenção especial, não faz sentido a hipervalorização feita pelo Tribunal quanto à violência empregue pelo recorrente, que o acto de ter virado a assistente de costas para si e de a ter entremeado nos seus braços não configura uma especial violência que caso tivesse violado alguém que não conhecesse, isso sim, seria um indicador de uma personalidade muito mais perigosa e desviante.
Ora, lendo o excerto da decisão condenatória impugnada, que se refere à escolha e determinação concreta da pena, a conclusão que importa retirar é a de que o Tribunal aplicou a pena de prisão de quatro anos e seis meses de prisão, com acerto e proporcionalidade.
No que concerne ao grau de culpa do arguido, refira-se que a intensidade dolosa, na modalidade de dolo directo tem sentido agravante, na medida em que se trata do tipo de dolo mais intenso das modalidades enunciadas no art. 14º do Código Penal.
Mas, além disso, essa intensidade dolosa é intensíssima, como intensíssima é a ilicitude da conduta, seja, ao nível do desvalor da acção, seja do resultado.
Saliente-se o modo de execução do crime, revelador de eficácia e determinação, como descrito nos pontos 8 a 23., concretamente, toda a envolvência prévia que o arguido criou, como se diz no acórdão recorrido, aproveitando-se «da relação de confiança que tinha com a ofendida e com os demais colegas - que, por força dessa especial relação, lhe permitiram ficar a sós com a ofendida depois da hora do fecho do estabelecimento comercial e confiarem-lhe a responsabilidade do seu fecho a elevada intensidade do dolo, a resolução criminosa que foi mantendo na execução da conduta típica, bem como a ilicitude e desvalor da acção e do resultado, que se mostram igualmente elevadas.
«De facto, a conduta do Arguido foi determinada por razões exclusivamente egoístícas e fúteis, não tendo, este, demonstrado qualquer arrependimento, quer perante o Tribunal quer, em especial, junto da ofendida, a quem, ao invés de dirigir um pedido de desculpas, antes a culpou (e continua a culpar) por estar na situação processual na qual actualmente se encontra, denotando assim uma total indiferença pelas efectivas e graves consequências que a sua conduta teve nesta, tudo circunstâncias que militam em desfavor do Arguido.»
Com efeito, não foi por falta de esforço que o arguido tentou converter a audiência de discussão e julgamento numa espécie de julgamento de carácter da vítima, tentando fazer passar a imagem de que este processo apenas foi instaurado por despeito ou retaliação resultantes de uma alegada recusa em ir viver com a assistente, não obstante as insistências desta junto dele, nesse sentido, ou como se o facto de terem mantido uma «relação de grande proximidade e intimidade», seja lá o que isso possa ter sido, os acontecimentos do dia 25 de Setembro de 2015 sucederam-se com o consentimento da assistente.
Importa sopesar com o mesmo sentido agravante as graves consequências dele resultantes para a vítima, ao nível do seu equilíbrio emocional, com sequelas que perduram até hoje, materializadas no abalo psicológico que ainda sente, por efeito dos factos em apreciação nestes autos.
E tal como se refere também no acórdão recorrido, do ponto de vista das razões de prevenção geral, elas são muitíssimo fortes, em virtude do alarme social que o crime de violação gera, em resultado da natureza do bem jurídico que a incriminação visa proteger, associada a um dos direitos de personalidade mais intimamente ligado à dignidade da vida humana e cuja prática despoleta, nos cidadãos em geral, a mais veemente repulsa e censura e, consequentemente, da necessidade de deter o indesejável e preocupante aumento deste tipo de criminalidade que tem vindo a registar-se, nos últimos anos, em todo o país.
O arguido nem sequer revela ter capacidade de auto-censura e sentido crítico seja para a gravidade e censurabilidade do crime por si cometido, seja para as consequências do mesmo, na esfera pessoal da vítima, como anotado na decisão recorrida e como resulta amplamente ilustrado nos factos 46, 47, 56, 61 e 62, revelando pouco ou nenhum respeito pelas mulheres e vendo-as como objecto de satisfação dos seus impulsos sexuais, desinteressando-se das consequências desses actos, na esfera pessoal daquelas e bem assim da vontade destas, nesse sentido.
Pelo que, tal como também disse a decisão recorrida, as razões de prevenção especial são também muito fortes.
A pena de quatro anos e seis meses mostra-se, assim, ajustada ao grau de culpa do arguido e adequada e suficiente para assegurar a prossecução das finalidades de prevenção geral e especial, não merecendo qualquer reparo e devendo, por isso, ser mantida.
Pretende, ainda, que a pena seja suspensa na execução.
Sobre esta matéria, o Tribunal Colectivo pronunciou-se nos seguintes termos (transcrição parcial):
Conforme resulta da factualidade dada por provada quanto às condições económico sociais do arguido, este, apesar de estar social, familiar e profissionalmente inserido, quer na presente data quer à data dos factos, e ter beneficiado de boas condições de desenvolvimento, afectivas e materiais, tendo vivido a sua infância de forma despreocupada, inserida em ambiente familiar coeso, com uma educação alicerçada em valores tradicionais de subordinação e respeito pelos mais velhos, em especial os seus progenitores, não soube conformar a sua conduta de acordo com o dever ser.
Resulta ainda da factualidade dada por provada que o arguido tem dificuldade na regulação das emoções e pouca capacidade de avaliar, interpretar e ter em consideração os sentimentos, direitos e vontade das mulheres em particular, que o poderá conduzir a supervalorizar a satisfação do desejo, ainda que em detrimento da autodeterminação do outro, como aconteceu in casu.
Por outro lado, tal como decorre da factualidade dada por provada em 57) e 59) e perante a postura e as declarações prestadas pelo Arguido nesta sede, não revelou o mesmo qualquer empatia com as consequências que a sua conduta teve na ofendida, sentindo antes o impacto da presente situação unicamente de uma perspectiva pessoal e egoística, assente no seu próprio prejuízo a nível profissional e familiar, revelando assim total indiferença pelo outro, em especial, pela ofendida.
O comportamento sexual do arguido, eventualmente decorrente de práticas precoces casuais e de representações distorcidas, surge assente na noção de direito ao prazer, de realização sexual e de procura de experimentação, conduta esta que não lhe merece verdadeira crítica, por não ter associada a componente afectiva, já que essa se mantém adstrita ao cônjuge.
Não sendo um indivíduo percepcionado como estruturalmente violento, o arguido pode contudo, na sua ânsia de satisfação do desejo libidinoso, não crer na verbalização, não atender à comunicação não verbal nem aos sinais para-linguísticos, e assim ofender a liberdade e determinação sexual do outro. 
Ora, pese embora esteja o Arguido, social, familiar e profissionalmente inserido, não tendo antecedentes criminais, face à personalidade retratada no relatório social junto e revelada em julgamento, onde sobressaiu uma total ausência de arrependimento do mesmo quanto à prática dos factos e uma total falta de empatia relativamente à pessoa da Assistente e sofrimento desta, entende este Tribunal Colectivo que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Acresce que, pelas razões supra referidas, as necessidades de prevenção geral de integração impõem, no caso, uma pena efectiva, na medida que só desse modo se evitará uma perda da confiança posta no sistema repressivo pena! pela comunidade, que reclama um forte sentido coletivo de Justiça, em face da notória frequência de cometimento de crimes sexuais nesta comunidade.
Ora, o arguido, não obstante a ausência de antecedentes criminais, agiu com elevada intensidade dolosa e mostrou-se insensível e indiferente à liberdade e auto-determinação sexual da vítima, M________, chamando-se aqui novamente à colação e dando-se por reproduzidas as circunstâncias que supra se descreveram e que depuseram contra o Arguido.
Assim, os actos praticados pelo arguido revelam uma personalidade em relação à qual não é possível fazer um juízo de prognose favorável, no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para o afastar da prática de novos crimes de natureza sexual.
Aliás, o juízo de prognose favorável teria de se fundamentar em factos concretos que apontassem de forma clara na forte probabilidade de uma inflexão em termos de vida reformulando os critérios de vontade de teor negativo e renegando a prática de actos ilícitos.
Na situação em apreço, verifica-se que o arguido se recusa a assumir a sua responsabilidade pelos actos que praticou e não manifestou qualquer arrependimento, designadamente através da reparação, ainda que moral, do mal provocado (fim da transcrição).
Com efeito, nos termos do art. 50º nº 1 do CP, «o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
A suspensão da execução da pena constituí uma dessas medidas de conteúdo pedagógico e ressocializante que exige, para além da moldura concreta não superior a cinco anos de prisão, que o Tribunal formule um juízo favorável ao arguido, no sentido de considerar provável que a simples censura da sua conduta e a ameaça da pena são suficientes para que ele não volte a cometer crimes e para satisfazer as exigências de prevenção da criminalidade.
E a ponderação das condições pessoais do arguido, da sua personalidade e conduta anterior e posterior aos factos, bem como as circunstâncias em que estes foram praticados, estão directamente associadas a finalidades de prevenção especial e não quaisquer factores relacionados com o grau de culpa do agente, cuja sede própria de apreciação é a escolha e determinação concreta da pena, constituindo o limite máximo e inultrapassável desta.
A suspensão da execução da pena que, embora efectivamente pronunciada pelo tribunal, não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para realizar as finalidades da punição, deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao réu, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime.
«O tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa» (Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, em anotação ao art. 50.º).
Do que se trata é de saber, se mantendo o autor do crime em liberdade, sujeito ou não a injunções e regras de conduta, como condições do não cumprimento efectivo da pena de prisão, destinadas, respectivamente, a reparar o mal do crime e a assegurar a inserção social do condenado, se mostra, em cada caso, adequado e suficiente para que interiorize o carácter ética e juridicamente reprovável da sua conduta e obste a que volte a praticar outros crimes.
«Na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável ao agente, baseada num risco prudencial. A suspensão da pena funciona como um instituto em que se une o juízo de desvalor ético - social contido na sentença penal com o apelo, fortalecido pela ameaça de executar no futuro a pena, à vontade do condenado em se reintegrar na sociedade» (Jescheck, Tratado, Parte Geral, versão espanhola, volume II, págs. 1152 e 1153).
«Também importa acrescentar que esse juízo de prognose não corresponde a uma certeza, antes a uma esperança fundada de que a socialização em liberdade se consiga realizar. Trata-se pois de uma convicção subjectiva do julgador que não pode deixar de envolver um risco, derivado, para além do mais, dos elementos de facto mais ou menos limitados a que se tem acesso» (Ac. do STJ de 18.06.2015, proc. 270/09.9GBVVD. S1, in http://www.dgsi.pt; no mesmo sentido, Acs. do STJ de 5.07.2012, proc. 373/11.0JELSB.S1-5; de 24.02.2016 proc. 60/13.4PBVLG.P1.S1, na mesma base de dados; Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 344; André Lamas Leite, A suspensão da execução da pena privativa de liberdade sob pretexto da revisão de 2007 do Código Penal, in Stvdia Jurídica, 99, Ad Honorem-5, BFDC, Coimbra Editora, 2009, pág. 629).
Mas são, sobretudo, razões atinentes à prevenção geral que fundamentam, seja a aplicação, seja a não aplicação deste instituto.
Com efeito, são as razões de prevenção geral, traduzidas nas exigências mínimas e irrenunciáveis de salvaguarda da crença da sociedade, na manutenção e no reforço da validade da norma incriminadora violada, que determinam a possibilidade de reinserção social em liberdade que inspira o instituto da suspensão da execução da pena.
Mesmo que aconselhada à luz das exigências de socialização do condenado, a suspensão da execução da pena não poderá ter lugar, se a tal se opuserem a tutela dos bens jurídicos violados e as expectativas comunitárias, quanto à capacidade dos mecanismos e das instituições previstos na ordem jurídica para repor a validade e a eficácia das normas que a integram e de as fazerem respeitar.
«Uma tal medida (de suspensão de execução da pena de prisão) em nada pode ser influenciada por considerações, seja de culpa, seja de prevenção especial.
«Decisivo só pode ser o quantum da pena indispensável para que se não ponham irremediavelmente em causa a crença da comunidade na validade de uma norma e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais» (Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial de Notícias, págs. 330/331 e Robalo Cordeiro, A Determinação da Pena, Jornadas de Direito Criminal – Revisão do Código Penal, CEJ, vol. 2.º, pág. 48 Acs. dos STJ de 09.11.2000, in http://www.cidadevirtual.pt/stj/jurisp/bo14crime.html; de 08.05.2003; de 02.10.2003; de 02.03.2006; de 02.05.2006; de 06.07.2006; de 25.10.2007; de 02.04.2008; de 17.04.2008 e de 18.12.2008; de 07.04.2010 in http://www.dgsi.pt).
Numa análise globalizante dos factos, não resta outra alternativa do que a de concordar com o Tribunal da primeira instância, face ao acerto da sua análise e das razões pelas quais não é possível, no caso vertente, a formulação de um juízo de prognose favorável quanto à suficiência e adequação da censura do facto e da ameaça da pena para fazer o arguido interiorizar a ilicitude e a censurabilidade da sua conduta.
Por outro lado, as razões de prevenção geral, atinentes à gravidade e à proliferação galopante dos crimes sexuais e à sua enorme danosidade social com custos pessoais para as vítimas e respectivas famílias muito importantes e prolongados em estreita ligação com a natureza traumatizante das experiências de violência e abuso, desaconselham, só por si, a suspensão das penas de prisão, pois esta não assegura a realização cabal da função do Direito Penal como direito do bem jurídico e constituí até mais um factor de vitimização secundária das vítimas, contribuindo para uma sensação geral de impunidade em relação a crimes de extrema gravidade e de desconsideração para com o sofrimento psicológico e mesmo físico que este tipo de criminalidade envolve.
Não houve, pois, qualquer violação do disposto no art. 50º do CP, nem o Tribunal está vinculado à opinião dos Técnicos subscritores dos relatórios sociais previstos no art. 370º do CPP quanto a estarem reunidas condições para aplicação de medidas na comunidade, já que a tarefa de escolha e determinação concreta das penas é da exclusiva competência dos Juízes, nem se vislumbra que outras conclusões exaradas nesses relatório se possa estar o recorrente a referir na conclusão 101, sendo certo que ao contrário do que pretende, nas conclusões 105 a 108, a ausência de antecedentes criminais do arguido nada tem de especial, porque é o que devemos esperar e exigir de todos os cidadãos e a verdade é que a inserção laboral e familiar do arguido não o impediu de praticar este crime, em relação ao qual o arguido nem sequer revelou ter qualquer sentido autocrítico.
Também, nesta parte, se impõe a improcedência do recurso.
Resta, por fim, apreciar a pretensão do recorrente de que seja reduzido o montante da compensação fixada por danos não patrimoniais para a quantia de € 5.000,00.
O arguido pretende que em casos mais ou menos semelhantes tal tipo de compensação não ultrapassa aquele valor e que o Tribunal do julgamento ponderou erradamente a situação económica do recorrente.
Na fixação da indemnização, são atendíveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do Direito - art. 496º nº 1 do citado diploma.
«Danos não patrimoniais – são os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização» (Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 6ª edição, volume I, p. 571).
O único requisito de que o art. 496º citado faz depender a ressarcibilidade desta espécie de danos é a sua gravidade.
A gravidade do dano moral é um conceito vago e relativamente indeterminado.
Por isso terá de ser preenchido valorativamente, de forma individualizada, caso a caso, de acordo com o concreto acervo factual adquirido (Acs. do STJ de 30.09.2003, in http://www.dgsi.pt; de 12.03.2009, CJSTJ 2009, tomo 1, p. 140; de 02-07-2009, CJSTJ 2009, tomo 2, p. 156 e de 12.02.2013, in http://www.dgsi.pt).
Em atenção a tal exigência, só serão indemnizáveis os danos não patrimoniais que afectem profundamente valores ou interesses da personalidade física ou moral, medindo-se a gravidade do dano por um padrão objectivo, embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, mas excluindo-se, tanto quanto possível, a subjectividade inerente a alguma particular sensibilidade humana e apreciando-se a gravidade em função da tutela do direito; o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado (neste sentido, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, volume I, 7.ª edição, p. 600 (e 10.ª edição, p. 606); Vaz Serra, RLJ, ano 109.º, p. 115; Rabindranath Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra Editora, 1995, p. 459, Jorge Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, 2003, volume I, p. 491; Dário Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, Almedina, 1980, p. 268).
«Como ponto de partida, a “gravidade” não deve ter a ver com o montante: apenas com a seriedade – ou melhor: a juridicidade – da situação. Na presença de um direito de personalidade, tal “gravidade” tem-se como consubstanciada: a indemnização deve ser arbitrada» (Meneses Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral, Tomo III, Pessoas, Almedina 2004, p. 112. No mesmo sentido, Acs. do STJ de 17.11.2005, CJSTJ 2005, tomo 3, p. 127; de 29.10.2008; de 18.02.2009; de 25.11.2009, todos estes, in http://www.dgsi.pt; de 16.09.2010, CJSTJ 2010, tomo 3, p. 98; de 30.11.2010, CJSTJ 2010, tomo 3, p. 200; de 23.02.2011; de 13.09.2011, in http://www.dgsi.pt; de 28.02.2012, CJSTJ 2012, tomo 1, p. 105; de 24-05-2012, in http://www.dgsi.pt).
O montante pecuniário da compensação deve fixar-se equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias a que se reporta o artigo 494º do Código Civil (artigo 496º nº 3, primeira parte, do Código Civil).
No caso de a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem (artigo 494º do Código Civil).
As circunstâncias a que, em qualquer caso, o artigo 496º nº 3, manda atender são o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
Ao contrário do que sucede com os danos patrimoniais em que impera o princípio da reconstituição natural e, subsidiariamente, o da indemnização por equivalente, como forma de repor a esfera jurídica do lesado, no estado em que estaria, se não fosse a verificação dos danos, quando estes têm natureza não patrimonial, do que se trata é de mitigar o sofrimento provocado, de proporcionar ao lesado determinadas satisfações que contrabalancem as dores causadas pela lesão.
«A satisfação ou compensação dos danos morais não é uma verdadeira indemnização, no sentido de um equivalente do dano, isto é, de um valor que reponha as coisas no seu estado anterior à lesão. Trata-se apenas de dar ao lesado uma satisfação ou compensação do dano sofrido, uma vez que este, sendo apenas moral, não é susceptível de equivalente» (Vaz Serra, Reparação dos danos não patrimoniais, in BMJ nº 83, pp. 69 e seguintes, especialmente, p. 83. No mesmo sentido, Maria Manuel Veloso, Danos não patrimoniais, trabalho inserto no volume III, Direito das Obrigações, da obra Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, Coimbra Editora, 2007, p. 499).
Daqui resulta a sua natureza essencialmente compensatória.
«A indemnização por danos não patrimoniais deve possibilitar ao lesado uma verba que, de algum modo, o compense de dores, contrariedades e desgostos, através de algumas alegrias e prazeres» (Ac. da Relação de Évora de 13.11.79 in Col. Jur., Tomo V, p. 1553. No mesmo sentido, Acs. do STJ de 26.1.94, CJ, ASTJ, Tomo I, P. 65; da Relação de Lisboa de 4.5.95, CJ, Tomo III, p. 95; Acs. do STJ de 20.11.2003; de 25.03.2004; de 29.10.2008; de 13.01.2009; de 08.09.2009, in http://www.dgsi.pt), «oferecendo ao lesado uma justa contrapartida que contrabalance o mal sofrido, pelo que não pode assumir feição meramente simbólica» (Ac. do STJ de 23.04.2008, in http://www.dgsi.pt. No mesmo sentido, Acs. do STJ de 23.02.2011; de 13.09.2011; de 23.02.2012; de 20.11.2012; de 14.02.2013, também in http://www.dgsi.pt).
Mas, a fixação do montante da compensação não prescinde também da ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente causadora dos prejuízos, sendo, de resto, nesta vertente sancionatória que deverá ser atendido o grau de culpa do lesante.
«A indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa compensar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente». Antunes Varela, Das obrigações em Geral, Volume I Almedina, 9.ª edição, 1998, p. 502: No mesmo sentido, Galvão Telles, em Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 4.ª edição, 1982, págs. 304 e 305 e nota 1; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10.ª edição, 2006, págs. 604 e 605; Meneses Cordeiro, Da Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Comerciais, Lex, 1997, p. 481 No mesmo sentido, Acs. do STJ de 25.05.2006; de 13.09.2007; de 14.10.2008; de 19.05.2009 e de 12.02.2013, in http://www.dgsi.pt).
No cálculo do montante da compensação é essencial o recurso a juízos de equidade, conforme dispõe o art. 496º do C.C., em que sejam tidas em conta circunstâncias como a extensão e gravidade dos danos, a idade, sexo, sensibilidade do indemnizando, o sofrimento por ele suportado, a sua situação sócio-económica, a natureza das suas actividades e expectativas ou possibilidades de melhoramento ou de reclassificação ao nível académico ou profissional, o grau de culpa do agente e a situação sócio-económica deste, assim como a todas as outras circunstâncias que contribuam para uma solução equitativa, já que a equidade é justamente o critério reparador adequado a neutralizar, quer o risco de que a quantia da compensação seja de tal modo elevada que redunde no enriquecimento injusto e despropositado do lesado, quer o de que esse quantitativo seja a tal ponto irrisório, que acabe por  ser meramente simbólico (Dário Martins de Almeida in “Manual de Acidentes de Viação”, 2.ª ed., 1980, pp. 103 e 104; Sousa Dinis, «Dano Corporal em Acidentes de Viação, CJ, Acs. do STJ, Tomo I, 2001, p. 5 e ss.; Menezes Cordeiro, «A Decisão Segundo a Equidade», in «O Direito», Ano 122º, 1990, II (Abril-Junho), pág. 261 segs.).
Quanto à compensação, a decisão recorrida tem o seguinte teor (transcrição parcial):
Como resultou da discussão da causa, concretamente, dos factos elencados em 7) a 24, ficou ainda provado que:
A Assistente ficou encurralada entre os cacifos e o corpo do Arguido, limitando os seus movimentos, razão pela qual não conseguiu soltar-se e afastar do arguido, no momento referido em nove,
Ao forçar a introdução dos seus dedos e posteriormente do seu pénis dentro da vagina da demandante, o demandado provocou-lhe dores, que perduraram vários dias.
A conduta do Demandado supra descrita provocou ainda na demandante sentimentos de angústia e de ansiedade pelas circunstâncias, pelo modo violento como ocorreu e pela quebra de confiança que tinha naquele enquanto seu colega de trabalho.
Sentiu-se ainda vexada e humilhada, nomeadamente por a agressão ter ocorrido no seu local de trabalho por um colega em quem confiou e da circunstância de tais factos terem chegado ao conhecimento dos seus colegas de trabalho, de superiores hierárquicos e até de clientes do estabelecimento comercial, o que levou a Demandante a evitar a sua deslocação àquele local e culminou com a sua mudança de entidade patronal.
Mais se sente vexada por ter que se expor e relatar os factos perante várias pessoas até ao final do julgamento.
Gomo consequência directa e necessária da conduta do demandado supra descrita, a demandante desenvolveu um receio de intimidade, o que levou a um desgaste da sua relação com o seu então companheiro.
Como consequência directa e necessária da conduta do demandado supra descrita, a demandante sentia vergonha de si própria e do seu corpo, que sentia sujo e conspurcado desde a relação forçada pelo Arguido.
Desde da data referida em 3), que a demandante entrou em estado depressivo, tendo constantes estados de pânico e períodos de choro,
Bem como fortes dores de cabeça, insónias e perda de apetite
A conduta do demandado, que já tivemos oportunidade de analisar supra, e para onde se remete na integra, constitui inequivocamente uma conduta ilícita e culposa.
Por outro lado, a conduta do demandado, além das dores, causou na demandada profunda ansiedade, angústia, vergonha, humilhação, insónia e ataques de pânico, bem como limitações e condicionamentos na sua íntima e sexualidade.
Assim, estamos perante danos de tal modo graves que justifiquem a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária à lesada.
Por dano grave deve assim entender-se aquele que sai da mediania, que ultrapassa as fronteiras da banalidade. É um dano considerável o que reflecte a intensidade de uma dor, duma angústia, de um desgosto, de um sofrimento moral que segundo a experiência torna inexigível a resignação perante ele.
(…)
Pelos factos descritos, nos termos do art. 496° do CCivil, entendemos adequado fixar os danos não patrimoniais devidos, no montante peticionado, ou seja, em € 10.000,00 (dez mil euros) valor esse que se considera equitativo, face ao seu nível social, cultural e económico do Arguido (fim de transcrição).
Deste trecho, resulta que a situação económica do arguido foi ponderada, como não podia deixar de ser, não se afigurando que o montante fixado seja impossível de cumprir pelo arguido, face aos seus rendimentos.
E o que é certo é que a compensação por danos não patrimoniais tem um componente sancionatória que não pode ser desconsiderada e que o grau de culpa e de violação dos deveres impostos é muito acentuado, assim como são graves as consequências do crime sofridas pela vítima, pois que perduram até ao presente, decorridos que se mostram cerca de cinco anos.
Por essas razões, também não será alterado o montante da compensação por se mostrar ajustado à gravidade dos danos e compatível com os critérios de equidade acima mencionados.
O recurso improcede, pois, também nesta parte.
III – DISPOSITIVO
Termos em que decidem, neste Tribunal da Relação de Lisboa:
Em conceder parcial provimento ao presente recurso, determinando a alteração do ponto 10 da matéria de facto provada, o qual passará a ter a seguinte redacção:
10. Acto contínuo, a assistente recuou para a zona dos cacifos.
Quanto ao mais, negar provimento ao recurso, confirmando, na parte restante, o acórdão recorrido.
Custas pelo arguido, que se fixam em 5 UCs – art. 513º do CPP.
Notifique.
*
Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art. 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria, pela Mma. Juíza Adjunta e pelo Mmo. Juiz Presidente da Secção.

Tribunal da Relação de Lisboa, 1 de Julho de 2020
Cristina Almeida e Sousa
Florbela Sebastião e Silva
João Moraes Rocha