Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
16430/19.1T8LSB.L1-7
Relator: MICAELA SOUSA
Descritores: CONTRATO PROMESSA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
RESOLUÇÃO
OBRIGAÇÃO PRINCIPAL
OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/26/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1 - O incumprimento definitivo do contrato-promessa pode verificar-se por ter sido inobservado o prazo fixo essencial determinado para a prestação; ou por ter o credor, em consequência da mora da outra parte, perdido o interesse que tinha na prestação ou por, encontrando-se o devedor em mora, não realizar a sua prestação dentro do prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor, conforme decorre do artigo 808.º, n.º 1 do Código Civil.
2 – Para além dos casos em que a mora faz desaparecer o interesse do credor na prestação, outros há em que, independentemente da perda do interesse, não se justifica obrigar o credor a aguardar indefinidamente pelo cumprimento, podendo este, perante a mora do devedor, fixar-lhe um prazo suplementar razoável – mas peremptório – dentro do qual se deverá verificar o cumprimento, sob pena de resolução automática do negócio.
3 - A interpelação admonitória deve conter três elementos: a) a intimação para o cumprimento; b) a fixação de um termo peremptório para o cumprimento; c) a admonição ou a cominação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo.
4 - A obrigação principal decorrente da celebração do contrato-promessa é a emissão da declaração de vontade para a celebração do contrato definitivo; simultaneamente, podem dele emergir obrigações secundárias, funcionalmente ao serviço da principal que, não devendo ser confundidas com os deveres acessórios decorrentes do princípio da boa fé, são verdadeiras obrigações, susceptíveis de existência autónoma.
5 – Se as partes nada convencionarem sobre os efeitos da falta de cumprimento de uma obrigação secundária, o regime sancionatório previsto para o sinal apenas terá lugar, em princípio, se a obrigação incumprida for a obrigação principal e típica do contrato.
6 – Todavia, o direito de resolução poderá existir também relativamente à violação de uma obrigação secundária ou acessória, impondo-se aferir da importância da obrigação violada, por referência ao interesse do credor e no contexto do quadro contratual concretamente em presença.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
A, residente na Rua … Montijo intentou contra B  e C, ambos residentes na Rua … Lisboa a presente acção declarativa de condenação, com processo comum formulando os seguintes pedidos:
a) A declaração da resolução ilícita do contrato promessa celebrado em 8 de Junho de 2018, operada pelos Réus, devendo estes, em consequência, serem condenados a restituir ao autor a quantia de 18 400,00 € (dezoito mil e quatrocentos euros), paga a título de sinal, acrescida de juros moratórios à taxa legal em vigor, desde a data da resolução, até efectiva e integral restituição do sinal;
b) A condenação dos réus no pagamento ao autor da quantia de 27 000,0 € (vinte e sete mil euros), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal em vigor, desde a data da citação e até integral e efectivo pagamento, a título de danos patrimoniais.
Alega, para tanto, em síntese, o seguinte:
- Os réus são donos da fracção autónoma designada pela letra “O”, correspondente ao nono andar A, do prédio urbano sito no Campo Grande, Avenida ...., freguesia de Alvalade, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da aludida freguesia;
- Por contrato celebrado em 8 de Junho de 2018, intitulado de “contrato promessa de compra e venda e recibo de sinal”, os réus prometeram vender ao autor, e este prometeu comprar “totalmente devoluta de pessoas e bens, livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades, nas condições que não podem ser inferiores às actualmente existentes”, a referida fracção autónoma identificada, mediante o preço de 368 000,00 € (trezentos e sessenta e oito mil euros);
- A título de sinal e princípio de pagamento, o autor entregou aos réus, na data da celebração do contrato, a quantia de 18 400,00 € (dezoito mil e quatrocentos euros);
- O remanescente do preço deveria ser pago, entre os meses de Agosto de 2018 e Fevereiro de 2019 e o restante no acto de celebração da escritura pública de compra e venda, conforme cláusula 2ª do contrato;
- Por carta datada de 08 de Maio de 2019, o 1º réu resolveu o contrato-promessa sem que se verificassem os pressupostos para tanto, como a perda de interesse;
- O pagamento das prestações do preço reporta-se a prestações próprias do contrato prometido, assumindo a natureza de uma obrigação secundária ou acessória, cujo incumprimento não confere o direito à resolução;
- A falta de pagamento das prestações deveu-se apenas ao réu, porquanto as condições da fracção autónoma deveriam manter-se idênticas às existentes no momento da celebração do contrato-promessa, o que não sucedeu, pois, findo o arrendamento existente, em Agosto de 2018, ao visitar o imóvel constatou o seu péssimo estado, levando a que as partes adiassem o pagamento da segunda prestação acordada, até que o imóvel fosse reposto nas condições que existiam em 8 de Junho de 2018, o que nunca fizeram;
- A fracção apresenta desconformidade ao nível da sua tipologia, entre a caderneta predial e a planta do prédio que impede a obtenção do certificado de eficiência energética, indispensável para a realização da escritura do contrato de compra e venda prometido;
- Ainda não tinham decorrido os 330 dias fixados para a celebração da escritura do contrato definitivo, pelo que em 15 de Março de 2019 não se encontrava o autor em mora;
- Na carta de interpelação, o réu não toma posição quanto ao incumprimento da obrigação, deixando apenas um aviso, pelo que a mora não se converteu em definitiva;
- O autor pretendia revender o imóvel, considerando a sua localização e por ter sido remodelado e apresentar excelentes condições de conservação, o que já não se verificava no final de Agosto de 2018, pelo que os réus, ao pretenderem resolver o contrato-promessa, actuam em abuso de direito;
- O autor já tinha um interessado na aquisição, tendo fechado o futuro negócio pelo preço de 395 000,00 € (trezentos e noventa e cinco mil euros), negócio que se frustrou com a resolução, tendo deixado de obter o valor de 27 000,00 € (vinte e sete mil euros), a título de mais-valias.
Os réus contestaram alegando, muito em síntese, o seguinte (cf. Ref. Elect. 25331497):
- Na altura da celebração do contrato-promessa, os RR. tinham o imóvel arrendado, surgindo a intenção de proceder à sua venda com a apresentação de proposta pelo autor;
- No decurso do mês de Agosto de 2018, o autor contactou o 1º R. para adiamento do prazo do primeiro reforço, ficando verbalmente estipulado entre os dois que o pagamento em atraso seria feito até ao dia 25 de Setembro de 2018, o que não sucedeu e originou a primeira carta enviada a solicitar o pagamento em falta, devolvida por não ter sido levantada pelo autor;
- O autor continuou em mora e não pagou as prestações seguintes, tendo-lhe sido enviadas novas cartas a interpelar para o pagamento, alertando-se expressamente, na carta de 25 de Março de 2019, que a falta dos pagamentos em dívida e/ou resposta no aludido prazo relevaria enquanto incumprimento definitivo do contrato, com a consequente responsabilidade contratual e pré-contratual daí decorrente;
- O autor não pagou nenhum dos três reforços de sinal e não procedeu à marcação da escritura de compra e venda nem no prazo estipulado no contrato-promessa, nem no prazo peremptoriamente conferido pelo 1º R. na missiva remetida a 15 de Março de 2019, pelo que foi enviada a carta de 8 de Maio de 2019 a resolver o contrato-promessa;
- As partes estipularam o prazo de 330 (trezentos e trinta dias) para a outorga da escritura de compra e venda, ou seja, até dia 3 de Maio de 2019 e o autor nunca procedeu à marcação da escritura, tendo as partes estipulado um termo final fixo para a celebração do contrato definitivo, cujo cumprimento era essencial para a concretização do negócio;
- Extinto o contrato-promessa a proposição desta acção configura uma situação de abuso de direito;
- Em face do incumprimento dos reforços do sinal e da marcação da escritura os réus perderam o interesse na prestação, posto que não tinham de ficar indefinidamente à espera de uma resposta;
- As condições do imóvel em Agosto de 2018 eram irrelevantes para efeitos do cumprimento do contrato, pois o que relevava eram as condições a existir na data da celebração do contrato definitivo, para além do que a desconformidade quanto à tipologia nunca foi questão suscitada pelo autor, para além de o imóvel possuir certificado energético;
Os réus pugnam pela licitude da resolução do contrato-promessa, com a sua consequente absolvição dos pedidos e pedem a condenação do autor como litigante de má fé, por ter deduzido uma pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, pois teve conhecimento das várias missivas remetidas pelo primeiro réu e alterou a verdade dos factos e omitiu outros relevantes para a decisão da causa e pedem ainda a sua condenação no pagamento de uma indemnização para ressarcimento dos danos não patrimoniais suportados.
De modo espontâneo, o autor pronunciou-se sobre as excepções deduzidas, em requerimento de 10 de Fevereiro de 2020 e, bem assim, sobre o pedido de condenação como litigante de má fé, sustentando a respectiva improcedência (cf. Ref. Elect. 25489026).
Dispensada a realização de audiência prévia e fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova (cf. Ref. Elect. 405372957), realizou-se a audiência final, e em 25 de Janeiro de 2022 foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, constando do seu dispositivo o seguinte (cf. Ref. Elect. 410840651):
“A) Absolvem-se os RR., B e C, da totalidade dos pedidos contra si formulados nos presentes autos pelo A., A;
B) Condena-se o A., A, como litigante de má fé, no pagamento de uma multa no valor de 3 UC´s e de uma indemnização a ambos RR., B e C, no valor de 3.000,00 euros (três mil euros), acrescida de juros de mora, contabilizados às taxas legais em vigor para as obrigações civis, desde a data do trânsito em julgado da presente decisão até efectivo e integral pagamento.
Custas pelo A..”
Inconformado com esta sentença, dela vem o autor interpor o presente recurso, cujas alegações concluiu do seguinte modo (cf. Ref. Elect. 31757667):
1. Na decisão recorrida foi dada como provado, e não provado, matéria de facto que não tem respaldo quer na prova documental junto aos autos na fase dos articulados, quer na produção de prova testemunhal e nas declarações de parte prestadas pelo Autor em sede de audiência de discussão e julgamento.
2. Com efeito, analisado o teor dos depoimentos das três testemunhas arroladas pelos Réus conclui-se que, em lado algum, se consegue encontrar um facto que permita fixar o momento temporal em que terá ocorrido a limpeza do imóvel objecto do CPCV em discussão nos presentes autos, isto é, se essa limpeza ocorreu antes ou depois da resolução do CPCV. (sublinhado nosso)
3. Mesmo que se diga que essa limpeza ocorreu em data posterior aos arrendatários terem restituído o locado aos Réus, a verdade é que esse facto poderá “casar” em qualquer momento, seja uns dias ou semanas depois dessa restituição, seja uns meses depois.
4. Contudo, o que é verdade, é que não foi possível apurar da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento se tal ocorreu, efectivamente, antes ou depois da resolução do CPCV.
5. À mesma conclusão se chegará quanto à remoção da parede que foi levantada pelos arrendatários no imóvel objecto do CPCV.
6. Por outro lado, e no que tange à remoção da aludida parede, trata-se de um facto que apenas foi aludido em julgamento pela testemunha Carlos …, sendo que a testemunha Julieta ...... havia mencionado no seu depoimento a existência da mesma.
7. Ora, não tendo o tribunal colocado em crise a seriedade e veracidade deste último depoimento, e dada a existência de dois depoimentos contraditórios, deveria a sentença recorrida ter apenas dado parcialmente como provado o ponto 10.º da matéria assente.
8. Em consequência, dado não se saber o momento em que ocorreu a limpeza e não ter ficada provada a remoção da parede, deveria o ponto 10.º da matéria de facto provada ter sido assente apenas nos seguintes termos: “Os RR. limparam o apartamento, em data não concretamente apurada”.
9. A entender-se o contrário, deveria então a decisão recorrida ter considerado como assente a limpeza e a remoção da parede como realizadas em data não concretamente apurada, nos seguintes termos: “Os RR. limparam o apartamento e retiraram as paredes levantadas entre a sala e a cozinha, em data não concretamente apurada”.
10. Acresce que, deverá o ponto 29 da matéria de facto assente ser apenas julgado parcialmente provado, dando-se como não provado, por não responder à verdade, que o Autor “não os voltou a contactar até à interposição da presente acção”.
11. Na verdade, se a carta de resolução do CPCV de 08/05/2019, junta como doc. 5 na PI, era remetida com conhecimento da Advogada AAC ..., mandatária do Autor, como se comprova dos autos, forçoso será concluir que este último interveniente processual constituiu mandatário para resolver o contencioso objecto dos autos, como aliás havia informado os Réus no doc. 6 junto com a PI, e desse facto já tinham conhecimento, pelo que a não ser assim não se percebe então o motivo daquela menção.
12. Acresce ainda que, não deverá ser dada como assente a matéria dos pontos 33 e 34 da matéria dada como provada.
13. Na verdade, nenhuma das três testemunhas arroladas pelos Réus mencionou que os Réus passaram noites sem dormir, tivessem desequilíbrio emocional ou confusão psicológica, nem, muito menos, foi junto aos autos qualquer documento médico que permitisse à decisão recorrida atestar e comprovar estes factos.
14. O homem médio colocado perante estes factos concluiria que o estado clínico de desequilíbrio emocional ou confusão psicológica só poderá ter como causa uma doença do foro psíquico, já previamente existente, e não a frustração de um negócio.
15. O mesmo se dirá do desgaste físico, que os Réus dizem ser consequência da frustração de um negócio. Não será antes fruto da idade!!!!
16. Por outro lado não se alcança como poderá o 1.º Réu ter padecido de problemas físicos e emocionais na sequência da frustração do negócio dado que a sua actividade profissional foi dedicada à área da saúde, actividade certamente exposta, essa sim, ao stress, sendo que não estamos a falar de um individuo qualquer mas sim de uma pessoa instruída e qualificada.
17. Entende ainda o recorrente que relativamente ao ponto 33 e 34 da matéria de facto assente os testemunhos prestados pelas testemunhas dos Réus em nada poderiam ter contribuído para essa prova, dado terem de ser considerados como feridos de credibilidade.
18. Se dúvidas houvesse bastará ver as “palavras-chave” que por todas essas testemunhas foram alegadas em sede de julgamento, em modo de orquestra ornamentada, como seja que os Réus padeceram de “ansiedade” em virtude da sua “idade” ou que os Réus são pessoas “correctas “ e “honestas”.
19. A tudo acresce que deverá ser aditado ao rol dos factos dados como provados, um artigo no qual se incorpore a matéria alegada nos artigos 27 e 28 da PI, nos seguintes termos: “a caixilharia do apartamento encontrava-se riscada e sem isolamento, com diversos armários possuindo madeira partida ou em péssimo estado de conservação”.
20. Na verdade, por nenhuma das três testemunhas arroladas pelos Réus foi alegado que os problemas encontrados no chão, nos rodapés ou que os vidros e calhas partidos haviam sido reparados, tendo ao invés o depoimento da testemunha Julieta ... os detalhado, testemunho que a decisão recorrida jamais colocou em crise
21. Por fim, deverão os artigos 31.º - 2.ª parte, 32.º e 33.º alegados na PI, serem dados como provados, dado que o Autor aquando das suas declarações mencionou que o pagamento da 2.ª prestação ficou pendente da limpeza do imóvel e remoção das paredes, dado que não foi contrariado em sede de julgamento, não tendo inclusive ficado provado que os Réus informaram o Autor dessas diligências.
22. Não obstante, entende-se ainda que a resolução do contrato promessa operada pelo 1.º Réu é ilícita, ao contrário do decidido pela decisão recorrida, porquanto não se verificaram no caso concreto, os pressupostos de que depende a verificação de uma situação de incumprimento definitivo, tendo por conseguinte a decisão recorrida aplicada de forma incorrecta o artigo 808.º do CC em face da matéria de facto provada.
23. Antes demais, refira-se que a carta de 25/03/2019, através da qual os Réus realizaram uma interpelação admonitória, a qual vem mais tarde a respaldar a conversão da mora em incumprimento definitivo, na carta de 08/05/2019, não é apta a indicar que perder-se-á o interesse na realização do contrato definitivo de compra e venda,
24. na medida em que se assim fosse aquela primeira missiva teria de ter comunicado a resolução do CPCV, dado que a verdadeira interpelação admonitória ocorreu na carta de 15/03/2019, dado que o conteúdo das ditas missivas é precisamente o mesmo.
25. Acresce que, a entender-se, como fez a instância recorrida, que a missiva de 25/03/2019 constitui uma verdadeira interpelação admonitória ter-se-á então de entender que nela não é concedido um prazo razoável, nos termos do artigo 808.º do CC, para que o Autor cumprisse as suas obrigações.
26. Acresce ainda que a carta admonitória de 25/03/2019 definiu o objecto da carta de resolução de 08/05/2019.
27. Sucede que, por outro lado o Autor não estava obrigado a marcar a escritura pública de compra e venda até ao dia 25/03/2019, podendo o fazer até ao dia 03/05/2019, nos termos da clausula terceira do contrato promessa, pelo que, ao contrário do afirmado quer na carta da resolução quer na sentença recorrida, o Autor não estava obrigado a agendar a escritura até ao final do mês de fevereiro de 2019.
28. A tudo acresce que a interpelação admonitória não reúne a integralidade dos requisitos necessários para que uma mora se converta incumprimento definitivo, na medida em que daquela interpelação não consta uma cominação, que, sem margem para dúvidas, se dissesse que o não pagamento das prestações de preço ou marcação da escritura acarretava de imediato o incumprimento definitivo da obrigação com a consequente resolução do contrato promessa.
29. Note-se que naquela interpelação apenas é mencionado que “relevará enquanto incumprimento definitivo”, sendo de a qualificar como um mero aviso ao Autor.
30. Por fim deverá também entender-se que, ao contrário do decidido na decisão recorrida, quer o não pagamento do reforço do sinal, quer o não agendamento da escritura do contrato prometido, deverá ser imputável aos ora Réus,
31. pois que tendo as partes acordado em adiar o pagamento da segunda prestação com o compromisso de a limpeza do imóvel ser realizada e a parede removida, e nunca tal ter sido transmitido ao Autor, não poderia impor-se que o recorrente procedesse ao pagamento do preço nem ao agendamento da escritura,
32. o mesmo sucedendo com a desconformidade existente entre a caderneta predial e a planta do prédio que não obstante ter sido o 1.º Réus pelo Autor a sanar tal problema jamais o veio a fazer.
33. Diga-se ainda que não estão verificados os requisitos para que o Autor pudesse ser condenado como litigante de má-fé, na medida em que este se limitou a exercer o seu legítimo direito de acesso aos tribunais, por entender que a resolução do CPCV foi ilícita, não devendo ficar diminuído no exercício daquele seu direito por ser agente imobiliário.
Conclui pelo provimento do recurso e consequente revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que julgue procedentes os pedidos deduzidos.
Os réus/recorridos contra-alegaram pugnando pela rejeição da impugnação da decisão sobre a matéria de facto e pela manutenção da decisão recorrida (cf. Ref. Elect. 32057499).
*
II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil[1], é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95.
Assim, perante as conclusões da alegação do autor/apelante, o objecto do presente recurso consiste na apreciação das seguintes questões:
a) A impugnação da matéria de facto;
b) A validade da interpelação admonitória;
c) O fundamento da resolução do contrato-promessa; sua validade e eficácia;
d) A condenação do autor como litigante de má fé.
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
*
III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como assentes e provados os seguintes factos:
1. Pela Ap. 16 de 2008/11/14, encontra-se registada na 2ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, freguesia do Campo Grande, a aquisição a favor de B, casado com C, no regime de comunhão geral, por dissolução e partilha, da fracção autónoma designada pela letra “O”, correspondente ao nono andar A, do prédio urbano sito no Campo Grande, Av. Estados Unidos da América, n.º ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº .../20070313 e inscrito na matriz predial urbana, sob o art.º 298 da freguesia de Alvalade.
2. Por contrato, datado de 8 de Junho de 2018, intitulado de “Contrato promessa de compra e venda e recibo de sinal”, os Réus prometeram vender ao Autor, e este prometeu comprar “totalmente devoluta de pessoas e bens, livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades, nas condições que não podem ser inferiores às atualmente existentes”, a fracção autónoma designada pela letra “O”, correspondente a habitação localizada no Piso 9, 9º andar letra A, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Av. Estados Unidos da América, nº 127, freguesia de Alvalade, concelho de Lisboa.
3. O preço ajustado para o referido negócio foi de 368 000,00€ (trezentos e sessenta e oito mil euros).
4. A título de sinal e princípio de pagamento, o Autor entregou aos Réus, no dia 8 de Junho de 2018, a quantia de 18 400,00 € (dezoito mil e quatrocentos euros).
5. O remanescente do preço deveria ser pago da seguinte forma:
a) 18 400,00 € (dezoito mil e quatrocentos euros), no mês de agosto de 2018;
b) 25 000,00 € (vinte e cinco mil euros), no mês de Dezembro de 2018;
c) 25 000,00 € (vinte e cinco mil euros), no mês de Fevereiro de 2019;
d) 281 200,00 € (duzentos e oitenta e um mil e duzentos euros), no acto da celebração da escritura pública de compra e venda, a ser efectuada durante o mês de Fevereiro de 2019.
6. A escritura de compra e venda do contrato prometido deveria ser celebrada no prazo máximo de trezentos e trinta dias, a contar da data da assinatura do contrato-promessa, cabendo, dentro do mencionado lapso temporal, a sua marcação ao promitente-comprador.
7. Consta da Cláusula 7ª do contrato-promessa que as comunicações escritas entre os outorgantes serão efectuadas por carta registada com aviso de recepção para as moradas indicadas no preâmbulo do presente contrato-promessa e que, se a carta não for reclamada, poderá o remetente da mesma dirigir uma carta subsequente por correio simples registado, bem como por correio electrónico para os respectivos endereços electrónicos facultados pelos outorgantes por ocasião do presente contrato-promessa, considerando-se a notificação efectuada no terceiro dia útil posterior ao desse envio.
8. Na fracção autónoma objecto do referido contrato-promessa vigorou, até dia 31 de Agosto de 2018, um contrato de arrendamento celebrado entre os Réus, na qualidade de senhorios, e terceiros.
9. Findo esse arrendamento, a fracção autónoma encontrava-se suja, com mau cheiro e com paredes levantadas entre a sala e a cozinha.
10. Os RR. limparam o apartamento e retiraram as paredes levantadas entre a sala e a cozinha.
11. O imóvel objecto do contrato-promessa foi colocado à venda, sendo anunciado o preço de 435 000,00 €.
12. A fracção prometida vender padecia de uma desconformidade ao nível da sua tipologia, entre a caderneta predial e a planta do prédio, na medida em que, enquanto aquele primeiro documento alude a um T2, a planta, bem como a licença de utilização, alude a um T3.
13. As partes acordaram verbalmente em adiar o pagamento pelo A. aos RR. do primeiro reforço de sinal até ao final de Setembro de 2018.
14. O A. não procedeu ao pagamento deste reforço de sinal, nem de qualquer outra parte do preço, e não procedeu à marcação da escritura pública de compra e venda do imóvel identificado em 1..
15. O R. enviou ao A., para a morada indicada pelo mesmo no contrato-promessa, uma carta registada com AR e datada de 25 de Setembro de 2018, sob o assunto “Contrato-Promessa de Compra e Venda celebrado com o Exmo. Sr. Dr. B, da qual consta que:
(…) vimos pela presente relembrar V.Exa. de que se encontra em mora o reforço de sinal devido no mês de Agosto do corrente ano.
Destarte, concedemos a V.Exa. o prazo máximo de 5 (cinco) dias para transferir nos termos da contratada cláusula segunda o montante de 18.400,00 euros sanando a moratória, findo o qual, (…), serão accionadas as competentes entidades.
Acresce que, atento o inadimplemento do prazo seriam devidos juros de mora, calculados à taxa legal em vigor de 4%, que por indicação expressa do N/ cliente e por ora lhe serão perdoados caso cumpra o pagamento em crise. (…)”.
16. Esta carta foi devolvida ao remetente com a menção de “Objecto não reclamado”.
17. O R. enviou ao A., para a morada indicada pelo mesmo no contrato-promessa, uma carta registada com AR e datada de 1 de Fevereiro de 2019, sob o assunto “Contrato Promessa de Compra e Venda celebrado com o Exmo. Sr. Dr. B”, da qual consta que:
(…) vimos, mais uma vez, pelo presente interpelar e relembrar que se encontra em mora no que respeita ao reforço de sinal, devido no mês de Agosto de 2018 e advertir que se encontra igualmente em mora relativamente ao segundo reforço do sinal que, nos termos do número um da Cláusula Segunda daquele contrato, deveria ter sido pago em Dezembro de 2018.
Nestes termos, concede-se a V.Exa. o prazo máximo de 5 (cinco) dias úteis contados da presente para que venha junto da parte cumpridora sanar as moratórias, (…), sob pena de recurso aos correlatos mecanismos legais.
Mais se informa que ao pagamento ora interpelado, sempre terão que acrescer os devidos juros de mora legais vencidos à taxa legal de 4% (…)”.
18. Esta carta foi devolvida ao remetente com a menção de “Objecto não reclamado”.
19. O R. enviou ao A., para a morada indicada pelo mesmo no contrato-promessa, uma carta registada com AR e datada de 1 de Março de 2019, sob o assunto “ Contrato Promessa de Compra e Venda celebrado com o Exmo. Sr. Dr. B”, da qual consta que:
(…) vimos, mais uma vez, pelo presente interpelar e relembrar que se encontra em mora no que respeita ao reforço de sinal, devido no mês de Agosto de 2018 e advertir que se encontra igualmente em mora relativamente ao segundo reforço do sinal que, nos termos do número um da Cláusula Segunda daquele contrato, deveria ter sido pago em Dezembro de 2018.
Nestes termos, concede-se a V.Exa. o prazo máximo de 5 (cinco) dias úteis contados da presente para que venha junto da parte cumpridora sanar as moratórias, (…), sob pena de recurso aos correlatos mecanismos legais.
Mais se informa que ao pagamento ora interpelado, sempre terão que acrescer os devidos juros de mora legais vencidos à taxa legal de 4% (…)”.
20. Esta carta foi devolvida ao remetente com a menção de “Objecto não reclamado”.
21. O R. enviou ao A., para a morada indicada pelo mesmo no contrato-promessa, uma carta registada com AR e datada de 15 de Março de 2019, sob o assunto “ Contrato Promessa de Compra e Venda celebrado com o Exmo. Sr. Dr. B”, da qual consta que:
(…) vimos, mais uma vez, pelo presente interpelar e relembrar que se encontra em mora no que respeita aos seguintes reforços de sinal convencionados pelas partes:
i) Primeiro reforço devido no mês de Agosto de 2018.
ii) Segundo reforço que deveria ter sido pago em Dezembro de 2018.
iii) Terceiro reforço vencido em Fevereiro de 2019.
Nestes termos concede-se a V.Exa. o prazo máximo de 5 (cinco) dias úteis contados da recepção da presente para que venha junto da parte cumpridora sanar as moratórias e ser desse modo integralmente cumprido o acordado, sob pena do recurso aos correlativos mecanismos legais.
Mais se informa que ao pagamento ora interpelado, sempre terão de acrescer os devidos juros de mora legais vencidos à taxa legal de 4% (…)
(…) atento a que (…) deveria ter sido agendada por V.Exa. a escritura ali prometida, queira, identicamente no prazo máximo de cinco dias úteis ou seja até 25/03/2019, proceder a tal marcação e concomitantemente pagamento dos 281.200,00 euros (…).
A falta dos pagamentos em dívida e/ou resposta positiva à presente missiva no aludido prazo relevará enquanto incumprimento definitivo do contrato com a consequente responsabilidade contratual e pré-contratual daí decorrente e/ou todas e demais consequências aplicáveis. (…)”.
22. Esta carta foi devolvida ao remetente com a menção de “Objecto não reclamado”.
23. O R. enviou ao A., e este recebeu, uma carta datada de 25 de Março de 2019, sob o assunto “Contrato Promessa de Compra e Venda celebrado com o Exmo. Sr. Dr. B”, da qual consta que:
(…) vimos, mais uma vez, pelo presente interpelar e relembrar que se encontra em mora no que respeita aos seguintes reforços de sinal convencionados pelas partes:
iv) Primeiro reforço devido no mês de Agosto de 2018.
v) Segundo reforço que deveria ter sido pago em Dezembro de 2018.
vi) Terceiro reforço vencido em Fevereiro de 2019.
Nestes termos concede-se a V.Exa. o prazo máximo de 5 (cinco) dias úteis contados da recepção da presente para que venha junto da parte cumpridora sanar as moratórias e ser desse modo integralmente cumprido o acordado, sob pena do recurso aos correlativos mecanismos legais.
Mais se informa que ao pagamento ora interpelado, sempre terão de acrescer os devidos juros de mora legais vencidos à taxa legal de 4% (…)
(…) atento a que (…) deveria ter sido agendada por V.Exa. a escritura ali prometida, queira, identicamente no prazo máximo de cinco dias úteis ou seja até 25/03/2019, proceder a tal marcação e concomitantemente pagamento dos 281.200,00 euros (…).
A falta dos pagamentos em dívida e/ou resposta positiva à presente missiva no aludido prazo relevará enquanto incumprimento definitivo do contrato com a consequente responsabilidade contratual e pré-contratual daí decorrente e/ou todas e demais consequências aplicáveis. (…)”
24. O R. enviou ao A., para a morada indicada pelo mesmo no contrato-promessa, uma carta registada com AR e datada de 8 de Maio de 2019, sob o assunto “Resolução do Contrato Promessa de Compra e Venda celebrado com o Exmo. Sr. Dr. C”, na qual o 1º Réu resolveu o contrato promessa de compra e venda celebrado entre as partes, “nos termos e para os efeitos do número dois do artigo 432.º e ss. e do artigo 808.º ambos do Código Civil in fine e ainda da Cláusula Quarta daquele clausulado”.
25. Consta dessa carta que: “(…) não obstante o prazo conferido em 15-03-2019, certo é que nunca veio a ser sanada a mora inerente aos vários reforços de sinal e ao pagamento do remanescente do preço todos vencidos, em dívida e melhor clausulados no número um da Cláusula Segunda. De igual modo, não procedeu sequer V.Exa. como se adscrevera a agendar no prazo previsto na Cláusula Terceira a escritura do negócio prometido ou apresentou tempestivamente qualquer pedido de prorrogação (…)”.
26. Esta carta foi devolvida ao remetente com a menção de “Objecto não reclamado”.
27. O R. enviou ao A., e este recebeu, uma carta registada com AR e datada de 31 de Maio de 2019, sob o assunto “Resolução do Contrato Promessa de Compra e Venda celebrado com o Exmo. Sr. Dr. C”, na qual o 1º Réu resolveu o contrato promessa de compra e venda celebrado entre as partes, “nos termos e para os efeitos do número dois do artigo 432.º e ss. e do artigo 808.º ambos do Código Civil in fine e ainda da Cláusula Quarta daquele clausulado”.
28. Consta dessa carta que: “ (…) não obstante o prazo conferido em 15-03-2019, certo é que nunca veio a ser sanada a mora inerente aos vários reforços de sinal e ao pagamento do remanescente do preço todos vencidos, em dívida e melhor clausulados no número um da Cláusula Segunda. De igual modo, não procedeu sequer V.Exa. como se adscrevera a agendar no prazo previsto na Cláusula Terceira a escritura do negócio prometido ou apresentou tempestivamente qualquer pedido de prorrogação (…)”.
29. O A. não deu resposta a qualquer uma das cartas enviadas pelos RR. e não os voltou a contactar até à interposição da presente acção.
30. O A. exerce a profissão de agente imobiliário.
31. O A. pretendia adquirir este imóvel para revender.
32. Os RR. estão ambos reformados.
33. A presente acção tem provocado ansiedade, desgaste físico, psíquico e emocional aos RR..
34. Devido à existência desta acção os RR. passaram algumas noites sem dormir e tiveram desequilíbrio emocional e confusão psicológica.
*
O Tribunal a quo deu como não provados os seguintes factos (que ora se reproduzem, posto que foram apenas indicados por remissão para os artigos dos articulados):
Da petição Inicial
a. O acordado referido em 13. foi até que os Réus restituíssem ao imóvel objecto do contrato-promessa, as condições que existiam em 8 de Junho de 2018 (artigos 31º, segunda parte e 72º);
b. O que os Réus nunca vieram a fazer (artigos 32º e 73º);
c. pese embora as diversas insistências feitas pelo Autor (artigo 33º);
d. atenta a valorização dos imóveis naquela zona, fruto do novo projecto municipal para os terrenos da feira popular (artigo 35º);
e. circunstância que impede a obtenção do certificado de eficiência energética, documento, por conseguinte, indispensável para a realização da escritura do contrato de compra e venda prometido (artigo 39º);
f) Porém, o 1.º Réu nunca se dignou a sanar a mencionada desconformidade, como legalmente lhe competia (artigo 40º);
g) Para tanto, contribuía a localização do imóvel objecto do contrato promessa, o facto de este ter sido remodelado e, em consequência, em excelentes condições de conservação, bem como o recheio que o mesmo possuía (artigo 63º);
h. nunca se dignando os Réus a reporem o imóvel nas mesmas condições em que se encontrava em 8 de Junho de 2018 (artigo 76º);
i. sendo que, para esse efeito, o Autor já tinha inclusive um interessado na referida aquisição, tendo fechado o futuro negócio pelo preço de 395 000,00 € (trezentos e noventa e cinco mil euros) (artigo 80º).
*
O Tribunal recorrido consignou ainda que não se pronunciava sobre o descrito nos artigos 11º, 12º, 13º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º, 30º, 34º, 41º, 45º, 46º, 47º, 48º, 49º, 51º, 52º, 53º, 54º, 55º, 56º, 57º, 58º, 59º, 60º, 61º, 66º, 71º, 74º, 75º, 77º, 78º, 81º, 82º e 83º da petição inicial, por conterem matéria conclusiva e de direito e sobre o descrito nos artigos 19º, 23º, 25º, 26º, 28º a 72º, 74º a 106º, 109º e 110º da contestação, por se destinarem a impugnar os factos descritos na petição inicial ou por conterem matéria conclusiva e de direito.
*
3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
3.2.1. Da Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Estabelece o art.º 662º n.º 1 do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa.
Ao assim dispor, pretendeu o legislador que a Relação fizesse novo julgamento da matéria de facto, fosse à procura da sua própria convicção e, assim, se assegurasse o duplo grau de jurisdição em relação à matéria de facto – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6-12-2016, processo n.º 437/11.0TBBGC.G1.S1[2].
Dispõe o art.º 640º, n.º 1 do CPC:
“Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
À luz do normativo transcrito, afere-se que em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.
Fundando-se a impugnação em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados (existem três tipos de meios de prova: os que constam do próprio processo – documentos ou confissões reduzidas a escrito -; os que nele ficaram registados por escritos – depoimentos antecipadamente prestados ou prestados por carta, mas que não foi possível gravar -; os que foram oralmente produzidos perante o tribunal ou por carta e que ficaram gravados em sistema áudio ou vídeo), o recorrente deve especificar, na motivação, aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
O recorrente deve consignar, na motivação do recurso, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, o que é exigido no contexto do ónus de alegação, de modo a evitar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente.
De notar que a exigência de síntese final exerce a função de confrontar o recorrido com o ónus de contra-alegação, no exercício do contraditório, evitando a formação de dúvidas sobre o que realmente pretende o recorrente – cf. A. Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 142, nota 228.
Abrantes Geraldes pugna no sentido de que “A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, n.º 4, e 641º, n.º 2, al. B));
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v. g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.” – cf. op. cit., 2016, 3ª edição, pág. 142.
É conhecida a divergência jurisprudencial quanto a saber se os requisitos do ónus impugnatório previstos no normativo legal supra transcrito, devem figurar apenas no corpo das alegações ou se também devem ser levados às conclusões sob pena da rejeição do recurso (cf. art.ºs 635º, n.º 2 e 639º, n.º 1 do CPC).
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-2015, processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1 refere-se:
“[…] a exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, serve sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no n.º 1 do artigo 662.º do CPC. É, pois, em vista dessa função, no tocante à decisão de facto, que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afectada, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, proémio, e n.º 2, alínea a), do CPC. Não sofre, pois, qualquer dúvida que a falta de especificação dos requisitos enunciados no n.º 1 do referido artigo 640.º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada.”
Assim, a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, sem que a indicação dos meios de prova ou, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objecto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.
Num outro acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-10-2015, processo n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1 aduz-se, a este propósito, que é “possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação []; e um ónus secundário – tendente, não tanto a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida – que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização das passagens da gravação relevantes.”
E o mesmo Tribunal afirmou no acórdão de 31-5-2016, processo n.º 1572/12.2TBABT.E1.S1 que “[] do art. 640º nº 1 al. b) não resulta que a descriminação [sic] dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou da gravação realizada tenha que ser feita exclusiva e unicamente nas conclusões. Tem sim, essa especificação de ser efectuada nas alegações. Nas conclusões deve ser incluída a questão atinente à impugnação da matéria de facto, ou seja, aí deve introduzir-se, sinteticamente “os fundamentos por que pede a alteração (ou anulação) da decisão” (art. 639º nº 1), o que servirá para o recorrente afirmar que matéria de facto pretende ver reapreciada, indicando os pontos concretos que considera como incorrectamente julgados, face aos meios probatórios que indica nas alegações.”
Para além disto, importa realçar a distinção que se impõe efectuar entre aquilo que constitui requisito formal do ónus de impugnação da decisão de facto, cuja inobservância impede que se entre no conhecimento do objecto do recurso e o que se encontra já abrangido pelo âmbito da reapreciação da decisão de facto, devidamente impugnada, mediante a reavaliação da prova convocada e tida por relevante.
O recorrente impugna os factos provados sob os pontos 10., 29., 33. e 34., que pretende que sejam declarados parcialmente não provados, os dois primeiros, e não provados, os segundos e propugna por que sejam dados como provados os factos alegados nos artigos 27º, 28º, 31º, segunda parte, 32º e 33º da petição inicial.
       Ora, como se retira do acima expendido, os requisitos do ónus impugnatório cingem-se à especificação dos pontos de facto impugnados, dos concretos meios de prova convocados, da decisão que, no entender do recorrente, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, com expressa indicação das passagens dos depoimentos gravados em que se funda o recurso (cf. alínea a) do n.º 2 do art. 640º do CPC).
Os recorridos entendem que o recorrente não cumpriu cabalmente as exigências do ónus impugnatório decorrente do art.º 640º, n.º 2, a) do CPC, pois, para além das suas declarações de parte e do depoimento da testemunha Julieta ..., quanto às demais testemunhas em que funda a impugnação nada indicou, sequer transcreveu qualquer passagem de tais depoimentos, pelo que deve o recurso ser rejeitado nessa parte.
Na verdade, tal como referem os recorridos, o recorrente, em sede de impugnação da matéria de facto, e no que concerne à indicação dos meios probatórios que impunham decisão diversa, quanto às suas declarações de parte, transcreveu a passagem que entende relevante, com indicação dos minutos da gravação onde pode ser localizada, tendo procedido do mesmo modo relativamente ao depoimento da testemunha Julieta ....
Já no que diz respeito aos depoimentos das testemunhas Fernando ..., Carlos .... e Mariana ....., não foi efectuada qualquer transcrição, aludindo o recorrente genericamente ao respectivo conteúdo, fazendo alusões àquilo que pelas testemunhas foi dito ou não, limitando-se a remeter para o período da gravação em que se mostram registados.
Dir-se-ia, assim, que o autor/recorrente não teria cumprido, nesta parte, o ónus que sobre si recai de indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.
Contudo, importa ter presente que a convocação destes depoimentos é feita para afirmar, precisamente, ao contrário do sustentado pela 1ª instância, ou seja, que deles nada se retira no sentido da formação da convicção que a senhora juíza a quo manifestou por referência aos factos dados como provados e ora impugnados. Ou seja, se nenhuma passagem de tais depoimentos poderia servir para dar como provados os factos, pretendendo o recorrente que a resposta seja modificada para “não provados”, não teria sentido a transcrição integral do depoimento para afastar a relevância que lhe foi conferida pelo tribunal recorrido, posto que não tenha existido qualquer referência que, negue, expressamente, aquilo que foi dado como provado.
Além disso, após proceder à transcrição parcial das suas declarações de parte e do depoimento da testemunha Julieta ..., que convocou para reapreciação, não tendo transcrito passagens dos depoimentos das demais testemunhas, o recorrente procedeu à sua apreciação crítica, pronunciando-se sobre o valor probatório que lhes foi conferido e que, na sua perspectiva, não deveria ter sido, para afirmar que a conclusão que deles o Tribunal a quo retirou foi errada. Mais analisou parte da prova documental junta aos autos para suportar aquelas que são as suas ilações, distintas da do Tribunal a quo e sustenta serem as que a prova produzida permite.
Ora, quanto ao ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados, este “deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não sendo justificada a imediata e liminar rejeição do recurso quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exata e precisa -, não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento […]” – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6-06-2018, processo n.º 1474/16.3T8CLD.C1.S1, onde se convoca o conteúdo do acórdão desse mesmo Tribunal de 29-10-2015, processo n.º 233/09.4TVNG.G1.S1.
Não obstante o cumprimento débil do ónus impugnatório que sobre si impendia, tendo em conta os aspectos concretos que o recorrente convocou para sustentar a errada valoração dos depoimentos e considerando também que correspondem a depoimentos com uma duração que não ultrapassa os vinte minutos, não se mostra especialmente dificultada a possibilidade de sindicar tal valoração por referência às passagens que, ainda que sem transcrição, são mencionadas na argumentação recursória.
Certo é também que o recorrente não pode demitir-se de efectuar uma apreciação crítica dos meios de prova que convoca para reapreciação, não bastando a sua mera enunciação, porquanto a decisão que indica como sendo aquela que deveria ter sido proferida deve resultar da apreciação crítica que o próprio efectue sobre os meios de prova produzidos, ou seja, o sentido da decisão que, no entender do recorrente, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas deve surgir como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos/invocados – cf. Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 140; Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2018, pág. 284.
No caso, conforme se referiu, tal apreciação não deixou de ser efectuada pelo recorrente, ainda que se possa reconhecer que se cinge apenas a uma interpretação do conjunto dos depoimentos que diverge daquela que foi a do tribunal recorrido, que pode não conduzir, propriamente, à constatação de um erro na sua apreciação. No entanto, esta questão contende já com a procedência ou improcedência da impugnação da matéria de facto e não com o cumprimento ou incumprimento do respectivo ónus impugnatório.
Importa notar que, não obstante as exigências inerentes à impugnação da matéria de facto deverem ser apreciadas “à luz de um critério de rigor”, enquanto decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, não se deve interpretá-las a um nível de exigência tal que seja violado o princípio da proporcionalidade, com a consequente denegação de reapreciação da decisão da matéria de facto – cf. neste sentido, A. Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 143.
Além disso, deve considerar-se que “a insuficiência ou a mediocridade da fundamentação probatória aduzida pelo recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação.” – cf. acórdão Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-2015 acima referido; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8-02-2018, processo n.º 8440/14.1T8PRT.P1.S1.
Assim, em face do conteúdo das alegações e conclusões do recorrente deve reconhecer-se que este cumpriu, ao menos minimamente, o ónus impugnatório e respectivos requisitos que sobre si impendia, impondo-se reapreciar os factos que foram objecto da sua impugnação.
Há, pois, que analisar os depoimentos prestados em audiência, indicados pelo recorrente, a propósito dos factos provados sob os pontos 10., 29., 33. e 34. e dos factos não respondidos e considerados não provados vertidos nos artigos 27º, 28º, 31º, segunda parte, 32º e 33º da petição inicial, em confronto com a restante prova produzida, para verificar se a factualidade impugnada deveria merecer decisão em consonância com o preconizado pelo apelante, ou se, ao invés, aquela não merece censura, atenta a fundamentação aduzida pelo Tribunal a quo.
Importa, contudo, realçar que enquanto a primeira instância toma contacto directo com a prova, nomeadamente os depoimentos e declarações de parte, e os depoimentos das testemunhas, com a inerente possibilidade de avaliar elementos de comunicação não-verbais como a postura corporal, as expressões faciais, os gestos, os olhares, as reacções perante as demais pessoas presentes na sala de audiências, a Relação apenas tem acesso ao registo áudio dos depoimentos, ficando, pois, privada de todos esses elementos não-verbais da comunicação que tantas vezes se revelam importantes para a apreciação dos referidos meios de prova.
Atente-se, antes de se avançar que, tal como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-06-2018, processo n.º 18613/16.7T8LSB.L1-2:
“[…] no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual, o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a Lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial. De harmonia com este princípio, que se contrapõe ao princípio da prova legal, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, apenas cedendo este princípio perante situações de prova legal, nomeadamente nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, documentos particulares e por presunções legais.
Nos termos do disposto, especificamente, no artigo 396.º do C.C. e do princípio geral enunciado no artigo 607º, nº 5 do CPC, o depoimento testemunhal é um meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador, o qual deverá avaliá-lo em conformidade com as impressões recolhidas da sua audição ou leitura e com a convicção que delas resultou no seu espírito, de acordo com as regras de experiência – v. sobre o conteúdo e limites deste princípio, Miguel Teixeira de Sousa, A livre apreciação da prova em processo Civil, Scientia Iuridica, tomo XXXIII (1984), 115 e seg.
A valoração da prova, nomeadamente a testemunhal, deve ser efectuada segundo um critério de probabilidade lógica, através da confirmação lógica da factualidade em apreciação a partir da análise e ponderação da prova disponibilizada – cfr. a este propósito Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 435-436.
É certo que, com a prova de um facto, não se pode obter a absoluta certeza da verificação desse facto, atenta a precariedade dos meios de conhecimento da realidade. Mas, para convencer o julgador, em face das circunstâncias concretas, e das regras de experiência, basta um elevado grau da sua veracidade ou, ao menos, que essa realidade seja mais provável que a ausência dela.
Ademais, há que considerar que a reapreciação da matéria de facto visa apreciar pontos concretos da matéria de facto, por regra, com base em determinados depoimentos que são indicados pelo recorrente. Porém, a convicção probatória, sendo um processo intuitivo que assenta na totalidade da prova, implica a valoração de todo o acervo probatório a que o tribunal recorrido teve acesso – v. neste sentido, Ac. STJ de 24.01.2012 (P 1156/2002.L1.S1).”
Releva ainda a circunstância de se manterem em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, sabendo-se que o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, de tal modo que a Relação só deve lançar mão dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Procedendo a Relação à audição efectiva da prova gravada, deverá alterar a matéria de facto provada quando conclua, com a necessária segurança, no sentido de os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontarem em direcção diversa daquela que foi encontrada pela 1ª instância – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16-11-2017, processo n.º 216/14.2T8EPS.G1 – “O que se acaba de dizer encontra sustentação na expressão “imporem decisão diversa” enunciada no n.º 1 do art. 662º, bem como na ratio e no elemento teleológico desta norma. Assim, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte.”
Neste enquadramento, há ainda que ter presente que “A prova não é (nunca é) certeza lógica, mas tão-só um alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica). E isso significa que à vida em sociedade não escapa um certo nível de incerteza; havendo é que descortinar a partir de quando é que esse nível é aceitável; ou, ao invés, intolerável. Julgamos sempre que, se ao cidadão razoável e medianamente esclarecido não chocar tomar como certo um dado segmento de vida, é já consciencioso assumi-lo como provado; mas se ao invés a mesma consciência ainda ali se puder comportar como hesitante ou indecisa, só imprudentemente a prova pode ser assumida e afirmada.” – cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-12-2012, processo n.º 1267/06.6TBAMT.P2.
Merece também a pena convocar aqui, em termos de prova no processo civil a aplicação do standard que é o “da probabilidade prevalecente ou “mais provável que não”.
Este standard consubstancia-se em duas regras fundamentais: (i) Entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais; (ii) Deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa. [] este critério da probabilidade lógica prevalecente [] não se reporta à probabilidade como frequência estatística mas sim como grau de confirmação lógica que um enunciado obtém a partir das provas disponíveis.” Assim é que “a valoração da prova sob o modelo da probabilidade lógica significa que uma hipótese deve aceitar-se como verdadeira se não foi refutada pelas provas disponíveis e estas a confirmam, tornando-a mais provável que qualquer outra hipótese alternativa sobre os mesmos factos estribada no material cognoscitivo concretamente carreado para o processo.” – cf. O Standard de Prova no Processo Civil e no Processo Penal, Luís Filipe Pires de Sousa[3]; todavia, o Prof. Miguel Teixeira de Sousa entende que o standard da probabilidade prevalecente não pode valer no processo civil português por ser incompatível com a distribuição do ónus da prova e, logo, com o objecto da prova.[4]
Pontos 10. dos Factos Provados e artigos 27º, 28º, 31º, segunda parte, 32º e 33º da petição inicial
O Tribunal recorrido deu como provado o seguinte:
10. Os RR. limparam o apartamento e retiraram as paredes levantadas entre a sala e a cozinha.
E não se pronunciou sobre o alegado nos artigos 27º e 28º da petição inicial, onde consta o seguinte:
27.º
de onde tinham desaparecido diversas peças de mobiliário, a caixilharia encontrava-se riscada e sem isolamento,
28.º
diversos armários possuíam a madeira partida ou em péssimo estado de conservação.
E ainda, considerou não provados os seguintes factos:
a. O acordado referido em 13. foi até que os Réus restituíssem ao imóvel objecto do contrato-promessa, as condições que existiam em 8 de Junho de 2018 (artigo 31º, segunda parte);
b. O que os Réus nunca vieram a fazer (artigo 32º).
A senhora juíza a quo fundamentou a sua convicção quanto à prova e não prova destes factos do seguinte modo:
“O Tribunal fundou a sua convicção: […]
quanto aos factos dados como provados em 10, 14, 29, 32, 33 e 34 com base nas declarações das testemunhas Francisco ...., Carlos ... e Mariana ..... as quais revelaram conhecimento pessoal e directo dos factos a que depuseram por serem, respectivamente, filhos e namorada do filho dos RR., os quais depuseram, de forma isenta e convincente, sobre o estado do imóvel dos autos findo o arrendamento, a limpeza do mesmo, o facto de o A. nada mais ter pago para além da primeira prestação do sinal e não ter procedido à marcação da escritura pública de compra e venda do imóvel, e sobre o estado de espírito dos RR. e os efeitos desta acção na saúde e equilíbrio psicológico dos mesmos; […]
Não se deram como provados os factos descritos nos arts.º 31º, 2ª parte, 32º, 33º, 35º, 39º, 40º, 63º, 72º, 73º, 76º e 80º da petição inicial, porquanto:
- os factos descritos em 31º, 2ª parte, 32º, 33º, 72º, 73º e 76º estão em contradição com a matéria de facto apurada e foram contraditados pelas declarações das testemunhas indicadas pelos RR., sem que o A. apresentasse qualquer outra prova dos mesmos;”
O apelante entende que o ponto 10. deve passar a ter a seguinte redacção: “Os RR. limparam o apartamento, em data não concretamente apurada” ou, quando muito, a seguinte redacção: “Os RR. limparam o apartamento e retiraram as paredes levantadas entre a sala e a cozinha, em data não concretamente apurada”, o que faz convocando as suas declarações de parte onde referiu o seguinte:
Ficheiro 20211116095340 (rotação 02:36 a 03:42):
Juíza - Olhe, então o que é que observou quanto a essa degradação do imóvel?
Autor - Da última vez que estive no imóvel (…) observei um imóvel degradado com os electrodomésticos até partidos outros complemente imunes, calhas partidas, vidros partidos, armários danificados, num dos quartos tinha lá uma situação ruida de um dos animais (…) rodapé e Chão.
E o depoimento da testemunha Julieta ...., ficheiro 20211116103249 (rotação 06:38 a 03:42):
Advogada do Autor - Durante essas visitas verificou, ou não, se o imóvel se manteve sempre no mesmo estado?
Testemunha – Eu fui notando que o imóvel se ia degradando (…) eu às vezes tinha até vergonha de lá levar pessoas (…) levantaram uma parede entre a cozinha e a sala (…)
Juíza - Levantaram paredes? Foi durante este processo?
Testemunha - Foi durante o CPCV, sim.
Advogada do Autor – Existiram mais alterações dentro da casa?
Testemunha - Foi posto lá um cãozinho… deteriorou o chão, roeu móveis, roeu portas, raspou o chão.
Advogada do Autor – Verificou essas situações na casa, comunicava directamente ao Dr. C?
Testemunha - Eu falava com o Dr. C, era com ele que eu falava para se fazerem as visitas.
Mais aludiu ao depoimento da testemunha Francisco ...., referindo que dele nada resulta quanto ao momento em que a limpeza terá sido feita, se antes ou depois da resolução do contrato-promessa e se tal foi comunicado ao autor, para além de nada ter referido quanto à remoção da parede; ao depoimento da testemunha Carlos ....., que apenas disse ter tomado conhecimento que os réus tinham procedido à limpeza do imóvel, também sem se saber em que momento tal sucedeu, assim como não mencionou quando teve lugar a remoção da parede; e ao depoimento da testemunha Mariana ...., que apenas teve conhecimento indirecto dos factos, pelo que tais depoimentos não são bastantes para dar como provado o facto vertido no ponto 10..
Quanto aos factos descritos nos artigos 31º, segunda parte, 32.º e 33.º da petição inicial, entende que devem ser dados como provados, convocando as suas próprias declarações, onde mencionou que ficou combinado que a segunda prestação ficaria dependente da reposição do imóvel no estado em que se encontrava aquando da celebração do contrato-promessa, o que não foi contrariado por qualquer outro depoimento, constando aliás do documento n.º 6 junto com a petição inicial, para além de nunca lhe ter sido comunicado que a limpeza tinha sido feita e que a parede tinha sido removida, bem como a calha ou vidros partidos e o chão e rodapés reparados, sendo que quanto a estes nada foi dito pelas testemunhas arroladas pelos réus, sendo certo que a testemunha Julieta ... mencionou tais anomalias.
Conclui que deve ser aditado à matéria de facto provada um novo ponto com a seguinte redacção: “A caixilharia do apartamento encontrava-se riscada e sem isolamento, com diversos armários possuindo madeira partida ou em péssimo estado de conservação”.
Os réus/recorridos sustentam que a credibilidade das testemunhas por si arroladas e a sua valia probatória não pode ser colocada em crise apenas porque se trata de depoimentos indirectos, que em processo civil são admissíveis, para além de ser irrelevante o momento em que a limpeza foi efectuada, porque tal relevará apenas aquando da celebração da escritura do contrato definitivo, não tendo a prova efectuada sido infirmada pelo próprio autor ou pela testemunha Julieta ..., devendo manter-se inalterado o ponto 10. da matéria de facto provada; mais sustentam que os demais factos alegados na petição inicial não podem ser dados como provados, pois que as testemunhas apenas referiram o acordo quanto ao adiamento do pagamento do primeiro reforço do sinal, sem aludirem a qualquer condição, assim como nada resulta da prova quanto a uma eventual insistência por parte do autor para proceder à limpeza da fracção.
Tendo-se procedido à audição integral da prova produzida, adianta-se, desde já, não se vislumbrar qualquer motivo para divergir daquela que foi a convicção formada pela 1ª instância relativamente aos concretos pontos de facto ora sob apreciação.
Nos termos do art.º 396º do Código Civil, o depoimento testemunhal está sujeito à livre apreciação do julgador, que o valorará em função de todos os factos que abonam ou abalam a credibilidade do depoimento, quer por afectarem a razão de ciência invocada pela testemunha, quer por diminuírem a fé que ela possa merecer, no confronto com todas as outras provas produzidas – cf. José Lebre de Freitas, Código Civil Anotado, Ana Prata (Coord.), Volume I 2ª Edição Revista e Atualizada, pág. 515.
Por sua vez, nos termos do art.º 466º, n.º 3 do CPC, o Tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se estas constituírem confissão.
O valor probatório a conferir às declarações de parte tem sido objecto de interpretações divergentes na doutrina e na jurisprudência, que conferem uma maior ou menor preponderância em função do momento em que são prestadas, da assistência ou não da parte à audiência de julgamento, da corroboração ou não dos factos que delas emergem por outros meios de prova.
Acompanha-se, neste aspecto, a posição do Prof. Miguel Teixeira de Sousa quando refere:
“Não se ignora, como é evidente, que a prova por declarações de parte merece uma especial ponderação pelo tribunal, dado que é a própria parte que depõe em juízo sobre factos que, em princípio, lhe são favoráveis. Isto é, no entanto, coisa completamente diferente de se entender que, à partida e independentemente de qualquer valoração específica em função das circunstâncias do caso concreto, a prova por declarações de parte não pode ter um valor probatório próprio. […] a não atribuição de um valor probatório próprio à prova por declarações de parte é contraditória com a faculdade, resultante da conjugação do disposto no art. 466.º, n.º 2, CPC com o estabelecido no art. 452.º, n.º 1, CPC, de o juiz ordenar oficiosamente essa prova. Se o tribunal tem o poder de ouvir as partes sobre, por exemplo, um aspecto das negociações de um contrato, isso só pode querer significar que o tribunal tem o poder de avaliar, para efeitos probatórios, as declarações que as partes venham a produzir (ou mesmo, como é claro, a declaração que só uma delas venha a produzir, pela recusa de depoimento ou por um depoimento evasivo da outra). Qualquer outra interpretação diminuiria a relevância ou retiraria mesmo qualquer justificação para os poderes oficiosos atribuídos ao tribunal pelos referidos preceitos. Do exposto resulta que nada justifica a desqualificação, à partida, do valor probatório da prova por declarações de parte. Esta prova tem o valor probatório que, em função do caso, for justificado atribuir segundo a prudente convicção do juiz. […] Se é certo que se impõe apreciar a prova por declarações de parte sem ilusões ingénuas, também é verdade que não há que, à partida, desqualificar o valor probatório dessa prova. Em suma: a prova por declarações de parte tem, sem quaisquer apriorismos, o valor probatório que lhe deva ser reconhecido pela prudente convicção do juiz; nem mais, nem menos, pode ainda precisar-se.” – cf. Para que serve afinal a prova por declarações de parte?[5].
No sentido de uma posição ampla e permissiva sobre a potencialidade das declarações de parte na formação da convicção do juiz pronuncia-se também, Luís Filipe Pires de Sousa, sustentando que a credibilidade das declarações tem de ser aferida em concreto e não em observância de máximas abstractas pré-constituídas, sob pena de se esvaziar a utilidade e potencialidade deste novo meio de prova.
Ainda de acordo com este autor, os critérios de valoração das declarações de parte hão-de coincidir essencialmente com os parâmetros de valoração da prova testemunhal, havendo apenas que hierarquizá-los diversamente. Nada obsta, contudo, que as declarações de parte constituam o único arrimo para dar certo facto como provado desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação – cf. As Declarações de Parte. Uma Síntese, pág. 33[6].
No que diz respeito à limpeza do apartamento e retirada da parede de pladur que havia sido erigida pelos inquilinos entre a sala e a cozinha, não pode, in casu, o Tribunal bastar-se com as declarações de parte do autor para ignorar o que, em sentido contrário, foi aduzido pelas testemunhas, ainda que algumas destas não tenham conhecimento directo dos factos ou deles revelem um conhecimento parcial, mas sendo certo que a conjugação de todos estes meios de prova conduz a uma conclusão em sentido diverso daquele que o apelante pretende aqui fazer prevalecer.
Na análise genérica das declarações de parte do autor/recorrente há que realçar a tibieza das suas explicações quanto ao contexto da celebração do contrato-promessa e motivação que lhe esteve subjacente, para além da notória confusão entre a sua actuação como cidadão, pessoa singular, interessada na compra e venda da fracção em causa nos autos e o desenvolvimento da sua actividade profissional enquanto mediador, ao serviço (pelo menos) da sociedade Imo Consulting (conforme se afere, aliás, do conteúdo do documento n.º 4 junto com a petição inicial, que corresponde a uma declaração subscrita pelo próprio autor, em representação desta empresa, com data de 8 de Junho de 2018, em que dá conta de ter recebido o valor de 4 416,00 €, relativo a 30% da comissão referente à venda do apartamento sito na Avenida … Lisboa – cf. requerimento de 21 de Agosto de 2019, com a Ref. Elect. 23771190), o que, por si só, abala a credibilidade das declarações prestadas, pela evidente mistura entre o desenvolvimento do trabalho para angariar clientes, seja com vista ao arrendamento do imóvel, seja com vista à sua venda, e a intervenção que acaba por ter lugar, com o declarante a assumir a posição de promitente-comprador[7].
No que às condições do imóvel diz respeito parece claro que, findo o arrendamento mencionado no ponto 8. dos factos provados, a fracção apresentava-se suja, com mau cheiro e tinha uma parede levantada entre a sala e a cozinha (cf. ponto 9.), o que foi referido não só pelo autor, como pela testemunha Julieta ..., que disse que, na sequência das visitas que efectuava à fracção, foi notando que esta se foi degradando e que até tinha vergonha de ali levar pessoas, porque estava sujo, tendo sido levantada uma parede entre a cozinha e a sala (cf. minuto 6.50 e seguintes do seu depoimento), sujidade que também foi reportada pelas testemunhas Francisco .... e Carlos ....., filhos dos réus e pela testemunha Mariana ...., namorada deste último.
O apelante pretende que no ponto 10. dos factos provados se deixe de fazer alusão à retirada da parede levantada entre a sala e a cozinha e que se especifique que a limpeza se verificou em data não concretamente apurada, argumentando que nenhuma das testemunhas indicou em que momento teve lugar essa limpeza ou se tal facto foi comunicado ao autor, assim como não foi referido que a parede foi retirada.
Pretende ainda que seja aditado um novo ponto ao elenco dos factos provados, que mencione que a caixilharia do apartamento se encontrava riscada e sem isolamento, com diversos armários possuindo madeira partida ou em péssimo estado de conservação.
No que à redacção do ponto 10. diz respeito, nada ficou consignado quanto ao momento em que a limpeza teve lugar.
Há que ter em atenção, contudo, que este facto surge na sequência da cessação do arrendamento, verificada em Agosto de 2018, como referido nos pontos 8. e 9., pelo que é possível depreender que a limpeza teve lugar após o final do arrendamento, pois que foi nesse momento que se constatou a sujidade e esta se tornou passível de remoção, face à desocupação do imóvel.
Ademais, ao contrário do que sustenta o recorrente, a testemunha Carlos ....referiu expressamente que o pai insistiu com os inquilinos no sentido de que não podiam deixar o apartamento naquele estado, tendo estes procedido à limpeza, ainda que depois tenha lá ido uma empregada contratada pelos pais, situando esse facto em Setembro de 2018, momento em que as limpezas tiveram lugar (cf. minuto 5.03 e seguintes do seu depoimento), pelo que, ao contrário, do por aquele propugnado, não se constatam razões para alterar a redacção do ponto 10., seja quanto ao não apuramento do momento em que a limpeza teve lugar, seja quanto à remoção das paredes em pladur que foram levantadas pelos inquilinos, que, como a mencionada testemunha afirmou, foram efectivamente executadas, pelo que, nesta parte, improcede a impugnação.
No que diz respeito à matéria vertida nos artigos 27º e 28º da petição inicial (sobre a qual o tribunal recorrido não se pronunciou, sendo, aliás, de duvidosa utilidade para a apreciação da causa, mas podendo admitir-se que alguma relevância possua enquanto matéria conexionada com o motivo alegado para o não pagamento da primeira parcela do reforço do sinal), certo é que o autor afirmou que, aquando da sua última visita à fracção, em 16 de Setembro de 2018, verificou que o imóvel tinha alguns electrodomésticos partidos, outros imundos, com sujidade, talhas partidas, vidros partidos, armários danificados e num dos quartos existia uma situação de um rodapé roído por um cão (cf. minuto 2.50 e seguintes do seu depoimento).
Embora em sentido não inteiramente coincidente, a testemunha Julieta .... mencionou a existência de um cão que teria estragado o chão e roído alguns móveis, portas e raspado o chão e máquina de loiça riscada (cf. minuto 8.50 e seguintes do depoimento).
Esta situação não foi relatada por qualquer uma das outras testemunhas, sendo certo que o depoimento da testemunha Julieta ..., em alguns momentos, se revelou muito consonante com as declarações da parte, revelando alguma falta de isenção, aliás, exponenciada pelo modo já menos sereno como respondeu a instâncias do ilustre mandatário dos réus. Neste contexto, e ponderados as declarações de parte e o aludido depoimento, consideram-se insuficientes para dar como provados os riscos que teriam sido causados pela intervenção do cão que ali existia, tanto mais que a alusão indiscriminada a objectos que teriam sido riscados impede que se identifique quais foram, em concreto, as partes das divisões ou os equipamentos ali existentes que foram danificados pelo cão.
Assim, nada há a acrescentar à matéria de facto provada quanto a tal matéria.
No que diz respeito ao facto alegado pelo autor de que as partes teriam acordado no adiamento do pagamento da primeira parcela de reforço, que deveria ter lugar em Agosto de 2018, para o momento em que os réus colocassem o imóvel nas condições anteriores, existentes à data da celebração do contrato-promessa, em 8 de Junho de 2018, importa realçar, desde logo, que o autor nem sequer alegou ou demonstrou quais fossem as condições existentes nessa data, ou aquelas a que, em concreto, se reporta, quando afirma que o reforço do sinal deveria ser pago apenas quando o imóvel fosse restituído à situação anterior.
Na verdade, a partir do artigo 24º da petição inicial o autor discorre de modo a atribuir a responsabilidade pela não celebração do contrato definitivo aos próprios réus, por terem sido estes que não colocaram ou mantiveram a fracção nas condições existentes à data de 8 de Junho de 2018, identificando os problemas que alega ter verificado depois da cessação do contrato de arrendamento, mas em nenhum desses artigos menciona ou identifica cabalmente o estado da fracção àquela data, o que impede que se possam aferir as diferenças alegadamente justificativas da sua perda de interesse na aquisição (perda de interesse que o próprio afirmou nas suas declarações - cf. minuto 12.50 e seguintes da gravação).
Acresce que, o autor foi a única pessoa a mencionar que o acordo verbal referido em 13. dos factos provados, atinente ao adiamento do pagamento do primeiro reforço do sinal, teria sido no sentido de este ter lugar apenas quando o imóvel retomasse as condições anteriores, sem deixar, porém, de mencionar que esse pagamento ficou agendado precisamente para o final do mês de Setembro, como, aliás, veio a ser dado como provado – cf. minuto 18.15 e seguintes das suas declarações – “nessa reunião, que foi com o propósito de falarmos acerca do estado do imóvel, do que estava a acontecer com o imóvel e combinarmos uma nova data para o pagamento da tranche de Agosto, porque eu queria que ele resolvesse alguns dos problemas que o imóvel apresentava, ficou o pagamento para o final do mês de Setembro e depois sou surpreendido com aquela questão […] o pagamento estava dependente do ajuste do imóvel”.
Atente-se que, neste campo, a testemunha Julieta ...., ao contrário do reconhecimento efectuado pelo próprio autor quanto à falta de pagamento das prestações, afirmou que estas sempre foram pagas e que foi o réu quem, a dada altura, começou a querer espaçá-los e quis alterar a data da escritura – cf. minuto 11.37 e seguintes do seu depoimento.
A este propósito, a testemunha Francisco … disse ter sabido através da mãe que teria sido a testemunha Julieta .... a contactar o pai a informar que iria atrasar o pagamento do sinal previsto para Agosto de 2018 e que pagaria no mês seguinte, não tendo feito qualquer referência à condição de reparação do imóvel para o pagamento ter lugar (cf. minuto 6.45 e seguintes da gravação); e a testemunha Carlos ...., referiu que, de acordo com o seu conhecimento, não foi feito qualquer outro pagamento para além do sinal, sendo que o primeiro reforço deveria ter lugar em Agosto de 2018, o que não sucedeu, tendo sido pedido um adiamento, também não cumprido, sem que o autor tivesse explicado a razão do não pagamento (cf. minuto 3.20 e seguintes).
Assim, não se afigura bastante a declaração do autor para dar como provado que o acordo verbal referido em 13. e o pagamento do reforço em Setembro de 2018 dependia da reposição do imóvel nas condições anteriores, tanto mais que nem se apuraram quais seriam essas condições, ou se tal se limitava à realização da limpeza, que, aliás, está comprovada ter tido lugar.
Por outro lado, também nada foi referido pelas testemunhas quanto a eventuais insistências por parte do autor relativamente ao cumprimento dessa condição de reposição do imóvel.
Além disso, o autor reporta o conhecimento da situação do imóvel a Setembro de 2018, tendo a sua última visita ocorrido a 16 de Setembro de 2018, momento em que a fracção ainda estaria suja, acrescentando que não conseguiu realizar uma nova visita a 19 de Setembro. Após este facto, há lugar apenas a uma mensagem de correio electrónico, que dirigiu ao réu, a 23 de Setembro de 2018 (documento n.º 6 junto com a petição inicial), onde não se detecta qualquer solicitação concreta quanto à questão da limpeza – apesar de a falta de higiene ser ali referida -, pelo que, ao contrário do por si defendido, não se vislumbra que nessa altura a questão da limpeza fosse pressuposto para o cumprimento das prestações.
Por esta razão, os factos alegados nos art.ºs 31º, segunda parte, 32º e 33º da petição inicial devem manter-se como factos não provados, improcedendo também aqui a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Ponto 29. dos Factos Provados
O Tribunal recorrido considerou provado o seguinte:
29. O A. não deu resposta a qualquer uma das cartas enviadas pelos RR. e não os voltou a contactar até à interposição da presente acção.
A respectiva fundamentação consta já acima transcrita e assentou essencialmente no depoimento das testemunhas arroladas pelos réus.
O apelante insurge-se contra este facto, que entende que deve conter apenas a seguinte redacção: “O autor não deu resposta a qualquer uma das cartas enviadas pelos réus”, dando-se como não provado que não tenha voltado a contactar os réus até à interposição da acção.
Invoca para tanto o conteúdo do documento n.º 6 junto com a petição inicial, que data de 23 de Setembro de 2018, e onde expôs todos os problemas de que padecia o imóvel objecto do contrato-promessa, para além de na carta de resolução de 8 de Maio de 2019 (documento n.º 5 junto com a petição inicial), o mandatário dos réus referir que esta seria remetida com conhecimento à mandatária do autor, o que comprova que este constituiu mandatário para resolver o contencioso dos autos.
Os recorridos, por sua vez, referem que a existência de uma mensagem de correio electrónico não prova as insistências do autor, tanto mais que nessa mensagem este apenas reclama do facto de os réus terem constituído mandatário para tratar dos assuntos relacionados com o contrato-promessa.
O ponto 29. surge na sequência da descrição efectuada nos pontos 15. a 28. sobre as missivas enviadas pelos réus e seu mandatário ao autor, entre 25 de Setembro de 2018 e 31 de Maio de 2019, o que significa que quando se refere naquele ponto que o autor não respondeu a tais cartas e que não contactou os réus até à interposição da acção está-se a reportar, necessariamente, a datas posteriores ao envio de cada uma dessas cartas.
Tendo em conta que a primeira das missivas data de 25 de Setembro de 2018, é evidente que a mensagem de correio electrónico que data de 23 de Setembro de 2018 e que constitui o documento n.º 6 convocado pelo autor, não pode constituir resposta a qualquer uma dessas cartas, assim como não corporiza um qualquer contacto seu, posterior ao envio das cartas e anterior à propositura da acção, pelo que tal mensagem não tem a virtualidade de infirmar a segunda parte do facto provado sob o ponto 29..
Por sua vez, a menção que consta na missiva de 8 de Maio de 2019, dirigida pelo ilustre mandatário dos réus ao autor, dando conta que será dado conhecimento, via email, à Sr.ª Dr.ª AAC ...., nada revela quanto a uma eventual comunicação que tenha sido feita pelo autor ou pela sua ilustre mandatária, no contexto da celebração do contrato-promessa ou como reacção às cartas expedidas a solicitar o pagamento das parcelas de reforço do sinal ou antecipação do preço ou marcação da escritura do contrato definitivo, e que tenha tido lugar num contexto de reacção às interpelações dos réus.
Assim, deve manter-se inalterada a redacção do ponto 29. dos factos provados.
Pontos 33. e 34. dos Factos Provados
A 1ª instância deu como provado o seguinte:
33. A presente acção tem provocado ansiedade, desgaste físico, psíquico e emocional aos RR..
34. Devido à existência desta acção os RR. passaram algumas noites sem dormir e tiveram desequilíbrio emocional e confusão psicológica.
Estes factos foram dados como provados “com base nas declarações das testemunhas Francisco ..., Carlos .... e Mariana ...., as quais revelaram conhecimento pessoal e directo dos factos a que depuseram por serem, respectivamente, filhos e namorada do filho dos RR., os quais depuseram, de forma isenta e convincente […] sobre o estado de espírito dos RR. e os efeitos desta acção na saúde e equilíbrio psicológico dos mesmos”.
O recorrente entende que esta matéria deve ser dada como não provada por não decorrer de nenhum dos depoimentos das testemunhas arroladas pelos réus que “devido à existência desta acção os RR. passaram algumas noites sem dormir e tiveram desequilíbrio emocional e confusão psicológica”, sendo que, estando em causa apenas a não realização de um negócio de venda de um imóvel, o estado clínico de desequilíbrio emocional ou confusão psicológica só poderá ter como causa uma doença do foro psíquico, já previamente existente, não tendo sido junta qualquer prova documental que comprove a existência de tais padecimentos; mais refere que as testemunhas apenas mencionaram que os réus suportaram ansiedade, dada a sua idade e que são pessoas honestas e íntegras, fazendo-o de modo concertado, não merecendo credibilidade.
Efectivamente, as testemunhas Francisco ..., Carlos ...e Mariana .... mencionaram, todas elas, a idade dos réus (cerca de 80 anos) como condição física que os tornava menos habilitados a enfrentar as contrariedades advenientes do gorar do negócio que gizaram com o autor, assim como convocaram o facto de serem pessoas, no seu entender, honestas, que não contavam com os percalços ocorridos no cumprimento do contrato, circunstâncias que, como é bom de ver, não são bastantes para afirmar que, com a propositura desta acção, sofreram desequilíbrio emocional e confusão psicológica ou que suportaram ansiedade, desgaste físico, psíquico e emocional.
De todo o modo, as testemunhas disseram mais do que isso, posto que afirmaram que, numa noite, a mãe teve uma síndrome de pânico, que esta foi uma situação inquietante para eles e para a família, tanto mais que se sentiram ludibriados, tendo ficado transtornados e revoltados aquando da citação e ainda que o réu marido teve uma descompensação da parte cardíaca (referida pela testemunha Mariana ....como tendo ocorrido algum tempo mais tarde) e teve de acertar a medicação, não dormindo à noite; a testemunha Carlos … disse também que a mãe chegou a necessitar de tratamento psiquiátrico, estando os pais desgastados e mais ansiosos com esta situação.
Aquilo que é possível retirar destes depoimentos é que toda a envolvência inerente ao desenrolar do negócio, à falta de cumprimento atempado das diversas fases estipuladas no contrato-promessa, o não pagamento das prestações e, por fim, a instauração da presente acção se reflectiu, naturalmente, na serenidade e bem-estar dos réus, que se viram confrontados com a litigiosidade inerente ao insucesso da relação contratual, sendo de admitir, em termos de normalidade da vida e das condições físicas inerentes a pessoas com idades próximas dos oitenta anos de vida, que a pendência desta acção lhes provoque ansiedade e desgaste psíquico e emocional.
Quanto ao desgaste físico fica sem se saber qual a exacta repercussão destas preocupações nas suas condições físicas e de saúde (física e mental), pois que nenhum dado objectivo foi carreado para os autos que permita associar a alegada descompensação cardíaca da do réu e a necessidade de tratamento psiquiátrico da ré ao circunstancialismo descrito nestes autos, sendo insuficiente para estabelecer tal nexo de causalidade os depoimentos das testemunhas e, bem assim, a mera comprovação de uma fase de ansiedade, que, naturalmente, não deixará de ser perturbadora do sossego normal e descanso nocturno dos visados.
Assim, a prova produzida não é bastante para dar como provados os factos descritos nos pontos 33. e 34. com a extensão que deles consta.
Como tal, decide-se alterar a redacção dos pontos 33. e 34. nos seguintes termos:
33. A presente acção tem provocado ansiedade e desgaste psíquico e emocional nos réus.
34. Devido à existência desta acção os réus passaram algumas noites sem dormir.
Aditam-se aos factos não provados, o seguinte:
j. Esta acção provocou desgaste físico nos réus;
l) Os réus tiveram desequilíbrio emocional e confusão psicológica.
Procede, assim, parcialmente, a impugnação da matéria de facto.
*
3.2.2. Da validade da interpelação admonitória
O autor intentou a presente acção visando alcançar o reconhecimento da ilicitude da resolução do contrato promessa celebrado em 8 de Junho de 2018 promovida pelos réus e a condenação destes na restituição da quantia paga a título de sinal e de uma indemnização pelos danos patrimoniais que suportou, o que faz argumentando que as prestações que deixou de pagar reportam-se ao contrato prometido, cujo incumprimento não confere o direito à resolução, para além do que a falta de pagamento se ficou a dever ao facto de a fracção não apresentar as condições idênticas às existentes no momento da celebração do contrato-promessa, existindo ainda desconformidade da tipologia entre a caderneta e a planta do prédio; refere ainda que à data da comunicação da resolução ainda não tinha decorrido o prazo para a celebração da escritura.
Os réus defenderam-se argumentando que aceitaram o adiamento do pagamento do primeiro reforço para Setembro de 2018, que o autor não pagou, como não pagou os seguintes; que o interpelaram para pagar, o que aquele não fez; que não procedeu à marcação da escritura de compra e venda no prazo estipulado, nem no prazo que lhe foi conferido pela carta de 15 de Março de 2019, pelo que perderam o interesse na prestação.
A decisão recorrida apreciou a questão do incumprimento do contrato-promessa nos seguintes termos:
Tendo em conta os factos provados nos presentes autos, entende-se que se verificou in caso não só a interpretação admonitória do promitente-comprador, por parte dos promitentes vendedores, de forma válida e eficaz, como a perda de interesse destes na celebração do contrato prometido, face à falta de pagamento das prestações de reforço de sinal pela outra parte.
Resulta, pois, da matéria de facto provada que as partes acordaram que:
- O preço ajustado para a compra e venda foi de 368.000,00€ (trezentos e sessenta e oito mil euros);
- A título de sinal e princípio de pagamento, o A. entregou aos Réus, no dia 8 de junho de 2018, a quantia de 18.400,00 € (dezoito mil e quatrocentos euros);
- Haveria um reforço de sinal no mês de Agosto de 2018, no valor de 18.400,00 € (dezoito mil e quatrocentos euros);
- Haveria um reforço de sinal no mês de Dezembro de 2018, no valor de 25.000,00 € (vinte e cinco mil euros);
- Haveria um reforço de sinal no mês de Fevereiro de 2019, no valor de 25.000,00 € (vinte e cinco mil euros);
- O remanescente do preço, no valor de 281.200,00 € (duzentos e oitenta e um mil e duzentos euros), deveria ser pago no acto da celebração da escritura pública de compra e venda, a ser efectuada durante o mês de Fevereiro de 2019;
- A escritura de compra e venda do contrato prometido deveria ser celebrada no prazo máximo de trezentos e trinta dias, a contar da data da assinatura do contrato-promessa, cabendo, dentro do mencionado lapso temporal, a sua marcação ao promitente-comprador.
Apurou-se também que o A. só pagou aos RR., no dia 8 de junho de 2018, a quantia de 18.400,00 € e que o R. enviou ao A., para a morada indicada pelo mesmo no contrato-promessa, cartas registadas com AR e datadas de 25 de Setembro de 2018, 1 de Fevereiro de 2019 e 1 de Março de 2019, que foram devolvidas com a menção de “Objecto não reclamado”, nas quais o R. lembrava o A. de que o mesmo se encontrava em mora no pagamento dos reforços de sinal dos meses de Agosto e Dezembro de 2018 e lhe concedia um prazo de cinco dias para pagamento das quantias em falta, sob pena de recurso aos mecanismos legais.
Provou-se também que o R. enviou ao A., e este recebeu, uma carta datada de 25 de Março de 2019, (com igual conteúdo de uma carta registada com AR, datada de 15 de Março de 2019 e devolvida com a menção de “Objecto não reclamado”) sob o assunto “ Contrato Promessa de Compra e Venda celebrado com o Exmo. Sr. Dr. C”, da qual consta que: “(…) vimos, mais uma vez, pelo presente interpelar e relembrar que se encontra em mora no que respeita aos seguintes reforços de sinal convencionados pelas partes:
vii) Primeiro reforço devido no mês de Agosto de 2018.
viii) Segundo reforço que deveria ter sido pago em Dezembro de 2018.
ix) Terceiro reforço vencido em Fevereiro de 2019.
Nestes termos concede-se a V.Exa. o prazo máximo de 5 (cinco) dias úteis contados da recepção da presente para que venha junto da parte cumpridora sanar as moratórias e ser desse modo integralmente cumprido o acordado, sob pena do recurso aos correlativos mecanismos legais.
Mais se informa que ao pagamento ora interpelado, sempre terão de acrescer os devidos juros de mora legais vencidos à taxa legal de 4% (…)
(…) atento a que (…) deveria ter sido agendada
por V.Exa. a escritura ali prometida, queira, identicamente no prazo máximo de cinco dias úteis ou seja até 25/03/2019, proceder a tal marcação e concomitantemente pagamento dos 281.200,00 euros (…).
A falta dos pagamentos em dívida e/ou resposta positiva à presente missiva no aludido prazo relevará enquanto incumprimento definitivo do contrato com a consequente responsabilidade contratual e pré-contratual daí decorrente e/ou todas e demais consequências aplicáveis. (…)”
Por último, apurou-se ainda que o R. enviou ao A., e este recebeu, uma carta registada com AR e datada de 31 de Maio de 2019 (com igual conteúdo de uma carta registada com AR, datada de 8 de Maio de 2019 e devolvida com a menção de “Objecto não reclamado”), sob o assunto “Resolução do Contrato Promessa de Compra e Venda celebrado com o Exmo. Sr. Dr. C”, na qual o 1º Réu resolveu o contrato promessa de compra e venda celebrado entre as partes, “nos termos e para os efeitos do número dois do artigo 432.º e ss. e do artigo 808.º ambos do Código Civil in fine e ainda da Cláusula Quarta daquele clausulado” e da qual consta que: “ (…) não obstante o prazo conferido em 15-03-2019, certo é que nunca veio a ser sanada a mora inerente aos vários reforços de sinal e ao pagamento do remanescente do preço todos vencidos, em dívida e melhor clausulados no número um da Cláusula Segunda.
De igual modo, não procedeu sequer V.Exa. como se adscrevera a agendar no prazo previsto na Cláusula Terceira a escritura do negócio prometido ou apresentou tempestivamente qualquer pedido de prorrogação (…)”.
Mais se provou que o A. não deu resposta a qualquer uma das cartas enviadas pelos RR. e não os voltou a contactar até à interposição da presente acção.
Desta factualidade resulta, inequivocamente, que o R., promitente vendedor, interpelou validamente o A., promitente-comprador, para proceder ao pagamento dos reforços de sinal acordados e em falta e fixou-lhe um prazo razoável para a marcação da escritura pública de compra e venda, que incumbia ao A. marcar, sem que o A. tenha dado qualquer resposta, nem efectuado qualquer pagamento.
A interpelação admonitória constante da carta datada de 25 de Março de 2019 considera-se validamente efectuada, sendo razoável o prazo de cinco dias concedido ao A. para pagamento dos reforços de sinal em falta, porquanto tais reforços de sinal já deveriam ter sido pagos em Agosto e Dezembro de 2018 e em Fevereiro de 2019 e a escritura pública de compra e venda deveria ter sido marcada até final de Fevereiro de 2019, prazos estes todos largamente ultrapassados.
Não obstante as partes terem acordado que o primeiro reforço de sinal poderia ser pago até final de Setembro de 2018, a verdade é que também não foi pago nessa data, nem posteriormente.
O A. alegou que não procedeu ao pagamento do primeiro reforço de sinal porque o imóvel, em finais de Setembro de 2018, não se encontrava nas condições de higiene e manutenção que existiam à data da celebração do contrato-promessa e que não procedeu à marcação da escritura pública de compra e venda devido à existência de uma desconformidade ao nível da tipologia do imóvel, entre a caderneta predial e a planta do prédio, na medida em que, enquanto aquele primeiro documento alude a um T2, a planta, bem como a licença de utilização, alude a um T3, desconformidade esta que era impeditiva da realização da escritura pública de compra e venda e que cabia aos RR. solucionar, o que os mesmos não fizeram.
Sucede, porém, que o A. não logrou provar, conforme lhe competia, de acordo com o previsto no art.º 342º, nº 1 do Cód. Civil, que a desconformidade apontada era impeditiva da realização da escritura pública, quais as condições de higiene e conservação do imóvel à data da assinatura do contrato-promessa, nem que os RR. não repuseram o imóvel nessas condições, findo o arrendamento do mesmo.
Pelo contrário, provou-se que os RR. limparam o apartamento e retiraram as paredes que haviam sido levantadas entre a sala e a cozinha.
Por outro lado, também não colhe o argumento do A. de que os reforços de sinal eram obrigações decorrentes do contrato prometido, porquanto a obrigação do pagamento dos reforços de sinal emerge da celebração do contrato-promessa, estando nele prevista, e não do contrato prometido, conforme é entendimento generalizado da jurisprudência e da doutrina e por nós partilhado.
Em face desta factualidade, dúvidas não restam de que a interpelação admonitória feita pelos RR. ao A. transformou a mora deste último em incumprimento definitivo do contrato-promessa, tendo por isso sido validamente efectuada a resolução do contrato-promessa pelos RR..
Por outro lado, no caso em apreço o contrato-promessa previa um prazo certo para a outorga do contrato prometido, final de Fevereiro de 2019, o qual não foi observado por motivo imputável ao autor, a quem cabia marcar a escritura pública e não o fez, sem que para isso tivesse qualquer razão válida, como se apurou.
Tratando-se de uma obrigação com prazo certo, a inobservância do mesmo constituiu também o autor em mora, de acordo com o previsto nos arts.º 804º, nº 2 e 805º, nº 2, al. a) do Cód. Civil.
Mais se verifica que, em consequência da mora do autor, os réus resolveram o contrato-promessa, invocando perda do interesse na celebração do contrato prometido.
Na verdade, os RR. pretendiam vender o imóvel, celebraram um contrato-promessa com o A., o A. não procedeu ao pagamento dos reforços de sinal acordados, nem procedeu à marcação da escritura pública, como lhe competia fazer, dentro dos prazos acordados e sem apresentar, para tanto, qualquer razão justificativa.
Na sequência disso os RR. enviaram-lhe várias cartas a pedir o pagamento das quantias em falta e a marcação da escritura pública, sem que tenham recebido do A. qualquer resposta.
Face a esta factualidade é legítimo concluir que os RR. perderam o interesse em vender o imóvel ao A., não sendo exigível que continuassem eternamente à espera de uma qualquer reacção do A., que nunca chegou a ocorrer.
Assim sendo, importa concluir que resultou também demonstrada a perda objetiva do interesse dos réus na outorga do contrato prometido, fundamento também válido para a resolução do contrato-promessa pelos mesmos efectuada.
Na sequência da resolução válida pelos RR. do contrato-promessa celebrado entre as partes, de acordo com as normas legais e cláusulas do contrato em apreço supra citadas, têm os RR. direito a fazer sua a quantia que a título de sinal inicialmente lhes foi paga pelo A., impondo-se julgar improcedente a presente acção.”
O autor/apelante insurge-se contra esta decisão, porquanto considera que não estavam reunidos os pressupostos para a verificação de uma situação de incumprimento definitivo que justificasse a resolução promovida pelos recorridos, o que faz invocando os seguintes argumentos:
i. A carta de 25 de Março de 2019 não é apta a sustentar a conversão da mora em incumprimento definitivo visada pela carta de 8 de Maio de 2019, porque não indica que os promitentes-vendedores perderam o interesse na venda, pois se assim fosse não teriam marcado um prazo para o autor cumprir, como fizeram na carta de 15 de Março de 2019;
ii. A entender-se que a carta de 25 de Março de 2019 corporiza uma interpelação admonitória, o prazo concedido não é razoável para a prestação ser cumprida, que é fixado para o próprio dia 25 de Março;
iii. A carta de 25 de Março de 2019 definiu o objecto da carta de resolução de 8 de Maio de 2019, sendo que ali se alude à falta de pagamento das prestações do preço, que são próprias do contrato prometido, pelo que o seu não cumprimento não confere necessariamente direito à resolução, que pressupõe o incumprimento da prestação principal;
iv. O autor não estava vinculado a marcar a escritura até ao dia 25 de Março de 2019, mas sim até 330 dias após a outorga do contrato, ou seja, até 3 de Maio de 2019;
v. A interpelação admonitória não contém os requisitos necessários para a conversão da mora em incumprimento definitivo, posto que na carta de 15 de Março de 2019 os réus não afirmam, sem margem para dúvidas, que o não pagamento das prestações ou marcação da escritura determina o incumprimento definitivo, pois apenas refere que “relevará enquanto incumprimento definitivo”, não tomando posição, sendo apenas um mero aviso;
vi. O não pagamento do reforço do sinal e o não agendamento da escritura deve ser imputado aos réus, pois que o imóvel não se encontrava nas condições existentes à data da celebração do contrato-promessa, para além de existir desconformidade entre a caderneta predial e a planta do prédio.
Os réus/recorridos afastam os argumentos do recorrente afirmando que:
- A carta de 25 de Março de 2019 foi uma repetição face à recusa do autor em receber as cartas;
- O prazo concedido era de cinco dias, independentemente da data referida na carta;
- A perda do interesse no negócio não exige interpelação admonitória;
- No dia 8 de Maio de 2019 já tinha sido ultrapassado o prazo estipulado na Cláusula Terceira para a celebração da escritura, além do que na Cláusula Segunda, n.º 1, alínea e) é fixado um outro prazo, que era o mês de Fevereiro de 2019, e mesmo que tal não se considere, o prazo de 3 de Maio de 2019 referido pelo recorrente foi também ultrapassado;
- A referência constante da carta de 15 de Março de 2019 não equivale a mero aviso, bem sabendo o recorrente que perante o incumprimento os réus podiam resolver o contrato-promessa;
- Não resultou provado que o adiamento da segunda prestação se ficou a dever às condições do imóvel, assim como o autor não demonstrou que a alegada desconformidade impediria a celebração da escritura.
O recorrente não coloca em crise aquela que foi a qualificação jurídica efectuada pela 1ª instância quanto à relação contratual estabelecida entre as partes, sendo clara a existência de um acordo de vontades vinculativo, estabelecido entre ao autor e os réus, vertido em escrito particular, mediante o qual as partes estabeleceram um contrato-promessa de compra e venda, que teve por objecto a fracção autónoma identificada no ponto 1. dos factos provados, nos termos do disposto no art.º 410, n.º 1 do Código Civil.
A concreta causa de pedir nestes autos consiste na ilicitude da resolução do contrato-promessa promovida pelos réus/recorridos que, segundo a tese do autor, lhe conferiria o direito a obter a restituição do montante do sinal pago e uma indemnização pelos danos patrimoniais que suportou em consequência de tal resolução, por força da qual resultou frustrada a respectiva venda já acordada com terceiro, tendo deixado de obter um benefício no valor de 27 000,00 €.
O autor sustenta a ilicitude da resolução não só na falta de interpelação admonitória válida, como na falta de concessão de um prazo razoável para cumprir e na sua não responsabilidade pelo incumprimento, esgrimindo diversos argumentos de modo confuso e sem uma ordem enunciativa clara.
No entanto, a apreciação da pretensão recursória passa pela verificação dos pressupostos da resolução do contrato-promessa, logo, pela determinação quanto à existência de uma situação de incumprimento contratual imputável ao autor.
É sabido que o incumprimento definitivo da obrigação pressupõe sempre uma situação de mora no cumprimento por uma das partes e concretiza-se pela perda do interesse do credor na prestação, apreciada em termos objectivos, ou pela omissão de cumprimento pelo devedor em prazo razoável que lhe tenha sido fixado e comunicado pelo credor – cf. art.ºs 801.º e 808.º do Código Civil.
Por outro lado, o cumprimento da obrigação supõe que a prestação do devedor é realizada nos seus precisos termos, pois, de contrário, haverá mora ou incumprimento definitivo do devedor, por exemplo se a prestação se tornou impossível ou inviável.
O incumprimento é imputável ao devedor se puder atribuir-se a uma sua conduta voluntária, caso em que será responsável pelos prejuízos que causar ao credor – cf. art.ºs 798º e 801º, n.º 1 do Código Civil.
Estando em causa um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolvê-lo – cf. art.º 801º, n.º 2 do Código Civil.
Baptista Machado, in “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, Estudos em Homenagem ao Prof. J.J. Teixeira Ribeiro – II Jurídica, pág. 348 esclarece:
“(…) O incumprimento é uma categoria mais vasta onde cabem:
a) O incumprimento definitivo, propriamente dito;
b) A impossibilidade de cumprimento;
c) A conversão da mora em incumprimento definitivo – art.º 808.º, n.º 1, do C. Civil;
d) A declaração antecipada de não cumprimento e a recusa categórica de cumprimento, antecipada ou não;
e) E, talvez ainda, o cumprimento defeituoso.” – apud acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10-01-2017, processo n.º 148/14.4TVPRT.P1.
O direito de resolução é um direito potestativo extintivo dependente de um fundamento – ou seja, um direito potestativo vinculado (cf. art. 432º do Código Civil) -, que será o facto de incumprimento ou situação de inadimplência.
Qualquer desvio entre a execução do contrato e o programa contratual constitui um inadimplemento, mas para que este possa sustentar um direito de resolução terá de assumir suficiente gravidade.
A importância da obrigação violada deve ser fixada por referência ao interesse do credor, sendo que o relevo do interesse afectado pelo incumprimento, ainda que determinado em função do sujeito, deve ser avaliado objectivamente, com base em elementos susceptíveis de serem valorados por qualquer outra pessoa.
A parte que invoca o direito à resolução está onerada com o ónus de alegar e demonstrar o fundamento que justifica a destruição do vínculo contratual.
O incumprimento definitivo do contrato-promessa pode verificar-se por ter sido inobservado o prazo fixo essencial determinado para a prestação; ou por ter o credor, em consequência da mora da outra parte, perdido o interesse que tinha na prestação ou por, encontrando-se o devedor em mora, não realizar a sua prestação dentro do prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor – cf. art. 808.º, n.º 1 do Código Civil.
Só o contraente fiel - aquele que cumpriu ou se oferece para cumprir - goza de legitimidade para resolver o contrato, ficando vedado ao contraente faltoso invocar o seu próprio incumprimento como fundamento resolutivo.
A restituição do sinal em dobro é a sanção aplicável ao não cumprimento definitivo da obrigação do promitente que o recebeu.
Havendo sinal passado, o incumprimento da obrigação, por causa imputável ao contraente que o constituiu, concede à outra parte a faculdade de obter indemnização igual ao seu valor – cf. art. 442º, n.º 2 do Código Civil -, indemnização que é igual à que, para a outra parte, corresponde a perda do sinal.
O sinal tem sido entendido maioritariamente como estando associado ao incumprimento definitivo culposo, ainda que haja quem sustente que a sanção é aplicável logo que o promitente incorra em mora na prestação a que está adstrito (seguindo uma concepção de sinal moratório, que, porém, não tem expressão significativa). A este propósito, Ana Prata refere que não existirão grandes dúvidas quanto ao seu sentido vocacionado para o incumprimento definitivo da obrigação sinalizada – cf. Código Civil Anotado, op. cit., pág. 602; e a jurisprudência pende, é certo, na sua maioria, para a associação do sinal apenas ao incumprimento definitivo, como disso dá conta António Menezes Cordeiro, que contra tal posição se manifesta, referindo que o sinal visa simplificar o funcionamento do contrato e se se opta por um prazo, com sinal, visa-se um prazo certo peremptório, pelo que aquele funciona logo que haja incumprimento, para além do que o subsistema dos artigos 440º a 442º, sendo especial, prevalece sobre o regime comum dos artigos 805º/1 e 808º - cf. Tratado de Direito Civil VII – Direito das Obrigações – Contratos; Negócios Unilaterais, 2021, pp. 385-386; em sentido contrário, Calvão da Silva, in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Coimbra 1987, pág. 297 refere: “O texto do art. 442º, n.ºs 2 e 4, fala de não cumprimento e o regime nele contido está moldado para a falta definitiva de cumprimento. Não nos parece, assim, que, para o simples atraso ou mora, possam produzir-se os efeitos do sinal prescritos par ao não cumprimento definitivo.”
Na situação sub judice existiu um contrato-promessa de compra e venda, com estipulação de diversas prestações pecuniárias em reforço do sinal e pagamento do preço e fixação de prazo para a marcação da escritura do contrato definitivo, sustentando os réus que o autor não cumpriu o programa contratual, seja quanto ao pagamento das parcelas do preço, seja quanto à marcação da escritura, apesar das interpelações que efectuaram para que cumprisse e da fixação de um prazo suplementar para o efeito, com a advertência de que incorreria em incumprimento definitivo.
O recorrente começa por colocar em crise a interpelação que lhe foi dirigida e a virtualidade de as comunicações efectuadas servirem como interpelação para o cumprimento e fixação de um prazo admonitório válido.
Com efeito, para além dos casos em que a mora, isoladamente ou em conjunto com outras circunstâncias, faz desaparecer o interesse do credor na prestação, há que ter em atenção as situações em que, independentemente da perda do interesse, não se justifica obrigar o credor a aguardar indefinidamente pelo cumprimento, mantendo-se vinculado ao contrato, daí que se preveja a possibilidade de o credor, verificada a mora do devedor, fixar-lhe um prazo suplementar razoável – mas peremptório – dentro do qual se deverá verificar o cumprimento, sob pena de resolução automática do negócio.
Baptista Machado, in Pressupostos da Resolução por Incumprimento, Obra Dispersa, Vol. I, Scientia Iuridica 1991, pp. 164-166 clarifica os pressupostos desse remédio para a situação de mora, do seguinte modo:
“A interpelação admonitória com fixação de prazo peremptório para o cumprimento a que se refere a segunda parte do n.º 1 do art. 808º é, pois, uma intimação formal dirigida ao devedor moroso para que cumpra a sua obrigação dentro de certo prazo determinado, sob pena de se considerar o seu não cumprimento como definitivo. Assim, através da fixação de um prazo peremptório, obtém-se uma clarificação definitiva de posições.
A interpelação admonitória deve conter três elementos: a) a intimação para o cumprimento; b) a fixação de um termo peremptório para o cumprimento; c) admonição ou a cominação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo. Trata-se, pois, de uma declaração intimativa.
Uma intimação para cumprir que não contenha m termo preciso, mas se reporta apenas a um prazo «breve» ou «brevíssimo», ou a um prazo «razoável», não pode valer para o efeito. E muito menos vale para o efeito a interpelação em que o credor se limite a ameaçar o devedor com uma compra de cobertura ou o convide a declarar-se pronto a cumprir dentro do prazo fixado. Também não é suficiente para o efeito em causa a declaração pela qual o credor se reserve o direito de resolver o contrato, na hipótese de ele não ser cumprido dentro do novo prazo. Esta declaração, se fosse válida, corresponderia à inserção unilateral de uma cláusula resolutiva que asseguraria ao credor uma posição de privilégio, pois, por força dela, poderia ainda exigir o cumprimento depois do prazo, ao passo que o devedor, decorrido este, já não poderia purgar (fazer cessar) a mora.
A interpelação admonitória é uma declaração receptícia: torna-se definitiva e irrevogável a partir do momento em que chega ao poder do devedor ou é dele conhecida (art. 224º). A partir desse momento, o credor já não pode exigir o cumprimento.”
Os factos apurados revelam que à data da celebração do contrato-promessa o autor entregou aos réus a quantia de 18 400,00 €, a título de sinal e princípio de pagamento.
Mais ficou acordado, conforme Cláusula Segunda do contrato-promessa, que o preço global seria pago, com essa entrega a título de sinal e princípio de pagamento, sendo efectuado reforços em Agosto e Dezembro de 2018 (18 400,00 € e 25000,00 €, respectivamente) e em Fevereiro de 2019 (25 000,00 €), sendo que o remanescente (281 000,00 €) seria pago no acto da escritura de compra e venda – cf. pontos 2. a 5. dos factos provados.
As partes adiaram o pagamento da parcela de Agosto de 2018 para o final de Setembro desse ano, mas o autor não o efectuou, assim como não pagou qualquer outra parte do preço – cf. pontos 13. e 14. dos factos provados.
Assim, os réus enviaram cartas registadas com aviso de recepção para a morada indicada pelo autor no contrato-promessa, dando conta que estava em mora quanto ao pagamento das parcelas do preço e solicitando a realização do pagamento, a ter lugar num prazo de cinco dias, o que fizeram por cartas de:
- 25 de Setembro de 2018 (quanto à prestação de Agosto de 2018), devolvida com a menção “objecto não reclamado” (cf. pontos 15. e 16.);
- 1 de Fevereiro de 2019 (quanto às prestações de Agosto e Dezembro de 2018), devolvida com a menção “objecto não reclamado” (cf. pontos 17. e 18.);
- 1 de Março de 2019 (quanto às prestações de Agosto e Dezembro de 2018 e advertindo para a necessidade de pagamento da prestação de Fevereiro de 2019), devolvida com a menção “objecto não reclamado” (cf. pontos 19. e 20.).
De acordo com a Cláusula Sétima do contrato-promessa, as comunicações escritas entre os outorgantes deveriam ser efectuadas por carta registada com aviso de recepção, para as moradas indicadas no preâmbulo do contrato, podendo o remetente, em caso de não reclamação da carta, dirigir uma carta subsequente por correio simples registado ou por correio electrónico, considerando-se a notificação efectuada no terceiro dia útil posterior ao envio – cf. ponto 7.
Tendo os réus cumprido com o estipulado em tal cláusula, remetendo cartas registadas com aviso de recepção para a morada indicada pelo autor no contrato-promessa, a sua não reclamação fica a dever-se apenas à conduta omissiva do destinatário, que apenas as não recebeu por culpa ou inércia suas, pelo que tais comunicações não deixam de ser eficazes – cf. art.º 224º, n.º 2 do Código Civil; “Entende-se que a chegada ao poder deste(s) [destinatário] ocorre quando a declaração se encontra na esfera de poder material da pessoa do destinatário: a sua caixa de correio (postal ou electrónico), o seu telemóvel, a sua sede ou domicílio […] O n.º 2 admite que uma declaração recipienda produza os seus efeitos, mesmo que não tenha sido recebida pelo destinatário: assim é, sempre que a não receção seja causada por ato culposo dele.” – cf. Ana Prata, op. cit., pág. 310.
Em 15 de Março de 2019, os réus enviaram uma carta registada com aviso de recepção, para a mesma morada, dando conta que o autor estava em mora relativamente ao pagamento dos reforços de sinal devidos nos meses de Agosto e Dezembro de 2018 e Fevereiro de 2019, concedendo o prazo de cinco dias para proceder a tal pagamento, e, além disso, convocando as Cláusulas Segunda, n.º 1, e) e Terceira, referem que o autor já deveria ter agendado a escritura do contrato, concedendo-lhe um prazo adicional máximo de cinco dias úteis para o efeito, ou seja, até 25 de Março de 2019, advertindo que a falta do pagamento em dívida e de resposta positiva à missiva no referido prazo, “relevará enquanto incumprimento definitivo do contrato com a consequente responsabilidade contratual e pré-contratual daí decorrente”.
Esta carta foi também devolvida com a menção “objecto não reclamado” – cf. pontos 21. e 22..
Com data de 25 de Março de 2019, os réus enviaram uma carta registada simples com o mesmo teor da de 15 de Março de 2019, que foi recebida pelo réu – cf. ponto 23.
Atento o acima mencionado quanto às condições em que as comunicações escritas entre as partes no contrato deveriam ter lugar e face ao estatuído no art. 224º, n.º 2 do Código Civil, não se pode deixar de reconhecer que a declaração constante da carta com data de 15 de Março de 2019 deve ser considerada eficaz, pois que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.
De todo o modo, ainda que assim não fosse, sempre seria válida a comunicação de 25 de Março de 2019, recebida pelo autor, ainda que a data referida como prazo máximo corresponda à própria data do envio da carta, mas sem esquecer que ali é conferido um prazo de cinco dias para cumprir as obrigações em falta.
Com efeito, o autor/apelante pretende afastar a eficácia da interpelação admonitória para o incumprimento com o facto de em 25 de Março de 2019 os réus terem expedido uma carta com a mesma redacção da de 15 de Março, concedendo um prazo de cinco dias seja para o pagamento das prestações em falta, seja para a marcação da escritura, que findaria no próprio dia em que a carta foi expedida (25 de Março de 2019), para além do que não poderia invocar perda de interesse no negócio, se, nessa data, conforme resulta da carta de 15 de Março, já tinha decorrido o prazo concedido e assim deveriam então resolver o contrato.
Como é evidente trata-se de argumentação pobre e insubsistente, porquanto os réus se limitaram a ser previdentes face à não reclamação da carta registada com aviso de recepção, fazendo uso da possibilidade (que não exigência) que o n.º 2 da Cláusula Sétima do contrato-promessa lhes concedia de, perante a não reclamação de uma missiva, poder ser enviada a comunicação por carta registada simples.
Acresce que o teor da carta de 25 de Março de 2019 mais não é do que a reprodução do conteúdo da carta de 15 de Março de 2019, visando assegurar que este chegava ao efectivo conhecimento do destinatário.
Por outro lado, tal como apontam os réus/recorridos, o apelante pretende confundir a perda do interesse na prestação com o não cumprimento dentro do prazo admonitório.
Como se disse, nos termos gerais, o incumprimento definitivo de uma obrigação ocorre quando, objectivamente, o credor perde o interesse na prestação e quando o devedor não cumpre num prazo razoavelmente fixado pelo credor (interpelação admonitória) – cf. art.º 808 do Código Civil.
A perda do interesse do credor subsequente à mora, para relevar em termos de incumprimento definitivo para efeitos de resolução do contrato, deve ser aferida em função da utilidade que a prestação teria para o credor mas apreciada objectivamente, conforme decorre do disposto no art. 808º, n.º 2 do Código Civil. A objectividade a que se alude neste normativo significa que a importância do interesse afectado pelo incumprimento, avaliada em função do sujeito, há-de ser apreciada objectivamente, com base em elementos susceptíveis de serem valorados por qualquer outra pessoa e não segundo o juízo valorativo arbitrário do próprio credor.
Ora, quer na carta de 15 de Março de 2019, quer na de 25 de Março desse ano, os réus não aludiram à perda de interesse na prestação, limitando-se a fixar um prazo máximo para o cumprimento das prestações que consideravam em falta e a advertir o autor de que o não cumprimento dentro desse prazo, então fixado, relevaria enquanto incumprimento definitivo do contrato, pelo que, também por esta razão, não tem sentido a argumentação de que em 25 de Março de 2019 os réus não poderiam notificar o autor para proceder ao pagamento, mas tão-somente resolver o contrato, sob pena de incorrerem em contradição.
*
3.2.3. Do fundamento da resolução do contrato-promessa; sua validade e eficácia
Sustenta o recorrente que o fundamento da resolução comunicado na carta de 8 de Maio de 2019 teria de se ajustar ao que constava da carta de interpelação, sendo que nesta se alude à falta de pagamento de prestações do preço, que constitui uma obrigação secundária ou acessória, cujo incumprimento não determina a resolução do contrato, pelo que a resolução é ilícita.
Na decisão recorrida considerou-se que os reforços de sinal são obrigações que emergem da celebração do contrato-promessa, estando nele previstos, e não no contrato prometido, louvando-se em “entendimento generalizado da jurisprudência e da doutrina”, que, porém, não foi ali concretizado.
Diga-se que tal entendimento não se apresenta linear, ao contrário do que se afirma na decisão recorrida.
Do contrato promessa emergem prestações de facto jurídico positivo: a obrigação de emitir, no futuro, as declarações de vontade integrantes do contrato definitivo prometido.
O cumprimento consiste, fundamentalmente, numa colaboração intersubjectiva entre credor e devedor e, por isso, a lei vincula-os a ambos, a um dever de actuar de boa fé – cf. art.º 762º, n.º 2 do Código Civil.
Assim, será à luz da boa fé que o cumprimento devido deve ser configurado, determinando-se em função dessa mesma boa fé a dimensão do esforço exigível ao devedor na realização da prestação.
Como refere o Professor António Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil IX – Direito das Obrigações, 3ª Edição Totalmente Revista e Aumentada, pp. 72-73:
“No campo do cumprimento, a boa-fé está sempre presente. […] Este preceito [art.º 762º/2] é visto, fundamentalmente, como base jurídico-positiva para os deveres acessórios. Todavia, afigura-se-nos que a boa-fé tem, na área do cumprimento, um papel mais alargado. Distinguimos quatro funções da boa-fé:
(1) na determinação da prestação principal;
(2) na fixação dos deveres acessórios;
(3) na delimitação do esforço exigível ao devedor;
(4) na integração da relação obrigacional. […]
De acordo com as circunstâncias, assim a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente irão ditar a precisa configuração da prestação principal. Esse papel é extensivo aos deveres secundários, isto é, aos deveres pactuados pelas partes, com uma função instrumental, de modo a melhor precisar os valores que queiram incrementar ou defender.
Os deveres acessórios protegem as partes (deveres de segurança e certos deveres de lealdade) e asseguram a efectiva consecução da prestação principal e das prestações secundárias (outros deveres de lealdade e deveres de informação). […] A sua concretização pode ser decisiva para a realização do vínculo obrigacional.
O devedor, mesmo nas denominadas obrigações de resultado, está adstrito a um quantum de esforço. Ditado pelo paradigma do bonus pater famílias, esse quantum depende de diversas circunstâncias, como a confiança criada e a realidade subjacente.”
A obrigação principal decorrente da celebração do contrato-promessa é a emissão da declaração de vontade para a celebração do contrato definitivo.
No entanto, há que ter presente que as obrigações podem encontrar-se funcionalmente ao serviço umas das outras, de modo que uma delas vise reforçar o funcionamento da outra; a obrigação auxiliada diz-se principal e a que a serve, chama-se secundária.
As obrigações secundárias não devem ser confundidas com os deveres acessórios decorrentes do princípio da boa fé, porquanto são verdadeiras obrigações, susceptíveis de existência autónoma, enquanto estes são elementos integrantes de obrigações de conteúdo complexo – cf. Prof. Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1º Volume, 1988 AAFDL, pág. 307.
Como se disse, o contrato-promessa visa a celebração do contrato definitivo e todos os deveres dele decorrentes estão ao serviço desse objectivo comum das partes, o que coloca uma série de especificidades:
“- prestações principais que se analisam na emissão das declarações de vontade que irão integrar o definitivo;
- prestações secundárias instrumentais, destinadas a permitir a válida conclusão do contrato final; particularmente em causa estão todas as tarefas de redocumentação, para tanto necessárias;
- prestações secundárias materiais, requeridas pelo aprontamento da coisa objecto do contrato definitivo ou pela sua manutenção;
Prestações secundárias de tipo jurídico, como sejam a obtenção do consentimento do outro cônjuge ou a aquisição da coisa pelo promitente-alienante.
Além disso […] estão em jogo múltiplos deveres acessórios, assentes na boa fé e que visam, em modus de contrahendo, acautelar os interesses das partes. […] os deveres de segurança, de lealdade e de informação.” – cf. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil VII, pág. 361.
Não tendo as partes convencionado sobre os efeitos da falta de cumprimento do pagamento do reforço das quantias acordadas – sendo certo que na Cláusula Quarta apenas dispuseram para a falta de celebração da escritura, ou seja, para o incumprimento da obrigação principal do contrato-promessa -, à partida, o regime sancionatório previsto para o sinal apenas terá lugar se a obrigação incumprida for a obrigação principal e típica do contrato, ou seja, no caso do contrato-promessa, a obrigação de celebração do contrato definitivo.
Como se disse, os deveres principais de prestação constituídos através de um contrato-promessa concretizam-se em obrigações de contratar: o promitente-comprador tem a obrigação principal de outorgar no contrato definitivo como comprador e o promitente-vendedor tem, como dever principal de prestação, a obrigação de outorgar o contrato definitivo como vendedor.
A conclusão válida e eficaz do contrato prometido tem, porém, associadas condutas debitórias acessórias, positivas e negativas e instrumentais da sua realização, como sejam a conservação do bem no estado em que se prometeu vender, o levantamento de um ónus ou encargo sobre ele incidente, a obtenção de documentos com vista à marcação da escritura.
Com resulta do acima expendido, de entre as obrigações secundárias, a doutrina e a jurisprudência costumam distinguir entre os deveres acessórios da prestação, que se destinam a preparar o cumprimento ou a assegurar a perfeita execução da prestação principal e os deveres secundários com obrigação autónoma, para além dos deveres acessórios de conduta, que emergem do princípio geral vertido no ar.º 762º do Código Civil.
Em concreto, a propósito de prestações correspondentes ao pagamento de parcelas em reforço do sinal ou como princípio de pagamento do preço, refere-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-05-2003, processo n.º 03A1232:
“Trata-se de uma prestação própria e típica do contrato prometido que, relativamente ao contrato-promessa, assume a natureza de obrigação secundária ou acessória.
Quando tal se verifique, isto é, quando deixem de ser cumpridas obrigações ou deveres dessa natureza, não se segue, necessariamente, o direito à resolução.
Pressuposto desta é, em regra, o incumprimento da obrigação principal, a obrigação "caracterizadora do contrato como sinalagmático" - ANA PRATA, "O Contrato-promessa e o seu Regime Civil", 797 (vd., tb. BAPTISTA MACHADO, "Pressupostos da Resolução por Incumprimento" in "Obra Dispersa", I, 135).
Quando não esteja em causa o incumprimento da obrigação principal, haverá que averiguar, em concreto, qual a relevância da prestação incumprida na economia do contrato, em termos de proporcionar ao credor os efeitos jurídicos e patrimoniais tidos em vista com a conclusão do contrato.
Sem perder de vista que qualquer desvio do clausulado representa um incumprimento, não pode deixar de se ter em conta a respectiva repercussão no todo contratado.
[…] a par de obrigações acessórias ou secundárias que intervêm no evoluir do contrato e que, como tais se apresentam como instrumentais do exacto cumprimento da obrigação principal e da satisfação do interesse do credor, nela se projectando, outras há que surgem como autónomas ou "desvinculadas" da obrigação da contraparte, como sucede com as prestações que encerram efeitos antecipados do contrato prometido (Cfr. ANA PRATA, loc. cit. e ainda pg. 632).
Tais obrigações não se integram no sinalagma específico do contrato-promessa, razão por que só devem considerar-se fundamento de resolução quando se detecte um vínculo funcional entre o cumprimento dessas prestações e as demais obrigações emergentes do contrato, designadamente a prestar pela contraparte, em termos tais que o incumprimento de umas justifica o ulterior incumprimento das outras (cfr. acs. STJ de 16/12/93 e 12/7/001, CJ I-III-185 e IX-III-30). Numa palavra, só deverão admitir-se como causa legal de resolução os inadimplementos em que se verifique um nexo de instrumentalidade entre as prestações que afecte a evolução da execução contratual pondo em crise a viabilização do seu objectivo final […]”
No mesmo sentido, cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18-12-2003, processo n.º 03B3697; do Tribunal da Relação de Évora de 27-02-2020, processo n.º 5701/18.4T8STB.E1; e do Tribunal da Relação de Coimbra de 27-02-2018, processo n.º 6918/16.1T8CBR.C1 - “a violação de um dever acessório da prestação principal, por se refletir diretamente no incumprimento da obrigação de contratar, podendo gerar a mora ou o incumprimento definitivo da obrigação principal, poderá acarretar a resolução do negócio. Já a violação de um dever secundário com prestação autónoma não acarretará, por regra, a mora da obrigação principal, nem justificará, por maioria de razão, a resolução do negócio (embora possa gerar a obrigação de indemnizar, pelos prejuízos emergentes). Como afirma Ana Sá, qualquer incumprimento de uma das várias obrigações que possam emergir do contrato promessa além da obrigação principal de celebrar o contrato final desencadeia a aplicabilidade do respetivo regime geral pertinente: “o que está excluído é que o inadimplemento de uma obrigação secundária que não se reflita no incumprimento da obrigação de concluir o contrato principal desencadeie a aplicabilidade dos instrumentos de tutela desta última obrigação. Assim, segundo tal autora, “para determinar os efeitos de um qualquer incumprimento, questão essencial é, desde logo, qualificar a obrigação secundária não cumprida em função da obrigação principal, isto é, determinar a autonomia ou instrumentalidade dessa obrigação relativamente à obrigação de contratar que constitui a obrigação principal”
Também Menezes Cordeiro refere que o não-reforço do sinal, quando acordado e não acatado, não justificaria, só por si, a resolução, realçando, contudo, que apenas no caso concreto se pode ajuizar se esse não-reforço traduz o desrespeito por um prazo perentório, altura em que funciona o esquema do sinal” – cf. Código Civil Comentado II – Das Obrigações em Geral, Coordenação António Menezes cordeiro, 2021, pág. 304.
Baptista Machado, referindo que, em regra, a obrigação cuja violação fundamenta o direito de resolução se refere a uma prestação principal, não deixa de alertar para o facto de a importância da obrigação violada ser diferente conforme se trate de uma prestação principal e típica, de uma prestação acessória ou de um dever lateral de conduta, admitindo que o direito de resolução exista também relativamente à violação de uma obrigação acessória, sendo relevante considerar o quadro contratual concretamente em presença e aferir da importância da obrigação violada por referência ao interesse do credor – cf. op. cit., pág. 135.
Ora, ainda que se esteja perante obrigações secundárias ou acessórias, importa realçar que as partes aludem ao pagamento das prestações acertadas como reforço do sinal e pagamento do preço, sendo que essa natureza de reforço do sinal se assume como preponderante, atendendo à sua função, isto é, como modo de assegurar a seriedade do compromisso obrigacional.
Ainda que, por princípio, o não cumprimento das prestações de reforço do sinal não faculte, por si só, o direito de resolução, dado que perante a violação da prestação estipulada a parte adimplente pode recorrer aos instrumentos de tutela do seu direito de crédito, não se pode deixar de ponderar, no caso concreto, e no conjunto das obrigações estipuladas, que o cumprimento daquelas prestações assume aqui especial relevo face à dilação atinente à data limite para a celebração da escritura do contrato definitivo.
Com efeito, sabendo-se que a escritura apenas teria lugar decorrido quase um ano (330 dias) sobre a data da celebração do contrato-promessa, é de admitir, na ausência de qualquer estipulação das partes, que o esquema prestacional gizado visava não só garantir o compromisso obrigacional mas assegurar a finalidade do contrato-promessa – ou seja, a celebração do contrato definitivo –, cobrindo o risco suportado pelo promitente-vendedor face ao distanciamento do efectivo cumprimento e pagamento integral do preço.
Perante o incumprimento do autor há, pois, que aferir da sua projecção, quanto à sua natureza e extensão, na afectação do interesse do credor, tendo presente o princípio da boa fé e a sua repercussão no equilíbrio sinalagmático do contrato-promessa, a fim a de avaliar se este ficou afectado.
Ora, a boa fé exige do devedor todos os comportamentos razoáveis para a efectiva satisfação do interesse do credor, não se bastando com um cumprimento meramente formal.
Tendo presente o condicionalismo concreto em que as partes contrataram, aferido em função do teor das cláusulas estipuladas, designadamente daquela onde se prevêem diversos reforços do sinal, em consonância com o prazo fixado para a celebração da escritura de compra e venda e o risco suportado pelo promitente-vendedor, não se pode deixar de reconhecer, fazendo apelo à tutela da confiança investida e à primazia da materialidade subjacente, que o autor não poderia deixar de ter presente a importância do cumprimento dos prazos estipulados para os sucessivos pagamentos acordados.
Aliás, que tais prazos se apresentavam como peremptórios, decorre das sucessivas missivas enviadas pelos réus ao autor dando conta que se encontrava em mora relativamente a tais prestações e que urgia que a fizesse cessar, pagando as quantias em falta, o que permite constatar a sua relevância na economia e subsistência do próprio contrato-promessa, posto que essa falta de pagamento colocava em crise o equilíbrio sinalagmático do negócio, justificando a opção pela sua resolução.
Ainda que as prestações incumpridas respeitem a uma parte do preço do prometido contrato de compra e venda, não deixam de corresponder também a reforço do sinal e, mesmo que se apresentem com autonomia relativamente ao cumprimento da obrigação principal (o preço poderia ser pago, na sua totalidade, incluindo as prestações em atraso, no acto da escritura), acabam por ter repercussão no conjunto das obrigações estipuladas no contrato, em função do seu normal desenvolvimento e no cumprimento da obrigação principal, porquanto evidenciam a violação do programa contratual tal como foi delineado para suprir a perturbação adveniente da protelação no tempo do cumprimento desta obrigação, afectando, pois, a confiança no cumprimento do compromisso obrigacional assumido.
Por esta razão, dentro deste factualismo concreto, é de aceitar que o incumprimento da prestação secundária ou acessória em referência, pela sua expressão, pela reiteração da conduta e pela falta de resposta do autor perante as sucessivas interpelações para pagar que lhe foram comunicadas, confere ao contraente fiel o direito à resolução do contrato-promessa.
No que concerne ao incumprimento da obrigação de marcação da escritura do contrato definitivo, sustenta o recorrente que não estava vinculado a proceder a tal marcação até ao dia 25 de Março, mas sim até ao dia 3 de Maio de 2019, pelo que também por esta via a resolução será ilícita, porque não se encontrava em mora.
Como os próprios recorridos reconhecem, as estipulações contratuais não são claras quanto à data limite para a marcação da escritura de compra e venda.
Com efeito, na Cláusula Segunda, n.º 1, e), as partes estipularam que a parte remanescente do preço seria paga “no acto da escritura de compra e venda a ser efectuada durante o mês de Fevereiro de 2019”.
Por sua vez, na Cláusula Terceira, especificamente dedicada à celebração da escritura prometida, as partes estipularam, no seu n.º 1, o seguinte: “A escritura que titula a transmissão do imóvel deverá ser celebrada, até trezentos e trinta dias após a outorga do presente contrato, podendo tal prazo ser prorrogado, uma única vez e pelo período de trinta dias, a solicitação do promitente comprador, sem que tal confira aos promitentes vendedores qualquer direito de indemnização ou reparação por esse facto.”
Os recorridos sustentam que apesar do teor da Cláusula Terceira, na alínea e) do n.º 1 da Cláusula Segunda foi fixado um prazo certo para a celebração do contrato definitivo, sendo que, de todo o modo, em 8 de Maio de 2019, o prazo previsto naquela primeira cláusula já tinha sido ultrapassado.
O contrato-promessa foi celebrado com data de 8 de Junho de 2018, pelo que o termo do prazo de 330 dias para a celebração da escritura ocorreria no dia 4 de Maio de 2019.
Não obstante, na alínea e) do n.º 1 da Cláusula Segunda, as partes aludiram ao acto da escritura como devendo ser efectuado durante o mês de Fevereiro de 2019, pelo que importa determinar qual o sentido a retirar destas duas cláusulas incompatíveis entre si.
Nos termos do art. 236º, n.º 2 do Código Civil a declaração negocial valerá de acordo com a vontade real do declarante, se esta for conhecida do declaratário; assim não sucedendo, a declaração valerá com o sentido que possa ser deduzido por um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele – cf. art. 236º, n.º 1 do Código Civil.
Nos negócios formais, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto – cf. art. 238º, n.º 1 do Código Civil. Porém, esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade – cf. art. 238º, n.º 2.
“A interpretação nos negócios jurídicos é a actividade dirigida a fixar o sentido e alcance decisivo dos negócios, segundo as respectivas declarações integradoras. Trata-se de determinar o conteúdo das declarações de vontade e, consequentemente, os efeitos que o negócio visa produzir, em conformidade com tais declarações []” – cf. C. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição actualizada, pág. 444 e 445.
Deste modo e em face dos normativos acima referidos, o sentido das declarações negociais das partes será aquele que possa ser deduzido por um declaratário normal colocado na posição do declaratário real (atende-se “ao real declaratário nas condições concretas em que se encontra e tomam-se em conta os elementos que ele conheceu efectivamente mais os que uma pessoa razoável, quer dizer, normalmente esclarecida, zelosa e sagaz, teria conhecido e figura-se que ele raciocinou sobre essas circunstâncias como o teria feito um declaratário razoável” – cf. Mota Pinto, op. cit., pág. 447), salvo se este não puder razoavelmente contar com ele, sem prejuízo de, conhecendo o declaratário a vontade real do declarante, ser de acordo com ela que vale a declaração emitida (trata-se da teoria da impressão do destinatário).
No caso dos negócios formais já a declaração valerá desde que tenha um mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso, salvo se sentido diverso corresponder à vontade real das partes.
Para efeitos de interpretação e fixação do sentido da declaração haverá que atender à letra do negócio, às circunstâncias de tempo, lugar e outras que precederam a sua celebração ou dela são contemporâneas, às negociações prévias, à finalidade prática visada pelas partes, ao próprio tipo negocial, à lei e aos usos e costumes por ela recebidos e ainda às precedentes relações negociais entre as partes.
Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações – cf. art.º 237º do Código Civil.
Tendo presente estes princípios da interpretação do negócio jurídico, face ao texto das cláusulas em referência, não se pode deixar de considerar que é na Cláusula Terceira que as partes especificamente prevêem o termo final para a celebração da escritura, sendo que a referência ao mês de Fevereiro de 2019 contida na alínea e) do n.º 1 da Cláusula Segunda surge apenas no contexto do momento em que deveria ter lugar o pagamento do remanescente do preço, pelo que se impõe considerar que o prazo que as partes quiseram fixar é aquele que se mostra vertido na Cláusula Terceira.
Por outro lado, não sendo possível aferir, em face dos factos apurados, qual a real vontade das partes, não se pode deixar de atender ao necessário equilíbrio das prestações no contexto do contrato-promessa celebrado. Tendo sido exigido ao promitente-comprador o reforço sucessivo do sinal, o que se justifica pela dilação temporal estabelecida para a celebração do contrato definitivo, a antecipação desse momento para o mês de Fevereiro de 2019, dois meses antes do termo do prazo fixado na Cláusula Terceira, configuraria uma situação mais gravosa para aquela parte, pois que teria de antecipar o pagamento do remanescente do preço.
Aliás, no contexto do programa delineado para o pagamento dos reforços de sinal, não se afigura adequado admitir que, estando o promitente-comprador obrigado a pagar o último reforço no mês de Fevereiro de 2019, as partes tivessem querido estipular que teria, nessa mesma data, de agendar a escritura e assegurar o pagamento do restante preço.
A referência ao mês de Fevereiro de 2019 constante da alínea e) do n.º 1 da Cláusula Segunda parece configurar um erro de cálculo quanto ao prazo de 330 dias expressamente fixado na Cláusula Terceira, sendo nesta última que as partes expressamente estipularam o final para o cumprimento da obrigação principal do contrato-promessa em referência.
Embora esteja em causa uma interpelação admonitória para cumprir, vertida na comunicação de 15 de Março de 2019 (ou naquela outra de 25 de Março, se se tiver esta como a relevante), que abrangeu também a obrigação de marcação da escritura – ou seja, não se trata de uma resolução comunicada perante o mero não cumprimento do prazo -, sempre se dirá, que tal prazo de 330 dias não se apresenta como sendo um prazo peremptório, absolutamente fixo.
Com efeito, certo é que a obrigação de marcação da escritura tinha prazo certo (os tais 330 dias a contar da data da celebração do contrato), mas tal prazo não assume a natureza de um prazo fixo absoluto – a determinar o incumprimento definitivo do contrato, logo após a sua ocorrência –, mas sim de um prazo fixo relativo, conforme decorre, aliás, da posição dos réus que, entendendo estar ultrapassado o prazo fixado, concederam ao autor um novo prazo para o cumprimento.
Com efeito, o prazo previsto num contrato-promessa para a celebração de um contrato prometido pode revestir a natureza de prazo limite absoluto, cujo decurso determina o imediato incumprimento definitivo, possibilitando a resolução, ou de um prazo fixo relativo, determinante de simples situação de mora. No primeiro caso, as partes, ao fixarem um prazo máximo para a celebração da escritura, pressupuseram tacitamente a perda de interesse na respectiva celebração, pelo que esse prazo assume natureza essencial e o seu decurso determina o imediato incumprimento definitivo (a essencialidade do termo pode decorrer de convenção expressa ou tácita dos contraentes), estando em causa um termo essencial subjectivo; no segundo caso, embora as partes fixem um limite temporal para o cumprimento, tal limite não traduz uma directa e consequente perda de interesse negocial, aceitando-se que a prestação será ainda possível no âmbito do contrato (situação de mora ou mero atraso), não obstante a possibilidade de resolução contratual, convertida que seja a mora em incumprimento definitivo, por norma através da interpelação para o cumprimento, dentro de prazo razoável – cf. Baptista Machado, op. cit., pág. 188; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 265-03-2015, processo n.º 125/05.6TBVFL.P1.S1.
Ora, no presente caso, quer o contrato, quer os demais factos provados não revelam que as partes tenham fixado o prazo para a celebração da escritura de compra e venda do imóvel em termos de inderrogabilidade absoluta. Pelo contrário, decorre da Cláusula Terceira, n.º 1 a possibilidade expressamente prevista pelas partes de prorrogação desse prazo, a solicitação do promitente-comprador, o que revela que aquele prazo podia ser alterado por acordo e, por isso, não pode ser interpretado como definitivo – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 27-02-2020, processo n.º 5701/18.4T8STB.E1.
Além disso, os próprios réus assim o reconheceram ao terem procedido a uma notificação admonitória, concedendo ao autor o prazo suplementar de cinco dias para promover a celebração do contrato definitivo.
Não obstante isso, sucede que ao momento em que os réus procederam à interpelação admonitória do autor para cumprir a obrigação de marcação da escritura este ainda não se encontrava em mora, pois, conforme se disse, o prazo limite para o efeito era o dia 4 de Maio de 2019.
Referem os recorridos que no dia 8 de Maio de 2019, quando procederam à comunicação da resolução, tal prazo já se mostrava ultrapassado.
Todavia, estando em causa um prazo limite relativo, como acima se deixou explanado, não podiam os réus resolver o contrato apenas perante a mera ultrapassagem do prazo fixado para a celebração da escritura, posto que se lhes impunha fixarem um prazo suplementar para o cumprimento da obrigação.
Na verdade, a notificação efectuada pelos réus para que o autor marcasse a escritura por intermédio das cartas de 15 e 25 de Março de 2019 ocorreu num momento em que ainda não se havia verificado a mora deste relativamente a tal obrigação, sendo que tal interpelação admonitória apenas deveria ter sido feita após a verificação da mora, tal como decorre do estatuído no art.º 808º, n.º 1 do Código Civil – cf. neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-11-2004, processo n.º 04B3449.
Assim, não podendo a interpelação de 15 de Março de 2019 ou de 25 de Março de 2019 valer como interpelação admonitória, porque ainda não se verificava a situação de mora, e não tendo a comunicação de resolução de 8 de Maio de 2019 (reiterada em 31 de Maio de 2019) sido precedida de interpelação para cumprimento da obrigação de marcação da escritura, a resolução promovida com fundamento nesta falta não pode ser considerada válida e eficaz.
De todo o modo, subsiste, tal como resulta do anteriormente expendido, a resolução fundada na falta de pagamento dos reforços do sinal, relativamente à qual foi fixado um prazo suplementar para o respectivo cumprimento.
Mas relativamente a tal interpelação sustenta ainda o recorrente que esta não reúne os requisitos da interpelação admonitória, tal como acima se deixaram enunciados, ou seja, nela não teria sido referido de modo expresso que o não acatamento do novo prazo para cumprimento da obrigação em mora determinaria o incumprimento definitivo do contrato-promessa, corporizando apenas um mero aviso.
Como acima se deixou transcrito, seguro é que a interpelação admonitória não se pode limitar a consignar que o credor se reserva o direito de resolver o contrato, se este não for cumprido dentro do novo prazo, nem pode corporizar apenas uma ameaça ao devedor, devendo antes conter um termo preciso para o cumprimento e a declaração de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro desse prazo.
Ainda que a redacção constante da interpelação de 15 e 25 de Março de 2019 (cf. pontos 21. e 23. dos factos provados) possa não primar pela mais escorreita clareza, é evidente - aliás pelo contexto sucessivo de missivas que tiveram lugar mediante a exigência do pagamento dos valores em falta, sem que tenha sido efectuada qualquer advertência anterior no sentido do incumprimento definitivo (cf. pontos 15., 17. e 19.) -, que a única interpretação possível a extrair da referência a que a falta dos pagamentos em dívida relevaria “enquanto incumprimento definitivo do contrato” é a de que os réus/credores considerariam o contrato-promessa definitivamente incumprido se o pagamento não tivesse lugar nos cinco dias concedidos para o efeito, não podendo retirar-se de tal expressão uma intenção de mero aviso, mas, antes pelo contrário, a afirmação de uma consequência necessária que seria associada ao incumprimento, logo que decorrido o prazo suplementar concedido.
Não tem, pois, razão o recorrente quando sustenta que a interpelação efectuada não reúne os pressupostos legalmente exigidos, sendo legítima a conclusão, tal como efectuada pela 1ª instância, de que decorrido o prazo fixado, o contrato resultou definitivamente incumprido.
Por fim, relativamente ao prazo fixado na comunicação de 15 e de 25 de Março de 2019, argumenta o recorrente que não foi concedido um prazo razoável para o cumprimento da prestação.
Dado que apenas se tem por válida a interpelação relativamente ao cumprimento da obrigação de pagamento dos reforços de sinal, outra conclusão não se pode retirar que não a de que esse prazo suplementar de cinco dias se tem por adequado face ao circunstancialismo que precedeu a interpelação.
A interpelação admonitória, com fixação de um prazo peremptório para o cumprimento, consiste numa intimação formal, dirigida ao devedor incurso em mora, para que cumpra, dentro do prazo assinalado, sob pena de se considerar definitivo o seu não cumprimento e deve conter a intimação para o cumprimento; a fixação de um terminus ad quem peremptório para esse cumprimento e a cominação – declaração admonitória – de que a obrigação se considera definitivamente não cumprida se a realização da prestação devida se não verificar dentro do prazo fixado.
Este prazo, contudo, deve ser fixado dentro de um quadro de razoabilidade.
Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 6-12-2011, processo n.º 321/2002.C1:
“A lei é terminante na declaração de que o prazo fixado pelo credor deve ser razoável. É intuitivo que a razoabilidade do prazo variará em função da natureza da prestação. Sem pretensão de formulação de uma regra de valor universal, dir-se-á que o prazo é razoável se, em face das circunstâncias concretas, tendo em conta a regra de cooperação intersubjectiva representada pela boa fé, permitir ao devedor a realização da sua prestação (artº 762 nº 2 do Código Civil). Deve, portanto, ser um prazo suficiente para que o devedor cumpra e, simultaneamente, que não prejudique ou importe o desaparecimento do interesse do credor na prestação.”
Ora, tendo em conta que o recorrente se encontrava em mora desde Agosto de 2018 relativamente à primeira parcela de reforço do sinal estipulada pelas partes, assim como incorreu em mora relativamente às restantes prestações, que deveriam ter sido pagas em Dezembro de 2018 e Fevereiro de 2019, não obstante as diversas interpelações efectuadas pelos réus no sentido de proceder ao respectivo pagamento, a fixação do prazo de cinco dias concedido na interpelação de 15 de Março e reiterado na carta de 25 de Março, tem de se ter como adequada, face às circunstâncias concretas, para permitir que o devedor pusesse termo a uma mora que vinha sendo suportada pelos credores há vários meses.
Finalmente, vem o recorrente reiterar a sua posição de que o não pagamento do reforço do sinal se ficou a dever a conduta culposa dos réus face ao estado em que estes mantiveram o imóvel, para além de existir uma desconformidade de tipologia da fracção entre o que constava na caderneta predial e a planta do prédio, quando, de acordo com a Cláusula Primeira, n.º 2, os réus se obrigaram a manter a fracção autónoma em boas condições de habitabilidade e funcionalidade, não degradando as suas condições, reiterando que foi devido ao estado do imóvel (sujidade) que os réus aceitaram o adiamento do pagamento da primeira prestação – cf. pontos 8. e 9..
Ora, no que ao adiamento do pagamento do primeiro reforço do sinal diz respeito, não foi feita qualquer prova de que os réus a tanto tivessem anuído em função da necessidade de procederem à limpeza ou reparação do imóvel, o que, aliás, resulta da improcedência da impugnação da matéria de facto, como acima se deixou expendido.
Por outro lado, ficou demonstrado que os réus limparam o apartamento e retiraram as paredes levantadas entre a sala e a cozinha (cf. ponto 10.), sendo que, embora não resultando de modo expresso dos factos provados que o fizeram antes da resolução do contrato-promessa, também nada resulta dos autos que tal se tenha verificado posteriormente a tal resolução, pelo que não pode o autor valer-se desse facto para justificar o seu incumprimento, que se manteve ao longo de vários meses.
Ademais, como se refere na decisão recorrida, nem sequer estão demonstradas nos autos as condições da fracção existentes à data da celebração do contrato-promessa e verificadas e ponderadas pelos outorgantes como pressupostos necessários do negócio, para que se pudesse concluir que ao momento do não pagamento das prestações por parte do promitente-comprador tais condições se tinham alterado. Sabe-se apenas que, findo o arrendamento, a fracção apresentava sujidade e tinha paredes levantadas entre a sala e a cozinha e que os réus limparam o apartamento e retiraram tais paredes, não sendo possível extrair qualquer outra conclusão desses factos, que, por referência ao momento da celebração do contrato, relevem como justificação para o não cumprimento das prestações por parte do autor.
Quanto à discrepância de tipologia mencionada no ponto 12. dos factos provados dir-se-á que não se alcança qual a sua repercussão seja na formação da vontade de contratar por parte do promitente-comprador, seja na afectação do seu interesse no negócio, seja ainda na eventual impossibilidade de celebração da escritura do contrato definitivo, até porque para a efectivação desta releva a licença de utilização, onde consta a tipologia T3 que corresponde à realidade física existente.
Sobre esta matéria, atente-se que o DL n.º 281/99, de 26 de Julho veio estabelecer a disciplina aplicável à exigência de apresentação perante o notário de licença de construção ou de utilização na celebração de actos de transmissão da propriedade de prédios urbanos.
Assim, o art. 1º do aludido DL 281/99, de 26 de Julho estatui:
“1 - Não podem ser realizados actos que envolvam a transmissão da propriedade de prédios urbanos ou de suas fracções autónomas sem que se faça prova da existência da correspondente autorização de utilização, perante a entidade que celebrar a escritura ou autenticar o documento particular.
2 - Nos actos de transmissão de imóveis é feita sempre menção do alvará da autorização de utilização, com a indicação do respectivo número e data de emissão, ou da sua isenção. […]
4 - A apresentação de autorização de utilização nos termos do n.º 1 é dispensada se a existência desta estiver anotada no registo predial e o prédio não tiver sofrido alterações.”
Por sua vez, o art.º 2 prescreve:
“1 - A apresentação do alvará de licença de utilização, no caso de já ter sido requerido e não emitido, pode ser substituída pela exibição do alvará da licença de construção do imóvel, independentemente do respectivo prazo de validade, desde que:
a) O transmitente faça prova de que está requerida a licença de utilização;
b) O transmitente declare que a construção se encontra concluída, que não está embargada, que não foi notificado de apreensão do alvará de licença de construção, que o pedido de licença de utilização não foi indeferido, que decorreram mais de 50 dias sobre a data do seu requerimento e que não foi notificado para o pagamento das taxas devidas. […]”
Acresce que o DL n.º 68/2004, de 25 de Março veio estabelecer ainda um conjunto de mecanismos que visam reforçar os direitos dos consumidores à informação e à protecção dos seus interesses económicos no âmbito da aquisição de prédio urbano para habitação, bem como promover a transparência do mercado, introduzindo a elaboração de uma ficha técnica da habitação.
Assim, o artigo 9.º, n.º 1, desse diploma estabelece que:
1 – Sem prejuízo de outras normas aplicáveis, não pode ser celebrada a escritura pública que envolva a aquisição da propriedade de prédio ou fracção destinada a habitação sem que o notário se certifique da existência da ficha técnica da habitação e de que a mesma é entregue ao comprador.”
Em face destes normativos legais tem vindo a ser entendimento consolidado da jurisprudência o de que para a realização da escritura de compra e venda de prédio urbano é essencial a apresentação da licença de utilização, como disso se dá conta no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-10-2015, processo n.º 886/06.5TBEPS.G2.S1.
Ora, nenhuma destas situações foi convocada pelo autor/recorrente nem, por outro lado, a desconformidade apontada parece interferir na projectada celebração do contrato de compra e venda e tão-pouco releva - nem nesse sentido foi efectuada qualquer alegação ou prova -, como dado susceptível de inquinar a vontade de contratar do promitente-comprador, pelo que não pode o recorrente justificar o seu não cumprimento com a existência de tal desconformidade, quando, aliás, nem alegou ou demonstrou ter solicitado aos promitentes-vendedores a sua sanação e uma posterior inércia destes (note-se que o documento n.º 6 – mensagem de correio electrónico de 23 de Setembro de 2018 dirigida pelo autor aos réus – nenhuma valia possui neste contexto, porquanto o autor aí nada refere sobre tal desconformidade, nem solicita a sua supressão ou sequer a convoca como fundamento para o não pagamento da prestação em falta).
Impõe-se, assim, concluir pela validade da declaração de resolução do contrato-promessa comunicada pelos réus/recorridos, o que lhes confere o direito a fazerem seu o sinal entregue, em conformidade com o estatuído no art. 442º, n.º 2 do Código Civil.
Em consonância, há que concluir pela manutenção da decisão recorrida na parte em que declarou válida a resolução do contrato-promessa promovida pelos réus/recorridos.
*
3.4.4. Da condenação do autor como litigante de má fé
O autor/recorrente pugna ainda pela revogação da decisão impugnada na parte em que o condenou, como litigante de má fé, no pagamento de uma multa no valor de 3 UC´s e de uma indemnização a ambos réus, no valor de 3 000,00 € (três mil euros), acrescida de juros de mora.
Com efeito, na decisão recorrida considerou-se, a este propósito, o seguinte:
“Perante tudo o exposto, têm razão os RR. ao considerar na sua contestação que, face ao desaparecimento do contrato-promessa da esfera jurídica das partes, a propositura da presente acção configura uma situação clara de abuso de direito por parte do A., na modalidade de venire contra factum proprium, nos termos previstos no art.º 334º do Cód. Civil, porquanto o A. invoca um direito que sabe que não tem, em resultado do seu próprio incumprimento, comprometendo os direitos dos RR. de forma ilegítima.
Face ao comportamento do A., vêm os RR. alegar que existe da parte do mesmo litigância de má-fé e, como tal, pretendem a condenação do A. em multa e no pagamento de uma indenização aos RR. no valor de 6.500,00 euros, acrescida de juros de mora desde a propositura da acção até efectivo e integral pagamento.
Atento o disposto no art.º 542º, nº 2 do Cód. Proc. Civil, litiga de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
Nos termos previstos no nº 1 do mesmo preceito legal, o litigante de má fé é susceptível de ser punido com multa ou indemnização à parte contrária, se esta a requerer, sendo a litigância de má fé de conhecimento oficioso.
Atenta a factualidade dada como provada, verifica-se que o autor litigou de má nos presentes autos, com dolo, porquanto, sendo o mesmo um agente imobiliário, que, no âmbito da sua profissão, está habituado a elaborar e fazer cumprir contratos-promessa de compra e venda de imóveis, não podia deixar de saber que o contrato-promessa em apreço nos autos tinha sido por si incumprido e, em consequência, validamente resolvido pelos RR..
Daqui se impõe concluir que o A. deduziu pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar e fez do processo um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal.
A propositura da presente acção judicial acarretou prejuízos e incómodos para os RR..
Apurou-se que os RR. estão ambos reformados e que a presente acção lhes tem provocado ansiedade, desgaste físico, psíquico e emocional e que devido à existência desta acção os RR. passaram algumas noites sem dormir e tiveram desequilíbrio emocional e confusão psicológica.
Tudo visto e ponderado, segundo os critérios de equidade previstos no art.º 496º, nºs 1 e 4 do Cód. Civil e no art.º 543º, nº 1, alínea b) e nº 2 do Cód. Proc. Civil, considera-se justo e adequado condenar o A. no pagamento de uma multa no valor de 3 UC´s e numa indemnização aos RR. no valor de 3.000,00 euros, na medida em que também não lograram os RR. provar todos os prejuízos que haviam alegado na sua contestação.
Sobre este valor de indemnização incidirão juros de mora, contabilizados às taxas legais em vigor para as obrigações civis, desde a data do trânsito em julgado da presente decisão até efectivo e integral pagamento, pois só a partir deste momento esta obrigação se torna certa e exigível.”
O recorrente insurge-se contra o assim decidido referindo que, não obstante ser um agente imobiliário, é também um cidadão comum, que não pode ser impedido de exercer os seus direitos, reiterando tudo quanto alegou para sustentar a responsabilidade dos réus pelo incumprimento do contrato-promessa, atenta a situação em que se encontrava o imóvel, justificando o seu entendimento de que a resolução não tinha sido validamente efectuada, pelo que a interposição desta acção correspondeu a um exercício legítimo do seu direito de acesso aos tribunais, não se podendo considerar que actuou de forma dolosa com vista a alcançar um fim ilícito, não estando verificados os pressupostos da litigância de má fé.
Os réus/recorridos consideram que a decisão em causa é acertada, porquanto o autor sabia que o contrato-promessa tinha sido por si incumprido, sendo infundada a sua pretensão de imputar aos recorridos a responsabilidade da sua conduta, pelo que era ilegítimo o recurso à via judicial.
O art. 542º, n.º 1 do CPC prevê a possibilidade de a parte ser condenada em multa quando tenha litigado de má fé.
Litigante de má fé será aquele que, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão – cf. n.º 2 do art. 542º do CPC.
De referir que, a litigância de má fé exige que se verifique por parte do litigante dolo ou negligência grave, isto é, pressupõe a consciência de que se não tem razão; é necessário que a parte tenha agido com intenção maliciosa, e não apenas com leviandade ou imprudência.
Tal não significa que a parte deva assumir um comportamento processual contrário ao seu interesse, ou seja, que não possa deduzir oposição a pretensão alheia quando entenda que lhe assiste razão.
A tutela jurisdicional está à disposição de todos os titulares de direitos mas o exercício dos meios processuais deve decorrer de forma sincera, actuando a parte de modo coerente e convencida da sua pretensão.
A norma do art. 542º, n.º 2 do CPC permite distinguir a má fé substancial, inerente a uma actuação que se revele pelas condutas descritas nas alíneas a) e b) e a má fé instrumental, vertida nas alíneas c) e d) do mesmo artigo.
Contudo, em qualquer dessas situações há que estar presente uma intenção maliciosa ou uma negligência de tal modo grave ou grosseira que, sendo próxima de uma actuação dolosa, justifica um elevado grau de reprovação e idêntica reacção punitiva
Como se explana no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-11-2020, processo n.º 279/17.9T8MNC-A.G1.S1:
“A conduta do agente deve apresentar-se como contrária a um padrão de conformidade da ação pessoal do sujeito processual com o dever de agir de acordo com a juridicidade e a lei. "A má fé processual (...) é toda a atividade desonesta, cavilosa, proteladora (para cansar o adversário) unilateral ou bilateral, verificada no exercício do direito de ação, quando desenvolvida com a intenção de prejudicar outrem, quer ela respeite ao mérito da causa (lide caluniosa, fraudulenta, etc.) quer às medidas instrumentais, desde que seja ilícita, isto é violadora das normais gerais e específicas da conduta processual, tendentes a criar as condições favoráveis a uma boa e justa decisão do pleito."
A condenação como litigante de má fé assenta, pois, num juízo de censura sobre um comportamento que se revela desconforme com um processo justo e leal, que constitui uma emanação do princípio do Estado de direito.”
É sabido que a matéria atinente à litigância de má fé assume natureza delicada e de difícil discernimento em face do próprio facto de que a contenda processual acarreta sempre a instauração de um conflito de interesses em que, por norma, cada uma das partes está convicta da sua verdade.
Assim, a censura tem de se basear na ofensa de valores éticos que decorra de uma actuação com dolo ou negligência grave aquando da dedução de pretensão cuja falta de fundamento a parte não devia ignorar ou tiver feito do processo um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal.
A condenação por litigância de má fé exige prudência por parte do Tribunal e cuidada ponderação dos factos patenteados nos autos.
O juízo de censura que enforma o instituto da litigância de má fé radica na violação dos elementares deveres de probidade, cooperação e de boa fé a que as partes estão adstritas (cf. art.ºs 7º e 8º do CPC), para que o processo seja justo e equitativo.
Não sendo necessária, em termos de prova, a consciência da ilicitude do comportamento e a intenção de conseguir objectivos ilegítimos (actuação dolosa), exige-se, porém, que seja possível formular um juízo de censurabilidade, ou seja, não são apenas as condutas dolosas que justificam a condenação por litigância de má fé, mas também as gravemente negligentes – cf. António Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, 1997, pág. 85.
Neste contexto, podem identificar-se situações de dedução de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento se não devia ignorar (o que significa que a parte, antes de produzir determinadas afirmações de factos, deve assegurar-se da sua veracidade, assim como deve ser diligente na busca do enquadramento jurídico das suas pretensões[8]), de alteração da verdade dos factos ou omissão de factos relevantes para a decisão, de modo doloso ou gravemente negligente e de omissão grave do dever de cooperação ou de uso reprovável dos instrumentos processuais.
No caso em apreço, a decisão recorrida entendeu que o autor invocou um direito que sabia que não tinha, face à resolução do contrato-promessa efectuada pelos réus, com fundamento no incumprimento daquele, que o autor, enquanto agente imobiliário, tinha de reconhecer.
Não se pode acompanhar o assim decidido.
Não obstante a actividade profissional desenvolvida pelo autor e a sua eventual (não demonstrada) familiaridade com a celebração de contratos-promessa e consequências do respectivo incumprimento, certo é que, nesta acção, o autor litiga enquanto promitente- comprador, invocando a falta de conformidade do objecto mediato do contrato-promessa como justificação para o seu comportamento incumpridor.
Independentemente dos factos que se vieram a demonstrar produzida que foi a prova em 1ª instância, não se pode afirmar que o autor tenha litigado ciente e convencido da sua falta de razão no presente litígio, porquanto era legítimo que, perante aquela que era para si a realidade dos factos, pudesse configurar um enquadramento jurídico em que a sua falta de pagamento das prestações encontrasse fundamento no comportamento dos réus. Ainda que tal enquadramento jurídico pudesse não ser evidente à data da interposição da acção e perante aqueles que eram os factos conhecidos pelo autor, ainda assim nada se evidencia nos autos no sentido de que o autor estivesse ciente da inviabilidade da sua pretensão jurídica ou que lhe fosse exigida uma maior exigência na delineação desta.
A interposição da presente acção, na falta de efectiva comprovação objectiva de um conhecimento seguro sobre o insucesso da pretensão por parte do demandante, não pode ser vista como um comportamento gravemente negligente, designadamente em sede de busca da solução jurídica adequada, e menos ainda como uma actuação dolosa, mas tão-somente como o exercício de um direito, que, à partida, o autor entendia assistir-lhe, tanto mais que a licitude da resolução promovida pelos réus era susceptível de ser impugnada sob diversas vertentes - como, aliás, o autor fez -, tanto mais que, em parte, a invocação dessa ilicitude se revelou procedente (no que concerne ao alegado incumprimento da obrigação de marcação da escritura pública).
Sendo este o contexto a ponderar e porque os autos não espelham dados objectivos que integrem, por banda do autor, a violação do dever de boa-fé processual - que não se deve confundir com a mera dedução de pretensão cujo decaimento sobreveio por fragilidade da prova, por a parte não ter logrado convencer da realidade por si trazida a julgamento ou com a eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar ou com discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos ou ainda com a defesa convicta e séria de uma posição, sem contudo a lograr convencer -, não se descortinam fundamentos que justifiquem a sua condenação como litigante de má fé.
Procede, assim, nesta parte, a presente apelação, impondo-se a revogação da decisão recorrida no segmento em que condenou o demandante no pagamento de multa e indemnização aos réus, como litigante de má fé.
*
Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
O apelante decai em parte da pretensão que trouxe a juízo, tendo, contudo, obtido provimento parcial do recurso, pelo que as custas (na vertente de custas de parte) ficam a seu cargo e a cargo dos réus/recorridos, na proporção de ¾ e ¼, respectivamente.
*
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência:
a. revogar a decisão recorrida na parte em que condenou o autor/recorrente, como litigante de má fé, no pagamento de uma multa no valor de 3 UC´s e de uma indemnização a ambos os réus, no valor de 3 000,00 € ( três mil euros), acrescida de juros de mora;
b. manter, quanto ao mais, a decisão recorrida.
As custas ficam a cargo do apelante e dos apelados, na proporção de ¾ e ¼, respectivamente.
*
Lisboa, 26 de Abril de 2022[9]
Micaela Marisa da Silva Sousa
Cristina Silva Maximiano
Amélia Alves Ribeiro
_______________________________________________________
[1] Adiante designado pela sigla CPC.
[2] Acessível na Base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt, onde se encontram disponíveis todos os arestos mencionados adiante sem indicação de origem.
[3] Publicado no Blog do IPPC, em https://blogippc.blogspot.pt/.
[4] “Para que a teoria da "probabilidade prevalecente" possa operar, é necessário que existam provas de enunciados contrários ou contraditórios. Só nestas condições se pode ponderar qual das duas provas pode prevalecer sobre a outra. Ora, no direito português (e em muitos outros), o ónus da prova é atribuído (apenas) a uma das partes; só depois de cumprido este ónus da prova por uma das partes, cabe à outra parte provar um facto contrário ou contraditório. […]”Standard probatório; “probabilidade prevalecente”, in Blog IPPC, entrada de 18/10/2019 Jurisprudência 2019 (100).
[5] Blog IPPC, entrada 25-05-2018, disponível em https://blogippc.blogspot.com/search?q=valora%C3%A7%C3%A3o+declara%C3%A7%C3%B5es+parte.
[6] Disponível em http://www.trl.mj.pt/PDF/As%20declaracoes%20de%20parte.%20Uma%20sintese.%202017.pdf.
[7] Ainda que, em rigor, o art.º 17º, n.º 2, b) da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, apenas proíba a empresa de mediação de intervir como parte interessada em qualquer negócio que incida sobre imóvel compreendido no contrato de mediação de que seja parte.
[8] A falta manifesta de apoio jurídico será, contudo, mais fácil de detectar em fase de recurso e depois de o tribunal de primeira instância ter proferido decisão quanto à matéria de facto – cf. Abrantes Geraldes, Temas…, pág. 85, nota 76.
[9] Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.