Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1393/08.7YXLSB.L1-7
Relator: AMÉLIA ALVES RIBEIRO
Descritores: ANÁLISE CRÍTICA
MEIOS DE PROVA
DEFICIÊNCIA DA GRAVAÇÃO
NULIDADE
PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/24/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1. É ao impugnante que cumpre convencer o Tribunal de recurso que a primeira instância violou as regras de direito probatório aquando da apreciação da dos meios de prova. Não basta uma mera contraposição de meios de prova (ainda que não constantes dos indicados na fundamentação do tribunal): é necessário que a parte que recorre proceda, ela própria, a uma análise crítica da apreciação do tribunal a quo, demonstrando em que pontos o Tribunal se afastou do juízo imposto pelas regras legais, dos princípios, das regras da racionalidade e da lógica ou da experiência comum.
2. Nos termos do art. 155º, nº 4 do CPC, a falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias, a contar do momento em que a gravação é disponibilizada ao recorrente.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

Apelante/R.: “…, S.A.”.  
Apelados/AA.: “…”.

I. Relatório.


1.- Pretensão sob recurso: revogação da sentença recorrida, nos termos contantes das alegações de recurso. 

1.1.- Pedido: condenação das RR. “…, S.A.” e “… - Sociedade de Locação Financeira, S.A.”, a pagar à A. a quantia de € 15.754,10, acrescida do valor das prestações vincendas e de juros legais, contados desde a citação até integral pagamento, e ainda, serem condenadas a retirar das instalações da A. o veículo objecto do presente processo.

Alegam os AA.,em síntese, que: no facto no âmbito da sua actividade foi contratada pela 1.ª Ré para a reparação de um veículo Nissan Cabstar, de matrícula …, que foi interveniente num acidente de viação, sendo à altura do mesmo propriedade do …,
Leasing SA, em consequência do mesmo, a 1.ª Ré assumiu perante a Autora o pagamento da reparação pelos danos sofridos pelo veículo …, tendo o perito da seguradora, dado ordem para a sua reparação; o veículo foi reparado nas oficinas da Autora e a 1.ª Ré procedeu ao pagamento da reparação; através de fax foi comunicada a necessidade de levantamento do veículo, sendo que no caso de permanecer nas instalações da Autora estaria sujeita ao pagamento de parqueamento; na ausência de resposta foram remetidas várias facturas à 1.ª Ré, com valores referentes ao parqueamento; em 15 de Fevereiro de 2005, a 1.ª Ré comunica à Autora que a questão do parqueamento deve ser dirimida com o proprietário do veículo …, SA. Posteriormente comunica à Autora que o veículo deve ser entregue na …, Lda., oficina que procedeu à reparação da parte mecânica do veículo com a qual a Autora não teve qualquer relação comercial; por seu turno, o …- Rent não procedeu a qualquer resposta; sofreram danos com a permanência do veículo nas instalações por inércia das Rés.

A 1.ª Ré contestou, alegando, em síntese, que: houve prescrição do direito invocado pela Autora, porquanto o veículo ficou reparado em 21-10-2004, decorridos três anos desde a data da reparação; impugnam-se, ainda, os factos alegados na petição inicial, uma vez que não foi a 1.ª Ré que contratou a reparação do veículo …, já que esta reparação foi efectuada pela oficina …, Lda. escolhida pelo locatário do veículo .. & …, Lda., onde o veículo fora depositado após o acidente e reparado; a 1.ª Ré foi informada pelo perito que os “extras” não se encontravam reparados, e em data que a 1.ª Ré desconhece, mas após a reparação pela oficina A.. o veículo foi removido para as oficinas da Autora a fim de serem reparados os “extras”; fez deslocar um perito às oficinas da Autora a fim de confirmar o relatório de reparação e dos valores; após a reparação do veículo pela Autora em 27-10-2004, a 1.ª Ré pagou a reparação; o veículo pertencia à sociedade … Leasing, SA, e não foi a 1.ª Ré que escolheu as oficinas, não lhe cabendo a obrigação de pagar despesas de parqueamento do veículo; o quantitativo pedido não é suportado por factualidade que fundamente o prejuízo decorrente da ocupação do veículo. Termina, concluindo pela procedência da
excepção peremptória de prescrição e pela improcedência da acção com a consequente absolvição da Ré do pedido.

A 2.ª Ré também contestou, alegando, em síntese, que: foi proprietária do veículo em causa nos autos, mas deixou de ser desde 25 de Junho de 2007, tendo os documentos sido remetidos por via postal para o locatário; não teve intervenção no processo desenvolvido entre o tomador de seguro e a 1.ª Ré na sequência do sinistro porque era a beneficiária, tendo recebido, ainda, em 2003 uma informação da 1.ª Ré de onde consta a perda total do veículo, tendo informado que discordava do valor atribuído pela seguradora; nessa sequência, a 1.ª Ré alterou a sua posição e deu ordem de reparação do veículo; não acompanhou o processo de reparação, sendo que, o locatário atenta a posição da Ré … em considerar a perda total do veículo, adquiriu novo veículo e desinteressou-se da reparação, tendo pago as rendas até ao final do contrato; não lhe cabia levantar o veículo e ao vender o veículo ao locatário em 2007, deixou de ser proprietária do mesmo; o valor pedido de € 10,00 diários não foi contratualmente estabelecido, e apenas a Autora teria direito aos prejuízos causados pelo depósito do veículo nas suas instalações que teriam de ser alegados o que não se verifica. Termina, pedindo a sua absolvição do pedido.

A A. apresentou resposta, pronunciando-se pela improcedência das excepções peremptórias invocadas pelas RR., requerendo, ainda, a intervenção provocada de “…, Comércio de …, Lda.”, que foi deferida.

A Sociedade “…, Lda.”, foi declarada insolvente por sentença proferida em 17-09-2009, pelo que, por despacho proferido em 23-01-2015 (acta) foi declarada a inutilidade superveniente dos pedidos quanto à mesma.

Foi proferida decisão do seguinte teor: “…Julgar a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência:
a) Condenar a Ré … SA a pagar à Autora a quantia de €15.754,10, acrescida do valor das prestações vincendas, a liquidar em execução de sentença e, de juros legais, contados desde a citação até integral pagamento, e ainda, serem condenadas a retirar das instalações da Autora o veículo objecto dos presentes autos.
b) Absolver a Ré …, SA, Sociedade Aberta, dos pedidos contra si deduzidos
c) Condenar pela Ré ..., na totalidade das custas.
d) Sem custas quanto à Ré ..., SA, Sociedade Aberta.
e) Registe e notifique.….”.

É contra esta decisão que se insurge a R., interpondo a presente apelação, e formulando as conclusões que seguem a seguir, em síntese nossa:

1 - Constata a Recorrente que o facto 2 provado está incompleto; também se constata a omissão parcial de fundamentação nos pontos 5, 6, 15, 16, 22 a 28 e 35 a 40 da matéria de facto quanto aos documentos que terão suportado esta factualidade – pág.  10 da sentença – assim como na página 12 da sentença, no primeiro parágrafo;
E, mais à frente, na fundamentação dos factos 7 a 14, 17 a 20 também são omissos os documentos que corroboram o depoimento da testemunha ….
Assim, deverão as omissões supra identificadas ser corrigidas, nos termos do disposto no art. 614º, nº 1 e 2 CPC.
2 - Por outro lado, constata-se a ausência total de fundamentação quanto ao facto 41  da matéria provada e quanto à alínea g) dos factos não provados, o que gera a nulidade parcial da sentença, nos termos do disposto no art. 615º, nº 1, al. b) CPC.
3 - Apresenta-se inaudível parte do depoimento da testemunha …, gravado no sistema “Citius”, inicio em 11.34.40h e termo desconhecido, conforme se pode constatar na acta da audiência do dia 24/2/15, acta com referência 332351951 – nos seguintes espaços temporais:
00.07, 00.18, 00.28, 00.58, 01.09, 01.11, 01.20, 01.30, 01.45,   02.08, 02.15, 02.32, 16.16, 02.42, 02.58, 03.00, 03.06, 03.14, 03.26, 03.29, 04.13, 04.30, 05.15, 05.26, 06.36, 07.01, 07.25, 08.20, 08.37, 09.00, 09.18, 09.28, 09.44, 09.54, 10.16, 10.43 e 11.10;
Pelo que deverá ser anulado o depoimento, nesta parte, e consequentemente da douta sentença, ordenando-se a repetição do julgamento na parte viciada – cfr. art. 195º, nº 1 e 2 CPC..
4 - Impugna os pontos 2, 15, 38 e 41 da matéria de facto/recurso à prova gravada:
E as alíneas a) e d) dos factos não provados.
5 - Quanto à fundamentação de direito, entende a Recorrente que foram violadas as seguintes normas jurídicas:
art. 217°, 342°, n° 1 e 1207° CC: não ficou provada qualquer declaração negocial feita pela Recorrente à A. com vista à celebração de qualquer contrato de empreitada; . art. 498° CC: a responsabilidade da Recorrente é extracontratual, pelo que os três anos há muito tinham sido ultrapassados, quando a acção deu entrada – cfr. factos provados 21 e 28;
art. 342°, n° 1 e 1185° CC: não ficou provada a existência de qualquer contrato de depósito entre Recorrente e A., nem mesmo que o veículo está e se mantém nas instalações da A. e qual o dano efectivo com essa alegada ocupação;
Certo é que não era a Recorrente que tinha obrigação de levantar a viatura, após a reparação, mas antes o proprietário ou locatário, ou seja 2ª R. ou sociedade ...– cfr. factos provados 30 a 33;
E a A. tinha obrigação de guardar e restituir a viatura até o proprietário ou locatário a levantar - cfr. Ac. STJ 24.10.95, em www.dgsi.pt.
As obrigações da 1ª R. eram cumprir com o contrato de seguro, ou seja, peritar e fechar o orçamento de reparação do veículo e pagar a reparação, o que foi feito – cfr. factos provados 4 a 6, 27 e 28!
Ou seja, a reposição natural foi cumprida pela Recorrente - Cfr. Ac. RC 25.1.11, em www.dgsi.pt.

Os AA. contra-alegaram, formulando as seguintes conclusões:

A. O facto 2 provado, como se demonstrou não está incompleto, tal como não existe ausência de fundamentação quanto ao facto 41 da matéria provada e quanto á alínea g) dos factos não provados. É notório que se trata de um mero lapso de escrita como atrás demonstrado na 1.ª questão e deficiente argumentação na segunda, como se extrai das alegações da ora Apelada, não estando tais situações abrangidas pelas previsões do disposto no art.° 614.° n.° 1 e 2 do C.P.C., tal como a omissão parcial da fundamentação nos pontos 5, 6, 15, 16, 22 a 28 e 35 a 4° da matéria de facto quanto aos documentos que terão suportado tal factualidade. O mesmo se diga da omissão dos docs. que corroboram o depoimento da testemunha …. Deverão, pois, não ser consideradas as omissões invocadas, bem como a invocada nulidade parcial da sentença nos do disposto no art.° 615.°, n.° 1, al. b) do CPC.
B. O vertido no ponto 3 das alegações da Apelante sobre a invocada gravação deficiente, não corresponde à verdade, pois não se vislumbram quaisquer falhas na gravação da audiência de 20/02/2015, não ocorrendo por isso qualquer irregularidade que seja determinante para a repetição do julgamento nessa parte.
C. As alegações da Apelante vertidas no seu n° 4 das conclusões, referentes aos pontos 2,15, 38 e 41, mereceram a resposta nas contra alegações da Apelada nos seus n°s. 13 a 25 que se invocam para efeitos das presentes conclusões e que necessariamente conduzem à manutenção de tais factos como provados.
D. Ao contrario do que a apelante pretende fazer crer, ficou largamente provada a existência de um contrato de empreitada, o que implica a responsabilidade civil contratual pela sua violação.
E. É o caso da Apelante que invoca a prescrição do direito da Apelada com a argumentação de que se trata de responsabilidade civil extracontratual, o que, como se demonstrou não se verifica.
F. Aliás, demonstrativo do seu direito, é a argumentação apresentada nos pontos 30 a 38 das presentes alegações.
G. Ficou provado que as relações jurídicas aqui em causa provêm de um contrato de empreitada celebrado entre a 1.ª Ré, ora Apelante e a autora, ora Apelada.
H. A Apelante não pode invocar a aplicação de um regime em tudo quanto lhe é conveniente e depois procurar obter ainda mais efeitos jurídicos benéficos da aplicação de um outro uma vez que tal implicaria a criação de um desequilíbrio entre as partes, que nem a lei nem a vontade das partes pretenderam.

I.2.- Como é sabido, o âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões dos recorrentes, importando, assim, decidir as questões nelas colocadas e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso, exceptuando-se aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, nos termos do art.º 608.º do CPC.
Assim, considerando as conclusões da apelante, as questões essenciais a decidir no âmbito do presente recurso, consistem em saber se (i) se verificam as apontadas irregularidades e nulidade da sentença; (ii) se o recurso de facto deve proceder; (iii) se se verifica a prescrição do direito invocado pela A. e se na realidade ela tem direito a reclamar indemnização da A. e em que montante.

II.-FUNDAMENTAÇÃO.

II.1.-Dos Factos.

Além do que consta do precedente relatório, importa considerar os factos dados como provados em primeira instância:

1. A Autora é uma Sociedade Comercial por Quotas que se dedica à reparação de Automóveis. (artigo 1.º da petição inicial)
2. A Autora no âmbito da sua actividade foi contratada pela 1ª R. para a reparação viatura NISSAN CABSTAR, de matrícula …. (artigo 2.º da petição inicial)[1]
3. O veículo referido em 2. foi interveniente num acidente de viação, sendo à altura do mesmo propriedade do ... LEASING Sociedade de Locação Financeira, S.A. com sede na Rua dos fanqueiros, 12 – 3° 1100-231 Lisboa. (artigo 3.º da petição inicial).
4. Em consequência do acidente a Ré Seguradora assumiu perante a Autora a responsabilidade da sua segurada e, por isso, o pagamento da reparação pelos danos directos sofridos pelo veículo .... (artigo 4.º da petição inicial)
5. Em consequência desse mesmo acidente, o perito da 1.ª Ré Sr. ,,, perante o orçamento apresentado, vistoriou o veículo, dando ordem para a sua reparação à Autora “...ª”, com a confirmação dos trabalhos por parte do perito Sr. ,,,. (artigo 5.º da petição inicial)
6. Nessa sequência, o veículo de matrícula ..., foi reparado nas oficinas da Autora, tendo a Ré Seguradora suportado o seu custo, de conformidade com as facturas n.ºs … e … apresentadas após a conclusão da reparação (artigo 6.º da petição inicial)
7. Através de fax de 27 de Outubro de 2004, dirigido à ... Portugal S.A., foi comunicada a necessidade de levantamento da viatura que, em caso de permanecer nas instalações da Autora estaria sujeita ao pagamento de parqueamento. (artigo 7.º da petição inicial)
8. Na ausência de resposta, a Autora por carta de 2 de Dezembro de 2004, remeteu a factura n.°… no valor de €357,00, referente ao parqueamento do mês de Novembro à razão de €10,00 diários acrescidos de IVA à taxa de 19%. (artigo 8.º da petição inicial)
9. Através de carta de 3 de Janeiro de 2005, a Autora remeteu a factura n.º ,,,, referente ao parqueamento do mês de Dezembro de 2004 no valor de € 368,90. (artigo 9.º da petição inicial)
10. Por carta de 1 de Fevereiro de 2005, foi remetida a factura n° … no valor de €368,90 referente ao mês de Janeiro de 2005. (artigo 10.° da petição inicial)
11. As facturas referidas em 8. a 10. não foram pagas à Autora. (artigo 11.º da petição inicial).
12. Em 15 de Fevereiro de 2005, a Ré seguradora, através de fax, comunica à Autora que a questão do parqueamento deverá ser dirimida com o proprietário do veículo que é o ... S.A. (artigo 12.° da petição inicial)
13. Em resposta a Autora através de carta registada, datada de 16 de Fevereiro de 2005, reiterou a sua posição anterior, referindo que foi a Ré Seguradora que lhe confiou a viatura para reparação, nunca a informando antes acerca da propriedade do veículo. (artigo 13.° da petição inicial)
14. A Ré seguradora declinou a sua responsabilidade no pagamento do parqueamento, argumentando que a escolha da oficina da Autora para a reparação do veículo, não foi por si escolhida. (artigo 14.° da petição inicial).
15. A viatura foi para as instalações da Autora para reparação, através do perito Sr. … da S.G.S., em cumprimento das instruções do Sr. Dr. …, funcionário da Ré. (artigo 15.° da petição inicial).
16. Em 6 de Fevereiro de 2007, a Autora informava novamente a Ré seguradora da necessidade do pagamento do parqueamento com o consequente levantamento da viatura, embora sem sucesso. (artigo 17.° da petição inicial)
17. Desde Fevereiro de 2005, que a Autora informou o ...- Rent, da recusa da 1.ª Ré em assumir o pagamento do parqueamento, requerendo a apreciação do assunto como proprietária do veículo, não obtendo resposta. (artigos 18.° e 19.° da petição inicial)
18. Em 28/11/2006, na sequência de um telefonema da iniciativa da Autora com o Sr. … do ...-Rent que sugeriu o envio de toda a documentação para ... – Financiamento … na Avenida …, o que foi feito (artigo 20.° da petição inicial)
19. A Autora facturou o parqueamento da viatura ao custo diário de €10,00 a importância a que acresce IVA à taxa de 21%. (artigo 26.° da petição inicial).
20. A Autora facturou desde Novembro de 2004 até à data da entrada da petição inicial as seguintes quantias, acrescidas de IVA à taxa de 21%, e valor diário de €10,00: Ano de 2004: Novembro € 357,00 Dezembro € 368,90 ano de 2005,
365 dias € 4.416,50 ano de 2006 – 365 dias € 4.416,50, ano de 2007 – 365 dias € 4.416.00, ano de 2008 – 147 dias €1.778,70. (artigo 34.° da petição inicial)
21. A Ré foi citada para contestar a presente acção em 04/06/2008.
22. A reparação do veículo foi efectuada na oficina - …, Lda.. (artigo 11.° da contestação da 1.ª Ré)
23. A 1ª Ré, em 16/08/2004, procedeu ao pagamento da reparação. (artigo 12.° da contestação da 1.ª Ré).
24. Em 06/05/2004, a 1ª Ré foi informada pelo perito que os “extras” do veículo – que apresentavam danos derivados do acidente – não estavam reparados (artigo 13.° da contestação da 1.ª Ré).
25. Após o pagamento da reparação à “…”, o veículo foi removido para as oficinas da Autora, a fim de serem reparados os referidos “extras” (artigo 15.° da contestação da 1.ª Ré).
26. A 1ª Ré não foi, oportunamente e de início informada que a oficina “...” não estava habilitada na reparação desses “extras”, e que o veículo teria de ser removido para outra oficina, para finalização da reparação. (artigo 16.° da contestação da 1.ª Ré).
27. A 1ª Ré fez deslocar um perito às oficinas da Autora, a fim de “fechar” o relatório de reparação dos “extras” do veículo individualmente, por causa dos valores das respectivas franquias. (artigo 18.° da contestação da 1.ª Ré).
28. Em 27/10/2004, o veiculo “…” ficou totalmente reparado, pagando a 1ª Ré a reparação dos “extras”. (artigo 19.° da contestação da 1.ª Ré).
29. O veículo foi objecto de contrato de locação financeira celebrado entre a 2.ª Ré e …, Comércio de Máquinas e Ferramentas, Lda., no dia 28 de Maio de 2002, conforme cópia do documento de fls. 104 a 109, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
30. Consta da certidão do …, de fls. 341 que a 2.ª Ré se encontra inscrita como proprietária do veículo automóvel com a matrícula ..., de marca NISSAN, e modelo CABSTAR entre 17-07-2002 até 20­ 05-2009.
31. Consta da certidão do Registo Automóvel de Lisboa, de fls. 341 que desde 17­… que …, Comércio de Máquinas e Ferramentas, Lda. encontra-se inscrita como proprietária do veículo automóvel com a matrícula ..., de marca NISSAN, e modelo CABSTAR.
32. Em 25 de Maio de 2007, mostravam-se pagas todas as rendas vencidas (artigo 6.° da contestação da 2.ª Ré).
33. No dia 25 de Junho de 2007, o valor residual previsto (423,67 €, IVA incluído) foi facturado e por este pago …, Comércio de Máquinas e Ferramentas, Lda. (artigo 6.° da contestação da 2.ª Ré).
34. A 1. Ré emitiu um Certificado Provisório R.C. Automóvel em 04 de Junho de 2008 (artigo 10.° da contestação da 2. Ré).
35. Em 2003, a 2.ª Ré recebeu uma carta da 1ª R. informando que lhe iria ser paga indemnização porque o sinistro tinha originado a perda total da viatura, o ... S.A. informou que discordava do seu valor, porquanto estava mal calculada, em desacordo com a respectiva apólice de seguro. (artigo 12.° da contestação da 2.ª Ré).
36. Na sequência dessa comunicação, e face ao valor efectivamente devido ao ... S.A. em caso de perda total, a 1.ª Ré alterou a sua posição inicial, tendo dado ordem de reparação da viatura. (artigo 13.° da contestação da 2.ª Ré).
37. O ... S.A. não acompanhou o processo de reparação da viatura sinistrada (artigo 14.° da contestação da 2.ª Ré)
38. Atento o decidido pela 1ª R. que a viatura seria considerada perda total, originou que o locatário da viatura tivesse adquirido uma nova viatura, tendo perdido o interesse na reparação daquela (artigo 15.° da contestação da 2.ª Ré)
39. Considerando que a 1ª R. não iria pagar ao 2° R. qualquer indemnização, este prosseguiu com o cumprimento das suas obrigações relativas ao contrato de locação financeira n.° 157663. (artigo 16.° da contestação da 2.ª Ré)
40. O ... S.A. nunca promoveu a entrega e reparação da viatura na oficina da Autora (artigo 18.° da contestação da 2.ª Ré).
41. O veículo ocupava espaço que podia ser rentabilizado pela recolha de um outro veículo (artigo 18.° da resposta da Autora)

Factos não provados:
 
a) A oficina - …., Lda.- foi escolhida pela segurada/locatária da1ª Ré, …, Comércio de Máquinas e Ferramentas, Lda., onde o veículo “…” fora depositado após o acidente e peritado em 29/7/2003. (artigo 11.° da petição inicial da 1.ª Ré).
b) A situação referida em 24 dos factos provados foi confirmada pela segurada/locatária em 03/6/2004, aquando da deslocação de um seu representante à oficina “…”. (artigo 14.º da contestação da 1.ª Ré).
c) Que a 1.ª Ré desconhece a data em que o veículo foi removido para a .... (artigo 15.° da contestação da 1.ª Ré).
d) Não foi a 1ª Ré quem escolheu as oficinas da Autora. (artigo 21.° da contestação da 1.ª Ré).
e) No dia 25 de Junho de 2007, a viatura de matrícula ... deixou de ser propriedade da 2ª R., para passar a ser propriedade da sociedade locatária, tendo os documentos necessários ao respectivo averbamento junto da Conservatória do Registo de Automóveis sido remetidos a esta, por via postal, no dia 29 de Junho de 2007. (artigo 7.° da contestação da 2.ª Ré).
f) Que em Junho de 2007 o locatário tenha exercido a opção de compra do veículo. (artigo 15.° da contestação da 2.ª Ré).
g) Que a permanência do veículo obsta a que a Autora crie receitas como complemento da sua actividade (artigo 18..°, da resposta da Autora)

II.-FUNDAMENTAÇÃO.

II.1.-Recurso de facto.

É ao impugnante que cumpre convencer o Tribunal da Relação que na primeira instância foram violadas as regras de direito probatório aquando da apreciação dos meios de prova. Não basta uma contraposição de meios de prova que não constam dos que foram valorizados pelo tribunal. É necessário que a parte que recorre proceda, ela própria, a uma análise crítica da apreciação do Tribunal a quo, demonstrando em que pontos o Tribunal se afastou do juízo imposto pelas regras legais, dos princípios, das regras da racionalidade e da lógica ou da experiência comum.

Note-se que tendo nós ouvido toda a prova gravada, é de assinalar o empenho que a Mmª juíza teve na investigação, tendo sido exaustiva na indagação da especificidade e dos contornos do caso.

II.1.1.-Questões preliminares

II.1.1.1.-Quanto à alegada incompletude do facto nº 2

A recorrente invoca haver uma incompletude do ponto 2 que, na realidade corresponde a um manifesto lapso por omissão, devido à circunstância  de, apesar da indicação da fonte donde foi retirado (artº 2º da P.I.), ter sido omitido que o contrato foi estabelecido com a 1ª R., lapso que pode inclusivamente ser rectificado por este tribunal.

Constatando-se ser manifesto o assinalado lapso, e visto o artº 614/2 CPC, o ponto 2 da matéria de facto passa a ter a seguinte redacção:

A Autora no âmbito da sua actividade foi contratada pela 1ª R. para a reparação viatura NISSAN CABSTAR, de matrícula .... (artigo 2.º da petição inicial).

II.1.1.2.-Quanto à alegada falta de fundamentação relativamente aos factos nºs 5, 6, 15, 16, 22 a 28 e 35 a 40 .

A apelante assinala haver omissão da fundamentação por se não terem indicado os documentos em que se suporta o juízo probatório quanto aos indicados factos, acrescentando, quanto ao segundo mencionado grupo de factos, que não foram referenciados os documentos que corroboram o depoimento da testemunha ….

Todavia, sem qualquer razão.

Com efeito, a simples leitura da decisão de facto mostra que a Mmª juíza a motivou, como resulta de fls. 10 e melhor se discrimina a fls. 10 in fine a 12, isto é valorizou os documentos de fls.  338 a 339, 11, 12, 13, 15, 17, 19, 20-41, 338, 339, 360 a 380, 388 – 396, 418, 419 para os quais, de resto, a própria apelante remete no texto da minuta a fls. 478vº e 479.

Por conseguinte, não se vislumbra qualquer fundamento para a alegada irregularidade cuja invocação é, para nós, de todo incompreensível.

II.1.1.3.- Quanto à alegada falta de fundamentação relativamente aos factos nºs 7, 14 e 17 a 20.

Os factos nºs 7 e 14 reportam-se expressamente aos nºs 7 e 14 da P.I., os quais remetem para os documentos nºs 4 (fax da A. para a R. – fls. 13) e 10 (missiva da R. dirigida à A. – a fls. 25).

Por seu turno, os factos 17 a 20 (relativos à perturbação do pagamento e facturação do parqueamento) referem-se aos artigos 19º, 20º, 26º e 34º da P.I..

Por sua vez, estes reportam-se aos documentos nºs 17  a 19 (juntos a fls. 33 a 36).

Assim, parece legítimo presumir-se que a omissão das folhas dos documentos relativamente a este grupo de factos constitui um manifesto lapso que desde já se supre com este esclarecimento.
Considera-se, assim, a remissão feita para fls. 13, 25 e 33 a 36.

II.1.1.4.-Mais se aponta a omissão total de fundamentação quanto ao facto 41.

A apelante convoca a aplicação o artº 615/1/b) CPC que se reporta, como se sabe, à nulidade da sentença com base em falta de motivação.

Todavia, também sem razão.

Com efeito, o facto nº 41 remete para o artº 18 da resposta da A. que se reporta à permanência da viatura em questão nas instalações da A. e, como tal, é um facto que está no âmago da própria discussão da causa. A ela se reportam os fundamentos indicados também a propósito da motivação dos factos 5, 6, 15, 16, 22 a 28 e 35 a 40.

Por considerarmos, assim, estar presente a exigência posta no artº 607 CPC., improcede, também quanto a este ponto o recurso da R.

II.1.1.5.-Quanto à alegada nulidade por inabilidade de parte do depoimento de testemunha

Na conclusão 3 a impetrante invoca nulidade da gravação de parte do depoimento da testemunha … em virtude de haver, segundo diz, inabilidade parcial do mesmo.
Por seu turno, a apelada contraria dizendo nas contra-alegações que não se verifica a alegada inabilidade [conclusão b) das contra- alegações].
Todavia, nenhuma falha de relevo se detecta na gravação do indicado depoimento, afigurando-se ser total a falta de razão da apelante sobre este ponto.

Em todo o caso, importa ponderar que:

- em 20.05.2015 foi entregue cópia da gravação da audiência de discussão e julgamento à ilustre mandatária da recorrente (fls. 467).
- Em 20.06.2015 veio a mesma recorrente suscitar a questão da inbilidade em sede de alegações de recurso.
Verifica-se, assim, que, ainda que a apontada inabilidade se verificasse, sempre seria intempestiva a invocada nulidade.
Com efeito, nos termos do art. 155º, nº 4 do CPC, a falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias, a contar do momento em que a gravação é disponibilizada. E a este respeito tal como se afirma no Ac. desta secção de 2014.10.28, onde se seguiu a posição que subscrevemos sem reservas: “o CPC aprovado pela L. 41/2013 de 26.06, pondo fim às dúvidas que se suscitavam nesta matéria no domínio do direito anterior e à diversidade de soluções judiciais que foram sendo adoptadas, estabelece, agora, de forma clara, que a falta ou deficiência da gravação é uma nulidade / irregularidade processual que tem de ser invocada pela parte, no prazo de 10 dias depois de lhe ser disponibilizada a gravação. 2. Não sendo invocada, terá, necessariamente, de se ter por sanada (art. 196º do CPC)[2].

Seja como for,

II.1.2.-Recurso de facto

Diga-se antes de mais que é ao impugnante que cumpre convencer o Tribunal de recurso que o Mmº juiz violou as regras de direito probatório aquando da apreciação da dos meios de prova. Não basta uma contraposição de meios de prova que não constam dos que foram valorizados pelo tribunal. É necessário que a parte que recorre proceda ela própria a uma análise crítica da apreciação do tribunal a quo, demonstrando em que pontos o tribunal se afastou do juízo imposto pelas regras legais, dos princípios, das regras da racionalidade e da lógica ou da experiência comum.

II.1.2.1.-A apelante questiona os factos relatados sob os nºs 2, 15, 38, 41

Vejamos,

II.1.2.1.1.-Quanto ao facto 2.

Criticando a circunstância de o tribunal ter entendido que este facto se encontra provado por acordo e pelos documentos de fls. 43 a 46, a R. defende que, ao invés, não houve acordo sobre esta matéria (referindo-se à impugnação vertida nos artºs 10º e 30º da contestação) e que os documentos em questão não provam o indicado facto.
Entende, outrossim, que a testemunha ... depôs em sentido diverso.

Relembra-se que o facto nº 2 tem a seguinte redacção:
A Autora no âmbito da sua actividade foi contratada pela 1. R. para a reparação viatura NISSAN CABSTAR, de matrícula ... (artigo 2.º da petição inicial).

Cumpre assinalar que é verdade que o artº 2º da P.I. donde foi extraído o facto em crise, foi formalmente contraditado. Todavia, isso não pode valorizar-se como impugnação, quando é certo que o relato dos acontecimentos feito pela própria R.  (nomeadamente nos nºs 18 e 19 da contestação) demonstra precisamente o oposto, isto é, no sentido de que a 1ª R. concordou com a reparação do veículo na A..

Assim sendo, não vemos por onde contrariar o juízo probatório da primeira instância quanto a este ponto.

Acresce que o segmento transcrito do depoimento convocado pela apelante para fundar a crítica nada acrescenta de positivo, limitando-se a testemunha a um persistente “não sei” ou “na minha ausência”. Ora este relato não tem o valor de infirmar o que consideramos que resulta de acordo, nos termos assinalados.

Mas ainda que dúvidas houvesse, no tocante à reparação do automóvel pela A., temos especificamente vasta documentação que refere que a primitiva oficina reparou apenas em parte o veículo em questão e que foi necessária a intervenção da oficina da A. a fim de a completar (carroçaria).  A testemunha ... subscreveu, aliás, um documento que a R. dirige à A. (fls. 30) no qual refere que: “o veículo teve de ir para as v/instalações para ser reparado”. Reparação essa consequência da peritagem na oficina da …”. Diga-se que a R. não contradiz a intervenção tout court do  perito, Sr. …, que trabalhava para a R. (enquanto trabalhador da SGS) a montante da reparação pela A.. 

Mais decisivo afiguram-se-nos os factos que decorrem dos nºs 35 e seguintes do acervo dado como provado e sem crítica.

Com efeito, neste caso, não é de estranhar que não tenha sido seguido o procedimento normal quanto a reparações. É que, numa primeira fase, a R. apelante considerou o veículo acidentado como sendo perda total. Nessa sequência, e já numa altura em que o locatário do mesmo veículo havia adquirido nova viatura, exprimindo assim, desinteresse pela viatura “perdida”, e tendo em conta que o ... nada teve a ver com essa mesma questão, é lógico presumir que apenas a R. ... estava em ligação com o procedimento de reparação do automóvel e, como tal, poderá deduzir-se daquela factualidade, que terá sido ela a responsabilizar-se. Tanto é que foi ela que autorizou a reparação na A. (a própria testemunha … referiu isso) e por se responsabilizar pelo pagamento da mesma reparação, mesmo sem assinatura do proprietário (o que contraria os procedimentos normais  - como tudo consta do penúltimo parágrafo de fls. 26 e do depoimento da testemunha … que com ele foi confrontado).

Em sentido convergente depôs também a testemunha ... que referiu que, apesar de não ter falado, em concreto, com ninguém da ..., escriturava o que a propósito o Sr. …, gerente da empresa A (entretanto falecido) lhe ditava e, por isso teve alguma percepção dos factos. Como se disse, foi a ... que deu ordem para ali ser reparado veículo. O Sr. … foi o perito que fez o serviço para a R., segundo referiu aquela testemunha. O representante da ... mandou avançar. O procedimento da A. era avançar com a reparação mediante a autorização da companhia de seguros.

Assim, parece-nos não haver motivo para reverter este ponto da matéria de facto.

II.1.2.1.2.-Quanto ao facto 15.

A R. critica a circunstância de o tribunal se ter baseado em documentos que não identifica e nos depoimentos de …, …, …, …..

Todavia, e antes de mais, como acima se disse, convém lembrar que a simples leitura da decisão revela que deve considerar-se que os documentos em que o Mmª Juíza se baseia, apesar de não formalmente indicados, são os consignados a fls. 10 a 12 da sentença, isto é, os documentos de fls.  338 a 339, 11, 12, 13, 15, 17, 19, 20-41, 338, 339, 360 a 380, 388 – 396, 418, 419.

Convém também lembrar que o facto nº 15 tem a seguinte redacção:
A viatura foi para as instalações da Autora para reparação, através do perito Sr. …da S.G.S., em cumprimento das instruções do Sr. Dr. …, funcionário da Ré. (artigo 15.° da petição inicial).

A R. admite que o doc. de fls. 26 confirma que foi pelo Sr. … que o veículo foi para as instalações da A. para execução dos trabalhos (fls. 479), muito embora tenha contraposto a esse documento os documentos de fls. 25 e 30 (em que a R. nega que tenha sido ela a pedir o parqueamento da viatura em causa na oficina da A., mas também onde vem referido o já transcrito segmento no sentido de que “o veículo teve de ir para as v/instalações para ser reparado”).

No que toca ao segmento do depoimento da testemunha … de que a R. se vale para impugnar este criticado facto, verifica-se que, s.m.o., o mesmo nada acrescentou com relevo para a posição da R..

Este segmento não tem a virtualidade de fazer duvidar do juízo probatório da Mmª julgadora, quando diz: “Por seu turno a testemunha …s, trabalhador da 1.ª Ré, e gestor do sinistro ocorrido com o veículo em causa dos autos, prestou um depoimento vago, com memória selectiva, afirmando não se recordar com precisão dos factos em causa atento o tempo decorrido sobre os mesmos. Por esse motivo, foi confrontado com os documentos que constam dos autos e com os documentos que constavam do processo de sinistro que correu na 1.ª Ré (que o Tribunal oficiosamente determinou a sua junção aos autos para auxiliar a memória da testemunha que afirmou ter conhecimento directo dos factos). Após a confrontação com tais documentos a testemunha confirmou o conteúdo dos mesmos, que foram subscritos pelo próprio.

Assim, os factos supra referidos foram considerados provados com base no confronto dos depoimentos das sobreditas testemunhas com a análise do conteúdo dos documentos de fls. 11, 12, 13, 15, 17, 19, 20 a 41, 338 a 339, 360 a 38, 388 a 396, especialmente o documento de fls. 28,  datado de 28.10.2004 (com que foi confrontada a testemunha …) – e ao que resulta -  esta mesma testemunha pediu para que o veículo regressasse à primitiva oficina. Note-se que nessa data já o automóvel fora reparado pela A. (fls. 13 documento datado de 27.10.2004).

E dos documentos, lidos em conjugação com o contributo dos depoimentos das testemunhas para que remete a motivação de facto – muito embora tal possa constituir em geral um procedimento anómalo, não podemos senão deixar de corroborar o juízo de que, desses meios de prova - “resulta que foi com ordem da 1.ª Ré (através do seu perito ...e com autorização da testemunha ... que o veículo, não se encontrando reparado na totalidade pela oficina “...”, foi deslocado para a oficina da Autora, conforme demonstram os documentos de fls. 360, 374, 375, a que acresce que, a testemunha ..., após ter sido interpelada em representação da 1.ª Ré para remover o veículo das instalações da Autora, pede à oficina ... para o veículo regressar àquela oficina onde inicialmente tinha ocorrido a primeira reparação (conforme resulta da análise dos documentos de fls. 28, 30, 418 e 419.

Relevantes são também os documentos de fls. 374, 375 e 391 referenciados na sentença os quais, acompanhados dos depoimentos das testemunhas ouvidas, apontam no sentido de que “foi a seguradora […] que teve a informação de que o veículo não estava totalmente reparado, através do perito Sr. ... (vide depoimento da testemunha  que realizou a peritagem à carroçaria e pintura –fls. 338 e 339) e que foi a A. quem deu ordem de reparação (testemunha ...).

Por conseguinte, e apreciados os indicados elementos em conjugação com o já referido na apreciação do facto nº 2,  não vemos razão para alterar a decisão recorrida.

II.1.2.1.3.- Quanto ao facto 38.

Criticando a circunstância de o tribunal se ter baseado em documentos que não identifica e nos depoimentos de ..., ..., ..., e ..., a R. critica o facto nº 38.

O facto nº 38 tem a seguinte redacção:
Atento o decidido pela 1ª R. que a viatura seria considerada perda total, originou que o locatário da viatura tivesse adquirido uma nova viatura, tendo perdido o interesse na reparação daquela (artigo 15.° da contestação da 2.ª Ré).

Da motivação de facto parece retirar-se que os documentos omitidos são precisamente os mesmos que são referenciados a fls. 10 a 12 da sentença e a que já aludimos.

Todavia, não encontramos, na realidade qualquer alusão a este matéria aos depoimentos das testemunhas.

Neste caso, vale aqui o já atrás por nós afirmado quanto ao facto nº 2 no sentido de que, numa primeira fase, a R. apelante considerou o veículo acidentado como sendo perda total. Nessa sequência, e já numa altura em que o locatário do mesmo veículo havia adquirido nova viatura, exprimindo assim, desinteresse pela viatura “perdida”, e tendo em conta que o ... nada teve a ver com essa mesma questão, é lógico presumir que apenas a R. ... estava em ligação com o procedimento de reparação do automóvel e, como tal, poderá deduzir-se daquela factualidade, que terá sido ela a dar a ordem de pagamento. Tanto é que acabou por autorizar a reparação na A. (a própria testemunha ... referiu isso) e por se responsabilizar pelo pagamento da mesma reparação, mesmo sem assinatura do proprietário (o que contraria os procedimentos normais (como tudo consta do penúltimo parágrafo de fls. 26 e do depoimento da testemunha ... que com ele foi confrontado).

Por conseguinte, não obstante o procedimento não ter obedecido à normalidade das coisas, tal ficou a dever-se à especificidade das circunstâncias, inclusivé por parte da própria R. que acabou por inflectir a sua posição ao admitir que, afinal, o veículo iria para reparação e não para perda total. Isso, logicamente levou a que o locatário entretanto assumisse comportamento ajustado à primeira posição da R. – isto é, perante a perspectiva da perda total, adquiriu nova viatura, o que, naturalmente demonstra o desinteresse na viatura acidentada.

II.1.2.1.4.- Quanto ao facto 41

Criticando a circunstância de o tribunal recorrido não ter motivado a convição sobre este facto, a recorrente pretende que o mesmo seja dado como não provado

O facto nº 41 tem a seguinte redacção:

O veículo ocupava espaço que podia ser rentabilizado pela recolha de um outro veículo (artigo 18.° da resposta da Autora).
Sobre este ponto importa ponderar que uma oficina situada na Penha de França, em Lisboa (oficina da A.) ocupa necessariamente um espaço valorizado enquanto espaço urbano, onde se desenrola uma actividade profissional.
A formulação deste facto não concretiza qualquer valor, nem sequer descreve qualquer realidade que permita concluir ser devido um valor certo. Por isso, e tendo em conta o depoimento da testemunha ..., e dado que os termos da impugnação não nos apresentam melhor razão, não vemos fundamento para alterar o assinalado facto.

II.1.2.2.- A apelante questiona ainda as alíneas a) e d) dos factos não provados.

II.1.2.2.1.- Quanto à al. a)

Criticando a circunstância de o tribunal se ter baseado na afirmação de que “em todo o processo de reparação em que a A. foi interveniente, não teve intervenção a locatária, nem a proprietária (2ª R.)

A alínea a) tem a seguinte redacção.
a) A oficina - Sociedade Mecânica ...., Lda.- foi escolhida pela segurada/locatária da 1ª Ré, ..., …e Ferramentas, Lda., onde o veículo “” fora depositado após o acidente e peritado em 29/7/2003. (artigo 11.° da petição inicial da 1.ª Ré).

A mera transcrição de um segmento de depoimento não basta para que o apelante logre a inversão da formulação de um determinado ponto da matéria de facto.

É necessário que faça também uma análise crítica dos pertinentes meios de prova, demonstrando que o juízo probatório se afastou das regras de direito probatório, da experiência comum, da racionalidade e da lógica.

Ora neste caso, valem aqui os fundamentos que invocamos quanto ao ponto 2 da matéria de facto.
Assim, mantem-se inalterada  a al. a), enquanto facto não provado.

II.1.2.2.2.- Quanto à al. d)

Criticando a circunstância de o tribunal se ter baseado em documentos que não identifica e nos depoimentos de ..., ..., ... e ..., a apelante pretende que a al. d) dos factos não provados passe a constar como facto provado.

A alínea d) tem a seguinte redacção.
Não foi a 1ª Ré quem escolheu as oficinas da Autora. (artigo 21.° da contestação da 1.ª Ré).
Resulta, assim, valerem aqui também os fundamentos indicados quanto aos pontos 2 e 15 da matéria de facto.

II.2- Apreciação jurídica.

Face à matéria provada, afigura-se-nos patente que não pode proceder, senão em parte, a pretensão da apelante.
Na verdade,
Este caso é, manifestamente, um caso de procedimento anómalo, no âmbito do funcionamento da cobertura do seguro em causa.
Porém, essa anomalia resulta de comportamento que só à R. é imputável, porquanto começou por afirmar que o veículo acidentado a que os autos se referem era um veículo para perda total.
Ora, foi com base nessa informação que a locatária (uma sociedade entretanto declarada insolvente) acabou por se desinteressar da recuperação do mesmo veículo e procedeu à compra de uma outra viatura.
Neste contexto a R. seguradora acaba por ser a única entidade que aparece ligada à oficina da A.: nem a locadora, ..., nem a locatária, sequer uma única vez, se relacionaram com a A.. Foi o perito da SGS que efectuou a peritagem para a R.; foi a R. que, corrigindo o que previamente havia decidido, deu a ordem de reparação e foi a R. que mais tarde veio a efectuar o pagamento.
A A. aparece enquanto dona da segunda oficina que interveio neste caso, visto que a primitiva oficina não efectuava a reparação de carroçarias.
A A. nunca entrou em relação negocial com qualquer das demais partes.
Ora bem, parece-nos, assim, que a R., além da responsabilidade que assumiu pela empreitada que consistiu na reparação (ao pagá-la), é também responsável pela permanência do veículo nas instalações da A. (e aqui já não será despiciendo entender-se que estamos perante um contrato de depósito)[3].
Daí importa retirar que bem andou a primeira instância ao considerar que, ao contrário da pretensão da R. que defende serem 3 anos), estamos perante um prazo prescricional de 20 anos

Naturalmente que a utilização das instalações da A. terá de presumir-se como onerosa, face ao regime do contrato de depósito (utilização de instalações onde se leva a cabo actividade profissional - artºs 1158º/1, 1186º, 1199º e 1200º do CC).

Face à impugnação do valor em sede de recurso, com incidência na amplitude do objecto do recurso, teremos também de apreciar o critério para fixação da indemnização devida.

Acontece que a A. trouxe prova bastante incipiente sobre o tema do valor que peticiona.
Por conseguinte e na falta de outros elementos, valoráveis inclusivamente à luz do disposto no artº 1158º/2 CC, teremos de lançar mão da equidade para que remete, in extremis o assinalado preceito.

E, nessa conformidade, afigura-se-nos ser de fixar em metade o valor em causa, dispensando também a ulterior liquidação, através de incidente para o efeito, visto que estamos perante um simples cálculo aritmético.

III. Decisão.

Pelo exposto e decidindo, de harmonia com as disposições legais citadas, altera-se a decisão recorrida  - no tocante à al. a) que passará a ter o seguinte teor:
(…)
a) Condenar a R. ... a pagar à A. a quantia de 7.877,00€, acrescida do valor das prestações vencidas e vincendas (fls. 16 da sentença recorrida) e de juros desde a citação até integral pagamento, e a providenciar pela remoção do veículo das instalações da A., a qual ficará como fiel depositária.
No mais mantém-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.



Lisboa, 24 de maio de 2016


Maria Amélia Ribeiro
Graça Amaral
Orlando Nascimento

                                                         

[1]Alterado de acordo com o que infra se deixa consignado.
[2]Realatado pela Exmª Desembargadora Cristina Coelho.
[3]Não será também despiciendo que, mais tarde, possa reclamar o valor que tiver desembolsado perante a entidade que mostrar que tem direito a levantar o automóvel, a título de enriquecimento sem causa, já que se trata de despesas de que não tira proveito e que se destinam a preservar o veículo.