Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | EDGAR TABORDA LOPES | ||
Descritores: | PROCESSO DE INJUNÇÃO EUROPEU REGULAMENTO (EU) 2015/848 PROCESSO DE INJUNÇÃO PROCÉDURE DE REDRESSEMENT JIDICIAIRE INUTILIDADE SUPERVENIENTE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/18/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I – O artigo 20.º do Regulamento (EU) 2015/848 do Parlamento Europeu e do Conselho de 20 de Maio de 2015, relativo aos processos de insolvência, prevê que a decisão de abertura de um processo de insolvência referido no artigo 3.º, n.º 1 - um processo principal de insolvência, aberto no Estado-membro em que se situe o centro dos interesses principais do devedor - fazendo o Regulamento presumir que esse lugar é o da sede estatutária da sociedade comercial - produz, sem mais formalidades, em qualquer dos demais Estados-Membros, os efeitos que lhe são atribuídos pela lei do Estado de abertura do processo. II – Tendo um Tribunal francês aberto um “procédure de redressement judiciaire” contra a Requerida num Processo de Injunção europeia em Portugal, abrindo um período de observação, fixado a data de cessação dos pagamentos, e ordenado a adopção de um plano de recuperação e designado um comissário de execução desse plano, uma vez que tal corresponde a uma das espécies processuais que integram a lista de processos franceses constantes do Anexo A do citado Regulamento (não se suscitando dúvidas sobre a circunstância de se tratar de um “processo de insolvência”, para efeitos da aplicação do Regulamento, por força do seu artigo 2.º, n.º 4), o processo em Portugal deve terminar por inutilidade superveniente (uma vez que a lei francesa impede a sua instauração e obriga os credores a reclamar os seus créditos na insolvência). | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa Relatório C E ASSOCIADOS, SOCIEDADE DE ADVOGADOS, RL intentou a 29 de Março de 2022, o presente procedimento de injunção de pagamento europeia contra a sociedade H SAS, indicando ser titular de um crédito (emergente de um contrato de prestação de serviços de assistência jurídica, consultoria fiscal e técnica) no valor de € 63.750, invocando o seu não pagamento, reclamando ainda juros vincendos sobre o capital indicado, à taxa de 8%, desde 28.03.2022 e até integral pagamento. O Requerente refere que: - a Requerida a contactou por email por pretender assessoria jurídica para a eventual aquisição das quotas de uma sociedade que se dedica à atividade de exploração de ostras; - a Requerida aceitou a proposta de serviços e honorários formulada pela Requerente, assinando documento enviado por esta enviado a 14/03/2019; - os serviços foram prestados, ao longo de vários meses, por vários advogados da sociedade, tendo a requerida celebrado contrato de cessão de quotas subordinado à verificação de determinadas condições; - essas condições não chegaram a verificar-se e a cessão de quotas foi adiada; - o pagamento dos serviços prestados pela Requerente não dependiam da verificação dessas condições, pelo que esta emitiu factura a eles referente, datada de 28/05/2020, que a Requerida não pagou, tendo passado a estar incomunicável. Foi ordenada a emissão de injunção e a Citação da Requerida. Citada, a Requerida apresentou declaração de Oposição. Determinada a remessa do processo para os Juízos Centrais Cíveis de Lisboa, foi dispensada a realização de Audiência Prévia, foi proferido Despacho Saneador, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova. Posteriormente veio a Requerida apresentar articulado de defesa, por excepção e por impugnação, articulado esse que veio a ser rejeitado, por intempestivo (decisão que – em sede de recurso - veio a ser confirmada pela Relação de Lisboa. O Administrador judicial X veio requerer a junção aos autos de cópias certificadas de certidões apostiladas de decisão de insolvência da requerida H, SAS, datada de 13/04/2021, concluindo que a presente acção deve ser extinta. Notificadas para se pronunciar: - a Autora veio defender que a acção deva prosseguir, não se extinguindo o seu crédito; e - a Ré veio dizer que a acção deve ser extinta por inutilidade. A 25 de Outubro de 2024 o Tribunal a quo proferiu a seguinte Decisão: “(…) Cumpre apreciar e decidir. * O Tribunal de Comércio de La Rochelle (França) tomou as seguintes decisões: - Em 13.04.2021 pronunciou a abertura de um processo de recuperação judicial contra a “H” sob o número 4117270, designou-lhe um mandatário judiciário, abriu um período de observação por uma duração de 6 meses e fixou a data de cessação dos pagamentos em 25.09.2019; - Em 19.10.2021 ordenou a renovação do prazo de observação por uma duração de 6 meses, com termo em 13.04.2022; - Em 10.05.2022 ordenou a adoção de um plano de recuperação por um período de 8 anos e designou um comissário de execução do plano. * O Regulamento (EU) 2015/848 do Parlamento Europeu e do Conselho de 20 de maio de 2015, relativo aos processos de insolvência prevê, no seu artigo 20º, que a decisão de abertura de um processo de insolvência referido no artigo 3.º, n.º 1 (ou seja, um processo principal de insolvência, aberto no Estado-membro em que se situe o centro dos interesses principais do devedor, fazendo o Regulamento presumir que esse lugar é o da sede estatutária da sociedade comercial), produz, sem mais formalidades, em qualquer dos demais Estados-Membros, os efeitos que lhe são atribuídos pela lei do Estado de abertura do processo. Por conseguinte, as decisões judiciais francesas cujas certidões foram juntas aos autos produzem, nos presentes autos, os efeitos que a lei determinar, sem necessidade de qualquer outra diligência. Quanto ao efeito das decisões de insolvência sobre ações judiciais em que o insolvente é demandado, resulta do artigo 7º, n.º 2, alínea f) do referido Regulamento da União que é a lei do Estado-membro no qual foi aberto o processo de insolvência que define tais efeitos. O processo judicial francês do qual foram juntas certidões é, na língua originária, uma “procédure de redressement judiciaire”, espécie processual que integra a lista de processos franceses do Anexo A do Regulamento citado, ou seja, constitui um “processo de insolvência” para efeitos de aplicação do Regulamento, por força do seu artigo 2º, n.º 4. Nos termos do disposto no artigo 86º, n.º 1 do Regulamento acima identificado, os Estados-Membros fornecem, no âmbito da Rede Judiciária Europeia em matéria civil e comercial, com vista a colocar as informações à disposição do público, uma breve descrição da respetiva lei e dos procedimentos aplicáveis no domínio da insolvência, em especial no que se refere aos aspetos indicados no artigo 7.º, n.º 2. De acordo com as informações publicadas na Rede Judiciária Europeia em matéria civil e comercial relativas aos processos de insolvência franceses (https://e-justice.europa.eu/447/PT/insolvencybankruptcy?FRANCE&member=1), à semelhança do direito português, os credores - por créditos constituídos antes da abertura do processo de insolvência – têm de os reclamar no processo de insolvência: “7. Quais são os efeitos do processo de insolvência relativamente aos processos instaurados por credores singulares (com exceção dos processos pendentes)? Em caso de processo de insolvência, os credores são obrigados a fazer valer os seus direitos contra o devedor exclusivamente no âmbito do processo de insolvência, não podendo intentar ações individuais para reclamar o pagamento pelo devedor.” Indo diretamente à fonte, é o que resulta do artigo L622-21 do “Code de commerce” (“I.-Le jugement d'ouverture interrompt ou interdit toute action en justice de la part.º de tous les créanciers dont la créance n'est pas mentionnée au I de l'article L. 622-17 et tendant: 1° A la condamnation du débiteur au paiement d'une somme d'argent; 2° A la résolution d'un contrat pour défaut de paiement d'une somme d'argent.” in https://www.legifrance.gouv.fr/codes/section_lc/LEGITEXT000005634379/LEGISCTA000006146193), que proíbe a instauração de ações ou execuções contra a empresa em recuperação, excluindo apenas os créditos previstos no n.º 1 do artigo L622-17 (“I.-Les créances nées régulièrement après le jugement d'ouverture pour les besoins du déroulement de la procédure ou de la période d'observation, ou en contrepartie d'une prestation fournie au débiteur pendant cette période, sont payées à leur échéance.”-in https://www.legifrance.gouv.fr/codes/section_lc/LEGITEXT000005634379/LEGISCTA000006146193), ou seja, os constituídos regularmente após o julgamento de abertura do processo de recuperação ou redressement. Assim sendo, é possível concluir que os efeitos, sendo similares aos da lei portuguesa (artigo do 90º CIRE), acarretam as mesmas consequências quanto às ações declarativas que visam o reconhecimento da existência de um crédito sobre o insolvente, que é o da sua inutilidade, na medida em que a lei francesa impede a sua instauração e obriga os credores a reclamar os seus créditos na insolvência. Face a isto, é forçoso concluir que não existe qualquer utilidade para a autora na presente ação, cuja sentença não poderia executar. Importa ainda referir que é integralmente aplicável à situação sub judice a fundamentação expendida pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão que fixou a seguinte jurisprudência: “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a ação declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art.º 287.º do C.P.C.” – acórdão n.º 1/2014 publicado no D.R., I série de 25/2/2014. Face à verificada inutilidade, resta-nos julgar extinta a instância, sem que se tenha de apreciar nesta sede se o direito de crédito se extingue ou não em virtude de não ter sido reclamado na insolvência francesa. Não é igualmente possível concluir que alguma das partes tenha litigado de má fé, na medida em que esgrimiram de forma aceitável argumentação jurídica de sentido oposto, não se verificando qualquer das situações previstas no artigo 542º, n.º 2 do CPC. * Assim, nos termos do disposto no art.º 277º, alínea e) do Código de Processo Civil, julgo extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide. Custas pela ré (art.º 536º, n.º 3, in fine do Código de Processo Civil). Registe e Notifique”. É desta Decisão que vem interposto Recurso de Apelação por parte da Requerente, a qual apresentou as suas Alegações, onde lavrou as seguintes Conclusões: “I - Os presentes autos tiveram início em 29.3.2022, como procedimento europeu de injunção de pagamento, nos termos do artigo 7.º, n.º 1 do Regulamento (CE) n.º 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, e para cobrança de uma dívida da Recorrida à Recorrente, expressamente reconhecida por aquela e que até à data de hoje não foi paga. II - A Recorrida deduziu oposição, através da apresentação do Formulário F do referido Regulamento, com carimbo de 13.05.2022, pelo que o processo seguiu os termos do processo comum declarativo. III - Já depois de proferido despacho saneador, a Recorrida, em 02.11.2022 veio apresentar articulado, contendo a sua defesa por excepção e por impugnação, alegando, entre outros, o facto de se encontrar numa situação de recuperação judicial, e juntando, designadamente, os seguintes documentos já existentes à data em que havia apresentado a sua oposição: - decisão de abertura de processo de recuperação, datada de 13.04.2021; - decisão que aprova o plano de recuperação, datada de 05.04.2022 (cf. Doc. 5 do requerimento), com a aprovação da continuação da empresa e com a previsão de um plano de pagamento de dívidas contemplando, nomeadamente, o pagamento de 100% das dívidas de credores que não tenham participado na votação do plano. IV - O referido articulado de defesa foi rejeitado, por intempestivo, por despacho de 20.03.2023 (confirmado por este Tribunal ad quem como referido nas páginas 3 e 4 da sentença recorrida); concomitantemente, a totalidade da factualidade e documentação objecto da presente acção são as que constam do requerimento inicial, que é o único articulado do processo. V - Por despacho de 16.06.2023, o Tribunal a quo, pronunciando-se sobre a prova requerida pelas partes, e relativamente às declarações de parte do administrador judicial provisório X, requeridas pela Recorrida, chamou a atenção para o facto de este não ser representante legal da Recorrida, instando-a a pronunciar-se “sobre as razões pelas quais pretende as suas próprias declarações de parte por intermédio de X, e/ou se mantém o requerimento em apreço mas noutros moldes e em relação a que matéria fáctica do requerimento inicial”. VI - Por despacho de 14.11.2023, já com novo titular do processo, veio o Tribunal a quo determinar a notificação da Recorrida para esclarecer se mantinha interesse na inquirição de X, face à descida do acórdão que mostrando-se a matéria ali alegada, e que iria ser objecto do depoimento, fora do objecto do processo, não podendo ser inquirida às testemunhas” (sublinhado e negrito da Recorrente) VII - Através de cartas com carimbo de entrada de 12.03.2024 e de 04.06.2024, o referido X, através de um verdadeiro depoimento escrito, veio juntar ao processo o que já havia sido junto pela Recorrida em 02.11.2022 (e também por requerimento desta de 21.2.2024) e desconsiderado pelo Tribunal a 20.03.2023, desta feita através de cópias certificadas elaboradas pelo próprio mandatário da Recorrida! VIII - Notificada para se pronunciar sobre a referida intervenção, a Recorrente chamou a atenção que se tratava de mais uma tentativa de introduzir no processo factos e documentos anteriormente excluídos, sublinhando, além do mais, que nunca foi citada para o processo de recuperação da Recorrida, em completa violação do artigo 54.º do Regulamento (CE) n.º 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, o que, aliás, a Recorrente repetiu por quatro vezes ao longo do processo e a Recorrida nunca contestou. IX - Todavia, a sentença recorrida, fazendo expressa referência à “insolvência francesa” e à “decisão de insolvência da requerida H” e apelo à disciplina prevista no artigo 90.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresa, julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, dando sem efeito a audiência de julgamento agendada por considerar aplicável o disposto no artigo 277.º, alínea e) do Código de Processo Civil. X - Sucede que, ao contrário do assumido na sentença recorrida, a Recorrida não foi declarada insolvente, mas apenas, objecto de um processo de recuperação judicial, já findo, com aprovação de um plano de pagamentos aos credores e encontrando-se, assim, em plena actividade. XI - Acresce que, ao considerar os factos e os documentos trazidos pelo referido X os quais haviam sido considerados fora do objecto deste processo, a sentença recorrida incorreu numa violação do caso julgado formal, nos termos do artigo 620.º, n.º 1 do Código de Processo Civil: a defesa que não admitira, por intempestiva, veio agora admitir através de cartas de alguém que não é sequer parte no processo. XII - O que é tanto mais insólito quando o próprio Tribunal a quo concluiu, na sequência de uma das cartas dirigidas aos autos pela mesma testemunha H: “Não sendo parte no processo, não tem direito a nele intervir, a não ser nessa qualidade de testemunha.” (cf. despacho proferido a 08.02.2024). XIII - Além do mais, ainda que se considere o processo de “Redressement Judiciaire” e respectivo plano de que a Recorrida terá sido alvo, a Recorrente não recebeu qualquer notificação no âmbito do respectivo processo de recuperação que terá corrido em França, designadamente para reclamar o seu crédito, em violação do disposto no artigo 54.º do Regulamento (UE) 2015/848 do Parlamento Europeu e do Conselho. XIV - Este facto central, repetido por quatro vezes pela Recorrente, nos requerimentos de 17.11.2023, 07.03.2024 e 30.09.2024 e 10.10.2024, e não contestado pela Recorrida, foi totalmente ignorado pela sentença do Tribunal a quo. XV - Não tendo esta comunicação ocorrido, facto que a Recorrida nunca negou nem poderia negar, é inexigível que a Recorrente tivesse a obrigação de conhecer o referido processo de recuperação da Recorrida, que caso tivesse actuado de boa-fé teria informado a Recorrente, ainda que informalmente, do processo de “Redressement Judiciaire” em curso. XVI - Desta forma, não pode o incumprimento flagrante do artigo 54.º do Regulamento (UE) 2015/848 do Parlamento Europeu e do Conselho por parte da Recorrida beneficiá-la, resultando na extinção da presente instância. XVII - De resto, a falta de reclamação de créditos num processo de recuperação nunca teria por consequência a extinção do crédito, mas quando muito a impossibilidade de o credor participar e votar no âmbito desse processo. XVIII - Com efeito, se assim fosse, bastaria a qualquer devedor estrangeiro não notificar credores de outros Estados-Membros de planos de recuperação de que seja objecto para, facilmente, conseguir assim furtar-se ao pagamento das dívidas que estes credores legitimamente lhe exijam, beneficiando-se o infractor, numa solução que seria manifestamente atentatória do Direito. XIX - Assim, o crédito da Recorrente não se extinguiu, sem prejuízo de o respectivo pagamento dever ser feito nos termos aprovados no processo de recuperação XX - De resto, resulta do próprio plano de recuperação da Recorrida que os Credores que não intervieram no processo de recuperação judicial não teriam perdido o direito a reclamar o seu crédito ou a agir contra a Recorrida, mas antes teriam direito a um reembolso de 100% (!) da dívida, a ser pago em oito prestações ao longo de oito anos (cf. pp. 10 e 11 do Doc. 5 junto com a oposição não admitida, de 02.11.2022, e pp. 22, 23 e 24 do Doc. 3 junto com o requerimento da Recorrida de 07.02.2023). XXI - Ou seja, quer se considere que o plano de recuperação da Recorrida é aplicável à Recorrente, quer se considere que não é, por a Recorrida ter incumprido o dever constante do artigo 54.º do Regulamento mencionado assim impossibilitando a Recorrente de reclamar o seu crédito, a presente acção reveste-se de utilidade, sendo necessário que o Tribunal competente decida sobre a existência do crédito peticionado, resultante de contrato de prestação de serviços celebrado ao abrigo de lei portuguesa. XXII - Não cabe ao Tribunal a quo entrar em linha de conta com as condições em que o vencedor conseguirá executar a decisão a proferir, sendo que a sentença a proferir nestes autos pode ser executada em qualquer país da União Europeia em que a Recorrida tenha bens susceptíveis de penhora. XXIII - Por tudo o exposto, fica claro que não há de forma alguma, no presente caso, qualquer inutilidade da lide e muito menos superveniente. XXIV - Com efeito, a decisão de abertura do processo de “Redressement Judiciaire” é de 13.04.2021, anterior, por isso, ao procedimento europeu de injunção de pagamento iniciado pela Recorrente a 29.03.2022 e a própria aprovação do plano de recuperação, de 5.4.2022, é anterior à oposição apresentada pela Recorrida em 13.5.2022. XXV - Ao escudar-se em julgar extinta a instância “sem que se tenha de apreciar nesta sede se o direito de crédito se extingue ou não em virtude de não ter sido reclamado na insolvência francesa”, a sentença recorrida acaba por, na prática, extingui-lo, uma vez que tendo o processo de recuperação sido encerrado, os Tribunais portugueses são os competentes para apreciação destes litigio. XXVI - Assim, a sentença recorrida fez uma errada aplicação do disposto no artigo 277.º do Código de Processo Civil e no artigo 54.º do Regulamento (UE) 2015/848 do Parlamento Europeu e do Conselho, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos, com o que V. Exas. farão a habitual JUSTIÇA!”. A Recorrida apresentou Contra-Alegações, culminadas com as seguintes Conclusões: “A. O Tribunal a quo julgou, e bem, a extinção da ação por inutilidade. B. Isto porque, ficou provado que: i) a Requerida foi declarada como estando em processo de Redressement judiciaire; que é equiparado para efeitos do Regulamento (UE) 2015/848 ao processo de insolvência ii) esse processo foi iniciado e declarado nos tribunais franceses, competentes para o efeito; iii) os credores têm de reclamar os seus créditos para que vejam o seu direito reconhecido; iv) o efeito da declaração do procedimento é a suspensão das ações pendentes, se iniciadas antes da declaração, ou a proibição e consequente imediata extinção das ações se iniciadas após a declaração; v) a presente ação, decorrente de um procedimento de injunção europeu, iniciou-se após a declaração de recuperação judicial da Requerida. C. Em obediência da legislação em vigor, designadamente do Regulamento (UE) supra citado, não podia o Tribunal a quo decidir de forma diferente. D. Veio a Recorrente apresentar uma “cronologia” do presente processo judicial, mas não se limita a apresentar essa cronologia, tecendo comentários e formulando conclusões quanto à enunciada cronologia. E. E, na prática, para tentar pôr em causa um despacho judicial datado de 08.02.2024, que a Recorrente entende ter sido proferido pelo Tribunal a quo em contradição com um outro anterior. F. Importa referir que a Recorrente poderia ter reagido a esse despacho com recurso aos mecanismos judiciais que tinha ao dispor, de forma a contestar efetivamente essa decisão e procurar uma outra, o que não sucedeu, motivo pelo qual, ao agir assim, aceitou a decisão em causa, mais, nem sequer é esse despacho objeto devidamente identificado do presente recurso e, assim sendo, não pode ser afetado. G. De todo o modo, a cronologia que a Recorrida entende ser de relevar, é aquela elencada pelo Tribunal a quo, na sentença recorrida, quando enuncia as decisões do Tribunal de Comércio de La Rochell (França), e, posteriormente, no âmbito do presente processo, o ofício do Sr. X, Administrador Judicial francês, datado de 04-06-2024, com a referência Citius 39551347, a remeter aos presente autos documentação (cópias certificadas de certidões apostiladas de decisões judiciais proferidas por tribunal francês) das quais resulta que a Recorrida foi declarada em recuperação judicial “Redressement judiciaire”, pelos tribunais franceses em 13 de abril de 2021. H. Note-se que o Sr. X foi indicado como testemunha porque tinha e tem um conhecimento profundo sobre a atividade da Recorrida, histórico dessa mesma atividade, relações comerciais e detalhes das mesmas e sobre a existência de credores da Recorrida e identificação dos mesmos. I. Claro está que, tem conhecimento desses elementos, por ser o Administrador Judicial no processo de “Redressement judiciaire” da Recorrida, que não é facto menor e que possa ser desvalorizável, como se não existisse e que se percebe que é a pretensão da Recorrente, afirmando que o Administrador Judicial francês juntou ao presente processo um “verdadeiro depoimento escrito”, quando juntou um ofício, datado de 04-06-2024, com a referência Citius 39551347, na qualidade de Administrador Judicial em França, no âmbito de um processo classificado como sendo de insolvência para efeitos de aplicação do Regulamento (UE), como adiante veremos. J. Ora, não se aceita tal alegação por razões óbvias e claramente identificadas na sentença proferida pelo Tribunal a quo, que a Recorrida subscreve, quando sustenta o Tribunal, como não poderia deixar de ser, que: K. i) os administradores judiciários são auxiliares da justiça, conforme Anexo B do Regulamento (UE) 2015/848; ii) o Sr. Ceésar Hubben interveio no processo judicial nessa qualidade; iii) as ações judiciais são destino normal de comunicações de outros agentes e órgãos de justiça, nacionais e estrangeiros; iv) o Código de Processo Civil (CPC) não só não proíbe estas intervenções, como elas são usuais, designadamente as de Administradores de Insolvência, precisamente, comunicando a existência de processo de insolvência envolvendo alguma das partes, com as necessárias consequências legais; v) além do mais, rejeitar um ofício desta natureza pelo facto de o Sr. X estar indicado como testemunha, seria mesmo uma forma de alguma das partes no processo “(…) impedir esse agente auxiliar da justiça cumprir cabalmente as suas obrigações, de interesse público”. L. Acrescenta ainda a Recorrente, nesta parte das suas alegações, que nunca foi citada para o processo francês de “Redressement judiciaire”, e que alegou isso mesmo quatro vezes ao longo deste processo e que a Recorrida nunca contestou, o que não é verdade, importando referir que a Recorrida não sabe sequer se isso aconteceu ou não, nem tem de saber conforme resulta do artigo 54.º do Regulamento (UE)e, além do mais, e acima de tudo, M. se a Recorrente não foi citada e/ou se existiu a preterição de alguma formalidade legal em cumprimento da legislação francesa e Regulamento (UE), então é precisamente no ordenamento francês que terá de discutir o cumprimento ou incumprimento das formalidades legais alegadamente preteridas. N. Não pode é, salvo melhor entendimento, querer fazê-lo no nosso ordenamento, que não tem competência para o efeito, apenas por lhe ser mais fácil e causar menos transtorno. O. Vem a Recorrente também afirmar que o processo francês de “Redressement judiciaire”, não é um processo de insolvência. P. A Recorrente está no seu direito de transmitir a sua opinião, no entanto, salvo o devido respeito, não se pode concordar com a mesma porque não é isso que decorre do Regulamento (UE). Q. E, julga-se, mais claro o Regulamento (EU) não podia ser! R. Essa classificação não vem da imaginação da Recorrida nem do Tribunal a quo, mas, de forma expressa e que não suscita qualquer dúvida de interpretação, do Regulamento (UE) 2015/848, onde o processo de Redressement judiciaire” é considerando processo de insolvência, cfr. n.º 4 do artigo 2.º do Regulamento e Anexo A: S. E também não existe qualquer dúvida sobre a aplicação do Regulamento ao caso em apreço, nem a Recorrente argumenta e defende que não o seja, e, não existindo assim qualquer dúvida sobre a aplicação do Regulamento ao caso em apreço, mporta apelar à cronologia dos factos, e, para esse efeito, T. refira-se que a sentença judicial proferida por Tribunal Francês que declarou o “Redressement judiciaire” da Ré foi proferida em 13 de abril de 2021 e o procedimento de injunção europeu iniciado pela Recorrente contra a Recorrida iniciou-se em 29 de março de 2022, portanto, após aquela declaração. U. Consequentemente, estava a Recorrente impedida de iniciar procedimento para recuperação de valores em dívida, tendo, ao invés, de reclamar créditos no processo de insolvência estrangeiro, nos termos do Regulamento. V. Isto porque, nos termos e para os efeitos do artigo 19.º do Regulamento, qualquer decisão de abertura de processo de insolvência, como já vimos ser o caso, “(…) é reconhecida em todos os outros Estados-Membros (…)”, produzindo efeitos que lhe são atribuídos pela lei Estado de abertura do processo, cfr. artigo 20.º do Regulamento. W. E, desde logo, o diploma legal francês regulatório destas matérias, o Código Comercial Francês, estipula que os credores são obrigados a fazer valer os seus direitos contra o devedor exclusivamente no âmbito do processo de recuperação judicial, não podendo intentar ações individuais. X. E, como é habitual neste tipo de processos, que encontram similitudes nos diferentes Estados-Membro, a declaração de insolvência ou de recuperação judicial, implicam a proibição de pagamento no âmbito de qualquer procedimento ou processo, cfr. artigo L622-7 do Código Comercial Francês, bem como, proíbe a instauração de ações ou execuções conta a empresa em recuperação, artigo L622-21 deste diploma legal francês, conforme explanado pelo Administrador Judicial francês no ofício, e também sustentado pelo Tribunal a quo. Y. E, assim sendo, ao contrário da Recorrente, a Recorrida limitou-se e limita-se a enunciar e citar os diplomas legais em vigor, aplicáveis ao caso em apreço, tendo o mesmo sido feito pelo Tribunal a quo na sentença proferida. Z. A título de curiosidade, o sistema francês e o regime da insolvência francês, encontrando algumas semelhanças com o nosso, não é igual. AA. Veja-se que, em França, existe um regime designado por “Procédure Collective”, equiparado a um regime de insolvência abrangente, tendo por sua vez esse regime diversos tipologias, entre os quais a “sauvegarde judiciaire”, o “redressement judiciaire” e a “liquidation judiciaire”. BB. Mas, apesar do regime francês, como vemos, ser diferente do nosso, podemos equiparar o processo de “redressement judiciaire” a um processo de insolvência nde é possível a continuidade da empresa através da apresentação de um plano de insolvência aos credores, que aprovaram, sendo a “liquidation judiciaire” a situação em que o plano e a manutenção da atividade da devedora não são possíveis e, consequentemente, é liquidada. CC. Essa informação está disponível em várias páginas de internet oficiais, designadamente do Governo francês e no Portal Europeu da Justiça, entre outros. DD. Certo é que, reafirma-se, nem sequer é necessária esta interpretação e caracterização / equiparação, porque o Regulamento (UE) não deixa qualquer margem para dúvidas ao classificar este processo como sendo de insolvência, com as necessárias consequências legais. EE. Classifica a Recorrente o ponto 3. das suas alegações de recurso, como “Objeto do Processo”, identificando o referido objeto como constando da sua totalidade do requerimento inicial, e, como tal, parece defender que, sendo esse o objeto do processo, ele é imutável, inatacável e que nada pode “desviar” as atenções do tribunal, designadamente eventos que cheguem ao conhecimento do tribunal. FF. Alegando que o ofício do Sr. Administrador Judicial francês constitui “depoimento escrito” e “defesas encapotadas”, o que não se pode aceitar. GG. Isto porque, o que fez o Sr. X, na sua qualidade de Administrador Judicial francês, foi intervir num processo judicial português, onde a Recorrida é Ré e através do qual uma entidade que alega ser credora, a Recorrente, pretende fazer valer o seu alegado direito de crédito sobre aquela. HH. E fê-lo assim que teve conhecimento deste processo judicial a correr os seus termos em Portugal, porque, até ao momento em que teve a primeira intervenção no processo, sempre nessa qualidade de Administrador Judicial, desconhecia o mesmo nem tinha forma de conhecer, visto que, não lhe foi comunicado. II. E, portanto, facilmente se conclui que as comunicações do Sr. X não são, nem “depoimentos escritos”, nem “defesas encapotadas”. JJ. De resto, em parte alguma do processo ou das alegações, a Recorrente põe em causa a qualidade do Sr. X como administrador judicial nomeado em França ou põe em causa o conteúdo dos documentos juntos pelo mesmo, tal como não põe em causa que a Recorrida é alvo de um processo de “Redressement judiciaire” e da aplicação do Regulamento. KK. E, sendo tudo isto uma evidência, sendo factual e estando provado, à Recorrente apenas resta utilizar argumentos acessórios, como, por exemplo, referindo-se constantemente ao Sr. X, exclusivamente, como testemunha, como se fosse nessa invocada qualidade que este interveio no processo. LL. Olvidando e omitindo propositadamente a sua qualidade de Administrador Judicial e que foi nessa qualidade que interveio no processo, esquecendo também que, como refere o Tribunal a quo na sentença proferida, é um auxiliar da justiça e parecendo também esquecer-se que o Sr. X, não é um funcionário ou colaborador da Recorrida, não é um mandatado da Recorrida, é um Administrador Judicial independente e com funções e poderes atribuídos na lei. MM. Tal como, usa estes argumentos acessórios e desprovidos de sustentação legal quando se refere à certificação da tradução dos documentos juntos pelo Administrador Judicial, sem que aponte vícios ou erros na certificação ou na tradução. NN. Até porque, quando a Recorrente também pretende fazer crer quando menciona o despacho judicial de 08.02.2024, quando menciona que o Tribunal a quo decidiu que a testemunha não teria direito a intervir no processo, omite que esse mesmo despacho refere de seguida que o requerimento apresentado pelo Sr. X, que o tribunal reconhecia como sendo testemunha no processo, não estava redigido na língua portuguesa, “desconhecendo-se a sua relevância para os autos”, negrito e sublinhado nossos. OO. Ou seja, e concorda-se, o tribunal a quo nem sequer valorizou o que foi junto pelo Sr. X, desde logo por nem sequer estava redigido na língua portuguesa e, portanto, não se pronunciou o Tribunal a quo sobre o conteúdo da mesma. PP. Mais, veja-se, além do requerimento não estar sequer traduzido para a língua portuguesa, nesse momento apenas foi junta uma carta com uma descrição por parte do Sr. X, não juntado qualquer documento e, muito menos, como o fez posteriormente, decisões judiciais estrangeiras devidamente apostiladas, que sempre seria necessário para que o tribunal pudesse efetivamente pronunciar-se sobre o conteúdo, tal como, pudesse confirmar a invocada qualidade do Sr. X, Administrador Judicial francês em processo judicial francês, em que é parte a Recorrida. QQ. De resto, é precisamente o posterior ofício do Sr. X através do qual este envia comunicação traduzida e os documentos também traduzidos e apostilados, que o tribunal a quo considera para a ponderação e formulação da sentença proferida, como se analisa, “Posteriormente veio o administrador judicial X requerer a junção aos autos de cópias certificadas de certidões apostiladas de decisão de insolvência da requerida (…) concluindo que a presente ação deve ser extinta”. RR. Quanto a este ponto identificado pela Recorrente, concretamente do ponto 4.1. das suas alegações sob a epigrafe “Omissão de notificação da Recorrente”, desde já se reitera tudo o que já foi dito a este respeito, sem necessidade de o repetir por uma questão de economia. SS. Dizendo-se apenas, adicionalmente ao que já foi dito, que bem se vê pela análise do normativo citado pela Recorrente, que, desde logo, reconhece a existência de um processo de insolvência, porque é disso que trata o artigo 54.º do Regulamento (EU). TT. Mais, também fica evidente que não cabe certamente à Recorrida comunicar à Recorrente a existência de um processo de insolvência, mas, quando muito, a existir esse dever, que se desconhece nem se tem obrigação de conhecer, caberia ao órgão jurisdicional do Estado de insolvência ou ao administrador de insolvência por ele nomeado. UU. Independentemente disso, o que a Recorrida tem como certo é que, considerando os efeitos da sentença que declarou a insolvência (“Redressement judiciaire”) da Recorrida, ou seja, a produção de efeitos, sem mais formalidades, em qualquer um dos demais Estados-Membros, cfr. artigo 20.º do Regulamento (EU), e, por consequência, como bem explanado na sentença do Tribunal a quo, a extinção de ações ou execuções contra a devedora, salvo as relativas a créditos constituídos regularmente após o julgamento da abertura do processo de “redressement”, cfr. L622-21 do “Code de commerce”, o que encontra similitudes com o processo de insolvência e recuperação de empresas em Portugal, sempre teria e terá a Recorrente, se assim entender, de discutir a eventual preterição de formalidades legais no ordenamento jurídico francês. VV. refere a Recorrente que “(…) bastaria a qualquer devedor estrangeiro não notificar credores de outros Estados-membros de plano de recuperação de que seja objeto, para, facilmente, conseguir furtar-se ao pagamento das dívidas (…)”. WW. Para se perceber que tal afirmação é desprovida de sentido, tendo por exemplo o nosso regime do CIRE, veja-se que no nosso ordenamento não existe qualquer obrigação por parte da devedora, do Administrador de Insolvência ou do Tribunal, de avisar os eventuais credores da devedora da declaração de insolvência, tão só existe a obrigação de citar os 5 maiores credores, e, quanto aos outros, terão de ter conhecimento pelos seus próprios meios, através da consulta das publicações, sendo que, em França também existe uma página de internet oficial para consulta onde são publicadas as declarações de insolvência. XX. De qualquer forma, insiste-se, nem sequer isso é ou pode ser objeto da presente ação e recurso, devendo a Recorrida discutir essa alegada omissão de citação, se assim entender, no ordenamento jurídico francês. YY. Note-se que, pelo menos desde 02.11.2022 tem a Recorrente conhecimento que a Recorrida foi declarada como estando num processo de “Redressement judiciaire”, desconhecendo-se, sem obrigação de conhecer, se tomou algum tipo de providência no processo em questão ou através de outro tipo de ação no ordenamento jurídico francês. ZZ. E continua ainda a Recorrente no ponto 4.2. das suas alegações para vir trazer ao presente processo considerações sobre o conteúdo do plano aprovado, afirmando que a Recorrente teria direito ao pagamento de 100% do seu crédito, ao abrigo do plano. AAA. Além de, uma vez mais, a Recorrida sustentar que essa discussão não pode ter lugar aqui, mas no ordenamento jurídico francês, importa deixar claro que a Recorrente parte deste raciocínio esquecendo que, antes de ser ressarcida ao abrigo do plano, terá de ser credora reconhecida no processo a decorrer em França e, não o sendo, terá de reagir no referido processo, seja reclamando créditos se ainda em tempo, seja através de qualquer outro mecanismo que possa existir similar à verificação ulterior de créditos, seja invocando preterições de formalidades legais, se for o caso, ou qualquer outro mecanismo que possa usar e onde invocar o que entender, e que tenha respaldo na lei aplicável, a francesa. BBB. E, por fim, vem a Recorrente tecer considerações sobre a alegada inexistência de uma inutilidade superveniente da lide. CCC. Mais uma vez, não se pode concordar com a Recorrente, porquanto decidiu bem o Tribunal a quo na sentença proferida, em declarar a inutilidade da lide por força do processo de Redressement judiciaire. DDD. O diploma legal francês regulatório destas matérias, o Código Comercial Francês, estipula que os credores são obrigados a fazer valer os seus direitos contra o devedor, exclusivamente no âmbito do processo de recuperação judicial, não podendo intentar ações individuais. EEE. E, como é habitual neste tipo de processos, que encontram similitudes nos diferentes Estados-Membro, a declaração de insolvência ou de recuperação judicial, implicam a proibição de pagamento no âmbito de qualquer procedimento ou processo, cfr. artigo L622-7 do Código Comercial Francês, documento n.º 1 e cujo teor se dá por integralmente e reproduzido para os devidos efeitos legais, junto com o requerimento da Recorrida de 30.09.2024, com a referência Citius 40556989. FFF. Mais, na verdade, independentemente do Direito utilizado para a análise relativamente aos efeitos da sentença de insolvência sobre ações judiciais, GGG. o resultado sempre seria o mesmo, ou seja, a impossibilidade de o Credor iniciar ou manter procedimentos legais contra o Devedor, para recuperação de dívidas. HHH. E, a este respeito, a título meramente exemplificativo, importa salientar que é interpretação dos nossos tribunais, declarada por Acórdão de uniformização de jurisprudência, datado de 08-05-2013, no âmbito do processo 70/08.0TTALM.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, que o tipo de ação legal em discussão nos presentes autos é abrangida por aquelas normas, transcrevendo-se o Sumário da mesma: “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art.º 287.º do C.P.C. “ III. Motivo pelo qual é forçoso concluir, salvo melhor entendimento, que o Tribunal a quo decidiu bem ao declarar a extinção por inutilidade. JJJ. Entendendo mesmo a Recorrida que a presente ação sempre teria de ser extinta, independentemente de se considerar a verificação de uma inutilidade superveniente da lide, cfr. artigo 287.º do CPC, em resultado da junção aos autos pelo Sr. Administrador Judicial e verificação, após o início da presente ação, da existência de declaração anterior de insolvência estrangeira da Recorrida, ou de se constatar a verificação de uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, que obsta ao prosseguimento da ação, cfr. artigo 577.º do CPC. Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a douta Sentença recorrida e ordenada a extinção da ação. ** Questões a Decidir São as Conclusões da Recorrente que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de actuação do Tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial, como refere, Abrantes Geraldes[1]), sendo certo que, tal limitação, já não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso. In casu, e na decorrência das Conclusões da Recorrente, importará verificar se o Tribunal a quo procedeu de forma correcta ao julgar a acção extinta por inutilidade. ** Dispensados que foram os Vistos, cumpre decidir. * ** Fundamentação de Facto A Factualidade a relevar é a que resulta descrita no Relatório, em especial a que consta da Sentença ora sob recurso. **** Fundamentação de Direito A bem estruturada escorreita, pragmática e sem “ruído”, e juridicamente bem fundamentado Sentença sob recurso, assenta o decidido num claríssimo processo de raciocínio, atrás linearmente descrito. E é dele que sublinhamos o seguinte: I – O Tribunal de Comércio de La Rochelle (França): - a 13 de Abril de 2021 abriu um processo de recuperação judicial contra a “H” (ora Requerida-Recorrida) sob o número 4117270, designou-lhe um mandatário judiciário, abriu um período de observação por uma duração de 6 meses e fixou a data de cessação dos pagamentos a 25 de Setembro de 2019; - a 19 de Outubro de 2021 ordenou a renovação do prazo de observação por uma duração de 6 meses (com termo a 13 de Abril de 2022); - a 10 de Maio de 2022 ordenou a adopção de um plano de recuperação por um período de 8 anos e designou um comissário de execução do plano. 2 - Neste contexto, não é possível escapar à aplicação do Regulamento (EU) 2015/848 do Parlamento Europeu e do Conselho de 20 de Maio de 2015, relativo aos processos de insolvência, o qual prevê, no seu artigo 20.º, que a decisão de abertura de um processo de insolvência referido no artigo 3.º, n.º 1 (ou seja, um processo principal de insolvência, aberto no Estado-membro em que se situe o centro dos interesses principais do devedor, fazendo o Regulamento presumir que esse lugar é o da sede estatutária da sociedade comercial), produz, sem mais formalidades, em qualquer dos demais Estados-Membros, os efeitos que lhe são atribuídos pela lei do Estado de abertura do processo. 3 – Estas decisões – que se mostram comprovadas nos autos, sem que tal mereça dúvida – constituem decisões judiciais prolatadas num Estado pertencente à União Europeia (França), pelo que produzem em Portugal (e, portanto, nestes autos), os efeitos que a lei determina (no caso, a lei do Estado-membro no qual foi aberto o processo de insolvência, como resulta do artigo 7.º (Lei aplicável), n.º 2, alínea f,[2] do referido Regulamento), sem necessidade de qualquer outra diligência. 4 – A “procédure de redressement judiciaire” é uma das espécies processuais que integram a lista de processos franceses constantes do Anexo A do citado Regulamento, não se suscitando quaisquer dúvidas[3] sobre a circunstância de se tratar de um “processo de insolvência”, para efeitos da aplicação do Regulamento, por força do seu artigo 2º (Definições), n.º 4[4]. 5 – Tal como ocorre com o artigo 90.º do CIRE[5], em face do artigo L622-21 do Code de commerce, as acções declarativas que visam o reconhecimento de um crédito sobre o insolvente estão condenadas à inutilidade (“na medida em que a lei francesa impede a sua instauração e obriga os credores a reclamar os seus créditos na insolvência”, como se assinala na Sentença sob recurso). 6 – O caso dos autos é precisamente este: a Requerida – sociedade francesa – foi declarada insolvente em França, em 2021, sendo que a Autora, só em Março de 2022 e nos Tribunais portugueses veio – através dos presentes autos – procurar cobrar o seu crédito sobre aquela. Esta é, efectivamente, a matéria relevante e insofismável, e implica que se lhe extraiam consequências processuais, que só podem ser as que o Tribunal extraiu e que acabam por corresponder às que o Supremo Tribunal de Justiça também extrai à face da legislação nacional (“Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a ação declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art.º 287.º do C.P.C.” – AUJ n.º 1/2014, Diário da República, I série de 25 de Fevereiro de 2014). Os processos em Tribunal não servem para perder tempo ou para praticar actos inúteis (aliás, proibidos – artigo 130.º do Código de Processo Civil), sendo que a extinção ou não do crédito da Autora é matéria que só os Tribunais franceses poderão caber apreciar, em face da insolvência decretada e de nesse processo ele não ter sido reclamado. A argumentação da Autora não faz qualquer sentido e escamoteia o que acaba de se sublinhar. Falar em caso julgado raia mesmo o absurdo, uma vez que a decisão de não admissão da oposição da Requerida, confirmada pela Relação (em Acórdão também relatado pelo ora Relator), apenas estava em causa a forma de “reagir ao procedimento intentado”, pois que se limitou a “a dizer que se opõe e preenchendo, sem mais, o formulário (com o que ficam impugnados os factos alegados) - e tal basta para o processo prosseguir e ter de ser remetido para o Tribunal competente - ou acrescentando-lhe o que entender para consubstanciar o fundamento dessa oposição (como aliás a Requerente-Autora fez, acrescentando um documento articulado ao formulário inicial)”. Em momento algum, o Tribunal se pronunciou sobre qualquer parte da matéria fizesse parte da extemporânea oposição da Requerida. Sucede que, por via da documentação apresentada por um elemento externo com especiais funções (Administrador Judicial francês da Requerida), a documentação junta (aliás, devidamente apostilada) permitiu ao Tribunal a quo fazer a sua apreciação e extrair as certeiras conclusões que tirou. Por outro lado, o que terá ou não sido feito no processo francês (se a Requerente-Recorrente recebeu ou não alguma notificação), apenas nesse processo, ou nessa ordem jurídica poderá ser apreciado. Não nos presentes autos. O que aqui, em Portugal e nestes autos, releva é a decisão transitada quanto à insolvência da Requerida (era isso – e apenas isso – que o Tribunal a quo tinha de apreciar e apreciou). Repete-se: perante a insolvência da Requerida, e na linha do que o já citado AUJ determina, os presentes autos sempre teriam de ser julgados supervenientemente inúteis. Tudo o mais é secundário e irrelevante. Por todo o exposto, o recurso será julgado improcedente e a Decisão – correcta, pragmática e bem fundamentada – terá de ser confirmada. *** Nas palavras de Eric Voegelin as “sociedades dependem para a sua génese, a sua existência harmoniosa continuada e a sobrevivência, das acções dos seres humanos componentes. A natureza do homem e a liberdade da sua acção para o bem e para o mal, são factores essenciais na estrutura da sociedade"[6]. Recorrente e Recorrida escolheram o seu caminho de actuação. Ao Tribunal resta, no "acto de julgar", não dar razão a Autora, considerando improcedente o seu recurso (tendo, na linha de Paul Ricoeur, como "horizonte um equilíbrio frágil entre os dois componentes da partilha" - "demasiado próximos no conflito e demasiado afastados um do outro na ignorância, no ódio, ou no desprezo" - mas impondo-se, "por um lado, pôr fim à incerteza, separar as partes; por outro, fazer reconhecer a cada um a parte que o outro ocupa na mesma sociedade, em virtude do que o ganhador e o perdedor do processo seriam reputados ter cada qual a justa parte no esquema de cooperação que é a sociedade"[7]). *** DECISÃO Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas, em julgar improcedente a apelação apresentada pela Requerente e, em consequência, confirmar a Sentença sob recurso. * Custas do Recurso a cargo da Recorrente. * Notifique e, oportunamente, remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º do Código de Processo Civil). *** Lisboa, 18 de Fevereiro de 2025 Edgar Taborda Lopes Micaela Sousa João Novais[8] _______________________________________________________ [1] António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183. [2] “A lei do Estado de abertura do processo determina as condições de abertura, tramitação e encerramento do processo de insolvência. A lei do Estado de abertura do processo determina, nomeadamente:(…) f) “Os efeitos do processo de insolvência nas ações instauradas por credores singulares, com exceção das ações pendentes;”. [3] Cfr. o artigo 86.º, n.º 1, do Regulamento dispõe que “Os Estados-Membros fornecem, no âmbito da Rede Judiciária Europeia em matéria civil e comercial criada pela Decisão 2001/470/CE do Conselho, com vista a colocar as informações à disposição do público, uma breve descrição da respetiva lei e dos procedimentos aplicáveis no domínio da insolvência, em especial no que se refere aos aspetos indicados no artigo 7.o, n.o 2”. Assim, no site https://e-justice.europa.eu/447/PT/insolvencybankruptcy?FRANCE&member=, consta, quanto aos “efeitos do processo de insolvência relativamente aos processos instaurados por credores singulares (com exceção dos processos pendentes”, que em “caso de processo de insolvência, os credores são obrigados a fazer valer os seus direitos contra o devedor exclusivamente no âmbito do processo de insolvência, não podendo intentar ações individuais para reclamar o pagamento pelo devedor” (num regime, portanto, muito semelhante ao vigente em Portugal – artigo 90.º CIRE). Assim, o artigo L622-21 do “Code de commerce” (“I.-Le jugement d'ouverture interrompt ou interdit toute action en justice de la part.º de tous les créanciers dont la créance n'est pas mentionnée au I de l'article L. 622-17 et tendant: 1° A la condamnation du débiteur au paiement d'une somme d'argent ; 2° A la résolution d'un contrat pour défaut de paiement d'une somme d'argent”), proíbe a instauração de acções ou execuções contra a empresa em recuperação, excluindo apenas os créditos previstos no n.º 1 do artigo L622-17 (“I.-Les créances nées régulièrement après le jugement d'ouverture pour les besoins du déroulement de la procédure ou de la période d'observation, ou en contrepartie d'une prestation fournie au débiteur pendant cette période, sont payées à leur échéance”) ou seja, os constituídos regularmente após o julgamento de abertura do processo de recuperação ou redressement. [4] “Para efeitos do presente regulamento, entende-se por: (…) 4) «Processo de insolvência», os processos enumerados no anexo A;”. [5] Vd., também o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2014 (Diário da República I série, de 25 de Fevereiro de 2014): “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a ação declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art.º 287.º do C.P.C.”. [6] Eric Voegelin, A Natureza do Direito e outros textos jurídicos, Vega, 1998, página 95. [7] Paul Ricoeur, O Justo ou a Essência da Justiça, Instituto Piaget, 1997, páginas 168-169; cfr., também, com interesse, François Ost, A Natureza à Margem da Lei - A Ecologia à Prova do Direito, Instituto Piaget, 1997, páginas 19 a 24. [8] Assinaturas digitais, cujos certificados estão visíveis no canto superior esquerdo da primeira página (artigos 132.º, n.º 2 e 153.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e 19.º, n.ºs 1 e 2, e 20.º, alínea b), da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto). |