Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
168/18.0T8LSB.L1-2
Relator: FARINHA ALVES
Descritores: REPORTAGEM TELEVISIVA
FONTES DE INFORMAÇÃO
OFENSAS À HONRA
DIREITO DE RESPOSTA
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/09/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE O RECURSO PRINCIPAL E PROCEDENTE O RECURSO DO DESPACHO
Sumário: A partir do momento em que a própria Reportagem concluiu que o Estado não assegurava a colocação do segundo implante coclear, ficou completamente sem base a afirmação de que havia dois médicos suspeitos de desviar dezenas de crianças surdas do Hospital Público para uma Clínica privada, tendo em vista a realização de segundos implantes cocleares.
Pois que, então, o Hospital público não realizava segundos implantes.
Não existindo, até à data da reportagem, alternativa à sua realização no Privado.
Contra isto, nada de relevante poderia ser concluído com base na simples pendência de processos disciplinar, administrativo e de inquérito crime, visando os dois médicos referenciados na denúncia anónima.
Processos em relação aos quais nada mais era possível concluir, ou afirmar, do que a sua instauração e pendência.
Assim, se os autores da Reportagem tivessem avaliado, com um mínimo de atenção, a própria informação que recolheram, teriam percebido que o ora Autor, tal como o Dr. C… não podiam ter desviado qualquer criança surda do Hospital público para o Privado.
E esta Reportagem não teria existido, ao menos centrada nessa questão.
Posto isto, é pacífico que a Reportagem em causa ofendeu, de forma clamorosa, o direito ao bom nome, à imagem e à honra do Autor.
Situação que foi agravada pelos termos em que foi publicado o seu direito de resposta.
Cujo conteúdo foi antecipadamente anulado pela declaração da jornalista, que introduziu a respetiva leitura, transcrita no ponto 41 do elenco da matéria de facto.
Afigurando-se inequívoco que a atuação dos Autores da Reportagem foi gravemente negligente, em termos de merecer severa reprovação do direito.
Não se chegando a colocar aqui qualquer conflito entre os direitos ofendidos dos médicos visados na Reportagem e a liberdade de imprensa.
Posto que não existe o direito de divulgar informação infundada, sobretudo quando é tão gravemente lesiva dos direitos de personalidade de terceiros.
Pelo que assiste ao Autor direito a indemnização pelos danos causados, quer pela Reportagem, quer pela forma como foi divulgado o direito de resposta.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

JM… intentou contra “Radiotelevisão Portuguesa, S.A.”, SF…, SR…, JR…, JMP…, PD… e VM…, todos identificados nos autos, a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo que os Réus fossem solidariamente condenados a pagar-lhe a quantia de € 100 000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a última das citações para ação previamente intentada contra aqueles, (8-9-2016), até pagamento.
Para tanto alegou, conforme síntese feita na decisão recorrida:
A R. “RTP” difundiu um programa televisivo em 13-2-2015 do qual decorre que o A., enquanto cirurgião otorrinolaringologista, lucraria com implantes cocleares em crianças surdas, a cuja realização teriam direito num hospital público, desviando-os para uma clínica privada.
Isso não corresponde à verdade.
Pelo que pretendeu exercer o seu direito de resposta.
Mas o exercício desse direito de resposta foi protelado no tempo, e feito de forma desadequada.
A R. SF… é a autora e apresentadora do programa; a R. SR… a jornalista interveniente; o R. JR… o apresentador do Telejornal em que foi chamada a atenção para o programa; os RR. JMP… e PD…, sucessivamente, diretores de programas da R. RTP, ao tempo dos factos; e o R. VR… prestou declarações falsas no decurso da reportagem.
O teor do programa ofendeu a honra e consideração do Autor, o que foi agravado pelo modo como lhe foi permitido exercer o direito de resposta.
Os RR. contestaram, tendo oposto, também conforme síntese feita na decisão recorrida:
O programa foi efetuado com base numa investigação exaustiva, sujeita a contraditório, a coberto da liberdade de expressão e do interesse público, impugnando que as notícias fossem falsas.
O R. JR… é totalmente alheio ao programa.
Foi realizada audiência prévia, onde foi fixado o valor da causa, proferido saneador tabelar, identificado o objeto do litígio, elencados factos já assentes e enunciados os temas da prova.
Prosseguindo os autos para julgamento.
Que culminou na prolação da sentença, com a seguinte decisão:
«Pelo exposto, o tribunal julga a presente acção parcialmente procedente por provada:
- condenando-se os RR. “Radiotelevisão Portuguesa, S.A.”, SF…, SR…, JMP… e PD… a pagar ao A. € 50 000, 00, absolvendo-se estes RR. do demais peticionado e
- julgando-se a acção totalmente improcedente por não provada contra os RR. JR… e o R. VM…, absolvendo-se os mesmos da totalidade do pedido.
*
Custas pelo A. em metade e pelos RR. “Radiotelevisão Portuguesa, S.A.”, SF…, SR…, JMP… e PD… na outra metade (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).»
Inconformados, os Réus condenados apelaram do assim decidido, tendo apresentado alegações, rematadas por conclusões, onde suscitam a apreciação das seguintes questões:
I - Deverá ser ampliada a decisão sobre matéria de facto, julgando-se provados, com base na própria reportagem de 15.02.2015, junta aos autos, os seguintes factos, que foram alegados na contestação dos Recorrentes:
 “A equipa do Sexta às 9 colheu o depoimento da presidente da Associação Portuguesa de Apoio do Implante Coclear, FS….”
 “A equipa do Sexta às 9 colheu o depoimento da Sra. Dra. EJ…, identificada na reportagem como médica especialista em implantes cocleares.”
 “A equipa do Sexta às 9 colheu o depoimento do coordenador de otorrinolaringologia da CUF do Porto.”
 “A equipa do Sexta às 9 ouviu o diretor do serviço de otorrinolaringologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), Sr. Dr. AM….”
 “A equipa do Sexta às 9 ouviu o presidente do Conselho de Administração do Centro Cirúrgico de Coimbra, Sr. Dr. AC….”
 “A equipa do Sexta às 9 procurou conhecer a posição dos visados na denúncia anónima, tendo o Dr. CR… decidido prestar declarações.”
 “O Autor optou por não prestar declarações, conforme resposta que deu à interpelação telefónica da 3.ª Ré.”
II - Deverá ser alterada a decisão de direito, concluindo-se que a matéria de facto fixada, mesmo sem alteração, não preenche os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos – ilicitude, culpa, dano grave e nexo de causalidade - em que a presente ação é fundada.
O Apelado contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.
Tendo requerido, nos termos do art. 636.º, n.º 2 do CPC, a ampliação do objeto do recurso, pretendendo ver julgados provados, com base na prova que invoca, os seguintes factos, alegados na petição inicial:
“Nunca o A. foi arguido em qualquer processo disciplinar instaurado pelo CHUC” ou, pelo menos, que “nunca o A. foi arguido no processo disciplinar instaurado pelo CHUC, o qual visava apenas um outro médico”;
“Nenhuma das pessoas ouvidas na reportagem disse que o A. desviou alguma criança, incentivou algum pai ou, sequer, sugeriu a necessidade de ir fazer o segundo implante ao privado”; e, “nenhum dos depoentes (para além, claro, do ora R. VM…) imputou quaisquer factos negativos ao A.”
Os Recorrentes responderam ao pedido de ampliação do objeto do recurso, defendendo a sua improcedência.
Entretanto, tendo sido verificado que os Recorrentes pagaram taxa de justiça correspondente ao valor de € 50.000,00, foram os mesmos notificados para pagar um acréscimo, calculado em função do valor da ação, de € 100.000,00, acrescido de multa.
Em resposta, os Recorrentes vieram defender que essa notificação deveria ser dada sem efeito uma vez que, apesar de não terem indicado o valor do recurso, não havia dúvidas de que esse valor é de € 50.000,00, correspondente ao valor da sucumbência dos Recorrentes na ação, nos termos do disposto no art. 12.º, n.º 2 do RCP.
O que foi indeferido, por despacho onde se defendeu que o valor do recurso era o valor da ação.
Inconformados, os Recorrentes apelaram do assim decidido, tendo apresentado alegações, rematadas por conclusões, onde defendem a revogação do despacho recorrido, a fixação do valor do recurso em € 50.000,00 e o reembolso do montante de € 204,00 que, entretanto, pagaram à cautela.
Não foram apresentadas contra-alegações neste recurso.
Cumpre decidir.
Estando em causa a apreciação das questões já acima sumariamente enunciadas.
Apreciando:
A – A matéria de facto
Nos termos já referidos, os Apelantes pretendem ver adicionalmente julgados provados, com base na própria reportagem de 15.02.2015, junta aos autos, os seguintes factos, que foram alegados na contestação da ação:
1- “A equipa do Sexta às 9 colheu o depoimento da presidente da Associação Portuguesa de Apoio do Implante Coclear, FS….”
2 “A equipa do Sexta às 9 colheu o depoimento da Sra. Dra. EJ…, identificada na reportagem como médica especialista em implantes cocleares.”
 3 - “A equipa do Sexta às 9 colheu o depoimento do coordenador de otorrinolaringologia da CUF do Porto.”
 4 - “A equipa do Sexta às 9 ouviu o diretor do serviço de otorrinolaringologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), Sr. Dr. AM….”
 5 - “A equipa do Sexta às 9 ouviu o presidente do Conselho de Administração do Centro Cirúrgico de Coimbra, Sr. Dr. AC….”
 6 - “A equipa do Sexta às 9 procurou conhecer a posição dos visados na denúncia anónima, tendo o Dr. CR… decidido prestar declarações.”
7 - “O Autor optou por não prestar declarações, conforme resposta que deu à interpelação telefónica da 3.ª Ré.”
Nas suas contra-alegações, o Apelado defendeu a improcedência desta alteração, opondo que:
Os depoimentos que os Apelantes pretendem ver especificados resultam efetivamente da reportagem.
Mas são irrelevantes para a decisão da causa.
E não pode ser julgado provado, com base numa afirmação do próprio advogado do Autor, que o mesmo optou por não prestar declarações.
Assim, neste momento está em causa saber se:
- Os primeiros cinco factos acima enunciados, cuja realidade não é controvertida, são suscetíveis de relevar para a decisão.
- A equipa do Sexta às 9 procurou conhecer a posição do Autor e este optou por não prestar declarações.
 Em relação à primeira questão, julga-se ser evidente que os depoimentos que foram integrados na reportagem relevam para a decisão. Como foi salientado na decisão ora recorrida, na presente ação está, antes de mais, em causa saber se «os jornalistas da RTP em apreço, a partir das fontes reportadas, tinham elementos para dizer o que dizem, isto é, que o A. estivesse envolvido na prática de aliciar pais de crianças que realizavam um implante no Hospital Público de Coimbra a realizar um segundo implante num hospital privado»
Para o que importa considerar todos os elementos que deram corpo à reportagem, de modo a poder avaliar o que deles resulta naquele sentido.
Assim, o que efetivamente releva, não é tanto uma relação das diligências de averiguação que foram efetuadas, mas o que resultou de cada uma dessas diligências.
E que foi vertido na reportagem.
Sendo esta um facto assente, em todo o seu conteúdo.
Pelo que, dando-se por adquirido que foram realizadas as diligências ora invocadas, não se identifica interesse autónomo em aditar ao elenco da matéria de facto provada uma lista das mesmas.
Posto que dessa lista apenas se retira a conclusão de que tais diligências foram realizadas, quando apenas releva saber o que delas resultou de útil para o conteúdo da reportagem.
Sendo esta o facto relevante a considerar.
Em relação à segunda questão, julga-se que assiste razão aos Recorrentes.
Para o que nem sequer é necessário valorar o facto de o Sr. Advogado do Autor, no decurso das declarações de parte da Ré SF…, ter declarado que o Autor não negava que tinha sido contactado (pela jornalista) para prestar declarações.
De facto, essa interpelação da referida Ré, nos termos em que foi feita, é bastante para julgar provada a existência desse contacto.
Cuja omissão sempre seria inverosímil.
Para além de que, se essa omissão tivesse ocorrido, teria sido invocada na petição inicial e nas queixas que foram apresentadas pelo Autor junto da Entidade Reguladora para a Comunicação Social.
Assim, julga-se que ficou efetivamente provado que:
 A equipa do Sexta às 9 procurou conhecer a posição dos visados na denúncia anónima, tendo o Dr. CR… decidido prestar declarações.
O Autor optou por não prestar declarações, conforme resposta que deu à interpelação telefónica da 3.ª Ré.
***
Nos termos já referidos, o Apelado requereu a ampliação do objeto do recurso, pretendendo ver julgados provados os seguintes factos, alegados na petição inicial:
“Nunca o A. foi arguido em qualquer processo disciplinar instaurado pelo CHUC” ou, pelo menos, que “nunca o A. foi arguido no processo disciplinar instaurado pelo CHUC, o qual visava apenas um outro médico”;
“Nenhuma das pessoas ouvidas na reportagem disse que o A. desviou alguma criança, incentivou algum pai ou, sequer, sugeriu a necessidade de ir fazer o segundo implante ao privado”; e, “nenhum dos depoentes (para além, claro, do ora R. VM…) imputou quaisquer factos negativos ao A.”
Em relação ao primeiro facto, a questão foi suscitada nos termos das seguintes conclusões:
B) na verdade, alegou o A. que a afirmação da reportagem segundo a qual o CHUC instaurara contra si um processo disciplinar “no que se refere ao A., é falsa, pois que nunca o CHUC - nem nenhuma outra entidade - instaurou qualquer processo, disciplinar ou outro, ao A.” (art. 29 P.I.), e ainda que “nunca o A. foi arguido em qualquer processo disciplinar instaurado pelo CHUC” (art. 51 P.I.), factos que a R. impugnou - “em bloco” e sem especificar porquê - no art. 3.º da Contestação e que a Mma. Juiz a quo, ao identificar o objeto do litígio e enunciar os temas da prova, não incluiu tal facto, nem nos “desde já demonstrados”, nem nos que “importa apurar”;
C) contudo, tal facto é importante para a boa decisão da causa, designadamente sendo reforçativo do teor da decisão proferida e, porque alegado - e provado - deverá ser, como tal considerado;
D) com efeito o mesmo ficou provado porque, sem que nenhuma prova tenha sido feita em contrário, tal resulta patentemente do depoimento da testemunha VMS…, na sessão de 27.03.2019, que, entre os 3m18s e os 4m44s:, refere que “o visado no processo disciplinar era o Dr. CR…”;
E) deve, assim, ser dado como provado que “nunca o A. foi arguido em qualquer processo disciplinar instaurado pelo CHUC” ou, pelo menos, que “nunca o A. foi arguido no processo disciplinar instaurado pelo CHUC, o qual visava apenas um outro médico”;
Em resposta, os Apelantes, reiterando o já alegado na sua contestação, opuseram que do despacho de arquivamento do inquérito crime, que foi instaurado com base na mesma denúncia anónima, junto como doc. n.º 1 com a petição inicial, resulta que foi ali junta cópia integral do processo disciplinar n.º 25/2014, e que esse processo visava o ora Autor e o Dr. CR….
Mais opuseram que nunca afirmaram que o ora Autor tinha sido constituído arguido.
Começando pelo fim, é exato que na reportagem não foi afirmado que o Autor tivesse sido constituído arguido em qualquer dos processos de averiguação ali referidos, designadamente no processo disciplinar. Apenas foi afirmado que o Autor, e o Dr. CR… eram visados nesses processos, incluindo o disciplinar.
Estando, pois, apenas em causa saber se o Autor foi efetivamente visado no processo disciplinar que foi instaurado pelo CHUC na sequência da denúncia anónima.
Questão em relação à qual pode subsistir alguma dúvida.
De facto, para além da declaração prestada pela testemunha VMS…, de que “o visado no processo disciplinar era o Dr. CR…”, também consta do ponto n.º 21.6 do relatório da IGAS, junto como doc. n.º 2 com a petição inicial, uma “referência ao Relatório Final elaborado em maio de 2015 pelo instrutor do processo disciplinar que recaiu sobre o médico Dr. CR… …”.
Mas, em sentido contrário, importa considerar o relatório do despacho de arquivamento do processo de inquérito penal, do qual os ora Apelantes transcreveram os seguintes excertos:
 “Os presentes autos de inquérito tiveram origem na participação de fls.1, elaborada pelo Conselho de Administração dos CHUC, na sequência de uma denúncia (anónima) enviada por correio eletrónico simultaneamente para várias entidades (Ministério da Saúde, IGAS, DGS, ACSS, INFERMED, ARS e HUC), por um auto intitulado “pai desesperado” de uma criança que nasceu surda, a dar conta do “esquema” e do “comércio” que diz existir na colocação dos implantes cocleares em crianças surdas-mudas (especialidade de otorrinolaringologia) concebido por dois médicos dos CHUC (Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra) que, sob o pretexto de não existir comparticipação do Estado, sugerem a colocação de um 2.º implante, “empurrando” os doentes para o Centro Cirúrgico de Coimbra (hospital privado), onde exercem igualmente clínica médica remunerada e onde cobram à volta de 30 mil euros por cada 2.º implante efetuado.”
 Procedeu-se a inquérito, o qual, depois de recolhidos junto do site do CCC (Centro Cirúrgico de Coimbra) os elementos identificativos de cada um dos médicos visados (…) Prosseguiu-se, então, com a tomada de declarações dos visados pela denúncia, tratando-se dos médicos otorrinolaringologistas JM… [ora Recorrido] e CA… (…).
 A fls. 104 foi elaborado novo apenso, com a denominação “Apenso A”, constituído por cópia integral do (referido) processo disciplinar n.º 25/2014 que foi instaurado pelo Conselho de Administração dos CHUC, na sequência da mesma denúncia contra os médicos ora visados.
(…)
 Neste quadro fáctico, decidiu o Conselho de Administração dos CHUC, arquivar o processo disciplinar interposto aos médicos visados pela denúncia, por ter concluído que, não obstante a possível censura “no campo da Ética e da Moral”, nada se conseguiu comprovar que permitia a aplicação de uma qualquer pena disciplinar (cfr. fls. 214 a 218 do Apenso A).
Constando ainda do mesmo relatório, em relação ao dito processo disciplinar:
Nele, (processo disciplinar) para além do registo de assiduidade e das intervenções cirúrgicas efetuadas por cada um dos médicos visados em cada uma das instituições de saúde onde exercem funções (CHUC e CC), (…).
Sendo que também ali prestaram esclarecimentos os médicos visados JM… (cfr. fls. 200 e 201 do Apendo A) e CA… (cfr. fls. 202 a 204 do Apenso a) (…).
Afigurando-se que, em face destes excertos daquele despacho de arquivamento, que aparenta ter sido elaborado com muito cuidado, não é possível julgar provado que o ora Apelado não foi visado no procedimento disciplinar instaurado pelo CHUC com base na denúncia anónima referida nos autos.
Acresce que a testemunha VMS… foi identificada, na ata da audiência de julgamento, como sendo o “instrutor do processo disciplinar de que o A. foi alvo”, e na fundamentação da decisão de facto, como o instrutor do processo disciplinar aberto contra o A. e CR….
Assim já foi julgado provado na decisão recorrida, ainda que em sede de fundamentação da decisão sobre matéria de facto, que o ora Autor foi visado nesse processo disciplinar.
O que, não tendo sido especificamente justificado, nem tendo decorrido, aparentemente, das declarações prestadas pela testemunha VMS…, se ajusta aos excertos, acima transcritos, do despacho de arquivamento do processo de inquérito crime.
E também ao facto de o procedimento disciplinar ter sido instaurado com base em denúncia anónima que visava dois médicos, que foram identificados como sendo o ora Autor e o Dr. CR….
Pelo que não pode ser julgado provado que o Autor, ora Apelado, não foi visado no procedimento disciplinar que foi instaurado pelo CHUC com base na denúncia anónima referida nos autos.
Não se alterando a decisão recorrida na parte em que julgou provado o contrário.
Em relação ao segundo facto, a pretensão do Apelado foi justificada nos termos das seguintes conclusões:
F) por outro lado, alegou o A. (art. 25 P.I.), referindo-se às pessoas ouvidas na reportagem, que “embora ninguém diga - não o pode dizer! - que o A. desviou alguma criança, incentivou algum pai ou, sequer, sugeriu a necessidade de ir fazer o segundo implante ao privado”, alegando ainda que “nenhum dos depoentes (para além, claro, do ora R. VM…) imputar quaisquer factos negativos ao A.” (art. 42 P.I.), factos que, por igual, foram genericamente impugnados pelos RR., no art. 3.º da Contestação, e que a Mma Juiz a quo, por igual, não incluiu, nem nos “desde já demonstrados”, nem nos que “importa apurar”;
G) tais factos, também importante para a boa decisão da causa, resultam inequivocamente do próprio teor dos excertos de declarações de pais incluídos na reportagem e são reforçados pelas duas (únicas) testemunhas trazidas a julgamento pelos RR. e ouvidos na sessão de 27.03.2019, ACC… (1m20s a 2m36s e 5m48s a 6m44s) e VL… (0m17s a 0m45s, 1m15s a 2m02s e 2m40s a 4m55s), que, uma e outra, também em julgamento, nada referem, sendo que, nenhuma delas, sequer, conhecia o A. - e a primeira até pensava que este era oftalmologista – tendo ambos os respetivos filhos sido operados pelo Dr. CR…, e o filho da testemunha VS… feito até o segundo implante no Hospital da CUF, com um médico (Dr. VC…) que nada tem que ver com o CHUC, nem com o Centro Cirúrgico de Coimbra !
H) assim, deveria ainda ser dado como provado que “nenhuma das mães ou pais de crianças implantadas disse que o A. desviou alguma criança, incentivou algum pai ou, sequer, sugeriu a necessidade de ir fazer o segundo implante ao privado, nem imputou quaisquer factos negativos ao A.”;
Ao que os Apelantes opuseram, em síntese:
Não resulta dos autos que tenham sido ouvidos todas as mães ou pais de crianças implantadas no CHUC, nem na reportagem e muito menos na Audiência de Julgamento, pelo que não é possível concluir que ninguém tenha dito que o Recorrido desviou crianças do público para o privado (aqui se atribuindo a expressão desviar criancinhas exclusivamente ao Recorrido, nunca tendo os Recorrentes utilizado tais palavras).
O Autor da denúncia anónima queixou-se do Dr. Q…, nos seguintes termos:
 “(…) Fui a umas consultas – fazia mais de 300 km de cada vez – no Hospital dos Covões (…) fui atendido por vários médicos, cada vez era um, muito novinhos, até que me apareceu um mais velho (chamavam-lhe o Dr. Q…) (…) (sempre a atender o telemóvel, acho que nunca olhou para a minha filha) e repetia que era muito difícil e que demorava muito tempo a vir o aparelho.” (cf. CD com a gravação da reportagem junta aos autos).
Resulta ainda do depoimento prestado pela testemunha VM… falou com vários pais de crianças implantadas, que confirmaram que a sugestão que lhes era feita é que procurassem o Recorrido no Centro Cirúrgico de Coimbra.
Apreciando, dir-se-á que assiste razão ao Apelado neste ponto, pese, embora a natureza eminentemente conclusiva da matéria que o mesmo pretende ver fixada.
Antes de mais, já foi ponderado na decisão recorrida, no âmbito da respetiva fundamentação jurídica e conclusiva:
«A pedra de toque da questão reside em determinar aquilo que os jornalistas efectivamente sabiam com base nos documentos a que tiveram acesso e nas pessoas que ouviram, isto é, no confronto das fontes.
Ora nenhum dos inquiridos fez alusão à pessoa do A..
Atente-se no teor das declarações plasmadas na reportagem também do R. VM…, sendo inequívoco concluir que o seu depoimento nunca se refere, ao menos explicitamente à pessoa do A.. O A. não fizera a cirurgia de implante ao filho, cirurgia essa, aliás, ocorrida muitos anos antes de o A. sequer ter começado a exercer a actividade de cirurgião otorrino.
Aliás, as crianças filhas dos demais pais ouvidos cujas entrevistas são carreadas, supõe-se que em parte, para o programa, tão pouco foram alvo de cirurgia por parte do A., quer no hospital público, quer no hospital privado.
Aquilo que na realidade se ouve e visualiza na reportagem são considerações dos pais no sentido de que seria grave, injusto, inaceitável que o Estado comparticipasse o segundo implante e que as pessoas fossem levadas a angariar fundos vultuosos em face das respectivas disponibilidades financeiras para procederem ao um segundo implante no sector privado.
Os jornalistas da RTP em apreço, a partir das fontes reportadas, tinham elementos para dizer o que dizem, isto é, que o A. estivesse envolvido na prática de aliciar pais de crianças que realizavam um implante no Hospital Público de Coimbra a realizar um segundo implante num hospital privado?
De acordo com os elementos carreados para os autos não dispunham dessa informação ou sequer de indícios nesse sentido. De acordo com as fontes reportadas aquilo que podiam dizer é que estavam a decorrer inquéritos para apurar se tal efectivamente ocorria. Nada mais.
(…)
 A RTP fez uma reportagem sobre as vantagens económicas que o A. e CR… extraíam da circunstância de assinalarem aos pais das crianças surdas que implantavam no Hospital dos Covões que um segundo implante só teria lugar num hospital privado e de efectivamente realizarem esses implantes nesse tipo de estabelecimento particular.
É iniludível ser esse o sentido da reportagem, ainda que, na realidade, nenhum dos pais fale de qualquer um dos médicos visados e que os pais se cinjam a manifestar a sua postura perante uma situação como aquela que lhes parece ter sido descrita.
Neste ponto cabe afirmar que as declarações de VM… cabem neste contexto. Este R. não menciona a pessoa do A.. VM… viu o filho ser implantado em 1992. Perguntado sobre se já ouviu falar de casos de desvios de pacientes do público para o privado, responde, “sim, que é o que está a acontecer em Coimbra”. Não se alcança sequer como é que este R. teria algum conhecimento privilegiado sobre a matéria, volvidos mais de 20 anos sobre o implante do filho. Em nenhuma circunstância, todavia, alude à pessoa do A..»
Nos termos assim transcritos, a decisão recorrida julgou provado/concluiu que nenhum dos pais ouvidos na reportagem, nem sequer o Réu VM…, se tinha referido à pessoa do Autor.
Apenas não incluiu esse facto no elenco da matéria de facto provada, ao que se supõe atenta a sua natureza eminentemente conclusiva.
Porque os factos concretos são as declarações prestadas por cada um dos pais.
Saber se nenhuma das pessoas ouvidas na reportagem disse que o A. desviou alguma criança, incentivou algum pai ou, sequer, sugeriu a necessidade de ir fazer o segundo implante ao privado, é já uma conclusão, a formular com base nessas declarações.
E, ao menos em regra, não devem ser formuladas conclusões em sede de matéria de facto.
Mas, estando em causa saber se nenhuma das pessoas ouvidas fez determinada afirmação, admite-se que isso possa ser julgado provado, exatamente através da verificação das declarações prestadas.
E, feita essa verificação, acompanha-se inteiramente o decidido.
Sendo seguro que nenhuma das pessoas ouvidas na reportagem disse que o A. desviou alguma criança, incentivou algum pai ou, sequer, sugeriu a necessidade de ir fazer o segundo implante ao privado.
Aliás, como consta da decisão recorrida, nenhuma das testemunhas ouvidas na reportagem se referiu, expressa ou implicitamente, ao aqui Autor.
Os Apelantes opõem que não resulta dos autos que tenham sido ouvidos todas as mães ou pais de crianças implantadas no CHUC, nem na reportagem e muito menos na Audiência de Julgamento, pelo que não é possível concluir que ninguém tenha dito que o Recorrido desviou crianças do público para o privado.
Mas como também se observou na decisão ora recorrida, o que aqui está em causa é saber se os ora Apelantes, tinham fundamento sério para, em boa-fé, reputarem como verdadeiro o que consta da reportagem. 
Impendendo sobre eles o respetivo ónus da prova.
Pelo que só relevam os depoimentos incluídos na reportagem.
Nem é verosímil que a Reportagem tivesse deixado de incluir declarações de algum pai que indiciassem essa hipótese de desvio de crianças do público para o privado.
Os Apelantes também referem o conteúdo da denúncia anónima.
Mas esta denúncia, de que foram destacados e lidos excertos no decurso da reportagem, não está incluída no conjunto formado pelas pessoas que foram ouvidas nessa mesma reportagem.
Para além de que, nos termos já referidos, o autor da denúncia anónima queixou-se do Dr. Q…, nos seguintes termos:
 “(…) Fui a umas consultas – fazia mais de 300 km de cada vez – no Hospital dos Covões (…) fui atendido por vários médicos, cada vez era um, muito novinhos, até que me apareceu um mais velho (chamavam-lhe o Dr. Q…) (…) (sempre a atender o telemóvel, acho que nunca olhou para a minha filha) e repetia que era muito difícil e que demorava muito tempo a vir o aparelho.” (cf. CD com a gravação da reportagem junta aos autos).
Dos quais não resulta qualquer indicação no sentido de que o Dr. Q… desviou alguma criança, incentivou algum pai ou, sequer, sugeriu a necessidade de ir fazer o segundo implante ao privado.
Por fim, os Apelantes invocam o depoimento prestado pela testemunha VM…, que falou com vários pais de crianças implantadas, que confirmaram que lhes era sugerido que procurassem o Recorrido no Centro Cirúrgico de Coimbra.
As declarações desta testemunha, assim invocadas, são do seguinte teor:
“(…) Estavam paradas na gaveta há imenso tempo as tais normas de orientação clínica, pronto, e é aqui que realmente há uma parte dos pais que me dizem também para além de que, da pergunta tem seguro ou tem ADSE, há aqui um número de pais que me refere o facto de que eles até iam à privada porque quando se dirigiam ao mesmo serviço onde foram implantados os seus filhos, a resposta que recebiam das equipas, da equipa de otorrino, era de olhe quer o Dr. JQ…, quer o Dr. CR…, porque tem o horário reduzido de 12 horas, se quiser falar com ele sobre alguma questão que às vezes os aparelhos não funcionavam bem, era preciso os pais pediam ajuda e regressavam lá para isso e era nessa altura, que lhes era dito procure-os no centro cirúrgico porque com o horário tão reduzido que têm eles não estão aqui senão para operar e ir embora. Portanto, este é o testemunho e eu naturalmente depois fui verificar e é verdade quer o Dr. JQ… quer o Dr. CR… só tinham 12 horas de horário laboral tinham, mas atenção tinham 12 horas, mas eram 12 horas que foram autorizadas a pedido dos próprios, e foram autorizados pelo conselho de administração portanto, e era algo que estava previsto na Lei, agora que eram 12 horas só que estavam lá só 12 horas e que os pais depois não tinham acompanhamento. Esse testemunho também foi, me foi prestado pelos pais. Não por todos, mas por uma boa parte significativa que eu considerei (…)”
(cf. depoimento de VM…, gravado no sistema h@bilus, no dia 27.03.2019, minutos 23:40 a 28:00
Mas das declarações assim transcritas nada resulta que permita afirmar, ou, sequer indiciar, que o Dr. Q… desviou alguma criança, incentivou algum pai ou, sequer, sugeriu a necessidade de ir fazer o segundo implante ao privado.
Pelo que aquele facto/conclusão deve ser julgado fundadamente provado.
Assim, a matéria de facto a considerar é a seguinte:
1 - O A. é médico especialista, em otorrinolaringologia, exercendo a sua atividade profissional, assinaladamente, no sector público, no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) e no sector privado, designadamente no Centro Cirúrgico de Coimbra (CCC).
2 - A primeira R. é integralmente detida pelo Estado, é a concessionária do Serviço Público de Radiodifusão, sendo subsidiada pelo Estado e encontrando-se obrigada à prestação aos cidadãos desse serviço público.
3 - Os segundo a quarto RR. são jornalistas ao serviço da primeira R., por força da celebração de contratos individuais de trabalho.
4 - A segunda R. é a autora e apresentadora do programa “Sexta às 9”, transmitido no primeiro canal - RTP-1 - da primeira R., 6.as feiras, às 21 horas, após o fim do “Telejornal” das 20 horas.
5 - A terceira R. é a jornalista interveniente de reportagem integrada no programa “Sexta às 9” do dia 13 de Fevereiro de 2015.
6 - O quarto R. é o apresentador do referido “Telejornal”, o principal bloco noticioso do dia no referido canal.
7 - O quinto e o sexto RR. exerceram, sucessivamente, em 2015, respetivamente, até 13 ou 14 de Março, e após essa data, o cargo de Diretor de Programas da primeira R..
8 - O sétimo R. prestou declarações que apareceram na reportagem televisiva “Sexta às 9” do dia 13 de Fevereiro de 2015.
9 - Pelos mesmos factos e com os mesmos fundamentos intentou o A. contra os ora RR. e o vogal do Conselho de Administração do CHUC, Dr. AP…, a ação com processo comum …/…T8LSB, da Comarca de Lisboa, Juízo Central Cível, Juiz ….
10 - Nessa ação foi declarada a incompetência material do tribunal, em face da posição de vogal do C.A. do CHUC, do referido AP…, tendo aí sido decidido que a competente seria a jurisdição administrativa.
11 - No dia 13 de Fevereiro de 2015, após divulgação, chamada de atenção e antecipação de excertos no “Telejornal”, o “Sexta às 9” transmitiu uma Reportagem.
12 - Entre os 00:00:00 e os 00:00:41 do programa uma voz em off, diz [00:00:00 a 00:00:06] “Revelamos que há dois médicos suspeitos de lucrarem com cirurgias a crianças surdas que são gratuitas por lei”, ao mesmo tempo que aparece a imagem de uma criança e, em nota de rodapé:
“NEGÓCIO COM CRIANÇAS SURDAS”.
13 - A R. SF… diz:
[00:00:43] “Boa noite, é um caso chocante, dois otorrinos do antigo Hospital dos Covões em Coimbra, estão a ser investigados por, alegadamente, terem desviado dezenas de crianças surdas para uma clínica privada. O MP e a Inspeção Geral de Atividades em Saúde, e até o próprio Centro Hospitalar de Coimbra, onde os dois clínicos trabalham, suspeitam que nos últimos anos, pais e crianças foram enganados.
Em causa está a colocação do segundo implante, (de) que estas crianças precisam para conseguir ouvir.
O primeiro foi sempre colocado num hospital público, já o segundo só tiveram acesso os pais que reuniram cerca de 35.000€ para pagar a cirurgia no privado, mais precisamente no Centro Cirúrgico de Coimbra, onde os dois médicos também trabalham.
Aos pais era dito que o Serviço Nacional de Saúde só comparticipava um implante por uma questão de poupança, mas o Sexta às 9 confirmou com a administração do hospital e com o Ministério da Saúde que esta regra nunca existiu.
O pai da primeira criança implantada em Portugal é um dos queixosos, até porque o filho, hoje com 26 anos, só ouve de um dos lados: VM… nunca teve dinheiro para pagar a cirurgia no privado.
[00:01:51] VM…: Quando um pai vê que um filho não ouve, e como a vida está, e haver alguém, alguém que se vá aproveitar desses pais e porem as pessoas a pedir dinheiro, e a empenharem-se completamente, essa pessoa que fizer uma coisa dessas, que faça uma coisa dessas, só tem um caminho a fazer, é sair de médico.”, o que é acompanhado de legendas, referindo: “Médicos suspeitos de desvio de crianças surdas do público para o privado”.
14 - Em seguida [00:02:21], aparece a R. SF… que diz: “Uma investigação Sexta às 9, um negócio com crianças surdas, para ver já a seguir”.
15 - A questão é retomada aos 00:25:40, dizendo-se “Retomamos agora a investigação de abertura deste «Sexta às 9». O Ministério Público e a Inspeção Geral de Atividades em Saúde estão a investigar o alegado desvio de crianças surdas do Centro Hospitalar de Coimbra ou melhor, do Hospital de Coimbra para uma clínica privada. Dois médicos são suspeitos de terem lucrado com cirurgias que eram comparticipadas a 100% pelo Serviço Nacional de Saúde.
16 - Em seguida surge um vídeo em que se diz, relativamente a uma criança (AR…): “A AR… deve ser operada aos dois ouvidos com a maior brevidade possível e ao mesmo tempo” e, logo a seguir, a mãe da criança (ÂS…), a dizer, relativamente às pessoas que fizeram donativos “Graças a eles a minha filha ouve e ouve bem”.
17 - Em seguida, a jornalista (3.ª R.), após uma mãe mostrar as faturas da operação no privado e os valores da mesma, diz: “Na mesma cidade, a mesma equipa médica, mas uma fatura bem diferente!”!
A suspeita de haver médicos a beneficiar o negócio em torno de crianças surdas foi lançada há 4 meses por esta denúncia anónima enviada ao Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Coimbra”.
18 - Passa a ser lida carta que termina assim “Gostava de assinar, mas não posso porque não sei se V. Ex.cia tem poder para controlar estes gangs e depois podem-se vingar na minha filha. Espero que compreenda. Um pai desesperado”,
19 - A R. SF… refere “Uma denúncia anónima, um relato que coincide com a experiência de várias famílias de todo o país”.
20 - O Dr. PL…, vogal do C.A. dos CHUC, diz, a seguir, à 3.ª R., após a pergunta desta:
[00:33:22] Jornalista: “Tem conhecimento de algum processo disciplinar a decorrer, tendo em conta esta situação dos implantes cocleares?
[00:33:31] PL…: Existe, existe, existe, existe um procedimento que corre…”
21 - A jornalista refere [00:33:37]: “O «Sexta às 9» apurou que este procedimento é um processo disciplinar que foi instaurado aos dois médicos visados pela primeira denúncia anónima enviada ao Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, CR… e JQ…, ambos médicos do Centro Hospitalar de Coimbra e deste centro privado. CR… é mesmo o coordenador de implantes cocleares e preside à Sociedade de Otorrinolaringologia.”.
[00:34:49] PL…: “O Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, implantará, fará a implantação que os técnicos determinarem que são para fazer.
[00:35:14] Jornalista: “Essa limitação existe?
[00:35:17] PL…: Não, não existe limitação em relação aos aparelhos.
[00:35:21] CR…: “Tenho dois filhos e dois pães, não posso dar dois pães ao primeiro filho e deixar o segundo com fome.
[00:35:29] Jornalista: Então pode pedir mais pão, não pode?
[00:35:30] CR…: Isto é um registo clínico. É pedido mais pão e foi-me dado o pão que foi possível.
[00:35:36] PL…: “Cobrirei todas aquelas propostas que forem um alargamento daquilo que temos a nível de transplantes que englobam transplantes bilaterais.
[00:35:47] Jornalista: Quando diz cobrir, é financiar?
[00:35:49] PL…: Cobrir é financiar, obviamente.”,
[00:35:51] Jornalista: “Uma questão de poupança que o Ministério da Saúde nega perentoriamente.
[00:35:58] Leitor carta do Ministério da Saúde: “…os implantes cocleares (…) quando prescritos por médicos do Serviço Nacional de Saúde, são comparticipados a 100% pelo Estado, quer na parte dos dispositivos médicos utilizados, quer do trabalho médico-cirúrgico e de outros profissionais, exames médicos, consultas, medicamentos e internamento”.
22 - É lido e transcrito, um texto em papel timbrado, exibindo a expressão “GOVERNO DE PORTUGAL”), em que consta “... os implantes cocleares (...) quando prescritos por médicos do Serviço Nacional de Saúde, são comparticipados a 100% pelo Estado, quer na parte dos dispositivos médicos utilizados, quer do trabalho médico-cirúrgico e de outros profissionais, exames médicos, consultas, medicamentos e internamento”.
23 - Entram as frases do R. VM…:
[00:39:02] “Quando um pai vê que um filho não ouve, e como a vida está, e haver alguém, alguém que se vá aproveitar desses pais e porem as pessoas a pedir dinheiro e a empenharem-se completamente e essa pessoa que fizer uma coisa dessas, que faça uma coisa dessas só tem um caminho a fazer, é sair de médico.
[00:40:00] Jornalista: “Já ouviu falar de casos de desvios de pacientes do público para o privado?
[00:40:06] VM…: Sim, sim, é o que está a acontecer neste momento em Coimbra.
[00:40:09] Jornalista: Porquê?
[00:40:11] VM…: Porque é o ganhar o dinheiro fácil e não ter respeito pelas crianças, pelos pais, pelas suas famílias.
Jornalista: “O Centro Cirúrgico e o Hospital dos Covões são tão perto que na via rápida de Coimbra, de facto, a saída é a mesma, os pais dizem que a distância entre o público e o privado é diminuta.
[00:42:58] Jornalista: Foi este o percurso que S… e A… fizeram com o G…, do público, seguiram para o privado, são apenas 3kms de distância.
 [00:43:08] A…: É óbvio que se me perguntar a mim, qualquer ser humano, se correu bem a primeira eu procuro o médico que fez o primeiro, saber se ele teria possibilidade de fazer o segundo.
[00:43:17] S…: Eu sei que está a decorrer um inquérito, ligaram-me e fiquei admirada, não fazia ideia. Disseram que não estão escritos em lado algum da lei, nem dos despachos do Ministro, nem em lado algum mesmo que as crianças não tenham direito a um segundo implante.”.
[00:45:44] Jornalista: “O «Sexta às 9» fez centenas de quilómetros e conheceu inúmeros casos em todo o país, a surdez afecta 3 em cada 1000 crianças que nascem em Portugal. 1 em cada 1000 tem surdez profunda.
[00:46:00] Jornalista: Há quanto tempo é que usas o aparelho?
[00:46:03] R…: Muito! Muitos dias!
[00:46:09] SF…: “Crianças surdas envolvidas no alegado negócio que é já um caso de polícia.
24 - Ao longo da transmissão, aparecem legendas com frases como: “Negócio com Crianças Surdas”, “Processo disciplinar instaurado após fusão dos Covões com Hosp. Universitário”, “Dois médicos são acusados pelos pais de desviarem pacientes para o privado”, “Médicos suspeitos de desvio de crianças surdas do público para o privado”, “MÉDICOS SOB SUSPEITA Profissionais trabalham quer no hospital público quer num centro privado”, “AR… precisava de mais de 30 mil euros para implante que afinal era gratuito”: de 00:28:28 a 00:29:36; “Um implante no privado pode custar de 30 mil a 50 mil euros” e “Anestesia, cirurgia e aparelhos custam entre 30 mil e 50 mil euros”: de 00:29:40 a 00:30:19), “Dois médicos são acusados pelos pais de desviarem pacientes para o privado”.
25 - No inquérito criminal instaurado (Processo …/…T9CBR) o A. não foi constituído arguido, tendo aquele sido arquivado por falta de indícios de qualquer ilícito criminal (doc. 1 - fls. 33 verso a 45).
26 - O processo …/2015/INS, cujo relatório final consubstancia o doc. junto com a p.i. de fls. 46 a 54 foi arquivado por falta de indícios de qualquer irregularidade ou ilícito.
27 - Para o ano de 2014 o Serviço de ORL indicou como necessários 123 implantes cocleares em aplicação unilateral, para os doentes em lista de espera, sugerindo ainda que a melhor solução seria a dos implantes bilaterais - especialmente para as crianças -, o que implicaria o aumento do número de implantes a adquirir.
28 - A Administração do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) autorizou para 2014 a aquisição de 50 implantes cocleares.
29 - Na sequência de pedido expresso de alguns pacientes, o Dr. CR…, ao tempo Coordenador da Unidade de Implantes Cocleares do Serviço de ORL, solicitou ao Director do Serviço informação sobre a possibilidade de o Serviço colocar o 2.º implante, suportando o doente o custo do dispositivo a implantar (cf. doc. 3), ao que não obteve resposta.
30 - O Serviço de ORL do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra implantou todos os implantes que lhe foram disponibilizados pela Administração.
31 - O filho do R. VM…, FM…, foi implantado em 1992.
32 – FM… não foi operado, nem pelo A., nem por CR….
33 - Esse paciente (criança, então) não poderia ser sujeito a um segundo implante coclear porque não reunia as condições (físicas, anatómicas ou funcionais) para que, do ponto de vista clínico, fosse possível a realização do segundo implante (ossificação da cóclea direita).
34 - O A. enviou para a RTP, no dia 18 de Fevereiro de 2015, uma carta, registada, em que, invocando o disposto nos arts. 65.º a 67.º da Lei da Televisão (Lei 27/2007, de 30.7, com as alterações da Lei 8/2011, de 11.4), e para os efeitos do art.º 69.º da mesma, referia pretender exercer o seu direito de resposta relativamente às mensagens ofensivas do seu nome e consideração, difundidas no programa “Sexta às Nove”, com chamada de atenção em abertura de Telejornal das 20 horas, do passado dia 13 de Fevereiro de 2015 (cf. docs. 5 e 6).
35 - A RTP recebeu a comunicação em 19.02.2015 (cf. doc. 7).
36 - A RTP não difundiu a referida mensagem no programa “Sexta às Nove” de 20.2.2015.
37 - O A. apresentou queixa à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), no dia 24 de Fevereiro de 2015 (cf. doc. 8).
38 - A RTP contactou o A., telefonicamente, na pessoa do seu mandatário, no dia 5 de Março de 2015, no sentido de “concertar” um texto único de fusão do texto de direito de resposta do A. com o do Dr. CR…, o que foi aceite.
39 - Em 6.3.2015, o jurista da RTP contactou o advogado do A., escrevendo o ss.:
Recebemos agora da ERC uma notificação relativa à queixa do Dr. JQ… pelo não exercício do direito de resposta que nos preparamos para satisfazer, conforme combinado, no programa “Sexta às Nove” de hoje.
Gostaria por isso de obter formalmente a sua anuência em relação ao texto da resposta que lhe enviei e, bem como o seu compromisso em retirar a queixa que o seu constituinte interpôs na ERC caso o seu direito venha a ser exercido no programa Sexta às Nove de hoje.
Agradecia o envio destas confirmações até às 20.00 horas de hoje para os e-mails (…) Estas confirmações são necessárias para que o texto seja efectivamente lido hoje (doc. 9, fls. 61 verso).
40 - A leitura do texto de resposta foi efetuada no final do programa “Sexta às Nove” - sem qualquer chamada de atenção no Telejornal ou na abertura do “Sexta às Nove” - de 6 de Março de 2015.
41 - A jornalista do “Sexta às Nove” disse o seguinte:
Há três semanas o Sexta às Nove transmitiu uma investigação em que dava conta de existirem investigações, quer no Ministério Público, quer na Inspeção Geral das Atividades em Saúde e quer num procedimento disciplinar nos Hospitais de Coimbra contra dois médicos acusados de lucrarem com o desvio de crianças surdas para uma clínica privada onde lhes colocavam próteses auditivas que são comparticipadas a 100% pelo Estado.
O “Sexta às Nove” mostrou documentos que provam tudo o que foi dito e ouviu todas as partes que quiseram ser ouvidas, inclusive um dos médicos visados. Ainda assim os dois clínicos decidiram agora exercer o seu direito de resposta, o que passamos por isso a transmitir de seguida. É uma obrigação legal que não rectifica nada do que apurámos e que aqui voltamos a reafirmar na íntegra.”.
42 - Foram exibidas fotografias do A. e do seu colega, bem como imagens da clínica privada.
43 - O A. manifestou à ERC entender que as suas razões de queixa foram agravadas pela difusão do dia 6.3.2015, pelo que deveria a Entidade Reguladora proferir decisão condenatória, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 24, n.º 3-j) dos Estatutos da ERC e do art. 76, n.º 1-a) da Lei da Televisão (docs. 11 e 12).
44 - A ERC veio a dar-lhe razão, através da sua deliberação 75/2015, de 21 de Abril, condenando a RTP a dar cumprimento ao direito de resposta.
45 - Designadamente, considerou a ERC que:
59. Em relação à transmissão do texto de resposta no programa Sexta às Nove, de dia 6 de março de 2015, entende o Conselho Regulador que a sua emissão no final do programa, sem ter sido anunciada a sua transmissão no seu início, tal como aconteceu na emissão da reportagem original, retirou visibilidade ao texto de resposta dos Recorrentes. A Lei de Televisão ao impor, no artigo 69.º, n.º 3, alínea a), que a resposta deve ser transmitida «tantas vezes quantas as emissões da referência» que a motivou, impõe um princípio de paralelismo no tocante ao relevo que foi dado ao conteúdo respondido. Assim, a resposta dos Recorrentes deveria ter sido também anunciada no início do programa Sexta às Nove.
60. Analisando o comentário proferido pela jornalista previamente à leitura do texto de resposta, e contra o qual se insurgem também os Recorrentes, estabelece o artigo 69.º, n.º 5, da Lei da Televisão, que a transmissão da resposta «não pode ser precedida nem seguida de quaisquer comentários, à excepção dos necessários para apontar qualquer inexatidão ou erro de facto».
61. No comentário em causa, a jornalista afirma que existe uma investigação do Ministério Público, da Inspecção Geral das Actividades da Saúde e um procedimento disciplinar nos Hospitais de Coimbra contra os Recorrentes. Refere ainda que o programa Sexta às Nove mostrou documentos que provam tudo o que foi dito, ouvindo todas as partes que quiseram ser ouvidas, inclusive um dos médicos visados. «Ainda assim», afirma a jornalista, «os dois clínicos decidiram agora exercer direito de resposta, o que passamos por isso a transmitir de seguida. É uma obrigação legal que não rectifica nada do que apurámos e que aqui voltamos a reafirmar na íntegra».
Durante o comentário é possível ver de novo imagens dos dois Recorrentes e também a clínica privada onde ambos trabalham.
62. O comentário não aponta, em concreto, qualquer inexactidão ou erro de facto do texto de resposta sendo por isso inaceitável à luz do preceituado no já citado artigo 69.º, n.º 5, da Lei da Televisão, pelo que a sua inserção prévia à leitura do texto de resposta, acompanhado da emissão de imagens dos Recorrentes bem como da clínica privada onde exercem funções, constitui uma violação legal.
63. Tendo em conta o exposto, verifica-se que a RTP1, na transmissão do direito de resposta dos Recorrentes, não cumpriu o disposto no artigo 69º, nº 3, alínea a), e nº 5 da Lei da Televisão.”.
46 - A ERC decidiu:
1. Determinar à RTP 1 a transmissão gratuita do texto de resposta dos Recorrentes no prazo de 24 horas a contar da recepção da presente Deliberação no Telejornal e no programa Sexta às Nove, respeitando as exigências formais do artigo 69.º, da Lei da Televisão, devendo a divulgação do texto de resposta ser precedida da indicação de que se trata de direito de resposta e acompanhada da menção de que a divulgação é efectuada por efeito de Deliberação do Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social;
2. Esclarecer que a Recorrida deverá enviar à ERC cópia das emissões do Telejornal e do programa Sexta às Nove, onde conste a transmissão do texto de resposta;
3. Determinar a instauração de um processo contraordenacional contra a RTP – Rádio e Televisão de Portugal, S.A., na qualidade de proprietária do serviço de programas RTP 1, por violação do disposto no artigo 69.º, n.º 3, alínea a), e n.º 5, da Lei da Televisão, nos termos do artigo 76.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.” (doc. 13).
47 - A R. RTP retransmitiu o direito de resposta, em 29 de Maio de 2015.
48 - Ao minuto 16 do “Telejornal”, foi feita uma chamada de atenção para a retransmissão do direito de resposta no programa “Sexta às 9”, nos seguintes termos:
Esta noite, por deliberação da ERC, vamos ainda retransmitir um direito de resposta já apresentado a 6 de Março neste programa.
49 - No programa “Sexta às 9” desse dia, aos 37m45s, é retransmitido o direito de resposta.
50 - Foi antecedido, aos 36 minutos e 22 segundos, do seguinte comentário da apresentadora/jornalista:
Considerando algumas inexactidões e erros existentes no referido direito de resposta, nos termos do n.º 5 do artigo 69.º da Lei da Televisão, esclarece-se: os médicos JQ… e CR…, responsáveis por implantar crianças surdas no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, realizaram no Centro Cirúrgico de Coimbra 23 implantes e não 13. O pai de FM…, primeiro implantado em Portugal, enviou uma carta ao ‘Sexta às 9’ a esclarecer que os médicos CR… e JQ… pertenciam à equipa que operou o seu filho em 1992. A essa carta juntou provas documentais que demonstram que ambos utilizam o caso de F… em congressos internacionais. A Inspecção Geral de Saúde assumiu, por escrito, à RTP, a existência de um inquérito sobre o alegado desvio de doentes do público para o privado. A Procuradoria-Geral da Republica confirmou que os visados são os médicos JQ… e CR…. Em entrevista ao ‘Sexta às 9’, o vogal do Conselho de Administração do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, PL…, garantiu que ‘não existe nenhuma limitação de aparelhos’ naquela unidade pública de saúde e que ‘sempre fez os implantes que os técnicos pediram.
51 - A ERC, na sua Deliberação 122/2015, de 1.7, considera:
Do comportamento adoptado pela RTP, na retransmissão do direito de resposta, conclui-se, pelo que ficou exposto, que a RTP incumpriu as Deliberações da ERC que impunham a adopção de um comportamento conforme ao estabelecido pela Lei de Televisão, em particular, com o disposto 69.º, n.º 2, alínea a), e n.º 3, alínea a), do referido diploma.
Tal comportamento mostra-se especialmente gravoso pelo facto de o operador ter ignorado as determinações que lhe haviam sido dirigidas pelo Regulador, primeiro em sede de Deliberação especificamente adoptada nesse sentido e posteriormente, em sede de clarificação da Deliberação inicialmente adoptada.
Compete à ERC extrair as devidas consequências sancionatórias pelo incumprimento, por parte do serviço de programas RTP, das deliberações 75/2015 e 89/2015 (OUT-TV).
Determina-se, assim, a instauração de procedimentos contraordenacional previsto no artigo 71.º, alínea a), dos Estatutos da ERC.
52 - A ERC deliberou:
O Conselho da ERC verificando o incumprimento das suas Deliberações 75/2015 e 89/2015 (OUT-TV), que determinavam à RTP, propriedade da Rádio e Televisão de Portugal, S.A. A retransmissão no cumprimento rigoroso das disposições legais aplicáveis, do texto de resposta da autoria de JM… e CA…, relativo ao programa Sexta às 9, de 13 de Fevereiro de 2015, e pela reportagem emitida no Telejornal do mesmo dia com o título «Médicos suspeitos de desvio de crianças surdas do público para o privado», delibera instaurar o competente procedimento contraordenacional, previsto nos artigos 71.º, alínea a), e 67.º n.ºs 1 e 2, dos Estatutos da ERC, em virtude de cumprimento deficiente das Deliberações da ERC que ordenaram a retransmissão da resposta acima identificada.” (doc. 14).
53 - O A. pediu ao Sr. Presidente do C.A. do CHUC, em 27 de Fevereiro de 2015, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 62, n.º 3 do Código do Procedimento Administrativo, que lhe fosse certificado o seguinte:
1. Qual o número de implantes cocleares adquiridos em cada um dos anos de 2011 a 2014, bem como quais os critérios e fundamentação para ter sido decidida a aquisição desses números de implantes, em parcial indeferimento do solicitado pelo Serviço de Otorrinolaringologia;
2. Se, enquanto Órgão Colegial, e considerando o teor das afirmações do Sr. Dr. PL…, em resposta às questões supra transcritas e que poderão ser consultadas em www.rtp.pt/play/p1758/sexta-as-9, esse Conselho de Administração tomou ou planeia tomar alguma deliberação sobre tais afirmações e, no caso afirmativo, qual o teor da deliberação.” (doc. 19).
54 - Dado que a certidão lhe não foi passada, o A. intentou, em 2 de Abril de 2015, um processo de Intimação para Passagem de Certidão (doc. 20).
55 - O CHUC escreveu o seguinte:
Por tudo isto, podemos informar, que não existem quaisquer utentes em lista de espera cirúrgica para um segundo implante, dado que, salvo nas situações de utentes pediátricos com défices sensoriais ou co-morbilidades associadas (cegueira ou outras situações especiais como meningite e rendimento insuficiente do primeiro implante...), não há indicação para inclusão em programa cirúrgico de situações de bilateralidade, sendo a prioridade, por motivos clínicos e económicos, os doentes em lista de espera para o primeiro implante.
Em Portugal, estão a ser elaboradas as NOC - Normas de Orientação Clínica pela DGS, pelo que ainda não foram publicadas. Alguns Países Europeus têm vindo a fazer recomendações para que o segundo implante, em crianças, seja colocado em simultâneo ou diferido, contudo, dado não existir unanimidade na comunidade médica europeia, Portugal está a criar um Grupo de Trabalho, através do Ministério da Saúde, que naturalmente, irá produzir resultados e permitir adequadas decisões num futuro próximo.” (…) “O conselho de Administração (CA) do CHUC, pretende deixar claro que a reportagem televisiva acerca dos implantes cocleares, em nada beliscou a imagem que tem dos profissionais responsáveis por este programa de implantes, já que, o seu conteúdo e mensagem, é da inteira responsabilidade da RTP. Reafirmamos, para que dúvidas não persistam, que sempre reconheceu à equipa (onde se inclui o autor da acção) e ao seu líder, Dr. CR… (Coordenador da Unidade Funcional, Pólo HG), as maiores competências e enorme dedicação aos doentes, sendo prova disso, o reconhecimento nacional e internacional do trabalho realizado, até à presente data, que prestigiou a Unidade de Implantes Cocleares e a instituição CHUC, a que pertence.” (doc. 21).
56 - Tendo o A. insistido pelo cumprimento da intimação, veio a ser prolatada sentença que a determinou (doc. 22), vindo o Presidente do C.A. do CHUC aduzir que:
1. Relativamente à questão do número de Implantes Cocleares adquiridos nos anos de 2011, 2012, 2013, e 2014:
Ano Número de unidades adquiridas
2011   44
2012   32
2013   41
2014   28 + 24 *
*Acrescem a estes 28 Implantes Cocleares, 24 unidades de Componentes Internas adquiridas pelo procedimento concursal n.º … -Componentes Internas para Implante Coclear e que em conjunto com os componentes externos que existiam em Stock e que não funcionavam isoladamente, elevam para 52 o n.º de implantes cocleares adquiridos em 2014.
2. No que concerne aos critérios e fundamentos das decisões de aquisição desses números de implantes, informamos que em regra, nos anos considerados (2011 a 2014) estava estabelecido um “plafond” de implantes a realizar anualmente, plasmado no Acordo-Quadro n.º …/…/2011, válido para um período máximo de 4 anos.
Não Obstante essa limitação que originalmente (2011) se situou nos 50 implantes/ano, reduzida no ano seguinte em – 8% e, daí em diante, para 40 implante/ano (ACSS – Administração Central do Sistema de Saúde – Contrato Programa 2012-ANEXO), a UFIC (Unidade de Implantes Cocleares) do Serviço de ORL tem solicitado anualmente a inclusão de um volume superior de implantes cocleares, fruto da pressão da LIC (Lista de Espera Cirúrgica), porquanto, não sendo ainda o CHUC um Centro de Referenciação Nacional, autorizado pela tutela, a verdade, é que é solicitado por Doentes a nível nacional. Por isso, e porque pretendeu o CA (Conselho de Administração), apesar das limitações orçamentais impostas pelo país, dar resposta a todos os doentes, nomeadamente às crianças, com pelo menos um implante, para os poder ajudar a sair do mundo dos silêncios, conseguiu, com o enorme esforço da equipa da UFIC, chegar a todas e eliminar a LIC, sendo o que veio a acontecer em 2014.” (doc. 23).
57 - Os 5.º e 6.º RR., JMP… e PD… exerciam o cargo de Director de Informação da RTP, o primeiro à data da transmissão da reportagem (13 de Fevereiro de 2015) e da primeira das transmissões do “direito de resposta” (13 de Março de 2015), e o segundo, à data da segunda das transmissões do “direito de resposta” (29 de Maio de 2015) - n.ºs 1 e 3 do art. 4.º dos Estatutos da RTP e art.º 35, n.º 2 da Lei da Televisão.
58 - A 3.ª R. contactou o Gabinete de Comunicação, Informação e Relações Públicas do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E. (CHUC), em 28 de Janeiro de 2015, por correio eletrónico, onde fazia um conjunto de perguntas (doc. 1 da contestação).
59 - Em 30 de Janeiro de 2015, a coordenadora do referido Gabinete de Comunicação, enviou as respostas ao questionário, destacando-se os seguintes excertos de perguntas e respostas, tendo em conta a causa de pedir (doc. 1 da contestação):
«Deve colocar-se apenas um? A indicação para implante coclear e consequente colocação do paciente em lista de espera cirúrgica deriva de critérios clínicos, não depende de outros factores, nomeadamente de natureza económica.»
«Podem ser colocados os dois? Até há pouco tempo, a indicação para implante coclear era unilateral. Mais recentemente a evolução do conhecimento científico, permitiu concluir que a implantação bilateral apresentava maiores benefícios, sobretudo em crianças e em ambientes de escuta adversos: vários interlocutores em simultâneo, ruído de fundo, salas com mau ambiente acústico, etc.
Na verdade, a implantação bilateral permite a audição em estereofonia, elimina o efeito sombra da cabeça, isto é, a barreira que a cabeça oferece aos sons que provêm do lado não implantado. Permite a localização da fonte sonora, permite a estimulação das duas vias auditivas e garante a utilização dos dois ouvidos da criança.
Tem no entanto também desvantagens: aumenta o tempo de cirurgia com aumento de risco anestésico, duplica os custos do equipamento a implantar e dos seus consumíveis e peças de substituição e não deixa ouvido de reserva para eventuais evoluções tecnológicas (???).
Em conclusão, a implantação unilateral é obrigatória nas crianças com surdez severa a profunda que não desenvolvem linguagem com as próteses auditivas convencionais. O custo/benefício da implantação unilateral é fortemente positivo.
A colocação de um segundo implante melhora as capacidades auditivas do paciente mas não promove o dobro da informação pelo que custo/beneficio do segundo implante é ainda objecto de estudo.
Actualmente a tendência internacional está a evoluir para a indicação de implante coclear bilateral simultâneo ou sequencial nas crianças que tenham condições anatómicas para receber os dois implantes. Constituem indicações universalmente aceites para implantação bilateral a existência de outras patologias sensoriais associadas à surdez, nomeadamente a cegueira, o ganho insuficiente com o primeiro implante ou exigências auditivas especiais nos adultos, por exemplo, de natureza profissional.» (doc. 1).
«Há uma norma onde isso está esclarecido? - Não conhecemos qualquer norma específica.»
«Quantos dispositivos para implantes são atribuídos a Coimbra? há alguma limitação? Não são atribuídos implantes ao CHUC. Os implantes são realizados pelo hospital – 54 em 2014, e com a previsão de colocação de 60 implantes em 2015 – são suportados pelo orçamento próprio do CHUC. […]» (doc. 1).
60 - A R. contactou a Procuradoria-Geral da República (PGR), no dia 2 de Fevereiro de 2015, através de correio eletrónico, questionando se «está a decorrer um inquérito ou qualquer outra diligência referente ao CHUC, o Centro Hospitalar de Coimbra, relacionado com os médicos de otorrinolaringologia Dr. CR… do Coordenador do Serviço da Unidade Funcional de implantes cocleares) e Dr. LQ…, médico especialista».
61 - A PGR respondeu nos seguintes termos «confirma-se a existência de um inquérito relacionada com o assunto em questão. O mesmo encontra-se em investigação e está em segredo de justiça» (doc. 2 da contestação).
62 - A R. contactou o Ministério da Saúde, tendo remetido um e-mail em 2 de Fevereiro de 2015, às 17h56m, em que perguntou: «No caso de ser diagnosticado pelos médicos, é comparticipado pelo Serviço Nacional de Saúde o segundo implante coclear?» (doc. 3 da contestação).
63 - O assessor para a comunicação do Ministério da Saúde respondeu em 10 de Fevereiro de 2015, com informação dos serviços jurídicos da Secretaria Geral do Ministério da Saúde: «Assim, os implantes cocleares, à imagem de todos os restantes cuidados de saúde prestados em unidades hospitalares públicas, quando prescritos por médicos do Serviço Nacional de Saúde, são comparticipados a 100% pelo Estado, quer na parte dos dispositivos médicos utilizados, quer do trabalho médico-cirúrgico e de outros profissionais, exames médicos, consultas, medicamentos e internamento. Quaisquer eventuais pagamentos da parte dos utentes só poderão resultar da aplicação de taxas moderadoras, desde que os utentes beneficiários não estejam na condição de isentos ou dispensados.» (doc. 4 da contestação).
64 - A 3.ª R. contactou a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS), colocando questões sobre a existência de processos por alegado «desvio de doentes do público para o privado, na área dos implantes cocleares, no Centro Hospitalar de Coimbra» (doc. 5).
65 - A IGAS respondeu, através do assessor para a comunicação do Ministério da Saúde, que «[com] referência ao assunto “infra”, cumpre informar que a IGAS teve conhecimento, através de uma notícia anónima, dos factos relacionados com alegado incumprimento do horário, acumulação indevida e eventual desvio de doentes, por parte de um profissional do CHUC, concluindo-se que contra o profissional havia sido instaurado um processo disciplinar no CHUC e participados os factos ao Ministério Público. Internamente a denúncia foi incorporada numa acção inspectiva, no âmbito da qual estão em curso várias diligências, sem prejuízo do processo disciplinar cuja tramitação se acompanha. Nada mais poderá ser acrescentado, na medida em que o processo se encontra sob segredo processual.» (doc. 5 da contestação).
66 - A equipa do Sexta às 9 procurou conhecer a posição dos visados na denúncia anónima, tendo o Dr. CR… decidido prestar declarações.
 67 - O Autor optou por não prestar declarações, conforme resposta que deu à interpelação telefónica da 3.ª Ré.”
68 - Em 16-2-2016 teve lugar arquivamento, do qual consta assinaladamente o seguinte «Os presentes autos de inquérito tiveram origem na participação de fls. 1, elaborada pelo Conselho de Administração dos CHUIC, na sequência de uma denúncia (anónima) enviada por correio electrónico simultaneamente para várias entidades (Ministério da Saúde, IGAS, DGS, ACSS, INFARMED, ARS e HUC), por um auto intitulado “pai desesperado” de uma criança que nasceu surda, a dar conta do “esquema” e do “comércio” que diz existir na colocação dos implantes cocleares em crianças surdas-mudas (especialidade de otorrinolaringologia) concebido por dois médicos dos CHUC (Centro Hospitalar Universitário de Coimbra) que, sob o pretexto de não existir comparticipação do Estado, sugerem a colocação de um 2.º implante, “empurrando” os doentes para o CENTRO CIRÚRGICO DE COIMBRA (hospital privado), onde exercem igualmente clínica médica remunerada e onde cobram à volta de 30 mil euros por cada 2.º implante efectuado.
Tais factos (sumariamente descritos) são susceptíveis de integrar, em abstracto a eventual prática do crime de participação económica em negócio, p.p. pelo 377.º e/ou do crime de abuso de poder, p.p. pelo art.º 382.º, ambos do Código Penal, por referência ao denunciado desvio de doentes do público para o privado (“ir ao hospital buscar doentes para a clínica”), considerando a circunstância de o hospital público (CHUC) poder estar a deixar de receber contrapartidas monetárias por actos/exames que deixou de realizar (com o inerente prejuízo patrimonial), como resultado da actuação dos visados, que poderão estar, assim, a servir-se dos seus cargos (públicos) de médicos do SNS (SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE), para satisfação de meros interesses privados»
69 - O A. é um reputado cirurgião otológico, com mais de 2800 cirurgias efetuadas (estapedectomias; timpanoplastias; mastoidectomias e implantes cocleares).
70 - Efetuou a primeira cirurgia de implante coclear em 2001, tendo, até hoje, efetuado mais de 400 destas cirurgias, sendo que a instituição em que sempre trabalhou (o Centro Hospitalar de Coimbra, primeiro, e depois, com a fusão, o CHUC), era, à época, responsável por mais de 80% dos implantes cocleares efetuados em Portugal.
71 - Desde o início da sua atividade como cirurgião de implantes cocleares, tem frequentado vários cursos de aperfeiçoamento de técnica cirúrgica na Alemanha e na Bélgica.
72 - Desde 2010 o A. efetua cirurgias em direto, em congressos internacionais, no âmbito de um intercâmbio e excelente relacionamento com colegas estrangeiros.
73 - Atualmente, é um dos coordenadores da Consulta de Implantes Cocleares do CHUC e, recentemente, fez parte da Comissão Organizadora do Congresso Europeu de Implantes Cocleares Pediátricos, que decorreu em Portugal em Maio de 2017.
74 - Nos dias subsequentes à transmissão da reportagem (13.02.2015), o A. foi contactado por familiares, amigos, colegas e pacientes/pais de pacientes, que se mostravam incomodados e chocados com o conteúdo daquela.
75 - As declarações e imagens da reportagem foram tema de conversa em todo o país e criaram, em muitas pessoas, um clima de desconfiança em relação ao A.
76 - O A. avisou pessoas das suas relações familiares, profissionais e de amizade, de que o direito de resposta iria ser transmitido no dia 6.3.2015.
77 - O A. sofreu desgosto, revolta, indignação, humilhação e angústia, tendo ficado vexado e ofendido no seu pundonor e no bom-nome e reputação de que tem gozado.
78 - O A., que pautou a sua vida por princípios éticos, viu afetado o seu carácter impoluto e atingida a sua integridade moral, que lhe haviam granjeado prestígio face a quem, pessoalmente ou de nome, o conhecia.
79 - O A. teve que exigir-se a si mesmo um esforço acrescido para recobrar as suas energias e reafirmar o seu sentimento de honra, perante si e perante os outros.
80 - Tudo isto lhe provocou perturbações e traumas, dificuldade em encarar os familiares, amigos, colegas e pacientes, largos momentos de tristeza, revolta e alguma depressão.
81 - O que foi ampliado e prolongado no tempo pela demora da apresentação do direito de resposta e pela persistência das suspeições.
82 - Relativamente ao número de segundos implantes realizados pelo A. no Centro Cirúrgico de Coimbra, este havia realizado, até à data do programa - 13.02.2015 - um total de 6.
83 - O Telejornal da RTP é visto por um mínimo de 950.000 pessoas e o Sexta às 9 por um mínimo de 807.500 pessoas (doc. 24).
84 - Nenhuma das pessoas ouvidas na reportagem disse que o A. desviou alguma criança, incentivou algum pai ou, sequer, sugeriu a necessidade de ir fazer o segundo implante ao privado.
B - O Direito
Nesta sede está em causa saber se a matéria de facto fixada (não) preenche os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos – ilicitude, culpa, dano grave e nexo de causalidade - em que a presente ação é fundada.
Vejamos, tomando por base as conclusões do recurso.
Concluem os Recorrentes:
19. Quanto ao facto ilícito, é evidente que o que alegadamente lesou o direito à honra do Recorrido não foi a reportagem, mas sim os factos veiculados por alguns terceiros (fontes da notícia) que nela intervieram.
20. A eventual ilicitude não está associada à reportagem (facto), mas às imputações que foram feitas relativamente ao Recorrido por terceiros, que apontam a existência de um alegado desvio de crianças para o particular (denúncia anónima e outros pais que revelam desconhecer que o Estado comparticipa a 100% a implantação bilateral), que deu origem a processos diversos (crime e disciplinar), suportado por informação veiculada pelo próprio CHUC (hospital público).
21. Verifica-se uma desassociação entre os Recorrentes e o facto (reportagem) que o Recorrido invoca como sendo lesivo do seu direito, o que conduz a uma situação de afastamento (senão mesmo ilegitimidade substantiva) entre os Recorrentes e o facto alegadamente gerador de dano (relação material controvertida), o que determina a conduta constitutiva da responsabilidade, ou seja, ilícita, nunca seria dos Recorrentes, mas dos autores dos factos concretos.
22. Não corresponde à verdade que os Recorrentes não dispusessem de indícios suficientes para associar o Requerido aos processos pendentes, já que estes apenas são abertos quando a denúncia na qual se fundam é minimamente substanciada e fundamentada, o que também afasta a ilicitude da atuação dos Recorrentes.
23. Em qualquer caso, sempre se estaria perante numa evidente situação de exclusão da ilicitude, por estar em causa o exercício de um direito dos Recorrentes, concretamente, a constitucionalmente consagrada liberdade de expressão e informação (cf. artigo 37.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa).
24. Os Recorrentes agiram sob o mote de circulação da informação de interesse público, estando em causa o carácter universal, geral e tendencialmente gratuito do serviço nacional de saúde (cf. artigo 64.º, n.º 2, alínea a), da Constituição da República Portuguesa) e os deveres de probidade daqueles que exercem funções num hospital público (cf. artigos 266.º, n.º 2, e 271.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa).
25. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem – órgão que, nos termos do CEDH, está especificadamente vocacionado para uma interpretação qualificada e controlo da aplicação dos preceitos de Direito Internacional convencional – vem protegendo a liberdade de expressão, mesmo quando em causa estejam juízos de valor formulados pelos próprios jornalistas, pelo que nenhuma censura pode existir quando o que há é uma mera descrição factual daquilo que foi veiculado por terceiros, conforme sucede no caso concreto e que implica, naturalmente, a exclusão da ilicitude.
26. Os Recorrentes, no que respeita à reportagem de 15.02.2015 e aos direitos de resposta emitidos, também não agiram com culpa, tendo procurado todas as fontes – a maioria revelada na própria reportagem – que poderiam dar respostas tendo em conta os diversos ângulos do assunto, cumprindo todos os deveres que se lhes impunham nos termos do Estatuto dos Jornalistas.
27. Os Recorrentes não podiam, nem deviam, ter agido de forma distinta, porque não havia outros factos a relatar e, concomitantemente, não tinham que duvidar daquilo que lhes foi relatado e corroborado por várias fontes.
Neste conjunto de conclusões está em causa saber se a “Reportagem” deve ser considerara atuação ilícita e culposa dos réus.
Questão que pode ser enunciada nos termos das conclusões 19.ª e 20.ª, acima transcritas.
Onde os Apelantes defendem que não foi a Reportagem que lesou o direito à honra do Recorrido, mas os factos veiculados por alguns terceiros, as fontes da notícia.
Ou seja, nos termos que foram enunciados na decisão recorrida, e já acima referidos, está em causa saber se os Autores da reportagem em apreço, a partir das fontes reportadas, tinham elementos para dizer o que disseram, isto é, que o A. estava envolvido na prática de aliciar pais de crianças, que realizavam um implante no Hospital Público de Coimbra, a realizar o segundo implante no setor privado.
A decisão recorrida respondeu negativamente a esta questão, nos seguintes termos, já acima parcialmente reproduzidos:
«A pedra de toque da questão reside em determinar aquilo que os jornalistas efectivamente sabiam com base nos documentos a que tiveram acesso e nas pessoas que ouviram, isto é, no confronto das fontes.
Ora nenhum dos inquiridos fez alusão à pessoa do A..
Atente-se no teor das declarações plasmadas na reportagem também R. VM…, sendo inequívoco concluir que o seu depoimento nunca se refere, ao menos explicitamente à pessoa do A.. O A. não fizera a cirurgia de implante ao filho, cirurgia essa, aliás, ocorrida muitos anos antes de o A. sequer ter começado a exercer a actividade de cirurgião otorrino.
Aliás, as crianças filhas dos demais pais ouvidos cujas entrevistas são carreadas, supõe-se que em parte, para o programa, tão pouco foram alvo de cirurgia por parte do A., quer no hospital público, quer no hospital privado.
Aquilo que na realidade se ouve e visualiza na reportagem são considerações dos pais no sentido de que seria grave, injusto, inaceitável que o Estado comparticipasse o segundo implante e que as pessoas fossem levadas a angariar fundos vultuosos em face das respectivas disponibilidades financeiras para procederem ao um segundo implante no sector privado.
Os jornalistas da RTP em apreço, a partir das fontes reportadas, tinham elementos para dizer o que dizem, isto é, que o A. estivesse envolvido na prática de aliciar pais de crianças que realizavam um implante no Hospital Público de Coimbra a realizar um segundo implante num hospital privado?
De acordo com os elementos carreados para os autos não dispunham dessa informação ou sequer de indícios nesse sentido. De acordo com as fontes reportadas aquilo que podiam dizer é que estavam a decorrer inquéritos para apurar se tal efectivamente ocorria. Nada mais.
A partir das declarações que foram facultadas pelo Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra era forçoso concluir que a questão do implante unilateral ou bilateral estava e discussão e que era objecto de análise científica. É do senso comum pensar que colocar dois implantes será melhor que colocar um, ainda que o próprio CHUC refira como desvantagens o tempo da cirurgia, o custo e a circunstância de não deixar ouvido de reserva para eventuais evoluções tecnológicas.
É certo que quer o CHUC, quer o Ministério da Saúde são cautelosos nas afirmações que fazem, deixando entrever que não haveria limitações económicas para os implantes. A reportagem poderia ter sido sobre os constrangimentos orçamentais - que, diga-se, o outro visado na reportagem, o médico CR… assinala. Neste particular a jornalista faz menção de que o Ministério da Saúde nega peremptoriamente que exista uma questão de poupança.
Mas a reportagem não é, efectivamente, sobre essa possibilidade. A RTP fez uma reportagem sobre as vantagens económicas que o A. e CR… extraíam da circunstância de assinalarem aos pais das crianças surdas que implantavam no Hospital dos Covões que um segundo implante só teria lugar num hospital privado e de efectivamente realizarem esses implantes nesse tipo de estabelecimento particular.
É iniludível ser esse o sentido da reportagem, ainda que, na realidade, nenhum dos pais fale de qualquer um dos médicos visados e que os pais se cinjam a manifestar a sua postura perante uma situação como aquela que lhes parece ter sido descrita.
Neste ponto cabe afirmar que as declarações de VM… cabem neste contexto. Este R. não menciona a pessoa do A.. VM… viu o filho ser implantado em 1992. Perguntado sobre se já ouviu falar de casos de desvios de pacientes do público para o privado, responde, sim, que é o que está a acontecer em Coimbra. Não se alcança sequer como é que este R. teria algum conhecimento privilegiado sobre a matéria, volvidos mais de 20 anos sobre o implante do filho. Em nenhuma circunstância, todavia, alude à pessoa do A..
(…).
É o próprio programa que assinala o quão chocante é - ou seria - que médicos encarregues no âmbito das funções públicas por si exercidas num hospital estatal de proceder a um implante numa criança surda usassem do acesso que tiveram aos pais da criança por essa via para encaminhar os mesmos para um hospital privado para a colocação de um segundo implante - ganhando, desta forma, algum dinheiro extra.
Sabemos agora que até à data do programa o A. havia realizado um total de 6 implantes no Centro Cirúrgico de Coimbra e que não há qualquer prova de o ter feito em alguma criança que tivesse implantado no Hospital dos Covões. Sabemos agora que os dois inquéritos foram arquivados.
A RTP e os seus jornalistas não estavam obrigados a sabê-lo à época. Mas tinham indícios de que o A. se estivesse a aproveitar da circunstância de ser cirurgião num hospital público para, conforme avançaram, se locupletar com o custo que cobraria por uma cirurgia num hospital privado? A RTP e os jornalistas agiram com base em fontes fidedignas, que tornassem aceitável veicular que o A. agia da forma enunciada?
O entendimento do tribunal é que não havia indícios aceitáveis e bastantes que consentissem uma reportagem incisiva, conclusiva e peremptória como a veiculada. Aliás, os RR. em apreço não fizeram qualquer esforço de prova nesse sentido. A reportagem consiste claramente na justaposição de indignações de jornalista e de pais de crianças que foram surdas perante a circunstância de o A. e de um outro médico estarem a enganar os pais, fazendo-os crer que um segundo implante só seria possível mediante pagamento avultado num hospital particular, quando o Estado financiava esse implante sem qualquer custo. Note-se que a questão não é sequer colocada hipoteticamente. Aliás, a seguir ao exercício do direito de resposta a jornalista SF… diz: OSexta às Nove” mostrou documentos que provam tudo o que foi dito (…). Ainda assim os dois clínicos decidiram agora exercer o seu direito de resposta (…). É uma obrigação legal que não rectifica nada do que apurámos e que aqui voltamos a reafirmar na íntegra”.
(…)
Enfatize-se uma vez mais que a questão nem sequer reside em saber se o A. fez o que a reportagem anuncia - sabemos agora que tal não aconteceu -, mas sim em determinar se os jornalistas envolvidos na reportagem tinham indícios de que assim era. Os elementos veiculados para os autos e a própria lógica das coisas permitem extrair conclusão precisamente inversa. Como se disse, o que podiam validamente afirmar é que a questão estava a ser investigada. As entrevistas por si apresentadas na reportagem nada permitem afirmar no sentido que reiteradamente apontam verbalmente e em rodapé.»
Considerações que se acompanham inteiramente, ressalvando-se apenas que os pais de duas crianças, que foram ouvidos na Reportagem, fizeram referência ao Dr. CR…, que terá feito o duplo implante coclear nos respetivos filhos, o primeiro no CHUC e o segundo na CCC.
No mais, reitera-se que, para além da pendência dos procedimentos de averiguação, disciplinar, administrativo e penal, a única referência feita na Reportagem ao Dr. Q…, que será o aqui Autor, sem ser da autoria dos Réus, é a que consta da denúncia anónima, que já acima foi transcrita, e na qual não lhe foi imputado qualquer ato de promoção da realização de segundos implantes cocleares no privado.
Os Recorrentes consideram que foi o Dr. PL…, ao afirmar que “o Hospital financiaria os implantes que os técnicos determinassem, e que não havia limitação de aparelhos”, que deu causa à informação contida na Reportagem.
Mas, essas afirmações, apresentadas por excertos, não foram inequívocas.
Reconhecendo-se que as declarações proferidas em determinado momento, transcritas no ponto 21 da matéria de facto, comportam esse entendimento, outras declarações, incluídas em momento posterior da Reportagem, apontam no sentido de que a viabilidade do segundo implante coclear continuava em discussão: “Os profissionais tinham apresentado documentos e pedido reuniões, havia dificuldades, e não havia conclusões definitivas”.
No mesmo sentido se pronunciou o Dr. AP…, Diretor do Serviço de ORL do CHUC, ao afirmar, a minutos 37H50: “..primeiro há que fazer unilateral; é a norma técnico-científica desta equipa que se ocupa de implantes. Essa norma nunca foi mudada. (…) Será mudada quando for possível.
Também apontava no mesmo sentido a informação prestada pelo CHUC, referida no ponto 59 da matéria de facto.
Onde se pode ler, designadamente:
«Em conclusão, a implantação unilateral é obrigatória nas crianças com surdez severa a profunda que não desenvolvem linguagem com as próteses auditivas convencionais. O custo/benefício da implantação unilateral é fortemente positivo.
A colocação de um segundo implante melhora as capacidades auditivas do paciente mas não promove o dobro da informação pelo que custo/beneficio do segundo implante é ainda objecto de estudo.»
E também foi nesse sentido que, utilizando uma linguagem muito expressiva, se pronunciou o Dr. CR…, nos termos parcialmente transcritos no ponto 21 da matéria de facto.
Ainda no mesmo sentido também relevam as declarações prestadas pela Dr.ª FS…, presidente da Associação de Apoio ao Implante Coclear que, a minutos 32/33, afirmou: “ Se não existe lista de espera, podia-se fazer segundos implantes;(…) no Público, não se fazem 2.ºs implantes”.
E, a minutos 45H36 afirmou: “Pessoas que querem um segundo implante deveriam unir-se e ir para tribunal com o Estado português.”
Depois, tendo sido identificados dois casos de duplo implante no CHUC e na CCC, realizados pela mesma equipa médica, de que o Autor não fez parte, e um outro caso de duplo implante em que o segundo foi feito num Hospital privado do Porto, os pais das primeiras crianças informaram que foi deles a opção pela mesma equipa médica.
Sendo evidente que, no terceiro caso, os pais não fizeram essa opção.
Sendo lícito presumir que não foram identificados outros casos de duplo implante, em que o primeiro tivesse sido feito por qualquer dos médicos visados na Reportagem.
Posto que nada foi concretizado nesse sentido.
Pelo que também fiou sem fundamento a referência feita, logo na apresentação da Reportagem ao desvio de “dezenas de crianças surdas para uma clínica privada”.
Também é revelado na Reportagem que a mãe de uma dessas crianças, que fez o duplo implante com o Dr. CR…, apresentou um pedido escrito de ajuda à Administração do CHUC e ao respetivo diretor do serviço de ORL, e que, decorrido mais de um ano, não tinha obtido resposta.
O que tudo, permitia concluir que, independentemente dos direitos que estivessem consagrados na Lei, o Serviço Nacional de Saúde não assegurava, até àquela data, a realização de segundos implantes cocleares.
E a própria Reportagem formulou essa conclusão, podendo ouvir-se, logo a seguir às declarações já referidas do Dr. AP…: “a possibilidade de realizar implantes nos dois ouvidos, recomendados pela comunidade científica internacional, nunca passou disso mesmo. Uma possibilidade, discutida desde 2013, ainda sem conclusões.”
E era essa a mensagem que poderia ter sido veiculada na Reportagem, perspetivando nesse sentido toda a informação obtida.
Uma vez que, a partir do momento em que a própria Reportagem concluiu que o Estado não assegurava a colocação do segundo implante coclear, ficou completamente sem base a afirmação de que havia dois médicos suspeitos de desviar dezenas de crianças surdas do Hospital Público para uma Clínica privada, tendo em vista a realização de segundos implantes cocleares.
Pois que, então, o Hospital público não realizava segundos implantes.
Não existindo, até à data da reportagem, alternativa à sua realização no Privado.
Salva a hipótese, referida pela Dr.ª FS…, de recurso aos tribunais.
Contra isto, nada de relevante poderia ser concluído com base na simples pendência de processos disciplinar, administrativo e de inquérito crime, visando os dois médicos referenciados na denúncia anónima.
Processos em relação aos quais nada mais era possível concluir, ou afirmar, do que a sua instauração e pendência.
Assim, se os autores da Reportagem tivessem avaliado, com um mínimo de atenção, a própria informação que recolheram, teriam percebido que o ora Autor, tal como o Dr. CR…, não podiam ter desviado qualquer criança surda do Hospital público para o Privado.
E esta Reportagem não teria existido, ao menos centrada nessa questão.
Posto isto, é pacífico que a Reportagem em causa ofendeu, de forma clamorosa, o direito ao bom nome, à imagem e à honra do Autor.
Situação que foi agravada pelos termos em que foi publicado o seu direito de resposta.
Cujo conteúdo foi antecipadamente anulado pela declaração da jornalista, que introduziu a respetiva leitura, transcrita no ponto 41 do elenco da matéria de facto.
Também se afigura inequívoco que a atuação dos Autores da Reportagem foi gravemente negligente, em termos de merecer severa reprovação do direito.
Não se chegando a colocar aqui qualquer conflito entre os direitos ofendidos dos médicos visados na Reportagem e a liberdade de imprensa.
Posto que não existe o direito de divulgar informação infundada, sobretudo quando é tão gravemente lesiva dos direitos de personalidade de terceiros.
Pelo que assiste ao Autor direito a indemnização pelos danos causados, quer pela Reportagem, quer pela forma como foi divulgado o direito de resposta.
Havendo que prosseguir com a apreciação da impugnação deduzida pelos Recorrentes em relação ao valor da indemnização.
Esse valor foi justificado, na decisão recorrida, nos seguintes termos:
«Preceitua o art.º 496.º do C.C.:
n.º 1: Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
O n.º 3 do mesmo artigo estabelece que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 494.º, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso concreto.
Conforme se lê em Antunes Varela (in Das Obrigações em Geral, vol. I, 10.ª ed., p. 605, nota 4) tal juízo de equidade requer do julgador que «tome em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida».
Perante a imaterialidade dos interesses em jogo, a indemnização dos danos não patrimoniais não tem por escopo a sua reparação económica, mas compensar o lesado pelo dano sofrido, proporcionando-lhe uma quantia pecuniária que lhe permita satisfazer interesses que apaguem ou atenuem o sofrimento causado pela lesão.
A indemnização tem, porém, natureza mista, já que visa não só reparar, da forma possível, o dano, mas também reprovar a conduta lesiva, punir a conduta do agente.
A compensação por danos não patrimoniais, para responder actualizadamente ao comando do art.º 496.º do C.C. e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar (cf. ac. do STJ de 5-11-98, in http://www.dgsi.pt/ JSTJ00034940).
Os danos não patrimoniais em questão tal como invocados são de molde a merecer a tutela do direito.
O A. é um reputado cirurgião na área da otorrinolaringologia, sendo de presumir que detenha boa condição económica.
A R. RTP é a empresa que difundiu a reportagem.
As RR. SF… e SR… são as jornalistas responsáveis por aquela.
Os RR. JMP… e PD… exerceram sucessivamente o cargo de directores de programas da RTP, presumindo-se os respectivos conhecimento e consentimento.
Leva-se em linha de conta a gravidade do enunciado na reportagem, a divulgação da mesma e o leque alargado de pessoas a que chegou. Bem assim as repercussões negativas que o ocorrido teve na esfera emocional e psíquica do A. e as demais condições plasmadas nos autos.
Conclui-se como adequada a fixação de uma indemnização de € 50 000, 00 a favor do A., (…)»
Em oposição ao assim decidido, os Recorrentes alegaram, designadamente:
Ora, o artigo 494.º do Código Civil estabelece três requisitos que têm de ser atendidos para conferir a um alegado lesado o direito a ser indemnizado por danos não patrimoniais: (i) o grau de culpabilidade do agente, (ii) situação económica deste e do lesado e (iii) as demais circunstâncias do caso.
Assim sendo, o primeiro parâmetro a observar antes de considerar o direito à indemnização por danos não patrimoniais relaciona-se com a sua gravidade e relevância jurídica.
O Tribunal a quo afirma ter levado em linha de conta a gravidade do enunciado na reportagem, a divulgação da mesma e o leque alargado de pessoas a que chegou, sem, porém, concretizar em que termos é que o fez.
É que, admita-se, o anunciado (melhor dizendo, denunciado) na reportagem era grave: havia crianças que não estavam, por motivos financeiros, a ter acesso a um cuidado médico essencial para uma vida com qualidade quando, afinal, aquele cuidado é comparticipado a 100% pelo Estado.
É, porém, inegável que, ainda que graves, as acusações dirigidas por terceiros ao Recorrido existiam – o que não é sequer por este contestado. O que o Recorrido contesta é a verdade dessas acusações, sendo certo que as mesmas não advieram ou foram proferidas pelos Recorrentes.
Sublinhe-se: os Recorrentes não acusaram o Recorrido de rigorosamente nada.
Os Recorrentes só recolheram os factos disponíveis à data, juntaram-nos e transmitiram-nos. Não criaram factos, nem foram além dos mesmos, assim como não emitiram juízos de valor ou opiniões relativamente ao Recorrido.
Neste excerto das alegações os Recorrentes, depois de enunciarem os critérios legais da fixação de indemnização por danos não patrimoniais, insistem em que a Reportagem se limitou a recolher e a divulgar informação, não tendo criado factos, nem ido além dos mesmos.
Mas já acima se viu que assim não é, e que a Reportagem foi muito para além da informação que recolheu nas diversas fontes que apresentou.
E que, ao proceder assim, deu corpo à alegação de que os médicos visados eram suspeitos de desviar crianças surdas do Hospital Público para a Clínica Privada.
Nos termos já referidos, as únicas referências feitas ao aqui Autor nas fontes da Reportagem são as que constam na denúncia anónima e nas informações respeitantes à pendência dos processos, disciplinar, administrativo e penal.
E isso era tudo o que a Reportagem poderia fundadamente divulgar em relação ao Autor.
No mais, a informação ali recolhida permitia concluir que o Estado português reconhecia aos utentes do SNS o direito à colocação do segundo implante coclear, desde que medicamente justificado, mas não assegurava a efetivação prática desse direito.
E, por isso, não se faziam segundos implantes nos Hospitais Públicos.
Pelo que aos potenciais interessados restava o recurso à medicina privada ou a Tribunal.
O que, por si só, excluía a hipótese de haver desvio de crianças surdas, para efeitos de segundo implante coclear, do Hospital Público para o Privado.
O que não foi percebido/considerado na Reportagem.
E, diversamente, deram corpo às suspeitas, que também divulgaram, alinhando informações que não as fundamentavam.
Como o Ex.mo Magistrado do M.ºP.º também concluiu no despacho de arquivamento do inquérito crime, a Reportagem, “…indo muito para lá do teor da denúncia e até do material recolhido no próprio programa, procurou sempre colocar o enfoque e dar a imagem do aproveitamento (ilegítimo) por parte de dois médicos do SNS da situação carente em que se encontravam algumas crianças surdas que, para poderem ouvir, se viam forçadas a ser operadas em clínicas privadas, em cujos lucros aqueles participariam, com o falso pretexto do Estado não comparticipar tais cirurgias”.
E toda a informação recolhida foi apresentada como apontando nesse sentido.
Apesar de as referências concretas à pessoa do aqui Autor serem apenas as já acima referidas.
E de, nos termos também já referidos, a própria Reportagem ter concluído que, à data, o SNS não assegurava a realização de segundos implantes cocleares.
Assim, as Autoras da Reportagem apresentaram como indiciadores das suspeitas propaladas, informações de que nada resultava nesse sentido, ou de que até resultava que essas suspeitas não tinham fundamento.
Insistindo-se em que a informação recolhida na Reportagem não só não permitia considerar fundada a hipótese de haver desvio de crianças surdas do Público para o Privado, visando a colocação de segundo implante coclear, como afastava essa hipótese.
Mas toda a Reportagem foi orientada no sentido de demonstrar o bem fundado dessa hipótese.
E foi a afirmação dessa hipótese que prevaleceu.
Apesar de não encontrar fundamento nas fontes em que se fundou.
Prosseguem os Recorrentes:
De todo o modo, a gravidade da reportagem não se confunde com a gravidade prevista na lei enquanto critério da indemnização por danos não patrimoniais. A reportagem não é o dano em si mesma; será, na alegação do Recorrido (ainda que errada), a sua causa.
O que releva é a gravidade do dano e, quanto a isso, o Tribunal a quo rigorosamente nada disse, o que consubstancia uma evidente omissão dos fundamentos de facto e de direito que justificam a apreciação do dano em concreto.
Quando à gravidade, da prova produzida não consta que o Recorrido, apesar de desgostoso, tenha alguma vez recorrido a qualquer tipo de apoio psicológico, tenha diminuído a sua capacidade para o trabalho, para estar com família ou amigos ou que de alguma outra forma tenha alterado o seu quotidiano, o que sempre terá de ser relevado para efeitos de apurar se o alegado dano merece ou não tutela jurídica.
Nesta parte das alegações, os Recorrentes questionam a dimensão dos danos sofridos pelo Autor, por efeito da publicação da Reportagem, considerando que a decisão recorrida nada disse sobre essa questão.
Começando pelo fim, julga-se que a fixação do montante da indemnização foi suficientemente justificada na decisão recorrida, nos termos já acima transcritos.
E, sendo certo que a Reportagem não é um dano em si mesmo, mas a causa dos danos, o seu teor é particularmente relevante para a determinação/valoração desses danos.
Uma vez que está em causa a valoração dos efeitos da sua divulgação na honra e consideração do Autor. E a forma como o Autor sentiu essa divulgação.
Posto isto, julga-se ser inquestionável a grande dimensão dos danos sofridos pelo Autor, primeiro com a divulgação da Reportagem e, depois, com a forma como foi publicado o seu direito de resposta.
Quanto à Reportagem, os próprios Recorrentes consideram que o seu conteúdo é chocante.
E é muito mais chocante pelo facto de, no essencial, não ser verdadeiro.
Nem encontrar fundamento na informação nela reportada.
Tendo até sido obtida informação que permitia concluir que as suspeitas ali afirmadas não tinham fundamento.
E tudo se agravou com a forma como foi publicado o direito de resposta.
Pelo facto de essa publicação ter sido precedida da declaração da jornalista referida no ponto 41 da matéria de facto, do seguinte teor.
«Há três semanas o Sexta às Nove transmitiu uma investigação em que dava conta de existirem investigações, quer no Ministério Público, quer na Inspeção Geral das Atividades em Saúde e quer num procedimento disciplinar nos Hospitais de Coimbra contra dois médicos acusados de lucrarem com o desvio de crianças surdas para uma clínica privada onde lhes colocavam próteses auditivas que são comparticipadas a 100% pelo Estado.
O “Sexta às Nove” mostrou documentos que provam tudo o que foi dito e ouviu todas as partes que quiseram ser ouvidas, inclusive um dos médicos visados. Ainda assim os dois clínicos decidiram agora exercer o seu direito de resposta, o que passamos por isso a transmitir de seguida. É uma obrigação legal que não rectifica nada do que apurámos e que aqui voltamos a reafirmar na íntegra.”.
Ora esta declaração, para além de ser processualmente ilegítima, como foi reconhecido pela ERC, anulou antecipadamente o conteúdo do direito de resposta. Antes de ouvirem o que o aqui Autor e o Dr. CR… tinham a dizer sobre a Reportagem, a jornalista afirmou que na Reportagem tinham sido apresentados documentos que provavam tudo, e que o que vinha invocado no exercício do direito de resposta não retificava nada do que tinha sido apurado e se mantinha.
Uma tal declaração, seguida da leitura da resposta apresentada pelos dois médicos, anulou antecipadamente o conteúdo dessa resposta, assim apresentada como infundada, deixando nos expetadores a ideia de que a realidade é a contrária da que vinha invocada no direito de resposta.
Assim, o Autor viu reiterada, de forma agravada, a afirmação de que tinham sido apresentadas provas de que andava a desviar crianças surdas, do Hospital Público para o Privado, visando a colocação de segundo implante coclear.
Ora, nos autos também estão assentes os seguintes factos:
69 - O A. é um reputado cirurgião otológico, com mais de 2800 cirurgias efetuadas (estapedectomias; timpanoplastias; mastoidectomias e implantes cocleares).
70 - Efetuou a primeira cirurgia de implante coclear em 2001, tendo, até hoje, efetuado mais de 400 destas cirurgias, sendo que a instituição em que sempre trabalhou (o Centro Hospitalar de Coimbra, primeiro, e depois, com a fusão, o CHUC), era, à época, a responsável por mais de 80% dos implantes cocleares efetuados em Portugal.
71 - Desde o início da sua atividade como cirurgião de implantes cocleares, tem frequentado vários cursos de aperfeiçoamento de técnica cirúrgica na Alemanha e na Bélgica.
72 - Desde 2010 o A. efetua cirurgias em direto, em congressos internacionais, no âmbito de um intercâmbio e excelente relacionamento com colegas estrangeiros.
73 - Atualmente, é um dos coordenadores da Consulta de Implantes Cocleares do CHUC e, recentemente, fez parte da Comissão Organizadora do Congresso Europeu de Implantes Cocleares Pediátricos, que decorreu em Portugal em Maio de 2017.
74 - Nos dias subsequentes à transmissão da reportagem (13.02.2015), o A. foi contactado por familiares, amigos, colegas e pacientes/pais de pacientes, que se mostravam incomodados e chocados com o conteúdo daquela.
75 - As declarações e imagens da reportagem foram tema de conversa em todo o país e criaram, em muitas pessoas, um clima de desconfiança em relação ao A.
76 - O A. avisou pessoas das suas relações familiares, profissionais e de amizade, de que o direito de resposta iria ser transmitido no dia 6.3.2015.
77 - O A. sofreu desgosto, revolta, indignação, humilhação e angústia, tendo ficado vexado e ofendido no seu pundonor e no bom-nome e reputação de que tem gozado.
78 - O A., que pautou a sua vida por princípios éticos, viu afetado o seu carácter impoluto e atingida a sua integridade moral, que lhe haviam granjeado prestígio face a quem, pessoalmente ou de nome, o conhecia.
79 - O A. teve que exigir-se a si mesmo um esforço acrescido para recobrar as suas energias e reafirmar o seu sentimento de honra, perante si e perante os outros.
80 - Tudo isto lhe provocou perturbações e traumas, dificuldade em encarar os familiares, amigos, colegas e pacientes, largos momentos de tristeza, revolta e alguma depressão.
81 - O que foi ampliado e prolongado no tempo pela demora da apresentação do direito de resposta e pela persistência das suspeições.
82 - Relativamente ao número de segundos implantes realizados pelo A. no Centro Cirúrgico de Coimbra, este havia realizado, até à data do programa - 13.02.2015 - um total de 6.
83 - O Telejornal da RTP é visto por um mínimo de 950.000 pessoas e o Sexta às 9 por um mínimo de 807.500 pessoas (doc. 24).
De que resulta que o Autor é um profissional de excelência, muito reputado no meio, a nível nacional e internacional, e que sempre pautou a sua vida por princípios éticos.
Exatamente o contrário do que, com evidente falta de fundamento, foi afirmado na Reportagem e na declaração que precedeu o exercício do direito de resposta.
E que causou ao Autor o sofrimento traduzido nos pontos de facto n.ºs 72 a 79, acima transcritos.
Cuja valoração, envolvendo um juízo de equidade, sem limites pré-definidos, se afigura bem efetuada na decisão recorrida.
Prosseguem as alegações:
Em qualquer caso, sempre se dirá que não foi igualmente produzida qualquer prova que permita ao julgador, de acordo com os parâmetros previstos no artigo 494.º do Código Civil, fixar o quantum indemnizatório.
Quanto ao requisito do grau de culpabilidade dos Recorrentes, conforme supra se deixou amplamente demonstrado, estes não atuaram com culpa, antes agindo de acordo com todos os deveres que lhes são impostos na qualidade de jornalistas e canal de televisão, ou seja, de procurar a verdade tendo subjacente um interesse público, limitando-se, com rigor e isenção, a informar sobre os factos que lhes foram transmitidos por fontes diversificadas e credíveis.
Nesta parte, já acima se deixou expresso o entendimento de que os Autores da Reportagem foram gravemente negligentes, em termos de merecerem severa reprovação do direito, designadamente através do montante a fixar para a reparação dos danos causados.
Uma vez que, se tivessem prestado um mínimo de atenção à informação que recolheram, teriam concluído que, à data, não se faziam segundos implantes cocleares nos Hospitais Públicos, e tudo aquilo que imputaram ao aqui Autor e ao Dr. CR… não podia ter fundamento.
E uma negligência tão grosseira justifica a fixação de indemnização em montante mais elevado.
Voltando às alegações
Já no que respeita à situação económica dos Recorrentes e do Recorrido, uma vez mais, nenhuma prova foi produzida. É, em absoluto, desconhecida quais as capacidades financeiras de cada uma das partes, sendo manifestamente insuficientes as mera suposições.
Com efeito, o Tribunal a quo nem ensaiou qualquer fundamentação relativamente à situação económica dos Recorrentes, não sendo possível levar todos os jornalistas Recorrentes à boleia de uma ideia – possivelmente vaga – sobre a situação financeira da também Recorrente RTP.
Neste ponto, importa considerar que não incumbia ao Tribunal promover o esclarecimento da situação financeira dos Recorrentes. E, no momento da decisão, o Tribunal decide com base na informação de que dispõe.
Afigurando-se seguro que o desconhecimento da situação financeira de um potencial responsável por danos não patrimoniais, não impede a sua condenação a esse título.
Para além de que, estando em causa uma situação de responsabilidade solidária, não podiam ser fixados limites de responsabilidade diferentes em relação a cada um dos devedores solidários.
Prosseguem as alegações:
Por fim, quanto às demais circunstâncias do caso, há que pesar na balança o interesse público que justificou a transmissão da reportagem. Insista-se que em causa está o dever de informar o público sobre a inverdade daquilo que lhe era transmitido num Hospital Público, isto é, de que ali apenas seria possível colocar um implante, porque o segundo já não seria comparticipado pelo Estado. Como agora se sabe, o segundo implante é efetivamente comparticipado pelo Estado.
Este indiscutível interesse público, aliado ao facto de os processos-crime e disciplinar no qual o Recorrido era visado serem verdadeiros, isto é, existirem à época, são fatores que merecem ser especialmente atendidos.
Assim sendo, sem conceder que, a existir, o dano deva ser indemnizado pelos Recorrentes – que, como se verificou, não são com certeza os autores do facto ilícito – sempre se dirá que o Tribunal a quo não observou as circunstâncias concretas do caso ao fixar o valor da indemnização.
Em relação ao assim alegado, concorda-se que era do interesse público esclarecer o que se passava com a comparticipação da realização de segundos implantes cocleares pelo SNS.
Mas não foi esse, claramente, o tema e o conteúdo da Reportagem dos autos.
E só muito lateralmente ali foi trazido.
E tudo estaria bem se a Reportagem se tivesse limitado a esse tema.
Cuja tratamento não justificava o que ali foi afirmado em relação ao Autor e ao Dr. CR….
Antes devia ter obstado a essas afirmações.
Pelo que este argumento dos Recorrentes também não procede.
Continuam as alegações:
Com efeito, a condenação no valor de € 50.000,00 é manifestamente excessiva para o tipo de dano que está em causa, sendo sobejamente superior ao que a jurisprudência vem fixando para casos em que o dano, aí sim grave e merecedor de tutela, está relacionado com a morte ou graves problemas físicos que alteram substancialmente as condições de vida do lesado – casos bem diferentes do caso concreto, em que o Recorrido não viu minimamente a sua vida pessoal ou profissional afetada pela reportagem.
A eventual lesão em causa no caso concreto – que não se concede – não reúne, de modo algum, justificação para a condenação no pagamento de um montante inédito e que procura, sem dúvida, criar sobre os jornalistas um desconforto durante o exercício futuro da respetiva profissão, sob o receio constante daquilo que terceiros, pessoas singulares e coletivas fidedignas – das mais fidedignas, diga-se – lhes transmitem.
Pelo que, em qualquer caso, nunca a situação em apreço, em especial quando colocada lado a lado com outras de tal forma grave, poderia servir para aplicar das mais pesadas indemnizações consideradas pela jurisprudência portuguesa.
Nesta parte das alegações os Recorrentes questionam o valor da indemnização, quando comparado com o que tem sido fixado para danos mais graves, com a perda do direito à vida.
Mas, no que respeita ao valor da indemnização que tem sido atribuída a título de compensação da perda do direito à vida, importa ter em conta que está em causa o direito a uma indemnização cujo reconhecimento suscita dúvidas, por ser adquirido, pelo respetivo titular, no preciso momento em que o mesmo, por ter falecido, perde a capacidade de adquirir direitos. Para além de que o beneficiário dessa indemnização nunca é o lesado, mas os seus sucessores.
Razões que não são aqui aplicáveis.
No mais, nada foi invocado que permita considerar que o valor da indemnização fixado não se ajuste ao que tem sido decidido para situações similares.
E não se vê que o decidido condicione, de forma ilegítima, o exercício da atividade jornalística, que tem de ser pautada pelo rigor.
Que faltou manifestamente na situação dos autos.
Continuam os Recorrentes:
3.4 NEXO DE CAUSALIDADE
Por fim, é necessário que exista uma ligação entre o facto ilícito e o dano alegado.
Isto é, o nexo de causalidade entre o facto e o dano desempenha, consequentemente, a dupla função de pressuposto da responsabilidade civil e de medida da obrigação de indemnizar (Mário Júlio de Almeida Costa in Direito das Obrigações, pág. 606).
Assim sendo, do supra exposto resulta que a reportagem em si não é um facto gerador de dano, até porque inclui, por exemplo, a posição de CR… – médico igualmente visado pelas investigações que, à data, estavam em curso – e de AM…, diretor do serviço de otorrinolaringologia do CHUC, que são semelhantes à posição factual do Recorrido.
Pelo que, não existe relação entre a reportagem, que na verdade nunca poderia ser o facto ilícito, com os danos alegados pelo Recorrido.
Neste sentido, também este requisito da responsabilidade civil por factos ilícitos não se verifica, contribuindo para a improcedência da presente ação.
Neste passo das alegações vem questionada a existência de nexo de causalidade entre a Reportagem e os danos.
Repetindo os Recorrentes que não foi a Reportagem que causou os danos, mas as informações que nela foram veiculadas, e que incluíram declarações de dois médicos do CHUC.
Mas, a ser assim, a questão já acima foi apreciada.
Tendo-se concluído que as informações recolhidas no âmbito da Reportagem não só não permitiam fundar as afirmações nela veiculadas em relação ao Autor e ao Dr. CR…, como deveria ter obstado a essas afirmações.
No mais, já está assente, em sede de decisão sobre matéria de facto, que os danos sofridos pelo Autor foram causados pela divulgação da Reportagem e do direito de resposta.
E, com todo o respeito, não é questionável a existência de adequado nexo de causalidade entre aqueles atos dos Recorrentes e os danos sofridos pelo A., cuja existência e dimensão se apresentam como uma consequência normal ou típica daqueles atos.
Assim improcedendo também este fundamento do recurso.
Que, em conformidade, deverá ser julgado improcedente.
Confirmando-se a decisão recorrida.
C – O valor do recurso
Nos termos referidos, os Recorrentes pagaram taxa de justiça correspondente ao valor de € 50.000,00 e foram notificados para pagar um acréscimo, calculado em função do valor da ação, que é de € 100.000,00, acrescido de multa.
No seguimento, os Recorrentes vieram defender que essa notificação deveria ser dada sem efeito uma vez que, apesar de não terem indicado o valor do recurso, não havia dúvidas de que esse valor é de € 50.000,00, correspondente ao valor da sua sucumbência na ação, nos termos do disposto no art. 12.º, n.º 2 do RCP.
O que foi indeferido, por despacho exarado nos seguintes termos:
«Os RR. requerem que se releve o que qualificam de lapso de falta de indicação do valor do recurso interposto e que seja dada sem efeito a respectiva notificação para pagamento de complemento de taxa de justiça.
Ocorre que o valor do recurso é forçosamente o da acção. É que independentemente do valor da condenação, o que se discutirá em sede de recurso é a bondade da condenação e, a confirmar-se a existência dos pressupostos da responsabilidade civil, a medida indemnizatória. Ora, ao menos em tese, o Tribunal de recurso pode vir a condenar em montante superior àquele em que o fez o tribunal de primeira instância, desde que dentro dos limites do pedido (art.º 609.º/1 do C.P.C.).
Quem sucumbiu em parte da sua pretensão na acção foi o A.. Dito doutra forma, quem sucumbe é sempre e só quem formula uma pretensão, a saber, autores e réus reconvintes. Como o pedido formulado é uno o que está em causa é uma apreciação global da acção e não de uma parte do pedido ou de um dos pedidos
Assim, o valor a atender é o da acção (art.º 12.º/2 do R.C.P.).
A notificação para pagamento de complemento da taxa de justiça tem, por conseguinte, razão de ser.
Assim, indefere-se o pedido de que seja dada sem efeito a notificação para pagamento de complemento de taxa de justiça e de multa
Inconformados, os Recorrentes apelaram do assim decidido, tendo apresentado alegações, rematadas por conclusões, onde defendem a revogação do despacho recorrido, a fixação do valor do recurso em € 50.000,00 e o reembolso do montante de € 204,00 que, entretanto, pagaram à cautela.
Não foram apresentadas contra-alegações deste recurso.
Cumpre decidir:
Estando, fundamentalmente em causa determinar o valor do presente recurso para efeitos de liquidação da taxa de justiça.
Questão que quase não chega a sê-lo.
De facto, estando em causa determinar o valor tributário do presente recurso, a questão é expressamente resolvida pelo art. 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, nos termos do qual, nos recursos, o valor é o da sucumbência, quando esta for determinável.
E esse valor nunca seria superior ao correspondente valor processual.
O qual, nos termos dos art. 296.º, n.º 1 do CPC, corresponde à utilidade económica do pedido formulado, pedido cujo valor corresponde ao valor da parte impugnada da decisão.
Valor que, nos termos do art. 629.º, n.º 1 do CPC, também releva para a admissibilidade do recurso.
Sendo pacífico que, se os ora Recorrentes tivessem sido condenados em montante inferior a metade da alçada do Tribunal recorrido, o recurso não era admissível.
Pelo que o seu valor nunca poderia ser o valor da ação.
Assim, julga-se que assiste razão aos Recorrentes neste recurso.
Devendo ser fixado em € 50.000,00 o valor do recurso, em que os Recorrentes pretendiam ser absolvidos da condenação no pagamento de € 50.000,00.
 E devendo ser restituído aos Recorrentes o excesso de taxa de justiça e a multa que, à cautela, pagaram.
Tudo visto, acordam em:
I - Julgar improcedente o recurso principal, confirmando-se a decisão recorrida, que condenou os RR. “Radiotelevisão Portuguesa, S.A.”, SF…, SR…, JMP… e PD… a pagar ao A. € 50 000,00, (cinquenta mil euros), absolvendo-os do demais peticionado.
II – Julgar procedente o recurso interposto do despacho proferido sobre o valor do recurso, fixando-se esse valor em € 50.000,00 (cinquenta mil euros) e determinando-se a restituição aos Recorrentes do excesso de taxa de justiça e da multa que, à cautela, pagaram.
Custas no recurso principal, pelos Apelantes.
O outro, vista a sua manifesta simplicidade e o facto de nenhuma das partes lhe ter dado causa, não justifica a tributação em custas.

Lisboa, 09-01-2020
Farinha Alves
Tibério Silva
Maria José Mouro