Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
322/17.1YUSTR.L1-PICRS
Relator: ANA ISABEL MASCARENHAS PESSOA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
CONCORRÊNCIA
PACTO DE NÃO CONCORRÊNCIA
CONCORRÊNCIA POTENCIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÕES
Decisão: IMPROCEDENTES
Sumário: I. A demonstração de uma situação de concorrência potencial deve ser sustentada por um conjunto de elementos factuais concordantes que tenham em conta a estrutura do mercado e o contexto económico e jurídico que regula o seu funcionamento, destinados a demonstrar que a empresa em causa teria tido, na falta do acordo, possibilidades reais e concretas de aceder ao mercado em causa (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.º 39).
II. Não se pode considerar que a interpretação do conceito de «concorrência potencial» dada pelo Tribunal de Justiça no acórdão referido no número anterior tem um alcance geral. Com efeito, esse nível de prova exigido para demonstrar que a empresa em causa teria tido, na falta de acordo, possibilidades reais e concretas de aceder ao mercado em causa assenta numa análise específica aos mercados de medicamentos em questão no processo que deu origem ao referido acórdão.
III. A demonstração de uma situação de concorrência potencial deve ser sustentada por um conjunto de elementos factuais concordantes que tenham em conta a estrutura do mercado e o contexto económico e jurídico que regula o seu funcionamento. Por conseguinte, um indício de natureza subjetiva, como a simples vontade da empresa que não está presente no mercado em causa de nele entrar ou ainda a perceção que dela tem a empresa que já está ativa nesse mercado, não pode constituir um indício autónomo, decisivo ou indispensável para demonstrar uma situação de concorrência potencial, mas nada proíbe que esse elemento subjetivo seja tido em conta para sustentar indícios objetivos concordantes e, assim, reforçar a demonstração da existência de possibilidades reais e concretas de entrar no mercado em causa.
IV. Com efeito, se as partes num acordo de não concorrência não se vissem como concorrentes potenciais, não teriam, em princípio, nenhuma razão para celebrar tal acordo. Esse indício pode, portanto, sustentar de modo útil elementos objetivos destinados a demonstrar as possibilidades reais e concretas de a empresa que não está presente no mercado entrar no mesmo.
V. No que respeita, em segundo lugar, às atividades das entidades do grupo no qual essa empresa está integrada e às atividades dessa empresa no mercado em causa, bem como nos mercados a montante e conexos antes da assinatura do acordo em causa, há que considerar que tais elementos também são suscetíveis de serem tidos em conta para a identificação de uma situação de concorrência potencial. É certo que a existência de possibilidades reais e concretas de entrar no mercado em causa deve ser apreciada na data da celebração do acordo em causa, pelo que estão logicamente excluídos os indícios relativos a circunstâncias posteriores à celebração desse acordo. No entanto, não sucede o mesmo em relação às atividades económicas anteriores no mercado em causa ou nos mercados a montante ou conexos das entidades do grupo da empresa que não está presente nesse mercado ou dessa empresa nesses mercados. Com efeito, tais atividades podem nomeadamente revelar‑se pertinentes para determinar as eventuais barreiras à entrada ou à estrutura do mercado, ou ainda constituir indícios de uma potencial estratégia económica viável de entrada no mercado em causa.
VI. No que respeita à pertinência das diligências preparatórias da empresa em causa para entrar no mercado em causa, estas não podem constituir uma exigência autónoma para demonstrar a existência de uma situação de concorrência potencial. Com efeito, essas diligências só são pertinentes na medida em que possam ser úteis para demonstrar que a empresa em causa tinha possibilidades reais e concretas de entrar no mercado em causa. Por conseguinte, não se pode considerar que deve necessariamente ser demonstrado que a empresa em causa efetuou diligências preparatórias para ser considerada um concorrente potencial no mercado em causa.
VII. Uma empresa que gere uma rede de retalhistas de bens de grande consumo deve ser considerada, no mercado da energia elétrica, um concorrente potencial de um comercializador de energia elétrica com o qual celebrou um acordo de parceria que contém uma cláusula de não concorrência, ainda que essa empresa não exerça nenhuma atividade nesse mercado no momento da celebração desse acordo, desde que se demonstre, com base num conjunto de elementos factuais concordantes que têm em conta a estrutura do mercado e o contexto económico e jurídico que regula o seu funcionamento, que existem possibilidades reais e concretas de a referida empresa entrar no referido mercado e concorrer com esse comercializador.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
I.1. Inconformadas com a decisão proferida pela AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA que, imputando às Visadas, aqui RECORRENTES, EDP – ENERGIAS DE PORTUGAL, S.A., EDP COMERCIAL – COMERCIALIZAÇÃO DE ENERGIA S.A., SONAE INVESTIMENTOS, SGSP, S.A., SONAE MC – MODELO CONTINENTE SGPS e MODELO CONTINENTE HIPERMERCADOS S.A. SGPS S.A., uma contra-ordenação p. e p. pelo artigo 9.º, número 1, alínea c), e artigo 68.º, número 1, alínea a), ambos da Lei da Concorrência, na versão introduzida pela Lei n.º 19/2012, de 8 de Maio (Novo Regime Jurídico da Concorrência, doravante NRJC), pelo estabelecimento, entre elas, de um «pacto de não concorrência», que vigorou entre 5 de Janeiro de 2012 e 31 de Dezembro de 2013 (fls. 5025) e, consequentemente as condenou – com exceção da SONAE MC – Modelo Continente SGPS[1], S.A. (à qual não fixou coima, em virtude da inexistência de volume de negócios) - no pagamento das seguintes coimas:
- EDP – ENERGIAS DE PORTUGAL - coima no valor de 2 milhões e 900 mil euros;
- EDP COMERCIAL – Comercialização de Energia S.A. - coima no valor de 25 milhões e 800 mil euros;
- SONAE INVESTIMENTOS SGPS, S.A - coima no valor de 2 milhões e 800 mil euros;
- MODELO CONTINENTE HIPERMERCADOS, SGPS, S.A. - coima no valor de 6 milhões e 800 mil euros;
e, bem assim, todas as visadas na sanção acessória de publicação da decisão de condenação, na II série do Diário da República e em jornal de expansão nacional;
as visadas ora  Recorrentes impugnaram judicialmente tal decisão.
Após a realização da audiência de julgamento no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, veio a ser proferida sentença que julgou parcialmente procedente o recurso apresentado e, em cujo decreto judicial se decidiu:
I. Condenar as RECORRENTES EDP – Energias de Portugal, S.A., EDP Comercial – Comercialização de Energia S.A., SONAE Investimentos SGPS S.A, SONAE MC – Modelo Continente SPGS e Modelo Continente Hipermercados S.A. pela prática de uma contra ordenação, p. e p. pela alínea c), do número 1, do artigo 9.º do NRJC e alínea a), do número 1, do artigo 68.º do mesmo diploma;
II. Consequentemente, fixa-se às Recorrentes as seguintes coimas: €2.610.000,00€a cargo da EDP Energias de Portugal S.A.; €23.220.000,00 a cargo da EDP Comercial – Comercialização de Energia S.A.; €2.520.000,00 a cargo da SONAE INVESTIMENTOS SGPS S.A e €6.120.000,00 a cargo da MODELO CONTINENTE Hipermercados S.A.;
III. Não fixar coima à Recorrente SONAE MC – Modelo Continente SGPS S.A. em virtude da inexistência de volume de negócios;
IV. Condenar as Visadas, nos termos constantes no artigo 71.º do NRJC, a título de sanção acessória, na obrigação de procederem à publicação, no prazo de 20 dias, a contar do trânsito em julgado, de um extrato da decisão condenatória, na II série do DR e em jornal de expansão nacional;
V. Confirmar o montante de custas fixado a cada uma das Recorrentes.
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Inconformadas com o assim decidido, vieram a Autoridade da Concorrência (de ora em diante também designada por AdC), e as referidas Visadas recorrer da sentença para este Tribunal da Relação.
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I. 2. Do recurso apresentado pela da Autoridade da Concorrência.
I.2.1. São as seguintes as conclusões apresentadas pela Autoridade da Concorrência:
A. Por sentença de 30 de setembro de 2020, veio o TCRS, mediante cuidada análise e apreciação fundada do rol de argumentos suscitado pela defesa, confirmar o sentido da Decisão final condenatória proferida contra as visadas e aqui Recorridas EDP Comercial, EDP Energias, MCH e Sonae MC, condenando-as pela prática de uma contraordenação prevista e punida pela alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 68.º, ambos da Lei da Concorrência e apenas reduzindo em 10% a medida concreta da coima aplicada a cada uma destas pela AdC.
B. O ilícito jusconcorrencial praticado consistiu em um acordo entre empresas que teve por objeto a repartição de mercados, na forma de um pacto de não-concorrência, nos setores da comercialização de energia elétrica e de gás natural e da distribuição retalhista de bens alimentares, ambos em Portugal continental, acordo esse cuja vigência coincidiu com uma fase crucial do processo de liberalização do mercado nacional da comercialização de energia elétrica.
C. O referido pacto de não concorrência estava, por seu turno, inserido no âmbito de um Acordo de Parceria (alíneas a) da Cláusula 12.1 e 12.2) celebrado entre as Recorridas EDP Comercial e MCH, designado como Plano EDP Continente, o qual consistiu na atribuição de descontos de 10% sobre o consumo de energia elétrica comercializada pela EDP Comercial aos consumidores titulares do Cartão Continente que celebrassem um contrato de fornecimento de energia elétrica em Baixa Tensão no mercado liberalizado com a EDP Comercial.
D. A cláusula sub judice vinculava não só as outorgantes (EDP Comercial e MCH) como também as sociedades participadas maioritariamente pela Sonae Investimentos e/ou pela EDP Comercial, e teve a duração de dois anos.
E. O Tribunal a quo validou, em toda a linha, a ponderação crítica da AdC relativamente aos critérios de determinação da medida concreta da coima (a qual, quanto a cada uma das Visadas não excedeu os 0,81% do respetivo volume de negócios do ano anterior à Decisão proferida pela AdC), plasmados no n.º 1 do aludido artigo 69.º e densificados nas Linhas de Orientação da AdC, e manteve igualmente a sanção acessória aplicada pela AdC.
F. Sem embargo, entendeu o TCRS, em suma, que o Acordo de Parceria onde se inseriu a cláusula censurada atribuiu “descontos importantes para várias famílias portuguesas” e “auxiliou as famílias na aquisição de bens de natureza essencial”, “(d)onde, convocando o princípio da proporcionalidade, considera-se adequado corporizar esta valoração na redução em 10 por cento das coimas preteritamente fixadas pela AdC”.
G. É, precisamente da redução de 10% do valor das coimas aplicada que vem interposto o presente recurso, não por a Recorrente se inconformar com o decaimento no valor das coimas por si aplicadas, mas por acreditar veemente que aquela suposta circunstância atenuante não tem arrimo na Lei nem na subsunção dos factos ao Direito feita pelo Tribunal a quo.
H. Com efeito, tendo o TCRS entendido, acertadamente, que inexistia qualquer relação de acessoriedade entre o pacto de não concorrência censurado e o Acordo de Parceria onde este estava previsto, a circunstância de terem emergido benefícios para os consumidores por via do Acordo de Parceria – este em si lícito e independente do pacto de não concorrência – não pode relevar como critério atenuador da medida da coima.
I. A posição vertida na Sentença aqui em crise revela-se, pois, em contradição com a conclusão reiterada pelo TCRS em diversos momentos, de que o pacto de não concorrência ínsito na alínea a) dos n.º 1 e n.º 2 da cláusula 12.ª não era necessário para a celebração do Acordo de Parceria.
J. Se o próprio julgador a quo entendeu que o pacto de não concorrência foi o objetivo fulcral prosseguido pelas Recorridas e se é esse pacto – individualmente considerado e censurado – que foi objeto do processo contraordenacional, é contraditório reclamar-se como circunstância atenuante da medida concreta da coima benefícios para os consumidores que não decorreram, não dependeram e em nada se relacionaram com a prática restritiva da concorrência. Tais benefícios, sublinha-se, teriam sempre existido ainda que o Acordo de Parceria tivesse sido celebrado sem a alínea a) dos n.º 1 e n.º 2 da cláusula 12.ª.
K. Nem os critérios previstos no n.º 1 do artigo 69.º da Lei da Concorrência (ainda que sejam taxativos) nem as Linhas de Orientação da AdC e da Comissão Europeia relativas ao cálculo das coimas contemplam a possibilidade de o julgador socorrer-se, como circunstância atenuante da medida concreta da coima, de um eventual benefício para os consumidores (não da prática censurada) decorrentes de um acordo mais vasto onde, por sua vez, se insere o pacto de não concorrência sancionado.
L. Aliás, a única sede onde eventuais benefícios pró-concorrenciais são considerados é a montante – para efeitos de justificação da prática, à luz do artigo 10.º da Lei da Concorrência (e do n.º 3 do artigo 101.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia) – o que, manifestamente, não estava em causa nos presentes autos.
M. Militando neste sentido, vejam-se as conclusões do Advogado-Geral no Processo Orange Poslka S.A. c Comissão – ainda que ali em causa estive uma infração por abuso de posição dominante.
N. Os efeitos decorrentes do acordo de parceria não tiveram, efetivamente, qualquer relação, direta ou indireta, com o pacto de não concorrência: o aumento do volume de negócios e o reforço da fidelização de clientela não são consequência do pacto de não concorrência, não subjazeram ao pacto e nem dependiam dele. Ou seja, não há relação com a infração.
O. Além disso, eventuais benefícios para os consumidores decorrentes do acordo de parceria não se destinavam (nem isso foi provado) a compensar os consumidores pelos efeitos decorrentes do pacto de não concorrência.
P. Ao considerar como circunstância atenuante da medida da coima um benefício que não emergiu da cláusula que configura a prática jusconcorrencial ilícita, quando, por outro lado, na matéria de facto considerada provada e na sua motivação sustenta a ausência de qualquer relação de acessoriedade entre o pacto de não concorrência e o Acordo de Parceria, o Tribunal a quo – nesta justa parte – incorreu numa errada interpretação e aplicação do direito, designadamente do n.º 1 do artigo 69.º da Lei da Concorrência, inexistindo fundamento legal para proceder à redução em 10% do quantum das coimas aplicadas pela AdC, nos termos ali asseverados.
Q. Assim, e até porque, quanto aos demais critérios de cálculo da medida da coima empregues pela AdC o TCRS validou, em toda a linha, a sua aplicação e fundamentação subjacente, aquilo que se pede a este Tribunal ad quem é que ponha de lado um pré-juízo salomónico de redução da coima e confirme, à luz dos factos provados e da sua subsunção ao Direito, as coimas aplicadas pela AdC na Decisão administrativa impugnada, assim convergindo com o teor e alcance do n.º 1 do artigo 69.º da Lei da Concorrência, cujos critérios se relacionam, invariavelmente, com a infração praticada e sancionada (cf. n.º 1 do artigo 410.º do CPP e alínea b) do n.º 2 do artigo 412.º, ambos do CPP).
R. Deste modo, ao abrigo dos poderes conferidos pelo citado n.º 1 do artigo 410.º do CPP, aplicável sucessivamente ex vi artigo 83.º da Lei da Concorrência e n.º 1 do artigo 41.º do RGCO, deverá o Tribunal ad quem validar a interpretação da AdC quanto ao n.º 1 do artigo 69.º da Lei da Concorrência, interpretação essa vertida na sua decisão e melhor densificada nas presentes alegações e, em consequência, revogar a parte da sentença que procede à redução das coimas aplicadas e, em sua substituição, repor as coimas aplicadas pela AdC
S. Sem conceder, ainda que pudessem, de facto, ser convocados como critério ad hoc atenuador da medida coima os benefícios que emergiram do Acordo de Parceria para os consumidores aderentes, sempre a redução aplicada de 10% se afiguraria manifestamente excessiva porque (i) já tinha havido lugar à ponderação crítica dos critérios de determinação da medida da coima emergentes do n.º 1 do artigo 69.º de Lei da Concorrência, esses sim relacionados com a infração sancionada; (ii) os valores percentuais concretamente aplicados pela AdC a título de coima eram manifestamente baixos (inferiores a 0,20%, com exceção da Recorrida EDP Comercial a quem foi aplicada uma taxa de 0,81%); (iii) os benefícios circunscreveram-se aos consumidores que aderiram ao Plano EDP/ Continente – e não aos consumidores em geral; e (iv) esses mesmos benefícios tiveram uma duração inferior (até ao final do mês seguinte ao da vigência do Acordo de Parceria, cf. cláusula 6.5) àqueloutra resultante do pacto de não concorrência (dois anos).
Terminou pedindo que seja o presente recurso julgado procedente e consequentemente, revogada a sentença na estrita parte em que reduziu em dez por cento o valor das coimas aplicadas a cada uma das Visadas, pela AdC.

I.2.2. A este recurso responderam o Ministério Público e as Visadas EDP COMERCIAL – COMERCIALIZAÇÃO DE ENERGIAS, S.A., e EDP – ENERGIAS DE PORTUGAL, S.A., pugnando pela respetiva improcedência.
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I.3. Do recurso apresentado pela EDP Energias de Portugal, S.A.
I.3.1 São as seguintes as conclusões apresentadas pela EDP — ENERGIAS DE PORTUGAL, S.A.:
A. O presente Recurso vem interposto da decisão do TCRS que condenou a Recorrente no pagamento de uma coima no montante de €2.610.000,00, na sanção acessória de publicação da decisão, quando transitada em julgado, na II série do Diário da República e em jornal de expansão nacional, e em custas processuais, e com a qual a Recorrente não se pode conformar.
II. O (a ausência de) mérito
a) O artigo 73.º da LdC e a responsabilidade das pessoas coletivas: a miragem
B. A Sentença recorrida não menciona, ao longo do seu texto, o artigo 73.º da LdC — cujo n.º 2 reproduz o artigo 11.º, n.º 2, do CP —, que define o modelo de imputação do ilícito contraordenacional a uma pessoa coletiva, por alegada violação das normas do direito da concorrência, nem identifica qual das alíneas do respetivo n.º 2 entende estar preenchida in casu.
C. A Sentença não identifica (i) quem é que ocupava posição de liderança, para efeitos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 73.º da LdC, no quadro da alegada prática do ilícito em discussão e durante toda a vigência da cláusula, (ii) qual a ação ou omissão concretamente praticadas por quem ocupava posição de liderança, (iii) se o fez em nome e no interesse da Recorrente, ou, ao invés, (iv) quais as pessoas singulares que atuaram sob autoridade de quem ocupava posição de liderança (e quem ocupava essa posição), (v) se o fizeram por violação dos deveres de controlo e vigilância desta, e (vi) se todos agiram em nome e no interesse da Recorrente.
D. Não é possível afirmar que a Recorrente “era a detentora do domínio integral do facto atinente ao clausulado”, pois o Tribunal a quo não julgou provado que a Recorrente tenha tido a iniciativa da cláusula 12.ª ou que tivesse conhecido, discutido, elaborado ou aprovado o clausulado, por isso não tendo praticado atos de execução típica do ilícito contraordenacional por que vem condenada.
E. Relativamente à Recorrente, a Sentença recorrida afirma, para efeitos de imputação da violação do artigo 9.º, n.º 1, da LdC, uma verdadeira responsabilidade objetiva, violadora do princípio da culpa, porque não lhe imputa factos próprios e pessoais que tenha julgado provados.
F. A norma que resulta da aplicação conjugada dos artigos 9.º, n.º 1, 68.º, n.º 1, alínea a), e 69.º, n.º 2, da LdC, interpretada no sentido de que, para a punição de uma pessoa coletiva por violação do artigo 9.º, n.º 1, não é necessário enunciar os pressupostos previstos no artigo 73.º da LdC, confirmar e demonstrar o seu preenchimento, redunda em norma materialmente inconstitucional por violação dos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 12.º, n.º 2, 29.º, 30.º, n.º 3, e 32.º, n.ºs 1, 2 e 10, todos da Constituição da República Portuguesa, que se deixa invocado.
b) O conceito de empresa do artigo 3.º da LdC – a falta de compreensão e a falta de factos
G. A referência ao artigo 3.º, n.º 2, da LdC, por parte da Sentença recorrida, desconsiderando em absoluto o artigo 73.º do mesmo diploma, não é suficiente para se poder afirmar a responsabilidade contraordenacional da Recorrente, ainda que enquanto sociedade-mãe da Visada EDP Comercial.
H. Não é a partir da mera titularidade das participações sociais de outra pessoa coletiva que se pode extrair um juízo de responsabilidade contraordenacional de uma sociedade comercial, a qual pressupõe sempre uma responsabilidade por factos próprios e autónomos.
I. Como entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão do proc. n.º 36/16.0YUSTR.L1, de 4 de junho de 2017, no contexto de um grupo societário, a sociedade dominante não é titular de um “dever geral de garante” da dominada, quando esta prática ilícitos contraordenacionais.
J. A jurisprudência da União Europeia citada pela Sentença recorrida não afasta o que aqui se afirma, porque os acórdãos em causa apenas aludem a uma “presunção ilidível” de responsabilidade solidária da dominante pelo pagamento de coima aplicada à dominada (o que não está em discussão nos presentes autos), e apenas nos casos em que a dominada não tem liberdade de atuação e de intervenção autónoma no mercado, apenas cumprindo as instruções da dominante.
K. Se o Tribunal a quo entende que a Recorrente violou deveres de “sindicância e escrutínio”, permitindo que a EDP Comercial celebrasse (sem vigilância) o acordo de parceria, então a EDP Comercial interveio com total autonomia e determinação, pelo que os citados acórdãos não se aplicam in casu.
L. A norma resultante da conjugação dos artigos 3.º, n.º 2, e 73.º, ambos da LdC, interpretada e aplicada no sentido de, para efeitos de responsabilização de uma pessoa coletiva por violação de normas previstas na LdC, ser suficiente a mera relação de domínio total entre duas sociedades comerciais, sem mais, para se poder imputar à sociedade dominante um ilícito contraordenacional praticado pela sociedade dominada é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 12.º, n.º 2, e 32.º, n.ºs 1, 2 e 10, todos da Constituição da República Portuguesa, o que se deixa invocado.
M. E a norma resultante da conjugação dos artigos 3.º, 9.º, 68.º, n.º 1, alínea a), e 69.º, n.º 2, todos da LdC quando interpretada e aplicada, no sentido de que, para a punição de pessoa coletiva por violação do artigo 9.º, basta o enquadramento da mesma no artigo 3.º e no conceito de empresa, dispensando-se a invocação do artigo 73.º, do seu n.º 2, e em qual das alíneas se funda a imputação, bem como a verificação dos pressupostos previstos em tal preceito, é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 12.º, n.º 2, 29.º e 32.º, n.ºs 1, 2 e 10, todos da Constituição da República Portuguesa, o que se deixa invocado.
c) Uma tentativa de fundamentação que não tem factos que a sustentem e que é negada pela matéria de facto julgada provada
N. A Sentença dá por provados determinados factos e, depois, extrapola outros factos — que não julgou provados —, ao longo da fundamentação, procurando suprir aquilo que a prova não permitia, que é condenar a Recorrente.
O. Os únicos factos provados que referem a Recorrente são os factos n.ºs 1, 35 a 38, 51 (apenas no que respeita às atas), 54 a 65 e 90 e daí não resulta base para sustentar a imputação à Recorrente da prática de qualquer ilícito contraordenacional.
P. O Tribunal a quo não julgou provado que a EDP Comercial se comprometeu “a não atuar no mercado retalhista de bens alimentares, (…) por determinação e conhecimento da EDP Energias” (p. 151), como alega na fundamentação, até porque isso contraria o depoimento de (…) que “afirmou não se recordar de ter lido o clausulado” e que o “assinou sem ler” (p. 106).
Q. Na ata n.º 50/2011 do Conselho de Administração Executivo da Recorrente, a fls. 1025 a 1028, que não se encontra totalmente transcrita pela Sentença (que repete a transcrição seletiva da AdC, omitindo que a expressão “estratégia “agressiva com parceria”” significava estratégia “através de canais próprios complementados com a utilização de um parceiro e canais externos”), é deliberado dar o acordo à proposta da EDP Comercial de “Preparação para Liberalização Total do Mercado de Eletricidade e Gás”, que incluía como uma das medidas o estabelecimento de uma parceria com o Grupo Sonae.
R. Na ata n.º 1/2012, de 4 de janeiro, é apenas referido que o Conselho de Administração Executivo da Recorrente autorizou a EDP Comercial a não estabelecer “cap no que respeita às angariações obtidas no âmbito da campanha”, pois isso teria impacto nas contas consolidadas do Grupo EDP, sem contudo ter conhecido, apreciado ou deliberado sobre o clausulado do acordo de parceria — o que apenas sucedeu com e no Conselho de Administração da EDP Comercial, como decorre do facto provado n.º 38 (e é normal que assim tenha acontecido).
S. No elenco de factos provados, quando o Tribunal a quo alude às equipas que participaram nas negociações do acordo, refere apenas a equipa “em representação da EDP Comercial” (facto provado n.º 44) e quando, na fundamentação (p. 113), menciona “que o estabelecimento da Parceria implicou o estreitar da relação entre a EDP e a SONAE”, refere-se apenas à EDP Comercial, porque só esta sociedade negociou, discutiu e acordou os termos da parceria e o seu clausulado e só a EDP Comercial participou na execução do acordo, como reconhece o Tribunal a quo (p. 117).
T. (…) e (…) assinaram o acordo de parceria, como refere a Sentença, “em representação da EDP Comercial” (facto provado n.º 38) — sendo que (…) não exercia, nem nunca exerceu funções no Conselho de Administração Executivo da Recorrente e (…) cessou funções de administração na EDP Comercial e na Recorrente nos primeiros meses de 2012 — factos n.ºs 90 e 91 e respetivas notas de rodapé (ainda antes de findar a angariação de clientes, o que ocorreu em março de 2012, e muito antes do final da vigência da cláusula em discussão nos presentes autos, em dezembro de 2013).
U. A Recorrente não era parte no acordo, nem estava vinculada pela cláusula 12.ª (como o Tribunal a quo reconhece ao longo da sua decisão) — logo, o facto n.º 174 contradiz, além do mais, todos os outros factos julgados provados na mesma Sentença.
V. Independentemente das alusões, na fundamentação da Sentença, à “apresentação pública da Parceria em diversos meios de comunicação social” por (…), a verdade é que isso não consta dos factos julgados provados pelo Tribunal a quo e nem assume relevância na decisão a ser proferida quanto à Recorrente.
W. O entendimento do Tribunal a quo de que a EDP Comercial apenas celebrou o acordo de parceria, porque a aqui Recorrente a instruiu ou autorizou nesse sentido, não traduz mais do que um “raciocínio de polícia”, que não pode servir de base à imputação da prática de um ilícito.
X. O Tribunal confunde, propositadamente, a parceria, no sentido de projeto, que foi, como resulta das atas, aprovada pela ora Recorrente, após proposta da EDP Comercial, com o teor do acordo de parceria, que não foi (nem tinha de ser), nem isso resulta provado em qualquer um dos factos elencados na decisão sobre a matéria de facto, apreciado, aprovado e supervisionado pelo Conselho de Administração Executivo da Recorrente.
Y. Não está em causa uma questão de sancionamento do dirigente de uma pessoa coletiva, mas sim o (errado) sancionamento de uma pessoa coletiva pelo facto de apenas ser titular da totalidade de participações sociais da EDP Comercial, pelo que a doutrina relativa ao domínio do facto pelo dirigente não tem aplicação in casu, atento o distinto substrato factual.
d) O desconhecimento do que seja a imputação subjetiva
Z. A Sentença omitiu qualquer referência ao título subjetivo por que condena a ora Recorrente pela infração contraordenacional em causa nos presentes autos, o que, só por si, é suficiente para declarar a nulidade da Sentença, nos termos dos artigos 379.º, n.º 1, alínea a), e 374.º, n.º 2, ambos do CPP, aplicáveis ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, e artigo 83.º da LdC.
AA. O Tribunal a quo concluiu que a “a EDP Energias representou e atuou com intenção de avalizar e implementar, por via da EDP Comercial, a cláusula”, porém não julgou provada qualquer base factual que sustente essa conclusão, nem que fosse a de que a Recorrente conhecia a cláusula em discussão.
BB. Uma vez que não existe responsabilidade contraordenacional sem elemento subjetivo, deve a Recorrente ser absolvida da infração por que vem condenada.
CC. Se a Sentença conclui que a Recorrente apenas afrouxou putativos deveres de vigilância de que era titular relativamente à EDP Comercial, então nunca seria possível afirmar que a Recorrente agiu com dolo, por não estarem verificados os respetivos elementos.
III. A violação do princípio da boa fé e a escolha seletiva do momento de abertura do presente processo contraordenacional
DD. A AdC tomou conhecimento do clausulado do acordo de parceria em 7 de fevereiro de 2012, mas apenas abriu inquérito em 3 de dezembro de 2014, quase 3 (três) anos depois, sendo que a Recorrente apenas foi visada no processo a partir de 29 de julho de 2016, quase 4 (quatro) anos e meio depois, quando foi adotada a Nota de Ilicitude (factos provados n.ºs 223 a 228).
EE. À data em que a AdC tomou conhecimento do clausulado do acordo de parceria, vigorava a Lei n.º 18/2003, cujo artigo 24.º, n.º 1, consagrava um princípio da legalidade da promoção processual, devendo a AdC abrir imediatamente inquérito, após a aquisição da notícia da infração.
FF. Tal como no processo penal, o referido princípio da legalidade da promoção processual não previa qualquer prazo ou “hiato de tempo”, porque, uma vez adquirida a notícia da infração, o inquérito deveria ser iniciado imediatamente, devendo a apreciação da suficiência dos indícios apenas ter lugar em pleno inquérito.
GG. Perante o silêncio e inação da AdC durante quase 3 (três) anos, não aplicando sequer medidas cautelares, nos termos do artigo 27.º da Lei n.º 18/2003, a Visada confiou (tinha de confiar) na licitude e regularidade do seu (único) comportamento.
HH. Violando o princípio da legalidade da promoção processual, a AdC escolheu o momento em que pretendia iniciar processo contraordenacional, nomeadamente após a entrada em vigor da atual LdC (em julho de 2012, data em que, recorde-se, (…) já não exercia o cargo de Administrador da ora Recorrente — facto n.º 90, nota de rodapé n.º 41), que configura um regime muito mais desfavorável para as Visadas, pelo menos em matéria de prescrição do procedimento contraordenacional e em questões processuais como o efeito do recurso de impugnação judicial e a possibilidade de reformatio in pejus.
II. A conduta de inação e silêncio da AdC durante quase 3 (três) anos criou nas Visadas uma confiança fundada na licitude do seu comportamento, o que configura uma legítima expectativa que a AdC deveria ter respeitado, não adotando Decisão condenatória, porque isso violou o princípio da boa fé (artigo 266.º, n.º 2, da Constituição e artigo 10.º do CPA).
JJ. Em face da conduta desleal e de má-fé da AdC, a Decisão adotada por esta Autoridade, no termo da fase administrativa, deveria ter sido anulada pelo Tribunal a quo — o que não fez, cabendo agora a V. Exas. sanar este vício.
KK. Ainda que assim não se entenda, tem aqui aplicação o artigo 9.º, n.º 1, do RGCO, aplicável ex vi artigo 13.º, n.º 1, da LdC, excluindo-se a culpa, com fundamento em falta de consciência da ilicitude, pois as Visadas atuaram convictas da legalidade da sua conduta, reforçada pela inação e silêncio da AdC durante quase 3 (três) anos.
IV. As sanções
a) A falta de fundamentação
LL. A Sentença recorrida, para tentar demonstrar que a AdC analisou, ponderou e aplicou todos os critérios relevantes para a determinação da medida da coima, enuncia apenas os critérios legais aplicáveis, sem qualquer ponderação das circunstâncias específicas do caso concreto, da infração em causa, do contributo e envolvimento de cada Visada e das diferentes exigências preventivas e nível de culpa associados, o que só por si é suficiente para concluir pela nulidade da Sentença, nos termos dos artigos 379.º, n.º 1, alínea a), e 374.º, n.º 2, ambos do CPP, aplicáveis ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, e artigo 83.º da LdC. 
MM. É manifesta a inconstitucionalidade material do artigo 69.º, n.º 2, da LdC, que estabelece a moldura sancionatória aplicável, cujo limite máximo, como reconhece a Sentença recorrida, “é determinável” (pp. 188-189), mas não se encontra previamente determinado, o que é especialmente relevante in casu, em que a AdC pôde e escolheu, a seu bel-prazer, o momento em que proferiu a decisão condenatória, fazendo-o 5 (!!) anos depois dos factos, e com isso escolhendo, também, o volume de negócios que ia ter em consideração para efeitos da sanção a aplicar.
NN. A norma resultante do artigo 69.º, n.º 2, da LdC, interpretada e aplicada no sentido em que fixa abstratamente como máximo da coima montante equivalente a 10% do volume de negócios do agente da infração no exercício anterior à condenação (o qual é sempre desconhecido e não controlável pelo agente da infração e está, exclusivamente, dependente da discricionariedade do decisor), é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 29.º, n.ºs 1 e 3, e 30.º, n.º 1, todos da Constituição, o que se deixa invocado.
b) A AdC e a coima que “vai em branco”
OO. (…), Instrutora da AdC que interveio na fase administrativa dos autos e que elaborou o projeto de decisão final que veio a ser adotado pelo Conselho de Administração da AdC, quando inquirida em julgamento, afirmou que, no projeto de decisão, não constava qualquer proposta de valor das coimas a aplicar: o valor, cite-se, “vai em branco”.
PP. Esta afirmação da testemunha foi surpreendentemente desconsiderada pela Sentença recorrida, mas evidencia que a alegada fundamentação das coimas que constava da Decisão final proferida pela AdC (e que o Tribunal a quo entendeu respeitar as exigências de fundamentação aplicáveis) não é mais do que uma fundamentação-padrão, preparada para qualquer medida da coima que viesse a ser determinada pelo Conselho de Administração da AdC por seu exclusivo e arbitrário juízo.
QQ. A AdC violou os princípios do Estado de Direito e da legalidade administrativa, consagrados nos artigos 2.º e 266.º, respetivamente, da Constituição, aplicando coimas arbitrárias, suportadas por uma fundamentação tabelar, válida para qualquer putativa medida de coima.
RR. A mesma conclusão se impõe retirar quanto ao Tribunal a quo.
c) A discricionariedade
SS. Apesar de afirmar que o acordo de parceria “não merece reparo” (p. 194) e sancionar a Recorrente por alegadamente ter incumprido certos deveres de “sindicância e escrutínio” (não por ter analisado e aprovado o clausulado do acordo, como entendia a AdC, que nisso tinha sustentado a sua condenação), o Tribunal a quo aplica à Recorrente uma coima no valor de €2.610.000,00, sem contudo justificar essa redução da coima em percentagem idêntica para todas as Visadas.
TT. Atenta a discricionariedade da coima aplicada, a entender-se que à Recorrente deve ser aplicada uma sanção (o que apenas se equaciona por dever de patrocínio), a mesma deverá ser substancialmente reduzida (nunca em apenas 10%) de forma a poder considerar-se adequada e proporcional face ao ilícito em causa (e à nova configuração dada pelo Tribunal a quo às omissões agora imputadas à ora Recorrente) e ao (nulo) envolvimento da Recorrente nos alegados factos em discussão, revogando-se ainda a sanção acessória aplicada, por falta de justificação, necessidade e adequação.
Requereu a realização da audiência neste Tribunal de Recurso, a incidir nos seguintes pontos:
- O artigo 73.º da LdC e os critérios de imputação de responsabilidade contraordenacional às pessoas coletivas: Capítulo II. a) supra;
- A irrelevância do conceito de empresa do artigo 3.º da LdC para efeitos de imputação de responsabilidade contraordenacional às pessoas coletivas: Capítulo II.b) supra; e
- A ausência de matéria de facto dada por provada que sustente a condenação da ora Recorrente e a aplicação das respetivas sanções: Capítulo II.c) supra.
Terminou pedindo que se julgue procedente o recurso e se absolva a Recorrente da prática da contra-ordenação que lhe vem imputada.
I.3.2. Ao recurso assim interposto, responderam o Ministério Público e a Autoridade da Concorrência, manifestando o entendimento de que o mesmo deverá ser julgado improcedente.
*
I.4. Do recurso apresentado pela Sonae MC, SGPS, S.A.
I.4.1 São as seguintes as conclusões apresentadas pela Sonae MC, SGPS, S.A.:
I. O presente recurso versa sobre a imputação à sociedade-mãe (a ‘Sonae MC’) e, muito em particular, à sociedade-avó (a ‘Sonae Investimentos’) da entidade subscritora do acordo (a ‘MCH’), da prática, em comparticipação, de uma infracção materializada na celebração de um acordo no qual não são partes.
II. Em causa está, antes de mais, o facto de a sentença recorrida ser totalmente omissa quanto ao facto de conexão que, na óptica do Tribunal, permite imputar responsabilidade à pessoa colectiva e, bem assim, quanto ao fundamento jurídico dessa imputação, uma vez que em momento algum o Tribunal se refere sequer ao artigo 73.º, n.º 2, da Lei da Concorrência.
III. A Recorrida desconhece, por isso, sem ter modo de conhecer, se a infracção lhe é imputada por força de um facto cometida em nome e no interesse da pessoa colectiva por pessoas que nela ocupem uma posição de liderança (alínea a)), ou se foi cometida por quem actue sob a autoridade das pessoas anteriormente referidas em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem (alínea b)).
IV. A questão assume especial gravidade quanto à Sonae Investimentos, uma vez que, se quanto à Sonae MC ainda é possível identificar na matéria de facto provada a participação da sua Comissão Executiva na aprovação do Acordo, já quanto à Sonae Investimentos, não é possível encontrar na decisão recorrida um único comportamento imputável a qualquer pessoa ou a qualquer órgão que a integre.
V. Esta é apenas uma de várias omissões críticas da decisão recorrida, que aderiu integralmente à decisão da AdC sem qualquer tipo de preocupação com a análise da prova ou sequer com a ponderação dos factos alegados pela defesa.
I. A violação do dever de conhecer os factos alegados pela defesa
VI. Um dos pontos onde se revela com maior intensidade a parcialidade da decisão recorrida é o facto de o Tribunal ter ignorado – leia-se, nem sequer ter levado à decisão – toda a matéria de facto alegado pela Sonae Investimentos no seu recurso de impugnação judicial.
VII. O que significa que o Tribunal esteve, ao longo de 12 sessões de julgamento, a ouvir a prova testemunhal e a ler a prova documental apenas como meio de confirmar a factualidade narrada pela AdC, e sem alguma vez atender à sua relevância para provar os factos alegados pelas Visadas que infirmavam esta tese.
VIII. Os únicos dois factos que o Tribunal retirou da impugnação da Sonae Investimentos foram: (i) “(a) SONAE INVESTIMENTOS SGPS S.A. é uma sociedade gestora de participações” (facto provado n.º 281), o que já resultava da circunstância de ser uma SGPS; e (ii) “(à) data dos factos, a SONAE INVESTIMENTOS e a SONAE MC tinham dois administradores em comum” (facto provado n.º 282), o que, de resto, já resultava dos factos dados como provados n.ºs 93 e 95.
IX. O mais grave é que o Tribunal não se limitou a transcrever esses factos tal como estavam alegados pela Visada, mas antes os recortou para deles extrair a única factualidade relevante, sem alguma vez fazer menção ao segmento retalhado.
X. Assim, o Tribunal retirou o facto provado n.º 281. da conclusão de recurso 13.ª da Visada, retirando-lhe o segmento a sublinhado “Ora, a Impugnante é uma sociedade gestora de participações sociais que não dispunha, à data dos factos, de quaisquer trabalhadores ou colaboradores, bem como de estrutura organizacional e/ou administrativa própria de apoio”.
XI. Com base nessa omissão o Tribunal cria a impressão de que a dita Direcção Legal da Sonae Investimentos poderia integrar a própria sociedade, o que é falso.
XII. Já o facto provado n.º 282 foi retirado da 17.ª conclusão de recurso da Visada e dele foi suprimido o segmento a sublinhado “E embora a Sonae Investimentos e a Sonae MC tivessem dois administradores em comum, estes, para além de não integrarem a Comissão Executiva da Sonae MC, não participaram na reunião da Comissão Executiva em que foi aprovado o Plano EDP Continente.
XIII. Com base nesta omissão o Tribunal acaba por afirmar, a fls. 122 da sentença, que “Nesta altura, dois Administradores da SONAE Investimentos eram simultaneamente administradores da SONAE MC, cuja comissão executiva aprovou o Acordo de Parceria”, assim indiciando que os administradores em comum podiam integrar a Comissão Executiva e/ou teriam participaram na reunião em que foi aprovado o Plano EDP Continente, o que também é falso.
XIV. Todos os restantes factos alegados pela Sonae Investimentos no seu recurso de impugnação judicial – incluindo os que foram recortados das suas conclusões 13.ª e 17.ª – foram omitidos pelo Tribunal na decisão recorrida e nem sequer integraram a matéria de facto dada como não provada. Simplesmente desapareceram.
XV. Em consequência deste total esquecimento de todos os factos alegados pela Sonae Investimentos, o Tribunal deixou de se pronunciar quanto a três questões essenciais.
XVI. A primeira respeita à identificação da ausência de administradores em comum entre a Sonae Investimentos e a Comissão Executiva da Sonae MC – facto admitido pela própria AdC e de onde sai ainda mais reforçado o desconhecimento do Conselho de Administração da Sonae Investimentos sobre o Plano EDP Continente.
XVII. A segunda questão, referida nas conclusões 18.ª a 23.ª do recurso de impugnação judicial da Sonae Investimentos, respeita ao enquadramento societário da dita Direcção Legal da Sonae Investimentos e à circunstância de a mesma ter sido mobilizada apenas pela MCH e sem intervenção da Sonae Investimentos.
XVIII. A terceira questão, referida na conclusão n.º 26.ª do recurso de impugnação judicial da Sonae Investimentos, respeita à inexistência de documentação que sustente o envolvimento da Sonae Investimentos, designadamente documentos relativos à negociação e preparação do Acordo de Parceria ou actas do Conselho de Administração da Sonae Investimentos.
XIX. De acordo com o disposto no artigo 368.º, n.º 2, do CPP, aplicável por remissão ao processo contra-ordenacional, o tribunal deve enumerar os factos alegados pela acusação e pela defesa, quando forem relevantes para a sua responsabilização.
XX. De acordo com o disposto no artigo 374.º, n.º 2, do CPP, igualmente aplicável por remissão, o Tribunal deve enumerar os factos provados e não provados – nos quais se devem incluir os alegados pela defesa – e deve expor os motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
XXI. Sendo certo que, se considerar alguns factos alegados pela defesa como irrelevantes, deverá sempre fundamentá-lo devidamente, o que não sucedeu.
XXII. Não o tendo feito, a sentença é nula, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea a) do CPP, aplicável por remissão aos presentes autos, não apenas por falta de enumeração dos factos provados e não provados, mas também por falta de fundamentação de facto quanto aos mesmos e por falta de exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal.
XXIII. A sentença é igualmente nula nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, aplicável por remissão aos presentes autos, por o tribunal ter omitido a pronúncia que era devida quanto às questões enunciadas supra nas conclusões XVI, XVII. e XVIII.
XXIV. De resto, a interpretação do disposto no artigo 374.º, n.º 2 e/ou 379, n.º 1, alínea a), ambos do CPP, aplicáveis ex vi artigos 41.º, n.º 1, do RGCO e 83.º da Lei da Concorrência, isoladamente considerados ou em conjugação com qualquer outra disposição, no sentido de que em processo contra-ordenacional a sentença não tem de incluir na enumeração dos factos provados ou não provados os factos alegados pela Visada e por esta reputados como tendo interesse para a causa, sem justificação para a sua não inclusão, é inconstitucional por violação do direito de defesa, do princípio da igualdade de armas, do princípio do processo justo e equitativo, do direito à tutela jurisdicional efectiva e do direito ao recurso, nos termos do disposto nos artigos 32.º, n.º 10, 13.º, n.º 1, 20.º, n.ºs 1 e 3, da CRP.
II. A imputação da infracção à Sonae Investimentos
XXV. Mesmo com a expressa exclusão de toda a matéria de facto alegada pela Sonae Investimentos, a decisão recorrida continua a ser omissa em vários pontos fulcrais de que depende a imputação da infracção.
XXVI. Em particular, a decisão colide com um obstáculo inultrapassável: não há sequer alegação de qual o fundamento de imputação de responsabilidade à pessoa colectiva.
XXVII. Não há acções ou omissões imputadas à liderança, não há factos ou contributos de quaisquer pessoas singulares funcionalmente ligadas à pessoa colectiva, logo não há facto colectivo típico, não há ofensa sequer potencial da pessoa colectiva ao bem jurídico, não há culpa, não há nada.
XXVIII. Ora, a mera circunstância de a decisão condenatória não identificar qual o facto de conexão e se a infracção é imputada ao abrigo da alínea a), ou da alínea b), do n.º 2 do artigo 73.º bastaria, e basta, para impor a absolvição imediata das Visadas, uma vez que se tratar da omissão de requisitos essenciais à imputação do facto à pessoa colectiva, sem os quais a conduta não é punível e sem os quais não é possível suportar um juízo condenatório.
XXIX. Aliás, importa começar por referir, quanto a este aspecto, que, ao abrigo da Lei da Concorrência, o autor da infracção só pode ser uma pessoa singular ou uma pessoa colectiva, desde que a infracção resulte de um facto praticado em seu nome e no interesse colectivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança; ou por quem actue sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem.
XXX. Logo, sem a alegação e demonstração de qualquer facto de conexão, a infracção apenas é imputável a pessoas singulares.
XXXI. Daqui resulta, entre o mais, que, sem a alegação e demonstração de qualquer facto de conexão, a imputação do ilícito previsto no artigo 9.º, n.º 1 da Lei da Concorrência, apenas poderia ter por alvo pessoas singulares.
XXXII. Pelo que, ao conformar a conduta típica em termos que apenas poderiam ser imputados a pessoas singulares, sem recurso a qualquer uma das duas cláusulas de extensão da tipicidade prevista no artigo 73.º, n.º 2, o tribunal violou o princípio da tipicidade e da legalidade.
XXXIII. A interpretação do disposto no artigo 9.º, n.º 1, alínea c), da Lei da Concorrência, isoladamente considerada ou em conjugação com qualquer outra norma, no sentido de que pode ser imputada a infracção aí prevista a pessoas colectivas sem necessidade de alegação e/ou demonstração do preenchimento de uma das alíneas do artigo 73.º, n.º 2, do mesmo diploma, é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 32.º, n.º 10, 30.º, n.º 3 e 29.º, n.º 1, da CRP.
XXXIV. Em todo o caso, mesmo que fosse possível haver uma condenação em alternativa – ou pela alínea a) ou pela b), ficando à mercê do intérprete, o que evidentemente não sucede –, a verdade é que os factos provados são manifestamente insusceptíveis de preencher qualquer uma das alíneas.
1) inaplicabilidade, ao caso, do conceito de empresa para imputação de responsabilidade à Sonae Investimentos.
XXXV. Sem prejuízo do que haverá a dizer quanto a este ponto, importa começar por fazer uma precisão prévia: na decisão condenatória administrativa (parágrafos 349, 354 e 513), a AdC renunciou expressamente recorrer a aplicar o conceito de empresa, previsto no artigo 3.º, n.º 2, da Lei da Concorrência, para imputar responsabilidade à Sonae Investimentos por factos praticados pela MCH.
XXXVI. Daí que, apesar das falhas identificadas na sentença e das omissões cirúrgicas nesta matéria, em momento algum o Tribunal se afaste, pelo menos com clareza, da ideia de comparticipação para imputar a responsabilidade às Visadas.
XXXVII. Nem poderia ser de outra forma, seja por razões processuais e de vinculação temática, seja por questões de legalidade, uma vez que o artigo 73.º, n.º 2, da Lei da Concorrência se refere apenas à responsabilidade de pessoas colectivas e nunca à de empresas. Dito isto,
2) A ausência de facto praticado em nome e no interesse colectivo por pessoas que ocupem posição de liderança na Sonae Investimentos
XXXVIII. O primeiro requisito de que depende a imputação de responsabilidade à Sonae Investimentos é o da alegação, logo na fase administrativa e sempre até à decisão condenatória administrativa, de um facto praticado por pessoas singulares que, nos termos do artigo 72.º, n.º 3, da Lei da Concorrência, (i) integre(m) órgãos da pessoa colectiva ([2]), (ii) seja(m) representante(s) da pessoa colectiva, ou (iii) seja(m) pessoa(s) que nela tivesse(m) autoridade para exercer o controlo da sua actividade.
XXXIX. Este requisito não está cumprido sequer na decisão recorrida: não só não há indicação de quem seria a pessoa em posição de liderança que poderia eventualmente preencher este requisito e contaminar a pessoa colectiva pela sua conduta, como não há indicação de qual o facto típico de conexão por esta praticado.
XL. O segundo requisito de que depende a imputação de responsabilidade à pessoa colectiva – e ao qual só chegaríamos se o primeiro estivesse verificado – é o da demonstração desse facto. Vejamos, então, e a título meramente subsidiário, se está cumprido.
2.1. A inexistência de facto imputável ao Conselho de Administração da Sonae Investimentos
XLI.A Sonae Investimentos e a Sonae MC tinham dois administradores em comum: (…) e (…). Nenhum desses administradores era comum à MCH, entidade subscritora do Acordo de Parceria.
XLII. Para além do que acabou de se referir, não consta qualquer outro facto na sentença sobre estes administradores.
XLIII. O único segmento da decisão que se refere ao (des)conhecimento, por parte de um dos administradores da Sonae Investimentos, do Plano EDP Continente, resulta da transcrição do depoimento de (…), onde este afirma não ter tido qualquer intervenção na negociação e na concretização do Acordo de Parceria e apenas ter tomado conhecimento do seu teor concreto após o presente processo.
XLIV. A mera convergência de administradores entre a Sonae Investimentos e a Sonae MC não permite imputar responsabilidade sancionatória àquela, a menos que se comprove – o que aqui não sucede –, uma efectiva participação desses líderes na comissão do facto.
XLV. Mais concretamente, é preciso que os líderes, nessa qualidade, tenham praticado um facto típico enquanto actuavam em nome e no interesse colectivo de uma entidade; e é necessário que, noutra qualidade, tenham envolvido a outra sociedade na prática do facto, mediante participação directa, actuando também em seu nome e no seu interesse colectivo.
XLVI. Ora, o único facto que liga a Sonae Investimentos ao acordo é o facto de ter dois administradores em comum com a Sonae MC, cuja Comissão Executiva terá aprovado o Acordo de Parceria.
XLVII. No entanto, os dois administradores que a Sonae Investimentos partilhava com a Sonae MC não integravam a dita Comissão Executiva, facto que o Tribunal excluiu da matéria de facto, mas que, sendo negativo, deverá ser interpretado nestes termos.
XLVIII. Por outro lado, para a convergência de administradores entre duas entidades poder permitir ao intérprete avançar para o segundo patamar da identificação de um facto típico de conexão apto a responsabilizar qualquer uma dessas entidades – e especialmente a entidade que não teve intervenção no facto –, era preciso saber qual o facto praticado por esses administradores.
XLIX. E neste caso, como se disse, não existe nenhum facto imputado a (…) e (…), seja na qualidade de administradores da Sonae Investimentos, seja na qualidade de administradores da Sonae MC.
2.2. A irrelevância da referência à Direcção Legal e a sua exclusão do âmbito do artigo 73.º, n.º 3, da Lei da Concorrência
L.O Tribunal a quo deu ainda como provado que a documentação preparatória do Acordo de Parceria foi elaborada e discutida pela direcção legal da Sonae Investimentos, que assessorou a negociação do Plano EDP Continente.
LI. Da matéria de facto provada não consta que a Direcção Legal fosse um órgão, estivesse mandatada fosse por que dirigente fosse para actuar em representação da Sonae Investimentos, ou tivesse qualquer tipo de autoridade para exercer o controlo da actividade, nos termos do disposto no artigo 73.º, n.º 3, da Lei da Concorrência.
LII. Não consta também que a assessoria na negociação do acordo tenha incidido sobre a cláusula 12.ª, até porque, da matéria de facto vertida na decisão, apenas constam factos atinentes à intervenção de trabalhadores da MCH.
LIII. A única referência à composição desta Direcção Legal consta da fundamentação da matéria de facto e limita-se a dizer que “é constituída por uma equipa de juristas” que se limita a “presta(r) apoio jurídico sempre que lhe seja solicitado e sem prejuízo do recurso a serviços externos” ([3]), o que revela não serem pessoas em posição de liderança, pelo que se exclui a imputação da infracção ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do artigo 72.º, da Lei da Concorrência.
2.3. A inexistência de actuação em nome e no interesse colectivo da Sonae Investimentos
LIV. Ainda que fosse possível encontrar algum tipo de alegação e demonstração de qualquer actuação imputável a pessoas em posição de liderança na Sonae Investimentos, sempre seria necessário identificar um terceiro requisito: a actuação dessas pessoas em nome da pessoa colectiva.
LV. Para existir actuação em nome da Sonae Investimentos, era preciso que o tribunal tivesse demonstrado que o facto ilícito foi praticado por pessoas concretas no exercício ou em conexão com o exercício de funções ou incumbências em que a pessoa em posição de liderança foi investida pela própria Sonae Investimentos, o que não foi alegado nem demonstrado.
LVI. Da sentença não resulta também que qualquer facto tenha sido praticado por qualquer pessoa singular associada à Sonae Investimentos por força do ambiente criminógeno organizativo ou de uma deficiência no seu modo de funcionamento que o tenha potenciado.
LVII. Tanto que, apesar de o Tribunal o ter omitido da matéria de facto, a Sonae Investimentos não tinha sequer estrutura organizativa.
LVIII. Tal como não resulta que a execução do facto fosse de algum modo dominada pela Sonae Investimentos, de modo a que a sua comissão representasse a violação de poder-dever de evitar a prática do facto.
LIX. Tanto basta para concluir pela inaplicabilidade da alínea a). Vejamos quanto à alínea b).
LX. A ausência de facto praticado por quem actue sob a autoridade de pessoas em posição de liderança na Sonae Investimentos em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem
LXI. A segunda hipótese para a imputação do facto à Sonae Investimentos seria a demonstração de que o facto fora praticado pelos seus subordinados, perante a violação de um dever de vigilância ou controlo por parte dos líderes – leia-se, no que aqui releva, dos administradores.
LXII. A aplicação desta norma, prevista na alínea b), do n.º 2, do artigo 72.º da Lei da Concorrência estaria, à partida, excluída quanto à Sonae Investimentos pela simples circunstância de esta entidade não ter quaisquer funcionários – como aceitou a AdC – e, portanto, não ter quem actue sob autoridade dos seus administradores.
LXIII. Mas considerando que o Tribunal omitiu da sentença o facto de a Sonae Investimentos não ter estrutura organizativa, bem como que a dita Direcção Legal não integrava organicamente a Sonae Investimentos, dir-se-á o seguinte:
3.1. A inexistência de violação de deveres de controlo e de vigilância pelos líderes da Sonae Investimentos
LXIV. Para a Sonae Investimentos poder responder pela prática do ilícito através do preenchimento do disposto na alínea b), do n.º 2, do artigo 73.º, da Lei da Concorrência, necessário seria que os seus administradores tivessem violado um dever de vigilância ou de controlo que lhes incumbisse.
LXV. Na medida em que nenhum contributo activo é imputado ao Conselho de Administração da Sonae Investimentos, necessário se tornava a identificação de um comportamento omissivo juridicamente relevante, a assumir uma de duas formas: ou resultaria do incumprimento de um dever de vigilância ou controlo dos líderes da Sonae Investimentos sobre subordinados de entidades participadas maioritariamente pela Sonae Investimentos, ou resultaria de um dever de vigilância ou controlo sobre a dita Direcção Legal.
LXVI. A própria AdC, no parágrafo 362 da decisão final, que delimitava o objecto do processo e o fundamento da imputação, não falava na aplicação desta norma a subordinados da própria Sonae Investimentos, mas sim na possibilidade da sua aplicação a subordinados de outras entidades por aquela participadas maioritariamente.
LXVII. Esta interpretação enfrenta dois obstáculos evidentes: em primeiro lugar, não encontra respaldo na lei, que se refere à actuação dos subordinados de líderes da pessoa colectiva, sempre no contexto dessa pessoa colectiva; por outro lado, sempre seria inconstitucional por criar deveres de vigilância e controlo do Conselho de Administração de uma sociedade gestora de participações sociais sobre milhares de pessoas que trabalhem em empresas por si participadas.
LXVIII. Pergunta-se, então, se poderia a Sonae Investimentos responder por os seus líderes terem violado deveres de vigilância e controlo sobre a Direcção Legal.
LXIX. Em primeiro lugar, não poderia porque a Direcção Legal integra, como afirmou (…), a Sonae Center Serviços II, S.A. e não a Sonae Investimentos, pelo que, não havendo qualquer ligação funcional da Direcção Legal aos líderes da Sonae Investimentos, nem qualquer elemento de onde se possa concluir que a Direcção Legal actuou sob a direcção do Conselho de Administração da Sonae Investimentos, resta concluir pela irrelevância da sua conduta para a responsabilização da Sonae Investimentos
LXX. Em segundo lugar, não poderia a Sonae Investimentos responder por factos praticados pela Direcção Legal porque não existe qualquer indicação, alegação ou demonstração de que os membros do Conselho de Administração da Sonae Investimentos tivessem qualquer dever de controlo ou de vigilância sobre a actividade de assessoria jurídica desempenhada por aquela.
LXXI. De resto, não existe qualquer dever de o Conselho de Administração de uma sociedade gestora de participações sociais, que reúne apenas 6 vezes por ano para discutir questões estratégicas gerais, controlar ou vigiar a assessoria jurídica prestada a outra entidade sobre um contrato que estava a ser negociado entre a sua sociedade-neta, a MCH e outra entidade.
LXXII. Para a responsabilização da pessoa colectiva por esta via é necessário, no mínimo, que seja possível atribuir o domínio da realização do facto típico à pessoa colectiva e que haja algum poder-dever de controlo identificável, o que manifestamente não sucede. Por outro lado,
3.2. A inexistência de actuação em nome e no interesse da Sonae Investimentos
LXXIII. Também quando a infracção seja imputada ao abrigo da alínea b) do n.º 2 do artigo 72.º da Lei da Concorrência é necessário que o facto seja cometido em nome e no interesse da pessoa colectiva.
LXXIV. Logo, para imputar a responsabilidade à Sonae Investimentos, sempre seria necessário que a violação do dever de controlo e vigilância por parte do líder tivesse, antes de mais, ocorrido no âmbito da sua esfera efectiva de competência e responsabilidade pessoal.
LXXV. Porém, não estava incluído na esfera de competência e responsabilidade pessoal de qualquer pessoa em posição de liderança da Sonae Investimentos – nem tal foi alegado ou minimamente demonstrado na decisão recorrida – o dever de vigiar ou controlar, quer o âmbito mais genérico da celebração de parcerias promocionais no retalho alimentar pelas suas participadas, quer o âmbito mais específico da assessoria jurídica prestada pela sua (ainda que fosse sua, e não era) Direcção Legal.
LXXVI. Por último, não resulta que qualquer facto ilícito eventualmente praticado por essa Direcção Legal tenha resultado das condições criminógenas da Sonae Investimentos ou de qualquer deficiência na sua estrutura que promova ou facilite a prática de ilícitos como os que aqui se discutem.
LXXVII. Também por aqui improcederia qualquer tentativa de imputação de responsabilidade à Sonae Investimentos.
LXXVIII. O tertium genus: a figura da instigação-autoria entre empresas
LXXIX. A fls. 184 da decisão recorrida, o Tribunal parece pretender imputar responsabilidade contra-ordenacional a diferentes pessoas colectivas com fundamento na figura da instigação-autoria.
LXXX. Esta alegação não faz qualquer sentido, seja porque não existe figura da instigação no direito das contra-ordenações, seja porque o uso dessa figura no âmbito da responsabilidade criminal de pessoas colectivas reporta-se à relação entre a responsabilidade penal do dirigente da pessoa colectiva e a da própria pessoa colectiva, mas da mesma pessoa colectiva.
LXXXI. Nem pode aplicar-se a jurisprudência citada pelo Tribunal porque a mesma refere-se à comunicação de responsabilidade da sociedade-filha à sociedade-mãe, não ao contrário, como resultaria do recurso à figura da instigação.
LXXXII. A estes obstáculos acresce o facto de a Lei da Concorrência apenas prever a responsabilidade de pessoas colectivas por factos praticados pelos seus dirigentes ou pelos seus subordinados; nunca pelos dirigentes ou subordinados de outras entidades.
LXXXIII. Ainda que se procurasse imputar responsabilidade à sociedade-mãe por uma eventual omissão – o que nem sequer foi esboçado pelo Tribunal –, sempre seria necessário encontrar um dever jurídico de agir, o que, tendo em conta que a MCH era uma entidade autónoma, independente e auto-determinada, sempre improcederia.
LXXXIV. Estando em causa a actuação de um terceiro autónomo e responsável, então, por força dos princípios gerais da auto-responsabilidade, autodeterminação, confiança, culpa e do próprio Estado de Direito, não há como conceber um dever de garante.
LXXXV. Tanto basta para concluir pela improcedência, em toda a linha, de qualquer tese de responsabilização da Sonae Investimentos por factos praticados pela sua sociedade-neta (a MCH) ou pela sua sociedade-filha (a Sonae MC).
LXXXVI. A valoração de factos não imputáveis à Sonae Investimentos como indícios da sua participação no suposto ilícito
LXXXVII. O Tribunal atribuiu ainda relevância a dois supostos indícios de envolvimento da Sonae Investimentos na infracção que, em rigor, nada indiciam e nada revelam.
5.1. A alegada vinculação da Sonae Investimentos pelo Acordo de Parceria
LXXXVIII. Pese embora o Tribunal tenha dado como provado que a cláusula 12.1, alínea a), do Acordo de Parceria vincula a Sonae Investimentos (facto provado n.º 39), a verdade é que o assunto da vinculação de uma entidade a um contrato não é uma questão de facto, como pretende ficcionar o tribunal para subtraí-lo ao escrutínio de V. Ex.as.
LXXXIX. A questão de que cabe tratar agora pode formular-se do seguinte modo: pode a Sonae Investimentos ou qualquer uma das entidades por si participada maioritariamente considerar-se juridicamente vinculada por um contrato no qual não é parte, por força da obrigação aí assumida pela contraente MCH, sua sociedade-neta?
XC. A resposta é negativa. Desde logo por força do disposto no artigo 406.º, n.º 2, do Código Civil, que estipula o princípio da relatividade dos contratos.
XCI. Ora, só há duas vias de vinculação de uma entidade a um contrato: ou há fundamento legal para excepcionar a aplicação do princípio da relatividade dos contratos e considerar um terceiro a ele vinculado, ou só estão vinculadas as entidades que outorgaram o Acordo.
XCII. E nunca foi alegado, nem consta da decisão recorrida, qualquer fundamento legal para excepcionar a aplicação do princípio da relatividade dos contratos.
XCIII. Há, sim, no limite, uma obrigação assumida pela MCH de fazer com que outras sociedades se abstenham de exercer alguma actividade económica, o que, evidentemente, constitui uma obrigação de prestação de facto de terceiro, através da qual apenas a própria MCH fica vinculada e não qualquer terceiro.
XCIV. Nem poderia, aliás, a sociedade-filha vincular a sociedade-mãe. Não é assim que funcionam as relações de domínio de que a sentença fala.
XCV. Por tudo quanto se referiu, importa concluir que não existe fundamento jurídico para concluir que as outras sociedades mencionadas na cláusula ficaram vinculadas pelo compromisso assumido pela MCH no acordo.
5.2. A publicitação do Plano EDP Continente no Relatório Financeiro consolidado relativo a 2012 da Sonae SGPS
XCVI. Quanto a este ponto vale a pena dizer somente o seguinte: o facto de a Sonae SGPS, sociedade-mãe da Sonae Investimentos e aqui não Visada, colocar entre 11 outros eventos anuais o Plano EDP Continente é absolutamente irrelevante para a imputação de qualquer facto à Sonae Investimentos.
Subsidiariamente,
III. Medida da coima
XCVII. Ainda que fosse possível encontrar-se na decisão recorrida qualquer esboço de fundamento factual e jurídico que merecesse a confirmação do juízo condenatório aí formulado, sempre se imporia uma redução muito significativa da coima.
XCVIII. Ora, a decisão administrativa condenatória da AdC era já incompreensível no juízo que formulou quanto ao quantum da coima a aplicar às Visadas. Em audiência de julgamento percebeu-se porque assim era: afinal as instrutoras do processo preparam a fundamentação e enviam a coima em branco para o Conselho preencher como bem entenda, motivo pelo qual têm de fazer uma fundamentação suficientemente vaga que acomode qualquer valor.
XCIX. O Tribunal, por seu turno, limitou-se a aderir genericamente, e por remissão, à fundamentação – que não o é – da AdC e por reduzir a coima em bloco em 10% para todas as Visadas.
C. Compulsada a fundamentação da decisão condenatória aqui importada pelo Tribunal, constata-se que o seu teor é praticamente idêntico para todas as Visadas, independentemente das específicas circunstâncias do caso, motivo pelo qual a Sonae Investimentos dá aqui por integralmente reproduzida a matéria relativa à medida da coima constante do capítulo IV, (A) e (B) e das conclusões 306 a 336 do recurso da Visada MCH. Em todo o caso, sempre se dirá o seguinte:
CI. A AdC, e o Tribunal a quo, por remissão, faz equiparar a intervenção de todas as Visadas no processo.
CII. Contudo, não existe qualquer elemento de facto que permita equiparar a intervenção da Sonae Investimentos, por exemplo, à da MCH ou da EDP Comercial que efectivamente negociaram os termos da parceria, a assinaram e implementaram.
CIII. Acresce que o Tribunal nem sequer reparou que ao importar acriticamente o texto da decisão condenatória, estava a valorar factos que ele próprio negou ao longo da sentença, como seja que existisse um administrador em comum entre a Sonae Investimentos, a Sonae MC e a MCH.
CIV. A importação deste facto da decisão administrativa condenatória constitui contradição insanável da fundamentação, nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do CPP, o que desde já se invoca, por resultar dos parágrafos 93, 95 e 96 que não existia qualquer administrador em comum entre a MCH e a Sonae Investimentos.
CV. Do mesmo modo, o Tribunal errou ao dar por reproduzido o parágrafo 874 da decisão da AdC, porquanto não existe nenhuma fundamentação de onde resulte que a Sonae Investimentos tinha um dever de agir (um dever de garante) perante a actuação das suas participadas na negociação do clausulado do Acordo de Parceria.
CVI. Ainda que assim não fosse, a verdade é que o facto de as duas sociedades Sonae MC e MCH terem em comum 1 (um) membro dos órgãos de administração, ou de a Sonae Investimentos ser uma sociedade-mãe daquelas, não pode implicar a conclusão a que se chega a final, no sentido de que a Sonae Investimentos participou em igual medida na prática do facto alegadamente ilícito.
CVII. Para que se pudesse falar em igual envolvimento de todas as Visadas seria necessário demonstrar, por um lado, que todas tiveram o mesmo papel na determinação da vontade em realizar o Acordo de Parceria; e, por outro lado, que todas elas actuaram e se vincularam de acordo com essa vontade.
CVIII. Não é o caso e, como tal, sempre se teria de alterar a decisão para reflectir o reduzido grau de participação da Sonae Investimentos e o seu reduzido relevo na produção do putativo resultado típico, reduzindo, em conformidade, a coima aplicada a final.
Terminou pedindo que seja declarada a nulidade da sentença recorrida, nos termos do disposto nos artigos 368.º, n.º 2, 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alíneas a) e c) do CPP, aplicáveis ex vi artigos 41.º, n.º 1, do RGCO e 83.º da Lei da Concorrência, com as legais consequências; e, que seja a sentença recorrida integralmente revogada e, em consequência, ser a Recorrente absolvida da contra-ordenação por que vem indevida e injustamente condenada.
Para o caso de assim não se entender, pediu que a coima aplicada à Recorrente seja substancialmente reduzida para um valor muito próximo do mínimo legalmente admissível.
Também esta Visada requereu a realização da audiência oral, indicando os seguintes concretos pontos do presente recurso que se pretende ver debatidos:
- Violação do dever de pronúncia sobre os factos alegados pela defesa (Capítulo I);
- Ausência de fundamento para imputação da infracção à Sonae Investimentos (Capítulo II);
- Medida da coima (Capítulo III).
I.4.2. Responderam a este recurso o Ministério Público e a Autoridade da Concorrência, concluindo que o mesmo deve ser julgado improcedente.
*
I.5. Do recurso apresentado pela MODELO CONTINENTE HIPERMERCADOS, S.A.
I.5.1. A Recorrente MODELO CONTINENTE HIPERMERCADOS, S.A. apresentou a seguinte síntese conclusiva:
1. A ideia de concorrência implica e inculca inelutável competição: pelos clientes, pelos fornecedores, e, enfim, pelos e entre concorrentes.
2. As cláusulas de não concorrência não só não se afiguram anticoncorrenciais per se, como podem, inclusive, revelar-se pró-concorrenciais, ou, no mínimo, encontrar justificação na tutela de valores juridicamente relevantes.
3. As obrigações de não concorrência são realidades frequentes, necessárias e comuns nas relações comerciais, sendo a sua ilicitude a excepção, e não a regra.
4. Para que se possa concluir pela ilicitude de uma obrigação de não concorrência, à luz da Lei da Concorrência e das demais normas vigentes neste ramo do Direito, importa que os contraentes sejam concorrentes entre si – actuais ou potenciais.
5. O Tribunal a quo, ao invés de assentar a sua decisão numa lógica racional, devidamente fundamentada e decorrente de uma correcta valoração das provas produzidas em audiência de julgamento, enveredou por um caminho alternativo, sinuoso, e propositadamente montado para as conclusões que se pretendiam alcançar.
6. As “deduções” que a sentença recorrida retira quanto à condenação da aqui Recorrente são erradas, não restando outra solução que não a absolvição da mesma.
7. As partes no Acordo de Parceria controvertido são, por um lado, a Modelo Continente Hipermercados, S.A. (‘MCH’), retalhista alimentar que explora, em Portugal, as redes de hipermercados e supermercados sob a insígnia Continente; e, por outro, a EDP Comercial, S.A. (‘EDP Comercial’), empresa comercializadora de energia eléctrica e de gás natural, adquirindo-os para revenda aos consumidores.
8. Durante o último trimestre do ano de 2011, as duas empresas negociaram um Acordo de Parceria, que veio a ser assinado em 5 de janeiro de 2012.
9. Nos termos desse Acordo, os aderentes do cartão Continente (clientes da MCH) que, simultaneamente se tornassem clientes da EDP Comercial, através da subscrição de um Tarifário de energia eléctrica (o Plano EDP Continente), teriam direito a que lhes fosse creditado no respectivo cartão Continente, um valor mensal equivalente a 10% da factura decorrente daquele fornecimento de energia eléctrica.
10. A adesão a este Plano EDP Continente tinha de ser realizada até 10 de Março de 2012, mantendo-se, porém, relativamente aos fornecimentos de electricidade ocorridos durante todo o ano de 2012, o direito ao “desconto de 10% em cartão”.
11. O Plano EDP Continente foi amplamente publicitado, tendo ambas as partes cumprido aquilo a que se vincularam, no que à promoção do mesmo respeitava.
12. Num período de cerca de 2 a 3 meses, 147 mil titulares do cartão Continente subscreveram o referido Plano Tarifário.
13. Por força dessa adesão, e do desconto inerente à despesa com electricidade, os aderentes do Plano EDP Continente receberam vales para crédito no cartão Continente, que ascenderam a cerca de 6,91 milhões de euros.
14. Desses, mais de 6 milhões de euros foram efectivamente gastos em compras nos estabelecimentos da MCH.
15. O texto do Acordo de Parceria continha, entre outras, uma cláusula, nos termos da qual a MCH se comprometia, perante a contraparte – EDP Comercial –, durante o prazo de vigência do Acordo e no ano subsequente, a não desenvolver a actividade de comercialização de energia eléctrica e de gás natural em Portugal.
16. Em contrapartida, a EDP Comercial comprometia-se, durante o mesmo período, a não desenvolver a actividade do retalho de bens alimentares em Portugal (cf. Cláusula 12.ª em particular, 12.1. a) e 12.2. a)).
17. Durante o mês de Janeiro, a Autoridade da Concorrência foi alertada pelo Ministério da Economia para alegadas irregularidades decorrentes do Acordo de Parceria, em resultado do que requereu às signatárias do mesmo que aquele lhe fosse enviado, acompanhado de outras informações.
18. O Acordo de Parceria foi remetido à AdC, a 7 de Fevereiro de 2012.
19. Em Dezembro de 2014, uma vez lido e analisado o Acordo, a Autoridade da Concorrência entendeu instaurar um processo de infracção por violação das regras de concorrência.
20. Finda a instrução, a AdC condenou, em Maio de 2017, as signatárias do Acordo e outras três sociedades, com aquelas relacionadas, no montante total de 38.300.000 euros.
21. Todas as Visadas recorreram para o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (‘TCRS’), que confirmou a condenação, tendo, no entanto, reduzido as coimas aplicadas em 10%, à luz do benefício que o Plano proporcionara às famílias portuguesas, através dos referidos descontos.
22. No entendimento do TCRS, “tudo” indica que o Acordo terá funcionado como mero veículo da cláusula 12.ª, sendo esta o verdadeiro objectivo das partes.
23. A sentença recorrida assenta, porém, numa errónea subsunção dos factos ao Direito, e, acima de tudo, na incorrecta interpretação e aplicação do artigo 9.º, n.º 1 da LdC, do que derivaram uma multiplicidade de erros.
24. Em primeiro lugar, um pacto de não concorrência não é, nem pode ser, confundível ou sequer imediatamente associado a um acordo anti-concorrência.
25. As obrigações de abstenção a que as partes aqui se vincularam não são anti-concorrenciais.
26. O conceito de concorrência potencial deve ser preenchido à luz dos critérios avançados pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, sendo irrelevantes ou inócuos, para esse preenchimento, aspectos relativos a outras pessoas jurídicas, não abrangidas pela obrigação.
27. A MCH não tem como ser classificada como concorrente potencial da EDP Comercial no mercado da comercialização de energia eléctrica em Portugal.
28. O artigo 3.º, n.º 2 da LdC não pode ser interpretado (nem aplicado), como que importando uma extensão das entidades relevantes para efeitos do preenchimento do conceito de “concorrência potencial”.
29. Ainda que assim se não entendesse, nunca poderiam as cláusulas 12.1 a) e 12.2 a) ser qualificadas como restrição por objecto, ou objectivo.
30. O Acordo de Parceria corresponde, no seu figurino jurídico, a um contrato de agência ou, no mínimo, a um contrato de cooperação, sujeitando-se à regulamentação contratual aplicável ao respectivo tipo.
31. As mais elementares regras de Direito e do bom-senso impõem uma conclusão no sentido da absolvição da Recorrente.
Objecto do recurso
32. A 5 de Janeiro de 2012, a MCH e a EDP Comercial celebraram um Acordo de Parceria, o qual esteve na base da campanha publicamente (re)conhecida como Plano EDP Continente.
33. O referido Acordo continha, entre as suas cláusulas, uma cláusula 12.º desdobrada em vários pontos, entre os quais as alíneas a) dos n.ºs 1 e 2, subsumidas pelo Tribunal a quo a um “pacto de não concorrência”.
34. No entendimento do Tribunal a quo, estaria, ainda, em causa, uma restrição por objecto, correspondente a uma repartição de mercados, e subsumível a uma infracção de perigo.
35. Para alicerçar esse seu entendimento, o Tribunal partiu das “regras da normalidade do devir social”, à luz do que, apenas empresas concorrentes – actuais ou potenciais – poderiam demonstrar um qualquer interesse na celebração de um tal pacto.
36. O Tribunal errou, ao concluir que a Cláusula 12.ª (n.º 1, al. a) e n.º 2, al. a) preenche o tipo de ilícito previsto no artigo 9.º, n.º 1 da LdC.
37. Ao contrário do que é sustentado pelo Tribunal a quo, não se encontra aí um qualquer acordo que impeça, restrinja ou falseie de forma sensível a concorrência.
38. Para que uma cláusula de não concorrência possa ser considerada “anti-concorrencial”, importa, antes de tudo o mais, que os contraentes sejam concorrentes entre si, actuais ou potenciais, o que não é o caso, das outorgantes do Acordo de Parceria, em qualquer dos mercados.
39. Subsidiariamente, sempre se recorde que nunca poderiam as referidas cláusulas ser qualificadas como ilícitos por objecto ou por objectivo, isto é, como infracção de perigo.
40. A ilicitude de um acordo de não-concorrência exige a pré-existência de concorrência entre as partes susceptível de ser restringida
41. A aplicação do tipo previsto no artigo 9.º, n.º 1 da LdC pressupõe que o acordo alegadamente restritivo da concorrência seja celebrado entre concorrentes (actuais ou potenciais) no(s) mercado(s) em questão.
42. O preenchimento do tipo pressupõe, portanto, que exista concorrência susceptível de ser restringida.
43. Nestes termos, dita o §21 da Comunicação da Comissão intitulada “Orientações relativas à aplicação do n.º 3 do artigo 81.º do Tratado”, citada a pág. 149, pelo Tribunal a quo, que a fixação de preços, a limitação da produção e a partilha de mercados e clientes apenas são subsumíveis a acordos restritivos por objecto, quando configurem um acordo horizontal.
44. Quer isto dizer que, também como assinalado pela Comissão, e reconhecido na sentença recorrida (pág. 150), importa que o acordo seja celebrado entre empresas concorrentes, isto é, entre empresas que operam ao mesmo nível, na cadeia de oferta, e num determinado (e mesmo) mercado.
45. Só nesta hipótese poderá o acordo gerar um qualquer prejuízo para a concorrência e para o bem-estar, medido sob a perspectiva do consumidor.
46. Só um acordo entre concorrentes pode desembocar numa saída ou numa não-entrada no mercado, que, na ausência do acordo, se concretizariam.
47. Isto posto, uma obrigação contratual de não competir ou de não actuar num determinado mercado apenas poderá ser ilícita, i) uma vez verificados certos e muito rigorosos pressupostos, e apenas quando ii) celebrada entre concorrentes, actuais ou potenciais, presentes nesse mercado.
48. Para concluir no sentido da existência de uma infracção, a sentença recorrida deveria, pois, ter começado por analisar se as contraentes no Acordo eram ou não concorrentes (actuais ou potenciais) nos mercados identificados.
49. Nesse exercício, o Tribunal a quo não poderia esquecer o rigor e a complexidade que a análise de uma situação de concorrência potencial co-envolve.
50. Segundo a sentença recorrida, a cláusula 12.ª, n.º 1, al a) restringiria a concorrência (sendo, desde logo por isso, anti-concorrencial) em três mercados, a saber: i) o mercado de comercialização da energia eléctrica; ii) o mercado de comercialização de gás natural; e iii) o mercado retalhista de bens alimentares; todos e cada um deles, no território de Portugal continental.
51. Dois desses mercados – o da comercialização de gás natural e o mercado retalhista de bens alimentares - nem sequer constam da decisão condenatória da AdC.
I. A concorrência potencial
52. A primeira questão a que cabe responder passa por determinar se, à data da celebração do acordo e da vinculação dos contraentes à cláusula (Janeiro de 2012), a MCH e a EDP Comercial, seriam ou não concorrentes, actuais ou potenciais.
(A) A concorrência actual ou potencial nos mercados de comercialização do gás natural e do retalho alimentar
53. A AdC acusou as Visadas de restringirem a concorrência no mercado da comercialização de energia eléctrica.
54. Por sua vez, o Tribunal a quo, entendeu - sem que se perceba bem porquê e num verdadeiro extravasamento do âmbito das questões controvertidas a que lhe cabia dar resposta - que a concorrência no mercado da comercialização de energia eléctrica, gás natural e retalho alimentar fora restringida.
55. Ao fazê-lo, o Tribunal incorreu em dois erros.
56. Em primeiro lugar, porquanto se pronunciou sobre questão que não lhe foi colocada, sem que as Visadas tivessem sequer tido a oportunidade de sobre ela se pronunciar, o Tribunal incorreu em excesso de pronúncia, tal acarretando a nulidade da sentença, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP.
57. Na medida em que a AdC considerou que apenas no mercado da comercialização da energia eléctrica haveria concorrência potencial, não poderia o Tribunal concluir pela existência de uma restrição da concorrência, nos mercados do gás e do retalho alimentar (pág. 146).
58. Em segundo lugar, porquanto nem sequer se pronunciou sobre eventuais factos dos quais pudesse resultar a existência de concorrência potencial, sempre se constata a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, ambos os artigos aplicáveis por remissão aos presentes autos, o que desde já se argui para os devidos e legais efeitos.
59. Ainda que pudesse ter sido levada à sentença, a existência de uma restrição da concorrência nos mercados do retalho de base alimentar e da comercialização de gás natural é manifestamente improcedente.
60. Inexiste qualquer elemento factual ou probatório na sentença (e no mundo!), do qual se possa retirar que, em 2012 (ou mesmo até 2020), a EDP Comercial (ou qualquer outra entidade controlada por si ou mesmo pela EDP Energias) desenvolvia alguma actividade de retalho de base alimentar.
61. Por sua vez, a MCH não exercia, em 2012, qualquer actividade no mercado da comercialização de gás natural em Portugal continental.
62. As contraentes não eram, à data de 2012, concorrentes actuais, em nenhum destes mercados.
63. Por sua vez, nenhum facto concreto ficou indiciado a propósito da existência de uma relação de concorrência potencial entre as partes.
64. Apesar dessa completa ausência de factos e do vazio evidente a este nível, o Tribunal a quo entendeu, erradamente, à luz de uma interpretação incorrecta e descuidada da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, que a concorrência naqueles mercados havia sido ilicitamente restringida.
65. Nessa apreciação e nas conclusões que dela retirou, o Tribunal a quo errou por três motivos: i) primeiro, porque se pronunciou sobre uma questão que não lhe foi colocada, e que acabou por decidir em desfavor da Visada, sem quaisquer elementos factuais e probatórios que o permitissem; ii) segundo, porque alargou erradamente o âmbito de aplicação de alguma jurisprudência citada, pretendo aplicá-la a situações de facto completamente distintas e nunca antes consideradas; iii) terceiro, na medida em que se demarcou absolutamente da restante jurisprudência igualmente por si trazida à colação, e com base na qual poderia, se interpretada correctamente, enquadrar o caso aqui em análise.
66. A jurisprudência que se pronuncia pela ilicitude das obrigações de não concorrência entre concorrentes tem por base contextos fácticos em que as empresas envolvidas já o eram (concorrentes) no mesmo mercado do produto, pese embora se encontrassem em mercados geográficos distintos (estes sim, alvo de repartição).
67. Mais tarde, o Tribunal de Justiça da União Europeia veio, também, a pronunciar-se sobre cláusulas de repartição de mercados, celebradas entre concorrentes meramente potenciais, fazendo-o, contudo, em termos diversos, e distintos daqueles que adotara nos primeiros arestos.
i) Inaplicabilidade dos fundamentos vertidos nos casos referidos na sentença com data anterior à celebração do Acordo
68. Parte da motivação do Tribunal a quo assenta no conceito de concorrência potencial, entendido à luz dos acórdãos T-374/94 - European Night Services e o./Comissão, T-44/00 Mannesmannröhren-Werke/Comissão, e T 461/07 - Visa International Services, proferidos em momento anterior ao da celebração do Acordo.
69. Acontece, porém, que todos esses acórdãos tinham por base um acordo celebrado entre empresas activas no mesmo mercado do produto, o que só por si basta para demonstrar a inadequação da sua aplicação ao caso vertente, bem assim para refutar claramente a tese do Tribunal a quo.
ii) Inaplicabilidade dos fundamentos vertidos nos casos referidos na sentença com data posterior à celebração do Acordo
70. A sentença recorrida menciona, também, um conjunto de acórdãos posteriores ao Acordo, proferidos, nomeadamente, nos processos T 360/09 - E.ºN Ruhrgas AG e E.ºN AG c. Comissão, C 373/14-P - Toshiba Corporation c. Comissão, e T-208/13 - Portugal Telecom c. Comissão.
71. Também estes, porquanto tratam, ainda, de acordos entre empresas activas no mesmo mercado do produto, não colhem, nem podem ser aplicados para efeitos da análise do Acordo de Parceria celebrado entre a MCH e a EDP Comercial.
iii) A correcta aplicação da jurisprudência citada pelo Tribunal ao presente caso
72. A jurisprudência citada pelo Tribunal a quo (vejam-se, por ex. as págs. 154 a 157 e notas 148 a 151, 153 a 156, 167 e 172) visa uma realidade completamente distinta daquela de que aqui se trata.
73. Nesses acórdãos, são analisados acordos celebrados entre empresas já activas num mesmo mercado do produto, objecto do acordo, e que apenas se “diferenciam” pelo território em que se encontram presentes.
74. Nessas hipóteses, a repartição de mercados residia, pois, na delimitação geográfica da actuação das partes.
75. Em nenhum dos casos se tratava de um acordo recíproco de não actuação num certo mercado, celebrado por quem nunca desenvolvera esse tipo de actividade, nem sequer em outra geografia.
76. A jurisprudência referida só poderia, pois, colher aplicação no caso vertente, numa hipótese muito distinta, em que, enquanto partes no acordo, figurassem, por exemplo, a Modelo Continente e a Mercadona, ou, então, a EDP Comercial e a Iberdrola Gas.
77. A hipótese versada é manifestamente distinta.
78. Está em causa um acordo celebrado entre uma empresa exploradora de hipermercados e supermercados, por um lado, e uma empresa comercializadora de energia eléctrica, por outro!
79. Ora, a jurisprudência invocada pelo Tribunal a quo não pode ser lida, analisada e (muito menos!) aplicada, se desligada da realidade e do núcleo problemático a que visou dar resposta.
80. Questões como a maior ou menor liberalização dos mercados, ou até mesmo o critério da “inexistência de barreiras legais intransponíveis ou muito difíceis de ultrapassar à entrada”, apenas funcionarão como indícios fortes da existência de concorrência potencial, quando estejamos a falar de um acordo de repartição geográfica ou, pelo menos, de repartição de clientes, quando a um mesmo produto ou serviço, que ambas as contraentes vendem ou prestam.
81. No caso vertente, pelo contrário, essa relação de concorrência entre as entidades subscritoras do Acordo (bem como aliás, todas as outras sociedades pertencentes aos seus grupos empresariais) inexistia.
82. As contraentes do Acordo de Parceria não são concorrentes, nem actuais nem potenciais, em nenhum dos dois mercados em causa – seja o do retalho de base alimentar, seja o da comercialização de gás natural.
83. Pelos §§169-188 da sentença recorrida, o Tribunal a quo incorre em erro manifesto, porquanto entende que a cláusula 12.ª do Acordo apenas logra sentido, se celebrada entre dois contraentes que se reconhecem como concorrentes, pelo menos, potenciais.
84. Mas, nada de mais errado! Como decorre do acórdão E/On Ruhrgas, a celebração de uma cláusula com este teor não demonstra necessariamente a existência de concorrência potencial entre as partes, impondo-se algo mais, que no caso do Plano EDP Continente, pura e simplesmente inexiste e cuja prova não poderia senão falhar.
85. Foi assim que não ficou provado que as Visadas que subscreveram o Acordo fossem concorrentes entre si nestes dois mercados.
86. Esta mesma conclusão negativa foi - pela própria AdC - vertida na sua Decisão de condenação (§862), que apenas refere restringido o mercado da comercialização de energia eléctrica.
87. As restrições decorrentes da cláusula 12.ª, com impacto nos outros dois mercados – da comercialização de gás natural e do retalho alimentar - não são ilícitas nem “anti-concorrenciais” (na medida em que nem sequer concorrência existe!).
88. A vinculação temática do Tribunal ao teor da Decisão condenatória da AdC leva a que apenas a alínea a) do n.º 1 da Cláusula, relativa à comercialização de energia eléctrica pudesse, pois, vir a ser considerada ilícita.
(B) A concorrência (potencial) no mercado de comercialização de energia eléctrica
89. A cláusula 12.ª, n.º 1, a) dispõe nos seguintes termos: “12.1 Durante a vigência do presente Acordo, e pelo prazo de 1 (um) ano após o seu termo, a Modelo Continente obriga-se a: a. não desenvolver, diretamente ou através de sociedade participada maioritariamente pela Sonae Investimentos, SGPS, SA, a atividade de comercialização de energia elétrica (…) em Portugal continental.”
90. Não restam dúvidas de que, ao tempo da celebração do Acordo, as partes não eram concorrentes actuais no mercado de comercialização de energia eléctrica, dado que apenas uma delas - a EDP Comercial – se encontrava activa nesse mesmo mercado.
91. Para efeitos de analisar a questão da concorrência potencial, e porquanto estarem em causa empresas que não operam no mesmo mercado do produto em causa, impunha-se uma análise cuidada da jurisprudência mais recente do Tribunal de Justiça da União Europeia, a esse propósito.
i) Da errada aplicação da jurisprudência europeia invocada pelo Tribunal a propósito da existência de concorrência potencial (fora do mercado do produto)
92. Pelos motivos atrás vistos, a jurisprudência referida a propósito dos outros dois mercados não logra também aqui, pelas mesma razões, qualquer aplicação.
93. Até ao momento (Novembro de 2020), apenas três acórdãos abordaram o tópico da concorrência potencial fora de uma base estritamente geográfica: o caso Lundbeck (T-472/13), o caso Servier (T-691/14), ambos no Tribunal Geral, e o caso Generics (C-307/18), no TJUE.
94. Trata-se de processos, nos quais se analisaram os acordos celebrados entre empresas activas no sector farmacêutico, titulares de patentes e fabricantes de genéricos.
95. Nos termos desses acordos, também chamados de acordos “pay-for-delay”, os fabricantes de medicamentos genéricos comprometem-se a não entrar no mercado do medicamento original, beneficiando, em contrapartida, da transferência de valores, efectuada pelo fabricante de medicamentos patenteados, a seu favor.
96. Atento o facto de o fabricante de um produto genérico se não encontrar (ainda) presente no mercado do medicamento (ou substância activa do mesmo) patenteado, os acórdãos referidos debruçam-se sobre a questão de saber se, e em que condições, poderá aquele ser considerado um concorrente potencial no mercado do medicamento original, ainda antes do termo da patente.
97. Dois daqueles acórdãos foram expressamente invocados pelo Tribunal a quo, na sentença recorrida, mas apenas um deles foi citado (Lundbeck e Generics – (nota 153, págs 158-159), e, para a citação, págs. 159-160).
98. Mas - uma vez mais – os arestos foram interpretados e aplicados incorrectamente.
99. Nos dois acórdãos referidos, estavam em causa obrigações de não-concorrência integrantes de acordos ditos de “pay-for-delay”.
100. Ao contrário, portanto, da demais jurisprudência invocada pelo Tribunal a quo, estes últimos arestos analisam acordos celebrados entre empresas que não desenvolvem, ainda, qualquer actividade no mesmo mercado do produto – in casu, o mercado dos medicamentos patenteados em causa.
101. Trata-se, sublinhe-se, de acordos celebrados entre duas ou mais farmacêuticas – isto é, que opõem duas ou mais empresas que desenvolvem actividades paralelas.
102. E que se distinguem claramente de um acordo firmado entre uma empresa de distribuição retalhista alimentar – a MCH – e um comercializador de energia eléctrica – a EDP Comercial!
103. De entre as três decisões mais recentes, o acórdão proferido no caso Generics é merecedor de particular atenção e de uma análise mais detida.
104. E isto, não só por ser o acórdão mais recente, como, ainda, por ter origem num reenvio prejudicial, mas também, e sobretudo, pelo facto de - ao contrário do caso Lundbeck, cuja decisão do Tribunal Geral se encontra, ainda, pendente de recurso perante o Tribunal de Justiça – ter sido proferido pela última instância da judicatura da União Europeia, determinando o rumo da jurisprudência, a propósito da aferição da concorrência potencial em mercados de produto distintos.
105. A isto acresce o facto de o TJUE haver já aplicado algumas das conclusões a que chegou no acórdão Generics, em decisões mais recentes, como a proferida no caso Budapest Bank, em nada relacionado com a indústria farmacêutica.
106. Este posicionamento do TJUE revela a vis aplicativa desta sua jurisprudência, inclusive relativamente a cláusulas de não concorrência constantes de acordos diferentes dos já mencionados acordos “pay-for-delay
ii) A concorrência potencial em mercados distintos à luz do único acórdão do TJUE sobre o tema: o caso Generics
107. À luz da jurisprudência Generics, quando duas entidades ainda não se encontram presentes no mesmo mercado do produto, duas condições se impõem como necessárias, para efeitos da determinação e da conclusão no sentido da existência de concorrência potencial.
108. A primeira é a de saber se o candidato a concorrente potencial tem a firme intenção e capacidade própria para entrar no mercado.
109. A segunda passa pela inexistência de barreiras à entrada de carácter intransponível.
110. No que ao primeiro critério ou factor respeita, a possibilidade de a empresa entrar no mercado e de concorrer com empresas pré-estabelecidas, há de ser real e concreta, assim se afastando o critério da possibilidade meramente hipotética ou da simples intenção.
111. Para este efeito, considera o TJUE necessário, atender à estrutura do mercado e ao respectivo contexto económico e legal.
112. Além do primeiro requisito, a empresa que se pensa poder entrar no mercado terá de ter já adoptado preparativos suficientes e idóneos a uma entrada, num curto espaço de tempo.
113. Num segundo momento, e após verificada aquela possibilidade real, exige-se que o candidato a entrante se não depare com barreiras à entrada de carácter intransponível.
114. E isto porque, existindo tais entraves, tal bastaria para negar a existência de uma situação de concorrência que pudesse ser restringida.
115. Por fim, a conclusão no sentido da firme intenção e da capacidade própria de um determinado operador para entrar num mercado, poderá, depois, ser corroborada por um conjunto de elementos adicionais (suplementares, mas não substitutivos).
116. Na medida em que as signatárias do Plano EDP Continente não desenvolviam a sua actividade no mesmo mercado do produto, à Autoridade e ao Tribunal impunha-se fazer prova, não só i) da efectiva intenção firme e da capacidade própria da MCH (e das demais sociedades abrangidas pela cláusula) para entrar(em), a breve trecho, no mercado da comercialização de energia eléctrica, como ainda, ii) da realização de preparativos de entrada suficientes e idóneos para o efeito.
117. Ao contrário da jurisprudência invocada a propósito de acordos celebrados entre empresas activas no mesmo mercado do produto (para a qual a intenção das partes é elemento dispensável), a jurisprudência mais recente, relativamente a acordos entre empresas activas em mercados de produto distintos, reputa o teste da intenção de condição necessária da prova da existência de concorrência potencial entre as empresas.
118. Contrariamente ao sustentado pelo Tribunal a quo – secundado em jurisprudência sem aplicação ao caso dos autos (cf. págs. 135 e 137) – a intenção das partes é relevante e não pode ser descurada, no exercício de preenchimento do conceito de “concorrência potencial”.
119. De igual modo, e também em contraste com o que se encontra sustentado nos arestos que versaram sobre relações horizontais entre empresas activas no mesmo mercado do produto, nos termos da jurisprudência mais recente, a celebração de um acordo entre empresas no mesmo nível da cadeia de produção não constitui, - ipso facto - indício da existência de concorrência potencial.
iii) Aplicação da jurisprudência Generics ao caso do Acordo (o que o Tribunal deveria ter feito)
120. Aplicada ao caso, a jurisprudência Generics, determina que se proceda a uma distinção de três etapas.
a) A possibilidade real e concreta
121. Assim, em primeiro lugar, importaria ter sido provado que a MCH, ou as sociedades participadas maioritariamente pela Sonae Investimentos, tinha(m) a possibilidade de entrar(em) no mercado e de concorrer(em) com empresas já aí estabelecidas (incluindo a EDP Comercial).
b) A firme intenção e capacidade própria – os preparativos suficientes
122. Em segundo lugar, teria também de ter ficado provado que, ao tempo da celebração do Acordo, a MCH e as restantes sociedades inibidas de comercializar energia eléctrica, nos termos da Cláusula 12.ª, n.º 1, al. a) (participadas maioritariamente pela Sonae Investimentos) -, tinha(m) efectivamente a firme intenção e capacidade própria para entrar(em) no mercado.
123. Para este efeito, importava demonstrar que haviam sido adoptados preparativos suficientes e idóneos a permitir essa entrada, num prazo relativamente curto, para efeitos de gerar uma pressão concorrencial sobre a EDP Comercial.
124. Nem a Decisão de condenação da AdC, nem a sentença se referem, ou provam a existência de tais preparativos, e, portanto, nem sequer se debruçam sobre a sua suficiência ou idoneidade, para efeitos de gerar uma tal pressão concorrencial sobre a EDP Comercial.
125. A celebração de uma parceria como a do Plano EDP Continente não pode ser qualificada como preparativo de entrada idóneo, e, portanto, dele se não pode retirar prova da possibilidade real e concreta de entrada da MCH no mercado da comercialização de energia eléctrica.
126. Não há, por outra parte, prova de qualquer intenção ou preparativo de aquisição de um operador, ou da celebração de uma parceria com um operador já estabelecido no mercado visado, que possa configurar um preparativo de entrada idóneo.
c) Barreiras intransponíveis à entrada
127. Já no respeitante, em terceiro lugar, à inexistência de barreiras intransponíveis à entrada, bastou-se o Tribunal a quo com a singela constatação de que a liberalização do mercado implicara o desaparecimento de eventuais barreiras legais, não cuidou de ponderar, nomeadamente no elenco de factos dados como provados e como não provados, as várias condições económicas de entrada no mercado da comercialização de energia eléctrica.
d) A celebração do Acordo
128. Em quarto lugar, inexistem também, no caso vertente, quaisquer outros elementos passíveis de corroborar uma efectiva e firme intenção de entrada, bem assim a capacidade própria da MCH para o efeito.
129. Tais elementos, sublinhe-se, apenas serviriam para corroborar tal situação fáctica, não servindo, já, para a infirmar uma conclusão quanto à sua inexistência.
130. A tudo isto acresce a não menos importante circunstância de - ao contrário da situação considerada pelo acórdão Generics -, o Acordo aqui em causa não haver sido celebrado entre empresas que operavam (já) no mesmo nível da cadeia de produção.
131. É que, se é verdade que, como se disse já, a EDP Comercial e a MCH não desenvolviam a sua actividade nos mesmos mercados, não menos verdade é que nem sequer a desenvolviam no mesmo nível da cadeia de produção.
132. De onde, em resultado do Acordo de Parceria, e durante a vigência do mesmo, o relacionamento travado entre as partes revestiu natureza vertical e não horizontal.
133. De facto, o Acordo de Parceria configura um contrato de agência, nos termos do qual cada um dos outorgantes promove as vendas da contraparte.
134. Trata-se de um contrato nos termos do qual cada um dos parceiros, não só não disputa os clientes do outro, como, pelo contrário, atrai ou angaria clientes ou transacções, em favor da contraparte.
135. À luz da jurisprudência Generics, a mera celebração do Acordo de Parceria, contendo uma obrigação de não-concorrência, não é de molde a gerar qualquer suspeição a propósito da existência de concorrência potencial entre os contraentes, na medida em que o mesmo não opõe empresas que operam no mesmo nível da cadeia de produção.
136. Ainda que fosse esse o caso, tal circunstância serviria apenas para corroborar a existência de concorrência potencial, que sempre teria de ser aferida à luz de um conjunto de requisitos essenciais.
137. Esses requisitos - a possibilidade real e concreta de entrada no mercado, mediante a firme intenção de o fazer a curto prazo, a par da existência de preparativos idóneos e suficientes para o efeito (e de aí representar um constrangimento concorrencial para os operadores já lá presentes) – inexistem no caso vertente.
iv) O erro na identificação dos fundamentos concretos de concorrência potencial
138. Para dar por verificada a existência de uma relação de concorrência potencial entre as partes, a sentença recorrida partiu de três elementos de facto: i) a parceria com a Endesa, celebrada pela Sonae SGPS, S.A., entre 2002 e 2008; ii) a presença e o compromisso de expansão do Grupo, no mercado a montante da produção de electricidade, e iii) a parceria comercial celebrada com a GALP, operadora estabelecida no mercado da comercialização de electricidade.
139. Segundo o Tribunal a quo, os três elementos e a conclusão que deles retira, a final, no sentido da existência de uma situação de concorrência potencial, haveriam de ser cotejados, por referência às empresas ligadas por laços de interdependência às entidades jurídicas directamente envolvidas no Acordo de Parceria (pág. 164).
v) Análise (objectiva) das possibilidades reais e concretas, da firme intenção, da capacidade própria, dos preparativos suficientes e idóneos para entrar no mercado da comercialização de energia eléctrica
a) Endesa / Sodesa
140. A sentença recorrida considera que o Grupo Sonae adquiriu know-how relevante, em resultado da parceria celebrada pela Sonae SGPS, S.A., com a Endesa, entre 2002 e 2008 (vd. factos provados constantes dos pontos 30, 52, 198-205, 221 f), 222, 290 e 291).
141. É verdade que, em 1 de Maio de 2002, uma sociedade detida pela Sonae Capital (e até 2007, também indirectamente pela Sonae SGPS) constituiu com a Endesa (eléctrica espanhola) uma sociedade comum (Sodesa), na qual cada uma das partes detinha uma participação de 50%, e que tinha por objectivo comercializar energia eléctrica e serviços no mercado liberalizado português.
142. A participação da Sonae Capital na Sodesa durou entre 2002 e 2008, data em que a Sodesa cessou a sua actividade, tendo sido dissolvida em 21 de Julho do mesmo ano.
143. Nessa sequência, os funcionários da Sodesa cessaram os respectivos grupos de trabalho, nenhum deles havendo ingressado no grupo Sonae Capital.
144. De igual modo ficou provado que, em Janeiro de 2009, a Endesa reentrou sozinha no mercado da comercialização de energia eléctrica, onde se manteve, pelo menos, até Dezembro de 2014.
145. Não ficou, além do mais, demonstrado que a MCH, a Sonae Investimentos ou qualquer outra sociedade maioritariamente detida por esta, tenha(m) alguma vez tido i) qualquer participação social na Sodesa, ii) qualquer acção com direito a voto nesta, iii) a possibilidade de designar qualquer dos seus administradores; iv) o poder de gerir os negócios da Sodesa, ou, sequer, iv) que entre aquelas e a Sodesa se tivessem estabelecido quaisquer outros laços de interdependência (tal como os previstos pelo n.º 2 do artigo 3.º da LdC).
146. À luz do exposto, não podem a Sodesa, a MCH e a Sonae Investimentos ser consideradas pelo regime português da concorrência, como constituindo uma “única empresa”.
147. A este ponto, cumpre acrescer um outro, e que passa pela distinção entre duas realidades distintas: o conglomerado societário, identificado na sentença como “Grupo Sonae”, por um lado, e a MCH e as sociedades maioritariamente participadas pela Sonae Investimentos, por outro.
148. Assim, o know-how eventualmente adquirido pela Sodesa (restrito à “gestão comercial de clientes” industriais) não foi transmitido, nem à Sonae Investimentos, nem à MCH.
149. E isto porque a totalidade dos trabalhadores da primeira cessaram os seus contratos de trabalho em 2008, não tendo ingressado, nem na sua ex-sociedade mãe - Sonae Capital -, nem em nenhuma das sociedades por esta controladas.
150. Pelo menos desde o fim do primeiro semestre de 2008, e até à data da celebração do Acordo, nem a MCH, nem a Sonae Investimentos nem qualquer outra sociedade controlada maioritariamente pela Efanor (do “Grupo Sonae”) desenvolveu qualquer actividade de comercialização de electricidade, em Portugal ou no exterior.
151.A única entidade eventualmente beneficiária de um qualquer know-how relevante – a Sonae Capital – não se encontrava abrangida pela cláusula 12.ª, n.º 1, al. a) do Acordo, estando livre, durante e independentemente da vigência do Acordo, de celebrar as parcerias que bem entendesse, com o objectivo de comercializar energia eléctrica.
152. A Sonae Capital poderia fazê-lo livremente, dado que não é nem nunca foi participada, directa ou indirectamente, nem pela Sonae Investimentos, nem pela MCH, nem por qualquer outra sociedade detida (maioritariamente ou não) por qualquer delas.
153. Além do mais, a cláusula “proibitiva” em causa apenas abrange sociedades participadas maioritariamente pela Sonae Investimentos, o que implica uma participação superior a 50% do capital.
154. Da participação na Sodesa, não resulta qualquer contributo para a entrada da MCH ou das sociedades maioritariamente participadas pela Sonae Investimentos no mercado da comercialização da energia eléctrica.
155. Não há, de igual modo, qualquer possibilidade real e concreta, nem daqui se pode retirar uma firme intenção e capacidade própria de a MCH ou de qualquer uma das sociedades abrangidas pelo acordo passar(em) a comercializar energia eléctrica em Portugal.
156. Não se retiram daí preparativos suficientes e idóneos para que a MCH ou qualquer das sociedades maioritariamente participadas pela Sonae Investimentos, entrassem nesse mercado, num prazo curto, com isso representando uma pressão concorrencial ou um qualquer constrangimento competitivo para a EDP Comercial, enquanto operador já instalado.
b) Produção de energia eléctrica
157. Segundo a sentença recorrida, o facto de as sociedades do Grupo Sonae, vinculadas pela Cláusula 12.ª, n.º 1, al. a) do Acordo de Parceria, beneficiarem, também, da presença e do compromisso de expansão do Grupo, através das suas participadas Sonae Capital, Sonae Indústria, Sonae Sierra e de algumas sociedades participadas pela Sonae Investimentos, no mercado a montante da produção de electricidade, militaria no sentido de uma conclusão a favor da existência de concorrência potencial entre a MCH e a EDP Comercial, no mercado da comercialização de energia eléctrica (vd. factos provados constantes dos pontos 31, 52, 85, 206 a 208, 213 a 217, 292 a 295, e págs. 133 e 135).
158. Nada de mais errado.
159. O momento relevante para a aferição da existência de concorrência potencial é a data da celebração do Acordo.
160. Sobre este ponto do “compromisso do Grupo”, e em momento anterior a Janeiro de 2012, a única prova referida na sentença é uma publicação, no site da Sonae Turismo – uma das três sub-holdings da Sonae Capital – referente a uma aquisição pela Sonae Capital, em Setembro de 2009, de uma central de co-geração situada na Maia.
161. Todos os demais indícios, eventualmente conexos com a actividade de produção de energia eléctrica, ou se reportam à data da sentença, ou à da Decisão da AdC, proferida em Maio de 2017.
162. No que respeita, por sua vez, à MCH e a outras sociedades participadas maioritariamente pela Sonae Investimentos, são anteriores à vigência do Acordo os factos relativos à produção de energia fotovoltaica através de instalações de micro e minigeração em painéis solares na cobertura dos estabelecimentos de retalho explorados por aquelas sociedades.
163. A partir de 2011, certas unidades de produção em causa passaram a ser propriedade da EDP Serviços, sendo por esta operadas, por um prazo fixado contratualmente em 15 anos, na modalidade de energy manager.
164. Nesta modalidade, a EDP Serviços instala as unidades de produção e respectivas infra-estruturas de ligação à rede eléctrica de serviço público na cobertura dos imóveis; sendo proprietária das unidades de produção, as quais opera por um prazo fixado contratualmente em 15 anos.
165. A energia produzida nas unidades de produção é vendida pela EDP Serviços à rede eléctrica de serviço público, pagando a EDP à proprietária dos imóveis uma remuneração pela sua utilização, em função das receitas provenientes da energia produzida.
166. No termo dos contratos, a propriedade das unidades instaladas transfere-se para a sociedade em causa pertencente ao chamado Grupo Sonae.
167. A actividade de produção de energia eléctrica levada a cabo pela empresa do grupo Sonae Capital acima referida (‘Ecociclo Energia II’) e pelas participadas da Sonae Investimentos integra-se na produção em regime especial (PRE), nos termos da qual a energia produzida é vendida a uma entidade denominada Comercializador de Último Recurso (CUR), ao abrigo de uma tarifa administrativa fixada no respectivo regime específico.
168. Não há qualquer incentivo a trocar uma tarifa regulada que remunera a energia eléctrica comprada pelo CUR, por outra a preço de mercado.
169. Na medida em que apenas estas empresas se encontram presentes no mercado da produção em regime PRE, não se concebe em que medida a presença no mercado a montante, da produção, possa revelar i) capacidade real e concreta para uma entrada no mercado da comercialização e/ou (ii) uma firme intenção e capacidade própria para uma tal entrada e a curto prazo neste último mercado.
170. As diferentes actividades integrantes da cadeia de valor no sector da energia eléctrica correspondem a diferentes mercados do produto e não comportam, entre si, qualquer relação de substituibilidade.
171. O facto de uma sociedade dispor de activos de produção de electricidade não indicia uma qualquer aptidão ou posição privilegiada para a entrada no mercado da comercialização.
172. A prática decisória da AdC, em sede de controlo de operações de concentração, confirma isso mesmo.
173. No caso vertente, todos os activos de produção referidos (a central de Co-geração da Maia e as instalações de micro e minigeração nas coberturas dos supermercados não exploradas pela EDP Serviços) estão sujeitos ao regime especial.
174. Não há, do ponto de vista jurídico, técnico e económico, qualquer relação entre a actividade de produção em regime de PRE e a actividade de comercialização, verificando-se, aliás, que as relações entre os players, num e noutro mercado, são mediadas por outros intervenientes na cadeia de valor, existindo, entre ambos, os mercados do transporte e da distribuição.
175. A fixação administrativa de preços para a compra, por um comprador único, tornam irrelevante qualquer alternativa de mercado, para os produtores em regime especial.
176. Na ausência de quaisquer elementos capazes de sustentar a existência de eficiências de escala ou de gama para uma entrada no mercado da comercialização, em virtude de uma presença prévia na produção, a conclusão no sentido de que as subscritoras do acordo beneficiavam da presença e do compromisso de expansão do Grupo (mesmo que através das suas participadas Sonae Capital, Sonae Indústria, Sonae Sierra e algumas sociedades participadas pela Sonae Investimentos), no mercado a montante da produção de electricidade, é errada!
177. O relacionamento estabelecido entre um produtor em regime de PRE e o seu cliente único (o CUR) reveste especificidades próprias.
178. Por outro lado, o desenvolvimento de projectos de mini-geração fotovoltaica pelas participadas da Sonae Investimentos corresponde à rentabilização de um activo existente – as coberturas dos estabelecimentos comerciais -, visando a redução da factura energética, e devendo ser analisada, sob o prisma da poupança, e não já do da obtenção lucro.
179. A opção, em 2011, por um modelo de energy manager, nos termos do qual a MCH (e as demais participadas da Sonae Investimentos) se limita(m) a receber uma renda pela utilização dos imóveis, abstendo-se de qualquer envolvimento ou participação na actividade de operação e de exploração dos activos, enfraquece, também, uma qualquer conclusão, no sentido de um propósito firme de entrada no mercado da comercialização, ou de um preparativo suficiente e idóneo para o fazer a curto prazo.
180. Não resulta da sentença um único elemento factual ou probatório, do qual se possa retirar que, atento o movimento de liberalização do mercado, a MCH (ou, quando muito, qualquer outra empresa maioritariamente participada pela Sonae Investimentos) tivesse(m) obtido ou solicitado o estatuto legal de comercializador.
181. De igual modo se não vislumbra um qualquer elemento factual ou probatório do qual se possa retirar uma qualquer intenção de o requerer ou de já haver diligenciado nesse sentido.
182. Não se encontra, por outra parte, qualquer ponto de suporte, no sentido de, no início de 2012, a MCH dispor de um qualquer plano, projecto, estudo em marcha para o desenvolvimento interno de competências na área da comercialização de energia ou de um qualquer projecto para a aquisição de uma empresa com essas competências.
183. Alusões à presença de participadas da Sonae Investimentos no mercado da produção de energia eléctrica através das instalações de minigeração e microgeração não consubstanciam um subsídio útil, nem correspondem a putativos preparativos para uma entrada na actividade da comercialização.
184. Não há integração vertical entre os mercados da produção e da comercialização.
185. Da presença na actividade da produção em regime especial não advêm vantagens ou eficiências para uma subsequente entrada na actividade da comercialização.
186. Nunca estiveram abrangidas pela Cláusula 12.ª, n.º 1, al. a). as outras entidades referidas na sentença como tendo actividade na produção de energia eléctrica (Ecociclo II, Spred, Sonae Capital, Sonae Indústria e Sonae Sierra) ou como tendo assumido publicamente a intenção de a desenvolver
187. Em momento algum, a MCH se vinculou perante a EDP Comercial, no sentido de aquelas outras sociedades não desenvolverem actividades de comercialização de energia eléctrica.
188. E o argumento da entrada, por via da aquisição de um operador pré-existente, também não colhe.
189. Encerra um absurdo sustentar que quem instala painéis fotovoltaicos no telhado da sua habitação, escritório ou estabelecimento, se torna, por isso, ipso facto, concorrente potencial no mercado português da comercialização de energia eléctrica.
c) Parceria Vice-Versa com a GALP
190. Como terceiro subsídio no sentido da existência de uma relação de concorrência potencial entre as contraentes, socorre-se a sentença recorrida de uma Parceria que, desde 2004, a MCH tem com a Petróleos de Portugal – Petrogal, S.A. (GALP) (vd. pontos 29, 296 e 297 da sentença).
191. Nos termos dessa parceria, os clientes comuns das empresas obtêm descontos, nas suas compras de combustível e de bens de consumo, adquiridos nos supermercados, sob a forma de vale ou de cupão (Programa Vice-Versa).
192. A substituição dos vales ou cupões por desconto em “cartão”, bem assim a criação de um Plano tarifário específico para a GALP (em 2015) são factos posteriores à celebração do Acordo, não podendo ser considerados, para efeitos do apuramento da existência de concorrência potencial, à data.
193. A parceria do Programa Vice-Versa era referente a compras de combustíveis líquidos em postos de abastecimento GALP.
194. Desta parceria não se podem retirar quaisquer possibilidades reais e concretas de a MCH (e as sociedades participadas maioritariamente pela Sonae Investimentos) passar(em) a comercializar energia eléctrica.
195. Não é, de igual modo, possível conceber como, ao lançar o programa Vice-Versa, mais de sete anos antes do Acordo, a MCH estivesse já a preparar seriamente a sua entrada no mercado da comercialização de energia eléctrica.
196. A proibição vertida na cláusula 12.ª, n.º 1, al. a) apenas abrange o desenvolvimento da actividade de comercialização de energia eléctrica, através de “sociedade participada maioritariamente pela Sonae Investimentos, SGPS, SA”.
197. A cláusula 12.ª, n.º 1, al. a), apenas impedia a MCH (e as sociedades participadas maioritariamente pela Sonae Investimentos) de constituir uma empresa-comum com o grupo GALP, na hipótese de este último deter nessa empresa uma participação minoritária.
198. Pelo contrário, pretendendo uma sociedade participada maioritariamente pela Sonae Investimentos constituir uma sociedade com a GALP, na qual cada entidade detivesse uma participação igualitária de 50%, nada no Acordo de Parceria o impediria.
199. Acresce que essa empresa-comum sempre teria de comercializar energia eléctrica (isto é, comprar e vender electricidade a clientes finais), não podendo limitar-se a promover a celebração de contratos pela GALP através de acordo que tivesse “por objecto ou efeito a concessão de descontos ou outras vantagens patrimoniais relacionadas com energia eléctrica (…), quaisquer que sejam os seus termos”.
200. Esta segunda limitação consta apenas da alínea b) e não da alínea a) da aludida cláusula 12.º, n.º 1, (vd. facto provado 15) e a sentença não inclui aquela alínea no seu juízo de ilicitude.
201. Só por absurdo se poderia considerar que a MCH e as sociedades participadas maioritariamente pela Sonae Investimentos se tornariam, por via da parceria Vice-Versa, concorrentes potenciais em todos os outros mercados em que o Grupo GALP exerce actividades, como por exemplo a prospecção de petróleo em plataformas off-shore, a refinação de petróleo, a produção de “aromáticos”, entre outros…
202. Não existem quaisquer elementos de facto que permitam, numa leitura não enviesada, concluir pela existência, à data da celebração do Acordo, de qualquer esboço de concorrência potencial.
203. A esta conclusão chegaria facilmente o Tribunal a quo, caso tivesse atentado na jurisprudência, por si citada, e no concreto âmbito de aplicação da cláusula controvertida.
204. Subsidiariamente, a tese do Tribunal a quo, sempre soçobraria pelos motivos que de seguida, e a título subsidiário, se descreverão.
vi) Entidades em relação às quais se deveria verificar aqueles requisitos (âmbito subjectivo da análise)
205. Na aferição da existência de uma relação de concorrência potencial entre a MCH e a EDP Comercial, a sentença baseou-se em factos relativos à Sonae SGPS (sociedade não visada pela Decisão, não condenada pela sentença e não participada pela Sonae Investimentos), bem assim, em circunstâncias atinentes às sociedades Sonae Capital, Sonae Indústria e Sonae Sierra.
206. Ao fazê-lo, o Tribunal a quo fundou-se numa interpretação e aplicação erradas da cláusula 12ª, n.º 1, a) do Acordo de Parceria e do artigo 3.º, nº 1 e 2 da LdC.
207. A sentença concluiu, sem arrimo legal, no sentido da ilicitude do comportamento da MCH e sancionou-o, imputando a esta, know-how, conhecimento, comportamentos económicos e intenções ou “compromissos” próprios e exclusivos de outras pessoas jurídicas.
208. Em particular, a sentença recorrida considerou que a MCH e essas outras entidades constituem uma mesma empresa, para efeitos do artigo 9.º, n.º 1, da Lei da Concorrência, porquanto pertencem a um mesmo grupo económico, “conglomerado societário” ou “universo empresarial”.
a) Âmbito subjectivo de aplicação da Cláusula 12.ª, n.º 1 al. a): vinculação própria e obrigação de facto de terceiro
209. A MCH foi a entidade que assinou o acordo e a única que, como tal, juridicamente se vinculou à obrigação de não competir na comercialização de energia eléctrica, obrigação essa que ficou formulada nos seguintes moldes: “Durante a vigência do presente Acordo, e pelo prazo de 1 ano após o seu termo, a Modelo Continente obriga-se a: não desenvolver, diretamente ou através de sociedade participada maioritariamente pela Sonae Investimentos SGPS, S.A. a atividade de comercialização de energia elétrica (…) em Portugal continental”.
210 O princípio da eficácia meramente relativa dos contratos vigente no direito português não consente a criação de obrigações para terceiros.
211. Não existe qualquer fundamento de Direito Civil e/ou Comercial português, nem sequer de Direito da Concorrência nacional ou europeu, que permita sustentar que a assinatura do acordo pela MCH significou ou implicou a vinculação de outras pessoas ou entidades jurídicas.
212. A obrigação assumida relativamente às sociedades participadas maioritariamente pela Sonae Investimentos é uma obrigação (própria) da MCH, a saber, a obrigação de fazer com que aquelas se abstivessem de exercer alguma actividade económica.
213. Trata-se de uma obrigação de prestação de facto de terceiro, que vincula o próprio devedor, mas não o terceiro, conforme igualmente reconhecido pela Doutrina e jurisprudência nacionais.
b) Âmbito subjectivo concreto de aplicação das obrigações de facto negativo de terceiro
214. A obrigação de abstenção assumida pela MCH abrangia a própria MCH enquanto signatária do Acordo e ainda (embora sem vincular) as sociedades participadas maioritariamente pela Sonae Investimentos, porquanto a MCH “garantiu” à EDP Comercial que estas respeitariam a obrigação de abstenção em causa.
215. Pelo contrário, esta obrigação contratual assumida pela MCH não abrangia as restantes sociedades do “grupo económico” ou “universo empresarial” que constituem o “Grupo Sonae” e que não eram, à data do Acordo (ou na sua vigência) participadas maioritariamente pela Sone Investimentos.
216. Não é possível interpretar esta cláusula como tendo sido assumida “no contexto do Grupo Sonae”, na medida em que a própria letra da cláusula é inequívoca a este propósito e não o abrange.
217. Os aspectos factuais em que a sentença se baseia para provar a existência de concorrência potencial entre as contraentes prendem-se, na sua vasta maioria, com factos próprios das sociedades Sonae SGPS, Sonae Indústria, Sonae Sierra e Sonae Capital e das participadas destas (e que ascendiam a várias centenas de sociedades) - nenhumas das quais maioritariamente detida, de forma directa ou indirecta pela Sonae Investimentos SGPS e portanto, nenhuma das quais abrangida pela cláusula 12ª, n.º 1 a), nem a ela obrigada.
218. Não há fundamento legal para se imputar à MCH, como faz a sentença recorrida, comportamentos, conhecimentos, intenções, etc. de sociedades que não estavam abrangidas pela obrigação de abstenção da cláusula 12ª, n.º 1, a) e que podiam, sem qualquer restrição, concorrer com a EDP Comercial em qualquer mercado, em particular, no mercado da comercialização de energia eléctrica.
219. A identificação incorrecta das sociedades vinculadas ou abrangidas pela obrigação de abstenção contamina a aplicação do artigo 9.º da LdC, porquanto conduz a um alargamento infundado do leque de sociedades relativamente às quais há que aferir a existência de concorrência potencial.
c) As regras de direito da concorrência – o artigo 3.º, n.º 2 da Lei da Concorrência e o conceito de empresa
220. A sentença qualifica erradamente a MCH e a EDP Comercial como concorrentes potenciais.
221. No entendimento aí vertido, o Acordo de Parceria vincularia (ou obrigaria), não apenas as contraentes, mas os dois grupos societários respectivos.
222. Segundo o Tribunal a quo, ao celebrarem o acordo, as partes actuaram no “contexto dos grupos”, com isto procurando fazer equivaler o conceito de empresa no Direito da Concorrência, a uma excepção ao princípio da eficácia relativa dos contratos.
223. Essa equivalência é inaceitável, e não é esse o escopo do conceito de empresa.
224. No nosso Ordenamento Jurídico, só podem ser titulares de direitos e obrigações entidades dotadas de personalidade jurídica, daí que um ilícito só possa ser cometido por uma pessoa, singular ou colectiva.
225. Um “grupo económico” não goza de personalidade jurídica e não pode, portanto, ser destinatário de um juízo de ilicitude, assim como não pode, de igual modo, ser “parte” num contrato.
226. Comportamentos, conhecimentos ou intenções (se relevantes para a verificação da referida ilicitude, e para a subsunção ao tipo da norma violada) não podem ser “transferidos”, “alargados” e imputados a pessoas jurídicas distintas daquelas que os encetaram, pelo simples facto de ambas integrarem um mesmo “grupo económico” ou um mesmo “conglomerado societário”.
227. Ao fazer coincidir, erradamente, o conceito de empresa com o de grupo económico ou conglomerado societário para efeitos sancionatórios, a sentença emprega uma acepção excessivamente ampla de empresa, que não só nunca foi aceite, nem a nível nacional, nem a nível europeu, como se afasta, inclusive, da ratio subjacente aos termos em que esse conceito vem sendo preenchido pelo TJUE.
228. A noção do direito nacional de “grupo de sociedades” tem um significado próprio e estrito, constante do Código das Sociedades Comerciais, conceito que a Lei da Concorrência não consagrou.
229. O conceito europeu de empresa é um conceito funcional, intimamente ligado à teoria económica, que implica que a questão de saber se duas entidades jurídicas distintas devem ou não ser consideradas como integrando mesma unidade económica deva necessariamente ser aferida numa base casuística, e dependente das consequências jurídicas que se pretendam extrair.
230. Assim, visa aquele conceito, por um lado, excluir do escrutínio jusconcorrencial acordos celebrados entre entidades integrantes da mesma empresa.
231. E, por outro lado, imputar à sociedade-mãe os comportamentos anticoncorrenciais da sociedade subsidiária, neste caso, desde que verificados dois requisitos: (i) a sociedade mãe gozar da possibilidade de exercer influência decisiva sobre a subsidiária-infractora, e (ii) esta influência ter sido efectivamente exercida sobre a infractora durante o período da infracção.
232. Os critérios utilizados para aferir se duas pessoas colectivas formam uma única entidade são necessariamente mais exigentes para efeitos da imputação de um comportamento ilícito, do que para a subtracção ao controlo jusconcorrencial dos acordos intra-grupo.
233. Isto é assim, na medida em que, no primeiro caso, nos encontramos perante uma excepção aos princípios jurídicos mais basilares dos Ordenamentos Jurídicos nacionais europeus, tendo isto mesmo determinado uma construção e densificação, em moldes muito estritos, pela judicatura da União Europeia.
234. O conceito de empresa, sedimentado no artigo 3.º n.º 2 da LdC, pressupõe a existência de controlo, e, portanto, de uma hierarquia vertical descendente, nos termos da qual a sociedade-mãe controla a sua subsidiária, não podendo esta, porém, controlar aquela.
235. A relação de interdependência referida no artigo 3.º, n.º 2, da LdC só pode ser interpretada nos seguintes termos: A e B encontram-se unidos por laços de interdependência, se e quando A dispuser, relativamente a B, de qualquer um dos direitos e poderes referidos nas alíneas a) a d) aí vertidas.
236. É a existência de uma situação de controlo, que é exercido pela sociedade que se situa num patamar superior da estrutura do grupo que possibilita que entidades distintas sob o seu controlo sejam consideradas partes integrantes da mesma empresa.
237. Nunca o TJUE aceitou uma qualquer ampliação do conceito de empresa para lá destes termos, e, portanto, nunca se assistiu a uma imputação a uma sociedade-filha da  responsabilidade por uma infração cometida pela respectiva sociedade-mãe, nem em momento algum, se consentiu na responsabilização de uma empresa, pelos comportamentos da sua “irmã” (isto é, de uma filha da mesma mãe).
238. Isto mesmo ficou expressa, no acórdão C-196/99 P, Siderúrgica Aristrain Madrid, no qual estabeleceu que “O Tribunal de Primeira Instância declarou erradamente, no acórdão recorrido, que era possível imputar a uma sociedade o conjunto dos comportamentos de um grupo mesmo que essa sociedade não estivesse identificada como a pessoa colectiva que, como líder do grupo, era responsável pela coordenação da acção deste”.
239. Nem a Sonae SGPS nem a Efanor Investimentos foram acusadas neste processo.
240. Estas entidades nunca se poderiam, portanto, defender-se, a propósito de uma imputação, nos termos da qual, cada uma delas, em conjunto com as suas subsidiárias, constituiria uma “empresa”, para os efeitos do artigo 9.º da LdC.
241. Tal é profusamente explicado no Parecer da Prof. Doutora Sofia Oliveira Pais, da Universidade de Coimbra, junto ao processo pela EDP Comercial, a páginas 33 a 48, com inúmeras referências à Doutrina portuguesa e estrangeira mais qualificada, toda ela coincidente neste ponto.
242. A identificação da totalidade do grupo ou conglomerado societário com uma só “empresa” importa e implica uma desconsideração da personalidade jurídica de múltiplas sociedades.
243. A desconsideração da personalidade jurídica é uma válvula de segurança, que apenas pode ser accionada em situações de ultima ratio.
244. A sua utilização no caso vertente encontra-se desprovida de qualquer fundamento, dado que, com isso, se ultrapassariam as finalidades para que desenvolvida pelo TJUE e que assentam numa evidência simples: se a sociedade-mãe colhe os benefícios da actividade da sociedade-filha é justo que responda pelas consequências prejudiciais da conduta daquela.
245. Assim, ao responsabilizar a sociedade que exerce o controlo pelos comportamentos da sociedade controlada, estende-se o juízo de censura ético-jurídico a quem poderia ou deveria ter exercido o controlo de que dispunha, de modo a evitar a infracção cometida pela sociedade filha.
246. Não é esta a situação dos autos. E, portanto, falhando o telos, haverá que falhar a subsunção.
247. Nada no direito europeu, nem, sequer, no Direito Nacional, permite convocar o comportamento ou as características de sociedades comerciais “terceiras” e com personalidade jurídica própria, para o exercício da verificação dos pressupostos de uma determinada conduta anticoncorrencial, encetada por uma entidade jurídica distinta.
248. Não existem condutas anticoncorrenciais “no contexto do grupo a que pertence” e fora dele.
249. Alargar a responsabilidade além da personalidade representaria um desrespeito pelo princípio do nullum crimen, nulla poena sine lege.
250. À mesma conclusão chega a Professora Sofia Oliveira Pais para quem: “é, no mínimo duvidosa a identificação do grupo Sonae como uma entidade económica autónoma no que à determinação das empresas afectadas pela cláusula 12, n.º 1, alínea a) diz respeito. (…) Será difícil afirmar-se a existência de uma unidade económica naquele contexto específico. (…) o “grupo Sonae enquanto unidade económica não parece ser, à luz da jurisprudência europeia afectado pela cláusula controvertida”.
251. Em conclusão, não ficou demonstrado na sentença que a MCH (ou mesmo o conjunto das sociedades maioritariamente participadas pela Sonae Investimentos) tenha tido a efectiva intenção firme e capacidade própria para entrar no mercado da comercialização de electricidade.
252. Não só inexistiam as possibilidades reais e concretas, como falhavam, ainda, os preparativos prévios suficientes e idóneos para o fazer a curto prazo.
253. A cláusula 12.ª, n.º 1 al. a) não é ilícita, na medida em que, entre as suas signatárias, inexistia qualquer concorrência – actual ou potencial – que pudesse ser restringida.
254. Foi a esta conclusão que chegou a Prof. Sofia Oliveira Pais, em Outubro de 2017, e a mesma que reiterou mais recentemente à luz do acórdão Generics, em Adenda datada de 6 de Março de 2020: “Não tendo o TCRS conseguido demonstrar, nos termos exigidos pela jurisprudência Lundbeck e Generics, que as empresas do grupo Sonae dispunham de possibilidade e capacidade reais e concretas de entrarem no mercado relevante, não ficou provada a existência de uma relação de concorrência potencial com a EDP comercial, tendo o Tribunal incorrido num erro de direito.
II. O acordo restritivo por objecto
(A) Introdução
255. Ainda que as partes fossem consideradas concorrentes potenciais no mercado da comercialização de energia eléctrica, o acordo entre elas não poderia ser qualificado como uma restrição da concorrência por objecto, porquanto os critérios de que depende essa verificação não estão preenchidos no caso.
256. Em face desta conclusão, caso se considerasse que o acordo era restritivo da concorrência, o mesmo sê-lo-ia apenas na medida em que surtisse efeitos restritivos na e da concorrência, o que sempre caberia à AdC e, posteriormente, ao Tribunal a quo demonstrar, o que não sucedeu.
(B) Enquadramento teórico do conceito de ilicitude por objecto
257. O Tribunal a quo conclui pela existência de um acordo restritivo por objecto com base numa leitura e aplicação erradas das Orientações da Comissão Europeia na matéria e do âmbito do acordo em causa.
258. O Tribunal a quo não podia ter qualificado a cláusula como um acordo horizontal (entre concorrentes) restritivo da concorrência por objecto, e consistente numa repartição de mercados, sem antes verificar a efectiva existência de uma relação de concorrência, ainda que potencial entre as empresas envolvidas.
259. A cláusula 12.ª do acordo não pode ser analisada isoladamente nem dissociada do seu contexto jurídico, e que, in casu, corresponde ao Acordo de Parceria em que se insere, no seio do qual a sua redacção evoluiu e se cristalizou, e para cuja sorte não é indiferente a negociação da própria solução comercial da Parceria, como resulta dos factos provados a n. os 43 a 46, 49 a 50 e 283 a 284.
260. A cláusula 12ª integra e compreende-se no âmbito de uma cooperação mais vasta entre as partes, materializada no Acordo de Parceria.
261. Essa cooperação mais vasta tem de ser analisada, para que se possa avaliar se estamos ou não perante uma restrição da concorrência por objecto.
262. Ainda que se assumisse que o acordo foi celebrado entre dois concorrentes potenciais, os termos da colaboração instituída não revestem qualquer cariz de “horizontalidade”, porquanto o âmbito do acordo e as obrigações assumidas por cada uma das partes nesse contexto vão dirigidas ao incremento da clientela da respectiva contraparte, à promoção do negócio da outra parte, ou seja, ainda, porque as partes se não situam, para efeitos do acordo, no mesmo nível da cadeia de valor.
263. Resulta da jurisprudência mais recente sobre restrições da concorrência por objecto –iniciada com o acórdão Cartes Bancaires e subsequentemente confirmada nos acórdãos Generics e Budapest Bank – que o conceito de restrição da concorrência «por objectivo» deve ser interpretado de forma restritiva, e portanto, aplicado apenas aos tipos de coordenação entre empresas que revelem um grau suficiente de nocividade relativamente à concorrência, para que se possa considerar que não é necessário examinar os seus efeitos, o que não é o caso do Acordo de Parceria e da sua cláusula 12ª.
264. A mesma jurisprudência concretiza os termos em que se deve proceder à análise das restrições por objecto, consagrando um standard de prova mais exigente para os acordos entre concorrentes potenciais.
265. A sentença recorrida não logrou alcançar esse standard, na medida em que i) se limitou a alicerçar a sua conclusão de uma restrição por objecto na mera observação da redacção (teor literal) do Acordo; ii) desconsiderou a análise do Acordo de Parceria como um todo, bem como o âmbito (vasto) de cooperação entre as partes propiciado pelo mesmo; iii) não teve em conta o cenário alternativo à celebração do Acordo de Parceria (o denominado “contrafactual”) e iv) não teve em conta os efeitos positivos do Acordo, efeitos esses que a própria sentença deu como provados.
266. Ao proceder como procedeu, o TCRS errou na aplicação do artigo 9.º da LdC, nomeadamente, na subsunção do mesmo ao conceito de acordo restritivo da concorrência por objecto.
(C) Teor e objectivo do acordo
267. A sentença reconheceu o carácter inovador do acordo em questão (facto provado n.º 270) e o seu propósito subjacente, de aumento da clientela e do volume de negócios, por esta proporcionados à contraparte, nos respectivos mercados.
268. Esse objectivo, que é lícito, não poderia deixar de ser tido em conta na análise do Acordo como um todo.
269. A sentença incorreu em erro quando recusou a qualificação do Acordo de Parceria como um contrato de agência, aspecto que seria relevante para a apreciação e conclusão no sentido da licitude da obrigação de não concorrência censurada.
270. A sentença incorreu em erro de direito ao recusar que o risco comercial da Parceria e a salvaguarda dos investimentos realizados pelas partes (pág. 167 da sentença) possam servir para contextualizar e justificar a inclusão de uma obrigação de não concorrência no contrato.
271. A limitação na liberdade de actuação da contraparte introduzida pela cláusula 12.ª, n.º 1, al. a) e 12.ª, n.º 2, al. a) não permite daí retirar – como faz o Tribunal a quo – uma conclusão imediata quanto ao objectivo restritivo da concorrência no mercado inerente a tal cláusula.
272. O que antecede é corroborado pelo facto de as regras de Direito da Concorrência admitirem – e, em certos casos presumirem como legais – certas cláusulas de não concorrência apostas em acordos que constituem operações de concentração, em acordos horizontais e em acordos verticais, nomeadamente, quando tais cláusulas se afigurem essenciais, seja para proteger as partes de um risco associado ao acordo em questão, seja para alinhar os incentivos de ambas quanto à produção de um determinado resultado, entre outras motivações perfeitamente legítimas.
273. Além do mais, falhando os requisitos da presunção de legalidade de que beneficiam as referidas cláusulas, as mesmas serão objecto de uma análise, nos termos gerais, não estando, a priori sujeitas a qualquer juízo de ilegalidade ou à subsunção a um objectivo restritivo.
274. A circunstância de a cláusula 12.1. a) e 12.2 a) não estar redigida em moldes que replicam, estritamente, o âmbito material, subjectivo e temporal do Acordo não é suficiente, como pretende o Tribunal a quo, para fundar um juízo de ilicitude por objecto.
275. Desde logo, porque a colaboração instituída entre as partes excede o recorte específico do Plano EDP Continente a que a sentença sistematicamente pretende reduzir essa colaboração.
276. Essa circunstância resulta dos factos dados como provados, atinentes à ambição do objectivo alcançado pelo Acordo (facto provado n.º 270), ao trabalho conjunto realizado pelas empresas com vista ao seu lançamento e promoção (factos provados n.º 271, 272, 285, a 287) e à operacionalização do Acordo, face aos clientes e do ponto de vista interno (factos provados n.º 273, 274 e 288).
277. A sentença incorre em erro de direito ao valorar negativamente a inclusão dos mercados do gás natural na alínea a) da cláusula 12.1 e do retalho de bens alimentares na alínea a) da cláusula 12.2, na medida em que, não tendo o Tribunal a quo, na sentença, (nem antes dele, a AdC, na decisão administrativa impugnada) identificado qualquer relação de concorrência – nem sequer potencial – entre as partes em tais mercados, não haveria fundamento para um juízo de ilicitude a esse propósito.
278. A alusão, na cláusula 12.1 a), às sociedades participadas maioritariamente pela Sonae Investimentos, SGPS, SA,  também não pode ser considerada demonstrativa de um qualquer objectivo restritivo da cláusula, na medida em quem como ficou provado, os estabelecimentos comerciais daquelas suas participadas estavam abrangidos pelo objecto do Acordo, enquanto entidades cujas vendas se pretendiam incrementar (facto provado n.º 2) e onde os vales de descontos podiam ser activados e creditados (factos provados n.º 8, 9 e 11).
279. A sentença desconsiderou, erradamente, a relevância da informação disponibilizada à MCH enquanto entidade gestora do Cartão Continente no âmbito da implementação da Parceria, contrariando os próprios factos por si relevados quanto aos fluxos de informação (facto provado n.º 129), bem assim, e em particular, i) quanto à possibilidade de a MCH inferir os consumos de electricidade dos seus clientes aderentes ao Plano EDP Continente (pág. 166 da sentença), ii) de realizar deduções sobre o perfil de consumo dos seus clientes (pág. 112 da sentença) e iii) de adicionar a essa informação e análises os dados mensais de consumos de electricidade dos clientes do Cartão Continente, aderentes ao Plano EDP Continente, a que a MCH passou a ter acesso em resultado e por força do aludido Plano (pág. 166 da sentença).
280. Os factos provados e os relevados na sentença quanto à informação trocada e sua utilização pela MCH não poderiam deixar de ser tidos em conta na apreciação jurídica da cláusula (mormente, para afastar o seu objectivo ilícito), na medida em que se trata de informação valiosa para a MCH que a EDP Comercial, por seu turno, pela sua sensibilidade teria interesse em proteger.
281. A sentença incorreu em erro de direito ao considerar que a existência no contrato de cláusulas relativas à protecção de confidencialidade (cl. 16.ª) e de protecção de propriedade intelectual (cl. 11.ª) tornavam a obrigação de não concorrência supérflua e, como tal, motivada apenas por um propósito de restrição da concorrência pelo mérito.
282. Tal é, aliás, contrariado pelas regras da experiência comum que demonstram que este tipo de cláusulas é frequentemente utilizado em negócios habituais no comércio jurídico, como sejam contratos de compra e venda de empresa.
283. O tipo de utilização – ou de violação da protecção concedida – que umas e outras pretendem assegurar é distinto e, no caso de uma interdição ou auto-limitação da entrada no mercado, está em causa o reconhecimento de que a informação acedida não será utilizada em proveito próprio para negócio concorrente com o que deu origem a essa informação.
284. A circunstância de, quando ao âmbito temporal da cláusula, esta vigorar um ano após a cessação do Acordo (e não apenas durante a sua vigência) e portanto, de aquela projectar os seus efeitos para lá da cessação do mesmo não pode servir para fundamentar um juízo quanto ao objectivo restritivo da cláusula-
285. Trata de um prazo de vigência totalmente consonante com soluções presumidas lícitas noutras áreas do Direito da Concorrência, como seja em matéria de obrigações de não concorrência, na sequência de uma operação de concentração, ou obrigações de não concorrência após a cessação de um acordo vertical, para protecção do know-how transmitido na vigência do acordo.
286. É esta igualmente uma solução que é aceite como válida e co-natural de uma relação de agência, como a que foi aqui instituída entre as partes.
(D) Contexto económico do acordo restritivo
287. A sentença ignora que a fase “crucial de liberalização” vivida em 2012 é relevante para explicar a motivação pró-concorrencial e legítima das partes na adopção da solução vertida no Acordo e comprovada nos factos provados n.ºs 270, 277, 221 b), c), d) e e).
288. Ao reconduzir a análise do contexto económico à questão de saber se havia ou não concorrência potencial entre as partes, a sentença incorre em erro de direito, já que a análise de concorrência potencial deveria ser prévia à identificação de uma restrição por objecto.
289. Tendo analisado o parecer da ERSE, que também consta dos autos e que é expressamente referido na sentença, denota-se que esta não teve em consideração o segmento em que aquela autoridade sectorial constata que a promoção de contratos de comercialização de energia eléctrica em estabelecimentos de retalho alimentar reduz os custos de aquisição de clientes sendo, por conseguinte, pró-concorrencial, aspecto que deveria relevar para o (cabal) afastamento do objecto restritivo do acordo celebrado.
290. A sentença faz uma apreciação enviesada do Acordo e da cláusula, ao usar a alegada restrição (a limitação contratual assumida pela MCH) para, com base nela, provar a concorrência que poderia ter existido, em vez de ter em consideração a relação comercial criada entre as partes, e que efectivamente serviu de contexto e justificação para a restrição contratual acordada.
291. A conclusão de que o pacto de não concorrência inscrito no Acordo de Parceria é uma restrição à concorrência, designadamente no mercado da comercialização de electricidade, não sobrevive à análise do counterfactual recomendada pela jurisprudência do TJUE, na medida em que a inexistência do Acordo de Parceria não conduziria a um resultado diferente daquele que efectivamente se verificou.
292. A existência de efeitos pró-concorrenciais em virtude do Acordo de Parceria é reconhecida nos factos provados nos n.ºs 5 a 9 e 275 e 276 e deveria ter relevado na análise feita na sentença quanto (à ausência de) um objecto restritivo do acordo, tanto mais quanto o Tribunal a quo considerou esses efeitos positivos como suficientemente relevantes para justificar uma redução da coima aplicada.
293. Ora, em consonância com a valoração feita para efeitos de dosimetria da coima e em consonância com o standard de apreciação estabelecido pela jurisprudência do TJUE nos processos Generics e Budapest Bank, o TCRS deveria ter igualmente considerado tais efeitos positivos como sendo susceptíveis de pôr em causa a apreciação global do grau suficiente de nocividade para a concorrência da prática em causa e, consequentemente, impedir a sua qualificação de «restrição por objectivo».
(E) Quanto ao contexto jurídico: o contrato de agência
i) Introdução
294. O Tribunal a quo errou ao não reconhecer que o Acordo de Parceria constitui um contrato de agência — mais propriamente, uma agência cruzada ou bilateral — ou que, pelo menos, lhe é aplicável o regime jurídico aplicável a este contrato, nomeadamente as regras estabelecidas nos art.ºs 4.º e 9.º da Lei do Contrato de Agência.
ii) A verificação dos pressupostos da agência
295. O Acordo de Parceria reúne todos os elementos essenciais do contrato de agência, quer em face da lei (art.º 1.º da Lei do Contrato de Agência), quer perante a função económico-social exercida por este tipo contratual.
296. A matéria provada nos autos demonstra à saciedade o preenchimento de todos os referidos elementos, concretamente a) a obrigação de promover a celebração de contratos, (b) por conta da outra parte, (c) com autonomia, e (d) estabilidade, (e) mediante retribuição.
a) A obrigação da promoção de contratos
297. Resulta, entre outros, dos pontos 272, 274, 275 e 285 a 288 da fundamentação de facto da sentença que cada uma das Partes, em execução do Acordo de Parceria, realizou uma complexa actividade material e jurídica de promoção da celebração de contratos pela outra — a MCH promoveu a celebração de contratos de fornecimento de energia eléctrica entre os titulares do “Cartão Continente” e a EDP Comercial e esta última promoveu os contratos pelos quais os clientes adquiriam nos estabelecimentos da primeira, ou de outras sociedades participadas maioritariamente pela Sonae Investimentos, os produtos correspondentes ao valor dos vales de descontos emitidos pela EDP Comercial.
b) A actuação por conta de outrem
298. Esta actividade de promoção da celebração de contratos levada a cabo pela MCH e pela EDP Comercial era realizada por conta da outra Parte, pois os efeitos dos actos que cada uma delas praticou em execução do Acordo de Parceria destinavam-se à outra Parte — os actos praticados pela MCH visavam a celebração de contratos de fornecimento de energia eléctrica entre a EDP Comercial e os clientes, e, do mesmo modo, a EDP Comercial, ao comparticipar os vales de desconto emitidos pela MCH, promovia a vendas de bens de consumo pela MCH.
299. Isto sem prejuízo de, naturalmente, como comerciantes que são, a actuação de cada uma das partes por conta da outra acabar por reverter também no seu próprio interesse — como, aliás, ocorre em qualquer contrato de agência, em que o agente, ao promover os interesses do principal, está por essa via a exercer a sua própria actividade comercial.
c) A autonomia (face ao principal)
300. É indisputável que cada uma das Partes agia com autonomia em execução do Acordo de Parceria, já que nenhuma das Partes actuava perante a outra como sua trabalhadora, inexistindo entre elas, por conseguinte, um vínculo de subordinação jurídica — sendo certo, demais disso, que a autonomia do agente não se confunde com livre arbítrio ou com absoluta independência face ao principal, e é compatível com um dever do agente de conformação com as orientações recebidas, de adequação à política económica da empresa e de prestação regular de contas da sua actividade.
d) A estabilidade da relação de agência
301. Contrariamente ao afirmado na sentença recorrida, a matéria provada (pontos 3, 7, 275 e 288) revela que a agência durou 12 meses, na parte da promoção pela EDP Comercial dos negócios da MCH (e não apenas os 2 meses da agência inversa — adesão dos consumidores ao plano tarifário da EDP Comercial); sem prejuízo disso, não há razões para questionar a estabilidade da relação de agência instituída pelo Acordo de Parceria, uma vez que este não visou a prática de um acto isolado mas antes de uma actividade com continuidade, dentro do período de tempo por que foi celebrado.
e) A retribuição
302. Em face dos pontos 271 a 274, 276, 278, 279 e 285 a 288 da fundamentação de facto da sentença, é inequívoco o carácter oneroso do Acordo de Parceria, uma vez que neste se previa a realização de atribuições patrimoniais por ambas as Partes, consistindo a retribuição do agente na contraprestação a que a outra Parte estava vinculada.
i) A correcta qualificação jurídica do Acordo
303. Ainda que pudesse ser duvidosa a verificação de algum dos elementos típicos do contrato de agência — no que não se concede —, sempre seria de concluir que o Acordo de Parceria reúne o essencial dos elementos que caracterizam o contrato de agência, razão por que continuaria a ser esta a qualificação jurídica adequada para esse Acordo.
ii) Subsidiariamente, a qualificação do Acordo como, pelo menos, um contrato de cooperação comercial ou de gestão de interesses alheios
304. E mesmo que o Acordo de Parceria fosse um contrato atípico, sempre se lhe aplicariam as regras do contrato de agência, especialmente os art.ºs 4º e 9º da Lei do Contrato de Agência, uma vez que estamos inequivocamente perante um contrato de cooperação comercial ou de gestão de interesses alheios.
iii) A obrigação de não-concorrência na regulamentação do contrato de agência
305. Em matéria de obrigação de não concorrência, as alíneas a) e b) das cláusulas 12.1 e 12.2 do Acordo de Parceria estão em perfeita sintonia com a Lei do Contrato de Agência e, em particular, com as obrigações de não concorrência legalmente previstas (na vigência do contrato) ou admitidas (para após a vigência do contrato) — respeitando os limites previstos no art. 9.º, n.º 2, daquela lei para a obrigação de não concorrência pós-contratual.
iv) A comparação com a regulamentação da União Europeia e o direito comparado
306. A Lei do Contrato de Agência está em sintonia com a Directiva 86/653/CEE, do Conselho, de 18 de Dezembro de 1986, relativa à coordenação do direito dos Estados membros sobre os agentes comerciais, mormente com os seus artigos 7.º, n.º 2 (direito de exclusivo) e 20.º (obrigação de não concorrência), bem como com outros ordenamentos jurídicos europeus que servem habitualmente de referência ao nosso, como é o caso de Itália e da Alemanha
IV. A coima aplicada à MCH
307. A Recorrente foi condenada ao pagamento de uma coima no valor de €6.120.000,00, sem que o Tribunal a quo tenha formulado qualquer juízo individualizado sobre o quantum a aplicar a todas as Visadas, limitando-se a remeter para alguns dos – já de si vagos – parágrafos da decisão final da AdC.
308. É, portanto, com uma decisão vaga, por remissão, que a Recorrente se apresenta em recurso, com uma coima que ascende a 2 terços do valor da pena máxima prevista em processo criminal aplicável a pessoas colectivas, aplicada por força de uma cláusula inscrita num acordo que tinha por objectivo dar descontos aos consumidores.
309. A decisão recorrida, para além de muito parcamente fundamentada, repete os erros crassos da AdC na aplicação da lei e aplica uma coima manifestamente desproporcional, sob qualquer perspectiva. É o que se verá de seguida.
(A) Inconstitucionalidade da norma constante do n.º 2 do artigo 69.º, da Lei da Concorrência
310. As coimas previstas no artigo 69.º, n.º 2, da Lei da Concorrência não se encontram quantitativamente determinadas, por referência a valores pecuniários, nos seus limites mínimo e máximo, mas sim indexadas a uma percentagem do volume de negócios realizado no ano anterior à decisão final.
311. Pelo que a coima máxima abstractamente aplicável pela prática da mesma exacta infracção prevista na Lei da Concorrência há de variar sempre e necessariamente em cada caso, consoante a empresa visada no processo.
312. Tal circunstância redunda em manifesta inconstitucionalidade material da norma sancionatória prevista no n.º 2 do artigo 69.º da Lei da Concorrência, por três ordens de razões.
313. Em primeiro lugar, a norma constante do n.º 2 do artigo 69.º da Lei da Concorrência ofende o princípio da legalidade, na vertente nulla poena sine lege, considerando o período de referência temporal a que reporta a aplicação da fracção percentual de 10%, o que, desde logo, mina a correspondência entre o momento da prática da infracção e o período temporal relevante para o apuramento da coima.
314. Este princípio exige que o tipo legal descreva em termos rigorosos o comportamento proibido e, bem assim, a sanção aplicável, devendo esta última estar previamente limitada por referência a uma concreta moldura sancionatória abstracta, objectivamente determinável, de modo a que, no momento em que o agente pratica o alegado facto ilícito, saiba, com a necessária e exigível exactidão, quais as consequências sancionatórias em que poderá incorrer.
315. Para além disso, verifica-se que o valor da coima aplicável, na prática, vai flutuando indefinida e ilimitadamente ao longo do tempo, desde o momento da prática do facto até que seja finalmente proferida a decisão condenatória, sendo susceptível de instrumentalização ou manipulação processual, o que contraria inequivocamente o princípio da legalidade.
316. Deste modo, considerando especificamente o período temporal de referência a que aí se faz reportar o apuramento da coima aplicável — o qual não garante a necessária cognoscibilidade, pelo agente, da sanção aplicável —, a norma constante do artigo 69.º, n.º 2, da Lei da Concorrência, é também materialmente inconstitucional, por violação do princípio da legalidade, previsto no artigo 29.º, n.º 1, da Constituição, na modalidade nulla poena sine lege, o que se invoca para todos os efeitos legais.
317. Em segundo lugar, estando o valor máximo da coima indexado a um montante indefinido (volume de negócios), sobre o qual incidirá uma percentagem, sem estipulação de qualquer tecto máximo, a sanção é indeterminada, incerta e, o que é mais grave, ilimitada, ofendendo de forma flagrante, uma vez mais, o princípio da legalidade, também na vertente de nulla poena sine lege, e ainda o princípio da proporcionalidade (das sanções punitivas), ficando a Visada ao arbítrio do legislador e das AdC.
318. A sanção deve por isso estar balizada por limites concretos, uma vez que só por essa limitação se cumprem os princípios da legalidade e da proporcionalidade das sanções, retirados dos artigos 29.º, n.ºs 1 e 3, 30.º, n.º 1 e 18.º, n.º 2, da Constituição, e que valem plenamente em todo o domínio sancionatório, correspondendo a uma ideia fundamental do próprio Estado de Direito Democrático, que reclama uma relação material e valorativamente fundada e proporcional entre o comportamento proibido e a sanção correspondente.
319. É por isso que a norma em causa deve contemplar limites máximos expressos e pré-determinado, ao contrário do que ocorre com o artigo 69.º, n.º 2, da Lei da Concorrência.
320. Em conclusão, conclui-se que a norma constante do artigo 69.º, n.º 2, da Lei da Concorrência, é materialmente inconstitucional, por violação do princípio da legalidade, previsto no artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição, na modalidade nulla poena sine lege, por violação da proibição de sanções ilimitadas, consagrada no artigo 30.º, n.º 1, da Constituição, e ainda por violação do princípio da proporcionalidade, extraído do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição.
321. Em terceiro lugar, a coima aplicável às contra-ordenações especificadas no artigo 69.º, n.º 2, da Lei da Concorrência, assume uma latitude (ao menos potencial) manifestamente incompatível com o princípio da legalidade, isto porque deixa ao arbítrio da Autoridade (e dos Tribunais) a determinação desta, tornando-a permeável a considerações de oportunidade, não previstas na Lei.
322. A previsão da coima deixa verdadeiramente de cumprir a sua função de garantia (que advém do princípio da legalidade) contra o exercício abusivo (no sentido de persecutório e arbitrário) ou incontrolável do ius puniendi estadual.
323. Pelo exposto, o n.º 2 do artigo 69.º da Lei da Concorrência é também materialmente inconstitucional por ofensa do princípio da legalidade da sanção, consagrado no artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição, e dos princípios do Estado de Direito Democrático, da separação de poderes e da indisponibilidade de competências, consagrados nos artigos 2.º e 111.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição, inconstitucionalidade que se invoca para todos os efeitos legais.
324. Cumpre ainda realçar que a punição com coima correspondente até 10% do volume de negócios da entidade infractora é ainda manifestamente desproporcional, porque tal cálculo tem por base um elemento – o volume de negócios – que nem sequer reflecte o património e a situação financeira de uma sociedade.
V. Tal confere à coima uma natureza verdadeiramente confiscatória e não meramente preventiva.
325. Deste modo, a norma constante do n.º 2 do artigo 69.º da Lei da Concorrência, redunda em norma materialmente inconstitucional, por violação do princípio da legalidade, do princípio da proibição das sanções ilimitadas, do princípio da proporcionalidade, do princípio do Estado de Direito Democrático, do princípio da separação de poderes e da indisponibilidade de competências, consagrados, respectivamente, nos artigos 29.º, n.º 1 e 3, 30.º, n.º 1, 18.º, n.º 2, 2.º e 111.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição, inconstitucionalidade que aqui se invoca para todos os efeitos legais.
(B) A medida da coima
326. Em sede de audiência de julgamento, a testemunha (…), instrutora do presente processo, afirmou que a fundamentação da coima é preparada pelas instrutoras do processo, mas que a coima segue em branco para o Conselho, o que confirma que a medida da coima é feita em termos absolutamente genéricos e em bloco para todas as Visadas.
327. O Tribunal ignorou essas declarações, não as verteu na sentença, e ao invés de dele extrair consequências, limitou-se a aderir, por remissão, ao segmento da decisão final da AdC relativo à medida da coima.
328. Tanto a AdC como o Tribunal analisaram em abstracto a gravidade da infracção, esquecendo-se que o que a lei impõe na alínea a) do n.º 1 do artigo 69.º é que se avalie “(a) gravidade da infração para a afetação de uma concorrência efetiva no mercado nacional”.
329. Analisados os factos à luz deste critério – o único previsto na lei – resulta que a alegada infracção não produziu qualquer perigo para a concorrência efectiva nos mercados nacionais, como atesta a pronúncia da ERSE sobre o Plano EDP Continente, facto que deverá ser relevado a favor da Recorrente.
330. Por outro lado, por força do princípio da proibição de dupla valoração de circunstâncias, ainda que se viesse a verificar qualquer perigo para a concorrência – o que de forma alguma se concede – apenas poderia ser tido em consideração como agravante da sanção se fosse provado que excedeu o grau de perigo normal suposto pela incriminação, o que não sucedeu.
331. Aliás, a ausência de gravidade foi confirmada pela própria AdC que, tendo conhecimento do acordo desde o seu primeiro mês de vigência e estando obrigada a agir ao abrigo do princípio da legalidade que então vigorava, nada fez para mitigar esses efeitos de que agora se aproveita para inflacionar a sanção.
332. Impondo-se, por isso, impõe, na verdade, é uma atenuação especial da coima, nos termos do artigo 72.º, n.º 1, do CP, aplicável ex vi artigo 18.º, n.º 3 e 32.º, do RGCO, e 13.º, n.º 1, da Lei da Concorrência.
333. No que diz respeito ao requisito da alínea e), do n.º 1 do artigo 69.º, o Tribunal apenas se limitou a remeter para o capítulo sobre “as vantagens resultantes da infracção”, esquecendo-se, novamente, que o requisito legal cujo preenchimento está em causa não se refere apenas à potencialidade, mas antes abrange “(a)s vantagens de que haja beneficiado o visado pelo processo em consequência da infração, quando as mesmas sejam identificadas”.
334. A AdC e, agora, o Tribunal, não identificaram quaisquer vantagens, mas não deixaram de agravar a sanção da Visada com base nesta norma.
335. Por último, assinale-se que a determinação da coima deve ter em conta razões de prevenção, apenas se devendo sancionar se e na medida em que tal sanção seja necessária, tal como impõe o artigo 18.º, n.ºs 2, CRP. Não se vê como é que uma coima de €6.120.000,00 tenha qualquer fim que não um de estrita retribuição, em especial, tendo em conta a ausência de impacto na concorrência e a inércia da AdC em actuar quando teve conhecimento do Acordo.
336. Acresce que não foi considerado juízo de prognose favorável quanto à não reincidência da Visada, bem como o seu reduzido grau de culpa.
337. Em conclusão, a coima aplicada à Recorrente não é fundada, não é justa, não é necessária, mas antes profundamente desrazoável, excessiva e desproporcional, pelo que, se nada mais proceder – o que não se concede –, sempre se impõe a sua substancial redução, muito para além do valor de 10% aplicado pelo Tribunal.
V. A sucessão de leis penais e o regime substantivo aplicável
338. O Acordo de Parceria iniciou a sua vigência em 5 de Janeiro de 2012, ainda durante a vigência da Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho, tendo a AdC dele tomado conhecimento dele através de denúncias datadas de 9, 14 e 16 de Janeiro de 2012.
339. Em 30 de Janeiro de 2012, a Autoridade da Concorrência dirigiu pedidos de elementos às Visadas EDP Comercial e Modelo Continente e a 7 de Fevereiro de 2012, as Visadas enviaram a documentação solicitada, incluindo o acordo de parceria celebrado em 5 de Janeiro de 2012.
340. A AdC apenas abriu inquérito no dia 3 de Dezembro de 2014, volvidos 2 anos e 10 meses, numa altura em que já vigorava a Lei n.º 19/2012, de 8 de Maio (actual LdC).
341. A Visada justificou o motivo pelo qual se impunha a desaplicação a nova Lei, reclamando a aplicação do regime pretérito, por se tratar de lei mais favorável, uma vez que (i) a infracção materializada na celebração de um acordo restritivo pelo objecto é uma infracção de execução instantânea e não duradoura, pelo que deve dar-se por consumada no momento da celebração do acordo, (ii) caso assim não se entendesse, sempre deveria considerar-se que o ilícito se teria de dar por consumado na data em que deveria ter sido aberto inquérito (iii) e, subsidiariamente, deveria considerar-se que, independentemente da qualificação da infracção como de execução instantânea ou duradoura, deveria ter-se a mesma como consumada no momento da celebração do acordo, por ser a lei do momento da acção.
342. O Tribunal recusou estes argumentos, uma vez que o inquérito foi aberto após a entrada em vigo da nova Lei.
343. Para além de não ter conhecido das questões invocadas pela Visada, o que sempre implicaria também a nulidade da decisão recorrida, a Visada considera que, tendo em conta os princípios constitucionais que regem a aplicação da lei penal no tempo, bem como o princípio da proibição da retroactividade da lei penal desfavorável ou o princípio da proibição da retroactividade in malam partem, não pode aquele conclusão ser aceite.
344. A nova Lei não alterou significativamente os pressupostos típicos da infracção imputada à Recorrente, mas alterou as normas relativas à medida da coima, bem como outras normas processuais materiais. No presente caso, a Lei anterior é a lei mais favorável ao arguido e, inequivocamente, a que lhe seria aplicável à data da prática dos factos.
345. Assim sucede, desde logo, por força do critério utilizado em ambos os regimes para a determinação da sanção aplicável, uma vez que o período de referência para cálculo da coima, na Lei anterior, é o ano anterior à infracção e não o ano anterior à decisão, como propugna a Lei nova, o que faz aumentar o valor da coima, devido ao aumento do volume de negócios da Visada ao longo dos anos.
346. Para além disso, também o regime processual aplicável colocou a Recorrente numa situação mais desfavorável do que aquela em que se encontrava à data da alegada prática dos factos, o que é manifesto, desde logo, com o com o regime prescricional aplicável.
347. Assim sendo, a lei processual aplicável será, por imperativo constitucional, a mais favorável de entre as duas abstractamente aplicáveis: a saber, a do tempus delicti.
348. Quanto à identificação do momento-critério para identificação dos regimes potencialmente aplicáveis, há que referir que as restrições à concorrência abrangem o mero acordo de vontades no sentido da fixação de um objecto susceptível de criar o perigo de impedimento, falseamento ou restrição da concorrência, e, por outro, o efectivo impedimento, falseamento ou restrição da concorrência.
349. O conceito de objecto restritivo da concorrência conjuga uma vertente subjectiva e outra objectiva que considerem o propósito prosseguido pelas partes e a susceptibilidade de esse propósito vir a concretizar-se com prejuízo para a concorrência. Deste modo, a aferição da eventual ofensividade da conduta subsumida à infracção em apreço deverá assentar numa avaliação ex ante da sua concreta aptidão para colocar em perigo o bem jurídico, independentemente da eventual verificação futura dessa efectiva lesão, devendo, por isso, o tipo imputado às Visadas tem-se por preenchido no momento em que é praticada a conduta apta a desencadear o perigo proibido.
350. O estado de ilicitude que a norma que pune os acordos restritivos da concorrência por objecto vem sancionar é aquele que é presumivelmente criado pela mera celebração, pelo que é nesse momento que também se cessará a sua consumação.
351. Assim, deve-se concluir que infracção imputada às Visadas, a existir – o que não se concede –, sempre teria sido consumada na data da celebração do acordo, momento em que as partes se teriam auto-vinculado a encetar uma prática apta a lesar a concorrência, ou seja, teria tido lugar no dia 5 de Janeiro de 2012, durante a vigência da Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho.
Sem prescindir,
1.1. Subsidiariamente: a consumação antecipada da infracção
352. Na eventualidade de se concluir pela configuração do ilícito em apreço como de natureza duradoura ou permanente – o que apenas se concebe por dever de patrocínio –, a verdade é que sempre terá de dar-se a mesma por consumada em momento prévio ao do término da vigência do acordo.
353. Relembre-se que a AdC teve acesso ao acordo quando o mesmo tinha apenas um mês de vigência, tendo podido nesse momento averiguar a sua eventual desconformidade com o regime jurídico da concorrência.
354. Ao abster-se de fazê-lo, a AdC violou o artigo 24.º, n.º 1, da Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho.
355. A consequência desta actuação contra legem da Autoridade da Concorrência, para além do mais, deverá ser encontrada em sede de imputação objectiva.
356. Com efeito, um dos limites à imputação objectiva reside nos casos em que a produção do resultado, ainda que de perigo, seja imputável ao âmbito de responsabilidade alheio.
357. A imputação do resultado à esfera de responsabilidade alheia decorre da incumbência de um especial dever de vigilância e de eliminação de fontes de perigo que recai sobre certas categorias de agentes ou órgãos – em virtude das funções por si exercidas (v.g., polícias, bombeiros, médicos, etc.) – e que leva a que assumam na sua esfera de responsabilidade o dever de evitar, na medida das suas possibilidades, o resultado de uma conduta ilícita, quando tenham intervindo junto do agente ou da fonte de perigo em momento prévio à concretização do risco.
358. Com a intervenção destes terceiros qualificados, o risco transita para a sua esfera jurídica e abandona a do agente, pelo que se o ilícito não se tiver consumado ainda, o resultado não é imputado ao agente, ao passo que se for de execução duradoura, deve dar-se por consumado no momento da transferência de risco.
359. Tendo em conta que a AdC tinha a informação necessária e as condições para se quisesse, poder evitar a continuação da prática do suposto ilícito, resta concluir que a responsabilidade pela manutenção do alegado estado de ilicitude gerado pelo acordo anti concorrencial após o momento em que a Autoridade da Concorrência deveria ter actuado é imputável à sua esfera de responsabilidade
360. Assim sendo, com a transferência de responsabilidade da produção do resultado (ainda que de perigo) para a Autoridade da Concorrência em Fevereiro de 2012, deverá o ilícito ter-se por consumado na data em que deveria ter sido aberto inquérito – sempre na tese, que aqui não se subscreve, de que (i) foi praticado um ilícito e (ii) o mesmo reveste natureza duradoura ou permanente.
361. Data que há-de ser encontrada no momento em que a AdC comunicou ao Governo que se encontrava a realizar diligências materialmente instrutórias, sem que tenha aberto inquérito que as enquadrasse processualmente: o dia 10 de Fevereiro de 2012 (cf. fls. 169).
362. Assim sendo, também por essa via deverá considerar-se como lei aplicável a Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho.
1.2. Subsidiariamente: a lei aplicável como a lei da acção
363. Ainda que se considerasse a infracção como duradoura e como consumada apenas no dia 31 de Dezembro de 2013, a verdade é que daí também não decorreria a aplicabilidade do regime da Lei n.º 19/2012, de 8 de Maio.
364. Com efeito, a acção não é fraccionável, devendo reconduzir-se toda ela a uma das leis aplicáveis: ou à Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho, ou Lei n.º 19/2012, de 8 de Maio. Tendo em conta os princípios fundamentais já enunciados, entendemos que deve ser aplicada a lei vigente à data do início das condutas da Recorrente.
365. Uma vez que duas leis cobrem a parcela respectiva da acção, e se ambas são leis da acção unitária, então a decisão sobre qual delas prevalece nessa função deve ser tomada tendo em conta o princípio da proibição da aplicação retroactiva da lei penal mais desfavorável ou, noutra perspectiva, da aplicação retro ou ultra activa da lei penal mais favorável, com assento no artigo 29.º, n.º 4, da CRP e, aplicável ao direito das contra-ordenações pelo artigo 32.º, n.º 10, da CRP, e 3.º, n.º 2 do RGCO.
366. Acrescente-se que, no presente caso, a resolução ou plano inicial, em torno do qual o ilícito se constrói, formou-se inteiramente no domínio de vigência da Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho, aqui a lei antiga.
367. E a Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho não só funciona como lei da acção como, por ser a lei de conteúdo mais favorável, reporta a si a unidade típica de acção, devendo preterir- se a Lei n.º 19/2012, pois prevê um regime punitivo, processual e substantivo, concretamente mais desfavorável.
368. Em conclusão, por tudo quanto se referiu, e ainda que nenhum dos demais argumentos proceda, sempre se deverá considerar, por esta via, aplicável o regime aplicável à data da celebração do Acordo.
369. Por tudo quanto se referiu neste capítulo, o artigo 9.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2012, de 8 de Maio, interpretado no sentido de abranger acordos celebrados antes da sua entrada em vigor é, nessa interpretação, materialmente inconstitucional, por violação do disposto no artigo 29.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que se invoca para todos os efeitos legais.
Terminou pedindo que seja o recurso julgado procedente, e, consequentemente, que seja:
- declarada a nulidade da sentença recorrida, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP, com as legais consequências, ou, assim não se entendendo, ser declarada procedente a arguição de a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, prevista no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP, ambos aplicáveis ex vi artigos 41.º, n.º 1, do RGCO e 83.º da Lei da Concorrência; ou, assim não se entendendo,
- a sentença recorrida integralmente revogada e, em consequência, ser a Recorrente absolvida da contra-ordenação por que vem indevida e injustamente condenada; ou, assim não se entendendo,
- dirigido ao Tribunal de Justiça da União Europeia, ao abrigo do citado artigo 267.º do TFUE, um pedido de reenvio prejudicial sobre a interpretação do artigo 101.º, n.º 1, do TFUE, de acordo com as questões acima indicadas; ou ainda, assim não se entendendo,
- a coima aplicada à Recorrente substancialmente reduzida para um valor muito próximo do mínimo legalmente admissível, nos termos e com os fundamentos acima alegados.
Requereu a realização da audiência oral a realizar neste Tribunal da Relação, sobre os seguintes pontos que declarou pretender ver debatidos:
- A existência de concorrência potencial em particular no mercado da comercialização de energia eléctrica (Capítulo II);
- A configuração do ilícito como de restrição por objecto (Capítulo III);
- A configuração do Acordo de Parceria como um contrato a que se aplica a regulamentação do contrato de agência (Capítulo III D);
- Medida da coima (Capítulo IV B).
Juntou dois pareceres.
I.5.2. Também a este recurso responderam o Ministério Público e a Autoridade da Concorrência, pugnando pela respetiva improcedência.
*
I.6. Do recurso apresentado pela EDP COMERCIAL – COMERCIALIZAÇÃO DE ENERGIA, S.A.
I.6.1. A Recorrente EDP COMERCIAL – COMERCIALIZAÇÃO DE ENERGIA, S.A. concluiu da seguinte forma:
§ 1. O presente recurso tem por objeto a sentença do Tribunal a quo que condenou a EDP Comercial numa coima de €23.220.000,00 - de longe a mais alta sanção chancelada pelo Tribunal a quo desde a sua criação, há quase uma década - por alegada prática restritiva da concorrência por objeto, punida como contraordenação pelo artigo 9.º, n.º 1, al. c), da LdC.
II. Questões de fundo
A) Ponto prévio: a importância do direito da União Europeia para os presentes autos
§ 2. O artigo 9.º da LdC é uma norma contraordenacional em branco que deve ser complementada e integrada recorrendo à jurisprudência dos tribunais da União Europeia e à prática da Comissão Europeia em aplicação do artigo 101.º do TFUE, a sua matriz inspiradora. A jurisprudência do Tribunal de Justiça e a prática da Comissão assumem assim uma importância decisiva para os presentes autos, como de resto é reconhecido na sentença recorrida.
B) Nenhuma das sociedades abrangidas pela cláusula 12.1.a) era concorrente potencial da EDP Comercial à data do Acordo
§ 3. O conceito de concorrência potencial, densificado inicialmente sobretudo pela jurisprudência do Tribunal Geral, encontra-se hoje consolidado pelo Tribunal de Justiça, em particular na sequência do seu recente acórdão Generics, de 30 de janeiro do corrente ano — proferido na sua “veste” de jurisdição constitucional, enquanto garante da aplicação uniforme do direito da União — o qual constitui assim o precedente determinante e mais atual na interpretação do artigo 101.º do TFUE (e do artigo 9.º da LdC) neste domínio.
§ 4. Nos termos desta jurisprudência, a situação de concorrência potencial depende de a empresa em causa ter efetivamente, na ausência do acordo, a firme intenção e capacidade própria para entrar no mercado, e em particular da existência de possibilidades reais e concretas baseadas numa intenção séria e capacidade própria de aceder ao mercado e concorrer com as empresas aí estabelecidas, com base em elementos de facto ou numa análise das estruturas do mercado, e não numa simples hipótese nem na possibilidade, puramente teórica, de tal entrada. Para aferir a existência de concorrência potencial deve empreender-se uma análise em três passos:
(i) Determinar se, na data da celebração do acordo, a empresa em causa tinha efetuado preparativos suficientes que lhe permitissem aceder ao mercado em causa num prazo de tal modo curto que podia exercer pressão presencial sobre a empresa já presente no mercado;
(ii) Verificar se a entrada no mercado não se depara com barreiras à entrada de caráter intransponível; e
(iii) Verificar se existem elementos adicionais que corroborem esta conclusão (tais como a celebração de um acordo de não concorrência entre várias empresas que operem no mesmo mercado do produto, para evitar a entrada nos respetivos mercados geográficos, ou os acordos “pay-for-delay” no setor farmacêutico).
§ 5. Embora não conteste a existência desta jurisprudência, e refira mesmo o acórdão Generics (em duas notas de rodapé), o Tribunal a quo, tal como anteriormente havia feito a AdC, ignorou por inteiro os critérios jurisprudenciais enunciados e dispensou-se deliberadamente de realizar o exame muito exigente estabelecido pelo Tribunal de Justiça.
§ 6. O Tribunal a quo incorreu num manifesto erro de direito quando concluiu que a própria existência da cláusula 12.ª do Acordo de Parceria dispensa uma análise detalhada e mitiga o esforço de escalpelização dos factos, e que em situações como a dos autos a verificação do conceito de concorrência potencial demanda, no essencial, o apuramento da existência ou não de barreiras intransponíveis à entrada no mercado liberalizado.
§ 7. A jurisprudência PT c. Comissão do Tribunal Geral, na qual o Tribunal a quo fundamentou o seu critério de menor exigência e esforço de escalpelização mitigado, não tem aplicação na situação dos presentes autos, pois (tal como a restante jurisprudência referida pelo Tribunal neste contexto) dizia respeito a um acordo “clássico” ou “puro” de repartição de mercados, no qual as partes já operavam ao mesmo nível da cadeia de produção de um determinado produto e se comprometiam a não invadir o território das outras partes, muitas vezes geograficamente contíguo ou vizinho do seu (como era o caso da PT e da Telefónica, os operadores de comunicações incumbentes em Portugal e Espanha). § 8. Nos casos de acordos “clássicos” de repartição de mercados uma obrigação de não concorrência pode ela própria constituir um forte indício da existência de uma relação concorrencial entre as empresas em causa, como aliás reconhecido pelo acórdão Generics, pois tais acordos não exigem uma análise aprofundada do contexto económico e jurídico para demonstrar que são por natureza suficientemente nocivos para a concorrência.
§ 9. O caso dos presentes autos situa-se evidentemente fora do quadro de um acordo “clássico” de repartição de mercados. O Acordo de Parceria no qual a cláusula 12.ª se insere foi celebrado pela EDP Comercial, uma comercializadora de eletricidade e gás natural, e pela MCH, uma operadora de supermercados e hipermercados; como demonstrado em julgamento, configurou uma iniciativa percursora, destinada a angariar cliente e fomentar vendas, que angariou 146.775 clientes e atribuiu descontos aos consumidores portugueses no valor de 6,9 milhões de euros; e, para além isso, a cláusula 12.ª visou apenas salvaguardar a informação sensível e o know-how trocados entre as partes, assim como os investimentos por si aportados, no âmbito do Acordo de Parceria.
§ 10. Não sendo um caso “clássico” de repartição de mercados, o Tribunal a quo estava obrigado a aplicar os critérios exigentes da jurisprudência consolidada da União, e em particular verificar se, na data da celebração do Acordo, o suposto concorrente potencial (a MCH e as participadas pela Sonae Investimentos) havia efetuado preparativos suficientes que lhe permitissem aceder ao mercado em causa num prazo de tal modo curto que podia exercer pressão presencial sobre a empresa já presente no mercado (a EDP Comercial). Tendo deliberadamente optado por não o fazer, incorreu assim num grave erro de direito que vicia a sentença recorrida.
§ 11. O caráter manifesto deste erro torna-se particularmente evidente quando se tem presente a prática recente da Comissão Europeia nos processos de “pay-for-delay”, já confirmada pelo Tribunal Geral nos acórdãos Lundbeck e Servier, nos quais Comissão realizou um exame altamente minucioso dos preparativos concretos realizados pelas empresas de genéricos para entrarem no mercado do medicamento original, incluindo a análise de centenas de documentos internos das empresas em causa para evidenciar os projetos e investimentos realizados pelas empresas de genéricos antes de celebrarem os acordos de “pay-for-delay” em causa.
§ 12. Para avaliar a probabilidade real e concreta de uma eventual entrada no mercado da comercialização de eletricidade, a AdC e o Tribunal a quo deviam ter verificado se, previamente ao Acordo, a MCH ou outra subsidiária da Sonae Investimentos haviam realizado projetos, preparativos ou investimentos concretos para esse efeito.
§ 13. A AdC e o Tribunal a quo deviam igualmente ter averiguado se a EDP Comercial, ou outros comercializadores de eletricidade instalados, ou até os próprios reguladores, percecionavam, nesse momento, a MCH ou outras subsidiárias da Sonae Investimentos como um possível entrante na comercialização de eletricidade, ou que acompanhavam de perto as suas iniciativas, ou ainda que receavam que, quando tal entrada se consumasse, “fizesse estrago” significativo.
§ 14. A AdC e o Tribunal a quo deviam também ter inquirido, em particular face à ausência completa de preparativos como os acima enunciados, se em janeiro de 2012 havia registo ou notícia de algum operador de hipermercados, em Portugal ou em outro país, alguma vez ter entrado autonomamente no mercado da comercialização de eletricidade.
§ 15. Por fim, a AdC e o Tribunal a quo deviam ter averiguado se existia algum indício de que, em janeiro 2012 ou em momento anterior, a MCH ou outra subsidiária da Sonae Investimentos tivessem tido a intenção, ou sequer equacionado o projeto, de adquirir algum dos comercializadores de eletricidade então existentes no mercado português (todos integrados em grandes empresas de energia a nível ibérico) — o que, como resulta da sentença recorrida, nunca seria uma hipótese fácil e simples, não só pela grande dimensão do investimento, mas porque sobretudo pressuporia necessariamente uma alteração profunda da estratégia da MCH e da Sonae Investimentos, que em 2012 estavam (como continuam a estar no momento presente) focadas no negócio da distribuição retalhista de produtos alimentares e não alimentares.
§ 16. A sentença recorrida (à semelhança da decisão da AdC) não identifica qualquer um destes indícios de concorrência potencial porque eles, simplesmente, não existem.
§ 17. Do acima exposto resulta, em suma, que a sentença recorrida incorreu num sério e grave erro de direito ao aferir a existência de concorrência potencial à luz dos critérios do acórdão PT c. Comissão, apenas válidos para casos “clássicos” e óbvios de repartição de mercados em que as partes são, antes do acordo, concorrentes efetivos no mesmo mercado do produto e concorrentes potenciais nos respetivos mercados geográficos de atuação, e ao abster-se deliberadamente de avaliar as possibilidades reais e concretas de entrada da MCH ou das outras subsidiárias da Sonae Investimentos e, em particular, a (in)existência de preparativos suficientes para aceder ao mercado num prazo de tal modo curto que pudesse exercer pressão concorrencial sobre a EDP Comercial, nos termos da jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, tal como consolidada no acórdão Generics.
§ 18. Sendo a existência de concorrência (potencial) um elemento essencial do tipo contraordenacional do ilícito previsto no artigo 9.º, n.º 1, al. c) da LdC, o vício aqui denunciado é suficiente para revogar a sentença recorrida e absolver a ora Recorrente. A imputação da infração prevista no artigo 9.º, n.º 1, al. c), da LdC com base num pressuposto de concorrência (meramente) potencial reconduz-se a uma dedução ou juízo inferencial, mais concretamente a um juízo de suscetibilidade ou de prognose, por estar em causa um cenário e não um facto objetivo e corpóreo, suscetível de prova.
§ 19. Tal circunstância acentua a natureza de perigo abstrato-concreto da infração em causa e intensifica as exigências de fundamentação jurídica quanto ao preenchimento do tipo contraordenacional, que só pode ser afirmado, à luz dos crivos da necessidade de sancionamento e de ofensividade (extraídos do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição), e considerando o bem jurídico protegido, quando seja possível extrair dos factos a preparação consequente de uma futura concorrência efetiva.
§ 20. Ora, a relevância sancionatória de uma infração só começa com a prática de atos preparatórios que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhe sigam atos que permitam alcançar a totalidade da conduta típica, estabelecendo uma conexão de perigo e uma conexão típica de afetação com o bem jurídico tutelado.
§ 21. Da sentença recorrida, porém, não se retiram factos que permitam suficiente e objetivamente suportar uma conclusão e não é sequer minimamente observado o grau qualificado de fundamentação na imputação de uma infração que para todos os efeitos se baseia num juízo de suscetibilidade.
§ 22. São irrelevantes para esse efeito as referências feitas na sentença recorrida: (i) ao suposto reconhecimento implícito (de resto, totalmente deslocado e infundado) das partes quanto à existência de concorrência potencial entre si, pois a concorrência potencial não é um facto subjetivo nem pode afirmar-se subjetivamente, além de a simples ideia de parceria entre concorrentes, mesmo se apenas potenciais, ser contrária à lógica e à natureza de uma parceria em sentido próprio, como aquela que foi enquadrada pelo Acordo, cuja efetividade e materialidade e efeitos benéficos para as famílias portuguesas é reconhecida na sentença recorrida; ou (ii) aos supostos indícios de concorrência potencial, assentes que são em premissas erróneas.
§ 23. Na ausência de fundamentos objetivos que permitam juridicamente imputar às partes uma relação de concorrência potencial no mercado de comercialização de energia elétrica (e, por maioria de razão nos mercados da comercialização de gás natural e da distribuição retalhista de bens alimentares), a sentença recorrida preenche aquele conceito com recurso a uma ideia (abstrata) de capacidade de concorrer, a qual, à luz dos critérios e crivos sancionatórias acima assinalados, é imprestável para esse efeito e conduz o Tribunal a quo a aplicar o artigo 9.º, n.º 1, al. c), da LdC em termos ilegais.
§ 24. Aliás, a norma constante do artigo 9.º, n.º 1, al. c), da LdC, se interpretada e aplicada no sentido de abranger acordos celebrados entre empresas com capacidade abstrata de concorrer entre si num dado mercado, viola, entre o mais, os artigos 2.º, 18.º, n.º 2, e 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição, sendo, como tal, materialmente inconstitucional.
§ 25. Interpretando corretamente a norma em questão, com apelo aos critérios jurídicos corretos e aplicáveis, é recusada a qualificação das partes como concorrentes potenciais entre si, na aceção fixada, o que é causa obrigatória da absolvição da EDP Comercial.
C) O Acordo de Parceria é um acordo vertical na aceção do direito da concorrência
§ 26. No direito da concorrência, sempre que um acordo seja celebrado entre empresas que se encontrem em diferentes estádios do processo económico, ou seja, não sejam concorrentes (atuais ou potenciais), tal acordo é qualificado como um acordo vertical ou acordo entre não concorrentes, de acordo com a jurisprudência assente e o entendimento unânime da doutrina nacional e internacional.
§ 27. A sentença recorrida recusa que o Acordo de Parceria tenha natureza vertical, limitando-se a reproduzir os dois argumentos simplistas da decisão da AdC: (i) por um lado, que a EDP Comercial e a MCH não operam em níveis diferentes da mesma cadeia de produção ou distribuição para os efeitos do Acordo de Parceria; e (ii) por outro lado, que a MCH não se dedicou à produção ou revenda de eletricidade distribuída ou produzida pela EDP Comercial e que esta não se dedicou à produção e ou revenda de bens alimentares distribuídos pela MCH. Ambos os argumentos estão manifestamente errados.
§ 28. No que respeita ao primeiro, à luz da jurisprudência dos tribunais da União e do Regulamento Geral de Isenção por Categoria o único aspeto que releva para a qualificação de um acordo vertical é a função que cada parte desempenha no contexto específico do acordo.
§ 29. Na execução do Acordo de Parceria cada parte desempenhava uma função num diferente nível da cadeia de atuação económica da outra, angariando clientes a montante, para potenciar as vendas da contraparte a jusante: a MCH prestou serviços de angariação de clientes e de promoção da atividade de comercialização de eletricidade à EDP Comercial (que para este efeito era beneficiária dos mesmos, ou seja, sua “cliente”), e a EDP Comercial prestou serviços de angariação de clientes e de promoção da atividade de venda retalhista de bens alimentares à MCH (sendo esta igualmente, neste contexto, a sua “cliente”).
§ 30. Contrariamente ao alegado pela AdC e pela sentença recorrida, em virtude da natureza cruzada do Acordo de Parceria, ambas as empresas estão presentes na mesma “cadeia de produção ou distribuição” dos produtos ou serviços comercializados pela outra: a MCH opera como agente de angariação e promoção na “cadeia de produção ou distribuição” da eletricidade, na qual a EDP Comercial está presente como comercializadora; e a EDP Comercial opera igualmente como agente angariador e promotor na “cadeia de produção ou distribuição” de bens alimentares, na qual a MCH é distribuidora retalhista.
§ 31. Os serviços de promoção e angariação de clientes prestados por cada parte à outra — que correspondem verdadeiramente a serviços típicos de um contrato de agência, como explicam de forma clara os Professores Pinto Monteiro e Engrácia Antunes nos pareceres junto aos autos — não têm, no fundo, natureza distinta dos serviços de promoção e angariação de clientes que poderiam ser prestados a qualquer das partes por outros prestadores de serviços externos, tais como empresas de consultoria em prospeção de mercado, empresas de promoção de vendas ou agências de publicidade.
§ 32. O segundo argumento usado pela sentença recorrida (reproduzindo uma vez mais a decisão da AdC) é ainda mais inacessível, pois reflete uma visão simplista do tipo “linha de montagem industrial”, que contraria frontalmente o disposto no Regulamento Geral de Isenção por Categoria e a prática da Comissão Europeia, e nunca poderia aplicar-se, por exemplo, aos acordos verticais que envolvem apenas o fornecimento de bens (sem revenda) ou a prestação de serviços como input para a atividade desenvolvida pelo comprador, e que são pacificamente reconhecidos como verticais.
§ 33. O Regulamento Geral de Isenção por Categoria é absolutamente claro e taxativo no sentido de a noção de acordo vertical e as regras sobre estes acordos se aplicarem indistintamente a bens e a serviços, e não só à aquisição desses bens e serviços para revenda, mas igualmente para utilização como um input pelo comprador na sua atividade.
§ 34. A natureza vertical do Acordo de Parceria resulta igualmente da circunstância de ser um verdadeiro contrato de agência, tanto da perspetiva juscivilista como jusconcorrencial, e, como a própria AdC reconhece, os acordos de agência são acordos verticais.
§ 35. Mesmo que não fosse considerado um acordo de agência na aceção do § 16 das Orientações Verticais (quod non), o Acordo de Parceria seria sempre e é reconduzido a um acordo vertical para efeitos do Regulamento Geral de Isenção por Categoria, e em particular este Regulamento seria sempre aplicável às disposições que regulam as relações entre a EDP Comercial e a MCH.
§ 36. Com efeito, das Orientações Verticais resulta necessariamente que: (i) mesmo que no âmbito de um acordo de agência o agente suporte riscos contratuais relevantes, o acordo cairá sobre a alçada do artigo 101.º, n.º 1, do TFUE (e do artigo 9.º da LdC), como qualquer outro acordo vertical; e (ii) caso tal acordo contenha uma cláusula de exclusividade ou não concorrência, a mesma pode ser automaticamente justificada pelo Regulamento de Isenção por Categoria, se as respetivas condições se encontrarem preenchidas, o que evidentemente exclui que possa ser considerada restritiva da concorrência por objeto.
§ 37. Por fim, pelas razões já analisadas no capítulo anterior dedicado à concorrência potencial, é também manifestamente improcedente o argumento da sentença recorrida (extraído da decisão da AdC) de que não seriam aplicáveis as regras sobre acordos verticais por estarmos perante um acordo entre concorrentes.
§ 38. Em conclusão, a sentença recorrida incorreu igualmente num sério erro de direito quando concluiu que o Acordo de Parceria não era de natureza vertical e não estava sujeito à disciplina jurídica desta tipologia de acordos. Este erro vicia irremediavelmente a conclusão da sentença recorrida de que estamos perante um acordo restritivo da concorrência por objeto.
D) O Acordo não configura nenhuma restrição por objeto
(i) A sentença recorrida desconsiderou os critérios exigentes e restritivos da jurisprudência do Tribunal de Justiça
§ 39. Resulta de jurisprudência assente que, a fim de apreciar se um acordo entre empresas apresenta um grau suficiente de nocividade à concorrência para ser considerado uma restrição por objeto uma autoridade (judicial e administrativa) deve considerar três aspetos: (1) o teor das suas disposições (2) os objetivos que visa atingir e (3) o contexto económico e jurídico em que se insere, tendo em consideração também a natureza dos bens ou dos serviços afetados e as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado ou dos mercados em causa.
§ 40. Os pressupostos da aplicação restritiva da noção de afetação da concorrência por objeto foram clarificados recentemente pelo Tribunal de Justiça no acórdão Budapest Bank, de abril passado, no qual definiu três princípios, muito relevantes para os presentes autos, que foram deliberadamente ignorados pela sentença recorrida.
§ 41. Primeiro, quando um acordo prossegue vários objetivos, todos esses objetivos devem ser apreciados pela autoridade de concorrência e pelo tribunal que a fiscaliza, para determinar qual ou quais, de entre eles, estão efetivamente provados.
§ 42. Transpondo este entendimento para o presente processo, torna-se claro que a AdC e o Tribunal a quo não poderiam ter analisado a cláusula 12.ª de forma artificialmente desligada e isolada dos objetivos do Acordo de Parceria, comprovadamente pró-concorrenciais, como reconhecido pela própria sentença recorrida, nem podiam ter operado uma segregação entre os “objetivos específicos” do Acordo no seio da própria cláusula 12.ª.
§ 43. Neste contexto, e embora a sentença recorrida se refira de forma constante à “cláusula 12.1.a) e 12.2.a)” como a conduta alegadamente ilícita (abrangendo assim a comercialização de eletricidade, a comercialização de gás natural e a distribuição retalhista de bens alimentares), a verdade é que, tal como a decisão da AdC, a sentença apenas desenvolve a análise em torno da suposta infração por objeto no mercado da comercialização de eletricidade, único dos três mercados em que considera que as partes são concorrentes potenciais — o que é mais uma prova da inverosimilhança da sua tese, pois nos acordos restritivos por objeto não é preciso delimitar com precisão os mercados afetados precisamente porque a experiência demonstra que o acordo em causa é suficientemente nocivo e evidente para não ser necessária uma análise prévia desse tipo.
§ 44. Segundo, um acordo apenas pode constituir uma restrição à concorrência por objeto, em razão do seu conteúdo e dos objetivos que prossegue, se existir uma experiência suficientemente sólida e fiável — no sentido de uma prática coerente e generalizada, ou de um consenso suficiente  — de que tal prática é, intrinsecamentede um modo  manifesto, anticoncorrencial.
§ 45. Para além do acórdão PT c. Comissão (que, como acima se viu, é relevante apenas para enquadrar acordos “clássicos” de repartição de mercados, sendo por essa razão inaplicável nos presentes autos), a sentença recorrida não invoca nenhum acervo “de experiência sólida e fiável” ou sequer qualquer precedente que permita apoiar a sua conclusão de que a cláusula 12.1.a), inserida no âmbito de um acordo de promoção cruzada como o Acordo de Parceria, é, de um modo geral e manifesto, anticoncorrencial.
§ 46. Nada também se refere, nem na decisão da AdC, nem na sentença recorrida, quanto ao dano concreto para a concorrência, e em última análise para o bem-estar dos consumidores, que teria resultado da cláusula 12.ª do Acordo, contrariando o entendimento da jurisprudência de que, fora dos casos de acordos anticoncorrenciais “típicos” ou “clássicos”, a autoridade deve explicar de forma precisa qual o tipo de afetação da concorrência que resulta da alegada restrição e porque tal afetação é tão facilmente identificada e verosímil.
§ 47. E, terceiro, caso existam indicações sérias suscetíveis de demonstrar que do acordo em questão resultam efeitos pró-concorrenciais, ou até elementos contraditórios ou ambivalentes a este respeito, estas indicações ou elementos não podem ser ignorados no âmbito do exame do contexto jurídico e económico do acordo sobre a existência, no caso concreto, de uma restrição por objeto, sobretudo se tiverem sido invocadas pelas partes.
§ 48. Embora as partes tenham consistentemente evidenciado os efeitos pró-concorrenciais do Acordo de Parceria, tanto perante a AdC como perante o Tribunal a quo, e os mesmos tenham inclusivamente ficado assentes como matéria provada na sentença recorrida, o Tribunal a quo (tal como a decisão da AdC) desconsiderou deliberada e artificialmente tais efeitos na análise da cláusula 12.ª enquanto restrição por objeto, em violação da jurisprudência do Tribunal de Justiça, apesar de os mesmos porem em causa a apreciação global do grau suficiente de nocividade para a concorrência da prática colusória em causa.
§ 49. Assim, ao ter desconsiderado os critérios exigentes da jurisprudência recente do Tribunal de Justiça, dos quais resulta que um acordo apenas pode constituir uma restrição por objeto, na aceção do artigo 101.º do TFUE (e do artigo 9.º da Lei da Concorrência) quando não tem qualquer outro propósito plausível que não seja a restrição da concorrência, a sentença recorrida incorreu em mais um erro de direito, pelo que deve ser revogada.
(ii) Uma obrigação de não concorrência constante de um acordo vertical, como a cláusula 12.ª, nunca constitui uma restrição à concorrência por objeto
§ 50. Nos termos do Regulamento Geral de Isenção por Categoria, diretamente aplicável no direito nacional ao abrigo do artigo 10.º, n.º 3, da Lei da Concorrência, as obrigações de não concorrência inseridas num acordo vertical ficam automaticamente isentas da proibição do artigo 101.º do TFUE (e do artigo 9.º da Lei da Concorrência) se os requisitos constantes dos artigos 3.º a 5.º do Regulamento estiverem preenchidos, o que desde logo exclui que possam ser consideradas restrições à concorrência por objeto.
§ 51. A sentença recorrida ignora deliberadamente que as obrigações de não concorrência inseridas em acordos verticais têm efeitos positivos para a concorrência, em particular porque permitem solucionar o problema específico da ausência de proteção do saber-fazer (know-how) transferido entre as partes na execução do acordo. Como confirmado pela prática decisória da Comissão, designadamente na decisão de 2012 Siemens/Areva, uma obrigação de não concorrência é, tipicamente, o único meio adequado para proteger informações comerciais sensíveis, o que justifica que possa ser considerada automaticamente justificada pelo Regulamento Geral de Isenção por Categoria.
§ 52. Nem o Tribunal a quo, nem a AdC antes dele, se preocuparam em verificar se os limites de quota de mercado constantes do artigo 3.º do Regulamento Geral de Isenção por Categoria estavam respeitados; ou em verificar que o Acordo de Parceria não contém nenhuma restrição grave, na aceção do artigo 4.º do Regulamento — verificação que era absolutamente simples, pois a ausência de tais restrições é evidente; ou, mais importante,  por ser decisivo para os presentes autos, se as condições do artigo 5.º estariam preenchidas.
§ 53. Tal omissão é tão gritante que admite a dúvida sobre se porventura terá resultado da circunstância de a cláusula 12.ª do Acordo de Parceria, por coincidência(!), cumprir cada um dos requisitos do artigo 5.º do Regulamento Geral de Isenção por Categoria.
§ 54. Contudo, mesmo que as quotas das Partes estivessem acima dos limiares do artigo 3.º do Regulamento de Isenção por Categoria, isso não significaria que a cláusula 12.ª passaria a estar proibida por objeto, mas apenas que a isenção do Regulamento Geral de Isenção por Categoria não seria automaticamente aplicável, e que a AdC e o Tribunal a quo teriam que realizar uma análise individual dos efeitos do acordo sobre a concorrência à luz do artigo 101.º, n.º3 do TFUE e do artigo 10.º da Lei da Concorrência — ou seja, nunca em circunstância alguma tal cláusula ou segmento do Acordo poderia constituir uma restrição da concorrência por objeto!
§ 55. A mera leitura do artigo 5.º do Regulamento revela que a tese da AdC, confirmada acriticamente pela sentença recorrida, é manifestamente improcedente, pois a mesma obrigação de não concorrência não pode, em regra, estar excluída da proibição dos acordos restritivos e, ao mesmo tempo, ser proibida automaticamente e em si mesma, como restrição por objeto, por ser intrinsecamente restritiva da concorrência.
§ 56. Embora o direito seja aqui de uma clareza límpida e evidente, e as partes tenham repetidamente assinalado os efeitos pró-concorrenciais do Acordo de Parceria, tanto na fase administrativa do processo, como na fase judicial perante o Tribunal a quo, nem a decisão da AdC, nem a sentença recorrida, sequer olharam para os efeitos do acordo — aliás, recusaram fazê-lo expressamente, embora estivessem a isso obrigadas nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça.
§ 57. Resulta do acima exposto que, ao concluir que as obrigações de não concorrência constantes das cláusulas 12.1.a) e 12.2.a) do Acordo de Parceria constituem uma restrição à concorrência por objeto e que não era necessário proceder a uma análise dos respetivos efeitos no mercado, a sentença recorrida violou o artigo 9.º da Lei da Concorrência e o Regulamento Geral de Isenção por Categoria, diretamente aplicável no direito português nos termos do artigo 10.º, n.º 3, daquela Lei, tal como interpretados à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça e da prática decisória e das orientações da Comissão Europeia, pelo que, também por aqui, deve ser revogada.
(iii) Os objetivos pró-concorrenciais do Acordo de Parceria e o caráter acessório da cláusula 12.ª
§ 58. Não tendo a decisão da AdC ou a sentença recorrida realizado qualquer análise dos efeitos do Acordo sobre a concorrência, a EDP Comercial não está obrigada a fazê-lo; em todo o caso, porque o Tribunal a quo põe em causa os objetivos da cláusula 12.1.a), importa deixar claro os verdadeiros objetivos pró-concorrenciais do Acordo de Parceria e o caráter acessório da obrigação de não concorrência dele constante.
§ 59. Como a própria sentença reconhece, o Acordo de Parceria configurou uma iniciativa percursora, destinada a angariar clientes e fomentar vendas, que resultou na atribuição de descontos importantes (no valor total de €6,9 milhões) a várias famílias portuguesas (aderiram mais de 140 mil clientes), num contexto em que, por força da intervenção da Troika, se verificou um empobrecimento daquelas, tendo auxiliado as famílias na aquisição de bens de natureza essencial (desconto médio superior a €50 por cliente).
§ 60. Para além dos investimentos significativos realizados pelas partes, houve um volume de know-how partilhado entre elas sobre o funcionamento dos mercados respetivos e o posicionamento e a estratégia de cada uma delas nos seus negócios; mas, sobretudo, a EDP Comercial e a MCH partilharam um significativo volume de informação comercialmente sensível entre si, informação essa que permitia designadamente à MCH, conhecer, de forma detalhada, o padrão de consumo de eletricidade dos clientes aderentes ao Plano durante esse período, sendo pois incompreensível a conclusão da sentença recorrida de que as partes não trocaram informações comerciais sensíveis em execução do Acordo de Parceria.
§ 61. A decisão da AdC e a sentença recorrida ignoram deliberadamente que a informação trocada entre as partes nos termos das cláusulas 5.1 e 5.5 do Acordo de Parceria constitui informação comercial sensível, tanto de uma perspetiva regulatória, nos termos do Regulamento de Relações Comerciais do Sector Elétrico, como da perspetiva do direito da concorrência, à luz da jurisprudência e da prática da Comissão Europeia sobre segredos comerciais ou de negócio, pois não era pública e estava no cerne da estratégia da empresa e da sua política de vendas.
§ 62. Como corretamente assinala a Professora Carolina Cunha no seu parecer, é evidente, à luz de critérios de experiência comum e de normalidade, e de correta interpretação do clausulado do Acordo, que foi com vista a proteger a informação comercial sensível e o know-how obtidos pelas partes no decorrer do Plano EDP Continente, bem como para preservar os significativos investimentos realizados na sua execução e a clientela angariada por cada parte no âmbito do Acordo, que se estabeleceram, na cláusula 12.ª do Acordo de Parceria, obrigações recíprocas de não concorrência durante a vigência do Acordo e pelo prazo de 1 ano após o seu termo.
§ 63. Contrariamente ao alegado pela sentença recorrida (que uma vez mais segue acriticamente a decisão da AdC), as restantes cláusulas do acordo não eram adequadas e suficientes a salvaguardar a utilização da informação comercial sensível partilhada no âmbito do Acordo:
(i) a obrigação de confidencialidade constante da cláusula 16.ª apenas vinculava a parte que recebeu essa informação a não a transmitir a terceiros, não constituindo impedimento a que pudesse ser utilizada por essa parte para as suas próprias atividades e projetos, como resulta claro da decisão da Comissão Europeia Siemens/Areva;
(ii) a cláusula 11.ª, relativa à proteção da propriedade intelectual utilizada no âmbito do Acordo, abrangia apenas marcas e sinais distintivos, i.e., materiais patenteados, não protegendo assim a informação sensível e o know-how, que não são suscetíveis de proteção ao abrigo das regras de propriedade intelectual em matéria de patentes; e
(iii) a cláusula 9.ª do Acordo de Parceria apenas protegia dados pessoais, e não dados comerciais, de natureza evidentemente sensível, em particular consumos de energia elétrica, da parte da EDP Comercial, e taxas de ativação dos vales de desconto, do lado da MCH, para além de know-how valioso sobre a atividade da outra parte.
§ 64. Por fim, a sentença recorrida recusa o objetivo legítimo prosseguido pela cláusula 12.ª do Acordo de Parceria por considerar que o segmento da cláusula 12, objeto de censura, apresentava um âmbito material, subjetivo e temporal que exorbitava os termos do Acordo de Parceria em que se inseria, o que é manifestamente infundado.
§ 65. Em primeiro lugar, e relativamente ao âmbito material da cláusula 12.1.a), para além de ser contraditória e de criar ex novo um argumento que não consta de lado algum da decisão da AdC, a sentença recorrida não tem qualquer razão, pois a inclusão no âmbito da cláusula 12.1.a) de todos os segmentos da comercialização de eletricidade resulta do âmbito alargado do Plano EDP Continente, que permitia a adesão não só de pessoas singulares, mas também pessoas coletivas, ou seja, empresas, bem como da transmissão de know how que seria igualmente relevante para a comercialização a clientes empresariais; e a inclusão do gás natural era igualmente justificada, em particular, pela existência de clientes aderentes com oferta dual de gás e eletricidade.
§ 66. Em segundo lugar, relativamente ao âmbito subjetivo da cláusula, as “outras empresas”, participadas maioritariamente pela Sonae Investimentos, participavam no “ecossistema” do Cartão Continente, e concretamente também no Plano EDP Continente, porque também ativavam vouchers que depois conduziam à atribuição de descontos aos clientes, podendo assim ter acesso à informação comercial sensível partilhada pela EDP Comercial e beneficiando do incremento de vendas gerado pela iniciativa.
§ 67. E, em terceiro lugar, relativamente ao período de vigência da cláusula, o acerto final de contas após o termo da vigência do Acordo de Parceria pressupôs que as Partes tiveram de continuar a proceder, mesmo já depois da cessação do Acordo de Parceria e do Plano EDP Continente, à troca recíproca de informação sensível sobre os seus clientes e negócios, o que exigiu que também essa fase fosse objeto de proteção por via da cláusula 12.ª.
§ 68. Do acima resulta que, contrariamente ao alegado pela AdC e pela sentença recorrida, a cláusula 12.ª era necessária, no espírito e na economia do Acordo, e era legítima e proporcional aos objetivos da campanha instituída e enquadrada por esse Acordo. Por esta razão — e mesmo que a sentença recorrida não padecesse já dos erros de direito graves acima assinalados (quod non) — o Tribunal a quo nunca poderia ter concluído que a cláusula 12.ª constitui uma restrição da concorrência por objeto, pelo que por esta razão também incorreu num grave erro de direito.
E) Imputação subjetiva
§ 69. A sentença recorrida é omissa quanto ao elemento subjetivo da infração imputada à EDP Comercial (não explicitando sequer se a infração é imputada a título doloso ou negligente, e muito menos aduzindo factos que permitam integrar essa imputação), sendo, por conseguinte, estrutural e insanavelmente insuficiente, porque insuscetível de validamente poder sustentar uma condenação. Deve, como tal, a sentença recorrida ser revogada, em linha com a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão n.º 1/2015 e acolhida por este Tribunal da Relação.
III. Sanção
A) A coima que nasceu “em branco”
§ 70. Os critérios aduzidos pela AdC na sua decisão condenatória a propósito da graduação das coimas, em que o Tribunal a quo se louva acriticamente, não têm nem podem ter real valia jurídica, por serem genéricos e abstratos e acima de tudo pela razão objetiva e indisputável ⸺ que a sentença recorrida inexplicável e gravemente se abstém de aduzir e valorar ⸺ de tais critérios terem sido convocados e “graduados” pela AdC sem correspondência a nenhum valor concreto. Na realidade, a decisão da AdC foi elaborada e (pré-)“fundamentada”, conforme confessado por uma das instrutoras deste processo, com o espaço relativo ao valor das coimas “em branco”, sendo os valores finais das sanções aplicadas fixados isolada e arbitrariamente pelo Conselho da AdC.
B) Não há fundamentação concreta e especificada da coima aplicada
§ 71. Mesmo tendo como ponto de partida essa “coima em branco”, da sentença recorrida, porém, não se extrai uma única valoração autónoma e motivada que permita justificar ou sequer compreender em que medida a aplicação de coima à EDP Comercial no valor (exorbitante) de €23.220.000,00 se mostra proporcional, adequada e necessária em relação ao facto imputado e/ou aos seus efeitos alegadamente lesivos (que não são sequer concretizados e muito menos quantificados).
§ 72. Certo é, em qualquer caso, que o valor concretamente fixado, de €23.220.000,00, se mostra ostensivamente injustificado e injustificável em termos absolutos (desde logo por não ser adiantada nenhuma medida de danosidade capaz de racionalizar aquele valor e de oferecer uma escala sancionatória objetiva que possa ser sindicada) e também em termos relativos (comparando os factos em causa neste processo com aqueles que são visados noutros processos sancionatórios com graus de ilicitude e danosidade comprovadamente superiores, e.g. envolvendo gestão ruinosa de instituições financeiras com efeitos sistémicos relevantes).
C) A moldura legal abstrata da coima aplicável é inconstitucional
§ 73. Além disso, a norma constante do artigo 69.º, n.º 2, da LdC, ao fixar abstratamente como máximo da coima montante equivalente a 10% do volume de negócios do agente da infração no exercício anterior à condenação, é materialmente inconstitucional, nomeadamente por violação do princípio da legalidade, previsto no artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição, por violação da proibição de sanções ilimitadas, consagrada no artigo 30.º, n.º 1, da Constituição, e ainda por violação do princípio da proporcionalidade, extraído do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição.
IV. Reenvio prejudicial
§ 74. Todas as teses avançadas na decisão da AdC, acriticamente seguidas na sentença recorrida, são frontalmente contrariadas pelo Regulamento Geral de Isenção por Categoria, pelo soft law, pela jurisprudência do Tribunal de Justiça e até pela melhor doutrina, em aplicação do artigo 101.º do TFUE, tudo fontes que, como a própria AdC e o Tribunal a quo reconhecem, são essenciais para uma correta aplicação do artigo 9.º da LdC.
§ 75. Na hipótese, que não se prefigura, de o Tribunal ad quem ter dúvidas sobre a interpretação do artigo 9.º da LdC e do artigo 101.º do TFUE à luz da jurisprudência recente do Tribunal de Justiça, não poderá proferir decisão sobre o fundo da causa em sentido divergente do clamado pela EDP Comercial sem questionar previamente o Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 267.º, terceiro parágrafo, do TFUE.
§ 76. Outra solução para os presentes autos que não a absolvição ameaçaria a aplicação uniforme do direito europeu da concorrência, valor fundamental que este Venerando Tribunal, enquanto juiz de direito comum do direito da União, tem o dever de salvaguardar.
§ 77. Nos termos expostos, caso o Tribunal ad quem tenha dúvidas sobre a interpretação e aplicação aos presentes autos das normas de direito da União e da jurisprudência e prática decisória com o sentido analisado na presente motivação de recurso, a EDP Comercial requer respeitosamente que se suspenda o procedimento judicial e se submeta um pedido de reenvio prejudicial ao TJUE, nos termos do artigo 267.º, primeiro e terceiro parágrafos, do TFUE, sendo um tal pedido não só admissível mas também obrigatório nas circunstâncias descritas, propondo a formulação e apresentação das três questões acima enunciadas.
Terminou pedindo que se revogue a sentença recorrida e se substitua a mesma por outra que absolva a EDP Comercial da infração que lhe foi infundada e ilegalmente imputada, ou caso assim não se entenda, o que não se admite nem se concede, que a coima aplicada à EDP Comercial seja substancialmente reduzida.
I.6.2. Também a este recurso responderam o Ministério Público e a Autoridade da Concorrência, pronunciando-se pela improcedência do mesmo.
*
I.7. Já neste Tribunal da Relação, a Exma. Senhora Procuradora Geral Adjunta, emitiu o douto parecer de 08.01, nada acrescentando à resposta do Ministério Público apresentada em 1ª Instância.
Foram colhidos os vistos e realizou-se a audiência a que aludem os artigos 411º, n.º 5 e 423º, n.ºs 1 e 3 a 5 do Código de Processo Penal.
*
Por Acórdão de 06.04.2021, posteriormente retificado como consta dos autos e nos termos que aqui se dão por reproduzidos, foram decididas as questões suscitadas pelas ora Recorrentes, relacionadas e agrupadas sob os seguintes títulos:
- Lei aplicável;
- Nulidade por falta da prova de factos alegados pela defesa e suscetíveis de concluir pela imputação da contra-ordenação (capítulo V.I);
-Nulidade por excesso de pronúncia por a Sentença se referir a mercados diversos dos mencionados na decisão final da AdC (capítulo V.II);
- Coima aplicável e falta de factos fundamentadores da coima concreta (capítulo V.3),
nos seguintes termos:
“IV. DA LEI APLICÁVEL.
As Recorrentes EDP ENERGIAS de Portugal, S.A. e Modelo Continente Hipermercados, SGPS, S.A., insurgem-se contra a Sentença recorrida por considerarem que se impunha, no caso, a aplicação do regime substantivo previsto na Lei n.º 18/2003, de 11 de junho (“Lei n.º 18/2003”), em vigor, à data da celebração do Acordo de Parceria.
Com base nesse pressuposto, a Recorrente EDP Energias conclui pela invalidade da Decisão da AdC por pretensa violação do princípio da boa-fé da Administração, entendendo que a mesma deveria ter sido anulada pelo Tribunal a quo, e requer agora a respetiva anulação pelo Tribunal ad quem.
Já a Recorrente MCH sustenta, subsidiariamente, que, caso se considere que a infração é permanente, a mesma foi consumada em momento prévio ao término da vigência do acordo, e que a AdC, tendo tido conhecimento do Acordo de Parceria ainda durante a sua vigência, nada fez para pôr cobro à infração, antes tendo aberto o inquérito somente em 03.12.2014
Assim, considera que a AdC imprimiu, intencionalmente, uma “sinuosa gestão” do processo para se prevalecer da aplicação da Lei da Concorrência – que as Recorrentes entendem que se revela mais gravosa – em violação do princípio da legalidade
Entende ainda, a MCH, que ainda que se considerasse a infração como duradoura e consumada apenas no dia 31.12.2013, também daí não decorreria a aplicabilidade do regime da Lei n.º 19/2012, de 8 de Maio, devendo antes ter sido aplicada a Lei n.º 18/2003, por ser a lei vigente no momento da ação.
O Ministério Público e a Autoridade da Concorrência entendem que a sentença recorrida deve ser mantida neste ponto.
Vejamos então.
Como é sabido, o Regime Jurídico da Concorrência atualmente em vigor consta da Lei 19/2012, de 08.05 (Novo Regime Jurídico da Concorrência, de ora em diante, também “NRJC”), que entrou em vigor em 7 de julho de 2012, revogando a Lei n.º 18/2003, de 11.06 (Lei da Concorrência, de ora em diante também “LdC”) que, por sua vez, havia revogado o Decreto-Lei n.º 371/93, de 29 de outubro (“Decreto-Lei n.º 371/93”).
O ilícito que vem imputado às Recorrentes, a infracção ao artigo 9º, n.º 1, al. c) do NRJC, punido nos termos do disposto no artigo 68º, n.º 1, al. a) do mesmo diploma, encontrava-se já previsto no artigo 4º da LdC.
Da factualidade descrita na Decisão Administrativa, como na Sentença recorrida, resulta que a prática da infracção jusconcorrencial que vem imputada às Recorrentes teve início em 5.01.2012 e durou de forma ininterrupta, até 31.12.2013, período durante o qual esteve em vigor a Cláusula 12.ª, n.º 1, a) e n.º 2 a) do Acordo de Parceria que, nos termos imputados, contem o acordo horizontal de repartição de mercado, o “Pacto de Não Concorrência”, considerado como um acordo restritivo da concorrência por objeto.
Nos termos da cláusula 12.1.a) e 12.2.a) do referido Acordo de Parceria, durante a vigência do acordo, e pelo prazo de um ano, após o seu termo, a Modelo Continente Hipermercados obrigou-se a não desenvolver diretamente, ou através de sociedades participadas maioritariamente pela Sonae Investimentos SGPS SA, a atividade de comercialização de energia elétrica e de gás natural em Portugal continental e a EDP Comercial obrigou-se a não desenvolver diretamente, ou através de sociedade participada maioritariamente pela EDP Comercial, a atividade de distribuição retalhista de bens alimentares, em Portugal continental.
Independentemente do que a final venha a entender-se quanto ao mérito dos recursos, é perante tal imputação que deve aferir-se da lei aplicável.
Esta categoria de ilícito, que, como sabemos, se inspira no artigo 101º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (de ora em diante, também “TFUE”) distingue-se daqueloutro que consiste no acordo que tem por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum, como resulta do uso da conjunção "ou" em qualquer das citadas disposições.
“Restrição por objeto e restrição por efeito desempenham, deste modo, funções diferentes. A restrição por objeto procura indagar se o objetivo do acordo, a sua razão de ser, a sua intenção objetivamente determinada, é restringir a concorrência, ao passo que a restrição por efeito procura averiguar se o acordo de facto restringiu a concorrência atual ou potencial. No primeiro caso, as autoridades da concorrência não precisam de demonstrar os efeitos anticoncorrenciais prováveis no mercado, pois presume-se que cláusulas restritivas que possuam um grau de nocividade suficiente em relação à concorrência produzem efeitos anticoncorrenciais; já no segundo caso não é necessário provar-se o objetivo anticoncorrencial.
A técnica adoptada pelo legislador no que concerne às infracções pelo objecto consiste na criação de uma "guarda avançada" com vista à tutela antecipada do bem jurídico concorrência, que intervenha antes mesmo da ocorrência de uma lesão manifestada num efectivo impedimento, falseamento ou restrição da concorrência, o que conduz a classificar este tipo contraordenacional como um tipo de perigo. Assim se compreende que "o instrumentário sancionatório não tenha de aguardar pela real afectação da concorrência para entrar em ação"[4].
A infração imputada consiste na violação do Direito da Concorrência através das citadas cláusulas que, por si só, foram consideradas restritivas da concorrência, independentemente da produção concreta de efeitos, os quais são à partida presumidos pelo legislador. Assim, o desvalor da infração permanecerá (permaneceu), enquanto tais cláusulas estiveram em vigor.
Do que se conclui que a infração deve qualificar-se, pois, de permanente e não de instantânea, como entendeu o Tribunal Recorrido, porquanto a prática do facto se prolongou no tempo, tendo-se iniciado a execução do ato ilícito na vigência da LdC e subsistido durante a vigência do NRJC.
Na verdade, não pode validamente pôr-se em dúvida que é diversa a conduta daqueles que criaram um estado antijurídico típico e não lhe põem termo – podendo embora fazê-lo em qualquer altura -, fazendo-o perdurar no tempo durante anos, daqueloutros que atuam uma única vez e logo põem termo à sua conduta, designadamente no momento em que lhes são solicitadas informações pelas autoridades reguladoras competentes.
O ilícito de execução instantânea caracteriza-se pela existência de uma só acção ou omissão, que ocorre num momento temporal preciso, concreto e único, e nele se esgota; diversamente o ilícito permanente caracteriza-se pela ocorrência de uma situação delituosa persistente e decorrente de uma dada actuação ou omissão do agente - há uma só acção, activa ou omissiva, que se protela no tempo. Na infracção permanente estamos perante uma omissão duradoura do cumprimento do dever de restaurar a situação de legalidade perturbada por um acto ilícito inicial. Se há um protraimento da consumação no tempo, este não se verifica mediante a prática de uma pluralidade de actos. É um ilícito que se consuma por um só “facto” ou “acto” susceptível de se prolongar no tempo. Porque o ilícito se consuma por um só acto ou facto que se prolonga no tempo, esse protraimento da consumação no crime permanente apresenta uma estrita continuidade”[5].
Fala-se então numa primeira fase que poderá ser uma conduta activa ou omissiva, que diz respeito à realização, em um primeiro momento, do facto proibido; a segunda, sempre de natureza omissiva que integra a estrita continuidade própria da permanência, consiste na falta de remoção do estado ou situação ilícita, no incumprimento do dever de contra-agir, dever esse que se caracteriza, sob o plano estrutural, o ilícito permanente, de modo a diferenciá-lo estruturalmente do instantâneo.
Importa agora atender ao que dispõe o artigo 5º do Regime Geral das Contra Ordenações (de ora em diante RGCO), aplicável ex vi artigo n.º 1 do artigo 13.º da Lei da Concorrência, nos termos do qual, “o facto considera-se praticado no momento em que o agente atuou ou, no caso de omissão, deveria ter atuado”.
Porém, no caso de contraordenação permanente, na qual a ação típica perdura por um tempo mais ou menos longo e durante o qual o agente comete uma única infração e a sua ação é indivisível, se a sua execução se tiver iniciado na vigência da lei antiga mas prosseguir no âmbito da lei nova, sendo que o facto ilícito já era punido pela lei antiga, então a contraordenação cabe no âmbito de aplicação da lei nova, ainda que esta última seja mais gravosa.
Como se decidiu no Acórdão da Relação do Porto de 21.10.2019[6], que aqui seguimos de perto, “por assim ser (e por contraponto com a contra-ordenação continuada, que constitui a prática de vários ilícitos, assentes em várias resoluções, num mesmo quadro de solicitação exterior), por estarmos apenas perante uma única contra-ordenação, é de entender que nestas situações, perante o seu carácter unitário, será aplicável a todo o comportamento a lei nova vigente no momento da prática do último ato de execução, ainda que mais gravosa, pois não é possível distinguir partes do facto.
E este é o entendimento que tem vindo a predominar na jurisprudência e doutrina (cfr. acórdão da Relação do Porto de 18/12/2013, processo 1074/12.7PEGDM.P1, in www.dgsi.pt, e jurisprudência aí referida; e pela doutrina Maia Gonçalves in "Código Penal Português", VIII ed., pg. 183; Cavaleiro de Ferreira, ob. cit., pg. 169; Germano Marques da Silva, “Direito Penal Português, I, Editorial Verbo, 1997”, pgs. 278 e 279; e Manuel António Lopes Rocha “Aplicação da Lei Criminal no tempo e no Espaço”, in Jornadas de Direito Criminal, C.E.J., 1983, pg. 101.” (o destacado é nosso).
Não há pois dúvidas que é à luz do NRJC que, como se referiu, entrou em vigor no dia 07.07.2012, que a conduta imputada deverá ser apreciada, pois a infração jusconcorrencial imputada às Visadas teve início em 5.01.2012 (com a data da assinatura do Acordo de Parceria), tendo cessado em 31.12.2013 (i.e. data em que terminou a vigência da Cláusula 12.ª do Acordo de Parceria), mantendo-se ininterruptamente em execução.
Assim, do ponto de vista substantivo, e sem prejuízo de a prática se ter iniciado na vigência da Lei n.º 18/2003, à luz da qual já era punível, bem andou o Tribunal Recorrido ao aplicar à totalidade da factualidade típica o NRJC, pois não sendo possível distinguir partes no ilícito, e sendo o momento relevante para efeito de determinação da prática do facto - o dia 31.12.2013 - não se verificam sequer os pressupostos de aplicação da lei no tempo, não havendo, consequentemente, que averiguar da lei concretamente mais favorável, não se verificando, pois, a invocada violação do princípio da proibição da aplicação retroativa da lei penal mais desfavorável tal como consagrado no n.º 4 do artigo 29.º da CRP, aplicável “ao direito das contraordenações pelo 32.º, n.º 10 , e 3.º, n.º 2 do RGCO”,
Refira-se que ainda por outra via seria o NRJC o regime aplicável, a da data em que foi aberto o presente inquérito, 03.12.2014. É que, como também se salientou na decisão recorrida, nos termos do disposto no artigo 100º, n.º 1, al. a) do NRJC, este diploma é aplicável aos processos de inquérito abertos após a entrada em vigor do mesmo, ou seja, 7 de julho de 2012.
E se é incontestado que (i) o Acordo de Parceria foi celebrado em 05.01.2012, (ii) em 30.01.2012, a AdC solicitou um conjunto de informação à Recorrente MCH e à Recorrente EDP Comercial, a qual foi facultada, respetivamente, em 07.02.2012 e 10.02.2012, e (iii) a AdC apenas decidiu proceder à abertura de inquérito em 03.12.2014 - e não obstante o n.º 1 do artigo 24.º[7] da Lei n.º 18/2003, determinar à data em que a AdC teve conhecimento do Acordo, que aquela Autoridade deveria proceder à abertura de inquérito sempre que tomasse conhecimento de uma eventual prática proibida pelo artigo 4.º da Lei n.º 18/2003 (atual artigo 9.º da Lei da Concorrência) - a verdade é que nesse diploma não estabelecia um qualquer prazo para o efeito.
Por outro lado, como resulta da extensão dos autos, do número de pareceres juntos, da extensão das peças processuais e do lapso de tempo decorrido desde a abertura do inquérito até ao momento em que foi proferida a decisão condenatória da AdC, o processo envolve questões técnico-jurídicas de difícil análise e dilucidação, que certamente terão influído na necessidade de estudo prévio à decisão de abrir inquérito.
Acresce que, com a entrada em vigor do NRJC, o n.º 1 do artigo 17.º passou a estabelecer que a AdC procede à abertura de inquérito por práticas proibidas pelos artigos 9.º, 11.º e 12.º, oficiosamente ou por denúncia, respeitando o disposto no artigo 7.º da mesma lei, que adotou aquilo a que podemos chamar um “princípio de oportunidade mitigado”, assente numa “lógica de eficiência organizativa vinculada”.
Na verdade, por força do estabelecido no n.º 2 de tal preceito, inspirado na jurisprudência dos Tribunais da União Europeia[8], a AdC deixou de estar sujeita ao referido princípio estrito de legalidade, tendo agora (desde a entrada em vigor do NRJC) a faculdade de definir prioridades na organização dos seus recursos com vista aos exercício de poderes sancionatórios, em homenagem a um interesse público de eficiência e celeridade na aplicação da Lei, tendo presente a defesa da concorrência como motor do progresso económico.
Assim, nos termos do referido n.º 1 do artigo 7.º, “no desempenho das suas atribuições legais, a Autoridade da Concorrência é orientada pelo critério do interesse público de promoção e defesa da concorrência, podendo, com base nesse critério, atribuir graus de prioridade diferentes no tratamento das questões que é chamada a analisar.”
E ao abrigo de tal regime, ponderando os seus recursos e prioridades, a AdC decidiu proceder à abertura de inquérito em 03.12.2014, sendo tal decisão insuscetível, de impugnação por parte das Recorrentes ou de controlo judicial.
Não se demonstra aqui, pois, qualquer violação da Lei ou dos princípios inerentes à Boa-Fé na escolha selectiva do momento da abertura do processo de contra-ordenação, sendo de referir que as ora Visadas, conhecedoras das regras do NRJC (não podendo deixar de conhecer) que foi publicado pouco depois da celebração do Acordo de Parceria, poderiam sempre ter posto termo às cláusulas contratuais em causa antes de o mesmo entrar em vigor.
Anote-se que a jurisprudência do STJ que a MCH traz à colação, e que pretende reverter a seu favor, reporta-se a uma situação em que a denúncia/exposição foi arquivada, e, não se procedeu à abertura de processo contraordenacional, conquanto não estava em causa uma infração às regras da concorrência.
Ou seja, o caso analisado pelo tribunal em nada se assemelha ao caso dos autos, no qual a AdC procedeu à abertura de processo contraordenacional que culminou com uma decisão final de condenação. Logo, aquela jurisprudência não é aplicável para a análise do caso sub judice.
Mais se refira que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) que a EDP comercial traz aos autos para sustentar a tese de deslealdade processual da AdC, também não tem, manifestamente, aplicação ao caso sub judice, em particular, e tão-pouco aos processos de contraordenação, em geral, conquanto o artigo 10.º do Código do Procedimento Administrativo (adiante, “CPA”) que invocam não se aplica subsidiariamente à Lei da Concorrência, em matéria de contraordenações, nos termos do artigo 13.º da Lei da Concorrência, que determina a aplicação subsidiária das regras do RGCO.
Concluindo-se assim pela aplicabilidade do NRJC e tendo em consideração os factos imputados como descritos na decisão recorrida, desde já se anota que, tendo os factos contraordenacionais sido executados de forma permanente entre 5 de janeiro de 2012 e 31 de dezembro de 2013, considerando, a causa de suspensão e os eventos interruptivos ocorridos no processo, a coima legal, o disposto no artigo 74., ns.1 a 4, 7 e 8 do NRJC, ainda, que a decisão é objeto de recurso desde 15/9/2017 (data em que o processo foi recebido no Ministério Público, não tendo a AdC, a partir desta mesma data, já possibilidade de modificar a sua decisão perante os recursos, ou, pelo menos, a partir da data do douto despacho judicial que os recebeu a 20/10/2017), encontra-se em curso o prazo máximo de prescrição do procedimento contraordenacional de 10 A, 6 M (5 A+2 A, 6 M+3 A), o qual se afigura, atingirá o seu termo a 30 de junho de 2024.
Improcede, pois, nesta parte, o recurso das Visadas.
***
V. DAS NULIDADES INVOCADAS.
V.1. Da nulidade por falta de prova de factos alegados pela defesa e susceptíveis de concluir pela imputação da contra-ordenação.
Pugnam as Recorrentes Sonae Investimentos e Sonae MC pela nulidade da Sentença Recorrida considerando que o Tribunal a quo não se pronunciou (e, nessa medida, não levou à Sentença), dando como provada ou não provada, a matéria de facto indicada por si aquando do recurso de impugnação judicial da Decisão da AdC.
Mais invocam a inconstitucionalidade “da interpretação do disposto no artigo 374.º, n.º 2 e/ou 379.º, n.º 1, alínea a), ambos do CPP, aplicáveis ex vi artigos 41.º, n.º 1, do RGCO e 83.º da Lei da Concorrência, isoladamente considerados ou em conjugação com qualquer outra disposição, no sentido de que em processo contra-ordenacional a sentença não tem de incluir na enumeração dos factos provados ou não provados os factos alegados pela Visada e por esta reputados como tendo interesse para a causa, sem justificação para a sua não inclusão, (…) por violação do direito de defesa, do princípio da igualdade de armas, do princípio do processo justo e equitativo, do direito à tutela jurisdicional efectiva e do direito ao recurso, nos termos do disposto nos artigos 32.º, n.º 10, 13.º, n.º 1, 20.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa”.
Por seu turno a Recorrente EDP Energias de Portugal, S.A. insurge-se contra a decisão recorrida por entender que não menciona, ao longo do seu texto, o artigo 73.º do NRJC - cujo n.º 2 reproduz o artigo 11.º, n.º 2, do Código Penal - que entendem ser o que define o modelo de imputação do ilícito contraordenacional a uma pessoa coletiva, por alegada violação das normas do direito da concorrência, nem identifica qual das alíneas do respetivo n.º 2 entende estar preenchida in casu, não identifica (i) quem é que ocupava posição de liderança, para efeitos dos n.ºs 2 e 3 do citado artigo 73.º, no quadro da alegada prática do ilícito em discussão e durante toda a vigência da cláusula, (ii) qual a ação ou omissão concretamente praticadas por quem ocupava posição de liderança, (iii) se o fez em nome e no interesse da Recorrente, ou, ao invés, (iv) quais as pessoas singulares que atuaram sob autoridade de quem ocupava posição de liderança (e quem ocupava essa posição), (v) se o fizeram por violação dos deveres de controlo e vigilância desta, e (vi) se todos agiram em nome e no interesse da Recorrente.
Acrescentou que não é possível afirmar que a Recorrente “era a detentora do domínio integral do facto atinente ao clausulado”, pois o Tribunal a quo não julgou provado que a Recorrente tenha tido a iniciativa da cláusula 12.ª ou que tivesse conhecido, discutido, elaborado ou aprovado o clausulado, por isso não tendo praticado atos de execução típica do ilícito contraordenacional por que vem condenada, sendo, pois, imputada à Recorrente, a violação do artigo 9.º, n.º 1, do NRJC a título de responsabilidade objetiva, violadora do princípio da culpa, porque não lhe imputa factos próprios e pessoais que tenha julgado provados.
Concluiu que a norma que resulta da aplicação conjugada dos artigos 9.º, n.º 1, 68.º, n.º 1, alínea a), e 69.º, n.º 2, do NRJC, interpretada no sentido de que, para a punição de uma pessoa coletiva por violação do artigo 9.º, n.º 1, não é necessário enunciar os pressupostos previstos no artigo 73.º doNRJC, confirmar e demonstrar o seu preenchimento, redunda em norma materialmente inconstitucional por violação dos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 12.º, n.º 2, 29.º, 30.º, n.º 3, e 32.º, n.ºs 1, 2 e 10, todos da Constituição da República Portuguesa.
A questão do invocado excesso do controlo da decisão administrativa recorrida será aborada mais adiante.
O Ministério Público e a Autoridade da Concorrência pugnam pela improcedência dos recursos nesta parte.
Apreciando.
Estando em causa o recurso de sentença que conheceu de impugnação judicial de uma decisão administrativa proferida em processo de contra ordenação, importa ter presente o disposto no artigo 75º, n.º 1 do RGCO, que estabelece que, em regra, e salvo se o contrário resultar do diploma, este Tribunal apenas conhece de matéria de direito.
Assim, nos termos da disposição legal citada, este Tribunal da Relação não pode reapreciar a matéria de facto julgada pelo Tribunal recorrido, sem prejuízo de poder tomar conhecimento das nulidades previstas no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Estabelece, por seu turno, o artigo 410º nº2 do Código de Processo Penal, que «mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: al. a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; al. b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e al. c) erro notório na apreciação da prova».
Como decorre expressamente da letra da lei, qualquer um dos elencados vícios tem de dimanar da complexidade global da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso, portanto, a quaisquer elementos que à dita decisão sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo o julgamento, salientando-se também que as regras da experiência apelam para a ideia de “descontinuidades imediatamente apreensíveis nas correlações internas entre factos, que se manifestem no plano da lógica, ou da directa e patente insustentabilidade ou arbitrariedade; descontinuidade ou incongruências ostensivas ou evidentes que um homem médio, com a sua experiência de vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta”.
A insuficiência a que se reporta a citada al. a) ocorre quando os factos provados forem insuficientes para justificar a decisão assumida, ou, quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria relevante, de tal forma que essa matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do juiz.
Tal vício ocorre, assim, quando analisada a peça processual, a conclusão nela contida extravasa as premissas por a matéria de facto provada ser insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada, sempre na economia da decisão.
A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, apenas se verificará quando, analisada a matéria de facto, se chegue a conclusões antagónicas entre si e que não possam ser ultrapassadas, ou seja, quando se dá por provado e como não provado o mesmo facto, quando se afirma e se nega a mesma coisa, ao mesmo tempo, ou quando simultaneamente se dão como provados factos contraditórios ou quando a contradição se estabelece entre a fundamentação probatória da matéria de facto, sendo ainda de considerar a existência de contradição entre a fundamentação e a decisão.
O erro notório na apreciação da prova consiste num vício de apuramento da matéria de facto, que prescinde da análise da prova produzida para se ater somente ao texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum.
Verifica-se o erro notório na apreciação da prova quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.
Para não enfermar de tais vícios, na fundamentação da sentença, para além da enumeração dos factos provados e não provados, deve constar uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal (artigo 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal).
Tais vícios têm, como se assinalou, que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da decisão que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.
Mas não pode incluir-se na insuficiência da matéria de facto, no erro notório na apreciação da prova, ou na contradição insanável da fundamentação, a sindicância que o recorrente possa pretender fazer/efectuar à forma como os factos dados como provados foram julgados ou enquadrados juridicamente ou sequer àquela como o Tribunal Recorrido valorou a prova produzida perante si, valoração que aquele tribunal é livre de fazer, de harmonia com o preceituado no artigo 127.º, do Código Processo Penal, sem que tal encerre qualquer inconstitucionalidade.
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No caso dos autos, percorrendo a sentença, não se vislumbra o apontado vício da insuficiência da matéria de facto, a que alude o artigo 410º nº 2 do Código de Processo Penal.
Antes, como referem a Autoridade da Concorrência e o Ministério Público, não resulta do texto da decisão recorrida (sendo que, como vimos, é deste que tem de resultar), por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, mostrando-se os factos provados da sentença adequados e suficientes para justificar a solução que se adoptou na decisão recorrida e a concreta sanção ali encontrada, cujo mérito melhor analisaremos à frente.
E também não se verifica qualquer omissão de pronúncia.
O referido vício ocorre (apenas) quando a sentença deixa de “pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar” (cfr. artigo 379.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do artigo 41.º do RGCO).
Esta nulidade relaciona-se com a norma ínsita ao artigo 608º, n.º 2 do Código de Processo Civil, pelo que as questões omitidas que ditam a nulidade da sentença em recurso contra-ordenacional são aquelas que tenham sido arguidas pelas partes e as demais cujo conhecimento seja imposto por lei e em relação às quais não se considere que o seu conhecimento ficou prejudicado pela solução dada a outras ou que não são, implicitamente, relevantes para a decisão da causa.
A falta de pronúncia que determina a nulidade incide, pois, sobre as “questões” e “não sobre os motivos ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais, ou seja, a omissão resulta da falta de pronúncia sobre as questões que cabe ao tribunal conhecer e não da falta de pronúncia sobre os motivos ou as razões que os sujeitos processuais alegam em sustentação das questões que submetem à apreciação do tribunal, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte em defesa da sua pretensão”.
Note-se que o Tribunal Recorrido cuidou de elencar todas as questões que importava decidir, quando referiu:
“3. Preliminarmente, atenta a extensão material dos autos e a fim de assegurar a inteligibilidade da decisão, importa esclarecer e estabelecer o seguinte:
- O âmago da questão controvertida destes autos e a cláusula 12.1.a) e 12.2.a) do Plano de Parceria celebrado;
- Não estando em causa, quanto ao seu concreto teor, qualquer discrepância ou imperfeição entre a vontade das partes e a redação da cláusula,
- Mas, apenas, a classificação da cláusula como consubstanciando uma norma anticoncorrencial, constituindo uma infração por objecto (cf. conclusões de recurso das Recorrentes);
- E, ainda, matéria controvertida, aquilatar da envolvência, participação e responsabilidade da EDP Energias e da SONAE Investimentos SGPS, S.A e Sonae MC[9]”.
Assim, e logo como conformado o vício pelas Recorrentes, é manifesto que não está em causa uma omissão de pronúncia.
Na verdade, indicando-se, de forma genérica, que o Tribunal Recorrido não deu como provado qualquer facto relativo à matéria de facto alegada no recurso de impugnação judicial, sem curar de esclarecer aqueles que deveriam, em face da prova produzida, ter sido incluídos nos factos provados, a Recorrente conclui que, o Tribunal omitiu pronúncia sobre as seguintes questões:
- a ausência de identificação de administradores em comum entre a Sonae Investimentos e a Comissão Executiva da Sonae MC;
- enquadramento legal da dita Direção Legal da Sonae Investimentos e à circunstância de a mesma ter sido mobilizada apenas pela MCH e sem intervenção da Sonae Investimentos, omitindo-se que tal não poderia ter sucedido porque a Sonae Investimentos não tinha trabalhadores;
- a inexistência de documentação que sustente o envolvimento da Sonae Investimentos nos documentos relativos à negociação e preparação do acordo de parceria ou Actas do Conselho de Administração da Sonae Investimentos.
Mas não lhes assiste razão. Desde logo cabe ressaltar que o Acordo que vem imputado às Visadas não exige a observância de qualquer forma especial, designadamente a forma escrita.
Ora, a existência ou ausência de administradores em comum entre a Sonae Investimentos e a Sonae MC não constitui uma questão ou sequer um facto, mas antes uma conclusão que há-de resultar dos factos apurados, através da comparação dos concretos administradores que, em cada momento, em uma e outra sociedade, exerceram cargos.
Por outro lado, tais factos ou questões mostram-se irrelevantes face aos factos provados, designadamente nos pontos 1., 15., 17., 22., 23., 24., 33. a 38. e 41. da sentença recorrida, que traduzem a versão dos factos que o Tribunal Recorrido acolheu sobre o envolvimento de todas as Visadas, versão essa que motivou no ponto 3.2. da fundamentação de facto, designadamente da seguinte forma:
“(…) É, pois, neste contexto, que a EDP Energias giza um plano para fazer face àquela liberalização, para o que procede à «solicitação de um pedido de proposta de consultoria externa», isto é, o amiúde referido pedido feito à consultora McKinsey, detalhadamente explicitado pelos Administradores (…) e (…).
Nesta sequência, encimada pela EDP Energias, resulta do cotejo da acta n.º 27/2011, que o CAE (conselho de Administração Executivo da EDP Energias), em 7 de Junho de 2011, decide e determina a «adjudicação, pela EDP Comercial, da proposta apresentada». A EDP Comercial é detida a 100 por cento pela EDP Energias, presidindo àquela (…), também Administrador com assento no CAE da EDP Energias. A intervenção e actuação da EDP Comercial, nesta temática, surge, assim, por determinação, expressa e formalizada, da EDP Energias.
Na verdade, resulta, de forma clarividente, do cotejo crítico do teor destas actas que toda a estratégia é preconizada, gizada e decidida pela EDP Energias, que ulteriormente, na fase de implementação, determina que a execução dessa mesma estratégia, por si gizada, seja objecto de delegação na EDP Comercial, atenta a sua vocação comercial – ou, nas palavras de (…), por ser «a unidade de negócio» a quem compete a comercialização da energia eléctrica.
Posteriormente, a acta n.º 50/2011, datada já de 15 de Novembro de 2011, portanto com um lastro de tempo de cerca de 5 meses, espelha essa mesma execução delegada por parte da EDP Comercial, traduzindo a prestação de contas da EDP Comercial ao CAE da EDP Energias, inclusive por intermédio do Administrador da EDP Comercial responsável pelo Projecto, (…) e da colaboradora (…). Nesta sequência, que envolve um maior detalhamento e concretização do Plano gizado, o CAE da EDP Energias «dá o seu acordo» ao estabelecimento de «negociações com o grupo Sonae, com o propósito de implementar uma parceria, a concretizar em 2012».
É, por isso, manifesto que, esta temática, não surge de baixo para cima, isto é, não se tratou de uma iniciativa da EDP Comercial ulteriormente ratificada pela EDP Energias mas, ao contrário, da conjugação crítica dos elementos temporal e literal vertidos nas actas, resulta inequívoco que foi a EDP Energias quem abraçou o tema da liberalização do mercado de energia elétrica como relevante para o GRUPO EDP (terminologia retirada da acta), para o que solicitou a intervenção de uma consultora e, uma vez aprovadas as premissas da consultora – emparceiramento com um retalhista – determinou e ordenou à sua filha EDP Comercial a concretização do Plano gizado. A EDP Energias foi, por isso, invariavelmente, a detentora do domínio e poder de facto sobre esta matéria, quer na sua origem, quer na sua implementação.
Mais: essa direcção de facto e supervisão não se circunscreveu às linhas gerais e abstractas da estratégia a implementar face à liberalização do mercado, porquanto, resultou da prova testemunhal, produzida em juízo, que o CAE tinha sido informado dos concretos termos do Plano de Parceria subscrito entre a EDP Comercial e a MCH (cfr. depoimento de (…), atestando que nem coisa diferente seria pensável) e que foi o Presidente do CAE, (…), quem liderou a apresentação pública da Parceria em diversos meios de comunicação social, designadamente na Televisão (cfr. depoimento de (…) e documentação junta aos autos, dando nota de um comunicado, apresentado pelo Presidente (…), sobre os termos do Acordo de Parceria EDP/Continente). De igual sorte, a troca de e-mails junta no CD de fls. 168 dos autos, demonstra a intervenção do departamento de Marketing da EDP Energias (através da colaboradora (…)) directamente junto da SONAE MC, contribuindo para o reforço da convicção do Tribunal do papel determinante de direcção e fiscalização que a EDP Energias empreendeu ao longo de todo o processo.
Ora se, conforme explicou (…), o clausulado do acordo de Parceria não foi, em sede de CAE da EDP Energias, objecto de fiscalização e atenção detalhada e pormenorizada, porque este funcionava num ambiente de confiança mútua, quer relacional, quer negocial, isso é questão distinta e que não tem, evidentemente, a virtualidade de eximir a EDP Energias SA dos termos a que a EDP Comercial, por sua determinação, se vinculou.
Com efeito, a intensidade do grau de escrutínio que o CAE dedicou aos termos concretos do clausulado da Parceria apenas ao CAE diz respeito. Nessa medida, se o CAE actuou afrouxando, naquele particular aspecto, os seus poderes de direção e fiscalização, demitindo-se de uma maior envolvência e escrutínio isso é normativamente irrelevante, pois que, para efeitos de apuramento da sua responsabilidade, o que releva é que, não só a actuação da EDP Comercial acontecia por sua determinação, como teve à sua disposição os meios concretos e adequados para exercer uma efectiva supervisão sobre o teor do clausulado. O referido clausulado não lhe foi sonegado, correspondia aos ditames por si gizados e foi-lhe, concretamente, disponibilizado na véspera da sua assinatura, permitindo-lhe, se assim o quisesse, não dar o seu acordo à cláusula 12 objecto de censura dos, impedindo a sua entrada em vigor. (…)
No que concerne à Visada Sonae Investimentos SGPS. S.A., a sua envolvência decorre de constar na cláusula 12.1.a), ali se podendo ler que a restrição ali vertida - obrigação de «não desenvolver (…) a actividade de comercialização de energia eléctrica e de gás natural em Portugal continental – não só a abrange, como também abarca as sociedades por si maioritariamente participadas. Neste conspecto, da prova testemunhal produzida em juízo (em particular do depoimento de (…)) resultou que, além do recurso a apoio jurídico externo, foi a Direcção Legal da Sonae Investimentos quem acompanhou a elaboração do clausulado da Parceria, objecto dos autos, actuação que traduz um comportamento concludente, atinente à envolvência, direcção e fiscalização que exerceu sobre o clausulado do Acordo de Parceria. A este respeito, cumpre assinalar que se saúda a sinceridade do depoente (…) na parte em que reconhece que as marcas da SONAE Investimento, que tinham insígnias que permitiam a ativação do vale, não receberam, da EDP Comercial, qualquer informação sobre o perfil de consumo de electricidade dos clientes aderentes. Assim sendo, evidentemente que a restrição imposta à SONAE INVESTIMENTO – por si directamente ou por intermédio de sociedade maioritariamente participada – não tinha, uma vez mais repete-se, a sua «razão de ser» no teor da Parceria propriamente dita, constituindo, antes, a corporização da intenção das Visadas de firmar, entre si, mútua e reciprocamente, um pacto de não concorrência - que, aliás, estenderam para lá das Partes subscritoras do Acordo de Parceria.
Ainda com interesse para o objecto dos autos, foi inquirido em juízo (…), administrador de várias empresas da EFANOR e da SONAE SGPS, exerce funções como Administrador das holdings (sociedade gestoras de participações), com ligação especial à área financeira. Integrava o C.A. da Sonae Investimentos e da SONAE SGPS (sendo administrador desde 2000). Além disso, integrou o C.A da SONAE Capital por duas vezes, a mais recente em 2019. Exerceu também funções de Administrador na SONAE COM, desde 2007 até à actualidade, presentemente como presidente da Comissão Executiva. Na Sociedade MDS – mediador de seguros - foi administrador e Presidente, explicitando que se trata de empresa que se dedica, há cerca de 40 anos, à mediação de seguros.
Sobre os factos em concreto, afiançou que, na qualidade de Administrador da SONAE INVESTIMENTOS, detentor da participação da SONAE MC teve conhecimento da parceria, enjeitando ter tido intervenção na negociação e na concretização do Acordo de Parceria. Segundo disse, só teve conhecimento do teor concreto da Parceria após o presente processo judicial. Descreveu a Parceria como marginal na perspetiva do investimento, não sabendo quantificar o lucro obtido, por se tratar, essencialmente, segundo caracterização, de um benefício indireto, decorrente da publicidade e do reforço, por essa via, do posicionamento da empresa, através do reforço da fidelização dos clientes.
Instado, esclareceu que a SONAE SGPS consolida contas por referência a todas as empresas que controla e por via do método da equivalência patrimonial integra nessa consolidação as participações que não são de controlo, obedecendo a uma consolidação por patamar que envolve cerca de 500 empresas. Explicitou, ainda, que a SONAE SGPS detinha a 100 por cento a SONAE Investimentos e esta, por sua vez, detinha a SONAE MC e outras sociedades da área do retalho.
Neste iter explicou que a Sonae Investimentos não assinou, como parte, a Parceira, segundo disse, devido à sua natureza de holding, detendo várias sociedades, entre elas a SONAE CENTER (detida a 100 por cento pela SONAE Investimentos), que são centros de competência que colaboram a pedido de outras sociedades no apoio a outras sociedades, em matéria, contabilística, fiscal ou de assessoria jurídica. Descrevendo a relação entre as visadas, clarificou que a SONAE Investimentos integra vários centros de competência que podem ser acedidas pelas outras empresas do Grupo, a fim de lhes ser prestada assistência. Uma das áreas mais solicitadas é a contabilidade e a direcção legal, a qual é constituída por uma equipa de juristas que, transversalmente e independentemente da dimensão da sociedade, presta apoio jurídico sempre que lhe seja solicitado e sem prejuízo do recurso a serviços externos.
Confrontado com o teor concreto da cláusula 12, número 1, alínea a), e a referência às sociedades maioritariamente detidas pela SONAE INVESTIMENTOS, explicou que o eco Sistema cartão continente é gerido pela MCH e tem que haver uma que assume a coordenação do Programa e, nessa lógica, a intervenção da SONAE INVESTIMENTOS intervém em beneficio de todas as sociedades que estão nesse ecossistema, sendo que, segundo disse, a cláusula não representava para elas um constrangimento relevante pois não estavam relacionadas com o mercado da energia.  Contudo, em apreciação crítica deste segmento do depoimento, cumpre realçar que a referência às sociedades participadas maioritariamente pela SONAE iNVestimentos SGPS, S.A não contempla – e podia tê lo feito – qualquer delimitação ou restrição dessas sociedades quanto ao objecto comercial prosseguido. Por outras palavras, a afirmação de que a restrição ali inscrita se circunscrevia ao negócio do retalho alimentar não encontra respaldo no teor da cláusula consignada, que vincula, sem especificação em matéria de negócio ou objecto social, qualquer sociedade maioritariamente participada pela SONAE INVESTIMENTOS SGPS S.A..
Resumindo, da conjugação destes depoimentos com o cotejo crítico da literalidade da cláusula resulta que, no intercâmbio de informação que se estabeleceu por causa da Parceria, a SONAE Investimentos não recebeu da EDP Comercial informação sobre o perfil de consumo dos clientes aderentes ao Plano. Ora, a literalidade de cláusula que expressamente lhe é estendida, a ausência de necessidade de protecção de qualquer informação decorrente da Parceria e a circunstância de a MCH ser detida maioritariamente pela SONAE Investimentos por sua vez detida maioritariamente pela SONAE SGPS, a agilização da Direcção Legal para prestar assessoria jurídica ao clausulado, sedimentaram a convicção do Tribunal quanto à sua envolvência e responsabilidade. (…)”.
Não pode, pois, validamente, colocar-se em dúvida que o Tribunal apreciou a nível de fundamentação de facto – provados e não provados - e da motivação dos mesmos, a versão de que se convenceu sobre o envolvimento das Recorrentes, dos meios de prova que sustentam os mencionados factos provados que descrevem os comportamentos imputados, resultando do texto que os factos alegados em contradição com tal versão não se provaram, e as razões porque assim sucedeu.
Basta, pois, uma leitura atenta da fundamentação de facto para se concluir pela apreciação de toda a factualidade alegada e pela análise dos meios de prova documental e pessoal que cabalmente contrariam a alegação genérica que é feita pelas Recorrentes de que todos factos por si alegados foram desconsiderados.
O simples facto de a versão das Recorrentes sobre a matéria de facto provada não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal, não consubstancia qualquer vício na decisão sobre matéria de facto, nem importa contradições, ou sequer a insuficiência da matéria de facto.
Conclui-se, pois, que a sentença não enferma neste ponto da aludida nulidade por insuficiência da matéria de facto, não existindo também qualquer nulidade da sentença por falta de pronúncia. 
E mais à frente, em sede de análise jurídica, refere-se na decisão recorrida:
“(…) Preliminarmente, importa ter presente que, de acordo com o disposto no artigo 3.º do NRJC, considera-se empresa, para efeitos da presente lei, qualquer entidade que exerça uma atividade económica que consista na oferta de bens ou serviços num determinado mercado, independentemente do seu estatuto jurídico e do seu modo de financiamento. Segundo o número 2, considera-se uma única empresa o conjunto de empresas que, embora juridicamente distintas, constituem uma unidade económica ou mantêm entre si laços de interdependência decorrentes, nomeadamente, de uma participação maioritária no capital; da detenção de mais de metade dos votos atribuídos pela detenção de participações sociais; da possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração ou de fiscalização; do poder de gerir os respetivos negócios.
Preconiza Moura e Silva que a teleologia da norma, erigida sobre um conceito que denomina de funcional da empresa, «justifica-se porque, enquanto unidade económica, os atos de parte da empresa repercutem-se sobre a mesma como um todo: economicamente, porque existe um centro único de controlo e de imputação da definição da conduta concorrencial, sendo indiferente a forma de organização: com mera sucursais ou através de subsidiárias: juridicamente, porque as necessidades de prevenção especial se fazem sentir relativamente ao ente empresa e não apenas quanto à unidade que tem participação no ilícito contraordenacional» [10]. (…)
Não sendo controvertido entre as Visadas a relação de domínio que exercem sobre as respectivas subsidiárias (tal como decorre do artigo 488.º do Código de Sociedades Comerciais) ainda assim quer a EDP Energias, quer a SONAE Investimentos, quer a SONAE MC contestam que lhes possa ser assacada responsabilidade contraordenacional.
Vejamos, então.
No que à EDP Energias respeita importa, desde logo, ter presente que detém a 100 por cento a EDP Comercial. A este respeito, cumpre ainda ter presente que a EDP Energias constitui a empresa mãe do Grupo EDP (cuja estrutura acionista se acha melhor descriminada no ponto 110 da decisão recorrida), sendo as suas participadas em função da área de negócio a que se dedicam: edp comercial, edp distribuição, edp gestão de produção de energia, edp serviço universal, edp Gás, etc.
Por outro lado, do acervo factual apurado – decorrente da conjugação crítica da prova, documental e pessoal, produzida em juízo – resulta que foi a sociedade-mãe, EDP Energias, quem, ainda em Maio de 2011 e já antevendo a aceleração do processo liberalização do mercado – por força da TROIKA, foi imposto um incremento de vinte por cento do preço das tarifas reguladas – determinou a adjudicação, a uma consultora, de um Plano de preparação da nova realidade. Confrontado com esse plano é o CAE quem consente no estabelecimento de uma parceria com o Grupo Sonae e quem autoriza, determina e supervisiona o estabelecimento dessa parceria para angariação de clientes BTN. Mais resulta da documentação junta que, na véspera de assinatura do Acordo de Parceria, a EDP Energias aprovou o plano comercial para 2012, mantendo, de acordo com as actas ulteriores, a supervisão da execução do Plano. O Acordo foi subscrito (…), presidente da Administração da EDP Comercial e membro do CAE da EDP Energias, que não disputa ter levado o seu teor ao CAE, embora tenha aventado, atento o lapso de tempo decorrido, não ter memória de discussão sobre o clausulado concreto. O plano EDP Continente foi objecto de apresentação pública, em vários meios de comunicação social, pelo presidente da EDP Energias, (…).
Ora, a este propósito, como se teve ocasião de assinalar a respeito da fundamentação da matéria de facto, decorre, impressivamente, do que antecede que a EDP Comercial actuou, invariavelmente, determinada, orientada e supervisionada pela EDP Energias, sendo, por isso, irrelevante, para efeitos de apuramento da sua responsabilidade contraordenacional, que não figure como parte subscritora do acordo. É, de igual modo, irrelevante, para os efeitos ora em análise, a circunstância de o clausulado ter sido, ou não, pormenorizadamente analisado pelo CAE: o que releva é que podia ter sido, que o clausulado lhe foi comunicado e esteve à sua disposição, na véspera da entrada em vigor, sobre ele podendo ter exercido total escrutínio, inclusive, impedindo a sua entrada em vigor. Se o CAE da EDP Energias afrouxou esses poderes de sindicância e escrutínio, relativamente aos quais detinha pleno controlo e domínio do facto, só a si pode ser assacado e, logicamente, não pode ter a virtualidade de o eximir da responsabilidade contraordenacional decorrente da consignação de uma cláusula anti-concorrencial. A ser assim, no limite, estaria encontrada uma fórmula de eximir de responsabilidade, apenas porque assim se quis, a empresa-mãe que gizou, concebeu, determinou, autorizou e supervisionou o Plano executado pela empresa filha. Há, pois, que concluir que a EDP Energias era a detentora do domínio integral do facto atinente ao clausulado inscrito pelas Partes no Acordo de Parceria, razão porque o caracter ilícito da cláusula anti concorrencial ali aposta, lhe é imputável. Das regras da experiência comum e da normalidade social resulta que, no particular contexto económico, comercial e jurídico, em que a Parceria foi forjada, a EDP Energias representou e actuou com intenção de avalizar e implementar, por via da EDP Comercial, a cláusula anti concorrencial censurada.
Vejamos, agora, se relativamente às Visadas SONAE Investimentos e SONAE MC há lugar a idêntica responsabilização.
Do acervo factual aturado resulta que, pelo menos desde 5 de janeiro de 2012, a Sonae Investimentos detém 100% do capital da MCH, outorgante do Acordo de Parceria. Segundo (…) – ouvido na qualidade de legal representante – a Sonae Investimentos reúne seis vezes por ano, com o fito de empreender uma análise trimestral dos negócios das suas participadas, aprovar o plano estratégico anual das participadas e proceder a um balanço intermédio. Aquando da negociação e celebração do acordo de Parceria, a Sonae Investimentos e a Sonae MC tinham dois administradores comuns: (…) e (…), dedicando-se as holdings a aprovar a estratégia apresentada por cada uma das sociedades representativa da unidade de negócio e, nessa medida e em consequência, a determinar a alocação dos meios financeiros e humanos necessários para o efeito. Em matéria de consolidação de contas, a SONAE INVESTIMENTOS consolida as contas das filhas e, por seu turno, as suas contas são consolidadas pela EFANOR Investimentos SGPS, S.A.. No caso da SONAE Investimentos, é a mesma expressamente inscrita e vinculada pela alínea a), do número 1 da cláusula 12, vinculação arrimada na circunstância de constituir a sociedade que encimava as sociedades participantes no ecossistema do cartão continente. Acresce que, a Direcção Legal da SONAE Investimentos negociou e assessorou o estabelecimento do Acordo de Parceria[11]. A SONAE CENTER, por seu turno, era detida a 100 por cento pela SONAE SGPS S.A.[12] Já a SONAE SGPS detinha 76,8556% da Sonae Investimentos, correspondendo 25,029% a uma participação direta e 51,827% a uma participação indireta através da sua subsidiária Sonaecenter Serviços, S.A. (cfr. a mesma documentação).
O Plano EDP Continente foi objecto de publicitação como pertencente ao Grupo SONAE no Relatório Financeiro consolidado relativo a 2012 da Sonae SGPS, sendo que, à data da celebração e negociação do Acordo de Parceria, (…) ocupava funções no Conselho de Administração da MCH e no Conselho de Administração da Sonae MC.
Donde, em síntese, a Modelo Continente, subscritora do Acordo de Parceria, a Sonae Investimentos expressamente abrangida pelo teor restritivo da cláusula 12.1.a) – cujo teor da Parceria assessorou e negociou por via da sua direcção Legal – e a SONAE MC que aprovou, na Comissão Executiva, o PLANO EDP Continente, são, por isto mesmo, responsáveis pelo teor do pacto de concorrência firmado. (…)”
E também não determina qualquer dos supra elencados vícios geradores de nulidade da sentença recorrida (insuficiência, contradição ou omissão de pronúncia) a discordância relativamente ao enquadramento jurídico dos factos relativo, designadamente às sociedades que não subscreveram o Acordo de Parceria.
É de sublinhar que a sentença, neste ponto, partiu do conceito de empresa previsto no artigo 3º do NRJC.
Muito se tem escrito acerca do conceito de empresa no âmbito do direito europeu da concorrência, designadamente para efeito do disposto no artigo 101º do TFUE, em que surgem constantemente dois conceitos reputados de elementares na delimitação da responsabilidade da sociedade mãe – os conceitos de “unidade económica” e de “influência decisiva”[13].
Como adiante melhor explicitaremos, a fonte deste preceito é, claramente o já citado art.º 81º (actual art.º 101º) do TFUE, que tem sido objecto de intenso labor por parte da Comissão e do TJUE, o qual terá, evidentemente, que ser tido em conta na interpretação e aplicação do art.º 3º. Pode afirmar-se com segurança que, com as devidas adaptações, é, no caso, às orientações da Comissão e decisões desta e dos Tribunais Europeus que deve ir buscar-se a integração da norma. Os conceitos são os mesmos e têm sido intensamente trabalhados e estudados e valem para o nosso direito interno como para o direito europeu.
Introduzido com a jurisprudência “Stora”[14] o princípio segundo o qual nos casos de detenção da totalidade do capital social de uma sociedade por outra subsidiária, presume-se (presunção de natureza ilidível) o controlo da sociedade-mãe sobre a sua política comercial, podendo ser afirmada uma unidade económica, pode ler-se no Acórdão “Akzo Nobel” proferido em 10.09.2009[15] pelo Tribunal de Justiça:
(…) 54 A título preliminar, importa salientar que o direito comunitário da concorrência visa as actividades das empresas (acórdão de 7 de Janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C-204/00 P, C-205/00 P, C-211/00 P, C-213/00 P, C-217/00 P e C-219/00 P, Colect., p. I-123, n.º 59) e que o conceito de empresa abrange qualquer entidade que exerça uma actividade económica, independentemente do estatuto jurídico dessa entidade e do seu modo de financiamento (v., nomeadamente, acórdãos Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido, n.º 112; de 10 de Janeiro de 2006, Cassa di Risparmio di Firenze e o., C-222/04, Colect., p. I-289, n.º 107; e de 11 de Julho de 2006, FENIN/Comissão, C-205/03 P, Colect., p. I-6295, n.º 25).
55  O Tribunal de Justiça precisou igualmente que o conceito de empresa, inserido nesse contexto, deve ser entendido como designando uma unidade económica, mesmo que, do ponto de vista jurídico, essa unidade económica seja constituída por várias pessoas singulares ou colectivas (acórdão de 14 de Dezembro de 2006, Confederación Española de Empresarios de Estaciones de Servicio, C-217/05, Colect., p. I-11987, n.º 40).
56  Quando uma tal entidade económica infringe as regras da concorrência, incumbe-lhe, de acordo com o princípio da responsabilidade pessoal, responder por essa infracção (v., neste sentido, acórdãos de 8 de Julho de 1999, Comissão/Anic Partecipazioni, C-49/92 P, Colect., p. I-4125, n.º 145; de 16 de Novembro de 2000, Cascades/Comissão, C-279/98 P, Colect., p. I-9693, n.º 78; e de 11 de Dezembro de 2007, ETI e o., C-280/06, Colect., p. I-10893, n.º 39).
57   A infracção ao direito comunitário da concorrência deve ser imputada sem equívoco a uma pessoa jurídica, à qual poderão ser aplicadas coimas, e a comunicação das acusações deve ser dirigida a esta última (v., neste sentido, acórdãos Aalborg Portland e o./Comissão, já referido, n.º 60, e de 3 de Setembro de 2009, Papierfabrik August Koehler e o./Comissão, C-322/07 P, C-327/07 P e C-338/07 P, n.º 38). É igualmente importante que a comunicação das acusações indique em que qualidade a pessoa jurídica é acusada dos factos alegados.
58        Resulta de jurisprudência assente que o comportamento de uma filial pode ser imputado à sociedade-mãe, designadamente quando, apesar de ter personalidade jurídica distinta, essa filial não determinar de forma autónoma o seu comportamento no mercado, mas aplicar no essencial as instruções que lhe são dadas pela sociedade-mãe (v., neste sentido, acórdãos Imperial Chemical Industries/Comissão, já referido, n.ºs 132 e 133; Geigy/Comissão, já referido, n.º 44; de 21 de Fevereiro de 1973, Europemballage e Continental Can/Comissão, 6/72, Colect., p. 109, n.º 15; e Stora, já referido, n.º 26), atendendo em particular aos vínculos económicos, organizacionais e jurídicos que unem essas duas entidades jurídicas (v., por analogia, acórdãos, já referidos, Dansk Rørindustri e o./Comissão, n.º 117, e ETI e o., n.º 49).
59 Com efeito, é assim porque, nessa situação, a sociedade-mãe e a sua filial fazem parte de uma mesma unidade económica e, portanto, formam uma única empresa, na acepção da jurisprudência mencionada nos n.ºs 54 e 55 do presente acórdão. Assim, o facto de uma sociedade-mãe e a sua filial constituírem uma única empresa, na acepção do artigo 81.º CE, permite à Comissão dirigir à sociedade-mãe uma decisão que aplica coimas, sem que seja necessário demonstrar a implicação pessoal desta última na infracção.
60  No caso especial de uma sociedade-mãe deter 100% do capital da sua filial que cometeu uma infracção às regras comunitárias da concorrência, por um lado, essa sociedade-mãe pode exercer uma influência determinante no comportamento dessa filial (v., neste sentido, acórdão Imperial Chemical Industries/Comissão, já referido, n.ºs 136 e 137), e, por outro, existe uma presunção ilidível segundo a qual a referida sociedade-mãe exerce efectivamente uma influência determinante no comportamento da sua filial (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, AEG-Telefunken/Comissão, n.º 50, e Stora, n.º 29).
61 Nestas condições, basta que a Comissão prove que a totalidade do capital de uma filial é detida pela respectiva sociedade-mãe, para se presumir que esta exerce uma influência determinante na política comercial dessa filial. A Comissão pode, em seguida, considerar que a sociedade-mãe é solidariamente responsável pelo pagamento da coima aplicada à sua filial, a menos que essa sociedade-mãe, a quem incumbe ilidir a referida presunção, apresente elementos de prova suficientes, susceptíveis de demonstrar que a sua filial se comporta de forma autónoma no mercado. (v., neste sentido, acórdão Stora, n.º 29).
62 Como foi acertadamente salientado pelo Tribunal de Primeira Instância no n.º 61 do acórdão recorrido, apesar de o Tribunal de Justiça ter evocado nos n.ºs 28 e 29 do acórdão Stora, para além da detenção de 100% do capital da filial, outras circunstâncias, tais como a não contestação da influência exercida pela sociedade-mãe na política comercial da sua filial e a representação comum das duas sociedades durante o procedimento administrativo, não é menos verdade que tais circunstâncias foram referidas pelo Tribunal de Justiça apenas com o objectivo de expor todos os elementos nos quais o Tribunal de Primeira Instância tinha baseado o seu raciocínio, e não para subordinar a aplicação da presunção mencionada no n.º 60 do presente acórdão à produção de indícios suplementares relativos ao exercício efectivo de uma influência pela sociedade-mãe.
63 Resulta de todas estas considerações que o Tribunal de Primeira Instância não cometeu erro jurídico algum ao declarar que, quando uma sociedade-mãe detém 100% do capital da sua filial, existe uma presunção ilidível segundo a qual essa sociedade-mãe exerce uma influência determinante no comportamento da sua filial.
64  Consequentemente, uma vez que a Comissão não estava obrigada, no que respeita à imputabilidade da infracção, a apresentar, na fase da comunicação das acusações, outros elementos para além da prova referente à detenção pela sociedade-mãe do capital das suas filiais, o argumento das recorrentes relativo à violação dos direitos de defesa não pode ser acolhido.
65 No que respeita à crítica do n.º 62 do acórdão recorrido, basta referir que dele não resulta, de maneira nenhuma, que o Tribunal de Primeira Instância reduziu as possibilidades de ilidir a presunção mencionada no n.º 60 do presente acórdão apenas aos casos em que tivessem sido emitidas directivas pela sociedade-mãe. Pelo contrário, resulta dos n.ºs 60 e 65 do acórdão recorrido que o Tribunal de Primeira Instância adoptou uma posição relativamente ampla a este respeito, considerando, designadamente, que incumbe à sociedade-mãe submeter à apreciação do Tribunal de Primeira Instância todos os elementos relativos aos vínculos organizacionais, económicos e jurídicos entre ela e a sua filial, susceptíveis de demonstrar que não constituem uma única entidade económica.(…)” (o destacado é nosso).
Recentemente, este entendimento foi reiterado no Acórdão do TJ de 27.04.2017, também denominado “Akzo Nobel”[16], no qual se voltou a entender que:
“(…) 47 Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o direito da concorrência da União visa as atividades das empresas e que o conceito de empresa abrange qualquer entidade que exerça uma atividade económica, independentemente do seu estatuto jurídico e do seu modo de financiamento (acórdão de 11 de dezembro de 2007, ETI e o., C‑280/06, EU:C:2007:775, n.º 38).
48 O Tribunal de Justiça precisou igualmente que o conceito de empresa, inserido nesse contexto, deve ser entendido no sentido de que designa uma unidade económica, mesmo que, do ponto de vista jurídico, essa unidade económica seja constituída por várias pessoas singulares ou coletivas (acórdão de 20 de janeiro de 2011, General Química e o./Comissão, C‑90/09 P, EU:C:2011:21, n.º 35).
49 Quando essa entidade económica viola as regras da concorrência, cabe‑lhe, segundo o princípio da responsabilidade pessoal, responder por essa infração (acórdão de 29 de março de 2011, ArcelorMittal Luxembourg/Comissão e Comissão/ArcelorMittal Luxembourg e o., C‑201/09 P e C‑216/09 P, EU:C:2011:190, n.º 95).
50 Em segundo lugar, a infração ao direito da concorrência da União deve ser imputada sem equívoco a uma pessoa jurídica, à qual poderão ser aplicadas coimas, e a comunicação das acusações deve ser dirigida a esta última (v., neste sentido, acórdão de 10 de setembro de 2009, Akzo Nobel e o./Comissão, C‑97/08 P, EU:C:2009:536, n.º 57).
51 Nem o artigo 23.º, n.º 2, alínea a), do Regulamento n.º 1/2003 nem a jurisprudência determinam que pessoa coletiva ou singular a Comissão deve declarar responsável pela infração e sancionar através da aplicação de uma coima (v., neste sentido, acórdão de 11 de julho de 2013, Team Relocations e o./Comissão, C‑444/11 P, não publicado, EU:C:2013:464, n.º 159).
52 Em contrapartida, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a conduta ilícita de uma filial pode ser imputada à sociedade‑mãe quando, designadamente, embora tendo uma personalidade jurídica distinta, esta filial não determina de forma autónoma o seu comportamento no mercado, mas aplica essencialmente instruções que lhe são dadas pela sociedade‑mãe, tendo em conta em particular as ligações económicas, organizacionais e jurídicas que unem ambas as entidades jurídicas (v., neste sentido, acórdãos de 14 de julho de 1972, Imperial Chemical Industries/Comissão, 48/69, EU:C:1972:70, n.ºs 131 a 133; de 25 de outubro de 1983, AEG‑Telefunken/Comissão, 107/82, EU:C:1983:293, n.ºs 49 a 53; de 11 de julho de 2013, Team Relocations e o./Comissão, C‑444/11 P, não publicado, EU:C:2013:464, n.º 157; e de 17 de setembro de 2015, Total/Comissão, C‑597/13 P, EU:C:2015:613, n.º 35).
53 É assim porque, nessa situação, a sociedade‑mãe e a sua filial fazem parte de uma mesma unidade económica e, portanto, formam uma única empresa, na aceção do direito da concorrência da União (acórdão de 11 de julho de 2013, Team Relocations e o./Comissão, C‑444/11 P, não publicado, EU:C:2013:464, n.º 157).
54 A este respeito, no caso concreto em que uma sociedade‑mãe detém a totalidade ou a quase totalidade do capital da sua filial que cometeu uma infração às regras de concorrência da União, existe uma presunção ilidível de que essa sociedade‑mãe exerce efetivamente uma influência determinante sobre a sua filial (v., neste sentido, acórdão de 26 de novembro de 2013, Groupe Gascogne/Comissão, C‑58/12 P, EU:C:2013:770, n.º 38).
55 Essa presunção implica, se não for ilidida, que o exercício efetivo, por uma sociedade‑mãe, de uma influência determinante sobre a sua filial é considerada provada e confere à Comissão legitimidade para responsabilizar a primeira pelo comportamento da segunda, sem ter de apresentar nenhuma prova suplementar (v., neste sentido, acórdão de 16 de junho de 2016, Evonik Degussa e AlzChem/Comissão, C‑155/14 P, EU:C:2016:446, n.º 30).
56 Sublinhe‑se, em terceiro lugar, que, nos termos de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, a sociedade‑mãe à qual foi imputada a conduta ilícita da sua filial é pessoalmente condenada por uma infração das regras de concorrência da União que se considera ter sido cometida pela própria, devido à influência determinante que exercia sobre a filial e que lhe permitia determinar o comportamento desta última no mercado (v., neste sentido, acórdãos de 14 de julho de 1972, Imperial Chemical Industries/Comissão, 48/69, EU:C:1972:70, n.ºs 140 e 141; de 16 de novembro de 2000, Metsä‑Serla e o./Comissão, C‑294/98 P, EU:C:2000:632, n.ºs 28 e 34; de 26 de novembro de 2013, Kendrion/Comissão, C‑50/12 P, EU:C:2013:771, n.º 55; de 10 de abril de 2014, Comissão e o./Siemens Österreich e o., C‑231/11 P a C‑233/11 P, EU:C:2014:256, n.º 49; e de 8 de maio de 2014, Bolloré/Comissão, C‑414/12 P, não publicado, EU:C:2014:301, n.º 44).
57 Conforme se recordou no n.º 49 do presente acórdão, o direito da concorrência da União assenta no princípio da responsabilidade pessoal da unidade económica que cometeu a infração. Assim, se a sociedade‑mãe faz parte dessa unidade económica, é considerada pessoal e solidariamente responsável, juntamente com as outras pessoas jurídicas que constituem a referida unidade, pela infração cometida (v., neste sentido, acórdão de 10 de setembro de 2009, Akzo Nobel e o./Comissão, C‑97/08 P, EU:C:2009:536, n.º 77).
58 É por isso que a relação de solidariedade que existe entre duas sociedades que constituem uma unidade económica não pode ser reduzida, no que se refere ao pagamento da coima, a uma forma de caução prestada pela sociedade‑mãe para garantir o pagamento da coima aplicada à filial (v., neste sentido, acórdãos de 26 de novembro de 2013, Kendrion/Comissão, C‑50/12 P, EU:C:2013:771, n.ºs 55 e 56, e de 19 de junho de 2014, FLS Plast/Comissão, C‑243/12 P, EU:C:2014:2006, n.º 107).
59 Em quarto lugar, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, na hipótese em que a responsabilidade da sociedade‑mãe resulta exclusivamente da participação direta da sua filial na infração e em que essas duas sociedades interpuseram recursos paralelos com o mesmo objeto, o Tribunal Geral pode, sem decidir ultra petita, ter em conta a anulação da declaração da infração relativamente à filial quanto a um período determinado e, correlativamente, reduzir o montante da coima aplicada à sociedade‑mãe solidariamente com a sua filial (v., neste sentido, acórdão de 22 de janeiro de 2013, Comissão/Tomkins, C‑286/11 P, EU:C:2013:29, n.ºs 34, 38, 39 e 49).
60 A este respeito, o Tribunal de Justiça salientou, por um lado, que, para imputar a responsabilidade a qualquer entidade de uma unidade económica, é necessário que se faça prova de que pelo menos uma entidade infringiu as regras de concorrência da União e que esta circunstância seja salientada numa decisão que se tornou definitiva e, por outro, que não é relevante a razão pela qual foi declarada a inexistência de conduta ilícita da filial (v., neste sentido, acórdão de 22 de janeiro de 2013, Comissão/Tomkins, C‑286/11 P, EU:C:2013:29, n.ºs 37 e 38).
61 Foi neste contexto que o Tribunal de Justiça se referiu ao caráter totalmente derivado da responsabilidade em que incorre a sociedade‑mãe pelo simples facto de uma filial ter participação direta na infração (v., neste sentido, acórdão de 22 de janeiro de 2013, Comissão/Tomkins, C‑286/11 P, EU:C:2013:29, n.ºs 34, 38, 43 e 49). Com efeito, nesse caso, a responsabilidade da sociedade‑mãe tem origem na conduta ilícita da sua filial, que é atribuída à sociedade‑mãe atendendo à unidade económica que essas sociedades constituem. Por conseguinte, a responsabilidade da sociedade‑mãe depende necessariamente dos factos constitutivos da infração cometida pela sua filial aos quais a sua responsabilidade está inextricavelmente vinculada.
62 Por motivos idênticos, o Tribunal de Justiça precisou que, numa situação em que nenhum fator caracteriza individualmente o comportamento imputado à sociedade‑mãe, a redução do montante da coima aplicada à filial solidariamente com a sua sociedade‑mãe deve, em princípio, estando cumpridos os pressupostos processuais, estender‑se à sociedade‑mãe (v., neste sentido, acórdão de 17 de setembro de 2015, Total/Comissão, C‑597/13 P, EU:C:2015:613, n.ºs 10, 37, 38, 41 e 44).
63 Em quinto lugar, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o exercício do poder da Comissão em matéria de aplicação de sanções pode prescrever relativamente à filial, e não à sua sociedade‑mãe, mesmo quando a responsabilidade desta se baseie totalmente na conduta ilícita adotada pela filial (v., neste sentido, acórdão de 29 de março de 2011, ArcelorMittal Luxembourg/Comissão e Comissão/ArcelorMittal Luxembourg e o., C‑201/09 P e C‑216/09 P, EU:C:2011:190, n.ºs 102, 103, 148 e 149).(…)”(destacado nosso).
E mais recentemente ainda, no Acórdão de 14.02.2019[17], o mesmo TJ entendeu que:
“(…) 29 Com efeito, resulta da redação do artigo 101.º, n.º 1, TFUE que os autores dos Tratados escolheram utilizar o conceito de «empresa» para designar o autor de uma violação da proibição enunciada nessa disposição (v., neste sentido, Acórdão de 27 de abril de 2017, Akzo Nobel e o./Comissão, C‑516/15 P, EU:C:2017:314, n.º 46).
30 Além disso, é jurisprudência constante que o direito da concorrência da União visa as atividades das empresas (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de dezembro de 2007, ETI e o., C‑280/06, EU:C:2007:775, n.º 38 e jurisprudência referida, e de 18 de dezembro de 2014, Comissão/Parker Hannifin Manufacturing e Parker‑Hannifin, C‑434/13 P, EU:C:2014:2456, n.º 39 e jurisprudência referida).
31 Ora, uma vez que a responsabilidade do prejuízo resultante das infrações às regras de concorrência da União tem caráter pessoal, incumbe à empresa que viola essas regras responder pelo prejuízo causado pela infração.
32 Resulta das considerações expostas que as entidades obrigadas a reparar o prejuízo causado por um cartel ou por uma prática proibida pelo artigo 101.º TFUE são as empresas, na aceção desta disposição, que participaram nesse cartel ou nessa prática.
33 Esta interpretação não é posta em causa pelo argumento da Comissão Europeia, apresentado na audiência, segundo o qual resulta do artigo 11.º, n.º 1, da Diretiva 2014/104/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de novembro de 2014, relativa a certas regras que regem as ações de indemnização no âmbito do direito nacional por infração às disposições do direito da concorrência dos Estados‑Membros e da União Europeia (JO 2014, L 349, p. 1), nos termos do qual os Estados‑Membros asseguram que as empresas que infringem o direito da concorrência por meio de um comportamento conjunto sejam solidariamente responsáveis pelos danos causados pela infração ao direito da concorrência, que compete à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro determinar a entidade que é obrigada a reparar esse prejuízo, em conformidade com os princípios da equivalência e da efetividade.
34 Com efeito, esta disposição da Diretiva 2014/104, diretiva que não é, aliás, aplicável ratione temporis aos factos em causa no processo principal, respeita, não à determinação das entidades obrigadas a reparar esse prejuízo, mas à repartição da responsabilidade entre as referidas entidades e, logo, não confere poderes aos Estados‑Membros para procederem a essa determinação.
35 Pelo contrário, a referida disposição confirma, como fez o artigo 1.º da Diretiva 2014/104, sob a epígrafe «Objeto e âmbito de aplicação», no seu n.º 1, primeiro período, que os responsáveis pelo prejuízo causado por uma infração ao direito da concorrência da União são precisamente as «empresas» que cometeram essa infração.
36 Feita esta precisão, há que recordar que o conceito de «empresa», na aceção do artigo 101.º TFUE, abrange qualquer entidade que exerça uma atividade económica, independentemente do estatuto jurídico dessa entidade e do seu modo de financiamento (Acórdão de 11 de dezembro de 2007, ETI e o., C‑280/06, EU:C:2007:775, n.º 38 e jurisprudência referida).
37 Este conceito, inserido nesse contexto, deve ser entendido no sentido de que designa uma unidade económica, mesmo que, do ponto de vista jurídico, essa unidade económica seja constituída por várias pessoas singulares ou coletivas (Acórdão de 27 de abril de 2017, Akzo Nobel e o./Comissão, C‑516/15 P, EU:C:2017:314, n.º 48 e jurisprudência referida).(…)” (destacado nosso).
E concluiu que:
“O artigo 101.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que, numa situação como a que está em causa no processo principal, em que todas as ações das sociedades que participaram num cartel proibido por esse artigo foram adquiridas por outras sociedades, que dissolveram essas primeiras sociedades e prosseguiram as suas atividades comerciais, as sociedades adquirentes podem ser consideradas responsáveis pelo prejuízo causado por esse cartel.”
À luz dessa jurisprudência a «empresa» é uma entidade que desenvolve uma actividade económica, independentemente do seu estatuto jurídico ou do seu modo de financiamento- a interpretação é ampla e relativa, porquanto primordial é a natureza das actividades exercidas pelas entidades e não as características formais dessas entidades[18].
A empresa é, pois, perspectivada como uma unidade económica, enquanto organização unitária de elementos pessoais tangíveis e intangíveis, que prossegue de forma duradoura, um objectivo específico, capaz de contribuir para a violação de uma norma do Direito da Concorrência, ainda que em termos jurídicos, essa unidade seja constituída por pessoas singulares e/ou colectivas com personalidades jurídicas distintas, dessa forma se impedindo situações em que sociedades criem outras cujo capital seja por elas, pelo menos, maioritariamente detido, e portanto, sobre as quais têm a possibilidade de exercer “influência decisiva” para que aquela cometa a infracção, para assim se eximir a sociedade mãe, à responsabilidade pela infracção de que beneficia.
Dessa forma se atinge, portanto, o objetivo de que as sociedades-mãe não sejam tentadas a criar uma subsidiária para práticas colusórias, para depois se eximirem à sua responsabilidade, encerrando as subsidiárias ou reestruturando o grupo a que pertencem.
E no Acórdão de 26.01.2017 “Villeroy e Boch c. Comissão”[19], o mesmo TJ rejeita mesmo a tese segundo a qual a presunção “Stora”[20] viola a presunção de inocência, o princípio da legalidade dos crimes e das penas, ao entender que:
“(…)149    De resto, ao contrário do que alega a recorrente, a jurisprudência acima exposta não vai contra o direito à presunção da inocência garantido pelo artigo 48.º, n.º 1, da Carta nem contra os princípios in dubio pro reo e da legalidade dos crimes e das penas. Com efeito, a presunção do exercício de uma influência determinante da sociedade mãe sobre a sua filial no caso de detenção da totalidade ou da quase totalidade do capital desta não leva a uma presunção de culpa de nenhuma dessas sociedades, pelo que não viola o direito à presunção de inocência nem o princípio in dubio pro reo. O princípio da legalidade dos crimes e das penas exige que a lei defina claramente as infrações e as penas que as reprimem, condição essa que está preenchida quando o arguido puder saber, a partir da redação da disposição aplicável e, se necessário, com o auxílio da interpretação que lhe é dada pelos tribunais, quais os atos e omissões que dão origem à sua responsabilidade penal (acórdão de 22 de maio de 2008, Evonik Degussa/Comissão, C 266/06 P, não publicado, EU:C:2008:295, n.º 39). Ora, a jurisprudência do Tribunal de Justiça exposta nos n. 148 do presente acórdão não viola esse princípio. (…)”

Também no Acórdão “Elf Aquitaine c Comissão”[21] se entendeu:
“(…)59 A presunção do exercício efectivo de uma influência determinante tem nomeadamente por objectivo encontrar um equilíbrio, por um lado, entre a importância do objectivo de reprimir os comportamentos contrários às regras de concorrência, em particular o artigo 101.º TFUE, e prevenir a sua reprodução e, por outro, as exigências decorrentes de certos princípios gerais de direito da União como, nomeadamente, os princípios da presunção de inocência, da pessoalidade das penas e da segurança jurídica, bem como os direitos de defesa, incluindo o princípio da igualdade de armas. É, nomeadamente, por esta razão que, como resulta do exposto no n.º 56 do presente acórdão, a presunção em causa é ilidível.
60 Deve, além disso, recordar‑se que esta presunção se baseia numa constatação nos termos da qual, excepto em circunstâncias verdadeiramente excepcionais, uma sociedade que detenha a totalidade do capital de uma filial pode, pela simples razão desta participação no capital, exercer uma influência determinante no comportamento da filial e, por outro, que o motivo para o não exercício efectivo deste poder de influência pode, regra geral, ser utilmente procurado na esfera das entidades em relação às quais a presunção se aplica.
61 Neste contexto, se, para ilidir a presunção em causa, fosse suficiente que o interessado emitisse simples afirmações não sustentadas, a mesma seria amplamente privada da sua utilidade.
62 Além do mais, decorre da jurisprudência que uma presunção, ainda que seja difícil de ilidir, permanece dentro de limites razoáveis se for proporcionada ao objectivo legítimo prosseguido, se existir a possibilidade de produzir prova em contrário e se os direitos de defesa forem assegurados (v., neste sentido, acórdão de 23 de Dezembro de 2009, Spector Photo Group e Van Raemdonck, C‑45/08, Colect., p. I‑12073, n.ºs 43 e 44, bem como TEDH, acórdão Janosevic c. Suécia de 23 de Julho de 2002, Recueil des arrêts et décisions, 2002‑VII, §§ 101 e segs.).(…)”
Deste modo, e quanto a este particular conceito, nenhum carácter inovador se encontrará na Diretiva (UE) 2019/1 do Parlamento e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, que “visa atribuir às autoridades da concorrência dos Estados-Membros competência para aplicarem a lei de forma mais eficaz e garantir o bom funcionamento do mercado interno” (Diretiva que obviamente não é aplicável ao caso dos autos, desde logo em face da data da sua aprovação) e impõe a cada Estado Membro que lhes seja aplicável o conceito de empresa na aplicação de coimas às sociedades-mãe, reiterando a especificidade que este conceito assume no Direito da Concorrência[22].
O Tribunal Recorrido entendeu que no artigo 3º do NRJC, de conteúdo semelhante aos já existentes na LdC, o legislador português foi, precisamente ao encontro do termo já cunhado previamente pelo legislador europeu no TFUE, designadamente no artigo 101º, devidamente interpretado pelo TJ, o qual importou para a ordem jurídica interna, permitindo estender a responsabilidade contra-ordenacional pelos factos praticados pelas pessoas jurídicas que compõem o universo empresarial da sociedade-mãe a esta última, sem que para tal haja de apurar a sua própria responsabilidade.
A alusão, no artigo 73º a “pessoas colectivas, singulares, sociedades irregulares e/ou sem personalidade jurídica teve em vista clarificar ou descrever os entes que podem encabeçar o conceito de empresa de modo a que a nomenclatura do artigo 73º acompanhe a utilizada no artigo 3º”[23], em linha com o estatuído no artigo 488º do Código das Sociedades Comerciais.
Sabemos que esta jurisprudência não tem merecido inteiro acolhimento entre nós, como pode constatar-se no decidido no Acórdão desta Relação de 14.06.2017, proferido no processo n.º 36/16.0YUSTR.L1 (ANF), no qual se concluiu “(ao contrário do entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo), que a inadmissibilidade legal de responsabilização da Farminveste SGPS por omissão, se impõe em resumo por três distintos factores:
1. a Farminveste SGPS não assume a posição de garante pelo que não pode ser responsabilizada a título de omissão pela contraordenação de abuso de posição dominante executada pelas sociedades por ela dominadas, a Farminveste IPG e HmR;
2. não detém a Farminvest SGPS um poder de facto para impedir o abuso de posição dominante das suas participadas a Farminveste IPG e HmR (dada a sua específica posição dentro do grupo empresarial dominado pela ANF);
3. a sua inércia (ou omissão) não possui um relevo causal da infração em causa (em termos de causalidade adequada);
Procede pois nesta parte o recurso desta arguida, devendo assim ser a mesma absolvida da prática da infração em que foi condenada, ficando deste modo prejudicada a apreciação das demais questões por ela colocadas (quanto à escolha e determinação do montante da colina que lhe foi aplicada).(…)”.
Em suma, temos por adquirido que as Recorrentes não concordam com a interpretação que o Tribunal fez do conjunto da prova produzida na versão dos factos que deu como provada e tão pouco com o enquadramento jurídico que perfilhou neste ponto.
Trata-se, porém, de matéria que, no primeiro caso, se prende com a valoração da prova, com a formação da convicção do Tribunal relativamente aos factos.
Ora, como já supra se anunciou, quanto à discordância da Recorrente sobre os factos provados, não lhe assiste a possibilidade de impugnação da matéria de facto fixada. Não havendo norma no âmbito do Regime Geral das Contra-Ordenações que admita o recurso relativo a matéria de facto, com excepção dos casos de processamento das contra-ordenações juntamente com crimes, em que lhes é aplicável o regime de recursos vigente para os ilícitos penais (cfr. artigo 78.º), prevalece o n.º 1 do artigo 75.º do citado diploma, que restringe o recurso no domínio das contra-ordenações a matéria de direito.
Daí que esteja legalmente vedado a este Tribunal de 2.ª instância a sindicância da matéria de facto que o tribunal a quo deu como provada, pois no âmbito do recurso contra-ordenacional, a Relação funciona como tribunal de revista e apenas conhece da matéria de direito (artigo 75º, n.º 1 do RGCO), com os limites expostos.
E quanto ao enquadramento jurídico levado a cabo pelo Tribunal a quo, trata-se de questão de mérito da decisão à qual voltaremos mais à frente, de apurar se o entendimento vertido na sentença recorrida deve ser mantido, ou revogado, com as consequentes absolvições, ou até se, perante a divergência jurisprudencial anotada deve ser dirigido um pedido de reenvio prejudicial ao TJ, e não de qualquer das invocadas nulidades.
Na verdade, tratando-se de uma questão de interpretação também do TFUE, do conceito de empresa no âmbito das infracções ao artigo101º do TFUE, devendo este Tribunal discutir o caso em última instância, será, perante a divergência entre a jurisprudência nacional e europeia, de ponderar um pedido de reenvio nos termos do disposto no terceiro parágrafo do artigo 267º do TFUE[24].
A este tema voltaremos.
E não se diga que a Sentença Recorrida omitiu qualquer referência ao título subjetivo por que condena a ora Recorrente pela infração contraordenacional em causa nos presentes autos, ou factos relativos à circunstância de entre as Visadas poder entender-se que existe uma relação de concorrência potencial.
Com efeito, os enunciados de facto do dolo e da culpa encontram-se descritos nos pontos 22. e 51. da matéria de facto provada, constando da motivação o facto probatório que sustenta aqueles factos provados e onde se pode ler que “(…) no particular contexto económico, comercial e jurídico em que a Parceria foi forjada, estas recorrentes (EdP – Energias de Portugal, S.A., EdP Comercial – Comercialização de Energia, S.A., Sonae Investimentos SGPS, S.A e Modelo Continente Hipermercados, S.A.) representaram a ilicitude da cláusula (pontos 15., 16. e 17. da matéria de facto provada), actuando com a intenção de a avalizar e implementar.”
Apurar se a caracterização do elemento subjectivo a que o Tribunal Recorrido procedeu é correta, é questão que se prende com a análise do mérito, e não com qualquer nulidade por omissão ou insuficiência fática.
Da mesma forma que os factos e os fundamentos de direito considerados para concluir pela verificação de uma infracção à concorrência por restrição por objecto pressupôs a análise da circunstância de as Visadas serem concorrentes potenciais, questão que é distinta da que se prende com aapreciação do mérito de tal questão, com a verificação ou inverificação dos ilícitos imputados.
Improcedem, pois, os recursos nesta parte relativa às nulidades invocadas.
*
V.2. DA INVOCADA NULIDADE POR EXCESSO DE PRONÚNCIA POR A SENTENÇA SE REFERIR A MERCADOS DIVERSOS DOS MENCIONADOS NA DECISÃO FINAL DA AdC.
Ambas as Recorrentes EDP Comercial e MCH defendem que a Sentença recorrida alargou o objeto dos autos relativamente àquele que constava da Decisão da AdC, porquanto considerou que o Pacto de não-concorrência decorria da alínea a) da Cláusula 12.1 e 12.2 do Acordo de Parceria, visando os mercados nela inscritos, ao passo que a AdC apenas havia censurado a alínea a) da Cláusula 12.1, no segmento relativo ao mercado da comercialização de eletricidade em Portugal Continental[25].
Neste sentido, consideram que o Tribunal a quo incorreu em excesso de pronúncia, o que acarretará a nulidade da Sentença nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP e e não se pronunciou sobre factos dos quais pudesse resultar a existência de concorrência potencial nos segmentos dos mercados da comercialização do gás natural e da distribuição retalhista de bens alimentares, sobressaindo, uma insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, nos termos do n.º 2 do artigo 410.º do CPP.
Deste último vício já nos ocupámos antes, apenas se remetendo aqui para o que então se referiu, apenas havendo que esclarecer que o excesso de pronúncia, gerador de nulidade da sentença, ocorre quando o tribunal conhece de questões de que não podia tomar conhecimento.
Não têm razão as Recorrentes neste ponto.
Na verdade, seguindo a solução adotada na decisão da AdC, na sentença analisou-se num primeiro momento a que mercados se referiam as cláusulas que se enquadraram num “Pacto de Não Concorrência”, referindo todos os que das referidas cláusulas constava (e portanto também os do gás natural e o retalho alimentar), e num segundo momento centrou-se o exame da concorrência potencial entre as Visadas no mercado da comercialização de eletricidade em Portugal Continental, justificando essa opção no facto de (i) a verificação da concorrência entre as sociedades vinculadas pela Cláusula 12.º naquele mercado sustentar, por si só, a verificação da prática de uma restrição à concorrência por objeto e (ii) ser desnecessário proceder à mesma análise nos outros mercados abrangidos, visto tal não implicar uma alteração das conclusões jusconcorrenciais.
De resto na sentença entendeu-se que “sem prejuízo da aferição da concorrência potencial entre as Visadas - que a decisão recorrida não se eximiu de empreender não vá sem dizer-se que a jurisprudência da União desenvolvendo subsídios para a compreensão deste conceito, em particular para o grau de densificação da estrutura dos mercados objecto de concorrência potencial, aceitando que uma análise pormenorizada é dispensável e pode ser dispensada «quando a própria redação, objetivos e âmbito de aplicação do acordo ou restrição em causa se revelam por si só um forte indício da existência de concorrência potencial, em particular quando a cláusula se insere num contexto económico liberalizado ”.
Não se vislumbra, pois, qualquer excesso de pronúncia por parte do Tribunal a quo, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, porquanto a Sentença recorrida arrima-se na Decisão da AdC, não extravasando a mesma, improcedendo ainda o alegado vício da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, porquanto desde logo, o entendimento expresso não impunha uma análise pormenorizada dos mercados em questão.
Como afirma a AdC nas suas alegações de recurso, tendo sido levado à apreciação do Tribunal a quo a questão de saber se as Recorrentes firmaram um Pacto de não-concorrência incluído no Acordo de Parceria, o Tribunal não se desviou dessa questão e confirmou a validade da Decisão da AdC.
Coisa diferente é, como se assinalou já, a discordância das Recorrentes do teor da Sentença recorrida e do seu sentido decisório, o que se prende com o mérito dos recursos, mas não com a regularidade da sentença recorrida.
Improcedem, pois, também neste segmento, os recursos interpostos.
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V.3. DA COIMA APLICÁVEL E DA FALTA DE FACTOS FUNDAMENTORES DA COIMA CONCRETA.
A sentença recorrida vem impugnada no que respeita à determinação das sanções aplicadas, alegando-se que se enunciaram apenas os critérios legais aplicáveis, sem qualquer ponderação das circunstâncias específicas do caso concreto, da infração em causa, do contributo e envolvimento de cada Visada e das diferentes exigências preventivas e nível de culpa associados, o que determina a nulidade da Sentença, nos termos dos artigos 379.º, n.º 1, alínea a), e 374.º, n.º 2, ambos do CPP, aplicáveis ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, e artigo 83.º da NRJC. 
Mais foi invocada, a este respeito, a inconstitucionalidade material do artigo 69.º, n.º 2 do NRJC, que estabelece a moldura sancionatória aplicável, cujo limite máximo, como reconhece a Sentença recorrida, “é determinável” (pp. 188-189), mas não se encontra previamente determinado, que a AdC e escolheu o momento em que proferiu a decisão condenatória, fazendo-o cinco anos depois dos factos, e com isso escolhendo, também, o volume de negócios que ia ter em consideração para efeitos da sanção a aplicar, concluindo que a norma resultante do artigo 69.º, n.º 2, da LdC, interpretada e aplicada no sentido em que fixa abstratamente como máximo da coima montante equivalente a 10% do volume de negócios do agente da infração no exercício anterior à condenação (o qual é sempre desconhecido e não controlável pelo agente da infração e está, exclusivamente, dependente da discricionariedade do decisor), é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 29.º, n.ºs 1 e 3, e 30.º, n.º 1, todos da Constituição, o que se deixa invocado.
O Ministério Público e a Autoridade da Concorrência pronunciaram-se pela improcedência do recurso nesta parte.
Vejamos.
Já atrás definimos os contornos da imputada nulidade, pelo que aqui nos dispensamos de os repetir, para o que então escrevemos se remetendo.
Pese embora os artigos 3º e 5º do Regulamento (CE) n.º 1/2003 do Conselho, - relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81º e 82º (atuais 101º e 102º) do Tratado – estabeleçam um dever específico para as autoridades nacionais de aplicar também o artigo 101º do TFUE sempre que apliquem legislação nacional, em processos de infracção ao disposto naquele artigo, permitindo a utilização das medidas previstas naquele artigo 5º, a competência para a escolha da espécie e do quantum das sanções aplicáveis aos procedimentos perante as autoridades nacionais foi deixado ao legislador nacional.
O esquema sancionatório adoptado pelo NRJC (Lei nº 19/2012) é o seguinte:
- o nº 1 do artigo 68.º elenca, nas suas várias alíneas, as contraordenações puníveis como infracções ao direito da concorrência;
- o nº 1 do artigo 69º indica os critérios que a AC deve levar em consideração na determinação da medida concreta da coima;
- e o n.º 2 do mesmo dispositivo estatui que "a coima determinada nos termos do nº 1 não pode exceder 10% do volume de negócios realizado no exercício imediatamente anterior à decisão final condenatória proferida pela Autoridade da Concorrência".
Não é contestado que, no caso concreto, as coimas foram encontradas com base na moldura referida no artigo 69º do NRJC, o qual dispõe que:
"1 - Na determinação da medida da coima a que se refere o artigo anterior, a Autoridade da Concorrência pode considerar, nomeadamente, os seguintes critérios:
- A gravidade da infração para a afetação de uma concorrência ektiva no mercado nacional;
- A natureza e a dimensão do mercado afetado pela infração;
- A duração da infração;
- O grau de participação do visado pelo processo na infração;
- As vantagens de que haja beneficiado o visado pelo processo em consequência da infração, quando as mesmas sejam identificadas;
- O comportamento do visado pelo processo na eliminação das práticas restritivas e na reparação dos prejuízos causados à concorrência;
- A situação económica do visado pelo processo;
- Os antecedentes contraordenacionais do visado pelo processo por infração às regras da concorrência;
- A colaboração prestada à Autoridade da Concorrência até ao termo do procedimento.
2 - No caso das contraordenações referidas nas alíneas a) a g) do nº 1 do artigo anterior, a coima determinada nos termos do nº1 não pode exceder 10 % do volume de negócios realizado no exercício imediatamente anterior à decisão final condenatória proferida pela Autoridade da Concorrência, por cada uma das empresas infratoras ou, no caso de associação de empresas, do volume de negócios agregado das empresas associadas."
Relativamente à norma que se retira do nº 2 do artigo 69º, verifica-se que quer a AdC quer o Tribunal a quo a interpretaram e aplicaram no sentido de que "10% do volume de negócios realizado no exercício imediatamente anterior à decisão final condenatória proferida pela Autoridade da Concorrência, por cada uma das empresas infratoras, ou, no caso de associação de empresas, do volume de negócios agregado das empresas associadas" representa o limite máximo da moldura sancionatória abstratamente aplicável.
E foi com base nesse pressuposto e nesse limite máximo que aplicaram a coima às arguidas Recorrentes.
Não assiste razão às Recorrentes quando invocam a inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 69.º do NRJC por violação do princípio da separação de poderes e da indisponibilidade de competências, consagrados nos n.ºs 1 e 2 do artigo 111.º da CRP.
Argumenta-se que o preceito é manifestamente inconstitucional, desde logo porque os 10% do volume de negócios constituem um limite indeterminado e indeterminável no momento da prática da infracção — que é o momento relevante para aferir a previsibilidade da sanção , porque os arguidos não sabem, não podem saber e não têm o dever de saber, qual será o volume de negócios do exercício anterior à condenação, que pode ter lugar vários anos após a prática dos factos.
É sabido que a questão da inconstitucionalidade material do n.º 2, do artigo 69.º, do NRJC, por violação dos princípios da legalidade e da proporcionalidade, tem sido objecto de larga controvérsia na doutrina e na jurisprudência portuguesas[26].
No Acórdão deste Tribunal proferido no processo 36/16.0YUSRT.L1 a que já fizemos referência, expuseram-se[27] os argumentos decisivos que permitem considerar que não se verifica a inconstitucionalidade invocada:
"(…) i. embora tais princípios (princípios da legalidade e da tipicidade) não valham "com o mesmo rigor" ou "com o mesmo grau de exigência" para o ilícito de mera ordenação social, eles valem "na sua ideia essencial";
ii. aquilo em que consiste a sua ideia essencial outra coisa não é do que a garantia de proteção da confiança e da segurança jurídica que se extrai, desde logo, do princípio do Estado de direito;
iii. assim, a Constituição impõe "exigências mínimas de determinabilidade no ilícito contraordenacional" que só se cumprem se do regime legal for possível aos destinatários saber quais são as condutas proibidas como ainda antecipar com segurança a sanção aplicável ao correspondente comportamento ilícito".
"Antecipar com segurança a sanção aplicável ao correspondente comportamento ilícito não significa, evidentemente, determinar com precisão a medida da sanção que vai ser aplicada, uma vez que esta depende, num sistema de sanções graduáveis, de uma graduação em função de determinados critérios. Isto significa que o princípio da legalidade, na vertente da determinação das sanções, é compatível com um certo nível de indeterminação. Nesta medida, quando se trata de aferir se é possível "antecipar com segurança a sanção aplicável ao correspondente comportamento ilícito" o que está em causa é apurar um determinado nível de determinação ou de determinabilidade da sanção aplicável. Nível esse que deverá ser mais ou menos exigente em função das consequências decorrentes da condenação e, nesta medida, o ilícito de mera ordenação social, enquanto "ordem sancionatória não privativa de liberdade" consente um nível de indeterminação superior do que o direito penal ou uma aplicação do princípio, em termos gradativos, menos exigente. À semelhança, aliás, do que se verifica a propósito da aplicação ao ilícito de mera ordenação social de outras garantias constitucionais penais(...)
Dito isto, considera-se que "antecipar com segurança a sanção aplicável ao correspondente comportamento ilícito" significa, no âmbito do ilícito de mera ordenação social, dispor dos elementos mínimos necessários para o agente se autodeterminar.
Ora, esse agente, no domínio das práticas restritivas da concorrência, traduz-se em empresas. E para as empresas o que importa quando se trata de serem sujeitas a uma coima, é o efeito que essa sanção pecuniária terá na sua esfera económico-financeira à data ou o mais próxima possível da condenação.
Nesta medida, o facto da lei lhes assegurar que a coima terá como limite 10% do seu volume de negócios realizado no exercício imediatamente anterior à condenação pela AdC — que reflete, com o mínimo de segurança, a sua situação económica mais atual — é, salvo melhor entendimento, suficiente para as empresas se autodeterminarem no momento da prática do facto.
Quanto à possibilidade desse limite estar sujeito à variação no tempo ao sabor da evolução do mercado, da diligência da autoridade sancionadora e da própria complexidade do processo, note-se que há critérios de determinação da medida das sanções que também estão sujeitos a variações temporais. E, no entanto, são necessários para que a sanção seja apta a cumprir as finalidades punitivas que lhes estão subjacentes no momento em que é aplicada. Tal como sucede, no caso, com a fixação do limite de 10% em função da situação económica mais atual do visado no momento da condenação pela AdC.
E, por fim, quanto à possibilidade de manipulação intencional do limite máximo da coima pela AdC é uma hipótese que não pode ser equacionada ou aceite em termos gerais. Com efeito, pese embora se admita que um sistema, de acordo com a moderna conceção de garantismo, não pode depender das supostas "boas qualidades" das pessoas que o integram, sendo necessário introduzir garantias adicionais, sobretudo quando estão em causa matérias em que as 'fragilidades humanas" mais se podem manifestar, o certo é que o volume de negócios do visado é algo que a AdC não pode controlar".
Compatibilizando a interpretação do n.º 2 com o n.º 1 do artigo 69º, a sanção estabelecida, permite, pois, ao agente prever, logo no momento da prática da infracção, que a coima aplicável tenderá sempre a privá-lo, integralmente, dos proveitos obtidos com a respectiva prática, ou, no caso de não ser possível apurar tal valor, no máximo já mencionado.”
Por estas razões é possível afirmar que a norma não viola os princípios da legalidade, da segurança jurídica, da proteção da confiança, da separação de poderes e da proporcionalidade, imanentes a um Estado de direito democrático.
De resto, o limite previsto no artigo 69º, n.º 2, do NRJC, pese embora seja variável, não impede que se avalie a proporcionalidade da sanção, pois os agentes potenciais deste tipo de infrações são empresas e para as empresas 10% do seu volume de negócios durante um ano é uma expressão perfeitamente, conhecida e mensurável na atividade económica.
Tem de ser considerado simultaneamente o fator da culpa, conjuntamente com os demais critérios de determinação da medida da coima, designadamente relativos ao facto e aos seus efeitos, e a situação económico-financeira do agente. Isto significa, por um lado, que os limites máximos objetivos e fixos não são determinados apenas em função da gravidade máxima que o facto e os seus efeitos podem assumir, mas também em função da situação económico-financeira dos possíveis agentes da infração.
Significa ainda, por outro lado, que na concreta tarefa de determinação da medida da coima e ponderação do facto, dos seus efeitos e demais critérios é sempre combinada e subjetivizada à luz da situação económico-financeira atual do infractor, o que impede que a sanção leve à insolvência da infractora, dessa forma contrariando o objeto de favorecer a concorrência. O artigo não viola os princípios da proporcionalidade, adequação e necessidade da restrição de direitos fundamentais (artigo 18º da CRP) e do princípio da culpa (artigo 1º da CRP).
E não se vislumbra como se pode colocar qualquer problema de violação do princípio da igualdade, pois nada há de desigual em tratar de forma diferente, sociedades com valores de facturação diversa e/ou de valores decorrentes da infracção também dissemelhantes.
Chamado a pronunciar-se, o Tribunal Constitucional, pelo menos no Acórdão nº 400/2016 (autos de recurso n.º 383/2015, AdC/Sport TV Portugal, S.A.), decidiu que a norma não enferma de tal vício. Ali se entendeu que:
“(…) 12. Não se trata de questão nova na jurisprudência constitucional. No âmbito da fiscalização concreta, o Tribunal Constitucional já foi chamado, por diversas vezes, a apreciar a validade constitucional de normas especificas de regimes contraordenacionais, designadamente no que respeita à amplitude de diversas molduras sancionatórias, tendo tido que decidir dos termos em que as normas que contêm princípios constitucionais com relevo em matéria penal valem no domínio contraordenacional
Neste âmbito, o Tribunal Constitucional tem constantemente sublinhado «a diferente natureza do ilícito, da censura e das sanções» entre o ilícito contraordenacional e o ilícito penal, para justificar que os princípios que orientam o direito penal não são automaticamente aplicáveis ao direito de mera ordenação social.
A mais recente jurisprudência deste Tribunal, ao apreciar da eventual violação do princípio da legalidade pela excessiva amplitude existente entre a medida mínima e a medida máxima da coima, tem-se pronunciado pela não inconstitucionalidade, conforme resulta, por exemplo, do Acórdão 85/2012 (disponível no site do Tribunal). Neste aresto o Tribunal chegou mesmo a afirmar que a exigência de determinabilidade do tipo predominante no direito criminal não opera no domínio contraordenacional. Note-se, porem, como sublinha Nuno Brandão (in Crimes e Contraordenardes da Cisão a Convergência Material, Coimbra, 2016, pp 896-898), que o Tribunal nunca abandonou por completo a exigência de tipicidade, tendo antes passado a situá-la no âmbito do princípio do Estado de direito vertido no artigo 2.º da nossa Constituição" — cf. pág. 9 da decisão sumária (destaque da responsabilidade da AdC).
13. Acresce que, tal como se menciona na decisão sumária, no que concerne ao intervalo entre os limites máximos e mínimos da coima, e ponderados os acórdãos do TC referidos, concluiu-se que o juízo de constitucionalidade constante dos Acórdãos citados tem plena aplicação ao regime das práticas restritivas da concorrência.
14. Em tais arestos o TC concluiu que, sendo díspar a distância entre os níveis de ilicitude das concretas condutas e, portanto, os níveis de culpa dos agentes bem como a sua situação económica, os limites mínimos e máximos da coima não podem deixar de estar muito distantes entre si, tanto em termos absolutos, como em termos relativos, de modo a permitir ao aplicador a necessária ponderação e a adequação da coima.
15. Essa disparidade impõe-se pela necessidade de conferir um efeito dissuasor alargado à moldura sancionatória, tendo portanto a mesma que ser abrangente.
16. Só assim a coima cumpre o seu fim de prevenção geral negativa, no sentido de evitar que os demais agentes tomem o comportamento infrator como modelo de conduta. É esse efeito de prevenção geral que um tal, limite máximo da coima pretende alcançar.
17. Verifica-se, pois, que o TC se pronunciou e fundamentou a sua decisão sobre a improcedência da presente questão.
18. Aliás, na reclamação a Recorrente não expõe quaisquer argumentos que permitam contrariar fundamentadamente a decisão do TC, limitando-se a argumentar que o Tribunal não se pronunciou sobre a questão e a invocar que, por, isso, a decisão padece do vício de falta de pronúncia.
Da alegada inconstitucionalidade do normativo que determina um limite máximo da coima "volátil e indeterminado"
19. Da leitura da reclamação constata-se que, não obstante a crítica feita à decisão sumária em causa, os argumentos expendidos pela Recorrente para a fundamentação das alegadas inconstitucionalidades relativamente à amplitude da coima e à determinação do limite da mesma se fundem, porquanto, e tal como se refere na decisão, trata-se apenas de uma única questão.
20. No âmbito desta abordagem da Sport TV quanto à determinação da medida da coima, importa salientar que é evidente que aquilo que não pode ser admitido são as molduras indetermináveis, tendo em conta o princípio da legalidade, por imposição do corolário do princípio da tipicidade.
21. Ora, tendo presente que nos termos do n.º 4 do artigo 69.º da Lei n.º 19/2012, se atende a 10% do volume de negócios, constituindo este o limite máximo aplicável, improcede a alegada inconstitucionalidade, porquanto a fixação do limite máximo de 10% do volume de negócios da Recorrente permite saber qual a proporção máxima que a coima poderá representar na sua, atividade.
23. No que concerne à determinação concreta da coima há que ter em consideração os critérios exigidos pelo n.º I do artigo 69.º da Lei n.º 19/2012. Por seu turno o artigo 18.º do RGCO, aplicável ex vi artigo 13.º da mesma Lei (e porque o próprio n.º 1 do artigo 69.º não é ele mesmo taxativo, de onde resulta que nele não estão incluídos todos os elementos a considerar na determinação da medida concreta da coima) acrescenta ainda que deve ser tomado em conta o elemento da culpa.
24. Daqui decorre que a coima concretamente aplicada resulta da ponderação de todos os critérios (que a Recorrente não põe em causa no caso concreto) balizada pelo limite de 10% do volume de negócios que, como se observou não mereceu qualquer censura constitucional.
25. Para além disso, e como se refere na decisão do TC, é necessário ainda olhar para os fins de prevenção geral e especial na aplicação das coimas. Tal como no Direito Penal, a aplicação de coimas em processo contraordenacional visa a proteção de bens jurídicos, nomeadamente a confiança dos agentes económicos e dos consumidores, na sua ordem jurídica e no livre funcionamento do mercado e da concorrência.
26. Do que vem dito, forçoso é concluir que, relativamente a esta questão, a decisão sumária do TC não merece qualquer reparo.
Da alegada inconstitucionalidade do normativo que estabelece o volume de negócios do agente como critério de determinação do valor máximo da coima aplicável
27. No âmbito desta questão o TC considerou que, "a norma em causa, ao mandar atender ao volume de negócios do agente para efeitos de determinação do limite máximo da moldura abstrata da coima, assegura que é tida em conta a situação particular de cada empresa, o que faz com que nenhuma empresa seja penalizada em termos relativamente mais gravosos do que outra empresa. Não se vislumbra, de facto, como se pode colocar qualquer problema de tratamento desigual. O parâmetro invocado pela recorrente - o principio da igualdade - é inidóneo para apreciar, à luz da Constituição, a norma sub judice.
Como se referiu no Acórdão n.º 353/2011 a respeito da interpretação da norma do regime anterior - o artigo 43.º, n.º 1, da Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho - «tal significa que, nessa interpretação do regime legal, se procura, através de um critério objetivo legalmente estabelecido, introduzir uma relação de dependência entre a moldura abstrata da coima e o beneficio económico que o arguido retirou da prática da infração, beneficio esse calculado a partir do valor do volume de negócios do ano em que cessou a prática da infração».
Quanto ao segundo princípio, o da proporcionalidade, a recorrente não invoca quaisquer argumentos suscetíveis de alicerçar uma violação, pelo que, não se descortinando ofensa deste principio - que já foi objeto de tratamento improcede também esta pretensão"— cf. pág. 15 e 16 da decisão sumária).
28. Relativamente à presente questão a Recorrente declara não aceitar as conclusões do Tribunal por entender que a mesma carece de uma análise mais aprofundada pelo TC.
29. Ora, não se alcança a que tipo de análise se refere a Recorrente, tendo presente que a questão em causa já foi objeto de análise e decisão em outros processos, entre os quais o acórdão citado na presente decisão.
30. Aliás, no acórdão citado procede-se a uma análise profícua da questão em causa, permitindo concluir que o volume de negócios é o fator mais representativo da dimensão da empresa e do potencial efeito lesivo da conduta. Para além disso garante o efeito dissuasor da sanção caso não exista vantagem direta.
31. Acresce que o controlo da legitimidade, desde logo constitucional, da própria sanção é assegurado no n.º I do artigo 69.º da Lei n.º 19/2012, no qual se encontram previstos os critérios a tomar em consideração na determinação da medida da coima, permitindo assegurar o tratamento equitativo e proporcional dos arguidos, os quais verão apreciada a sua conduta e, consequentemente, fixada a coima, atendendo aos concretos fatores que subjazem à infração e ao comportamento em causa.
32. A estatuição pelo legislador da percentagem do volume de negócios das empresas visadas afigura-se ser, inequivocamente, o critério que, pela sua proporcionalidade objetividade, melhor protege o princípio da igualdade (todas as empresas estão sujeitas aos mesmos esforços proporcionais).
33. Uma moldura da coima dependente do volume de negócios das empresas visadas assegura melhor o cumprimento dos princípios constitucionais da proporcionalidade e adequação, revelando-se, aliás, ser esta, também, a melhor forma de assegurar a aplicação justa e equitativa da respetiva sanção.
34. Atento o exposto verifica-se que a Recorrente apenas revela que discorda da análise feita pelo Tribunal e do resultado alcançado, não merendo a decisão em causa qualquer reparo.»
(…)
Tanto quanto se pode compreender, a reclamante distingue dois planos na norma que contesta. Indicando-os pela ordem inversa da reclamante, que se afigura mais lógica: a escolha do critério para fixar o limite máximo da coima — o volume de negócios — e o momento em que este critério opel'a — o exercício imediatamente anterior à decisão condenatória da Autoridade da Concorrência.
Note-se que, relativamente ao primeiro «segmento normativo» indicado pela reclamante, admitimos (como fez o Ministério Público) assentar a sua autonomização no elemento temporal — o exercício a tomar em consideração -, porque não parece possível extrair qualquer outro elemento autónomo da expressão «um limite máximo da coima volátil e indeterminável até ao momento da efetivação da decisão da Autoridade da Concorrência»: a volatilidade e indeterminabilidade do limite máximo da coima constituem a consequência lógica inevitável do critério escolhido. Fazendo apelo ao volume de negócios, claro que, sendo este variável de exercício para exercício, o limite máximo da coima aplicável não pode deixar de variar, para mais ou para menos, em função dele. E sobre a admissibilidade constitucional de tal critério já o Tribunal se pronunciou, em arestos indicados na decisão sumária.
Porém, como refere o representante do Ministério Público, o elemento temporal não foi autonomizado, como critério normativo autónomo, no requerimento de recurso (tão pouco na motivação do recurso para a Relação de Lisboa, autora da decisão recorrida), tendo a inconstitucionalidade sido imputada apenas à escolha do critério. Daí que a decisão sumária se tenha limitado a «não julgar inconstitucional a norma constante do n.º 2 do artigo 69.º da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio, quanto ao segmento normativo que estabelece o volume de negócios do agente como critério de determinação do valor máximo da coima aplicável».
Forçoso é também concluir que a decisão sumária reclamada não deixou de se pronunciar sobre nenhum aspecto que devesse fazê-lo. Assim sendo, resta indeferir a reclamação e confirmar a decisão reclamada.(…)”

Também o TJ no processo n.º C-266/06 P[28] decidiu que esse esquema sancionatório é válido perante o direito europeu, respeitando suficientemente as garantias propiciadas por este ordenamento, em particular no que diz respeito aos princípios da legalidade e da proporcionalidade - § 38 e seguintes – a ausência de limites máximos abstractos para as coimas aplicáveis, não afeta a respetiva determinabilidade. Ali pode ler-se que:
“(…)38 A este respeito, recorde-se que o princípio da legalidade das penas, que se inscreve nos princípios gerais do direito comunitário que estão na base das tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros, também está consagrado em diversos tratados internacionais, e, em particular, ao artigo 7.º da CEDH (ver, neste sentido, nomeadamente, os acórdãos de 12 de Dezembro de 1996, X, C - 74/95 e C - 129/95, Col. I-6609, n.º 25; de 28 de Junho 2005, Dansk Rørindustri e outros / Comissão, C - 189/02 P, C - 202/02 P, C - 205/02 P a C - 208/02 P e C - 213/02 P, Col. I - 5425, parágrafos 215 a 219, bem como de 3 de maio de 2007, Advocaten voor de Wereld, C - 303/05, Colet. I - 3633, n.º 49).
39 Este princípio exige que a lei defina claramente as infrações e as penas aplicáveis. Esta condição é cumprida quando o litigante pode saber, a partir da redação da disposição pertinente e se necessário com o auxílio da interpretação que lhe é dada pelos tribunais, quais os atos e omissões que dão origem à sua responsabilidade penal (ver acórdão Advocaten voor de Wereld, citado acima, parágrafo 50).
40 Além disso, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a clareza da lei é avaliada não só no que diz respeito à redação da disposição relevante, mas também aos detalhes fornecidos por jurisprudência consistente e publicada. (ver, em particular, Eur. DH Court, acórdão G. v. France de 27 de setembro de 1995, série A nº 325-B, § 25). A este respeito, o Tribunal reconheceu que decorre desta jurisprudência que o conceito de "direito" na acepção do artigo 7.º, n.º 1, da CEDH corresponde ao de "direito" utilizado noutras disposições da mesma convenção. e abrange tanto a origem legal como a jurisprudencial (v. Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido, n. º 216).
41 É, portanto, à luz das considerações de princípio acima expostas que importa examinar se o Tribunal Geral interpretou erradamente o princípio da legalidade das sanções no acórdão recorrido.
42 A este respeito, resulta desde logo que o Tribunal Geral, nos n.ºs 66 a 73 do acórdão recorrido, desenvolveu uma interpretação do princípio da legalidade das sanções em conformidade com as indicações constantes dos n.ºs 38 a 40 do acórdão este julgamento.
43 O Tribunal Geral declarou, em particular, no n. º 66 do acórdão recorrido, que o princípio da legalidade das sanções é um corolário do princípio da segurança jurídica, que exige que toda a legislação comunitária seja clara e precisa.
44 Além disso, o Tribunal Geral, nos n.ºs 69 a 72 do acórdão recorrido, reproduziu corretamente a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao artigo 7. º, n. º 1, da CEDH. Nesses pontos, observou acertadamente que esta disposição não exige, nos termos da disposição pertinente por força da qual é aplicada uma sanção, a existência de cláusulas extremamente precisas que permitam prever as consequências com absoluta certeza, uma violação desta última disposição.
45 Além disso, o Tribunal Geral, ao basear-se nesta jurisprudência, teve razão, no n.º 72 do acórdão recorrido, por um lado, ao sublinhar que o requisito de previsibilidade que acompanha o princípio da legalidade das sanções não se opõe a lei que atribua um poder de apreciação, cujo âmbito e modalidades de exercício são definidos com suficiente clareza e, por outro lado, acrescentou que, a este respeito, para além do texto da própria lei, o referido Tribunal acolhe considerar a questão de saber se os conceitos indeterminados utilizados foram esclarecidos por jurisprudência constante e publicada.
46 A este respeito, o Tribunal Geral não pode ser criticado por ter violado as exigências do princípio da legalidade das sanções, na medida em que se dirige ao legislador, o qual deve garantir que define de forma suficientemente precisa a norma que prevê a sanção. Como resulta do n. º 40 do presente acórdão, a clareza da lei é avaliada tanto no que se refere à redação da disposição pertinente como aos pormenores fornecidos por jurisprudência constante e publicada, que precisamente o Tribunal considerou serem relembrados no n.º 72 do acórdão recorrido.
47 Do mesmo modo, uma leitura do acórdão recorrido, em particular dos n.ºs 66 a 74, basta para demonstrar que a crítica da Degussa de que o Tribunal Geral subestimou o valor do princípio da legalidade das sanções, reconhecido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, não pode prosperar validamente.
48 Daqui decorre que o Tribunal Geral não ignorou, no acórdão recorrido, as exigências decorrentes do princípio da legalidade das sanções e, portanto, as críticas formuladas a este respeito pela Degussa devem ser consideradas improcedentes.
49 Importa agora verificar se, ao examinar o artigo 15.º, n.º 2, do Regulamento n.º 17, o Tribunal Geral aplicou corretamente o princípio da legalidade das sanções, tal como interpretado nos n.ºs 38 a 40 do presente acórdão.
50 No contexto dessa análise, detalhada principalmente nos n.ºs 74 a 83 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral observou acertadamente que, embora o artigo 15.º, n.º 2, do Regulamento n.º 17 deixe à Comissão uma ampla margem de apreciação, limita, no entanto, o seu exercício, estabelecendo critérios objectivos aos quais a Comissão deve respeitar. A este respeito, o Tribunal Geral, baseando-se na redação desta disposição, no n. º 75 do referido acórdão, justamente afirmou que o montante da coima susceptível de aplicação tem um limite quantificável e absoluto, calculado de acordo com cada empresa, para cada caso de infracção, de forma a que o montante máximo da multa que pode ser aplicada a uma determinada empresa possa ser determinado antecipadamente.
51 Prosseguindo a sua análise, o Tribunal Geral, no n. º 77 do acórdão recorrido, afirmou correctamente que, ao exercer o seu poder de apreciação quanto às coimas aplicadas ao abrigo do artigo 15.º, n.º 2, do Regulamento n.º 17, a Comissão deve respeitar os princípios de direito, em especial os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade, desenvolvidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral.
52 Além disso, o Tribunal Geral, no n. º 78 do acórdão recorrido, acrescentou devidamente que esse exercício também é limitado pelas regras de conduta que a própria Comissão estabeleceu na comunicação sobre a cooperação e nas orientações.
53 No que diz respeito às orientações, o Tribunal Geral, no n. º 82 do acórdão recorrido, observou acertadamente que o Tribunal de Justiça considerou, em primeiro lugar, que estas estabelecem uma regra de conduta a que a Comissão não pode renunciar sob pena de ser punida por violação de princípios gerais de direito, como a igualdade de tratamento e a protecção da confiança legítima e, por outro lado, que garantem a segurança do estatuto jurídico das empresas em causa ao determinar a metodologia que a Comissão adoptou para efeitos de fixação do montante das coimas aplicadas nos termos do n.º 2 do artigo 15.º do Regulamento no 17.
54 Além disso, o Tribunal Geral, no n. º 79 do acórdão recorrido, afirmou correctamente que o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral decidem de plena jurisdição sobre os recursos interpostos de decisões da Comissão que fixam uma coima e que «podem, portanto, anular esta última e retirar, reduzir ou aumentar a multa aplicada. O Tribunal Geral considerou, com razão, que, por conseguinte, a prática administrativa conhecida e acessível à Comissão está sujeita à fiscalização integral do juiz comunitário e que, a este respeito, este o tornou possível, através de jurisprudência constante e publicada, para especificar os conceitos indeterminados que o artigo 15.º, n.º 2, do Regulamento n.º 17 pode conter.
55 Tendo em conta todos estes elementos de análise, o Tribunal Geral, no n. º 83 do acórdão recorrido, concluiu corretamente que um operador informado pode, obtendo, se necessário, aconselhamento jurídico, prever de forma suficientemente precisa o método de cálculo e a ordem de grandeza das multas em que incorre por um determinado comportamento e que o facto de este operador não poder, de antemão, saber com precisão o nível das multas que a Comissão infligiu em cada caso, não pode constituir uma violação do princípio da legalidade das penas.
56 Importa observar que resulta dos n.ºs 74 a 83 do acórdão recorrido que, ao analisar o artigo 15.º, n.º 2, do Regulamento n.º 17, o Tribunal Geral aplicou corretamente o princípio da legalidade das sentenças, de acordo com as considerações formuladas nos parágrafos 38 a 40 do presente acórdão.
57 Importa referir, em particular, que o Tribunal Geral teve em conta, nos n.ºs 74 a 83 do acórdão recorrido, os procedimentos claramente definidos e os limites impostos à Comissão no exercício do poder de apreciação atribuído ao artigo 15.º, n.º 2 do Regulamento n.º 17 ao mesmo, em conformidade com o requisito de previsibilidade que acompanha o princípio da legalidade das sanções. Na apreciação da clareza desse regulamento, o Tribunal Geral também teve acertadamente em conta o facto de o exercício desta competência ser controlado pelo juiz comunitário, que permitiu, através de jurisprudência constante e publicada, precisar o critérios e método de cálculo a aplicar pela Comissão ao fixar as coimas.
58 Do mesmo modo, o Tribunal Geral não pode ser criticado por não ter examinado se a redação do artigo 15.º, n.º 2, do Regulamento n.º 17 garantia o grau de previsibilidade exigido pelo Estado de direito. Com efeito, para além do facto de, como resulta do n. º 40 do presente acórdão, a clareza da lei ser avaliada tanto no que diz respeito à redação da disposição pertinente como aos pormenores fornecidos por jurisprudência constante e publicada, é suficiente para verificar que tal exame foi efectivamente realizado, nomeadamente nos n.ºs 75 e 83 do acórdão recorrido, constituindo este último ponto a conclusão a que o Tribunal Geral acertadamente chegou quanto à previsibilidade suficiente do método de cálculo e do montante das coimas ao abrigo dessa disposição.
59 Além disso, a Degussa sustenta que o Tribunal Geral, nos n.ºs 77 a 82 do acórdão recorrido, ignorou o facto de nem as orientações, nem a jurisprudência comunitária, nem os princípios gerais de direito terem reduzido suficientemente a imprecisão do artigo 15.º, n.º 2 do Regulamento no 17.
60 Este argumento não pode ser aceite. Quanto às orientações, o Tribunal já declarou, como o Tribunal Geral recordou no n. º 82 do acórdão recorrido, que estas determinam, de forma geral e abstracta, a metodologia que a Comissão aplicou para efeitos da fixação do montante das coimas aplicadas ao abrigo do artigo 15.º do Regulamento n.º 17 e, por conseguinte, garantem segurança jurídica às empresas (v. Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido, n.º 213, bem como de 21 de Setembro de 2006, Serviço JCB / Comissão, C-167 / 04 P, Col. I - 8935, ponto 209).
61 Do mesmo modo, não se pode contestar que a jurisprudência consolidada do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral ajudou a clarificar os critérios e o método de cálculo que a Comissão deve aplicar para fixar o montante das coimas. A este respeito, os critérios estabelecidos por esta jurisprudência foram, designadamente, emprestados pela Comissão para a elaboração das orientações e permitiram-lhe desenvolver uma prática decisória conhecida e acessível (v. JCB Service / Comissão, já referido, parágrafo 209).
62 Neste contexto, a crítica de Degussa aos princípios gerais do direito também não pode validamente suceder. Estes princípios e, em particular, os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade, desenvolvidos pela jurisprudência comunitária, orientaram claramente a Comissão no exercício do seu poder discricionário em matéria de coimas aplicadas ao abrigo do artigo 15.º, n.º 2, do Regulamento n.º 17. Além disso, a própria Degussa faz referência a esses princípios e a essa jurisprudência nos seus fundamentos e argumentos.
63 Resulta do que precede que o Tribunal de Primeira Instância não interpretou e aplicou erradamente o princípio da legalidade das sanções. O primeiro fundamento deve, portanto, ser julgado improcedente na sua totalidade. (…)”

Bem andou, pois, o Tribunal Recorrido ao entender que o quantum máximo da coima aplicável à contra-ordenação em causa tem um limite determinado: 10 por cento do valor de negócios apurado no exercício anterior à data da decisão final administrativa.
E carece totalmente de fundamento a objecção relativa à falta de factos para determinação das concretas penas, antes se entendendo que a medida da coima se mostra fundamentada em razão do grau de ilicitude das condutas, das finalidades de prevenção geral e especial, dos efeitos benéficos para as famílias aderentes ao plano EDP/Continente, ainda que, em parte, por remissão para a decisão administrativa, o que é absolutamente natural, pois que de decisão proferida em sede de impugnação judicial se trata.
Ali se entendeu que:
“(…) Ora, a este respeito, a decisão recorrida iniciou o seu ter decisório convocando, como parâmetros norteadores, as necessidades de prevenção geral e especial, subjacentes à punição contraordenacional, às quais, pela pertinência e bem fundado, se adere.
Seguidamente, lançando mão dos critérios enunciados no n.º 1 do artigo 69.º, da Lei n.º 19/2012,  decisão recorrida propôs-se ponderar a gravidade da infração para a afetação de uma concorrência efetiva no mercado nacional; a natureza e a dimensão do mercado afetado pela infração; a duração da infração; o grau de participação do visado pelo processo na infração; as vantagens de que haja beneficiado o visado pelo processo em consequência da infração, quando as mesmas sejam identificadas; o comportamento do visado pelo processo na eliminação das práticas restritivas e na reparação dos prejuízos causados à concorrência; a situação económica do visado pelo processo; os antecedentes contraordenacionais do visado pelo processo por infração às regras da concorrência; a colaboração prestada à AdC da Concorrência até ao termo do procedimento.
Ora, nesta ponderação, como bem salienta a decisão recorrida, o valor máximo da coima acha-se balizado pelo disposto no n.º 1 do artigo 69.º da Lei n.º 19/2012, isto é, a coima não pode exceder 10% do volume de negócios realizado no exercício imediatamente anterior à Decisão da AdC final condenatória proferida pela AdC, por cada uma das empresas infratoras.
Além disso, em consonância com a jurisprudência da União, no que respeita à definição da coima para as holdings, a decisão recorrida acolheu, como decisivo, o volume de negócios refletido na sua contabilidade consolidada, enquanto elemento que melhor ilustra a capacidade do grupo em causa para mobilizar os fundos necessários para o pagamento da coima. Salientou, para isso, que aquela contabilidade destina-se justamente a traduzir a situação económico-financeira da pessoa em causa; ou seja, a consolidação contabilística evidencia que, no plano económico-financeiro, aquele volume agregado pode ser imputado à própria holding, permitindo obter uma imagem fiel do património, da situação financeira e dos resultados de todas as sociedades que fazem parte de um grupo.
Em contraponto, a decisão reconhecida reconheceu a necessidade de, nesse apuramento, deduzir o volume de negócios das sociedades participadas, a fim de superar uma eventual dupla penalização.
Ex abundantis, trouxeram-se, ainda, à colação, os subsídios decorrentes das Linhas de Orientação para o cálculo de coimas aprovadas pela AdC, com base na ponderação dos critérios elencados no n.º 1 do artigo 69.º da Lei n.º 19/2012. A este respeito, a douta decisão recorrida reiterou a génese e teleologia desse documento, assinalando, contudo, que do mesmo não pode esperar-se uma aplicação automática e um cálculo aritmético, que desconsidere as vicissitudes do caso concreto.
Neste conspecto e, desde logo, a decisão recorrida, de forma crítica, procedeu à seguinte diferenciação, devidamente fundada:
«No caso concreto, e nos termos das Linhas de Orientação, a AdC incorpora no seu exercício o volume de negócios realizado pelo grupo EDP diretamente relacionado com a infração e durante esse período, de acordo com os dados fornecidos pelo mesmo, ponderando um referencial entre 0% e 30% desse valor, sempre balizado, de acordo com critérios de proporcionalidade e adequação, pelo limite legal de 10% do volume de negócios total. Efetivamente, o volume de negócios no mercado afetado constituiu um elemento objetivo que fornece uma justa medida da nocividade da prática para o jogo normal da concorrência, refletindo a importância económica da infração e o peso relativo da empresa infratora na mesma.
No caso concreto das Recorrentes Sonae, na ausência de volume de negócios no mercado diretamente relacionado com a infração e durante esse período (i.e. no mercado de comercialização de energia elétrica) atentas as características da infração em apreço que implicaram justamente o compromisso por parte do Grupo Sonae de não participar nesse mercado, de acordo com as Linhas de Orientação e lei aplicável, deve ponderar-se como referencial o volume de negócios total no último ano da infração, de acordo com critérios de proporcionalidade e adequação no quadro da infração concreta, dos factos em causa e dos seus agentes.»
Não tendo sobrevindo fundamento para inverter aquela ponderação, importa prosseguir na apreciação dos demais critérios legalmente estabelecidos. Neste enquadramento, não merece censura a ponderação crítica empreendida pela decisão recorrida quanto à gravidade da infracção (cfr. pontos 851 a 857), quanto à natureza e a dimensão do mercado afectado pela infracção (cfr. pontos 858 a 863), a duração da infração, o grau de participação na infracção (cfr. pontos 867 a 876), as vantagens resultantes da infração (pontos 877 a 881), a situação económica das Visadas (cfr. pontos 883 a 884), a circunstância de não registarem antecedentes contraordenacionais e o comprometimento com o dever legal de colaboração sobre elas incidente.
Em conclusão, a decisão recorrida alcançou os quantuns abaixo discriminados, correspondentes a percentagens inferiores a 1 por cento do volume de negócios total de cada uma das Visadas: (…)
Em aditamento desta douta valoração, afigura-se que, emergiu da prova produzida em julgamento, que a cláusula censurada se insere num Acordo de Parceria que, individualmente considerado, não merece reparo.
Na verdade, há que valorar, como militando em favor das Recorrentes, a circunstância de o Plano de Parceria ter resultado na atribuição de descontos importantes para várias famílias portuguesas, num contexto em que, por força da intervenção da Troika, se verificou um empobrecimento daquelas. Neste, particularmente difícil, contexto vivido pelos portugueses, aceita-se que a Parceria auxiliou as famílias na aquisição de bens de natureza essencial.
Donde, convocando o princípio da proporcionalidade, considera-se adequado corporizar esta valoração na redução em 10 por cento das coimas preteritamente fixadas pela Adc, e consequentemente, fixar as seguintes dosimetrias: 2.610.000,00€ a cargo da EDP Energias; €23.220.000,00 a cargo da EDP Comercial; €2.520.000,00 a cargo da SONAE INVESTIMENTOS e €6.120.000,00 a cargo da SONAE MODELO CONTINENTE.
Do que se acaba de explanar resulta que a pretensa inconstitucionalidade enunciada pelas Recorrentes – a interpretação normativa resultante da conjugação dos artigos 58.º, n.º 1, alínea c), e 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP, bem como dos artigos 41.º, n.º 1, e 58.º, n.º 1, alínea c) do RGCO, e 13.º, n.º 1, e 69.º da LdC, no sentido de que não é obrigatório, na Decisão da AdC final proferida em processo contraordenacional, indicar e fundamentar de forma individualizada a sanção aplicada, por violação do disposto nos artigos 20.º, n.ºs 1 e 4, e 32.º, n.ºs 1, 5 e 10, da Constituição – não tem arrimo na ratio decidendi nem da decisão recorrida nem na decisão judicia ora proferida. Com efeito, como resulta supra à saciedade, a procedeu-se de forma individualizada e autónoma à ponderação dos critérios legalmente determinados para efeitos de quantificação da coima. Contudo, naturalmente, que tendo presente que a infração jusconcorrencial imputada às Recorrentes é a mesma, o desvalor global da sua conduta não consente diferenciação, sendo que, em contraponto, sempre que algum circunstancialismo concreto demandava a diferenciação da ilicitude do comportamento das Visadas foi, efectivamente, empreendido.
Por último, tendo presente as necessidades de prevenção geral, a gravidade da infracção e a culpa com que as Recorrentes actuaram, afigura-se adequada e proporcionada a sanção acessória fixada na decisão recorrida, que não merece reparo. (…)”
Ora, basta atentar no ponto III.2. da decisão da Autoridade Administrativa e no ponto B.2. da sentença recorrida para se concluir que não pode validamente defender-se que a decisão enferma da nulidade que, neste ponto, lhe vem assacada.
Por outro lado, o Tribunal Recorrido esclareceu as razões pelas quais entendeu ser de aplicar a todas as coimas concretas encontradas pela AdC uma redução de 10% e que se fundou nos “encontrados” efeitos benéficos do “Acordo de Parceria” em que “o pacto de não concorrência se inseriu”, pelo que não se entende a invocada omissão de fundamentação.
E não se entende a referência à intervenção de vários departamentos ou funcionários da AdC no processo de determinação das coimas, pois não se vê que a determinação da coima concreta não possa ser o produto do trabalho de vários departamentos da AdC no respectivo processo de determinação, uns de cariz mais fático, outros com competências mais jurídicas, outros com responsabilidades em análises económicas. Ponto é que a fundamentação das mesmas surja na decisão final, o que, como vimos, sucedeu.
Improcede, pois, também nesta parte, o recurso.”
*

Decisão que nessa parte aqui se dá por integralmente reproduzida, apenas havendo que fazer referência, no que ao prazo de prescrição respeita, em face do tempo decorrido desde a prolação do Acórdão de 2021, que importa ainda atender às causas de suspensão de contagem do prazo de prescrição previstas nos números 2 do artigo 7.º da LEI n.º 4-B/2020, de 06/04 e do artigo 6.ºB da LEI nº 4-B/2021, DE 01/02 (a chamada “legislação covidiana”).
Como é sabido, esta Secção do Tribunal da Relação já por diversas vezes se pronunciou acerca de tal questão, e designadamente nos Acórdãos proferidos nos processos 164/10.0YUSTR.L1, 124/18.8YUSTR.L2, 178/20.7YUSTR.L1 e 309/20.7YUSTR sempre no mesmo sentido da aplicação da suspensão do prazo de prescrição previsto na legislação referida aos processos pendentes.               
Firmou, pois, esta Secção do Tribunal da Relação de Lisboa jurisprudência no sentido da conformidade constitucional das leis temporárias decorrentes da situação de pandemia, que operaram a suspensão dos prazos processuais e substantivos, esclarecendo-se que a causa de suspensão (a primeira com a duração de 86 dias, a segunda com a duração de 74) respondeu a uma situação de emergência nacional e de calamidade provocada pela pandemia, um estado de exceção constitucional, com previsão no artigo 19.º da Constituição, que determinou a impossibilidade temporária do prosseguimento dos processos, aplicando-se as normas dos artigos 7.º/3 da Lei 1-A/2020 e 6.ºB da Lei n.º 4-B/2021, de 01/02, não retroativamente, mas apenas para o futuro aos processos de contraordenação pendentes.
Entendeu-se que, pelo menos no âmbito do ilícito de mera ordenação social, não existe obstáculo constitucional à aplicação destas (novas) causas de suspensão da contagem do prazo de prescrição a factos praticados em data anterior à entrada em vigor dos diplomas respectivos, existindo normas de direito transitório que apontam expressamente neste sentido - o n.º 4 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação introduzida pela Lei n.º 4-B/2020, de 06/04, e o n.º 3 do artigo 6.º B da Lei n.º 4-B/2021, de 01/02 -, em particular os artigos 6.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, e 5.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, já citados.
As razões que fundamentaram tal entendimento encontram-se sintetizadas no Acórdão desta Secção proferido no âmbito do processo n.º 309/20.7YUSTR.L1, que aqui reproduzimos, por continuarem a fundar o nosso entendimento:
“Estamos perante uma resposta legislativa a uma vera impossibilidade física, a saber, a de promover e materializar a tramitação dos processos em virtude do confinamento de emergência. Encontramo-nos diante da pungente força da natureza sobre o homem, não diversa, por exemplo, de um fenómeno sísmico de dimensões limite que destruísse os tribunais do litoral marítimo luso e que os impossibilitasse de todo de funcionar durante o período da reconstrução ou de qualquer outro deste jaez e com estas consequências.
A suspensão decretada não surge, na realidade, da vontade e acção do legislador mas da força inelutável de fenómeno físico que a todos se impõe.
Julga-se adequado o juízo do Tribunal «a quo» atinente à aplicação no domínio contra-ordenacional da interdição da aplicação retroativa da lei que estabelece a punibilidade e a punição, face ao disposto no n.º 1 do art.º 3.º da RGCO, bem como a consideração da existência de esteio constitucional aqui relevante, porém sem perder nunca de vista o alijamento de rigor e exigência na aplicação, nesta área técnica, dos princípios constitucionais.
A necessária distinção face à área estritamente penal acarreta, claramente e de imediato, na situação que nos ocupa, o afastamento da excepção garantística lançada no n.º 1 do art.º 2.º da Lei n.º 44/86, de 30 de Setembro, «Regime do Estado de Sítio e do Estado de Emergência» (e no n.º 6 do art.º 19.º da Constituição da República Portuguesa), ou seja, o alijamento da asseguração da não retroatividade da lei criminal no quadro do estado de emergência. É assim, porque nos encontramos, nesse âmbito normativo, no núcleo mais sensível do travejamento do sistema, ou seja, num quadro de esforço de protecção dos derradeiros e mais importantes valores humanos num contexto de excepção absoluta, guardando-os como quem, despojado de tudo, tenta salvar as suas derradeiras referências individuais, i.e, um pequeno cofre existencial comprimido pela emergência.
Trata-se de restrição que protege a liberdade individual e não o património (afinal o único bem atingido pela sanção contra-ordenacional).
A questão suscitada foi já avaliada por este Tribunal nos recursos de contra-ordenação nºs 164/19.0YUSTR.L1 e 124/18.8YUSTR.L2.
A fundamentação aí lançada sustentou-se em algumas noções que merecem reverberação porque ajustadas ao que cumpre avaliar.
São elas:
1.- O quadro motivador da norma questionada é de excepção constitucional, ou seja, de parentesis na tutela dos direitos, liberdades e garantias;
2.- A vigência do dispositivo é transitória;
3.- O mecanismo excepcional funciona por reforço do poder público;
4.- Tal mecanismo é instrumental fazendo corresponder a uma situação de ruptura e anormalidade uma solução orientada para a consecução da sua cessação;
5.- Tem expressão em diversas normas constitucionais e numa lei aglutinadora de soluções;
6.- A suspensão de direitos não é incondicional e irrestrita devendo, entre outros, respeitar, desde a declaração à execução, o princípio da proporcionalidade e da necessidade estrita, tudo nos termos do estabelecido no n.º 4 do já invocado art.º 19.º da Lei Fundamental;
7.- A baliza instrumental corresponde ao «pronto restabelecimento da normalidade constitucional» – ibidem;
8.- A medida de suspensão dos prazos de prescrição tem relação umbilical com a crise sanitária sendo proporcionada à enormidade e carácter inusitado dos efeitos da pandemia;
9.- O n.º 1 do artigo 27.º-A do RGCO contém, a propósito da suspensão, enunciado não taxativo, ao ressalvar os casos previstos na lei;
10.- A dispersão normativa assim admitida não agride os princípios da legalidade e sua derivada tipicidade que requerem enunciado, verbalização precisa, mas não exigem concentração das fórmulas ou carácter coevo do enunciado podendo, pois, a norma constar de um diploma autónomo e ser posterior;
11.- O Decreto-Lei que aprovou o RGCO (n.º 433/82) não tem, sequer, superior grau hierárquico face à Lei n.º 1-A/2020 e poderia até, numa perspectiva de hierarquia de leis, ser por ele revogado;
12.- Não estamos perante retroactividade directa ou de primeiro grau, no sentido de aplicação de regra nova a contexto passado, mas face a aplicação de preceito a quadro temporal futuro relativo a realidade contemporânea – a pendência processual;
13.- Não há arbitrariedade, surpresa, desproporção ou um gorar de expectactivas, logo não há inconstitucionalidade;
14.- O princípio da confiança não reclama que se materialize a possibilidade de serem conhecidas todas as causas de suspensão do prazo de prescrição no momento da consumação;
15.- Se assim não fosse, estaria retirado ao Estado a possibilidade de reagir em emergência perante situação física portadora de particular gravidade e, obviamente, imprevisível no momento dessa consumação;
16.- O carácter inusitado do facto genésico da medida que impossibilitou temporariamente o exercício da acção punitiva impõe uma reanálise dos quadros teóricos.
Assim é.
Particularmente, quanto a este último ponto, é crucial ter presente que tese oposta representaria a total artificialização, manietação e secundarização da acção legislativa e da possibilidade de exercer a actividade política e de governação. Pois se o legislador não pudesse responder de emergência a uma situação de grave risco colectivo que, sem paralelo, ponha em causa toda a sociedade e as suas estruturas básicas de sustentação, então teríamos que concluir que estaríamos a levar a tutela de direitos ao estertor, ao domínio da impossibilidade, por se preferir a extinção da sociedade que tutela o direito à sua suspensão temporal e constitucionalmente enquadrada.
Ficaríamos, por exemplo, sem poder responder à pandemia com potencial de extinção da espécie, ao sismo de dimensões bíblicas ou à imaginada deriva da «jangada de pedra».
Salvo o respeito devido, não parece ter sentido o maximalismo analítico que coloque a recusa da sujeição a uma coima acima da resposta colectiva a uma pandemia, que se aproveite da inoperabilidade ou do desmantelamento do sistema punitivo para evitar a punição do ilícito efectivamente cometido.
Não se divisam argumentos que abalem o ora dito e o já consignado anteriormente por este órgão jurisdicional.
A inexistência de uma verdadeira retroactividade e o carácter específico da jurisdição de mera ordenação social afastam limitarmente que se possa equacionar uma violação do disposto no n.º 4 do 29.º da CRP.
Não há desconformidade, antes coerência, ante o disposto no art. 18.º da Constituição da República Portuguesa, particularmente no seu n.º 2. Foram tutelados outros interesses juridico-constitucionais. Não se ultrapassou a necessidade estrita por estes gerada.
Não há excesso nem desproporção na definição do tempo da suspensão do prazo prescricional (oitenta e seis dias), antes clara colagem aos factos da crise e resposta directa aos mesmos.
Encontramo-nos face-a-face com calamidade pública, logo diante do preenchimento da previsão constante do n.º 2 do art.º 19.º da Lei Fundamental.
Há eficácia pontual e focada. Não se afastam princípios, antes se assume uma medida muito concreta e muito orientada para objectivos e para a resposta a específicos condicionantes.
Antes do curso integral do prazo de prescrição correspondente à adição de 86 dias ao dia 20.10.2020 – momento de termo do prazo de prescrição ordinário – iniciou-se, como bem notou o Tribunal «a quo», o prazo de suspensão da prescrição de seis meses previsto na al. c) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 27.º-A do RGCO (em 18.12.2020, data da notificação do despacho de admissão do recurso em primeira instância).”
Para assim concluir importa recordar as recentíssimas decisões do Tribunal Constitucional, proferidas no âmbito dos processos 367/2021 (Acórdão n.º 660/2021, de 29 de julho de 2021), 353/2021 (Acórdão n.º 500/2021 de 09.07.2021) e 164/2021 (Acórdão nº 798/2021).
É sabido que a aplicação no tempo de lei que prolonga prazos de prescrição, tem suscitado controvérsia na doutrina e na jurisprudência nacionais e europeias.
A ideia de que a retroatividade proibida em matéria de prescrição do procedimento criminal tem como marco temporal de referência, não o facto criminoso, mas o terminus do prazo prescricional fixado na lei em vigor à data da respetiva prática tem vindo a ser acolhida na jurisprudência do TEDH.
Assim, como salientou o Tribunal Constitucional, o julgamento do caso Coëme and Others v. Belgium, em acórdão datado de 22 de junho de 2000, o TEDH distinguiu expressamente a questão de saber se o n.º 1 do artigo 7.º da Convenção é violado por uma disposição que restaure a possibilidade de punição por atos que deixaram de ser puníveis pelo decurso do prazo previsto na lei vigente à data da respetiva prática, do problema de saber se, não tendo esse prazo decorrido ainda na totalidade, tal violação pode ser imputada à aplicação imediata a procedimentos pendentes de norma que venha estender o limite temporal até ao qual aquela punição pode ter lugar.
Respondendo negativamente a esta última questão, o Tribunal afirmou que o artigo 7.º, n.º 1, da Convenção, não pode ser interpretado no sentido de impedir, por efeito da aplicação imediata de uma lei nova, a prorrogação dos prazos de prescrição quando essa prescrição ainda não ocorreu (§ 149).
Mais recentemente, o TEDH voltou a pronunciar-se acerca do tema no Acórdão de 12 de fevereiro de 2013, (PREVITI c. ITALIA):
“(…) 80. A este respeito, o Tribunal recorda que no seu Coëme e outros v. Bélgica (nos 32492/96, 32547/96, 32548/96, 33209/96 e 33210/96, § 149, CEDH 2000-VII), considerou que a aplicação imediata de uma lei que prorroga os prazos de prescrição não infringe Artigo 7 da Convenção, “porque esta disposição não pode ser interpretada no sentido de impedir, por efeito da aplicação imediata de uma lei processual, a prorrogação dos prazos de prescrição quando os alegados atos 'nunca foram prescritos'. Portanto, caracterizou a prescrição como lei processual. O Tribunal não vê razão para se afastar desta conclusão no caso em apreço. Observa que as regras de prescrição não definem as infrações e as penas que as punem, e pode ser interpretado como uma pré-condição simples para o exame do caso.
81. Uma vez que a alteração legislativa denunciada pela recorrente dizia respeito a um direito processual, sem prejuízo da ausência de arbitrariedade, nada na Convenção impedia o legislador italiano de regulamentar a sua aplicação aos processos em curso à data da sua entrada (…)” (o destacado é nosso).
O TEDH esclareceu, pois, que aquela afirmação tem implícita a qualificação das normas relativas à prescrição como normas processuais, o que encontra justificação no facto de se tratar de normas que não definem as infrações nem as penas correspondentes, mas antes se limitam a estabelecer uma simples condição prévia para o exame do caso.
Também o TJUE se pronunciou no mesmo sentido no âmbito do Acórdão proferido em 5.12.2017, no âmbito do processo C-47/17 relativo a um pedido de decisão prejudicial, no sentido de que:
“(…) 42. A este respeito, importa recordar que o facto de um legislador nacional prorrogar um prazo de prescrição com aplicação imediata, incluindo a factos imputados que ainda não estão prescritos, não viola, em princípio, o princípio da legalidade dos crimes e das penas (…).”
Tal entendimento foi melhor explicitado no Acórdão “Taricco”, proferido em 08.09.2015, no âmbito do processo C-105/14, onde pode ler-se:
“(…) 54. A este respeito, vários interessados que submeteram observações ao Tribunal fizeram referência ao artigo 49.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), que consagra os princípios da legalidade e da proporcionalidade dos delitos e das penas, segundo os quais, nomeadamente, ninguém pode ser condenado por uma ação ou por uma omissão que, no momento da sua prática, não constituía infração perante o direito nacional ou o direito internacional.
55. No entanto, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional nacional, a não aplicação das disposições nacionais em causa tem unicamente o efeito de não encurtar o prazo de prescrição geral no quadro de um procedimento penal pendente, de permitir o exercício efetivo da ação penal relativamente aos factos imputados, bem como de assegurar, se for caso disso, a igualdade de tratamento entre as sanções destinadas a proteger, respetivamente, os interesses financeiros da União e os da República Italiana. Esta não aplicação do direito nacional não viola os direitos dos arguidos, conforme garantidos pelo artigo 49.º da Carta.
56. Com efeito, daí não resulta qualquer condenação dos arguidos por uma ação ou omissão que, no momento da sua prática, não constituía uma infração punida penalmente pelo direito nacional (v., por analogia, acórdão Niselli, C‑457/02, EU:C:2004:707, n.º 30) nem a aplicação de uma sanção que, nesse mesmo momento, não estava prevista nesse direito. Pelo contrário, os factos imputados aos arguidos no processo principal eram, à data da sua prática, constitutivos da mesma infração e eram passíveis das mesmas sanções penais que as previstas atualmente.
57. A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao artigo 7.º da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950, que consagra os direitos correspondentes aos garantidos pelo artigo 49.º da Carta, corrobora esta conclusão. Com efeito, segundo essa jurisprudência, a prorrogação do prazo de prescrição e a sua aplicação imediata não implicam uma violação dos direitos garantidos pelo artigo 7.º da referida Convenção, uma vez que esta disposição não pode ser interpretada no sentido de que impede uma prorrogação dos prazos de prescrição quando os factos imputados não estão prescritos (v., neste sentido, TEDH, Coëme e o. c. Bélgica, n.ºs 32492/96, 32547/96, 32548/96, 33209/96 e 33210/96, § 149, CEDH 2000‑VII; Scoppola c. Itália (n.º 2), n.º 10249/03, § 110 e jurisprudência referida, 17 de setembro de 2009; e OAO Neftyanaya Kompaniya Yukos c. Rússia, n.º 14902/04, §§ 563, 564, 570 e jurisprudência referida, 20 de setembro de 2011).(…).” (o destacado é nosso).
Regressando às referidas decisões do Tribunal Constitucional, proferidas no âmbito de processos decididos nesta secção, escreveu-se no primeiro dos referidos arestos do Tribunal Constitucional citados, em que se decidiu “(n)ão julgar inconstitucional a interpretação do artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, no sentido “de que a causa de suspensão dos prazos de prescrição do procedimento contraordenacional aí prevista se aplica aos prazos que, à data da sua entrada em vigor, se encontram já em curso”, que:
“(…)2.3.1. Tendo presente o panorama da jurisprudência constitucional que convocámos atrás, é possível transpor para o presente caso um conjunto de premissas que daí emergem.
Em primeiro lugar, cumpre referir que a prescrição do procedimento criminal, enquanto condição negativa de punibilidade, não deixa de deter uma natureza mista, material e adjetiva, sendo certo que determinados aspetos do seu regime ligar-se-ão preferencialmente a cada uma dessas faces da mesma moeda (cfr. pontos 2.2.3. supra). Tal implica, por um lado, que essa categorização não importe automaticamente a subordinação tout court de qualquer elemento do seu regime a todas as dimensões do princípio da legalidade (cfr. Acórdãos n.ºs 449/2002, 205/1999 e 500/2021, que, neste ponto, seguiremos de perto).
Na verdade, o princípio da legalidade desempenha um papel de barreira ao ius puniendi, como um mecanismo de garantia do cidadão ante a prossecução da ação penal pelo Estado, que deverá balizar-se dentro de regras que salvaguardem o indivíduo de qualquer intervenção excessiva ou arbitrária, sendo esta a pedra basilar em que este princípio assenta, desde a sua consagração na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.
A proibição da aplicação retroativa da lei penal in malam partem está umbilicalmente ligada ao princípio da confiança, que radica “numa ideia de previsibilidade” das normas, no sentido de que qualquer cidadão, para além de não ser surpreendido pela incriminação de um comportamento anteriormente adotado (n.º 1 do artigo 29.º da Constituição), também não pode ser surpreendido pela aplicação de uma sanção mais grave ou por normas processuais materiais de efeitos mais gravosos do que aqueles com que podia contar à data da prática do facto (cfr. Acórdão n.º 261/2020).
Como escrutinado nos pontos 2.1.1 e 2.1.2., supra, a suspensão do prazo prescricional prevista no artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, configura uma medida, entre várias, tomadas no âmbito da legislação de emergência para fazer face à situação pandémica, que originou o estado de exceção constitucional. O período que mediou entre 9 de março e 3 de junho de 2020 foi tido como causa de suspensão do prazo prescricional de procedimentos criminais (e contraordenacionais), em grande medida como decorrência da paralisação da atividade judiciária lato sensu durante esse período.
Não podemos olvidar que o desiderato último do acervo de medidas implementadas pelo Estado, perante a ameaça pandémica à escala mundial, era restringir o contacto social entre indivíduos por forma a controlar a propagação da epidemia da doença Covid-19, através de restrições profundas à liberdade de circulação dos cidadãos, que obviavam à realização das normais atividades do Estado, como particular incidência na administração da justiça.
Estas medidas foram cogitadas e executadas no cumprimento da incumbência do Estado de proteger a vida e a integridade física de todos os cidadãos (artigos 24.º, n.º 1, e 25.º, n.º 1, da CRP), num quadro de pandemia à escala global.
Nesse conspecto, as atividades que se realizam através do contato pessoal e que exigem uma vertente gregária foram sustadas.
No quadro da administração da justiça, numa visão global das medidas concretizadas, podemos concluir que estas implicaram uma paragem forçada do andamento dos processos em curso, através da suspensão dos prazos para a prática de atos processuais. Mesmo no âmbito processual penal, nos processos de natureza urgente, as diligências apenas foram realizadas, mediante condições especiais. Ou através de meios de comunicação à distância, caso se afigurasse viável e possível a sua utilização por todos os intervenientes processuais, ou presencialmente, consoante estivesse reunido um conjunto de circunstâncias físicas e estruturais que permitissem cumprir as regras das autoridades de saúde referentes a distanciamento social entre intervenientes e cumprimento de etiqueta respiratória (cfr. 2.1.1., supra). Tudo isto implicou, até mesmo nos processos de natureza urgente, que contendem com direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, um retardamento óbvio da atividade judiciária.
Não poderemos olvidar que a regra geral consistiu na sustação e suspensão de todos os processos processuais e o prosseguimento apenas daqueles que contendessem com direitos, liberdades e garantias, desde que fossem asseguradas todas as regras sanitárias, ficando a sua realização dependente de condições físicas e estruturais (como, por exemplo, a dimensão das salas de audiências ou de realização de diligências, a existência de sistemas de ventilação e arejamento de divisões em tribunais, a lotação máxima de pessoas nos edifícios, etc.).
Esta perspetiva ampla das medidas em que se insere a causa de suspensão da prescrição permite-nos concluir que foram razões excecionais de ordem sanitária que conduziram, em primeira linha, à suspensão da atividade judiciária, mediante a suspensão do andamento dos processos. Tratou-se de uma medida implementada em benefício de todos os intervenientes processuais, sem distinção, incluindo os próprios arguidos.
Como consequência dessa paralisação forçada do andamento generalizado dos processos, o legislador determinou a suspensão dos prazos de prescrição dos procedimentos criminais, na medida em que a inatividade do aparelho judiciário, globalmente considerado, projetava-se, não só sobre todos os intervenientes processuais, mas também sobre o próprio Estado, na veste de prossecutor da ação penal, que se viu, em virtude da mesma situação excecional, obrigado a suster tal desiderato.
Na verdade, a causa de suspensão da prescrição prevista no artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, deve ser lida como uma decorrência necessária da paralisação da atividade dos tribunais portugueses e da sustação do rito processual, quase generalizado, durante o período de 9 de março a 3 de junho de 2020, dos processos de grande parte das jurisdições.
Naturalmente, a sua consagração não radicou em nenhum objetivo de política criminal, i.e., não houve uma alteração de ponderação de valores pelo legislador, no âmbito processual penal, que tenha presidido à implementação de uma nova causa de suspensão da prescrição. O legislador não pretendeu com esta norma “prolongar” a sua atividade de prossecutor da ação penal, nem reparar uma situação de “inércia pretérita” do Estado (Acórdão n.º 500/2021), repondo um período de tempo em seu benefício.
Esta causa de suspensão da prescrição distancia-se, com esta nuance, dos restantes casos sobre os quais a jurisprudência do Tribunal se debruçou, ostentando uma finalidade e um contexto muitíssimo excecionais (cfr. ponto 2.2.4. supra).
A razão de ser desta causa de suspensão derivou, única e exclusivamente, da situação de emergência sanitária e que originou o estancamento da atividade judiciária, por um determinado período.
Tal premissa conduz-nos à conclusão de que as finalidades subjacentes ao próprio regime da prescrição, que ditam a sujeição desta causa de suspensão ao princípio da proibição da aplicação retroativa da lei penal, não se verificam, porquanto não presidiu à sua consagração uma finalidade de política criminal que reclame o freio do princípio da legalidade, como defesa do cidadão perante o ius puniendi do Estado: pelas razões descritas, nem está em causa reverter sobre o arguido as consequências da inércia pretérita do Estado, nem uma violação do princípio da confiança, já que o evento era imprevisível, para além do arguido, para qualquer outro sujeito processual e para o próprio Estado titular da ação penal, não sendo a situação de pandemia, pela sua imprevisibilidade, apta a constituir um quadro de referência sobre o qual se possa falar de “confiança” (essencialmente no mesmo sentido, v. o já citado Acórdão n.º 500/2021).
Acresce que nos parece evidente que a intenção do legislador era a aplicação desta causa de suspensão da prescrição a processos em curso, aquando da sua entrada em vigor, isto é, a factos cometidos antes dessa data, por serem esses mesmos procedimentos que sofreram uma “torção” na sua tramitação com a sustação da respetiva tramitação. Como tem sido evidenciado pela jurisprudência constitucional acima elencada, para além de não existir um direito subjetivo à prescrição do procedimento criminal, é também legítimo que o legislador contemple causas de suspensão em diplomas especiais, desde que sejam suficientemente precisas e emitidas pela Assembleia da República, o que se verifica neste caso (cfr. Acórdão n.º 449/2002).
Assim, consideramos que a aplicação imediata desta causa de suspensão a processos em curso não colide com as garantias asseguradas pelo princípio da proibição da aplicação retroativa da lei penal, quando, como é o caso, no momento da sua entrada em vigor, o prazo de prescrição já se tinha iniciado e, apesar de se encontrar em curso, não se havia ainda extinto – aliás, encontra-se fora do respetivo âmbito de proteção (v., de novo, o Acórdão n.º 500/2021).
Quer isto dizer que, na linha de pensamento de GIAN LUIGI GATTA, quando o prazo de prescrição não tenha ainda atingido o seu fim, ao determinar o prolongamento – como no caos da suspensão motivada pela pandemia –, a lei superveniente não torna punível um facto não punível: ela limita-se a conceder ao Estado, por qualquer motivo, neste caso por força de uma emergência sanitária, mais tempo para apurar os factos e a responsabilidade criminal. O direito de defesa não resulta, de modo algum, comprometido e o Estado não abusa do poder punitivo, nem frustra aquela exigência de previsibilidade das consequências da violação da norma penal: como mostra a própria disciplina da prescrição do crime (…) o momento em que se cumpre a prescrição é, na verdade, variável e em boa medida imprevisível antes da prática do facto, quando o agente nem sequer sabe se alguma vez será alvo de um procedimento criminal (cfr. “Lockdown da justiça penal, suspensão da prescrição do crime e princípio da irretroatividade: um curto-circuito”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Separata, Ano 30, n.º 20, maio-agosto 2020, Gestlegal, pág. 312 e 313).
A solução preconizada legitima, por isso, a aplicação da suspensão da prescrição em razão do quadro de exceção sanitária e assegura o efeito útil das medidas implementadas para fazer face à emergência sanitária experienciada, que é a respetiva aplicabilidade aos procedimentos interrompidos pelo “lockdown” da justiça, em particular da justiça criminal (cfr. GATTA, GIAN LUIGI, Ob. Cit., pág. 313).
Muito embora a tese propugnada pelo sobredito autor se dirija às especificidades do ordenamento italiano, que prevê, no artigo 159.º do Código Penal Italiano, como causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal “nos casos em que a suspensão do procedimento ou do processo penal é imposta por uma disposição especial da lei”, como se observou no Acórdão n.º 500/2021, “do ponto de vista da invocabilidade das garantias inerentes à proibição da retroatividade, a diferença entre o ordenamento jurídico português e o Direito italiano não é, porém, determinante: apesar de ter conhecimento de que o decurso do prazo de prescrição se suspenderá se e quando vier a ser determinada em lei posterior a suspensão do processo ou do procedimento, o agente que deva ser punido segundo o direito italiano não sabe, no momento em que decide praticar o ilícito-típico, se essa suspensão virá efetivamente a ocorrer, nem sobre durante quanto tempo vigorará na hipótese de vir a ser determinada, nem sobre as caraterísticas do facto ou do acontecimento que venham a ditar essa eventual opção”.
Também nesse ordenamento jurídico, no âmbito da legislação de emergência aprovada, foi consagrada a suspensão da prescrição do procedimento criminal, no artigo 83.º, n.º 4, Decreto-legge 17 marzo 2020, n.º 18, Misure di potenxiamento del Srvisio sanitário nazionale e di sostegno económico per famiglie, lavoratori e imprese connesse all’emergenza epidemiologica da COVID-19, que se afigura uma solução muito próxima à adotada no n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020. Como se lê no Acórdão n.º 500/2021, a este respeito, apesar de o Tribunal Constitucional italiano ter atribuído relevância à existência de uma norma de intermediação como a constante do proémio do artigo 159.º do respetivo Código Penal para concluir pela compatibilidade da norma constante do artigo 83.º, n.º 4, (…) com a proibição da retroatividade (Acórdão n.º 278 de 2020), não existe entre uma e outra solução qualquer diferença que possa ser considerada decisiva ou determinante do ponto vista da proteção da confiança: em ambos os casos, a causa da suspensão do prazo de prescrição é integralmente determinada em lei ulterior ao momento da prática do ilícito-típico, sem que possa dizer-se, tendo em conta o carácter totalmente imprevisível dos acontecimentos que a determinaram, que a sua aplicação aos procedimentos pendentes frustre aquela exigência de previsibilidade das consequências da violação da norma penal a que responde a proibição da retroatividade in pejus.
2.3.2. Além disso, a solução propugnada encontra eco na jurisprudência do TJUE e do TEDH.
Um importante ponto de evolução da compreensão do direito da União em matéria de direito criminal encontra-se na comumente designada Saga Taricco.
Na origem do Acórdão Taricco, de 8/09/2015 (processo C-105/14), está um pedido de reenvio prejudicial colocado pelo Tribunal de Cuneo, que levantou questões acerca da compatibilidade de norma reguladora da prescrição do procedimento criminal, aplicável à criminalidade fiscal em Itália, com os artigos 101.º, 107.º e 119.º do TFUE e o artigo 158.º, n.º 2, da Diretiva 2006/112, perguntando se o Direito da União se opõe à disposição de direito nacional. O TJUE afirmou, nessa decisão, que as medidas tomadas pelos Estados-Membros, para assegurar que casos graves de fraude dos interesses financeiros da União sejam punidos com sanções efetivas e dissuasoras, devem ser as mesmas que os Estados-Membros tomam para combater os casos de fraude do mesmo grau de gravidade que seja lesiva dos seus próprios interesses financeiros (cfr. Acórdão do TJUE de 8 de setembro de 2015, Processo C-105/14, ponto 43); e que a consagração de uma regra como a do artigo 160.º do Código Penal Italiano que limita, em caso de interrupção da prescrição, o prolongamento do prazo máximo até um quarto da duração inicial, quando aplicável a casos de fraude grave, que possa acarretar a não punição dos respetivos factos, dada a complexidade e a duração do procedimentos penais, há que considerar que as medidas previstas pelo direito nacional para combater a fraude e qualquer outra atividade ilegal lesivas dos interesses financeiros da União não podem ser tidas como efetivas e dissuasoras, o que é incompatível com o artigo 325.º, n.º 1, TFUE, com o artigo 2.º, n.º 1, da Convenção PIF e com a Diretiva 2006/112, lida em conjugação com o artigo 4.º, n.º 3, TUE (cfr. pontos 46 e 47).
Ainda que o TJUE tenha evidenciado que a desaplicação do direito nacional deverá ser materializada com respeito pelos direitos fundamentais dos visados, decorre da decisão preconizada que, neste caso, o afastamento das regras sobre prescrição do procedimento, em particular sobre prazos interrompidos, não viola o artigo 49.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Com evidencia João Miguel Cabral, partindo da premissa de que a aplicação das normas do ordenamento jurídico italiano sobre prescrição conduziria à impunidade de tais ilícitos, o TJUE considera que a sua desaplicação não acarreta um encurtamento do prazo prescricional geral aplicável aos procedimentos criminais pendentes. Por essa razão, na ótica daquele Tribunal, não se verifica uma violação do princípio da legalidade pois que a conduta assacada aos arguidos preenchia, à data do seu cometimento, o mesmíssimo tipo incriminatório ora imputado e era já então passível de penalização com sanções equivalentes às atualmente previstas (cfr. “A Saga Taricco entre a Efetividade do Direito da União e da Tutela dos Direitos Fundamentais”, in “Estudos em Homenagem ao Conselheiro Presidente Joaquim Sousa Ribeiro”, Volume I Direito Constitucional, 2019, Tribunal Constitucional, Almedina, pág. 776).
Subsequentemente, por se suscitarem pertinentes dúvidas no seio dos tribunais italianos, com respeito à solução acolhida pelo TJUE, que poderia acarretar uma preterição do princípio da legalidade criminal, porquanto poderia obrigar à aplicação de prazos de prescrição mais longos do que aqueles que se encontravam inicialmente previstos antes do Acórdão Taricco, o Tribunal Constitucional Italiano formulou um novo pedido de reenvio prejudicial ao TJUE, questionando se a fórmula resultante do Acórdão Taricco (i) se acha suficientemente precisa; (ii) se contraria o princípio da legalidade, assumindo que o Estado-Membro categorize a prescrição como direito penal substantivo e (iii) se contraria os princípios supremos da ordem constitucional italiana (cfr. ponto 20 do Acórdão de 5/12/2017).
A resposta do TJUE deu origem ao Acórdão M.A.S. e M.B. (ou Taricco II), de 5 de dezembro de 2017 (processo C-42/17), no qual – apesar de pacificar tal diferendo, admitindo que o juiz nacional não tem obrigação de desaplicar disposições internas sobre prescrição no caso de concluir que as mesmas conflituam com direitos dos arguidos, em razão da falta de precisão da lei aplicável ou devido à aplicação retroativa de uma legislação que impõe condições de incriminação mais severas do que as vigentes no momento em que a infração foi cometida – reitera o entendimento de que a aplicação imediata da fórmula Taricco pelo juiz nacional, prorrogando um prazo de prescrição com consequente abrangência dos factos ainda nãos prescritos, não acarretará uma violação do princípio da legalidade (cfr. pontos 40 a 43).
Sobre o princípio da legalidade criminal, consagrado no artigo 49.º da CDFUE, que, nos termos do n.º 3 do artigo 52.º, da Carta, tem o mesmo sentido e âmbito que o direito garantido pela CEDH, no respetivo artigo 7.º, n.º 1, o mesmo obriga a que as disposições penais respeitem certas exigências de acessibilidade e de previsibilidade, quanto à definição da infração e à determinação da medida de pena; e, no tocante ao princípio da não retroatividade da lei penal, opõe-se ao sancionamento criminal de um comportamento que não seja proibido por uma regra nacional adotada antes de a infração imputada ser cometida ou agravar o regime de responsabilidade penal de quem é objeto desse processo (cfr. pontos 55 a 57 do Acórdão, onde se faz expressa menção à jurisprudência do TEDH mobilizada no caso concreto; e Cabral, João Miguel, Ob. Cit., pág. 802).
A construção perfilhada pelo TJUE, nos dois arestos da Saga Taricco, posiciona-se na mesma linha jurisprudencial do TEDH, no sentido de a proibição da retroatividade em matéria de prescrição poder ter por referência o terminus do prazo de prescrição, previsto na lei em vigor à data da prática dos factos, uma vez que o artigo 7.º da CEDH não impede a aplicação imediata aos procedimentos em curso das leis que estendem prazos de prescrição, quando os factos imputados ainda não tenham prescrito e quando essa extensão não seja arbitrária (cfr. Acórdão de 22 de junho de 2000, proferido no Caso Coëme and Others v. Belgium; Acórdão de 8 de dezembro de 2009, proferido no Caso Cesare Preveti v. l’Italie; ponto 22 do Acórdão n.º 500/2021; e Gatta, Gian Luigi, Ob. Cit. pág. 316).
2.3.3. Muito embora a apreciação da conformidade constitucional da aplicação da causa de suspensão da prescrição prevista nos n.ºs 3 e 4 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 aos procedimentos em curso se tenha feito por referência à sua natureza criminal, os argumentos que sustentam o presente juízo de não inconstitucionalidade são replicáveis para os procedimentos de natureza contraordenacional. Com efeito, e não obstante a jurisprudência do Tribunal se encontrar estabilizada no sentido de os princípios constitucionais com relevo em matéria penal não serem transponíveis, com a mesma extensão e intensidade, para o domínio contraordenacional (cfr. entre outros Acórdãos n.ºs 344/93, 278/99, 160/04, 537/2011, 85/2012, 76/2016, 297/2016 e 175/2021), é para nós claro, na senda do decidido no Acórdão n.º 500/2021, que, “no que diz respeito à proibição constitucional da retroatividade in pejus, isso significa que ela se estenderá ao direito contraordenacional somente enquanto manifestação nuclear da função de garantia do princípio da legalidade, exigida pela ideia de Estado de Direito e oponível ao arbítrio ex post facto”.
Assim, pelos fundamentos e considerações jurídicas acima expendidas, concluímos que a interpretação extraída do artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, no sentido de ser aplicável a causa de suspensão da prescrição do procedimento aí prevista aos procedimentos contraordenacionais pendentes aquando da entrada em vigor daquele diploma, não viola o princípio da proibição da aplicação retroativa da lei penal in malam partem, consagrado no artigo 29.º, n.ºs 1 e 4, da CRP. (…)” (os destacados são nossos).

Sufragamos inteiramente este entendimento, que mutatis mutandis, é aplicável à suspensão prevista na Lei 4-B/2020, de 01.02.
Já no segundo mencionado Acórdão do Tribunal Constitucional - no qual se decidiu – “(n)ão julgar inconstitucional o artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, interpretado no sentido de que a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional aí prevista é aplicável aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respetiva vigência”,  pode ler-se que:
“(…) 21. Ao considerar que a aplicação imediata da causa de suspensão da prescrição prevista no artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, não integra uma hipótese de «retroatividade direta ou de primeiro grau, no sentido de aplicação de regra nova a contexto passado» — mas antes, depreende-se, uma situação de retroatividade inautêntica ou imprópria, própria das normas que preveem inovadoramente consequências jurídicas para situações que se constituíram antes da sua entrada em vigor, mas que se mantêm nessa data -, o Tribunal a quo não só aderiu a uma conceção do instituto da prescrição inteiramente distinta daquela que é defendida pelo recorrente, como acabou por alinhar, ainda que sem o dizer, com a posição que, a propósito das normas que procedem ao alargamento dos prazos de prescrição, vem sendo sufragada por importantes sectores da doutrina estrangeira, sobretudo germânica e italiana, assim como pelo TEDH e pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (adiante, «TJUE»).
A tese defendida pelo recorrente pode resumir-se do seguinte modo: a prescrição do procedimento criminal constitui uma causa de extinção da responsabilidade penal (ou um pressuposto negativo da punibilidade), o que determina que todas as normas que integram o respetivo regime — isto é, as normas que fixam os prazos de prescrição e as normas que estabelecem as respetivas causas de suspensão e de interrupção — pertençam ao direito penal substantivo e se encontrem sujeitas, por força dessa sua localização, ao regime de vigência temporal previsto para a lei penal substantiva, quer na dimensão integrada pela proibição da retroatividade da lei nova, quer na relativa à aplicação do regime da lei penal mais favorável.
A conceção subjacente ao acórdão recorrido opõe-se-lhe em quase toda a linha. Na base desta parece encontrar-se a ideia segundo a qual a resposta à questão de saber se certa norma do regime da prescrição — aqui, o n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 — se acha ou não sujeita à incidência do artigo 29.º, n.ºs 1, 3 e 4, da Constituição, não decorre, pelo menos em definitivo, da opção que previamente se faça quanto à natureza material, processual ou mista daquele instituto; depende antes de se verificarem ou não, relativamente a ela, as razões subjacentes à proibição da aplicação da lei penal a factos cometidos antes do início da sua vigência (neste sentido, v. Claus Roxin, Derecho Penale, Parte Generale, Tomo I, 2.ª edição, trad. de Diego-Manuel Luzon Peña e Miguel Díaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal, Madrid, 1997, Civitas, p. 165). De acordo com o Tribunal a quo, tais razões têm na sua génese «o princípio da confiança» — o agente orienta o seu comportamento confiando que o mesmo será apreciado de acordo com a lei em vigor no momento em que decide levá-lo a cabo (idem, p. 989) — e este não é posto em causa pela fixação, em momento posterior à prática do ilícito, de uma nova causa de suspensão do prazo prescricional. Uma vez que o estabelecimento de uma nova causa de suspensão tem como efeito diferir para um momento ulterior o termo final do prazo previsto, a orientação sufragada pelo Tribunal recorrido é perfeitamente ilustrável através do exemplo dado por Roxin para justificar a viabilidade da aplicação das normas que ampliam os prazos de prescrição a factos cometidos antes do início da respetiva vigência: «um orador parlamentar recorrerá sem receio ao emprego de palavras fortes por saber que beneficia da proteção concedida pelo § 36 e que dela não poderá ser posteriormente privado; mas ninguém pode confiar em que não será castigado porque se vai produzir a prescrição do procedimento» (ibidem).
As consequências desta construção, que o Tribunal recorrido em parte explicitou, são fáceis de antecipar: em matéria de prescrição, a confiança do agente apenas será violada se a aplicação imediata da lei nova determinar a reabertura de prazos de prescrição já integralmente decorridos. Ao «produzir-se a prescrição, o autor fica impune e pode confiar nisso»; se, posteriormente, se viesse a considerar que a prescrição, afinal, não se produzira, «isso suporia uma posterior (re)fundamentação da punibilidade, contrária ao fim do art.º 103 II da GG», preceito da Grundgesetz que consagra a proibição da aplicação retroativa da lei penal (ibidem).
Na doutrina italiana, esta perspetiva é defendida por Giorgio Marinucci e Emilio Dolcini, autores que, na linha de Roxin (idem, p. 165), admitem claramente que uma lei nova alargue o prazo de prescrição em curso, desde que este não se tenha ainda esgotado. Assim, nos casos em que a lei nova amplia a duração do tempo necessário para que se verifique a prescrição, importará distinguir a hipótese «em que, à data da entrada em vigor da lei, já decorreu o tempo da prescrição do crime, da situação em que a prescrição ainda não está concluída. No primeiro caso, a aplicação retroativa da nova disciplina é inadmissível: decorrido o tempo necessário para que ocorra a prescrição, o agente deixa de poder ser punido e deverá poder confiar neste estado de coisas (…)». Ao contrário, «qualquer ampliação do prazo que intervenha antes de verificada a prescrição de acordo com a lei vigente à data da prática do crime (…) pode aplicar-se aos factos cometidos antes do início da sua entrada em vigor. Esta aplicação não atenta contra o princípio da irretroatividade: a ratio deste princípio é tutelar a expetativa do cidadão em saber previamente se e em qual medida poderá vir a ser punido, e não já fazê-lo saber por quanto tempo deverá permanecer escondido após o cometimento do facto até poder voltar tranquilamente à vida do dia a dia. É evidente que o autor do crime pode fazer cálculos desta natureza, mas o princípio da irretroatividade não está orientado para a proteção de semelhantes cálculos» (Manuale di Diritto Penale, Parte Generale, Milão, 2004, Giuffrè Editore, p. 59).
22. A construção exposta – cujo essencial acaba por reconduzir-se à ideia de que a retroatividade proibida em matéria de prescrição do procedimento criminal tem como marco temporal de referência, não o facto criminoso, mas o terminus do prazo prescricional fixado na lei em vigor à data da respetiva prática —, encontra igualmente respaldo na jurisprudência do TEDH. No julgamento do caso Coëme and Others v. Belgium, em acórdão datado de 22 de junho de 2000, o TEDH distinguiu expressamente a questão de saber se o n.º 1 do artigo 7.º da Convenção é violado por uma disposição que restaure a possibilidade de punição por atos que deixaram de ser puníveis pelo decurso do prazo previsto na lei vigente à data da respetiva prática, do problema de saber se, não tendo esse prazo decorrido ainda na totalidade, tal violação pode ser imputada à aplicação imediata a procedimentos pendentes de norma que venha estender o limite temporal até ao qual aquela punição pode ter lugar. Respondendo negativamente a esta última questão, o Tribunal afirmou que o artigo 7.º, n.º 1, da Convenção, não pode ser interpretado no sentido de impedir, por efeito da aplicação imediata de uma lei nova, a prorrogação dos prazos de prescrição quando essa prescrição ainda não ocorreu (§ 149). Explicitando posteriormente tal entendimento, o TEDH acabou por esclarecer que aquela afirmação tem implícita a qualificação das normas relativas à prescrição como normas processuais, o que encontra justificação no facto de se tratar de normas que não definem as infrações nem as penas correspondentes, mas antes se limitam a estabelecer uma simples condição prévia para o exame do caso (Cesare Preveti v. l’Italie, 8 de dezembro de 2009, § 80).
A orientação firmada pelo TEDH — note-se por último — foi seguida sem desvios pelo TJUE, no célebre caso Taricco, onde se confrontaram distintas conceções acerca da natureza das normas sobre prescrição e a sua relação com a proibição da retroatividade: a conceção adotada pelo Tribunal Constitucional italiano, segundo a qual a «prescrição deve considerar‑se um instituto de direito substantivo, que o legislador pode modelar através de um balanceamento razoável interesse em perseguir os crimes até que o alarme social provocado pelo crime não se desvaneça (…), mas sempre no respeito daquela premissa constitucional inderrogável» dada pela proibição da aplicação retroativa de normas penais in malam partem (Acórdão n.º 115 de 2018, ponto 10., acessível, tal como os demais adiante citados, em https://www.cortecostituzionale.it/default.do); e a conceção defendida pelo próprio TJUE, de acordo com a qual o «artigo 49.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), que consagra os princípios da legalidade e da proporcionalidade dos delitos e das penas, segundo os quais, nomeadamente, ninguém pode ser condenado por uma ação ou por uma omissão que, no momento da sua prática, não constituía infração perante o direito nacional ou o direito internacional», não se opõe «à prorrogação do prazo de prescrição e (à) sua aplicação imediata», uma vez que, tal como o TEDH vem afirmando a propósito do artigo 7.º da Convenção, também aquela «disposição não pode ser interpretada no sentido de que impede uma prorrogação dos prazos de prescrição quando os factos imputados não estão prescritos» (Acórdão do TJUE de 8 de setembro de 2015, Processo C‑105/14, pontos 56-58).
23. A perspetiva seguida pelo TEDH e corroborada na jurisprudência do TJUE — que, como vimos, acaba por deslocar o critério relevante para aferir da violação da proibição da retroatividade do plano da proteção da confiança do agente para plano da classificação das normas relativas à prescrição — corresponde, em larga medida, à tese defendida pela recorrida CMVM, que se apoia no parecer da autoria de Francisco Lacerda da Costa Pinto, junto aos presentes autos. Tendo por referência a concreta causa de suspensão do prazo de prescrição prevista no n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, que é propositadamente distinguida das normas que procedem ao alargamento do prazo legal de prescrição anterior, afirma-se no referido parecer que a «prescrição do procedimento criminal ou contraordenacional constitui uma condição negativa de procedibilidade, sendo um instituto de natureza processual pelo seu objeto (análise do decurso do tempo para exercício processual da pretensão punitiva e dos atos processuais relevantes para o efeito), pela falta de conexão imediata com o facto punível e pelo seu destinatário imediato (a entidade competente para tomar a decisão no processo)». Assim, «a vigência (e a eficácia temporal) de uma causa de suspensão da contagem do prazo de prescrição (de natureza criminal ou contraordenacional), aplicada aos processos em curso (em que não se tenham esgotado os prazos de prescrição do procedimento) não está sujeita à proibição de aplicação retroativa da lei penal (ou contraordenacional), nem ao regime de aplicação da lei que se revele concretamente mais favorável ao agente»; trata-se de «matéria que está fora da letra, da ratio e dos objetivos dos regimes acolhidos nos artigos 29.º, n.º 1 e n.º 4, da Constituição, do artigo 2.º, n.º 1 e n.º 4, do Código Penal, e do artigo 3.º, n.º 1 e n.º 2, do RGCords», sendo o seu «regime de vigência temporal» determinado pelo «artigo 5.º do Código de Processo Penal» e «delimitado pelas garantias de defesa do arguido, tutelado pelo artigo 32.º, n.º 1 da Constituição».
Tais conclusões — note-se ainda — encontram-se em estreita sintonia com o critério da «conexão imediata com o facto» proposto por Roxin para identificar e delimitar, de entre as normas pertencentes ao ordenamento jurídico-penal, aquelas que, revestindo natureza material, se encontram sujeitas ao regime constitucional previsto para a lei penal: os elementos que pertencem ao «“complexo do facto”», encarado «no seu conjunto», constituem pressupostos jurídico-materiais da punibilidade e integram o Direito material; inversamente, os «elementos alheios ao complexo do facto», como a prescrição ainda não verificada, constituem pressupostos de procedibilidade e integram o Direito processual (ob. cit., p. 988).
24. Não é esta, todavia, a orientação que vem sendo sufragada na jurisprudência deste Tribunal quanto à prescrição do procedimento criminal e da pena.
A propósito das causas de suspensão da prescrição, disso deu expressamente conta o Acórdão n.º 183/2008, tirado em Plenário, que se distanciou da tese acima exposta nos termos que se seguem:
«Pode colocar-se a questão de saber se as causas de suspensão da prescrição estão, ou não, abrangidas por este princípio-garantia da legalidade criminal. Na Alemanha, por exemplo, esta matéria tem sido excluída do âmbito da garantia constitucional da legalidade, por se considerar a prescrição como mero pressuposto processual que se refere exclusivamente às condições de exercício da ação penal (assim Leibholz/Rink, Grundgesetz Kommentar, Art. 103., Köln, 1975/2005, Rz. 1492; sobre a aceitação generalizada da prescrição como mero pressuposto processual na jurisprudência, Lemke, in Strafrechtgesetzbuch, hrsg. Kindhäuser/ /Neumann/Paeffgen, Bd 1, 2. Aufl., 2005, p. 2146).
Como explica Claus Roxin, a natureza da “prescrição” não é irrelevante, pois dela depende a aplicabilidade do princípio da legalidade que “se limita ao direito penal substantivo” (Strafrecht, 3. Aufl., 1997, p. 912 s.).
A posição da nossa doutrina é, porém, diferente. Ela admite, e bem, que a prescrição tem, pelo menos em parte, uma natureza substantiva (sobre a dupla natureza processual e substantiva do instituto da prescrição, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português. Parte Geral, II, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra 1993, p. 698 ss. e Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, III, Lisboa 1999, p. 225), sendo certo que se considera em geral que o princípio da legalidade se deverá impor sempre que ele funcione como garantia do arguido, ou seja, sempre que a ultrapassagem do sentido semântico da norma criminal funcione contra o arguido».
A perspetiva segundo a qual a prescrição do procedimento criminal constitui «para o arguido uma garantia material ou não meramente procedimental» (Acórdão n.º 297/2016) foi desenvolvida numa série de outros arestos, designadamente no Acórdão n.º 445/2012, que a sustentou nos termos seguintes:
«6. O instituto da prescrição do procedimento criminal justifica-se, desde logo, por razões substantivas, ligando-se a exigências político-criminais ancoradas nos fins das penas. Com o decurso do tempo, além do enfraquecimento da censura comunitária presente no juízo de culpa, por um lado, perdem importância as razões de prevenção especial, desligando-se a sanção das finalidades de ressocialização ou de segurança. Por outro lado, também do ponto de vista da prevenção geral positiva se justifica o instituto. Com o correr do tempo sobre a prática do facto, vai perdendo consistência a prossecução do efeito da pena de afirmação contrafáctica das expectativas comunitárias sobre a vigência da norma, já apaziguadas ou definitivamente frustradas. Finalmente há a considerar o efeito do tempo no agravamento das dificuldades probatórias, com a consequente potenciação do grau de incerteza do resultado. O que, em associação com a ideia de que à intervenção penal deve ser reservado um papel de ultima ratio, só legitimada quando ainda se mantenham a necessidade de assegurar os seus objetivos, justifica que o Estado não prossiga o procedimento transcorrido que seja o período de tempo legalmente determinado (Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 699).»
Ainda que por referência à prescrição, não do procedimento, mas da pena, a ideia de que a prescrição constitui um pressuposto negativo da punição, e não uma mera condição negativa de procedibilidade (ou de exequibilidade), foi expressamente afirmada no Acórdão n.º 625/2013:
«A prescrição das penas funciona, assim, como um pressuposto negativo da punição, sendo apontado a este instituto uma natureza mista, substantiva e processual, que leva a que as normas que integram o seu regime sejam qualificadas como normas processuais materiais (FIGUEIREDO DIAS, na ob. cit, pág. 702, da ed. de 1993, da Aequitas, e PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, em “Comentário do Código Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pág. 383, da 2.ª ed., da Universidade Católica Editora).»
25. Apesar de o Tribunal vir perfilhando o entendimento de que o instituto da prescrição tem uma natureza, senão material, pelo menos mista, a ideia de que essa classificação é suficiente para determinar sem mais a sujeição de todos os elementos que integram o respetivo regime jurídico a todas as exigências que decorrem do princípio da legalidade, enquanto garantia pessoal de não punição fora do domínio de uma lei escrita, prévia, certa e estrita, não encontra respaldo, pelo menos inequívoco, na jurisprudência constitucional.
É verdade que no Acórdão n.º 183/2008, que declarou, com força obrigatória geral, «a inconstitucionalidade, por violação do disposto no artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição, da norma extraída das disposições conjugadas do artigo 119.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal e do artigo 336.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ambos na redação originária, na interpretação segundo a qual a prescrição do procedimento criminal se suspende com a declaração de contumácia», o Tribunal parece ter atribuído à «natureza substantiva», «pelo menos em parte», da prescrição um relevo decisivo para afirmar o efeito correspondente à subordinação das respetivas causas de suspensão à exigência de lei estrita (artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição), com consequente proibição do recurso à analogia. Mas esse não foi o caminho seguido no numeroso conjunto de acórdãos que, precedendo aquela declaração, se ocuparam previamente do problema relativo ao estabelecimento das causas de suspensão e de interrupção da prescrição do procedimento criminal originado pela desconformidade entre os regimes previstos na lei penal e na lei processual penal no período que mediou entre a entrada em vigor do Código de Processo Penal de 1987 e a revisão do Código Penal de 1995.
Logo no Acórdão n.º 205/1999 — o primeiro dessa série —, o Tribunal, apesar de ter reconhecido que «a sujeição da prescrição às decorrências do princípio da legalidade tem sido problematizada em função da sua qualificação como instituto de Direito Penal substantivo ou adjetivo, persistindo a primeira qualificação», optou por enfrentar a questão respeitante à possibilidade do recurso à analogia em matéria de causas de interrupção a partir, não do «tratamento das relações entre a prescrição e o princípio da legalidade num plano classificatório», mas antes de «uma construção dogmática implantada nos fundamentos específicos da prescrição independentemente da sua natureza penal ou processual penal» (itálico aditado); isto é, da ideia de que a justificação do instituto reside na «desnecessidade da pena que o decurso do tempo implica, quando o facto já foi assimilado ou esquecido pela sociedade, mas também (na) responsabilização do Estado pela inércia ou incapacidade para realizar a aplicação do Direito no caso concreto». Na medida em que tal fundamentação se repercuta no elemento legal a considerar — como se entendeu suceder na hipótese de estabelecimento de novas causas de interrupção da prescrição «em resultado de uma interpretação atualista da lei baseada em raciocínios analógicos» —, a «proibição da analogia das normas relativas à prescrição partilha(rá) dos fundamentos da proibição da analogia relativamente aos fundamentos da incriminação», constante do artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição, justificando-se nos mesmos termos.
A fundamentação com base na qual o Acórdão n.º 205/1999 concluiu pela violação do princípio da legalidade penal, na dimensão correspondente à exigência de lei estrita, foi reafirmada nos Acórdãos n.º 285/1999, 122/2000, 317/2000, 557/2000, 585/2000 e 412/2003, relativos também à ampliação por via jurisprudencial do elenco das causas de interrupção e de suspensão da prescrição (em termos de interpretação extensiva ou analógica) no sentido de adequar as normas do Código Penal de 1982 à (nova) estrutura do processo penal que emergiu do Código de 1987.
26. Ao contrário dos arestos acima mencionados, que trataram da relação do instituto da prescrição com o princípio da legalidade apenas na dimensão de lei estrita, o Acórdão n.º 449/2002, proferido no mesmo contexto, ocupou-se diretamente do problema da vinculação daquele instituto às exigências de lei prévia e lei certa, tendo-o feito justamente a propósito da tipificação das causas de suspensão da prescrição do procedimento criminal. Por ser aquele que mais diretamente releva para a questão a apreciar no âmbito do presente recurso, é especialmente importante atentar nos fundamentos invocados neste aresto.
As questões então colocadas ao Tribunal Constitucional foram as seguintes: em primeiro lugar, tratava-se de saber se a opção por um elenco não taxativo das causas de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal, expressa na ressalva dos demais casos especialmente previstos na lei (artigo 120.º, n.º 1, do Código Penal), é compatível com a exigência de lei certa decorrente do princípio da legalidade; em segundo lugar, tratava-se de determinar se uma causa de suspensão da prescrição que viesse a constar de lei especial, na medida em que pretendesse aplicar-se a «factos criminosos praticados antes da sua consagração», violaria o princípio da legalidade, agora na dimensão de lei prévia, expressa na proibição da retroatividade in pejus.
O Tribunal considerou ambas as possibilidades compatíveis com o artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição.
Quanto à primeira, não teve dúvidas em afirmar que «o princípio da legalidade – e, em concreto, a exigência de tipicidade – não requer que todas as causas de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal estejam previstas na mesma norma legal. Apenas pode postular que a norma que preveja cada uma (ou várias) daquelas causas seja suficientemente precisa e seja emitida pela Assembleia da República ou pelo Governo, no uso da indispensável autorização legislativa (artigo 198º, n.º 1, alínea b), da Constituição)». Conclusão que - afirmou-o também - «não é invalidada pela circunstância de a norma que consagra a causa de suspensão do prazo prescricional (...) ser posterior. Na verdade, a cláusula "geral" ou de "remissão" dirige-se a todas as normas que vigoravam à data da sua entrada em vigor ou hajam entrado em vigor posteriormente (mas, claro está, na sua vigência)».
Quanto à segunda, considerou expressamente que a aplicação imediata da nova causa de suspensão da prescrição do procedimento não configura um caso de retroatividade proibida pelos n.ºs 1 e 3 da Constituição: ao aplicar-se imediatamente, a nova causa de suspensão «aplica-se para o futuro a processos crimes ainda pendentes, embora resultantes de crimes cometidos no passado» (itálico aditado).
Tal afirmação - que não deixa de evidenciar uma certa aproximação à orientação defendida na doutrina italiana e germânica, sufragada pelo Tribunal recorrido (supra, n.º 21) -, foi explicitada do seguinte modo:
«11. O caso de "retroatividade" com que nos confrontamos, nos presentes autos, constitui uma situação de retroatividade de segundo grau (artigo 12º, n.º 2, segunda parte, do Código Civil), "retroatividade inautêntica" ou "retrospetividade". A norma do artigo 336º, n.º 1, do Código de Processo Penal não se aplica retractivamente – aplica-se para o futuro a processos crimes ainda pendentes, embora resultantes de crimes cometidos no passado.
Esta solução normativa só poderia ser julgada inconstitucional se ofendesse de modo arbitrário, inesperado ou desproporcionado, expectativas do agente do crime contemporâneas da prática do facto (artigo 2º e 29º, n.ºs 1, 3 e 4, da Constituição). Ora, não se pode inferir do princípio da confiança, que constitui corolário do Estado de direito democrático, a exata cognoscibilidade de todas as causas de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal no momento da prática do facto.
Por isso, a interpretação e consequente aplicação temporal que o tribunal a quo fez do artigo 119º, n.º 1, do Código Penal de 1982 não viola o princípio da legalidade, na sua exigência de não retroatividade in pejus
27. Percorridos os dados mais relevantes da doutrina, da jurisprudência dos tribunais comuns, da jurisprudência do TEDH e do TJUE e, mais importante ainda, da jurisprudência constitucional, crê-se ser nesta altura possível traçar o quadro de relacionamento do instituto da prescrição com o princípio da legalidade penal à luz do qual deverá ser encarada a questão da compatibilidade do artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, interpretado no sentido de que a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional aí prevista é aplicável aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respetiva vigência, com a exigência de lei prévia, na dimensão correspondente à proibição da retroatividade in pejus.
Ao estatuir que «(n)inguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a ação ou a omissão» (n.º 1), nem sofrer «penas que não estejam expressamente cominadas em lei anterior» (n.º 3) ou «mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respetivos pressupostos» (n.º 4), o artigo 29.º da Constituição consagra o princípio da legalidade penal em termos equivalentes à sua formulação latina nullum crimen sine lege, nulla poena sine praevia lege poenali, da autoria de Anselm von Feuerbach, que corresponde, ainda hoje, ao modo de enunciação universal daquele princípio.
O princípio encontra-se estabelecido para as leis que determinam os pressupostos da relevância criminal das condutas ativas e omissivas - o complexo do facto punível - e para as leis que estabelecem as respetivas consequências jurídicas - as penas. Na dimensão correspondente à exigência de lei prévia, dele resulta que o legislador não pode atribuir relevância criminal a factos passados, nem punir mais severamente crimes praticados em momento anterior.
As normas relativas à prescrição do procedimento criminal não se encontram incluídas, de modo literal, na proibição da retroatividade in pejus fixada para as normas incriminadoras (neste sentido, quanto à proibição da analogia, v. Acórdão n.º 205/1999). A sua recondução ao âmbito de aplicação do artigo 29.º, n.ºs 1, 3 e 4.º, da Constituição, só poderá fazer-se, por isso, com apoio em argumentos jurídico-constitucionais, os quais, por sua vez, haverão de extrair-se, não da classificação das normas atinentes ao instituto da prescrição segundo os critérios desenvolvidos no plano infraconstitucional, mas antes da ratio da proibição da retroatividade in pejus e, por conseguinte, dos próprios fundamentos do princípio da legalidade penal. Ainda que para justificar uma leitura maximizadora das garantias inerentes àquela proibição, não deixa de ser esse o sentido em que adverte Pedro Caeiro: a distinção entre normas processuais formais e normas processuais materiais não deve constituir um «prius relativamente à questão da (não) sujeição das normas» — ou de certa norma — «àquela proibição da retroatividade, mas sim um resultado da correta delimitação do âmbito de aplicação da retroatividade desfavorável» (“Aplicação da lei penal no tempo e prazos de suspensão da prescrição do procedimento criminal: um caso prático”, Separata de Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, 2001, Coimbra Editora, p. 243). O que vale por dizer que, quando se trata de determinar o estatuto constitucional de certo elemento legal à face do artigo 29.º, n.ºs 1, 3 e 4, da Constituição, importa ter em definitivo presente, «não tanto a integração deste ou daquele instituto no direito penal ou processual, quanto a função atribuída pela Constituição ao princípio da irretroatividade» (Giorgio Marinucci e Emilio Dolcini, ob. cit., p. 59).
28. É sabido que o princípio da legalidade penal tem como fundamento a ideia de que um Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição) deve proteger o indivíduo não apenas através do direito penal, mas também do direito penal (cf. Claus Roxin, ob. cit., p. 137). Trata-se, portanto, de um princípio defensivo, que atribui aos cidadãos posições de defesa perante o Estado, enquanto titular oficial do poder punitivo. Em sintonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, onde foi pela primeira vez consagrado, o princípio da legalidade penal continua a ter como função proteger o indivíduo perante o direito penal, colocando-o a salvo de uma intervenção estadual excessiva ou arbitrária.
A proibição da retroatividade in pejus explica-se inteiramente a esta luz: ao contrário do que sucede com a imposição da retroatividade in mellius, «que possui uma génese e um fundamento especificamente político-criminal», ligado à «ausência de exigências de prevenção que justifiquem a persistência da aplicação ao caso da lei (mais severa) que vigorava no momento da prática do facto», a proibição da retroatividade in pejus tem uma génese e um fundamento «marcadamente político-jurídico», diretamente associado à «defesa da liberdade e da segurança dos cidadãos contra o arbítrio do Estado» (Pedro Caeiro, loc. cit., p. 235-236, itálico aditado). É justamente isso que explica que, não obstante «ser questionável a existência de um verdadeiro direito do agente a que a inércia do Estado na prossecução penal o beneficie» (Acórdão n.º 205/1999), as normas relativas à prescrição, designadamente as que estabelecem as causas de interrupção e de suspensão do prazo respetivo, se encontrem, prima facie, subordinadas à proibição da retroatividade in pejus.
Apontam para essa conclusão dois dados essenciais.
Em primeiro lugar, importa levar em conta que tanto as causas de interrupção como as causas de suspensão da prescrição se destinam a tornar «efetiva a possibilidade de se vir a aplicar o Direito Penal no caso concreto» (cf., uma vez mais quanto à proibição da analogia relativamente à interrupção da prescrição, Acórdão n.º 205/1999): as primeiras porque têm por efeito a inutilização do tempo de prescrição já decorrido (artigo 121.º, n.º 2, do Código Penal); as segundas porque originam a paralisação do decurso do prazo de prescrição pelo tempo em que perdurar o evento suspensivo, observados os limites máximos fixados na lei (artigo 120.º, n.º 6). Assim, a exigência de que umas e outras se encontrem fixadas em lei prévia tenderá a considerar-se justificada a partir da ideia de controlo do exercício do poder punitivo do Estado através do Direito que previamente criou: as garantias inerentes à proibição da retroatividade in pejus, na medida em que se destinam a proteger o indivíduo contra possíveis abusos por parte do legislador, opõem-se à possibilidade de o Estado, através da ampliação retroativa do elenco das causas de interrupção ou suspensão da prescrição, mitigar ou até mesmo reverter a débito do arguido os efeitos da «sua inércia ou incapacidade para realizar a aplicação do Direito no caso concreto» (cf., uma vez mais quanto à proibição da analogia em matéria de interrupção da prescrição, Acórdão n.º 205/1999). Neste sentido, a proibição da aplicação retroativa das normas que estabelecem as causas de interrupção e de suspensão da prescrição do procedimento criminal partilhará dos fundamentos da proibição da aplicação retroativa das normas que estabelecem os pressupostos da responsabilidade: tal como esta, também aquela será imposta em nome da defesa do cidadão contra a discricionariedade e o arbítrio ex post facto.
Em segundo lugar, importa não perder de vista que a ratio da proibição da retroatividade in pejus se liga igualmente ao princípio da confiança. Como se escreveu no Acórdão n.º 261/2020, as garantias inerentes àquela proibição assentam «numa ideia de previsibilidade (por sua vez enraizada no princípio da confiança) das normas, no sentido em que qualquer cidadão, para além de não poder ser surpreendido pela incriminação de um comportamento anteriormente adotado (n.º 1 do artigo 29.º da Constituição), também não pode ser surpreendido pela aplicação de uma sanção mais grave ou por normas processuais materiais de efeitos mais gravosos do que aqueles com que podia contar à data em que praticou os factos (n.º 4 do artigo 29.º da Constituição)» (Acórdão n.º 261/2020). Na síntese do Tribunal Constitucional italiano, formulada em jurisprudência posterior à chamada “saga Taricco”, a «proibição em causa visa garantir ao destinatário da norma uma previsibilidade razoável das consequências com que se deparará ao violar o preceito penal» (Acórdão n.º 32 de 2020, ponto 4.3.1.), previsibilidade que é, em regra, afetada quando se alteram para o passado as condições em que o facto criminoso pode ser sancionado.
Pois bem.
Mesmo não pondo em causa que, em matéria de prescrição, o conceito de retroatividade é dado tempus deliti e não pelo terminus do prazo - o que, conforme se viu, não corresponde sequer à orientação sufragada no Acórdão n.º 449/2002 -, não restam dúvidas de que a causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal prevista no artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, pela sua singularidade, escapa totalmente a ambas as rationes com base nas quais é possível justificar o alargamento às normas sobre prescrição das garantias inerentes à proibição da retroatividade.
29. A medida constante dos n.ºs 3 e 4 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 — já o notámos — insere-se no âmbito de legislação temporária e de emergência, aprovada pela Assembleia da República para dar resposta à crise sanitária originada pela pandemia associada ao coronavírus SARS-CoV-2 e à doença COVID-19.
No cumprimento do seu dever de proteção da vida e da integridade física dos cidadãos (artigos 24.º, n.º 1, e 25.º, n.º 1, da Constituição, respetivamente), o Estado adotou um conjunto de medidas destinadas a conter o risco de contágio e de disseminação da doença, baseado na implementação de um novo modelo de interação social, caracterizado pelo distanciamento físico e pela diminuição dos contactos presenciais.
No âmbito da administração da justiça — vimo-lo também —, o cumprimento desse dever de proteção conduziu à excecional contração da atividade dos tribunais, concretizada através da sujeição dos atos e diligências processuais ao regime das férias judiciais referido no n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, e, após as alterações introduzidas pela Lei n.º 4-A/2020, à regra da suspensão, pura e simples, de todos os prazos processuais previstos para aquele efeito. Para os processos urgentes, começou por estabelecer-se um regime especial de suspensão dos prazos para a prática de atos, ainda que com exceções (artigo 7.º, n.º 5, da Lei n.º 1-A/2020), que a Lei n.º 4-A/2020 acabou por modificar, impondo a sua normal tramitação desde que fosse possível assegurar a prática de atos ou a realização de diligências com observância das regras de distanciamento físico.
Por força desta paralisação da atividade judiciária, que se estendeu à justiça penal, os atos processuais interruptivos e suspensivos da prescrição deixaram de poder praticar-se no âmbito dos procedimentos em curso, pelo menos nas condições em que antes o podiam ser. Relativamente aos procedimentos criminais, assim sucedeu com a dedução da acusação, a prolação da decisão instrutória e a apresentação do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo (artigos 120.º, n.º 1, alínea b), e 121.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal), a declaração de contumácia (artigos 120.º, n.º 1, alínea c), e 121.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal) e a constituição de arguido (121.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal). Já no âmbito dos procedimentos contraordenacionais, o mesmo se verificou, pelo menos, com a prolação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima (artigo 27.º-A, n.º 1, alínea c), e 28.º do RGCO), a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomadas ou qualquer notificação (artigo 28.º, n.º 1, alínea a), do RGCO), a realização de quaisquer diligências de prova (artigo 28.º, n.º 1, alínea b), do RGCO) e a prolação da decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima (artigo 28.º, n.º 1, alínea d), do RGCO).
É este particular e especialíssimo contexto que está subjacente à fixação, por lei parlamentar, de uma causa de suspensão da prescrição que não somente é transitória, como se destinou a vigorar apenas e durante o período em que se mantivesse — se manteve — o condicionamento à atividade dos tribunais determinado pela situação excecional de emergência sanitária e pelo concomitante imperativo de proteção da vida e da saúde dos operadores e utentes do sistema judiciário: suspendeu-se o decurso do prazo de prescrição porque se suspenderam os prazos previstos para a prática dos atos suscetíveis de obstar à sua verificação; suspenderam-se os prazos previstos para a prática desses (e de outros) atos processuais porque se suspendeu a atividade normal dos tribunais de modo a prevenir e conter o risco de infeção dos intervenientes no sistema de administração da justiça, incluindo dos próprios arguidos.
Como bem notou o Tribunal recorrido, encontramo-nos, pois, diante de um «mecanismo normativo (…) instrumental», destinado a fazer face a uma «situação de rutura e anormalidade», em estreita e indissociável relação com o já designado «“lockdown” da justiça penal» (Gian Luigi Gatta, “Lockdown da justiça penal, suspensão da prescrição do crime e princípio da irretroatividade: um curto-circuito”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 30, n.º 2, maio-agosto de 2020, p. 297 e ss.) originado pela crise sanitária, que afetou em intensa medida — ou mesmo eliminou — a possibilidade de serem praticados os atos processuais suscetíveis de interromper e de suspender a prescrição.
Não é demais sublinhar que se trata de uma suspensão, e não de uma interrupção, do prazo prescricional: o tempo de prescrição já decorrido desde a data da consumação do ilícito típico não é inutilizado; apenas o seu decurso é paralisado pelo tempo correspondente à paralisação do normal processamento dos termos ulteriores dos processos em curso.
Neste contexto, é evidente que a causa de suspensão da prescrição estabelecida no n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 apenas se encontraria apta a cumprir aquela função se pudesse aplicar-se aos procedimentos pendentes por factos anteriores ao início da sua vigência. Como refere Gian Luigi Gatta a propósito de norma congénere aprovada em Itália (artigo 83.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 18, de 17 de março de 2020), «(t)rata-se de uma disposição temporária pensada precisamente para os processos em curso e, como tal, para ter eficácia retroativa. Suspende-se uma atividade em curso por força da impossibilidade do seu prosseguimento, determinando-se um prazo para o seu reatamento, congelando-se o intervalo de tempo entretanto volvido. A suspensão é forçada: não é imputável a ninguém e não há razão para que beneficie quem quer que seja» (loc. cit., p. 303).
Esta última afirmação é especialmente relevante: conforme se verá em seguida, ela sintetiza, na verdade, as duas razões que explicam a impossibilidade de reconduzir a causa de suspensão prevista no artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, à ratio da proibição da retroatividade in pejus, consagrada no artigo 29. º, n.ºs 1, 3 e 4, da Constituição.
30. Dizer-se que a suspensão «não é imputável a ninguém» é o mesmo que dizer-se que a suspensão não é imputável ao Estado.
Tendo em conta os fundamentos inerentes ao princípio da legalidade penal, tal constatação, para além de correta, é particularmente esclarecedora.
A suspensão do decurso do prazo de prescrição dos procedimentos sancionatórios pendentes durante o período em que vigoraram as medidas de emergência adotadas na Lei n.º 1-A/2020 não se destinou a permitir que o Estado corrigisse ou reparasse os efeitos da sua inércia pretérita no âmbito do exercício do poder punitivo de que é titular. Destinou-se apenas e tão só a responder aos efeitos de uma superveniente e não evitável paralisação do sistema de administração da justiça penal, imposta pela necessidade de controlar e conter a disseminação de um vírus potencialmente letal. Tratando-se de uma causa de suspensão e não de interrupção do prazo de prescrição, cuja vigência não excedeu o lapso temporal durante o qual se verificou a afetação ou condicionamento da atividade dos tribunais, nem conduziu — reticus, não tinha sequer a virtualidade de conduzir — à reabertura dos prazos prescricionais já integralmente decorridos, a sua aplicação aos procedimentos pendentes não exprime qualquer excesso, arbítrio ou abuso por parte do Estado contra o qual faça sentido invocar as garantias inerentes à proibição da retroatividade in pejus: ao determinar a aplicação a procedimentos pendentes da suspensão da prescrição em razão da pandemia então em curso, a solução adotada limita-se, na verdade, a assegurar «a produção do efeito útil da norma de emergência» (idem, p. 313), não ingressando no âmbito da esfera defensiva que é assegurada pelo princípio da legalidade.
Não é diferente a conclusão a que se chega se encararmos a proibição da retroatividade in pejus a partir da proteção da confiança, como fez o Tribunal recorrido.
Se tal proibição visa garantir ao destinatário uma previsibilidade razoável das consequências com que se deparará ao violar o preceito penal, é relativamente evidente, quando se trate de estender o respetivo âmbito de incidência para além dos limites traçados pela letra dos n.ºs 1, 3 e 4, do artigo 29.º, que a sua invocação deixará de ter fundamento se o evento em causa se situar no mais elevado grau daquilo que não é por natureza antecipável, como sucede com a paralisação do sistema de administração da justiça penal ditada pelo súbito e inesperado surgimento de uma pandemia à escala global.
Contra o que acaba de dizer-se, pode argumentar-se, é certo, que a antecipação em lei contemporânea da prática dos factos da causa de suspensão da prescrição que veio a constar do conjunto de medidas de emergência aprovadas pelo Parlamento teria sido, em rigor, possível. Bastaria que o legislador português tivesse integrado no elenco das causas de suspensão da prescrição previstas no artigo 120.º, n.º 1, do Código Penal, uma disposição idêntica à que consta do artigo 159.º do Código Penal italiano, que prevê a suspensão do decurso do prazo de prescrição do procedimento criminal nos «casos em que a suspensão do procedimento ou do processo penal é imposta por uma disposição especial da lei».
Do ponto de vista da invocabilidade das garantias inerentes à proibição da retroatividade, a diferença entre o ordenamento jurídico português e o Direito italiano não é, porém, determinante: apesar de ter conhecimento de que o decurso do prazo de prescrição se suspenderá se e quando vier a ser determinada em lei posterior a suspensão do processo ou do procedimento, o agente que deva ser punido segundo o direito italiano não sabe, no momento em que decide praticar o ilícito-típico, se essa suspensão virá efetivamente a ocorrer, nem sobre durante quanto tempo vigorará na hipótese de vir a ser determinada, nem sobre as caraterísticas do facto ou do acontecimento que venham a ditar essa eventual opção.
Perante a causa de suspensão que veio a constar do artigo 83.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 18, de 17 de março de 2020, a posição do agente italiano não é, por isso, muito diferente daquela em que se encontra o agente português em face da causa de suspensão da prescrição constante do n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020: tal como este não podia saber, no momento em que praticou o facto criminoso, que a suspensão da prescrição do procedimento instaurado viria a ser imposta pela Assembleia da República em consequência do lockdown da justiça penal originado pelo súbito avanço da pandemia, também aquele não podia ter conhecimento, quando tomou a decisão de praticar o crime, de que a suspensão do processo — e, com ela, a suspensão do prazo de prescrição — viria a ser determinada em norma posterior, editada no mesmo exato contexto.
É por isso que, apesar de o Tribunal Constitucional italiano ter atribuído relevância à existência de uma norma de intermediação como a constante do proémio do artigo 159.º do respetivo Código Penal para concluir pela compatibilidade da norma constante do artigo 83.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 18, de 17 de março de 2020, com a proibição da retroatividade (Acórdão n.º 278 de 2020), não existe entre uma e outra solução qualquer diferença que possa ser considerada decisiva ou determinante do ponto vista da proteção da confiança: em ambos os casos, a causa da suspensão do prazo de prescrição é integralmente determinada em lei ulterior ao momento da prática do ilícito-típico, sem que possa dizer-se, tendo em conta o carácter totalmente imprevisível dos acontecimentos que a determinaram, que a sua aplicação aos procedimentos pendentes frustre aquela exigência de previsibilidade das consequências da violação da norma penal a que responde a proibição da retroatividade in pejus.
Em suma: para além de absolutamente congruente com o mais amplo critério seguido na jurisprudência do TEDH e do TJUE, a norma extraída dos n.ºs 3 e 4 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, interpretados no sentido de que a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento aí prevista é aplicável aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respetiva vigência, não se encontra abrangida, nem pela letra, nem pela ratio da proibição da retroatividade in pejus a que a Constituição, no seu artigo 29.º, n.ºs 1, 3 e 4, sujeita a aplicação das leis que definem as ações e omissões puníveis e fixam as penas correspondentes.
31. Tudo o que se disse até agora assentou na consideração da causa de suspensão da prescrição estabelecida nos n.ºs 3 e 4 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, independentemente da natureza criminal ou contraordenacional dos procedimentos em curso.
A circunstância de a interpretação sindicada se cingir aos procedimentos contraordenacionais pendentes por factos anteriores ao início da vigência da Lei n.º 1-A/2020 apenas serve para tornar mais evidente a conclusão que acima se alcançou. Com efeito, apesar de o direito das contraordenações, enquanto direito sancionatório público, ser influenciado ou “matizado” pelos princípios constitucionais do direito penal, a autonomia material do ilícito de mera ordenação social em relação ao ilícito penal obsta a que tais princípios possam ser transpostos deste para aquele de forma automática ou imponderada ou que possam aí valer com na mesma exata extensão ou com o mesmo grau de intensidade (cf. Acórdão n.º 76/2016; no mesmo sentido, a propósito da liberdade de conformação do legislador na modelação do instituto da prescrição, v. Acórdão n.º 297/2016). No que diz respeito à proibição constitucional da retroatividade in pejus, isso significa que ela se estenderá ao direito contraordenacional somente enquanto manifestação nuclear da função de garantia do princípio legalidade, exigida pela ideia de Estado de Direito e oponível ao arbítrio ex post facto.
Resta concluir, assim, que, ao proibir que qualquer cidadão seja «sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a ação ou a omissão» ou sofra pena que não esteja expressamente cominada «em lei anterior» ou mais grave do que a prevista «no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respetivos pressupostos», o artigo 29.º da Constituição, respetivamente nos seus n.ºs 1, 3 e 4, não se opõe à aplicação de uma causa de suspensão da prescrição com a função e o recorte daquela que foi prevista no artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2000, a procedimentos contraordenacionais pendentes por factos praticados antes do início da respetiva vigência.
32. Uma vez aqui chegados, uma nota final se impõe ainda, tendo em conta a invocação do parâmetro extraído princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º, n.º 1, da Constituição.
Alega o recorrente que os preceitos acima referidos, «ao determinarem a suspensão do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional relativo a um processo que continua a correr seus termos e relativamente a cujos prazos os arguidos continuam adstritos, como se denota pela tramitação dos presentes autos, gera uma situação de desigualdade, em favor da pretensão punitiva do Estado e contra o direito dos arguidos».
O argumento não é de fácil compreensão.
Em primeiro lugar, cumpre recordar o processo que deu origem ao presente recurso apenas passou a revestir natureza urgente a partir de 18 de agosto de 2020, data em que foi proferido o despacho que lha atribuiu. Significa isto que, no período que mediou entre o início da vigência do regime estabelecido no artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2000 e o momento da sua revogação pela Lei n.º 16/2020, tal processo se encontrou sujeito, primeiro ao regime das férias judiciais, e, após as alterações levadas a cabo pela Lei n.º 4-A/2020, ao regime da suspensão pura e simples de todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais que devessem ser praticados (supra, n.ºs 16.2 e 16.3.).
Em segundo lugar, a invocação do princípio da igualdade, em si mesma, é manifestamente inadequada.
Para além de fundar-se na ideia da igual dignidade social de todos os cidadãos - e não da igual dignidade dos cidadãos e do Estado -, o princípio da igualdade postula, enquanto norma de controlo judicial, um processo de comparação entre as situações ou categorias postadas, tendo em conta a qualidade ou característica que é comum às situações ou objetos a comparar.
A pretensão punitiva do Estado e os direitos dos arguidos não se prestam a esse processo comparativo, não constituindo grandezas que possam colocar-se em cada um dos dois pratos da balança quando o tipo de controlo que se tem em vista é baseado no princípio da igualdade.
Não tendo ficado por apreciar qualquer um dos parâmetros invocados, resta concluir pela integral improcedência do recurso(...)” (os destacados são nossos).
Também este juízo de não inconstitucionalidade é inteiramente transponível para a suspensão dos prazos de prescrição determinada pela Lei 4-B/2021, de 01.02, como, de resto, sempre entendemos.
Já no recente Acórdão 798/2021, proferido no pretérito dia 21.10.2021, decisão também supra referida, depois de se aludir aos já mencionados, escreveu-se que:
(…) 2.2. A questão em causa nos presentes autos apresenta, como se referiu, integral coincidência substancial com a que foi apreciada nos Acórdãos n.ºs 500/2021 e 660/2021, a cujos fundamentos se adere. Tais fundamentos dão adequada resposta aos argumentos do recorrente, designadamente no confronto com os parâmetros previstos nos artigos 19.º, n.º 6 (cuja relevância como critério do pretendido juízo de inconstitucionalidade foi afastada) e 29.º, n.ºs 1, 3 e 4, da CRP, não se prefigurando, no presente processo, especialidades que reclamem diferente apreciação ou ponderação.
Resultam, assim, afastados os argumentos invocados pelo recorrente, designadamente, no que respeita: (a) à invocada violação da proibição da aplicação retroativa da lei desfavorável ao arguido (que, em matéria de prescrição, não é absoluta), seja na perspetiva geral da proteção da confiança, seja nos precisos termos do artigo 29.º da CRP; e (b) à relevância das razões de emergência sanitária como fundamento do regime de suspensão dos prazos de prescrição e à sua projeção sobre o regular andamento do processo e a realização da justiça contraordenacional.
Vale o exposto por dizer que, pelas razões afirmadas nos já citados Acórdãos n.ºs 500/2021 e 660/2021, que aqui se dão por reproduzidas, se impõe um juízo de não inconstitucionalidade da norma contida no artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, interpretado no sentido de que a suspensão da prescrição aí prevista é aplicável aos processos contraordenacionais em que estejam em causa alegados factos ilícitos imputados ao arguido praticados antes da data da sua entrada em vigor, que nessa data se encontrem pendentes, com a consequente improcedência do recurso.(…)”
Há, pois, no caso dos autos, que aplicar as indicadas causas de suspensão do prazo de prescrição em curso.
*
Para além das questões supra mencionadas, no Acórdão de 06.04.2021 decidiu-se ainda, no que respeita à verificação dos pressupostos da infração imputada às visadas, e na sequência de pedido nesse sentido no âmbito dos recursos interpostos, colocar ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), nos termos do disposto no artigo 267º do TFUE, um conjunto de questões prejudiciais, motivado pela necessidade de interpretação de disposições de direito da concorrência da União, considerando que essa interpretação se impunha dada a sua pertinência e utilidade para a boa decisão da causa, tendo sido declarada a suspensão da instância até à resolução de tais questões.
*
Por Acórdão proferido em 26.20.2023 pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (Terceira Secção) foi declarado que:
1) O artigo 101.º, n.º 1, TFUE
deve ser interpretado no sentido de que:
uma empresa que gere uma rede de retalhistas de bens de grande consumo deve ser considerada, no mercado da energia elétrica, um concorrente potencial de um comercializador de energia elétrica com o qual celebrou um acordo de parceria que contém uma cláusula de não concorrência, ainda que essa empresa não exerça nenhuma atividade nesse mercado de produto no momento da celebração desse acordo, desde que se demonstre, com base num conjunto de elementos factuais concordantes que têm em conta a estrutura do mercado e o contexto económico e jurídico que regula o seu funcionamento, que existem possibilidades reais e concretas de a referida empresa entrar no referido mercado e concorrer com esse comercializador.
2) O artigo 101.º, n.º 3, TFUE, em conjugação com o artigo 1.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento (UE) n.º 330/2010 da Comissão, de 20 de abril de 2010, relativo à aplicação do artigo 101.º, n.º 3, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia a determinadas categorias de acordos verticais e práticas concertadas,
deve ser interpretado no sentido de que:
um acordo de parceria comercial celebrado entre duas empresas que desenvolvem atividade em mercados de produtos diferentes, cujos mercados não se situam a montante ou a jusante um do outro, não está abrangido pelas categorias de «acordos verticais» e de «contratos de agência», quando esse acordo consista em potenciar o desenvolvimento das vendas dos produtos dessas duas empresas através de um mecanismo de promoção e de descontos cruzados, assumindo cada uma dessas empresas uma parte dos custos associados à execução dessa parceria.
3) O artigo 101.º, n.º 1, TFUE
deve ser interpretado no sentido de que:
uma cláusula de não concorrência constante de um acordo de parceria comercial celebrado entre duas empresas ativas em mercados de produtos diferentes e que visa potenciar o desenvolvimento das vendas dos produtos dessas duas empresas através de um mecanismo de promoção e de descontos cruzados não pode ser considerada uma restrição acessória a esse acordo de parceria, salvo se a restrição resultante desta cláusula for objetivamente necessária à execução do referido acordo de parceria e proporcionada aos objetivos do mesmo.
4) O artigo 101.º, n.º 1, TFUE
deve ser interpretado no sentido de que:
uma cláusula de não concorrência que consiste, nomeadamente, no âmbito de um acordo de parceria comercial, em proibir a uma das partes nesse acordo, a entrada no mercado nacional da comercialização de energia elétrica no qual a outra parte no referido acordo é um dos principais intervenientes, e isto no momento das últimas fases da liberalização desse mercado, constitui um acordo que tem por objeto impedir, restringir ou falsear a concorrência, ainda que os consumidores retirem certos benefícios do referido acordo e que essa cláusula de não concorrência esteja limitada no tempo, desde que resulte de uma análise do teor dessa cláusula, bem como do seu contexto económico e jurídico que a referida cláusula apresenta um grau suficiente de nocividade para a concorrência para que se possa considerar que não é necessário o exame dos respetivos efeitos.
O Acórdão foi junto aos autos e do mesmo foi dado conhecimento a todos os intervenientes.
O processo foi aos vistos importando agora decidir.
*
II. QUESTÕES A DECIDIR.
Como é sabido, as conclusões formuladas pelas Recorrentes, que condensando as razões das respetivas suas divergências com a decisão recorrida, delimitam o recurso e definem as questões a decidir (cf. artigos 402º, 403º e 412º, n.º 1 do Código de Processo Penal), exceptuando as que sejam de conhecimento oficioso (cf. artigos 119º/1, 123º/2 e 410º/ 2 als. a), b) e c) do Código de Processo Penal).
Como também já se referiu no Acórdão antecedente e já dado por reproduzido, estando em causa o recurso de sentença que conheceu de impugnação judicial de uma decisão administrativa proferida em processo de contra-ordenação, importa ainda ter presente o disposto no artigo 75º/1 do D.L. n.º 433/82, de 27/10 (RGCO) ex vi art. 83º do Regime Jurídico da Concorrência (aprovado pela Lei nº 19/2012, de 8 de Maio, doravante RJC), nos termos do qual, em regra e salvo se o contrário não resultar deste diploma, a 2ª instância apenas conhecerá da matéria de direito.
Assim, este Tribunal da Relação não pode reapreciar a matéria de facto julgada pelo Tribunal recorrido, sem prejuízo de poder tomar conhecimento das nulidades previstas no artigo 410º/2 do Código de Processo Penal.
Tendo em conta que no acórdão proferido nestes autos em 06/4/2021 foram decididas as supra indicadas questões, cumpre agora apreciar e decidir:
 - da (in)verificação dos pressupostos da infracção imputada às Visadas e que estas entendem não se verificarem; e no caso de se concluir pela afirmativa
- das sanções aplicadas.
*
III. FUNDAMENTAÇÃO.
III.1. Na decisão recorrida considerou-se que, com interesse para a boa decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos, os quais se voltam a reproduzir, por de importância para o conhecimento das questões pendentes de decisão:
(O Acordo de Parceria, pontos 252 a 274 e conclusões quanto à matéria de facto da Decisão da AdC)
1. Em 5 de janeiro de 2012, as Visadas EDP Comercial e Modelo Continente celebraram o Acordo de Parceria que determina os termos e condições relativos ao Plano EDP Continente[29], assinado por (…), na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da EDP Comercial, simultaneamente membro do Conselho de Administração Executivo da EDP Energias, (…), na qualidade de Administrador da EDP Comercial, (…) e (…), na qualidade de Administradores da Modelo Continente;
2. Na Cláusula 2.1., o Acordo de Parceria determinava que o seu objeto e âmbito era o de:
(p)otenciar o desenvolvimento das atividades de comercialização de energia elétrica em regime livre, pela EDP Comercial, e de distribuição retalhista de bens alimentares e não alimentares, pela Modelo Continente, nos hipermercados e supermercados “Continente”, “Continente Modelo” e “Continente Bom Dia”, bem ainda como nos estabelecimentos comerciais, explorados por outras sociedades participadas pela Sonae Investimentos, SGPS, SA, para além da Modelo Continente, nomeadamente, os estabelecimentos Well´s e Bom Bocado, e, eventualmente, em estabelecimentos comerciais de outras marcas (atuais e futuras), adiante apenas designados por Estabelecimentos”[30];
3. O Plano EDP Continente, bem como o respetivo Acordo de Parceria, teve a duração de um ano, tendo vigorado até 31 de dezembro de 2012 (Cláusula 18 do Acordo de Parceria), embora o período de adesão dos consumidores ao Plano EDP Continente tenha decorrido apenas entre os dias 9 de janeiro de 2012 e 4 de março de 2012 (i.e. cerca de dois meses);
4. A subscrição do Plano EDP Continente esteve disponível nos espaços Modelo Continente, nas lojas e agentes EDP e nos respetivos sites de Internet (Cláusula 4.6 do Acordo de Parceria);
5. Do ponto de vista comercial, o Plano EDP Continente envolvia a atribuição de descontos exclusivamente aos titulares do “Cartão Continente”, um cartão de descontos propriedade da Modelo Continente inserido no programa de fidelização criado pela Visada (Cláusula 2.2 do Acordo de Parceria);
6. Para além da titularidade do “Cartão Continente”, os clientes que pretendessem aderir ao Plano EDP Continente teriam que celebrar com a EDP Comercial um contrato de fornecimento de energia elétrica em Baixa Tensão para o mercado liberalizado em Portugal continental, disponível apenas para potências contratadas entre 3,45 kvA e 20,7 kvA, com discriminação horária simples, implicando obrigatoriamente a subscrição de débito direto com faturação 2mensal ou bimestral e a aceitação das condições gerais e particulares praticadas pela EDP Comercial, incluindo o tarifário em vigor estabelecido pela ERSE para as tarifas de venda a clientes finais em Portugal continental (Cláusula 4 do Acordo de Parceria);
7. Ao aderir ao Plano EDP Continente, o cliente beneficiava de um desconto de 10% do seu consumo de energia elétrica e da potência contratada no mês ou nos meses imediatamente anteriores ao da emissão do vale de desconto (consoante a opção do cliente quanto à periodicidade de faturação, mensal ou bimestral), referindo-se o último vale emitido para cada cliente ao consumo e potência contratada até 31 de dezembro de 2012 (Cláusulas 6.1 e 6.2 do Acordo de Parceria);
8. Os vales de desconto eram creditados no Cartão Continente e eram ativados, por inteiro e numa única utilização, em compras efetuadas nos Estabelecimentos, sendo válidos a partir do dia seguinte ao da sua emissão e até ao último dia do mês seguinte ao da sua emissão (Cláusulas 6.4 e 6.5 do Acordo de Parceria);
9. Os descontos concedidos em Cartão Continente só podiam ser utilizados em compras realizadas nos Estabelecimentos a partir do dia seguinte ao da sua ativação, não podendo ser convertidos em dinheiro (Cláusulas 6.4 e 6.6 do Acordo de Parceria);
10. O valor dos descontos seria, à partida, suportado na totalidade pela EDP Comercial (Cláusula 8.1 do Acordo de Parceria), devendo a Modelo Continente, até ao décimo dia de cada mês, emitir à EDP Comercial uma nota de débito pelo valor dos vales emitidos e efetivamente ativados durante o mês anterior, a pagar até ao final do mês da emissão de cada fatura (Cláusula 8.2 do Acordo de Parceria);
11. No entanto, dependendo do acréscimo de tráfego nos Estabelecimentos e do aumento do volume de negócios induzido por esta iniciativa, a Modelo Continente comparticiparia parte dos descontos concedidos, correspondente à parcela dos vales efetivamente ativados que excedesse 55% do valor total dos vales emitidos, devendo a EDP Comercial emitir mensalmente fatura à Modelo Continente no montante que resultasse da diferença entre o valor a pagar pela Modelo Continente e o total das notas de débito emitidas à EDP Comercial, a pagar até ao final do mês da emissão das faturas (Cláusula 8.3 do Acordo de Parceria);
12. Quanto aos restantes custos com a parceria, aqueles incorridos com publicidade, marketing, comunicação e defesa em processos sancionatórios relacionados com as iniciativas da parceria, foram suportados em partes iguais pelas Visadas EDP Comercial e Modelo Continente (vide Cláusula 8.4 do Acordo de Parceria); aqueles incorridos com o processamento do formulário de adesão e dos contratos de fornecimento de energia e os relativos à relação entre a EDP Comercial e os seus clientes no âmbito dos referidos contratos, foram suportados integralmente pela EDP Comercial (vide Cláusula 8.5 do Acordo de Parceria); aqueles incorridos com a formação dos trabalhadores e com o desenvolvimento dos sistemas informáticos, foram suportados integralmente pela Modelo Continente (vide Cláusula 8.6 do Acordo de Parceria); os restantes custos foram suportados pela parte que neles incorreu ou a quem a respetiva contrapartida aproveitou (vide Cláusula 8.8 do Acordo de Parceria);
13. Findo o ano de 2012, o cliente ficou sujeito às tarifas praticadas pela EDP Comercial no mercado liberalizado de energia elétrica, embora o Plano EDP Continente não exigisse um período de fidelização nem impusesse qualquer barreira formal à mudança de fornecedor no mercado liberalizado de energia eléctrica;
14. Embora o Acordo de Parceria pudesse ser renovado ou prorrogado nos termos da Cláusula 18.2, tal não chegou a acontecer, tendo a sua vigência cessado durante os primeiros meses de 2013, quando foram apresentados a compensação os últimos vales de desconto correspondentes ao consumo contratado até 31 de dezembro de 2012[31];
15. Do Acordo de Parceria consta a cláusula 12, epigrafada exclusividade, nos termos da qual:
“12.1   Durante a vigência do presente Acordo, e pelo prazo de 1 (um) ano após o seu termo, a Modelo Continente obriga-se a:
a. não desenvolver, diretamente ou através de sociedade participada maioritariamente pela Sonae Investimentos, SGPS, SA, a atividade de comercialização de energia elétrica e de gás natural em Portugal continental;
b. não negociar ou estabelecer, com qualquer comercializador de energia elétrica ou de gás natural que não se encontre em relação de domínio ou de grupo com a EDP Comercial na aceção do artigo 21.º do Código de Valores Mobiliário, acordos de parceria, empresas comuns, acordos de princípio, campanhas publicitárias ou outros, que tenham por objeto ou como efeito a concessão de descontos ou outras vantagens patrimoniais relacionados com energia elétrica ou gás natural, quaisquer que sejam os seus termos.
12.2 Durante a vigência do presente Acordo, e pelo prazo de 1 (um) ano após o seu termo, a EDP Comercial obriga-se a:
a. não desenvolver, diretamente ou através de sociedade participada maioritariamente pela EDP Comercial, a atividade de distribuição retalhista de bens alimentares, em Portugal continental;
b. não negociar ou estabelecer, com qualquer distribuidor retalhista de bens alimentares, onde se inclui a atividade de retalho alimentar do “El Corte Inglês”, que não se encontre em relação de domínio ou de grupo com a Modelo Continente na aceção do artigo 21.º do Código de Valores Mobiliário, acordos de parceria, empresas comuns, acordos de princípio, campanhas publicitárias ou outros, que tenham por objeto ou como efeito a concessão de descontos ou outras vantagens patrimoniais relacionados com energia elétrica ou gás natural, quaisquer que sejam os seus termos.
12.3 Na eventualidade de o presente Acordo ser renovado ou prorrogado, ou de as Partes virem a celebrar um outro acordo que tenha um objeto semelhante a este, as Partes comprometem-se a reavaliar os termos da exclusividade consagrada na presente Cláusula, por forma a acautelar a sua compatibilidade com as regras nacionais e europeias de concorrência aplicáveis”;
16. Nos termos da alínea a) da Cláusula 12.1 e 12.2 do Acordo de Parceria, foi estabelecido um pacto de não-concorrência (doravante, “Pacto de não-concorrência”), visando os setores da comercialização de energia elétrica e de gás natural e da distribuição retalhista de bens alimentares, ambos em Portugal continental;
17. A sobredita cláusula foi estabelecida pelo período de dois anos, vigorando durante a vigência do Acordo de Parceria e pelo prazo de um ano após o seu termo (ou seja, entre 5 de janeiro de 2012 e 31 de dezembro de 2013);
18. A Alínea b), da cláusula 12.1 e 12.2 do Acordo de Parceria estabelecia uma obrigação de exclusividade;
19. A cláusula 9.ª do Acordo de Parceria estabelecia uma obrigação de protecção de dados pessoais;
20. A cláusula 11.ª do Acordo de Parceria estabelecia uma obrigação de protecção de propriedade intelectual;
21. A cláusula 16.ª do Acordo de Parceria estabelecia uma obrigação de proteção de confidencialidade;
22. A redacção da alínea a), da cláusula 12.1 e 12.2. do Acordo de Parceria expressa a vontade real das Visadas de incluir um pacto de não concorrência no acordo de parceria e de, consequentemente, a ele se vincular pelo período da sua vigência;
23. As visadas integram dois conglomerados societários portugueses, o Grupo EP e o Grupo Sonae;
24. Foi no contexto de grupo societário a que pertencem que as Visadas actuam no mercado e decidiram realizar o acordo de Parceria e o pacto de não concorrência;
25. A documentação preparatória do Acordo de Parceria foi elaborada e discutida pela direção legal da SONAE INVESTIMENTOS, que assessorou a negociação do Plano EDP Continente[32];
26. A comissão executiva da SONAE MC discutiu e aprovou, na sessão de 23 de Novembro de 2011, o PLANO EDP Continente[33];
27. A vigência do Pacto coincidiu com uma fase crucial do processo de liberalização do mercado da comercialização de energia eléctrica, extinguindo-se as tarifas reguladas para a baixa tensão normal até ao fim do ano de 2012;
28. A EDP procurava captar, neste contexto de liberalização, um número significativo de clientes no mercado nacional liberalizado da comercialização de energia eléctrica, a curto/médio prazo, aproveitando uma altura em que esse mercado ainda não havia sofrido o boom de transição de clientes de baixa tensão, o que só viria a acontecer a partir de 1 de Julho de 2012;
29. O grupo SONAE, através da parceria Modelo Continente, desenvolveu com a GALP a parceria Vice-Versa no sector da comercialização de combustíveis a parceria energia ao cubo no sector da comercialização de electricidade;
30. O Grupo SONAE através das holdings SONAE SGPS e SONAE CAPITAL desenvolveu entre 2002 e 2008 actividade no sector da comercialização de energia eléctrica em Portugal, através de uma parceria com a ENDESA, acumulando know-how nessa área, pelo menos do ponto de vista da gestão comercial dos clientes;
31. O Grupo Sonae, através das suas participadas Sonae Capital, Sonae Indústria e Sonae Sierra e algumas sociedades participadas pela SONAE Investimentos, está activo e em expansão no sector da produção de energia em regime especial em Portugal;
32. O quadro regulatório português aplicável à comercialização de energia eléctrica promove, desde 1995, um regime de livre concorrência nesse sector através da simplificação dos requisitos legais e condições de acesso e exercício da actividade, passando a actividade a estar sujeita apenas a registo em vez de licenciamento, favorecendo a entrada de operadores independentes;
33. Segundo um trecho da ata n.º 26/2011, o Conselho de Administração Executivo da EDP Energias deliberou, em 31 de maio de 2011[34]:
“Uma vez que o Memorandum of Understanding celebrado entre o Estado Português e a “Troika EU-BCE-FMI” prevê, entre outras medidas para o setor energético nacional, a liberalização total dos mercados de fornecimento de eletricidade e de gás natural, bem como o phase out das tarifas reguladas de eletricidade até ao final de 2012, considera-se oportuno desenvolver um projeto interno que possibilite: (…)
Repensar o macro-modelo organizativo do Grupo EDP para a área comercial, em particular o papel da EDP Comercial, da EDP Serviço Universal e da EDP Soluções Comerciais;
Definir a estratégia comercial e o plano de marketing da EDP para o novo paradigma de mercado; (…)
Face ao exposto, o Conselho de Administração Executivo deliberou por unanimidade aprovar:
A constituição do grupo de trabalho proposto no documento que se arquiva em anexo à presente ata;
34. Segundo um trecho da ata n.º 27/2011, o Conselho de Administração Executivo da EDP Energias deliberou, em 7 de junho de 2011[35]:
“Considerando que:
No passado dia 31 de maio, o Conselho de Administração Executivo deliberou por unanimidade aprovar (i) a realização do projeto de preparação do Grupo EDP para a liberalização total do mercado de comercialização de eletricidade, (…) e (iii) a solicitação de um pedido de proposta de consultoria externa, em regime de project office; (…)
Foi solicitada (…) a apresentação de uma proposta, que assume, como premissas mais relevantes: (…)
Definição da estratégia comercial e do plano de marketing da EDP para o novo paradigma de mercado (…)
Na sequência, o Conselho de Administração deliberou por unanimidade dar o seu acordo à adjudicação, pela EDP Comercial, da proposta apresentada (…)”.
35. Segundo um trecho da ata n.º 50/2011, o Conselho de Administração Executivo da EDP Energias[36] deliberou, em 15 de novembro de 2011:
“O Eng. (…), com a colaboração do (…) e da (…), apresentou ao Conselho de Administração Executivo o ponto de situação do projeto “Preparação para a Liberalização Total do Mercado da Eletricidade e Gás”, conforme documento que se arquiva em anexo à presente ata, tendo salientado, como questões mais relevantes: (…)
A proposta de parceria a estabelecer com um grande distribuidor retalhista para a angariação de clientes BTN com início no primeiro trimestre de 2012.
Na sequência, e tendo em vista a angariação de clientes BTN, o Conselho de Administração Executivo deliberou por unanimidade dar o seu acordo a que a EDP Comercial:
Prossiga com uma estratégia “agressiva com parceria” (…)
Estabeleça negociações com o grupo Sonae, com o propósito de implementar uma parceria, a concretizar em 2012”.
36. Segundo um trecho da ata n.º 1/2012, o Conselho de Administração Executivo da EDP Energias deliberou, em 4 de janeiro de 2012[37]:
“O Eng. (…), com a colaboração da Dra. (…), do Dr. (…) (…), apresentou ao Conselho de Administração Executivo o ponto de situação do projeto de preparação para a Liberalização Total do Mercado de Eletricidade e Gás, conforme documento que se arquiva em anexo à presente ata, tendo destacado: (…)
O desenvolvimento da campanha para a angariação de clientes BTN, com início no presente mês de janeiro em parceria com o Continente (Grupo Sonae).
Na sequência, o Conselho de Administração Executivo deliberou por unanimidade dar o seu acordo a que a EDP Comercial: (…)
Não estabeleça qualquer cap no que respeita às angariações obtidas no âmbito da campanha a implementar em parceria com o Continente”.
37. Segundo um trecho da ata n.º 4/2012, o Conselho de Administração Executivo da EDP Energias deliberou, em 24 de janeiro de 2012[38]:
a. “O Eng. (…), com a colaboração do Dr. (…) e da Dra. (…), apresentou ao Conselho de Administração Executivo o ponto de situação da campanha desenvolvida conjuntamente com o Continente (…)”;
38. (…) à data presidente do Conselho de Administração da EDP Comercial e vogal do Conselho de Administração da EDP Energias, que levou o Plano EDP Continente à apreciação, aprovação e supervisão do conselho de administração executivo da EDP Energias e, (…) foram os signatários, em representação da EDP Comercial, do Acordo de Parceria, o qual analisaram e aprovaram simultaneamente em sede do conselho de administração da EDP Comercial, do qual à data eram membros, podendo ler-se nas respetivas atas n.º 14/2011 e n.º 1/2012, a fls. 784, 796 e 1052 a 1055 dos autos:
“O Conselho de Administração analisou e aprovou a proposta de desenvolvimento do Projeto Lux, campanha de oferta promocional EDP+Continente, com os objetivos principais de criar um modelo de parceria com uma marca líder do mercado da grande distribuição, criar um novo canal para angariação de clientes e de angariar entre 100 mil e 500 mil novos clientes” (ata n.º 14/2011 do Conselho de Administração da EDP Comercial, de 21 de dezembro de 2011).
“O Conselho de Administração analisou a minuta de acordo de parceria a celebrar com a Sonae com vista a potenciar o desenvolvimento de atividades de comercialização de energia elétrica em regime livre pela EDP e de distribuição retalhista de bens alimentares e não alimentares pela Modelo Continente” (ata n.º 1/2012 do Conselho de Administração da EDP Comercial, de 4 de janeiro de 2012);
O envolvimento da Sonae Investimentos e da SONAE MC (pontos 275 a 287)
39. A alínea a) da Cláusula 12.1 do Acordo de Parceria vincula expressamente a Visada Sonae Investimentos ao Pacto de não-concorrência, na medida em que proíbe, nos termos supra transcritos, durante a sua vigência, o desenvolvimento da atividade de comercialização de energia elétrica e de gás natural em Portugal continental por qualquer sociedade participada maioritariamente pela Sonae Investimentos;
40. Nos termos das Cláusulas 6.4 e 2.1 do Acordo de Parceria, os vales de desconto concedidos no âmbito do Plano EDP Continente só poderiam ser ativados e utilizados em estabelecimentos comerciais explorados por sociedades participadas pela Sonae Investimentos, para além dos estabelecimentos explorados pela Modelo Continente;
41. A documentação preparatória do Acordo de Parceria foi elaborada pela Direção Legal da Sonae Investimentos, enquanto advogados que assessoraram a negociação do Plano EDP Continente;
42. O Plano EDP Continente foi publicamente assumido como um projeto do Grupo Sonae, sendo referido, no Relatório Financeiro consolidado relativo a 2012 da Sonae SGPS, holding do Grupo para o setor da distribuição retalhista, como um dos principais eventos corporativos do Grupo no mês de janeiro, o (A)núncio de parceria entre a EDP e a Sonae MC, que permite aos consumidores obter um desconto de 10% no consumo de energia elétrica, disponível no cartão Continente”[39];
43. Em 25 de Novembro de 2011, (…), colaborador da Sonae MC, remeteu a seguinte mensagem de correio electrónico para (…), colaborador da EDP Comercial, com o assunto “Projecto Lux: status 24 Nov”[40]
“Caro (…)
Queríamos partilhar formalmente convosco algumas boas notícias e um breve status dos progressos que realizamos entre a nossa reunião e o dia de hoje.
1. A Comissão Executiva da Sonae MC reuniu na passada 4ª feira e deu luz verde para avançarmos com a parceria Continente – EDP Comercial. Internamente esta parceria foi batizada com o nome de código “Projecto Lux” J. Partilhamos, para estarmos em sintonia, os principais pontos da proposta de valor da parceria validados pela CE Sonae MC (ver anexo)
2. Na referida reunião, a CE Sonae MC expressou preocupação com um conjunto de temas críticos que deveremos endereçar em conjunto: (…)
e. Ênfase na urgência de assinarmos MoU que contemple, entre outros, os seguintes pontos:
. Compromisso da EDP que não fará campanhas com outros concorrentes nossos (nem em 2012 nem em anos futuros), sem dar preferência ao Continente (…)”;
44. No documento anexo à mensagem de correio eletrónico supra transcrita, intitulado “Sonae MC – Projecto LUX - Kick-off do Projecto”, de 24 de novembro de 2011, pode ler-se expressamente “Projecto desenvolvido em estreita colaboração entre Sonae MC e EDP”, apresentando-se de seguida um organigrama das equipas responsáveis pela implementação do Plano EDP Continente, designadamente, em representação da Sonae MC, (…), (…) …., e em representação da EDP Comercial, (…), (…)…;
45. As Visadas trocaram entre si um conjunto de documentos que serviram de base aos pontos de situação que se foram sucedendo durante o processo de negociações que antecedeu a celebração do Acordo de Parceria e que foram sendo apresentados à Comissão Executiva da Sonae MC[41];
46.Os referidos documentos, intitulados “Sonae MC, Projeto LUX, Ponto de Situação”, incluem designadamente:
Os Anexos 3.19 e 3.23 relativos à semana de 5 a 9 de dezembro de 2011, em que se lê:
“Formalização da Parceria
Status semana de 5 a 9 Dez (…)
Decisões chave fechadas
Exclusividade durante o prazo de vigência da parceria”.
Os Anexos 3.14, 3.33 e 3.36 relativos à semana de 12 a 16 de dezembro de 2011, em que se lê:
“Formalização da Parceria
Status semana de 12 a 16 Dez
Principais ações da última semana (…)
Aceite a exclusividade nos termos propostos pela Modelo Continente (referência expressa à Petrogal quanto ao programa em vigor)”.
Os Anexos 3.26 e 3.41 relativos à semana de 19 a 23 de dezembro de 2011, em que se lê:
“Formalização da Parceria
Status semana de 19 a 23 Dez (…)
Temas críticos em aberto (…)
Acordo de Parceria (…)
3. Exclusividade / Pacto de não-concorrência;
4. Definição de “concorrência da MCH”.
E o Anexo 3.45 relativo à semana de 26 a 30 de dezembro de 2011, em que se lê:
“Formalização da Parceria
Status semana de 26 a 30 Dez
(…) Temas críticos em aberto
Acordo de Parceria (…)
Cláusula 12ª – Exclusividade – inclusão do “El Corte Inglês”, como concorrente alimentar da MCH (…)”;
47.Refira-se ainda que, nos termos da Cláusula 15.1 do Acordo de Parceria, a pessoa de contacto em representação da Modelo Continente para efeitos das comunicações e notificações realizadas ao abrigo do Acordo de Parceria é um colaborador da MCH, usando todos eles a extensão sonaeMC ((...)@sonaemc.com);
O racional do Acordo de Parceria (pontos 288 a 293 da decisão da AdC)
48. A Cláusula 12.3 do Acordo de Parceria estipulava que as partes se comprometiam a reavaliar os seus termos à luz das regras nacionais e europeias de concorrência aplicáveis, caso o Acordo de Parceria fosse renovado ou prorrogado, ou as participantes viessem a celebrar outro acordo com um objeto semelhante;
49. Em 16 de dezembro de 2011, (…) remeteu para (…), a seguinte mensagem de correio electrónico, com o assunto “Acordo de Parceria e Carta de Intenções”, em que se lê[42]:
“Caro (…),
Relativamente aos pontos de desconforto que apresentaram ontem relativamente às versões enviadas do Acordo de Parceria e Carta de Intenções, permite-me clarificar os seguintes pontos:
. Cláusula de exclusividade: a versão originalmente apresentada, da forma que estava redigida, pareceu-nos excluir a atual parceria da Sonae com a Galp, no âmbito da promoção Vice-Versa e de outros projetos anteriores, de integração dessa promoção no Programa de Fidelização Continente em desenvolvimento há vários meses, pelo facto da Galp poder, eventualmente, ser considerado como player comercializador de energia elétrica; Esta exclusão para nós não seria aceitável; Dito isto, obviamente, que excluímos a possibilidade de realizar qualquer projeto com a Galp relativo ao negócio de eletricidade; Neste contexto, a atual redação da cláusula de exclusividade poderá ser reformulada para uma solução com a qual estejam mais confortáveis, salvaguardando o ponto anteriormente referido”;
50. Neste contexto, no documento intitulado “Sonae MC – Projecto LUX - Kick-off do Projecto”, de 24 de novembro de 2011 (fls. 166) consta:

EDP Comercial / Grupo EDPSonae MC
ObjetivosCapturar a curto prazo um número significativo de clientes “comerciais” (i.e., não “regulados”)Aumentar volume de vendas (num ano especialmente difícil) reforçando a oferta de valor do cartão continente
Principais benefícios· Tarifa competitiva face a outros concorrentes comerciais (não atingível de outra forma devido a margem reduzida)
· Captura de clientes numa altura em que o mercado ainda não sofreu boom de movimentação de clientes (first mover)
· Reforço da oferta de valor do cartão continente posicionando-se cada vez mais como cartão de descontos que extravasa o continente
· Reforço da base de clientes e gasto médio pelo início ou reforço da fidelização dos clientes aderentes à campanha
Efeito benéfico na imagem corporativa de ambos os parceiros pelo seu apoio ao cliente num contexto de dificuldades económicas

51. É neste contexto económico e jurídico que as Visadas celebraram a parceria e o Pacto de não-concorrência: no quadro da liberalização da comercialização de energia elétrica (como se retira das atas da EDP Energias analisadas) as partes acordaram, de forma livre e expressa, restringir o modo como se poderiam estabelecer parcerias semelhantes e acordaram igualmente restringir a possibilidade de cada Visada de um grupo empresarial exercer atividade concorrente nos mercados em que atua o outro grupo empresarial.
52. O Grupo Sonae já teve parcerias no mercado da comercialização de energia elétrica (com a Endesa), abrangido pelo Pacto de não-concorrência, e tem presença também no mercado da produção de energia elétrica.O lançamento do pedido de proposta de consultoria externa, em regime de project office”.
Identificação e caracterização das visadas – artigos 105 a 151.º da decisão recorrida)
53. A EDP Comercial é uma sociedade anónima, constituída em 1995, atualmente com o capital social de 20.824.695 euros, que tem por objeto “a produção e compra e venda de energia, sob a forma de eletricidade, gás natural e outras, resultante da exploração de instalações próprias ou alheias e da participação em mercados de energia; a prestação de serviços de energia, designadamente, de projetos para a qualidade e eficiência energética e de energias renováveis, o fornecimento de energia, o fornecimento e montagem de equipamentos energéticos, a beneficiação de instalações de energia, a certificação energética e a manutenção e operação de equipamentos e sistemas de energia”[43].
54. A EDP Comercial é detida a 100% pela EDP Energias.
55. A EDP Energias foi constituída em 1976 como empresa pública, em resultado da nacionalização e fusão das principais empresas portuguesas do setor da eletricidade em Portugal continental, tendo posteriormente, em 1991, sido transformada em sociedade anónima.
56. A EDP Energias com o capital social de 3.656.537.715 euros, no ano de 2015, tem por objeto “a promoção, dinamização e gestão, por forma direta ou indireta, de empreendimentos e atividades na área do sector energético, tanto a nível nacional como internacional, com vista ao incremento e aperfeiçoamento do desempenho do conjunto das sociedades do seu grupo”[44].
57. A EDP Energias é uma sociedade aberta, emitente de ações que se encontram admitidas à negociação no mercado regulamentado da NYSE Euronext Lisbon.
58. Por referência a 27 de março de 2017, os titulares de participações qualificadas e direitos de voto na EDP Energias eram:

          ACCIONISTANº. Acções%
Capital
% Voto
Exercitáveis
China Three Gorges780.633.78221,35%21,35%
CNIC Co., Ltd110.435.4913,02%3,02%
Capital Group Companies, Inc.515.075.52414,09%14,09%
Oppidum263.046.6167,19%7,19%
BlackRock, Inc.182.733.1805,00%5,00%
Senfora BV148.431.9994,06%4,06%
Grupo BCP + Fundo de Pensões do Grupo BCP89.139.5942,44%2,44%
Sonatrach87.007.4332,38%2,38%
Qatar Investment Authority82.868.9332,27%2,27%
Norges Bank74.124.7792,03%2,03%
EDP (Ações próprias)22.056.4380,60%-
Restantes Acionistas1.300.781.44735,57%-
Total3.656.537.715100,00%
Fonte: Portal de internet da EDP, acessível em : http://www.edp.pt/pt/investidores/accaoedp/estruturaaccionista/Pages/ShareholderStructure2.aspx 
59. O Grupo EDP foi constituído em 1994, reunindo um conjunto de empresas detidas a 100%, direta ou indiretamente, pela EDP Energias (doravante, “Grupo EDP”).
60. Em função das áreas de negócio, as principais empresas do Grupo EDP são hoje:
. EDP – Energias de Portugal, S.A.
. EDP Comercial – Comercialização de Energia, S.A.
. EDP Distribuição – Energia S.A.
. EDP – Gestão de Produção de Energia, S.A.
. EDP Serviço Universal, S.A.
. EDP Gás – Serviço Universal, S.A.
. EDP – Soluções Comerciais, S.A.
. EDP Inovação, S.A.
. EDP GÁS GPL – Comércio de Gás de Petróleo Liquefeito, S.A.
. EDP – Imobiliária e Participações, S.A.[45]
61. No que respeita às alterações societárias mais recentes no Grupo EDP, refira-se a cisão da sociedade EDP GÁS.COM – Comércio de Gás Natural, S.A., mediante destaque do seu património e subsequente fusão na EDP Comercial, bem como a fusão por incorporação do respetivo património da sociedade EDP Serviços – Sistemas Para a Qualidade e Eficiência Energética, S.A. na EDP Comercial;
62. As referidas operações de cisão-fusão e de fusão, registadas na conservatória do registo comercial competente em 22 de novembro de 2012 e 28 de maio de 2015, respetivamente, tiveram como objetivo concentrar na EDP Comercial as ofertas integradas de gás e eletricidade para os vários escalões de consumo e toda a atividade de comercialização de energia e prestação de serviços energéticos[46];
63. O Grupo EDP constitui, assim, uma utility verticalmente integrada, sendo a maior produtora, distribuidora e comercializadora de eletricidade em Portugal, a terceira maior empresa de produção de eletricidade e um dos maiores distribuidores de gás na Península Ibérica, estando a sua atividade essencialmente centrada nas áreas de produção, distribuição e comercialização de eletricidade e de distribuição e comercialização de gás natural;
64. Em termos geográficos, a presença mais significativa do Grupo EDP é em Portugal e Espanha, mas também está ativo internacionalmente em várias outras jurisdições, em particular, no setor da eletricidade no Brasil e no setor das energias renováveis em vários países do mundo[47];
65. O volume de negócios consolidado da EDP Energias no quadriénio 2012-2015 foi, respetivamente, de 16.339.854.000 euros, 16.280.161.000 euros, 16.293.883.000 euros e de 15.516.799.000 euros[48];
66. O volume de negócios realizado pela EDP Comercial no quadriénio 2012-2015 foi, respetivamente, de 1.136.355.000 euros, 1.955.056.000 euros, 2.416.770.000 euros e 2.966.375.000 euros[49];
Modelo Continente, Sonae MC e Sonae Investimentos
67. As Visadas Modelo Continente, Sonae MC e Sonae Investimentos inserem-se num universo empresarial com presença em múltiplos setores de atividade, incluindo distribuição retalhista, telecomunicações e audiovisual, centros comerciais, produtos derivados da madeira, turismo e energia, com uma organização capilarizada sob a égide de holdings e sub-holdings, organizadas por setor de atividade e/ou áreas de negócio (doravante, “Grupo Sonae”)[50];
68. Este universo empresarial é controlado por três sociedades cotadas em bolsa:
a) Sonae SGPS, S.A. (doravante “Sonae SGPS”);
b) Sonae Indústria SGPS, S.A. (doravante “Sonae Indústria”); e
c) Sonae Capital SGPS, S.A. (doravante “Sonae Capital”).
69. Estas três sociedades, tendo diferentes acionistas e corpos sociais, têm em comum o facto de se encontrarem sob o controlo último, direto e indireto, da sociedade Efanor, que tem por objeto social a “gestão de participações sociais, como forma indireta de exercício de atividades económicas”;
70. Embora este vasto universo empresarial possa espelhar realidades díspares entre si, subsiste entre elas um conjunto de relações subsumíveis ao conceito de controlo para os efeitos do artigo 39.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2012, correspondendo à mesma unidade económica na aceção do artigo 3.º, n.º 2, da referida Lei, integrando uma única empresa para os efeitos da mesma Lei[51];
Sonae SGPS
71. A Sonae SGPS é uma sociedade aberta, admitida à cotação da Bolsa Euronext de Lisboa, maioritariamente detida pela Efanor (52,65%), estando o resto do capital social repartido por BPI (8,9%), Bestinver (4,99%), Fundação Berardo (2,5%), Norges Bank (2,0%) e Outros (28,96%) (fls. 321v), e tendo por objeto social a “gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indireta de exercício de atividades económicas”.
72. A Sonae SGPS controla, por sua vez:
a) a Visada Sonae Investimentos (a título exclusivo);
b) a sociedade Sonae Sierra SGPS, S.A. (conjuntamente);
c) a sociedade Sonaecom SGPS, S.A. (a título exclusivo); e
d) o Grupo NOS (por intermédio da Sonaecom SGPS, S.A., em conjunto, através da ZOPT, SGPS, S.A., com empresas controladas por (…)).
73. Cada uma das referidas sub-holdings exerce atividade em áreas de negócio distintas por intermédio de um universo vasto de participadas.
74. A Visada Sonae Investimentos é maioritariamente detida pela Sonae SGPS (76,8556%, correspondendo 25,029% a uma participação direta e 51,827% a uma participação indireta através da subsidiária Sonaecenter Serviços, S.A., que por sua vez é detida a 100% pela Sonae SGPS), estando o resto do capital social repartido por Sonae Investments BV (13,1419%), Sonae MC (10%) e Libra Serviços, Sociedade Unipessoal, Lda. (0,0025%)[52], tendo por objeto “a gestão de participações sociais, noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas”[53].
75. A Sonae Investimentos está ativa no negócio da distribuição a retalho através da Visada Sonae MC e da Sonae Specialized Retail – SGPS, S.A., sociedades que detém a 100% (fls. 802 e 814).
76. Pelo menos desde 5 de janeiro de 2012, a Sonae Investimentos detém 100% do capital da Modelo Continente, 99,71% através da Sonae MC e 0,29% através da Sonae Specialized Retail – SGPS, S.A.[54].
77. A Sonae MC tem por objeto a “gestão de participações sociais, noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas”.
78. A Visada Modelo Continente é uma empresa operacional, que se dedica ao negócio de distribuição alimentar em Portugal, explorando, direta e indiretamente, através de participadas, um portfólio de lojas que operam sob as insígnias Continente, Continente Modelo e Continente Bom Dia[55].
79. A Modelo Continente tem por objeto o “comércio retalhista e armazenista, nomeadamente a exploração de centros comerciais, grandes armazéns, charcutarias, confeitarias, cafés, restaurantes, padarias, talhos, relojoarias e ourivesarias e, ainda as indústrias de confeitaria, padaria, charcutaria e outras pequenas indústrias e a distribuição em livre serviço, a importação de todos os bens destinados ao comércio retalhista, edição, produção e distribuição de livros e de outras publicações, a indústria de abate, transformação, preparação, processamento, refrigeração, conservação, embalagem, distribuição por grosso ou a retalho, de carnes, produtos à base de carnes, de todos os tipos de peixes e produtos à base de peixes e outros produtos alimentares, e ainda a importação e exportação. A sociedade pode ainda importar e comercializar medicamentos não sujeitos a receita médica, e a título acessório, prestar serviços na área de comércio retalhista e grossista a outros estabelecimentos de livre serviço, bem ainda como a promoção, desenvolvimento e gestão imobiliária, compra e venda de imóveis próprios ou alheios e revenda dos adquiridos para esse fim e arrendamento de imóveis e ainda a prestação de serviços na área do bem estar físico, nomeadamente, higiene e beleza”[56];
80. Entre outras, a Sonae Investimentos detém ainda uma participação social de 46,92% na MDS SGPS, S.A., sociedade ativa no negócio da mediação de seguros e resseguros, sendo o remanescente do capital social desta sociedade detido por uma sociedade do Grupo Suzano, um grupo industrial brasileiro com atividade ligada às indústrias de papel e energia renovável[57];
Sonae Indústria
81. A Sonae Indústria é uma sociedade cotada na Euronext Lisbon, maioritariamente detida pela Efanor (68,61%), com cerca de 31,39% do seu capital social disperso por acionistas particulares e institucionais, nacionais e estrangeiros[58];
82. A Sonae Indústria é a sociedade-mãe de um grupo industrial ativo no setor dos derivados da madeira, com 21 fábricas localizadas em 6 países (Portugal, Espanha, França, Alemanha, Canadá e África do Sul);
Sonae Capital
83. A Sonae Capital é uma sociedade aberta admitida à cotação na Bolsa Euronext de Lisboa, cujo capital social é maioritariamente detido pela Efanor (62,602%)[59];
84. A Sonae Capital atua, a título principal e por intermédio de sub-holdings, em três áreas de negócio distintas:
a) Turismo, através de participadas da Sonae Turismo SGPS, S.A.;
b) Refrigeração, AVAC e Manutenção, através de participadas da Spred SGPS, S.A.;
c) Energia, através de participadas da Spred SGPS, S.A.;
85. Na área da Energia, as participadas da Spred SGPS, S.A. dedicam-se ao desenvolvimento e exploração de centrais de produção energética, com recurso à cogeração e/ou à energia fotovoltaica;
86. O volume de negócios consolidado realizado pela Sonae Investimentos no quadriénio 2012-2015 foi, respetivamente, de 4.531.666.066 euros, 4.670.545.866 euros, 4.820.487.935 euros e 4.796.464.501 euros[60];
87. O volume de negócios realizado pela Modelo Continente no quadriénio 2012-2015 foi, respetivamente, de 3.100.188.068 euros, 3.312.350.378 euros, 3.357.898.182 euros e 3.406.263.101 euros[61];
88. A Sonae MC não apresenta volumes de negócios[62];
Titulares do órgão de administração das Visadas no período que antecedeu a celebração do Acordo de Parceria
89. O Acordo de Parceria foi celebrado em 5 de janeiro de 2012, entre a EDP Comercial e a Modelo Continente, tendo a negociação do mesmo, em consequência, ocorrido anteriormente a esta data;
90. Por referência ao triénio 2009-2011, o conselho de administração executivo da EDP Energias, designado em 15 e 20 de abril de 2009, era composto por[63]:
. (…)
. (…)
. (…)
. (…)
. (…)
. (…)
. (…)
91. Por referência ao triénio 2009-2011, o conselho de administração da EDP Comercial era composto por[64]:
. (…)
. (…)
. (…)
. (…) (entre 25.08.2009 e 23.08.2011)
. (…) (designado em 23.03.2011)
. (…) (designado em 19.09.2011)
92. De acordo com a respetiva certidão de registo comercial, a EDP Comercial obriga-se com a assinatura de: (a) dois administradores, ou (b) um administrador, com poderes delegados.
93. Por referência ao quadriénio 2010-2013, o conselho de administração da Sonae Investimentos era composto por[65]:
. (…)
. (…)
. (…) (de 26.04.2010 até 09.05.2013)
94. De acordo com a certidão de registo comercial, a Sonae Investimentos obriga-se com a assinatura de: (a) dois administradores; (b) um administrador e um mandatário da sociedade; (c) um administrador ou mandatário, se para intervir no ato ou atos, tiver sido designado em ata pelo conselho de administração; (d) dois mandatários; (e) um administrador para designar mandatário judicial da sociedade;
95. Por referência ao quadriénio 2009-2012, o conselho de administração da Sonae MC era composto por[66]:
. (…)
. (…) (até 31.03.2010)
. (…)
. (…) (até 31.03.2010)
. (…)
Por referência ao quadriénio 2008-2011, o conselho de administração da Modelo Continente era composto por[67]:
. (…) (até 31.03.2010)
. (…)
. (…) (até 31.03.2010)
. (…)
. (…)
. (…)
. (…) (até 31.03.2011)
. (…) (até 31.10.2010)
. (…)
. (…) (até 31.03.2009)
. (…) (até 31.03.2009)
. (…)
. (…)
. (…) (a partir de 31.03.2009)
. (…) (a partir de 31.03.2009)
. (…) (a partir de 31.03.2009)
. (…) (a partir de 31.03.2011)
. (…) (a partir de 01.04.2011)
96. De acordo com a certidão de registo comercial, a Modelo Continente obriga-se com a assinatura de: (a) um Administrador e um mandatário da sociedade; (b) um Administrador ou mandatário se, para intervir no ato ou atos, tiver sido designado em ata pelo Conselho de Administração; (c) dois mandatários; (d) um Administrador para constituir mandatário judicial da sociedade e (e) dois Administradores;
97. Por referência ao quadriénio 2008-2011, o conselho de administração da Efanor era composto por[68]:
. (…)
. (…)
. (…)
. (…)
. (…)
98. Por referência ao quadriénio 2011-2014, o conselho de administração da Sonae SGPS era composto por[69]:
. (…)
. (…)
. (…)
. (…) (até 10.05.2013)
. (…)
. (…)
. (…)
. (…)
. . (…)
Identificação e caracterização dos mercados envolvidos (pontos 152 a 230 da decisão da ADC)
99. Atendendo aos contornos do Plano EDP Continente e à redação da Cláusula 12 do Acordo de Parceria, os mercados em causa correspondem à comercialização de energia elétrica, à comercialização de gás natural e à distribuição retalhista de bens alimentares, em Portugal continental;
100. Os mercados da comercialização de energia elétrica e da comercialização de gás natural constituem, em face da natureza dos serviços prestados, mercados naturalmente distintos do mercado da distribuição retalhista de bens alimentares;
101. Os serviços da comercialização de energia elétrica e da comercialização de gás natural, embora estando em causa duas fontes de energia, correspondem igualmente a mercados distintos[70],[71];
102. Sem prejuízo da existência de alguma substituibilidade técnica entre eletricidade e gás natural, para determinadas utilizações domésticas, terciárias e industriais, a substituibilidade do lado da procura é apenas possível a longo-prazo, ou ex-ante aquando da escolha de equipamento pelos utilizadores das duas formas de energia;
103. Já a curto prazo, o grau dessa mesma substituibilidade do lado da procura entre as duas fontes de energia é condicionado pelo tipo de equipamento já instalado e a respetiva amortização, dado que o custo de conversão entre os vários tipos de equipamento pode ser elevado;
104. Em face da inexistência de substituibilidade do lado da procura, os serviços da comercialização de energia elétrica e da comercialização de gás natural não pertencem ao mesmo mercado;
Mercados da produção e da comercialização de Eletricidade em Portugal continental
O Sistema Elétrico Nacional
105. O Sistema Elétrico Nacional (SEN) distingue, de acordo com a prática decisória da AdC[72] e da Comissão Europeia[73] as seguintes atividades, considerando-as mercados de produto autónomos, ainda que verticalmente relacionados: (i) produção; (ii) serviços de sistema; (iii) transporte; (iv) distribuição; e (v) comercialização;
106. Os comercializadores de eletricidade ativos no mercado livre têm assegurado o direito de acesso às redes de transporte e de distribuição, mediante o pagamento de tarifas de acesso reguladas pela ERSE. Esta regulação baseia-se num regime de acesso obrigatório a terceiros, assente nos princípios de independência, transparência, não discriminação e imparcialidade;
107. Os serviços de sistema correspondem à prestação de serviços relacionados com a segurança e a fiabilidade da operação do sistema elétrico destacada da atividade de produção de energia elétrica, através de ofertas submetidas por agentes de mercado qualificados ao Gestor do Sistema (neste momento, o Gestor de Sistema é a REN – Redes Energéticas Nacionais (REN);
108. Os produtores ligam-se às redes de transporte ou de distribuição, no caso da produção de menor dimensão, podendo os mesmos prestar serviços de sistema requeridos pelo operador da rede de transporte para equilibrar a produção total face à procura de energia eléctrica;
109. Estas cinco atividades requerem ativos distintos e as estruturas de oferta são heterogéneas, uma vez que se trata de monopólios regulados nas redes de transporte e distribuição e atividades liberalizadas no que respeita à produção, aos serviços de sistema e à comercialização;
110. A prática decisória da AdC, bem como da Comissão Europeia já referida, em face da inexistência de substituibilidade entre as atividades identificadas, é no sentido da autonomização em mercados distintos, sem prejuízo da aplicação de delimitações mais finas em algumas atividades.
O mercado da produção
111. A produção de energia elétrica engloba a produção em regime ordinário (PRO) e a produção em regime especial (PRE);
112. A produção em regime ordinário, em que o Grupo EDP está presente através da EDP – Gestão de Produção de Energia, S.A., rege-se pelo princípio da liberdade do exercício de atividade, sendo a energia produzida vendida em mercados organizados ou através de contratos bilaterais;
113. A produção em regime especial, em que o Grupo EDP está presente através da EDP – Gestão de Produção de Energia, S.A. e da EDP Renováveis Portugal, S.A., entre outras participadas, permite aos produtores efetuarem entregas à rede, através de contratos bilaterais celebrados com o Comercializador de Último Recurso (CUR), estando sujeita a regimes jurídicos específicos, designadamente para incentivar a utilização de recursos endógenos renováveis, de cogeração ou de microgeração[74];
114. De acordo com a prática decisória da AdC[75], a produção de energia elétrica em PRE e em PRO integram um único mercado, o mercado da produção de energia elétrica, uma vez que estas formas de produção são consideradas substitutas na satisfação da procura grossista de eletricidade e que a eletricidade se apresenta, do ponto de vista da utilização, como um bem homogéneo;
115. No que se refere à dimensão geográfica, e atenta a análise de substituibilidades e, em particular, a existência de restrições ao nível da oferta, a AdC tem entendido definir o mercado da produção da eletricidade como correspondendo ao território de Portugal continental, pelo menos nas horas em que existe congestionamento na interligação com Espanha[76];
O mercado da comercialização. Mercado regulado e mercado liberalizado
116. O processo de liberalização da comercialização de eletricidade decorre em Portugal de uma forma progressiva desde 1995. Em 2006, iniciou-se o período de transição voluntária em que os consumidores passaram a poder optar entre o mercado regulado e o mercado liberalizado apenas com base no incentivo e atratividade comercial das ofertas, sem qualquer encargo ou constrangimento do ponto de vista regulamentar;
117. A partir de 1 de janeiro de 2011, extinguiram-se as tarifas reguladas aplicáveis a clientes finais para a Muito Alta, Alta, Média e Baixa Tensão Especial (grandes clientes/industriais), e a partir de 1 de julho de 2012 e 1 de janeiro de 2013, extinguiram-se as tarifas reguladas aplicáveis à Baixa Tensão Normal (pequenos negócios/domésticos), para clientes finais com potência contratada superior ou igual a 10,35 kVA e para clientes com potência contratada inferior a 10,35 kVA, respectivamente;
118. Após estas datas, a celebração de novos contratos passou a ser possível apenas no mercado livre. No entanto, foram estabelecidos regimes tarifários transitórios em que, aos consumidores que ainda não escolheram o seu comercializador no mercado liberalizado, são aplicáveis tarifas definidas pela ERSE com preços agravados, para motivar a transição para o mercado liberalizado. O último destes regimes transitórios termina a 31 de dezembro de 2017[77];
119. Os regimes transitórios pretendem igualmente servir de garante ao fornecimento de eletricidade aos consumidores, em condições de qualidade e continuidade do serviço, estando sujeita à atribuição de licença e sendo assegurada pela EDP Serviço Universal, S.A. (doravante “EDP SU”);
120. Neste sentido, atualmente a comercialização de eletricidade no mercado liberalizado coexiste com a comercialização de eletricidade no mercado regulado, sendo que neste último as tarifas e preços de venda ao consumidor final são definidos pela ERSE;
121. Já no mercado livre, o consumidor tem ao seu dispor um conjunto de fornecedores de energia elétrica a concorrerem entre si em preços e condições comerciais;
122. Do ponto de vista da oferta, o acesso à atividade de comercialização é aberto a todos os agentes de mercado que cumpram os requisitos de acesso à atividade estabelecidos pelo Decreto-lei n.º 172/2006, de 23 de agosto, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 215-B/2012, de 8 de outubro, e pelo Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de fevereiro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 215-A/2012, de 8 de outubro, estando sujeito a um procedimento de registo;
123. De acordo com a prática decisória da AdC[78] e da Comissão Europeia[79], e atento o facto da atuação do CUR se revestir de caracter transitório, considera-se que o mercado de comercialização de energia elétrica ao cliente final engloba todos os consumidores, independentemente de estes serem fornecidos pelo CUR ou por comercializadores em regime livre, e apesar de, com o processo de extinção das tarifas reguladas e com a sua substituição por tarifas transitórias[80], os clientes perderam o direito de regresso ao mercado regulado;
Os consumidores de Muito Alta, Alta e Média Tensão e os consumidores de Baixa Tensão
124. No que se refere a consumidores de diferentes dimensões, os consumidores industriais ligados em Muito Alta, Alta e Média Tensão distinguem-se dos restantes consumidores quanto aos respetivos perfis de consumo, tarifação e contagem da energia[81];
125. Os consumidores de Muito Alta, Alta e Média Tensão são maioritariamente grandes empresas industriais em que a fatura elétrica tem um grande peso nas suas estruturas de custos. Por essa razão, estes consumidores são mais sensíveis ao preço e têm uma grande apetência para mudarem de fornecedor;
126. Neste segmento, os consumidores detêm poder negocial e normalmente negoceiam o preço e as condições comerciais, incluindo produtos e serviços personalizados, com a equipa de vendas do fornecedor de energia eléctrica;
127. Os consumidores de Baixa Tensão são sobretudo pequenos clientes domésticos ou pequenas atividades industriais, comércio e serviços cujo consumo de eletricidade é relativamente limitado. Este perfil de consumidor é menos sensível ao preço e revela uma menor apetência para mudar de fornecedor;
128. A comercialização de energia elétrica ao cliente final compreende todos os consumidores elegíveis, subdividindo-se em dois mercados de produto: (i) o dos consumidores de Muito Alta, Alta e Média Tensão, e (ii) o dos consumidores de Baixa Tensão[82];
Dimensão geográfica
129. No que se refere à dimensão geográfica deste mercado, em decisões anteriores da AdC[83] e da Comissão Europeia[84], o mercado de comercialização de eletricidade foi considerado como correspondendo a Portugal continental;
130. As condições para a concorrência na comercialização retalhista de eletricidade são consideradas como substancialmente diferentes entre Portugal e Espanha nos fornecimentos de eletricidade em todos os níveis de tensão;
131. Apesar dos mecanismos de integração de mercados grossistas entre os dois países, parte importante dos custos relacionados com o fornecimento a clientes finais em Portugal forma-se em mercados de dimensão nacional;
132. Os custos com serviços de sistema e a estrutura de custos relacionados com acesso às redes, que integra tanto os custos de redes como os custos de interesse económico geral, são definidas autonomamente entre países;
133. Por outro lado, a estrutura da oferta, em particular nos clientes em Baixa Tensão, revela ainda uma preponderância do operador histórico nacional – o Grupo EDP;
134. Neste sentido, atenta a ausência de substituibilidade do lado da oferta, o mercado define-se por referência ao território de Portugal continental;
135. A AdC considera que o mercado de comercialização de energia elétrica ao cliente final, que inclui a comercialização no mercado regulado e no mercado liberalizado, subdivide-se em (i) Muito Alta, Alta e Média Tensão e em (ii) Baixa Tensão, tendo um âmbito restrito a Portugal continental;
Mercado do Gás Natural em Portugal continental. O gás natural, o gás propano canalizado e o GPL em garrafa
136. O gás natural e o gás propano canalizado são, em teoria, fontes de energia alternativas. Contudo, após a substituição de tubagens de gás propano para gás natural, e dada a necessária substituição de outros equipamentos, um regresso ao consumo de gás propano implicaria um custo significativo. O grau de substituibilidade do lado da procura entre gás natural e gás propano canalizado é, deste modo, condicionado pelo tipo de equipamento já instalado;
137. Por razões de natureza estrutural, relativas à política de introdução e expansão do gás natural como fonte de energia em Portugal, o gás propano não é considerado como um produto substituto do gás natural, para a maioria dos clientes deste, pelo que o gás natural constitui um mercado de produto autónomo do gás propano;
138. No que se refere à substituibilidade entre gás natural e o gás de petróleo liquefeito (GPL), que engloba os produtos butano e propano e que é comercializado em garrafas para utilização dos consumidores finais, estes cobrem a mesma gama de utilizações domésticas e são intersubstituiveis;
139. O gás natural é distribuído numa estrutura de rede territorialmente limitada. Há regiões onde, não havendo rede de gás natural, a substituição de GPL em garrafa por gás natural não é possível;
140. Do lado da oferta, a produção, armazenamento e transporte do gás natural e do GPL em garrafa são distintos. Para concorrer no mercado do GPL em garrafa, um produtor de gás natural teria de incorrer em custos ou riscos significativos na criação de uma rede de infraestruturas de produção, armazenamento, enchimento e distribuição de GPL em garrafa;
141.Atenta a inexistência de substituibilidade, o mercado do gás natural constitui um mercado autónomo de outros tipos de gases, nomeadamente gás propano canalizado e GPL em garrafa[85];
O Sistema Nacional de Gás natural
142. O Sistema Nacional de Gás Natural (SNGN)[86] compreende as seguintes atividades: i) receção, armazenamento e regaseificação de gás natural na forma liquefeita (GNL); ii) armazenamento subterrâneo de gás natural; iii) transporte de gás natural; iv) distribuição de gás natural; v) comercialização de gás natural; vii) operação de mercados do gás natural; e viii) operação logística de mudança de comercializador de gás natural[87];
143. Portugal não tem jazidas de gás natural, pelo que a organização do SNGN assenta fundamentalmente na exploração da rede pública de gás natural, constituída pela Rede Nacional de Transporte, Instalações de Armazenamento e Terminais de GNL, e pela Rede Nacional de Distribuição de Gás Natural;
144. O transporte de gás natural é exercido mediante a exploração da Rede Nacional de Transporte de Gás Natural, que corresponde a uma única concessão do Estado;
145. O operador da rede de transporte é também responsável pela Gestão Técnica Global do SNGN, reunindo as competências para assegurar a gestão eficiente do SNGN, a coordenação do funcionamento das infraestruturas do sistema e a cooperação com o operador da rede de transporte interligada;
146. A distribuição de gás natural processa-se através da exploração da Rede Nacional de Distribuição de Gás Natural, mediante atribuição pelo Estado de concessões de serviço público, exercidas em exclusivo, bem como por licenças de distribuição em redes locais autónomas, não ligadas ao sistema interligado de gasodutos e redes, igualmente exercidas em exclusivo e em regime de serviço público;
147. A comercialização de gás natural em Portugal foi sujeita a liberalização, continuando sujeitas a regulação a receção, armazenamento e regaseificação de GNL, o armazenamento subterrâneo, o transporte, a distribuição e a comercialização de último recurso de gás natural[88];
148. No exercício da sua atividade, os comercializadores podem livremente comprar e vender gás natural, dispondo, para o efeito, do direito de acesso às instalações de armazenamento e terminais de GNL, às redes de transporte e às redes de distribuição, mediante o pagamento de uma tarifa regulada;
149. A AdC tem considerado, na sua prática decisória[89], que a atividade de comercialização do gás natural constitui um mercado autónomo face às restantes atividades do SNGN, atenta a inexistência de substituibilidade entre as mesmas;
Mercado de comercialização de Gás natural. Mercado regulado e mercado liberalizado
150. Desde janeiro de 2010 que os consumidores de gás natural portugueses passaram a poder optar entre o mercado regulado e o mercado liberalizado apenas com base no incentivo e atratividade comercial das ofertas, sem qualquer encargo ou constrangimento do ponto de vista regulamentar;
151. O processo de liberalização da comercialização de gás natural decorre em Portugal de forma progressiva tendo a extinção das tarifas reguladas, na comercialização, sido realizada de uma forma gradual:
ii)Em 1 de julho de 2012 iniciou-se a extinção das tarifas reguladas de venda de gás natural para os consumidores com consumos anuais superiores a 500 m3 e a contratação do fornecimento de gás natural para este tipo de consumidores passou apenas a ser possível com um comercializador em regime de mercado;
iii)Em 1 de janeiro de 2013 iniciou-se a extinção das tarifas reguladas de venda de gás natural aos consumidores com consumos anuais inferiores ou iguais a 500 m3;
152. Desde 1 de janeiro de 2013 que apenas é possível celebrar contratos no mercado livre e que as tarifas de venda a clientes finais publicadas pela ERSE passaram a ter um caráter transitório, sendo suscetíveis de revisão trimestral[90];
153. Este período transitório terminava a: (i) 30 de junho de 2014, para clientes com consumos anuais superiores a 10.000 m3; (ii) 31 de dezembro de 2014, para os clientes com consumos anuais superiores a 500 m3 e inferiores ou iguais a 10.000 m3; e (iii) 31 de dezembro de 2015, para clientes com consumos anuais inferiores ou iguais a 500 m3. No entanto, o período transitório foi prorrogado, passando a terminar em 31 de dezembro de 2017[91];
154. Neste sentido, atualmente a comercialização do gás natural no mercado liberalizado coexiste com a comercialização de gás natural no mercado regulado, sendo que neste último as tarifas e preços de venda ao consumidor final são definidos pela ERSE;
155. Já no mercado livre, o consumidor tem ao seu dispor um conjunto de fornecedores de gás natural a concorrerem entre si em preços e condições comerciais;
156. Do ponto de vista da oferta, o acesso à atividade de comercialização de gás natural deixou de estar sujeito à obtenção de licença e passou a depender de um procedimento específico de registo, sendo aberto a todos os agentes de mercado que cumpram os respetivos requisitos de acesso[92];
157. Existe ainda a figura do CUR, que é assegurada, entre outras, pelas empresas do grupo Galp e pela EDP SU, cuja finalidade é servir de garante do fornecimento de gás natural aos consumidores, em condições de qualidade e continuidade do serviço, estando sujeita à atribuição de licença;
158. A AdC, em decisões anteriores[93] analisou o setor da comercialização de gás natural, concluindo que não se justifica uma segmentação entre comercialização livre e a comercialização de último recurso, uma vez que tanto a figura do CUR como a fixação de tarifas reguladas de venda de gás a clientes finais assumem um carácter restrito e provisório;
Os consumidores com necessidades de consumo até 10.000 m3/ano e com necessidades de consumo superiores a 10.000 m3/ano
159. No que se refere a consumidores de diferentes dimensões, os consumidores com necessidades de consumo superiores a 10.000 m3 distinguem-se dos restantes consumidores quanto aos respetivos perfis de consumo e tarifação[94];
160. Os consumidores com consumos anuais superiores a 10.000 m3 são maioritariamente grandes empresas industriais em que a fatura do gás tem um grande peso nas suas estruturas de custos;
161. Estes consumidores são por isso muito sensíveis ao preço e têm uma grande apetência para mudarem de fornecedor. Neste segmento, os consumidores detêm poder negocial e normalmente negoceiam o preço e as condições comerciais;
162. Pelo contrário, os consumidores com consumos inferiores ou igual a 10.000 m3 são sobretudo pequenos clientes domésticos cujo consumo de gás é relativamente limitado, sendo menos sensíveis ao preço e revelando uma menor apetência para mudar de fornecedor;
163. Em face da inexistência de substituibilidade do lado da procura, identificam-se dois mercados de produto relativos aos: (i) consumidores com necessidades de consumo até 10.000 m3/ano, e (ii) consumidores com necessidades de consumo superiores a 10.000 m3/ano;
Dimensão geográfica
164. No que respeita à dimensão geográfica do mercado da comercialização de gás natural, a AdC, na sua decisão no processo Ccent. 46/2010 – GDP/Setgás CUR, não obstante ter decidido deixar em aberto a exata delimitação do mercado relevante, considerou não ser de excluir que, no âmbito do novo cenário regulamentar, a concorrência entre as empresas ativas no mercado deixe de se confinar às regiões de exclusividade e passe a ser mais lata, correspondendo ao território nacional[95];
165. A AdC considera que o mercado de comercialização de gás natural ao cliente final, que inclui tanto a comercialização no mercado regulado como no mercado liberalizado, e que se subdivide em (i) clientes com necessidades até 10.000 m3/ano e em (ii) clientes com necessidades de consumo superiores a 10.000 m3/ano, tem âmbito restrito a Portugal continental;
Mercado da distribuição retalhista de bens alimentares em Portugal
166. A atividade de distribuição a retalho de base alimentar consiste na disponibilização, junto do consumidor, de um conjunto mais ou menos amplo de produtos alimentares e artigos para o lar, destinados à satisfação das necessidades de consumo corrente dos agregados familiares[96];
167. Do lado da oferta, os estabelecimentos de retalho alimentar apresentam formatos diversos, distinguindo-se, designadamente, ao nível da respetiva dimensão, serviços e gama de produtos oferecidos;
168. Nestes termos, os estabelecimentos de retalho alimentar são, normalmente, classificados nos seguintes formatos: hipermercados, supermercados, lojas discount, mini-mercados, lojas de conveniência, lojas especializadas, comércio tradicional, e vendas à distância (comércio eletrónico ou por catálogo), entre outros[97];
169. De acordo com a prática decisória da AdC[98], os formatos hipermercado, supermercado e lojas discount integram o mesmo mercado do produto relevante, isto é, o mercado da distribuição retalhista de base alimentar;
170. Apesar dos referidos formatos se distinguirem em função do preço, da qualidade, da gama de produtos, do nível de serviços e da localização, a AdC tem concluído que, em resposta a um pequeno, mas significativo aumento de preços, uma parte expressiva dos clientes passaria a fazer as suas compras noutro formato de retalho alimentar. Deste modo, entende-se que os vários formatos de estabelecimento são substituíveis entre si na perspetiva da procura;
171. A atividade de distribuição retalhista de bens alimentares, no caso em análise, foi considerada como um todo, independentemente do tipo de formato de estabelecimentos, definindo-se como um mercado de produto autónomo;
172. No que respeita à dimensão geográfica, a AdC tem considerado que, do lado da procura (consumidores), o mercado geográfico do retalho alimentar tem dimensão local, uma vez que a sua extensão será determinada por referência à distância que os consumidores estão dispostos a percorrer para adquirir os produtos/bens pretendidos. Do lado da oferta, a Sonae exerce a sua a atividade de retalho alimentar em todo o país;
173. No caso concreto verifica-se que, nos termos do Pacto de não-concorrência em causa, as Visadas do Grupo EDP se obrigam a não exercer qualquer atividade de retalho alimentar em Portugal Continental, abrangendo assim toda a oferta da Modelo Continente Hipermercados, da SONAE INVESTIMENTOS SGPS e das sociedades por esta maioritariamente participadas, no retalho alimentar neste território;
174. O Pacto de não-concorrência abrange o mercado da distribuição retalhista de bens alimentares em diferentes formatos e em Portugal Continental;
A posição das Visadas nos mercados identificados no acordo de parceria (pontos 231 a 252 da decisão da AdC)
175. O mercado liberalizado representava, a 31 de dezembro de 2014, cerca de 83% do mercado total em volume (relatório e contas da EDP Comercial para o exercício de 2014[99];
176. Em termos de número de clientes, no final de 2014, encontravam-se no mercado livre mais de 52 mil instalações relativas ao segmento empresarial e 3.511 mil instalações relativas ao segmento doméstico (relatório e contas da EDP Comercial para o exercício de 2014;
O Grupo EDP
177. O grupo EDP é o operador histórico neste mercado, estando presente no mercado regulado na qualidade de CUR, através da EDP SU, e no mercado liberalizado, através da EDP Comercial, fornecendo energia elétrica a clientes finais[100];
178. A EDP Comercial é o maior comercializador em regime livre em Portugal continental, com uma posição destacada no segmento de clientes domésticos;
179. Em dezembro de 2014, conforme a tabela infra relativa aos consumidores de Baixa Tensão, somadas as posições da EDP Comercial e da EDP SU, o Grupo EDP fornecia cerca de 88% do consumo doméstico e aproximadamente 50% do consumo dos pequenos negócios em Portugal continental;
180. De acordo com a ERSE, os clientes domésticos representam os clientes cujas instalações de consumo estão ligadas às redes em Baixa Tensão com potência contratada inferior ou igual a 41,4 kW (BTN) e os pequenos negócios representam os clientes cujas instalações de consumo estão ligadas às redes em Baixa Tensão com potência contratada superior a 41,4 kW (BTE);
Tabela 1 – Estrutura da oferta do fornecimento a consumidores de Baixa Tensão: pequenos negócios e a clientes domésticos, em Portugal continental

Pequenos NegóciosDomésticos
dez-12dez-13dez-14dez-12dez-13dez-14
CUR (inclui EDP SU)23,1%15,7%9,1%82,3%59,5%37,9%
EDP Comercial32,4%39,1%40,8%14,6%33,1%50,5%
Endesa15,6%14,3%17,4%1,9%2,5%2,4%
Iberdola17,5%18,6%13,5%0,4%2,2%2,9%
GN Fenosa7,5%6,5%6,4%0,0%0,9%2,2%
Galp3,8%5,8%8,8%0,8%1,7%3,0%
Fortia0,0%0,0%0,0%0,0%0,0%0,0%
Outros0,0%0,0%4,0%0,0%0,0%1,0%

Fonte: ERSE, tratamento AdC in Ccent.9/2015 – EDP Renewables/Ativos ENEOP
181. O Grupo EDP detém ainda uma posição preponderante nos consumidores de Muito Alta, Alta e Média Tensão, apesar da tendência decrescente, conforme tabela infra.
182. De acordo com a ERSE, os grandes consumidores representam os clientes cujas instalações de consumo estão ligadas às redes de Muito Alta Tensão e de Alta Tensão e os industriais representam os clientes cujas instalações de consumo estão ligadas às redes de Média Tensão.
Tabela 2 - Estrutura da oferta do fornecimento a consumidores de Muito Alta, Alta e Média Tensão: grandes consumidores e clientes industriais, em Portugal continental

Grandes consumidores Industriais
dez-12dez-13dez-14dez-12dez-13dez-14
CUR (inclui EDP SU)2,8%0,1%0,0%8,3%5,1%2,6%
EDP Comercial39,2%35,1%30,1%29,9%27,1%26,9%
Endesa20,8%19,5%25,3%26,7%27,3%26,2%
Iberdola15,1%18,2%17,7%27,1%30,5%27,4%
GN Fenosa5,7%6,6%6,4%3,5%2,7%3,0%
Galp1,4%6,1%5,5%4,2%6,3%8,0%
Fortia15,0%14,5%14,6%0,0%0,0%0,0%
Outros0,0%0,0%0,5%0,4%1,0%5,9%

Fonte: ERSE, tratamento AdC in Ccent.9/2015 – EDP Renewables/Ativos ENEOP
Mercado da comercialização do Gás Natural em Portugal continental
183. O mercado livre do gás natural representava, em setembro de 2014, 95,9% do consumo total, correspondendo ao abastecimento de 743,9 mil instalações.
O Grupo EDP
184. O Grupo EDP está presente na comercialização de gás natural em regime regulado, através da EDP Gás Serviço Universal, e em regime livre, através da EDP Comercial[101].
185. As quotas no mercado do gás natural para os consumidores com necessidades de consumo até 10.000 m3/ano e com necessidades de consumo superiores a 10.000 m3/ano são as que se apresentam na tabela infra.
Tabela 3 – Estrutura da oferta do fornecimento a consumidores com necessidades de consumo até 10.000 m3/ano e com necessidades de consumo superiores a 10.000 m3/ano: grandes clientes, clientes industriais e a clientes residenciais, em Portugal continental

Grandes clientesClientes IndustriaisClientes residenciais 
dez-12dez-13dez-14dez-12dez-13dez-14dez-12dez-13dez-14
EDP 16,0%9,2%6,5%17,7%15,5%15,0%46,5%42,8%48,8%
Endesa4,4%2,9%3,6%1,8%2,5%5,5%0,0%0,0%0,0%
Galp68,4%72,4%58,7%71,8%68,8%62,5%47,8%30,1%26,4%
GNFenosa10,9%14,8%20,4%3,7%6,2%7,4%0,0%0,0%0,0%
Goldenergy0,3%0,7%1,5%4,4%6,9%9,4%5,6%27,1%24,8%
Iberdola0,0%0,0%0,0%0,4%0,0%0,0%0,0%0,0%0,0%
Incygas0,0%0,0%0,0%0,2%0,1%0,2%0,0%0,0%0,0%
Outros0,0%0,0%9,3%0,0%0,0%0,0%0,1%0,0%0,0%
Fonte: ERSE, www.erse.pt
187. De acordo com a ERSE, os grandes clientes correspondem ao conjunto de clientes com consumo anual superior a 1 milhão de m3, os clientes industriais correspondem ao conjunto de clientes com consumo anual superior a 10.000 m3, e os clientes residenciais correspondem ao conjunto de clientes com consumo anual de gás natural inferior ou igual a 10.000 m3 [102];
188. A posição do Grupo EDP tem vindo a decrescer, no período que decorreu entre 2012 e 2014, no que se refere aos grandes clientes e aos clientes industriais;
189. No entanto, no que se refere aos clientes residenciais, o Grupo EDP revela um crescimento de 6 pontos percentuais no ano de 2014, apresentando-se como o operador com a maior quota de mercado neste segmento;
Distribuição retalhista de bens alimentares em Portugal
190. O Grupo Sonae está presente no mercado de distribuição retalhista de bens alimentares em Portugal continental através da sua participada Sonae MC, e da participada desta, Modelo Continente[103];
191. A Modelo Continente engloba um conjunto de insígnias e formatos distintos: Continente, Continente Modelo (hipermercados) e Continente Bom Dia (lojas de conveniência);
192. A insígnia Continente foi a primeira cadeia de hipermercados em Portugal, e permanece como a referência no setor de retalho alimentar do país;
193. A insígnia Continente Modelo, também de referência, compreende mini-hipermercados e supermercados localizados em centros populacionais de média dimensão, por todo o país;
194. A insígnia Continente Bom Dia é essencialmente alimentar com uma forte presença em zonas habitacionais nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. São lojas de conveniência vocacionados para as compras mais frequentes do dia-a-dia;
195. De acordo com os elementos enviados pela Modelo Continente, as quotas de mercado detidas, quer pela Visada Modelo Continente, quer pelos 4 maiores players no mercado da distribuição retalhista de bens alimentares, são as que se encontram no quadro infra[104];

Tabela 4 – Estrutura da oferta da distribuição retalhista de bens alimentares em Portugal continental

Modelo ContinenteJerónimo Martins/Pingo DoceITMI/portugal/IntermarchéLIDLDia/MinipreçoOutros
2012(10-20)%  (10-20)%(5-10)%(5-10)%(0-5)%(50-60)%
2013(10-20)%(10-20)%(5-10)%(5-10)%(0-5)%(50-60)%
2014(10-20)%(10-20)%(5-10)%(5-10)%(0-5)%(50-60)%
Fonte: Elementos fornecidos pela Modelo Continente (fls. 841).
196. O Grupo Sonae e o Grupo Jerónimo Martins/Pingo Doce são os players no mercado que apresentam quotas de mercado mais elevadas, situando-se a quota de cada um entre (10-20)-(10-20)%.
Parceria Endesa e Sonae para comercialização de energia eléctrica em Portugal e ss (pontos 294 a 319 da decisão)
197. A Endesa Energia, S.A.U. foi a primeira empresa a fornecer clientes no mercado liberalizado de comercialização de energia elétrica em Portugal, em abril de 2000;
198. Em 1 de maio de 2002, a Endesa constituiu a Sodesa – Comercialização de Energia, S.A. (doravante “Sodesa”), uma joint-venture em parceria com o Grupo Sonae, através de sociedade controlada diretamente pela Sonae SGPS, detida a 50% por cada uma das empresas participantes[105], com o objetivo de comercializar eletricidade e serviços no mercado liberalizado português[106];
199. No comunicado de imprensa que anunciava a criação da Sodesa, o Grupo Sonae referia que, “o objetivo da Sodesa é estabelecer uma posição significativa no mercado potencial elegível em Portugal, que, desde Janeiro deste ano, está aberto a 20 mil clientes com 17.000 GWh de consumo anual, utilizando a infraestrutura tecnológica da Endesa e a forte presença da Sonae em Portugal”[107];
200. Em março de 2003, a Sodesa referia em comunicado que, “acaba(va) de ultrapassar os 1.000 GWh/ano de vendas, em Portugal, em apenas dez meses de atividade, representando um volume de negócio superior a 70 milhões de euros”[108];
201. Em finais de 2006, anunciava-se que a carteira de clientes da Sodesa totalizava 3.648 pontos de fornecimento, traduzindo-se num volume de energia de 2.900 GWh de energia, convertendo-a na primeira comercializadora de eletricidade em regime livre do país[109];
202. Em maio de 2007, anunciava-se que a EDP perdia quota no mercado liberalizado da venda de eletricidade em Portugal e que os seus concorrentes, com destaque para a Sodesa e a Unión Fenosa, conseguiam uma quota superior a 50% no abastecimento aos clientes que optaram por mudar de fornecedor, apesar de a perda para a EDP se circunscrever ao segmento industrial, uma vez que continuava a ser a única com oferta para os domésticos[110];
203. Não obstante, em 2008, a Sodesa suspendia a sua atividade, referindo-se nos meios de comunicação que a referida suspensão se devia ao facto de os preços da produção disponível em Portugal serem demasiado altos face às tarifas reguladas do sistema público[111], tendo os seus acionistas votado a dissolução da sociedade em 21 de julho de 2008 e a liquidação sido encerrada em 20 de setembro de 2011 (fls. 318v e 331-B a 331-D);
204. No entanto, em janeiro de 2009, a Endesa entrava, através de sociedade por si detida a 100%, no segmento do mercado nacional doméstico de comercialização de eletricidade, consolidando a sua aposta no mercado português em que passou a concorrer com a EDP[112];
205. Num passado recente, o Grupo Sonae, através de uma sociedade controlada directamente pela SONAE SGPS, exerceu a atividade de comercialização de energia elétrica em Portugal;
Presença do Grupo Sonae no mercado da produção de eletricidade em Portugal. Projeto de co-geração
206. Em 2013, a Sonae Capital adquiriu, através de uma operação de concentração sujeita ao controlo prévio da Autoridade da Concorrência, um conjunto de participações sociais em empresas e posições contratuais em agrupamentos complementares de empresas com atividades de cogeração de energia[113];
207. No Relatório e Contas de 2014 da Sonae Capital pode ler-se:
“No primeiro trimestre de 2014 foi anunciada a aquisição de um conjunto de participações e interesses detidos por subsidiárias da Enel Green Power, SpA em centrais de cogeração localizadas em Portugal. Esta aquisição de 44MW (10 unidades, 8 detidas maioritariamente) faz parte integrante do plano de expansão do segmento Energia, um dos pilares estratégicos de crescimento e desenvolvimento do portfolio do grupo e enquadra-se no racional de: (i) acelerar o crescimento planeado do portfolio em Portugal; (ii) internalizar uma carteira de projetos em Portugal passíveis de repowering; e (iii) reforçar a equipa do segmento Energia com elementos experientes e de grande valia, necessários à implementação da estratégia de desenvolvimento delineada” (vide pág. 14);
208. Esta operação reflete e decorre do plano de expansão do Grupo Sonae, por intermédio do ramo encimado pela holding Sonae Capital, na área da Energia, lendo-se no website do Grupo Sonae[114] que:
“Os negócios relacionados com a Energia representam o compromisso da Sonae Capital em crescer nestas áreas de atividade. Neste sentido, a Sonae Capital adquiriu em Setembro de 2009, a totalidade do capital social da sociedade Ecociclo II – Energias, SA, uma empresa que detém e explora (desde Junho de 2009) uma central de cogeração em ciclo combinado com base em turbina a gás natural com 6,3 MW de capacidade elétrica instalada, situada no Parque de Negócios das Empresas Sonae na Maia, que produz simultaneamente energia elétrica (para venda ao Sistema Elétrico Público ao abrigo da legislação em vigor) e energia térmica”;
Projeto de minigeração fotovoltaica
209. O Decreto-Lei n.º 34/2011, de 8 de março, estabeleceu o regime jurídico aplicável à produção de eletricidade a partir de recursos renováveis, por intermédio de unidades de miniprodução, entendendo-se como tal as instalações de produção de eletricidade que utilizem energias renováveis e sejam baseadas numa só tecnologia de geração com uma potência máxima de ligação à rede de 250 kW[115];
210. Este regime veio permitir ao produtor vender a totalidade da eletricidade gerada na sua instalação à rede elétrica de serviço público através de um regime de remuneração geral ou bonificado;
211. Como condição para o acesso a este regime, só poderia exercer a atividade de minigeração quem detivesse um contrato de fornecimento de eletricidade com consumos relevantes na sua instalação de consumo e instalasse a unidade de miniprodução no mesmo local servido por esta;
212. Sem prejuízo, o Decreto-Lei n.º 34/2011, de 8 de março, admitia que entidades terceiras (como, por exemplo, prestadores de serviços energéticos), quando para tal autorizadas pelo titular da instalação de consumo, pudessem instalar uma unidade de miniprodução nesse local, mediante contrato a celebrar entre o titular da instalação de consumo e o terceiro autorizado;
213. Neste contexto, em 2009, foram licenciadas e instaladas mediante investimento direto da Sonae MC, as primeiras centrais de produção fotovoltaica, ascendendo o parque de instalações de microgeração e minigeração detidas e exploradas pela Sonae MC a 43 unidades, com uma potência instalada de, respetivamente, 92 kWn e 705 kWn[116];
214. Posteriormente, em 2011, na sequência da atribuição de um conjunto de registos de unidades de miniprodução de energia elétrica, o Grupo Sonae, através da Sonae MC, abordou um conjunto de entidades para avaliar a oportunidade de desenvolver um projeto de instalação e exploração de unidades de miniprodução com recurso à tecnologia fotovoltaica nos respetivos estabelecimentos comerciais, com base numa tarifa bonificada;
215. Em resultado, o Grupo Sonae optou por: (i) adquirir, em modelo “chave-na-mão”, centrais de menor capacidade (com uma potência de ligação entre 0 e 50 kW), suportando o investimento e assegurando a respetiva exploração, e (ii) adjudicar à EDP Serviços (entretanto fundida na EDP Comercial) a instalação e exploração de unidades de miniprodução, na modalidade de energy manager[117];
216. Por via desta adjudicação, a EDP Serviços foi autorizada a utilizar, pelo período de 15 anos, a cobertura e os espaços necessários em estabelecimentos do Grupo Sonae, para neles proceder à instalação e exploração de 51 unidades de miniprodução de energia elétrica de origem fotovoltaica e respetivas infraestruturas de ligação à rede elétrica, bem como a vender a eletricidade produzida por essas unidades[118];
217. A modalidade de energy manager assenta nos seguintes aspetos essenciais[119]:
a) A EDP Serviços instala as unidades de produção e respetivas infraestruturas de ligação à rede elétrica de serviço público na cobertura dos imóveis;
b) As unidades de produção são propriedade da EDP Serviços e são por esta operadas por um prazo fixado contratualmente em 15 anos;
c) A energia produzida nas unidades de produção é vendida pela EDP Serviços à rede elétrica de serviço público;
d) A EDP paga uma remuneração à Sonae MC pela utilização dos imóveis, em função das receitas provenientes da energia produzida;
e) No termo dos contratos, a propriedade das unidades instaladas transfere-se para o Grupo Sonae;
Pronúncia da ERSE sobre os comportamentos das Visadas (pontos 315 a 319 da decisão da AdC)
218. Nos termos do artigo 35.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2012, “(s)empre que a Autoridade da Concorrência tome conhecimento, nos termos do artigo 17.º, de factos ocorridos num domínio submetido a regulação setorial e suscetíveis de ser qualificados como práticas restritivas, dá imediato conhecimento dos mesmos à autoridade reguladora setorial competente em razão da matéria, para que esta se pronuncie, em prazo fixado pela Autoridade da Concorrência”;
219. Na sua pronúncia[120], submetida à Autoridade da Concorrência em 14 de julho de 2015, a ERSE começa por apresentar o enquadramento legal e regulamentar da comercialização de eletricidade e gás natural em Portugal, tecendo depois considerações específicas relativas a parcerias comerciais;
220. A este respeito, a ERSE distingue dois planos: (i) o plano do acordo de não-concorrência entre operadores económicos que, a existir, consubstanciará um eventual incumprimento da Lei n.º 19/2012, e (ii) o plano do estabelecimento de acordos de exclusividade para a exploração cruzada de redes comerciais, o qual poderá ter efeitos no desenvolvimento da referida concorrência em cada setor económico;
221. Quanto ao Plano EDP Continente, em concreto, a ERSE refere o seguinte:
a) Analisou o Plano EDP Continente quanto ao seu impacto nas condições comerciais de fornecimento, designadamente do ponto de vista da informação aos consumidores;
b) Contrastou a evolução do mercado retalhista de eletricidade com a divulgação do Plano EDP Continente, designadamente quanto à evolução das quotas de mercado da EDP Comercial, concluindo que a evolução das mesmas não reflete um reforço da posição da EDP Comercial;
c) A quota da EDP Comercial, em número de clientes em carteira, no segmento de consumidores de eletricidade em baixa tensão, ascendeu a cerca de 85% no ano de 2011, cerca de 80% no ano de 2012 e cerca de 84% no ano de 2013;
d) Da conjugação entre estes valores, a inexistência de limitações à mudança de comercializador e a vigência temporal efetiva do Plano EDP Continente (pouco menos de dois meses), conclui pela relativa ineficácia do Plano EDP Continente quanto ao desenvolvimento da carteira de clientes da EDP Comercial no mercado elétrico[121];
e) Apesar da celebração de acordos de exclusividade se afigurar como um fator potencialmente distorcedor da concorrência, a circunstância destes acordos serem celebrados com redes de distribuição alimentar é menos crítica, uma vez que subsistem neste mercado dois a três operadores de relevo capazes de oferecer o mesmo tipo de benefício aos comercializadores de energia, não obstante dever atender-se à posição relativa do comercializador em causa e à natureza do próprio acordo;
f) Quanto ao facto de o Plano EDP Continente, incluindo as obrigações que lhe subjazem, poder ter impedido a entrada de um potencial concorrente na comercialização de energia, convirá relembrar que o Grupo Sonae teve, no início do processo de liberalização do setor, uma parceria com a Endesa, mediante a qual ambas as entidades constituíram uma sociedade controlada conjuntamente (Sodesa) e que se dedicava à comercialização de electricidade;
222. Sobre os factos constantes do processo a ERSE conclui que não pode excluir-se que o Pacto de não-concorrência se traduza num incumprimento da Lei n.º 19/2012, na medida em que o Plano EDP Continente pode, efetivamente, ter impedido a entrada de um potencial concorrente na comercialização de energia, salientado que o Grupo Sonae já esteve, no início do processo de liberalização, presente neste setor através de uma parceria com a Endesa, um player comercializador de energia elétrica no mercado liberalizado em Portugal;
Notícia da Infração. Abertura de inquérito. Diligências probatórias. Decisão de Inquérito (pontos 15 a 88 da decisão da AdC)
223. A Autoridade da Concorrência recebeu, em janeiro de 2012, várias denúncias de consumidores visando uma campanha comercial promovida em parceria pela EDP Comercial e pela Modelo Continente, designada por “Plano EDP Continente” (doravante “Plano EDP Continente”)[122];
224. Deu ainda entrada na Autoridade da Concorrência, em 20 de janeiro de 2012, um pedido de esclarecimentos do grupo parlamentar do Bloco de Esquerda, transmitido pelo gabinete do Senhor Ministro da Economia e do Emprego[123], relativo ao Plano EDP Continente;
225. Em 30 de janeiro de 2012, a Autoridade da Concorrência dirigiu pedidos de elementos às Visadas EDP Comercial e Modelo Continente, ao abrigo dos poderes de supervisão que lhe eram conferidos pelo artigo 8.º dos seus Estatutos, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 10/2003, de 18 de janeiro, e pelo n.º 1 do artigo 18.º da Lei n.º 18/2003, de 11 de junho (doravante “Lei n.º 18/2003”), relativos ao Plano EDP Continente[124];
226. As Visadas responderam aos pedidos de elementos em 7 de fevereiro de 2012, fornecendo, entre outra documentação relevante, o acordo de parceria celebrado em 5 de janeiro de 2012 entre a EDP Comercial e a Modelo Continente que determina os termos e condições relativos ao Plano EDP Continente (doravante “Acordo de Parceria”)[125];
227. Em 10 de fevereiro de 2012, a Autoridade da Concorrência informou o Ministério da Economia e do Emprego que estava a promover as diligências de averiguação adequadas a determinar um eventual enquadramento do Plano EDP Continente nas regras de concorrência[126];
228. Analisada a notícia da infração, bem como a documentação recebida em 7 de fevereiro de 2012, o conselho de administração da Autoridade da Concorrência decidiu, em 3 de dezembro de 2014, proceder à abertura de inquérito no âmbito de um processo de contraordenação, nos termos do n.º 1 do artigo 8.º e do n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 19/2012, contra as Visadas EDP Comercial, Sonae Investimentos e Modelo Continente, para investigar a existência de práticas restritivas proibidas pelo artigo 9.º da Lei n.º 19/2012[127];
229. No decurso do inquérito, as diligências de investigação levaram a concluir pelo envolvimento das empresas EDP Energias e Sonae MC no ilícito em causa, pelo que as mesmas assumiram a qualidade de Visadas no processo, conforme despacho de alargamento do âmbito subjetivo do processo proferido pelo conselho de administração da Autoridade da Concorrência, em 29 de julho de 2016[128];
Comunicação ao regulador setorial
230. Em 22 de junho de 2015, a Autoridade da Concorrência procedeu à comunicação prevista no n.º 1 do artigo 35.º da Lei n.º 19/2012, dando conhecimento à Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (“ERSE”) dos factos constantes do processo[129] para que se pronunciasse;
231. Em 14 de julho de 2015, a ERSE submeteu à Autoridade da Concorrência a sua pronúncia[130];
232. Em 22 de setembro de 2015, a Autoridade da Concorrência solicitou à ERSE que fornecesse uma versão não confidencial da referida pronúncia, bem como elementos relativos ao mercado a retalho do gás natural, em Portugal[131];
233. A ERSE respondeu à solicitação da Autoridade da Concorrência em 19 de outubro de 2015, tendo a sua resposta sido junta aos autos[132];
Diligências probatórias
234. Com vista ao apuramento dos factos no âmbito do inquérito conduzido pela Autoridade da Concorrência, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 17 da Lei n.º 19/2012, realizaram-se as seguintes diligências probatórias:
Em 29 de dezembro de 2014, a Autoridade da Concorrência dirigiu pedidos de elementos às Visadas EDP Comercial e Modelo Continente (fls. 177 a 179 e 181 a 183).
Em resposta, as Visadas EDP Comercial e Modelo Continente submeteram elementos à Autoridade da Concorrência em 28 de janeiro de 2015 (fls. 205 a 307 e fls. 308 a 353), tendo a Modelo Continente submetido ainda, em 23 de junho de 2015, um documento de retificação da sua resposta (fls. 356 a 364);
Em 7 de julho de 2015, a Autoridade da Concorrência dirigiu pedidos de elementos adicionais às Visadas EDP Comercial, EDP Energias, Modelo Continente, Sonae Investimentos e Sonae MC, e pedidos de elementos às empresas que com aquelas mantêm laços de interdependência e subordinação, nos termos do artigo 3.º e do n.º 1 do artigo 39.º da Lei n.º 19/2012, Portgás, Sociedade de Produção e Distribuição de Gás, S.A. (doravante “Portgás”), Efanor Investimentos, SGPS, S.A. (doravante “Efanor”), Sonae, SGPS, S.A. (doravante “Sonae SGPS”) (fls. 365 a 388);
Em resposta às solicitações da Autoridade da Concorrência foram juntos aos autos os elementos prestados pelas Visadas EDP Comercial (fls. 773 a 796), EDP Energias (fls. 505 a 527), Modelo Continente (fls.803 a 809 e 837 a 845), Sonae Investimentos (fls. 797 a 802) e Sonae MC (fls. 810 a 814), bem como os elementos prestados pelas empresas Portgás (fls. 817 a 820), Efanor (fls. 529 a 772) e Sonae SGPS (fls. 490 a 504);
Considerando a incompletude dos elementos prestados pelas Visadas e pelas empresas Efanor e Sonae SGPS, a Autoridade da Concorrência reiterou, em 31 de julho de 2015, o seu pedido de elementos anterior, esclarecendo pretender cópia de todas as atas dos órgãos de administração e de direção das respetivas sociedades, relativas aos anos de 2011, 2012 e 2013, concedendo um prazo suplementar de dez dias úteis, e salientando que os documentos solicitados pela Autoridade da Concorrência devem apresentar-se na sua versão original, sem prejuízo desta ser acompanhada de uma versão não confidencial, expurgada de elementos confidenciais identificados de maneira fundamentada (fls. 821 a 828);
Em resposta ao ofício enviado pela Autoridade da Concorrência em 31 de julho de 2015, as Visadas e as empresas Efanor e Sonae SGPS questionaram o âmbito e a extensão do pedido de elementos, requerendo ser dispensadas de submeter à Autoridade da Concorrência cópia da totalidade das atas em questão; propuseram ainda a determinação, em conjunto com a Autoridade, de formas alternativas de permitir o acesso à totalidade ou a parte do teor dos referidos documentos (fls. 846 a 892);
Após contacto prévio com as Visadas e as restantes empresas, entendeu-se que, no caso concreto, a consulta das referidas atas nas respetivas instalações das Visadas e das restantes empresas, por técnicos da Autoridade, e a cópia daquelas julgadas relevantes no âmbito do inquérito em curso, permitia alcançar o objetivo pretendido com o pedido de informação em causa, revelando-se esta solução menos onerosa para as Visadas e para as demais empresas;
A Autoridade da Concorrência enviou então às Visadas e às restantes empresas os ofícios para o agendamento das referidas diligências de inquérito em 9 e 29 de outubro de 2015 (fls. 911 a 935 e 990 a 999);
As Instrutoras do processo, devidamente credenciadas para o efeito pelo Conselho de Administração da Autoridade da Concorrência, nos termos da alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da Lei n.º 19/2012 (fls. 942, 943, 1000 e 1002), procederam às diligências, nos termos e para os efeitos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 18.º da Lei n.º 19/2012;
No dia 13 de outubro de 2015, as Instrutoras do processo procederam às diligências nas instalações da Efanor, tendo obtido cópias das atas do respetivo Conselho de Administração n.º 182 e 185, que se juntaram aos autos (fls. 944 a 948);
No mesmo dia 13 de outubro de 2015, as Instrutoras do processo procederam às diligências nas instalações das Visadas Modelo Continente, Sonae Investimentos e Sonae MC e da empresa Sonae SGPS, tendo obtido cópias da ata n.º 483 do Conselho de Administração da Modelo Continente, das atas n.º 187 e 199 do Conselho de Administração da Sonae SGPS e das atas n.º 9 e 10 da Sonae MC, que se juntaram aos autos (fls. 949 a 969);
No dia 3 de novembro de 2015, as Instrutoras do processo, acompanhadas por duas Técnicas da Autoridade da Concorrência devidamente credenciadas para o efeito (fls. 1001 e 1003), procederam às diligências nas instalações das Visadas EDP Comercial e EDP Energias, tendo selecionado, para posterior envio à Autoridade da Concorrência de cópia dos excertos relevantes no âmbito do inquérito em curso, as atas n.º …/2011, …/2012, …/2012, …/2012, …/2012 e …/2012 do Conselho de Administração da EDP Comercial, e as atas n.º …/2011, …/2011, …/2011, …/2012, …/2012, …/2012, …/2012, …/2012 e …/2013 do Conselho de Administração da EDP Energias (fls. 1004 a 1011);
No dia 17 de novembro de 2015, as Visadas EDP Comercial e EDP Energias submeteram à Autoridade da Concorrência cópia das atas identificadas no ponto anterior, expurgadas dos elementos considerados confidenciais por segredos de negócio, constando apenas os excertos que haviam sido selecionados pelas Técnicas da Autoridade da Concorrência, julgados relevantes no âmbito do inquérito em curso (fls. 1014 a 1065);
Em 7 de abril de 2016, a Autoridade da Concorrência dirigiu pedidos de elementos às Visadas EDP Comercial e Modelo Continente e, em 8 de abril de 2016, dirigiu um pedido de elementos à Visada EDP Energias (fls. 1080 a 1084, 1087 a 1096 e 1098 a 1103);
As Visadas EDP Comercial, Modelo Continente e EDP Energias submeteram à Autoridade da Concorrência os elementos solicitados em 15 de abril de 2016 (fls. 1118 a 1121,1105 a 1109, 1122 a 1126 e 1110 a 1117);
Em 26 de abril de 2016, a Autoridade da Concorrência dirigiu pedidos de elementos às Visadas Modelo Continente, Sonae MC, Sonae Investimentos e EDP Comercial (fls. 1128, 1130, 1132 e 1134);
Os elementos solicitados foram submetidos à Autoridade da Concorrência em 3 de maio de 2016 pela Visada EDP Comercial, e em 5 de maio de 2016 pelas Visadas Modelo Continente, Sonae MC e Sonae Investimentos (fls.1136 a 1139, 1140 a 1141, 1140 a 1141, 1146 a 1148, 1142 a 1143, 1150 a 1153, 1144 a 1145 e 1155 a 1158);
Em 10 de janeiro de 2017, a Autoridade da Concorrência dirigiu pedidos de elementos às Visadas Modelo Continente, Sonae MC, Sonae Investimentos, EDP Energias e EDP Comercial (fls. 3930 a 3932, 3934 a 3936 e 3938 a 3941);
Os elementos solicitados foram submetidos à Autoridade da Concorrência em 27 de janeiro de 2017 pelas Visadas EDP Comercial e EDP Energias, e pelas Visadas Modelo Continente, Sonae MC e Sonae Investimentos (fls. 4017 a 4018, 4019 a 4021, 4022 a 4028, 4030 a 4035 e 4037 a 4040);
Em 2 de fevereiro de 2017, a Autoridade da Concorrência dirigiu pedidos de elementos às Visadas Sonae MC, Sonae Investimentos e EDP Energias (fls. 4042 a 4044 e 4046 a 4048);
Os elementos solicitados foram submetidos à Autoridade da Concorrência em 17 de fevereiro de 2017 pela Visada EDP Energias e pelas Visadas Sonae MC e Sonae Investimentos (fls. 4050 a 4051, 4052 a 4065 e 4067 a 4070);
Pedido de desentranhamento e restituição de documentos
235. No dia 20 de outubro de 2015, a Efanor submeteu um requerimento à Autoridade da Concorrência, solicitando o desentranhamento e a restituição das cópias das atas n.º … e … do Conselho de Administração, considerando, entre outros motivos, a especial reserva quanto ao respetivo conteúdo confidencial sensível (fls. 972 a 976 e 979 a 986);
236. No dia 20 de novembro de 2015, o Conselho de Administração da Autoridade da Concorrência, decidiu proceder ao desentranhamento das referidas cópias e à sua restituição à Efanor, considerando que as referidas atas apresentavam efetivamente dados sensíveis de natureza financeira referentes à vida interna do grupo empresarial e não se revestiam de valor probatório claro, não se revelando igualmente essenciais para a investigação no contexto da globalidade dos elementos de prova que foram entretanto juntos ao processo, em resultado das diligências de inquérito posteriormente realizadas (fls. 1066);
237. As referidas cópias foram levantadas nas instalações da AdC, por representante da Efanor devidamente credenciado para o efeito, em 6 de janeiro de 2016 (fls. 1077);
238. Por deliberação do conselho de administração da Autoridade da Concorrência, de 7 de julho de 2016, nos termos e com os fundamentos aí expostos, a Autoridade constatou a necessidade de utilizar, para efeitos de imputação dos factos que constituem a infração às Visadas, e como prova da mesma, a par de documentos não confidenciais, informação contida em documentos integral ou parcialmente classificados como confidenciais pelas Visadas EDP Energias, EDP Comercial e Modelo Continente, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 31.º da Lei n.º 19/2012, salvaguardando-se o acesso a estes documentos no estrito cumprimento do disposto no n.º 4 do artigo 33.º do mesmo diploma (fls. 1160-1164);
239. Na mesma deliberação, foi determinada a notificação de cada uma das referidas Visadas para se pronunciar sobre o conjunto de documentos que classificou como confidenciais previamente à utilização pela Autoridade como meio de prova para demonstração da infração, possibilitando que estas, designadamente, apresentassem esclarecimentos adicionais quanto à natureza sigilosa da informação ou revissem a classificação inicialmente efectuada;
240. Em cumprimento da deliberação de 7 de julho de 2016, as Visadas EDP Comercial, EDP Energias e Modelo Continente foram notificadas, mediante ofícios expedidos na mesma data, para se pronunciarem, no prazo de 10 (dez) dias úteis sobre a utilização pela Autoridade, nos termos e para os efeitos acabados de referir, dos documentos que cada uma classificou como confidenciais (fls. 1165-1188-A);
241. Na sequência da referida notificação, em 13 de julho de 2016, a EDP Energias submeteu um requerimento à Autoridade da Concorrência, solicitando cópias simples das folhas dos autos indicadas na lista anexa à mencionada deliberação de que consta a informação por si classificada como confidencial, designadamente fls. 508, 1033 a 1035, 510 a 511, 1025 a 1028, 1018 a 1021, 1022 a 1024 e 1029 a 1032 (fls. 1189);
242. No mesmo sentido, em 13 de julho de 2016, a EDP Comercial submeteu um requerimento à Autoridade da Concorrência, solicitando cópias simples das folhas dos autos indicadas na lista anexa à mencionada deliberação de que consta a informação por si classificada como confidencial, designadamente fls. 24, 784, 796, 1052 a 1055 e 1136 (fls.1190);
243. A Autoridade forneceu às Visadas EDP Energias e EDP Comercial as referidas cópias, por ofícios enviados em 14 e 15 de julho de 2016 (fls. 1191 a 1197 e 1202 a 1203);
244. Por sua vez, em 15 de julho de 2016, a Modelo Continente submeteu um requerimento à Autoridade da Concorrência, solicitando cópias simples das folhas dos autos indicadas na lista anexa à mencionada deliberação de que consta a informação por si classificada como confidencial, designadamente fls. 160, 161, 166, 316, 805, 806, 809 e 1147 (fls.1200 a 1201);
245. A Autoridade forneceu as referidas cópias à Visada Modelo Continente, por ofício enviado em 18 de julho de 2016 (fls.1204 a 1207);
246. Em 22 de julho de 2016, as Visadas EDP Comercial, EDP Energias e Modelo Continente, pronunciaram-se sobre a utilização do respetivo conjunto de documentos classificados como confidenciais como meio de prova pela Autoridade da Concorrência (fls. 1208 a 1214, 1217 a 1225 e 1341 a 1352);
247. Recebidas e analisadas as pronúncias das três Visadas, a Autoridade, mediante deliberação do conselho de administração adotada em 29 de julho de 2016, proferiu decisão final, confirmando a utilização, para efeitos de imputação dos factos que constituem a infração, e como prova da mesma, da totalidade da informação classificada como confidencial identificada nas listas anexas à deliberação de 7 de julho de 2016, tendo esta decisão final sido notificada às Visadas, por ofícios expedidos na data da referida deliberação (fls. 1327 a 1340);
248. Por decisão adotada em 29 de julho de 2016, o conselho de administração da AdC conclui que, com base no inquérito realizado, existia uma possibilidade razoável de vir a ser proferida uma decisão condenatória no processo contra as Visadas EDP Energias, EDP Comercial, Sonae Investimentos, Sonae MC e Modelo Continente, decorrente da sua participação num acordo de repartição de mercados entre empresas, proibido pelo n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 19/2012, encerrando o inquérito e dando início à instrução, nos termos e para os efeitos da alínea a) do n.º 3 do artigo 24.º da Lei n.º 19/2012, através da adoção de uma Nota de Ilicitude (fls. 1230 a 1280);
249. O conselho de administração da AdC procedeu, assim, à imputação de uma infração ao disposto no n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 19/2012 a cada uma das Visadas, em regime de comparticipação;
250. O encerramento do inquérito e o início da instrução, mediante a adoção de Nota de Ilicitude, foi regularmente notificado a todas as Visadas, por ofícios expedidos na data da referida decisão de inquérito (fls. 1327 a 1340), tendo a última notificação ocorrido em 2 de agosto de 2016;
251. Para efeitos do exercício dos direitos de defesa das Visadas, a AdC fixou o prazo de 30 (trinta) dias úteis, a contar da data de receção da Nota de Ilicitude para, querendo, se pronunciarem sobre o conteúdo da mesma, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 25.º da Lei n.º 19/2012, e no artigo 50.º do Regime Geral das Contraordenações (“RGCO”), aplicável ex vi do n.º 1 do artigo 13.º da Lei n.º 19/2012;
252. Por deliberações do conselho de administração da AdC, de 18 de agosto e 22 de setembro de 2016, o prazo de pronúncia sobre a Nota de Ilicitude foi prorrogado por períodos adicionais de 10 (dez) e 5 (cinco) dias úteis, respetivamente, com o intuito de disponibilizar às Visadas o tempo e os recursos necessários para assegurar o exercício pleno dos seus direitos de defesa (fls. 1378-A e 1446 a 1448)[133].;
253. O prazo para a apresentação de pronúncia escrita sobre a Nota de Ilicitude terminou, assim, no dia 6 de outubro de 2016, perfazendo um total de 45 (quarenta e cinco) dias úteis, superior ao dobro do mínimo legal previsto no n.º 1 do artigo 25.º da lei n.º 19/2012;
254. Posteriormente, em 21 de fevereiro de 2017, e no seguimento de sentença proferida pelo Tribunal de Concorrência, Regulação e Supervisão, concedeu-se um prazo adicional de 30 (trinta) dias úteis para, querendo, as Visadas alterarem, complementarem ou substituírem a pronúncia à Nota de Ilicitude, em decorrência de acesso aos documentos constantes de fls. 6, 7-8, 10, 159-162, 165-166, 310-320, 805-806 e 837-841 dos autos do Processo (fls. 4072, 4074, 4091 a 4092, 4094 a 4095, 40102 a 4103, 4105 a 4106;
255. Em 14 de agosto de 2015, a EDP Comercial requereu o acesso ao teor integral do processo (fls. 846 a 852), pedido que foi deferido pela AdC em 28 de outubro de 2015 (fls. 987 e 988), tendo a EDP Comercial procedido ao levantamento de cópias simples, em suporte digital, de versão integral das folhas que constituíam o processo até à data, expurgada dos elementos confidenciais por conterem segredos de negócio (fls. 987 a 989);
256. Em 12 de agosto de 2016, as Visadas EDP Energias e EDP Comercial requereram cópia simples e integral do processo, em suporte digital (fls. 1363 a 1365), tendo a referida cópia sido disponibilizada pela AdC em 17 de agosto de 2016, expurgada apenas dos elementos confidenciais por conterem segredos de negócios, conforme termo de levantamento constante dos autos (fls. 1370);
257. Em 18 de agosto de 2016, as Visadas EDP Energias e EDP Comercial requereram a consulta presencial do processo (fls. 1374), que ocorreu nas instalações da AdC em 19 de agosto de 2016, conforme termo de consulta constante dos autos (fls. 1393);
258. Em 7 de setembro de 2016, a Visada Modelo Continente requereu cópia simples e integral do processo, em suporte digital (fls. 1403 a 1407), tendo a referida cópia sido disponibilizada pela AdC em 9 de setembro de 2016, expurgada apenas dos elementos confidenciais por conterem segredos de negócios, conforme termo de levantamento constante dos autos (fls. 1409);
259. Em 14 de setembro de 2016, a Modelo Continente informou a AdC de que o suporte digital por ela rececionado não conteria nenhum ficheiro ou documento (fls. 1430), tendo a AdC enviado à Modelo Continente nova cópia do processo, em suporte digital, por correio registado com aviso de receção, no dia 15 de setembro de 2016 (fls. 1432);
260. Em 12 de setembro de 2016, as Visadas EDP Energias e EDP Comercial requereram, em síntese, (i) a consulta presencial de um conjunto de elementos confidenciais que consideravam terem sido utilizados como meios de prova na Nota de Ilicitude[134], e (ii) a cópia, em suporte digital, de 9 ficheiros Excel, contidos nas pastas “CD folha 168” e “CD folha 176” dos autos, e da folha 819 dos autos (fls. 1421 a 1429);
261. Por ofício expedido em 21 de setembro de 2016[135], a AdC indeferiu o pedido de acesso aos elementos confidenciais, fundamentando o indeferimento no facto de já ter sido concedido às Visadas o acesso à versão não confidencial do processo (cfr. parágrafo 256 da presente decisão), bem como a todos os elementos que, não obstante qualificarem-se como confidenciais, foram utilizados na Nota de Ilicitude enquanto suporte probatório da imputação da prática, através da consulta por elas realizada nos termos do n.º 4 do artigo 33.º da Lei n.º 19/2012 e da deliberação do conselho de administração da AdC, de 29 de julho de 2016 (cfr. parágrafo 257 da presente decisão), não tendo sido apresentado à AdC nenhum fundamento que permitisse concluir, com base na necessária ponderação de interesses, pela preponderância do direito de acesso das Visadas sobre o direito à não divulgação dos segredos de negócio das co-Visadas (fls. 1441 a 1445);
262. No que se refere ao pedido de cópia, em suporte digital, dos 9 ficheiros Excel e da folha 819 do processo, não obstante esses elementos terem sido fornecidos à AdC pelas Visadas e pela Portgás-Sociedade de Produção e Distribuição de Gás, S.A., empresa do Grupo EDP[136], motivo pelo qual as Visadas dispunham já naturalmente dos mesmos, a AdC procedeu ao envio, em anexo ao referido ofício de 21 de setembro de 2016, de suporte digital contendo as respetivas cópias;
263. Em 27 de setembro de 2016, as Visadas EDP Energias e EDP Comercial requereram a consulta presencial do processo (fls. 1504), que ocorreu nas instalações da AdC em 29 de setembro de 2016, conforme termo de consulta constante dos autos (fls. 1505);
264. Por sentença de 2 de fevereiro de 2017, proferida no âmbito do Proc. n.º 337/16.7YUSTR, referente a recurso judicial interposto pela EDP Energias e pela EDP Comercial da Decisão da AdC de 21 de setembro de 2016 referida supra, determinou o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão:
i.Julgar procedente o recurso “relativamente aos documentos que serviram de esteio probatório à factualidade indicada na nota de ilicitude indicados como constando de fls. 159-162, 165-166, 310-320, 805-806 e 837-841 a cuja versão confidencial foi indeferido o acesso” e, consequentemente, anular a Decisão da AdC de 21 de setembro de 2016 e os subsequentes termos do processado dependente da Decisão “na parte em que vedou o acesso às Recorrentes ao teor integral dos documentos enunciados nos pontos do elenco dos factos imputados na nota de ilicitude”;
ii.Julgar procedente o recurso “quanto à inviabilização do acesso ao teor das denúncias constantes de fls. 6, 7-8 e 10”; e
iii.Julgar improcedente o recurso da Decisão da AdC “no segmento em que obstou ao acesso aos documentos indicados na nota de ilicitude como constando de fls. 334-344, 356, 358, 491, 530, 798-799, 811, 1105-1107, 1122-1124, 1140, 1142, 1144, 1146, 1147, 1150-1151, 1155-1156, 1164 e 1176”;
265. Em 21 de fevereiro de 2017, dando cumprimento ao disposto na identificada sentença, concedeu-se o acesso aos documentos constantes de fls. 6, 7 a 8, 10, 159 a 162, 165 a 166, 310 a 320, 805 a 806 e 837 a 841 dos autos do Processo, informando-se todas as Visadas de que os mesmos se encontravam disponíveis para consulta e concedendo-lhes um prazo total de 30 (trinta) dias úteis para, querendo, alterarem, complementarem ou substituírem a pronúncia à Nota de Ilicitude (fls. 4072, 4074, 4091 a 4092, 4094 a 4095, 40102 a 4103 e 4105 a 4106);
266. Neste contexto, as Visadas EDP Energias e EDP Comercial, em 27 de fevereiro de 2017, requereram consulta presencial do processo (fls. 4081 a 4084), que ocorreu nas instalações da AdC ainda no mesmo dia, 27 de fevereiro de 2017, conforme termo de consulta constante dos autos (fls. 4086 a 4090);
267. Em 31 de março de 2017 as Visadas EDP Energias e EDP Comercial requereram novamente a consulta presencial do processo (fls. 4108 a 4111), que ocorreu nas instalações da AdC em 3 de abril de 2017, conforme termo de consulta constante dos autos (fls. 4112);
268.Em 6 de outubro de 2016, as Visadas EDP Energias e EDP Comercial apresentaram as suas pronúncias escritas sobre a Nota de Ilicitude (fls. 1518 a 1822);
269. Posteriormente, em 6 de abril de 2017, e após consulta dos documentos mencionados nos precedentes parágrafos 266 e 267, as Visadas EDP Energias e EDP Comercial apresentaram novas pronúncias escritas sobre a Nota de Ilicitude (fls. 4111 a 4752);
Das conclusões de recurso de impugnação judicial da Recorrente EDP COMERCIAL – pontos 87 e seguintes
270. O Plano EDP configurou uma iniciativa percursora, enquanto parceria entre um comercializador de energia elétrica e um operador de retalho alimentar destinada a angariar clientes, fomentar vendas, permitindo a atribuição de descontos aos consumidores;
271. A subscrição de contratos de fornecimento de energia elétrica tornou-se possível numa rede de 180 espaços comerciais explorados pela MCH, cujo fornecimento foi partilhado pela EDP comercial e pela MCH;
272. No âmbito deste Plano, as Partes estabeleceram uma linha de contacto exclusiva e gratuita, dispondo de um número telefónico específico associado, procederam à criação de um site dedicado à campanha e implementaram iniciativas de publicidade e marketing, assentes num plano de comunicação em todos os canais;
273. Nos termos da cláusula 6.2. do Acordo de Parceria, os clientes aderentes recebiam vouchers correspondentes a 10 por cento do valor do consumo de eletricidade e da potência contratada relativas ao mês ou meses anteriores, que poderiam ser descontados nas insígnias da MCH e nos espaços das sociedades participadas pela SONAE INVESTIMENTOS;
274. Para controlo da emissão e utilização dos vales de desconto, estabeleceu-se entre a EDP Comercial e a MCH um sistema de fluxos de informação, no âmbito do qual a EDP Comercial enviou diariamente à MCH um ficheiro informático com informações do cliente, sua identificação, morada, respectivo desconto, sendo que a MCH, até ao dia 10 de cada mês, procedia ao envio à EDP Comercial de um ficheiro com a indicação dos vales de desconto ativados;
275. Aderiram ao Plano Continente 146.775 clientes, dos quais 137.144, se mantiveram contratualmente ligados à EDP Comercial durante e após o término da campanha;
276. O somatório dos descontos que beneficiaram os aderentes do PLANO EDP Continente ascendeu a €6.907,354, tendo a taxa total de activação dos vouchers atingido cerca de €6.024.252;
277. Os clientes abrangidos pelo Plano EDP que efectivamente a este aderissem eram livres de mudar de comercializador quanto entendessem e, no termo da campanha daquela Plano, puderam optar entre permanecer na EDP Comercial ou passar para um fornecedor concorrente;
278. Daquele valor, €1.795.912 foram suportados pela MCH;
279. O Plano implicou para a EDP Comercial custos no valor de €5.891,340, €1.663 atinentes a publicidade, marketing e comunicação e €4.228.340 respeitantes à percentagem dos valores de vales efectivamente suportados pela EDP Comercial;
280. A parceria surge no arranque e desenvolvimento do processo de liberalização do mercado, que forçou a EDP Comercial a “começar do zero” a construção da sua própria carteira de clientes;
Das conclusões de recurso da SONAE INVESTIMENTOS SGPS SA.
281. A SONAE INVESTIMENTOS SGPS S.A é uma sociedade gestora de participações;
282. À data dos factos, a SONAE INVESTIMENTOS e a SONAE MC tinham dois administradores em comum;
Das conclusões de recurso da Modelo Continente Hipermercados S.A. e SONAE MC – Modelo Continente SGPS S.A.
283. O Acordo foi negociado entre a segunda quinzena do mês de Novembro de 2011 e a data da assinatura do mesmo, correspondendo aos interesses das partes contraentes de aumentarem a sua clientela e o volume de negócios por esta proporcionada nos respectivos mercados e envolvendo a troca de minutas de clausulado durante o mês de Dezembro de 2011;
284. A cláusula 12.1.a) sofreu sucessivas modificações ao longo do processo de negociação do acordo, juntamente com as demais cláusulas do acordo, incluindo o seu âmbito subjectivo, o seu âmbito material e o seu âmbito temporal, tendo tido pelo menos três versões anteriores à versão que veio a constar do Acordo assinado;
285. O Plano foi objecto de uma campanha de marketing, nas televisões, rádio, imprensa, escrita, publicidade estática exterior e em sites on-line e foram ainda produzidos e distribuídos flyers informativos;
286. Foram contratados e formados os recursos humanos necessários para assegurar no interior dos aludidos estabelecimentos o esclarecimento de dúvidas e o apoio ao preenchimento dos formulários de adesão, bem como ao incitamento e a recolha, tratamento e envio para a EDP Comercial daqueles, uma vez preenchidos;
287. Estiveram envolvidas mais de 1000 pessoas para a angariação de contratos para a EDP Comercial durante o período de vigência da promoção e os funcionários da MCH foram sujeitos a acções de formação de modo a estarem aptos a esclarecer e encaminhar os clientes interessados na celebração de tais contratos de fornecimento de energia elétrica;
288. Durante o período de vigência do Acordo forram emitidos 1.265.890 vales de desconto que foram impressos, envelopados e distribuídos;
289. A MCH, a SONAE MC e a Sonae Investimentos são sociedades detidas, directa e indirectamente pela SONAE SGPS;
290. A SONAE Capital deteve entre 2002 e 2008 uma participação de 50 por cento no capital da SODESA, S.A.;
291. A SODESA cessou actividade e foi dissolvida durante o ano de 2008, tendo os seus funcionários terminado os seus trabalhos e não integrado o grupo sonae capital;
292. A Sonae indústria, a Sonae SIerra e a Sonae Capital produzem energia eléctrica em centrais de co-geração ou a partir de energias renováveis;
293. Entre 2009 e 2011, a MCH e outras sociedades participadas da SONAE Investimentos instalaram painéis solares na cobertura das instalações dos estabelecimentos de retalho por si explorados, mediante investimento próprio ou disponibilizando esses espaços a terceiros que, por um prazo de 15 anos, pagaram uma “renda” pela disponibilização das coberturas dos edifícios e exploram unidades em causa;
294. As empresas do grupo sonae capital e do grupo sonae SGPS que mantém actividades de produção de energia beneficiam – embora com enquadramentos legais diferentes – de um regime de comercialização especial, dito PRE (produção em regime especial);
295. Vendem a energia por si produzida ao comercializador de último recurso (CUR) ao abrigo de uma tarifa administrativa fixada no respectivo regime específico, não tendo, no presente, incentivo em trocar uma tarifa regulada que remunera a energia eléctrica comprada pelo CUR por outra a preço de mercado;
296. Desde 2004 que a MCH e a Petróleos de Portugal – Petrogal S.A (GALP) têm em funcionamento uma parceria que concede descontos aos clientes comuns das referidas empresas nas suas compras de combustível e de bens de grande consumo adquiridos nos supermercados, sob a forma de vale ou cupão (programa vice-versa);
297. A partir de Janeiro de 2013, o sistema acima referido foi alterado e substituído por descontos em cartão continente e evoluiu em 2015 para um estágio superior de cooperação entre as duas empresas que envolveu ainda o lançamento pela GALP de um plano tarifário designado “Energia ao Cubo”;
298. A MDS – Corrector de Seguros intermedeia a contratação de seguros por conta de companhias seguradoras terceiras, sendo a marca utilizada por uma participada da Sonae Investimentos;
*
III.2. Na decisão recorrida entendeu-se que, com interesse para o objecto da causa, não se provaram os seguintes factos:
1. (…) encontra-se funcionalmente vinculado à SONAE MC;
Das conclusões de recurso da EDP Energias S.A.
2. A Parceria EDP/Continente foi negociada, aprovada e celebrada sem o acordo, aprovação e supervisão da Visada EDP Energias S.A.;
3. O clausulado do acordo não foi levado ao Conselho de Administração Executivo da EDP Energias S.A;
Das conclusões de recurso da EDP Comercial – pontos 87 e ss
4. Com referência ao descrito no ponto 274, o fluxo de informação respeitava a dados comercialmente sensíveis;
5. A Cláusula 12.1.a) e 12.2.a) destinava-se a tutelar a confidencialidade da informação comercialmente sensível partilhada inter partes e Know-how decorrente da Parceria;
6. A cláusula 12.ª destinava-se, apenas, a salvaguardar segredos de negócio, informações confidenciais, informação comercialmente sensível e os investimentos que as Partes partilharam na égide do Plano EDP Continente, para proteção de dados sensíveis que as Partes acederam sobre o negócio e a clientela da contraparte após e em consequência do Acordo;
7. A Cláusula destinava-se a assegurar que a EDP Comercial não fizesse campanhas com outros concorrentes da SONAE MC sem dar preferência ao Continente;
8. A cláusula 12 apenas abrangia as sociedades maioritariamente participadas pela SONAE INVESTIMENTOS que se dedicavam à atividade de retalho, que constituem uma percentagem mínima do universo de empresas do Grupo;
Das Recorrentes MODELO CONTINENTE Hipermercados S.A. e SONAE MC – Modelo continente SGPS, S.A (pontos 99 ess)
9. As cláusulas 12.1. alínea a) e 12.2. alínea a) visavam acautelar as partes de actos de concorrência facilitada que a contraparte lhe poderia mover por força da execução do Acordo, proteger know-how e clientela, preservar o valor investido na parceria e evitar a canabalização ou parasitismo sobre a campanha;
10. Tais cláusulas visavam garantir que cada uma das partes promovia efectivamente a actividade da outra;
11. O funcionamento do acordo pressupunha a troca entre as partes de informação detalhada quanto aos consumos de energia elétrica e de compras nos estabelecimentos dos consumidores que aderiram ao PLANO EDP Continente, trocada ao longo dos anos de 2012 e 2013;
12. O conjunto de sociedades abrangidas pela cláusula 12.ª é extremamente limitado, por comparação com a totalidade das sociedades controladas para efeitos de direito da concorrência pela Efanor Investimentos SGPS S.A.;
13. A SODESA não comprava nem vendia energia eléctrica.
*
III.3. Fundamentação Jurídica.
Insurgem-se as Recorrentes/Visadas contra a subsunção do caso dos autos no artigo 9º da Lei nº 19/2012, de 8 de Maio, que aprovou o Novo Regime Jurídico da Concorrência (RJC, na versão anterior à Lei nº 17/2022, de 17 de Agosto, sendo que, face ao disposto no artigo 9º desta lei, a mesma não é aplicável aos presentes autos) e artigo 101º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), imputando à sentença recorrida diversos erros de julgamento de direito.
Atentemos no quadro jurídico seguinte:
O artigo 9.º, n.º 1, al. c) da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio de 2012, que aprova o Novo Regime Jurídico da Concorrência, revogando as Leis n.ºs 18/2003, de 11 de junho, e 39/2006, de 25 de agosto, e procede à Segunda Alteração à Lei n.º 2/99, de 13 de janeiro (Diário da República, 1.ª série, n.º 89, de 8 de maio de 2012, a seguir «NRJC»), dispõe:
«São proibidos os acordos entre empresas, as práticas concertadas entre empresas e as decisões de associações de empresas que tenham por objeto ou como efeito impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional, nomeadamente os que consistam em: (…)
c) Repartir os mercados ou as fontes de abastecimento;(…)”
Estabelece o artigo 68º, n.º 1 do mesmo diploma da seguinte forma:
“Artigo 68.º
Contraordenações
1 - Constitui contraordenação punível com coima:
a) A violação do disposto nos artigos 9.º, 11.º e 12.º;(…)”
É o seguinte o teor do artigo 69º, n.ºs 1 e 2 do mesmo diploma, na versão aplicável:
“Artigo 69.º
Determinação da medida da coima
1 - Na determinação da medida da coima a que se refere o artigo anterior, a Autoridade da Concorrência pode considerar, nomeadamente, os seguintes critérios:
a) A gravidade da infração para a afetação de uma concorrência efetiva no mercado nacional;
b) A natureza e a dimensão do mercado afetado pela infração;
c) A duração da infração;
d) O grau de participação do visado pelo processo na infração;
e) As vantagens de que haja beneficiado o visado pelo processo em consequência da infração, quando as mesmas sejam identificadas;
f) O comportamento do visado pelo processo na eliminação das práticas restritivas e na reparação dos prejuízos causados à concorrência;
g) A situação económica do visado pelo processo;
h) Os antecedentes contraordenacionais do visado pelo processo por infração às regras da concorrência;
i) A colaboração prestada à Autoridade da Concorrência até ao termo do procedimento.
2 - No caso das contraordenações referidas nas alíneas a) a g) do n.º 1 do artigo anterior, a coima determinada nos termos do n.º 1 não pode exceder 10 % do volume de negócios realizado no exercício imediatamente anterior à decisão final condenatória proferida pela Autoridade da Concorrência, por cada uma das empresas infratoras ou, no caso de associação de empresas, do volume de negócios agregado das empresas associadas.(…)”
É o seguinte o teor do artigo 101º do TFUE:
1. São incompatíveis com o mercado interno e proibidos todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que sejam suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados-Membros e que tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno, designadamente as que consistam em: a) Fixar, de forma direta ou indireta, os preços de compra ou de venda, ou quaisquer outras condições de transação; b) Limitar ou controlar a produção, a distribuição, o desenvolvimento técnico ou os investimentos; c) Repartir os mercados ou as fontes de abastecimento; d) Aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equivalentes colocando-os, por esse facto, em desvantagem na concorrência; e) Subordinar a celebração de contratos à aceitação, por parte dos outros contraentes, de prestações suplementares que, pela sua natureza ou de acordo com os usos comerciais, não têm ligação com o objeto desses contratos.
2. São nulos os acordos ou decisões proibidas pelo presente artigo.
3. As disposições no n.º 1 podem, todavia, ser declaradas inaplicáveis: — a qualquer acordo, ou categoria de acordos, entre empresas, — a qualquer decisão, ou categoria de decisões, de associações de empresas, e C 202/88 Jornal Oficial da União Europeia 7.6.2016 PT — a qualquer prática concertada, ou categoria de práticas concertadas, que contribuam para melhorar a produção ou a distribuição dos produtos ou para promover o progresso técnico ou económico, contanto que aos utilizadores se reserve uma parte equitativa do lucro daí resultante, e que: a) Não imponham às empresas em causa quaisquer restrições que não sejam indispensáveis à consecução desses objetivos; b) Nem deem a essas empresas a possibilidade de eliminar a concorrência relativamente a uma parte substancial dos produtos em causa.
O artigo 1.º do Regulamento n.º 330/2010[137], sob a epígrafe «Definições», dispõe:
«1.      Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:
a) “Acordo vertical”, um acordo ou prática concertada entre duas ou mais empresas, exercendo cada uma delas as suas atividades, para efeitos do acordo ou da prática concertada, a um nível diferente da cadeia de produção ou distribuição e que digam respeito às condições em que as partes podem adquirir, vender ou revender certos bens ou serviços;
b) “Restrição vertical”, uma restrição da concorrência num acordo vertical abrangida pelo n.º 1 do artigo 101.º (TFUE);
c)  “Empresa concorrente”, um concorrente real ou potencial; “concorrente real”, empresa que desenvolve atividades no mesmo mercado relevante; “concorrente potencial”, empresa que, na ausência do acordo vertical, e numa base realista e não meramente teórica, é suscetível de, dentro de um curto período de tempo, proceder aos investimentos adicionais necessários ou de incorrer noutros custos de transição necessários para entrar no mercado relevante, em resposta a um aumento pequeno mas permanente dos preços relativos;
(...)»
 Orientações relativas às restrições verticais
4  As Orientações relativas às restrições verticais, contidas na Comunicação da Comissão de 10 de maio de 2010 (SEC(2010) 411 final, a seguir «Orientações relativas às restrições verticais»), precisam, nomeadamente, o âmbito de aplicação do Regulamento n.º 330/2010.
5  Sob o título II das Orientações relativas às restrições verticais, denominado «Acordos verticais geralmente não abrangidos pelo artigo 101.º, n.º 1(, TFUE)», figura um n.º 2, intitulado «Acordos de agência», que inclui, nomeadamente, os pontos 12 a 17 dessas orientações, que têm a seguinte redação:
«(12)   Um agente é uma pessoa singular ou coletiva incumbida de negociar e/ou celebrar contratos por conta de outra pessoa (o comitente), quer em nome do próprio agente, quer em nome do comitente, relativamente à:
– compra de bens ou serviços pelo comitente, ou
– venda de bens ou serviços fornecidos pelo comitente.
(13)      O fator determinante na apreciação da aplicabilidade do artigo 101.º, n.º 1, (TFUE) é o risco financeiro ou comercial suportado pelo agente na prática dos atos relativamente aos quais foi nomeado enquanto tal pelo comitente. No que se refere a este aspeto, não é relevante, para efeitos de apreciação, saber se o agente age por conta de um ou mais comitentes. Não é também relevante para efeitos de apreciação saber qual a qualificação que as partes ou a legislação nacional atribuem ao acordo.
(14) Existem três tipos de riscos financeiros ou comerciais que são relevantes para a definição de um acordo de agência para efeitos de aplicação do artigo 101.º, n.º 1(, TFUE). Em primeiro lugar, existem os riscos específicos a cada contrato, diretamente relacionados com os contratos celebrados e/ou negociados pelo agente por conta do comitente, tais como o financiamento de existências. Em segundo lugar, existem os riscos específicos dos investimentos associados ao mercado em causa. Trata‑se de investimentos exigidos especificamente pela atividade para a qual o agente foi nomeado pelo comitente, isto é, que são necessários para permitir que o agente celebre e/ou negoceie este tipo de contratos. Tais investimentos são normalmente irrecuperáveis, o que significa que após o abandono desse domínio de atividade específico, o investimento não pode ser utilizado para outras atividades ou só pode ser vendido com prejuízos significativos. Em terceiro lugar, existem riscos relacionados com outras atividades desenvolvidas no mesmo mercado do produto, na medida em que o comitente solicite ao agente que desenvolva tais atividades, não na qualidade de agente por conta do comitente, mas por sua própria conta.
(15) Para efeitos de aplicação do artigo 101.º, n.º 1, (TFUE,) o acordo será considerado como um acordo de agência se o agente não suportar quaisquer riscos ou suportar apenas riscos insignificantes em relação aos contratos celebrados e/ou negociados por conta do comitente, aos investimentos específicos ao mercado para esse domínio de atividade e a outras atividades exigidas pelo comitente a desenvolver no mesmo mercado do produto. Contudo, os riscos relacionados com a atividade de prestação de serviços de agência em geral, tais como o risco de as receitas do agente dependerem do seu êxito enquanto agente ou de investimentos gerais em, por exemplo, instalações ou pessoal, não são relevantes para esta apreciação.
(16) Assim, para efeitos de aplicação do artigo 101.º, n.º 1, (TFUE,) um acordo será normalmente considerado um acordo de agência quando o agente não é proprietário dos bens contratuais vendidos ou adquiridos ou quando o próprio agente não fornece os serviços contratuais e também nos casos em que o agente:
a) não contribui para os custos relativos ao fornecimento/aquisição dos bens ou serviços contratuais, incluindo os custos de transporte dos bens. Tal não impede o agente de prestar o serviço de transporte, desde que os custos sejam cobertos pelo comitente;
b) não mantém por sua conta e risco existências dos produtos contratuais, incluindo os custos de financiamento de existências e os custos de perda de existências, e pode devolver ao comitente produtos não vendidos sem qualquer pagamento, a não ser que o agente possa ser responsabilizado por negligência (por exemplo, incumprimento de medidas de segurança razoáveis a fim de evitar a perda de existências);
c) não assume responsabilidades face a terceiros pelos danos causados pelo produto vendido (responsabilidade pelo produto), a não ser que, na qualidade de agente, possa ser responsabilizado por negligência neste contexto;
d) não assume responsabilidades pelo incumprimento do contrato por parte dos clientes, à exceção da perda da sua comissão, a não ser que o agente possa ser responsabilizado por negligência (por exemplo, incumprimento de medidas de segurança razoáveis ou de medidas de prevenção do roubo ou incumprimento de medidas razoáveis para participar um roubo ao comitente ou à polícia ou para comunicar ao comitente todas as informações necessárias de que tenha conhecimento sobre a solvabilidade financeira do cliente);
e) não é, direta ou indiretamente, obrigado a fazer investimentos na promoção das vendas, como uma contribuição para orçamentos de publicidade do comitente;
f) não efetua investimentos específicos ao mercado em equipamento, instalações ou formação de pessoal, como, por exemplo, os depósitos de armazenamento de gasolina, em caso de venda a retalho de gasolina, ou software específico para a venda de apólices de seguros, no caso de agentes de seguros, salvo se tais custos forem reembolsados na íntegra pelo comitente;
g) não desenvolve outras atividades no mesmo mercado do produto exigidas pelo comitente, salvo se tais atividades forem reembolsadas na íntegra pelo comitente.
(17) Esta lista não é exaustiva. Contudo, quando o agente incorre num ou mais dos riscos ou custos referidos nos pontos 14, 15 e 16, o acordo entre o agente e o comitente não será considerado como um acordo de agência. A questão do risco deve ser apreciada caso a caso, à luz da realidade económica da situação, e não da sua forma jurídica. Por razões de ordem prática, a análise de risco pode ter início com a apreciação dos riscos específicos ao contrato. Se o agente incorrer em riscos específicos ao contrato, tal será suficiente para concluir que o agente é um distribuidor independente. Em contrapartida, se o agente não incorrer em riscos específicos ao contrato, será necessário prosseguir a análise, avaliando os riscos relacionados com os investimentos específicos ao mercado. Por último, se o agente não incorrer em riscos específicos ao contrato nem em riscos relacionados com investimentos específicos ao mercado, os riscos relativos a outras atividades exigidas no mesmo mercado do produto poderão ter de ser tomados em consideração.»
6   Segundo os pontos 24 e 25 das referidas orientações:
«(24) O artigo 1.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento (n.º 330/2010) define “acordo vertical” como “um acordo ou prática concertada entre duas ou mais empresas, exercendo cada uma delas as suas atividades, para efeitos do acordo ou da prática concertada, a um nível diferente da produção ou da cadeia de distribuição e que digam respeito às condições em que as partes podem adquirir, vender ou revender certos bens ou serviços”.
(25) Existem quatro elementos principais na definição de “acordo vertical” mencionada no ponto 24:
(...)
c) O acordo ou prática concertada deve envolver empresas que operam cada uma delas, para efeitos do acordo, a um nível diferente da cadeia de produção ou de distribuição. Isto significa, por exemplo, que uma empresa produz uma matéria‑prima que a outra empresa utiliza como fator de produção, ou de que a primeira é um produtor, a segunda um grossista e a terceira um retalhista. Tal não exclui a possibilidade de uma empresa desenvolver as suas atividades em mais de um nível da produção ou da cadeia de distribuição.
(...)»
7   O ponto 27 das mesmas orientações precisa:
«O artigo 2.º, n.º 4, do Regulamento (n.º 330/2010) exclui expressamente do seu âmbito de aplicação os “acordos verticais concluídos entre empresas concorrentes”. Os acordos verticais entre concorrentes são tratados, no que respeita aos eventuais efeitos de colusão, nas (Orientações relativas aos acordos de cooperação horizontal). Contudo, os aspetos verticais desses acordos devem ser apreciados à luz das presentes Orientações. O artigo 1.º, n.º 1, alínea c), do (Regulamento n.º 330/2010) define uma empresa concorrente como “um concorrente real ou potencial”. Duas empresas são consideradas concorrentes reais se desenvolverem atividades no mesmo mercado relevante. Uma empresa é considerada um concorrente potencial de uma outra empresa se, na ausência do acordo vertical, é suscetível de proceder aos investimentos adicionais necessários ou de incorrer noutros custos de transição necessários dentro de um curto período de tempo, normalmente não superior a um ano, por forma a entrar no mercado relevante em que a outra empresa desenvolve atividades, em resposta a um aumento pequeno mas permanente dos preços relativos. Esta apreciação deve basear‑se em fatores realistas; a mera possibilidade teórica de entrada no mercado não é suficiente. Um distribuidor que fornece especificações a um fabricante para a produção de determinados bens com a marca de distribuidor não deve ser considerado um fabricante destes bens.»
Sendo este o quadro jurídico fundamental a considerar, importa agora analisar a situação dos autos para averiguar da subsunção dos factos ao quadro jurídico aplicável, tendo presente que o reenvio prejudicial constitui um mecanismo de cooperação judiciária que visa assegurar uma interpretação e aplicação uniformes, coesas e efetivas do direito da União e a inerente obrigação de incorporar o sentido e alcance interpretativo das disposições de direito da União aos presentes autos, tal como propugnados pelo TJUE.
Efetivamente, e como se decidiu no Acórdão deste Tribunal de 04.07.2023[138]:
Tendo sido suscitada a intervenção do TJUE neste processo, utilizando o mecanismo do reenvio prejudicial (como instrumento de uniformização do direito da União e de reforço do seu primado(8)), importa agora tirar daqui as devidas consequências, desde logo porque, como com pertinência se assinalava no Acórdão de 26 de Abril de 2007 (Processo n.º 1602/07-9-Ribeiro Cardoso), aquele Tribunal “não é uma auditoria jurídica que deva ficar sujeita às curiosidades ou às ignorâncias de quem tem legitimidade para provocar a sua intervenção — os juízes nacionais. As suas decisões hão-de ter efeito útil, o que só sucederá se elas forem relevantes (indispensáveis) para a resolução do caso que o juiz reenviante tem para decidir”.
Assim, e como refere Inês Mourão Santos, o “que está na base da criação de um mecanismo como o reenvio prejudicial é (…) a cooperação judiciária ao nível da união e a aplicação uniforme do direito comunitário pelo que esta só se verificará se o acórdão proferido pelo TJ vincular todos os tribunais nacionais, independentemente da posição que aqueles ocupem na respetiva hierarquia, conforme estipulou o próprio TJ no seu acórdão de 24 de Junho de 1969, Milch -, Fett-, und Eierkontor”.
Ou seja, “o acórdão prejudicial tem de vincular o juiz nacional que suscitou a intervenção do TJ. Este deve respeitar quer a fundamentação quer a decisão final do tribunal comunitário não podendo, na sua própria decisão, basear-se numa interpretação diferente das normas comunitárias invocadas, sob pena de retirar todo o sentido e toda a utilidade ao mecanismo do reenvio prejudicial. E são as mesmas razões que ditam que o acórdão do TJ deve igualmente vincular todos os tribunais superiores do Estado Membro que sejam chamados a pronunciar-se sobre aquela questão concreta”.  
“Tendo em mente o objetivo do atual art.º 267º TFUE - a uniformidade na interpretação do direito da união, torna-se líquido que esta não pode deixar de ter um alcance geral.
A interpretação incorpora-se na norma interpretada pelo que os juízes nacionais que a quiserem aplicar têm a obrigação de o fazer com o sentido e alcance que lhe foi dado pelo acórdão do TJ. (Quadros & Guerra Martins, 2009, p. 115).
O TJ funciona assim com sistema de caso precedente, que já remonta ao acórdão Da Costa (ac. de 27 de Março de 1963 -Da Costa) no qual o TJ criou uma obrigação de respeito face à sua jurisprudência anterior, quando relativamente a uma mesma questão que se colocou em dois casos distintos, determinou que o órgão jurisdicional de reenvio se conformasse com a decisão já anteriormente tomada no acórdão Van Gend & Loos (ac. de 05 de Fevereiro de 1963-Van Gend & Loos)” (9).
Margarida Reis, sublinha - com pertinência e lucidez – os dois aspectos que modelam esta relação entre o TJUE e os tribunais nacionais: “o que está em causa entre o TJ e os tribunais nacionais é uma relação de “precedente”, e não de recurso; por outro lado, o que começou por ser uma relação “horizontal e bilateral” é hoje caracterizada pela doutrina como sendo vertical e multilateral, num sistema em que o TJ chama os tribunais nacionais a participarem ativamente na aplicação do direito da EU”(10).
Assim sendo e tal como o Supremo Tribunal de Justiça também entende (vd., o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Novembro de 2018-Processo n.º 46/13.9TBGLG.E1.S1-Cabral Tavares), concluímos que as “decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia, em casos de reenvio prejudicial para efeitos de interpretação, vinculam os tribunais internos dos Estados-membros”
Foi tendo presentes estes pressupostos que este Tribunal enumerou e fundamentou (pois só assim se garantia a aceitação do pedido de reenvio que nos recursos foram formulados, como se referiu já) as dúvidas que o caso dos autos colocava à interpretação das normas em causa, na perspetiva de todos os Intervenientes, do Tribunal, mas sobretudo, das Recorrentes, para que TJUE pudesse ponderar todas as perspetivas de interpretação do quadro jurídico em questão nas respostas em causa, e sem, então, tomar qualquer posição sobre a matéria das questões formuladas.
Nesse sentido se referiu expressamente que:
“É assim de toda a conveniência não apenas perante a gravidade dos ilícitos imputados e das sanções aplicadas, mas, o que não é de somenos, igualmente para a clarificação de conceitos de enorme relevância para um adequado funcionamento do Mercado Interno da União Europeia que indubitavelmente decorrerá da prolação de acórdão que apreciará esse pedido de reenvio prejudicial que se solicite ao TJ, nos termos do disposto no artigo 267.º do TFUE que interprete os preceitos em causa por forma a que possamos depois aplicar de forma segura e conforme com a Jurisprudência da União, a legislação em causa.”
É a tarefa que empreenderemos de seguida.
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III.3.1. DA QUALIFICAÇÃO DAS CLÁUSULAS EM APREÇO COMO UM ACORDO DE RESTRIÇÃO PELO OBJECTO.
III.3.1.1. Da restrição da concorrência por objeto.
É sabido que os objectivos do Direito da Concorrência, a nível europeu ou nacional, são a defesa do mercado interno, e nesse âmbito, o controlo do poder económico, a liberdade dos indivíduos e de empresa, da ação, de decisão e de acesso ao mercado, de escolha, a defesa da Verdade, da Transparência, do património privado, e de forma cada vez mais relevante, a defesa dos consumidores.
Para garantir tais bens jurídicos, da letra dos artigos 9º NRJC e 101º TFUE, retira-se a existência de requisitos cumulativos para que um acordo entre empresas, decisão de associação de empresas, ou prática concertada entre empresas possam ser abrangidos pelo respectivo âmbito de aplicação.
Assim, é necessário que se verifique (i)um concurso de vontades entre empresas participantes no acordo, ou na prática concertada (ou de de uma vontade colectiva na decisão de associação de empresas, (ii) um objecto ou efeito de impedir, restringir ou falsear, de forma sensível, a concorrência, (iii) um nexo causal entre o acordo, a prática concertada ou a decisão  de associação de empresas e o referido objecto ou efeito de restringir a concorrência, (iv) que a afectação da concorrência se verifique no todo ou em parte no mercado nacional, ou, no que ao direito europeu respeita, no todo ou em parte do mercado interno[139].
No caso dos autos, não vem posto em crise que a 5 de Janeiro de 2012, a MCH e a EDP Comercial celebraram o que designaram de “Acordo de Parceria”, o qual esteve na base da campanha publicamente (re)conhecida como “Plano EDP Continente”, Acordo que continha, entre as suas cláusulas, uma cláusula 12.º desdobrada em vários pontos, entre os quais as alíneas a) dos n.ºs 1 e 2, subsumidas pelo Tribunal Recorrido a quo a um “pacto de não concorrência”.
As Visadas insurgem-se contra a sentença recorrida, desde logo, em virtude de ali se ter entendido que estaria em causa uma restrição à concorrência por objecto, correspondente a uma repartição de mercados, e subsumível a uma infracção de perigo, isto é, por ali se ter concluído que a Cláusula 12.ª (n.º 1, al. a) e n.º 2, al. a) preenche o tipo de ilícito previsto no artigo 9.º, n.º 1, al. c) do NRJC.
Entendem que ao contrário do que é sustentado pelo Tribunal a quo, não se encontra aí um qualquer acordo que impeça, restrinja ou falseie de forma sensível a concorrência, que para que uma cláusula de não concorrência possa ser considerada “anti-concorrencial”, importa, antes de tudo o mais, que os contraentes sejam concorrentes entre si, actuais ou potenciais, o que não é o caso das outorgantes do Acordo de Parceria, em qualquer dos mercados em causa e que nunca poderiam as referidas cláusulas ser qualificadas como ilícitos por objecto ou por objectivo, isto é, como infracção de perigo.
Importa, pois, responder desde logo, às seguintes questões:
- Devem as empresas visadas pela decisão da AdC ser vistas como concorrentes potenciais?
- A obrigação prevista na cláusula 12. do Acordo de Parceria celebrado entre a MCH e a EDP Comercial, designadamente na parte referente ao mercado da comercialização de energia elétrica em Portugal Continental, pode ser considerada como um acordo restritivo da concorrência por objeto?
*
Importa, para melhor compreendermos a situação dos autos, dilucidar os conceitos de infração ou restrição da concorrência por objeto ou por efeito.
Cabe neste ponto assinalar que no Acórdão do Tribunal Geral (Segunda Secção) de 28 de junho de 2016, proferido no processo n.º T-208/13[140], entendeu-se que:
“(…) 85 Importa recordar que, para entrar no âmbito da proibição enunciada no artigo 101.º, n.º 1, TFUE, um acordo, uma decisão de associação de empresas ou uma prática concertada deve ter «por objetivo ou efeito» impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno.
86 A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que determinadas formas de coordenação entre empresas revelam um grau suficiente de nocividade para a concorrência para que se possa considerar que não há que examinar os seus efeitos (v. acórdão de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão, C‑67/13 P, Colet., EU:C:2014:2204, n.º 49 e jurisprudência aí referida).
87 Esta jurisprudência prende‑se com o facto de determinadas formas de coordenação entre empresas poderem ser consideradas, pela sua própria natureza, prejudiciais ao bom funcionamento do jogo normal da concorrência (v. acórdão CB/Comissão, n.º 86, supra, EU:C:2014:2204, n.º 50 e jurisprudência aí referida).
88 Assim, é pacífico que determinados comportamentos colusórios, como os que levam à fixação horizontal dos preços por cartéis, podem ser considerados de tal modo suscetíveis de terem efeitos negativos, em especial, no preço, na quantidade ou na qualidade dos produtos e dos serviços que se pode considerar inútil, para efeitos da aplicação do artigo 101.º, n.º 1, TFUE, demonstrar que produzem efeitos concretos no mercado. Com efeito, a experiência mostra que esses comportamentos provocam reduções da produção e subidas de preços, conduzindo a uma má repartição dos recursos, em prejuízo, especialmente, dos consumidores (acórdão CB/Comissão, n.º 86, supra, EU:C:2014:2204, n.º 51).
89 Se a análise de um tipo de coordenação entre empresas não apresentar um grau suficiente de nocividade para a concorrência, há que examinar, em contrapartida, os seus efeitos e, para a proibir, exigir que estejam reunidos os elementos que determinam que a concorrência foi de facto impedida, restringida ou falseada de forma sensível (v. acórdão CB/Comissão, n.º 86, supra, EU:C:2014:2204, n.º 52 e jurisprudência aí referida).
90 Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a fim de apreciar se um acordo entre empresas, ou uma decisão de associação de empresas, apresenta um grau suficiente de nocividade para ser considerado uma restrição da concorrência «por objeto» no sentido do artigo 101.º, n.º 1, TFUE, deve atender‑se ao teor das suas disposições, aos objetivos que visa atingir, bem como ao contexto económico e jurídico em que se insere. No âmbito da apreciação do referido contexto, há também que tomar em consideração a natureza dos bens ou dos serviços afetados e as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado ou dos mercados em causa (v. acórdão CB/Comissão, n.º 86, supra, EU:C:2014:2204, n.º 53 e jurisprudência aí referida).
91 Além disso, embora a intenção das partes não seja um elemento necessário para determinar o caráter restritivo de um acordo entre empresas, nada impede que as autoridades da concorrência ou os órgãos jurisdicionais nacionais e da União a tenham em conta (v. acórdão CB/Comissão, n.º 86, supra, EU:C:2014:2204, n.º 54 e jurisprudência aí referida).
92 É à luz destes princípios que há que examinar os argumentos apresentados pela recorrente. (…)” (o destacado é nosso)(…)”
Também no Acórdão do TJ “Cartes Bancaires”[141], se afirmou que as práticas de cartel constituem práticas restritivas por objetivo por apresentarem um grau suficiente de nocividade, reflectindo o grau de gravidade da restrição e as regras de experiência relevantes.
Ali pode ler-se:
“(…)51 Assim, é pacífico que determinados comportamentos colusórios, como os que levam à fixação horizontal dos preços por cartéis, podem ser considerados de tal modo suscetíveis de terem efeitos negativos, em especial, sobre o preço, a quantidade ou a qualidade dos produtos e dos serviços que se pode considerar inútil, para efeitos de aplicação do artigo 81.º, n.º 1, CE, demonstrar que produzem efeitos concretos no mercado (v., neste sentido, designadamente, acórdão Clair, 123/83, EU:C:1985:33, n.º 22). Com efeito, a experiência mostra que esses comportamentos provocam reduções da produção e subidas de preços, conduzindo a uma má repartição dos recursos em prejuízo, especialmente, dos consumidores.
52 Se a análise de um tipo de coordenação entre empresas não apresentar um grau suficiente de nocividade para a concorrência, há que examinar, em contrapartida, os seus efeitos e, para que a mesma possa ser objeto da proibição, exigir que estejam reunidos os elementos que determinam que a concorrência foi de facto impedida, restringida ou falseada de forma sensível (v., acórdão Allianz Hungária Biztosító e o., EU:C:2013:160, n.º 34 e jurisprudência referida).
53 Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a fim de apreciar se um acordo entre empresas ou uma associação de empresas apresenta um grau suficiente de nocividade para ser considerado uma restrição da concorrência «por objetivo» na aceção do artigo 81.º, n.º 1, CE, deve atender‑se ao teor das suas (v., neste sentido, acórdão Allianz Hungária Biztosító e o, EU:C:2013:160, n.º 36 e jurisprudência referida).
54 Além disso, embora a intenção das partes não seja um elemento necessário para determinar o caráter restritivo de um acordo entre empresas, nada impede que as autoridades da concorrência ou os órgãos jurisdicionais nacionais e da União a tenham em conta (v. acórdão Allianz Hungária Biztosító e o., EU:C:2013:160, n.º 37 e jurisprudência referida).(…)”
Segundo jurisprudência constante desde o acórdão de 30 de junho de 1966, LTM (56/65, Colet. 1965‑1968, p. 381), o caráter alternativo da condição prevista no artigo 101º TFEU - um acordo deve ter «por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno» - resultante do uso da conjunção «ou», leva, em primeiro lugar, à necessidade de considerar o próprio objetivo do acordo, tendo em conta o contexto económico em que o mesmo deve ser aplicado.
Assim, quando o objetivo anticoncorrencial de um acordo esteja provado, não há que verificar os seus efeitos na concorrência. No entanto, caso a análise do teor do acordo não revele um grau suficiente de nocividade relativamente à concorrência, há então que examinar os seus efeitos e, para lhe aplicar a proibição, exigir que estejam reunidos elementos que provem que o jogo da concorrência foi efetivamente impedido, restringido ou falseado de modo sensível[142].
A distinção entre «infrações pelo objetivo» e «infrações pelo efeito» centra-se, pois, no facto de determinadas formas de conluio entre empresas poderem ser consideradas, pela sua própria natureza, de tal forma prejudiciais ao bom funcionamento da concorrência, que dispensam a análise dos respetivos efeitos na mesma concorrência.
Como bem refere o Ministério Público, só assim se explica que o legislador associe uma conduta de resultado (de perigo concreto ou de dano) a uma conduta de perigo (que não alcança a produção de qualquer resultado típico) na mesma previsão típica, equiparação que só se justificará pela elevada e concreta perigosidade ou nocividade da restrição por objeto para o bem jurídico concorrência.
E para apreciar se um acordo contém uma restrição da concorrência «em razão do seu objetivo», deve atender‑se ao teor das suas disposições, aos objetivos que visa atingir, bem como ao contexto económico e jurídico em que se insere.
Acresce que para ter um objetivo anticoncorrencial, basta, mas também é necessário, que o acordo seja suscetível de produzir efeitos negativos sobre a concorrência, isto é, que seja concretamente apto a impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno[143].
Também no Acórdão desta Relação de 07.11.2007[144], se referiu que
“(n)os termos da indicada disposição legal – referia-se ao artigo artigo 4º da Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho, então em vigor, - «são proibidos os acordos entre empresas, as decisões de associações de empresas e as práticas concertadas entre empresas, qualquer que seja a forma que revistam, que tenham por objecto ou como efeito impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional, nomeadamente os que se traduzam nos comportamentos enunciados nas diferentes alíneas desse preceito.
Significa isto, em primeiro lugar, que os elementos dos diversos tipos de ilícito contra-ordenacional se encontram descritos no corpo desse número um e não nas suas alíneas. O que nelas se contém são meros exemplos de condutas típicas.
Desde logo se constata também que nesta disposição se encontra descrita uma pluralidade de condutas típicas que diferem entre si significativamente, quer do ponto de vista objectivo, quer do subjectivo. O preenchimento de qualquer delas, independentemente da verificação dos elementos típicos das outras, constitui contra-ordenação.
Dito isto, procuremos então, pelo menos no que releva para este caso, decompor esses diferentes tipos de contra-ordenação.
Descrevem, todos eles, comportamentos que só assumem relevância se praticados por um determinado círculo de agentes, no qual se compreendem apenas as empresas (…) e as associações de empresas. Adaptando a terminologia criminal, trata-se de contra-ordenações especificas próprias.
As acções típicas podem, alternativamente, consistir:
- na celebração de um acordo com uma outra empresa;
- na tomada de urna decisão por parte de urna associação de empresas; ou
- na prática concertada com outra ou outras empresas.
Tais actos só são proibidos:
- quando o acordo ou a decisão referidas revestirem determinadas características, ou seja, quando tiverem por objecto impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do território nacional; ou
- quando o acordo, a decisão ou a prática concertada provocarem esse mesmo efeito sobre a concorrência.
Nesta disposição legal delimitam-se, portanto, tipos de mera actividade e de perigo, na modalidade de aptidão (os indicados na alínea que antecede) e tipos de resultado e de dano (os indicados na alínea do anterior parágrafo), exigindo-se quanto a estes últimos, como é óbvio, a imputação objectiva do resultado à conduta.
O primeiro dos tipos descritos nesta disposição legal exige apenas que uma empresa celebre com outra um acordo que tenha por objecto o impedimento, o falseamento ou a restrição de forma sensível da concorrência no todo ou em parte do território nacional.
(…)Uma outra conduta proibida consiste na celebração de um acordo entre empresas que, não tendo aquele objecto, venha, no entanto, a ter o indicado efeito sobre a concorrência.
(…) Um terceiro tipo de conduta proibida assenta na prática concertada entre empresas que tenha como efeito impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional.
(…) Dai que em nada afecte o preenchimento da primeira modalidade do tipo enunciada o facto de o mercado ter continuado a funcionar ou de, pretensamente, ele não ter sido afectado de forma sensível. Tudo isso são elementos estranhos ao tipo sancionador em causa.” (o destacado é nosso).
E mais recentemente, no Acórdão de 12 de setembro de 2023, esta mesma Secção decidiu, também na sequência de reenvio prejudicial formulado ao TJUE[145], que:
“(…) Extraímos, assim, do afirmado pelo TJUE, em consonância com a jurisprudência indicada no acórdão, que o critério jurídico essencial para determinar se um acordo comporta uma restrição da concorrência por objecto reside em apurar se tal acordo revela um grau suficiente de nocividade para a concorrência. Para tanto, importa atender ao teor das disposições do acordo, aos objectivos que visa atingir e ao contexto económico e jurídico em que se insere sendo que na apreciação deste contexto há que tomar em consideração a natureza dos bens ou dos serviços afectados e as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado em causa”.
*
III.3.1.2. Da verificação da situação de concorrência potencial.
No caso, a conduta imputada às Visadas assenta no entendimento de que a cláusula 12º, nas alíneas referidas, representa uma infração ao artigo 9º do NRJC pelo objeto, o que implica primacialmente averiguar se as mesmas podem ser consideradas concorrentes.
Não sofre impugnação que as partes no acordo não são – não eram – à data do acordo, concorrentes atuais ou efetivas; o que se conclui na decisão da AdC e na decisão recorrida é, além do mais:
- que as Visadas atuaram em comunhão de esforços e vontades e orientadas para um objetivo comum, independentemente da forma como o fizeram;
- que as empresas vinculadas pelo acordo de parceria e pelo pacto de não-concorrência não são apenas as que formalmente subscreveram o acordo e o pacto, mas os grupos em que se inserem, a saber, “grupo EDP” e "grupo Sonae", precisamente por recurso ao já mencionado conceito de “empresa” consagrado no artigo 3º do NRJC, a que já anteriormente nos referimos;
- a literalidade da cláusula e o objectivo que da mesma se retira, que se considerou ser o de restringir a concorrência nos mercados de comercialização de electricidade, gás e retalho alimentar;
- que o pacto de não-concorrência constitui, por si só, um forte indício da existência de uma concorrência potencial entre as sociedades vinculadas pela cláusula 12.1.a) do acordo de parceria, designadamente por se inserir num contexto económico liberalizado;
 - existir uma relação de concorrência potencial entre o “grupo EDP” e o "grupo Sonae", existindo possibilidades reais e concretas de entrada no mercado, uma vez que as sociedades do "grupo Sonae" beneficiavam:
a) do know-how adquirido através da sua participação na Sodesa entre 2002 e 2008;
b) de o grupo estar presente no mercado a montante da produção da eletricidade;
c) de existir uma parceria comercial com a Galp, de acordo com o facto provado n.º 297, desde 2015; e
d) da sua "capacidade para alavancar a sua forte presença em Portugal para entrar em novas áreas do negócio".
Considerou-se, deste modo, provada a existência de concorrência potencial entre as sociedades referidas e consequentemente que o pacto de não concorrência devia ser considerado uma restrição por objeto, encontrando-se, por esse motivo, dispensada a invocação e prova de qualquer efeito restritivo decorrente do contrato celebrado ou da cláusula em causa.
E considerou-se bem.
Como já referimos, inspirando-se o artigo 9º do NRJC – um dos artigos centrais da legislação da defesa da concorrência – e também o artigo 10º, no correspondente artigo 101º do TFUE, num quadro de aproximação e harmonização com o regime vigente na União Europeia para as práticas susceptíveis de afetar de forma sensível o comércio entre os Estados Membros, e fundando-se, de resto, o direito nacional da concorrência, de uma forma geral, quase integralmente nas correspondentes regras do direito europeu da concorrência, o recurso à extensa jurisprudência do Tribunal de Justiça, para interpretar conceitos similares utilizados no direito nacional da concorrência, é não só inevitável, como ainda exigido por princípios fundamentais de direito da União, em especial pelos princípios do primado e da interpretação conforme, e acima de tudo, em obediência ao princípio da cooperação leal enunciado no artigo 4.º, n.º 3, do TFUE, também referido como princípio da lealdade ou fidelidade comunitária, e de acordo com o qual os órgãos jurisdicionais nacionais estão obrigados, em toda a medida do possível, a interpretar e aplicar as normas processuais internas por forma a realizar e garantir a eficácia interna do Direito Europeu.
 Na verdade, o dever de assegurar a plena eficácia do Direito da União reclama dos Tribunais Nacionais o respeito pelas decisões proferidas pelo TJ[146].
Nesse sentido, o próprio Tribunal de Justiça da União Europeia tem reconhecido a sua competência para interpretar normas de direito interno sempre que constituam disposições “importadas” do Direito da União.
Os Tratados são claros no mandato confiado ao Tribunal de Justiça da União Europeia - que nos termos do disposto no artigo 19º do Tratado da União Europeia (TUE) integra o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral – de garantir o respeito do Direito na interpretação e aplicação dos Tratados, do Direito da União[147].
Assim, como pode ler-se no Acórdão do Tribunal de Justiça de 26.11.2015[148]:
“(…) 12 A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou‑se reiteradamente competente para se pronunciar sobre os pedidos de decisão prejudicial respeitantes a disposições do direito da União em situações nas quais os factos do processo principal se situavam fora do âmbito de aplicação direta desse direito, sempre que as referidas disposições tivessem sido declaradas aplicáveis pela legislação nacional, conforme, nas soluções dadas a situações puramente internas, com as soluções do direito da União. Com efeito, em tais casos, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, existe um interesse certo da União Europeia em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições ou os conceitos procedentes do direito da União sejam interpretados de maneira uniforme, sejam quais forem as condições em que devem ser aplicados (v., designadamente, acórdãos Allianz Hungária Biztosító e o., C‑32/11, EU:C:2013:160, n.º 20, e FNV Kunsten Informatie en Media, C‑413/13, EU:C:2014:2411, n.º 18).
13 Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, é esse o caso do artigo 11.º, n.º 1, da Lei da concorrência, uma vez que essa disposição reproduz o conteúdo essencial do artigo 101.º, n.º 1, TFUE. (…)” (o destacado é nosso).
*
Este ilícito anticoncorrencial encontra-se, como já referido, tipificado no artigo 9.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2012, cuja redação aqui nos excusamos de voltar a reproduzir.
Pressuposto é pois, desde logo, que o acordo revele aptidão para uma projecção negativa sobre as condições de concorrência no mercado, afectando a posição de concorrentes, consumidores ou fornecedores, para impedir, falsear ou restringir a concorrência efectiva ou potencial, o que no caso significará determinar se entre a MCH e a EDP Comercial e/ou as demais Visadas, existia concorrência efectiva ou potencial susceptível de ser restringida, pois, como se refere no parecer da Sra. Professora Carolina Cunha junto aos autos, “sem este pressuposto básico, não se está a repartir coisa alguma”[149].
Como se decidiu no Acórdão do Tribunal Geral de 29.06.2012[150]:
“(…) 84 A este respeito, há que recordar que o artigo 81.º, n.º 1, CE, é apenas aplicável aos sectores abertos à concorrência, tendo em conta as condições referidas neste texto, relativas à afetação das trocas comerciais entre os Estados‑Membros e às repercussões na concorrência (v., por analogia, relativamente às condições similares do artigo 87.º, n.º 1, CE, acórdão do Tribunal Geral de 15 de junho de 2000, Alzetta e o./Comissão, T‑298/97, T‑312/97, T‑313/97, T‑315/97, T‑600/97 a T‑607/97, T‑1/98, T‑3/98 a T‑6/98 e T‑23/98, Colet., p. II‑2319, n.º 143).
85 O exame das condições de concorrência assenta não só na concorrência atual das empresas já presentes no mercado em causa mas também na concorrência potencial, a fim de saber se, tendo em conta a estrutura do mercado e o contexto económico e jurídico que rege o seu funcionamento, existem possibilidades reais e concretas de as empresas envolvidas competirem entre si, ou de um novo concorrente entrar no mercado em causa e competir com as empresas já estabelecidas (acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de fevereiro de 1991, Delimitis, C‑234/89, Colet., p. I‑935, n.º 21; acórdãos do Tribunal Geral de 15 de setembro de 1998, European Night Services e o./Comissão, T‑374/94, T‑375/94, T‑384/94 e T‑388/94, Colet., p. II‑3141, n.º 137, e de 14 de abril de 2011, Visa Europe e Visa International Service/Comissão, T‑461/07, Colet., p. II‑1729, n.º 68).(…)”.
Não estando em causa concorrentes efectivos, importa recortar o conceito de concorrência potencial.
Trata-se, como é sabido, de conceito que foi sendo concretizado na jurisprudência da União Europeia, desde logo entre empresas que concorrem em mercados geograficamente diversos, isto é, de acordos celebrados entre empresas já activas num mesmo mercado do produto, objecto do acordo, e que apenas se “diferenciam” pelo território em que se encontram presentes.
Nessas hipóteses, a repartição de mercados residia, pois, na delimitação geográfica da actuação das partes.
Recentemente, porém, o TJUE deu importantes contributos para afinar o conceito e definir a metodologia a seguir na investigação de uma concorrência potencial.
Assim, no Acórdão de 30 de janeiro de 2020[151], sintetizou, concretizou e consolidou a jurisprudência sobre este tema, nos seguintes termos:
“(…) 36 Para apreciar se uma empresa que não está presente num mercado é um potencial concorrente de uma ou várias outras empresas já presentes nesse mercado, importa determinar se existem possibilidades reais e concretas de aquela entrar no referido mercado e concorrer com esta ou estas (v., nesse sentido, Acórdão de 28 de fevereiro de 1991, Delimitis, C‑234/89, EU:C:1991:91, n.º 21).
37 Assim, quando esteja em causa um acordo cuja consequência é manter uma empresa temporariamente fora do mercado, há que determinar se, na falta do acordo em causa, teriam existido possibilidades reais e concretas de essa empresa aceder ao referido mercado e concorrer com as empresas aí estabelecidas.
38 Tal critério exclui que a conclusão de que uma relação de concorrência potencial possa resultar apenas da possibilidade, puramente hipotética, de tal entrada ou ainda da mera vontade do fabricante de medicamentos genéricos nesse sentido. Em contrapartida, não exige, de modo algum, que se demonstre com certeza que esse fabricante entrará efetivamente no mercado em causa e, mais ainda, que posteriormente conseguirá manter‑se nele.
39 A apreciação da existência de concorrência potencial deve ser efetuada atendendo à estrutura do mercado e ao contexto económico e jurídico que regula o seu funcionamento. (…)
42 Além disso, como salientou a advogada‑geral no n.º 60 das suas conclusões, a perceção do operador estabelecido no mercado é um elemento relevante na apreciação da existência de uma relação concorrencial entre este e uma empresa externa ao mercado, uma vez que, se esta for considerada um operador potencial, pode, pelo simples facto de existir, estar na origem de uma pressão concorrencial sobre o operador estabelecido nesse mercado.
43 Tendo em conta as considerações que antecedem, para apreciar a existência de uma relação de concorrência potencial entre, por um lado, um fabricante de medicamentos originais titular de uma patente de processo de um princípio ativo caído no domínio público e, por outro, um fabricante de medicamentos genéricos que se prepara para entrar no mercado do medicamento que contém esse princípio ativo, que celebraram um acordo como os que estão em causa no processo principal, importa determinar, em primeiro lugar, se, na data da celebração desse acordo, o fabricante de medicamentos genéricos em causa tinha efetuado preparativos suficientes que lhe permitissem aceder ao mercado em causa num prazo de tal modo curto que podia exercer pressão concorrencial sobre o fabricante de medicamentos originais.
44 Entre esses preparativos podem incluir‑se as medidas adotadas pelo fabricante de medicamentos genéricos em causa que o coloquem em condições de dispor, no referido prazo, das autorizações administrativas exigidas para a comercialização de uma versão genérica do medicamento em causa, bem como de um stock suficiente desse medicamento genérico, no âmbito de produção própria ou de contratos de fornecimento celebrados com terceiros. São igualmente relevantes a esse título todas as iniciativas judiciais efetivamente levadas a cabo por esse fabricante, destinadas a pôr em causa, a título principal ou acessório, patentes de processo detidas por um fabricante de medicamentos originais ou, ainda, os esforços comerciais desenvolvidos pelo fabricante de medicamentos genéricos com vista à comercialização do seu medicamento. Tais iniciativas permitem demonstrar que um fabricante de medicamentos genéricos tem a firme intenção e capacidade própria para entrar no mercado de um medicamento que contém um princípio ativo caído no domínio público, mesmo que existam patentes de processo detidas pelo fabricante de medicamentos originais.
45 Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio deve verificar se a entrada no mercado de tal fabricante de medicamentos genéricos não se depara com barreiras à entrada de caráter intransponível.
46 A este respeito, a existência de uma patente que protege o processo de fabrico de um princípio ativo caído no domínio público não pode, enquanto tal, ser vista como uma barreira intransponível e não impede qualificar de «potencial concorrente» do fabricante do medicamento original em causa um fabricante de medicamentos genéricos que tem efetivamente a firme intenção e capacidade própria para entrar no mercado e que, pelas medidas que toma, se mostra preparado para contestar a validade dessa patente e para assumir o risco de se ver confrontado, quando entrar no mercado, com uma ação por contrafação proposta pelo titular dessa patente.(…)”
Assim, reiterando a jurisprudência Lundbeck[152], o Tribunal de Justiça afirmou que uma relação de concorrência potencial exige a demonstração de que, na falta do acordo em causa, teriam existido possibilidades reais e concretas de essa empresa aceder ao referido mercado e concorrer com as empresas aí estabelecidas (Generics n.º 37), à data do acordo e no período em causa – aquele em que podia exercer pressão concorrencial.
Mais referiu que não bastando a "possibilidade, puramente hipotética, de tal entrada ou ainda da mera vontade do fabricante de medicamentos genéricos nesse sentido; em contrapartida, não exige, de modo algum, que se demonstre com certeza que esse fabricante entrará efetivamente no mercado em causa e, mais ainda, que posteriormente conseguirá manter-se nele" (Generics n.º 38).
Definiu que a apreciação da existência de concorrência potencial deve ser efetuada atendendo "à estrutura do mercado e ao contexto económico e jurídico que regula o seu funcionamento" (Generics n.º 39) e que será preciso atender-se às características quer do mercado, quer do concorrente potencial, quer ainda às medidas concretas adotadas pela empresa para entrar no mercado, ou seja, é preciso a prova que a empresa tinha efetuado "preparativos suficientes que lhe permitissem aceder ao mercado em causa num prazo de tal modo curto que podia exercer pressão concorrencial" (Generics n.º 43).
Referiu que é ainda necessário atender-se à "firme intenção e capacidade própria para entrar no mercado", não se deparando a empresa com barreiras à entrada de carácter intransponível (Generics n.ºs 44 e 46) e que momento relevante para se apreciar a existência de uma relação potencial é a "data de celebração do acordo" (Generics n.º 43)[153].
Importa ainda salientar, no que respeita ao ónus de prova, que:
“(…) 105 A jurisprudência prevê, tal como o artigo 2.º do Regulamento n.º 1/2003, que é à parte ou à autoridade que alega uma violação das regras da concorrência que incumbe o ónus da prova. Assim, em caso de litígio sobre a existência de uma infração, compete à Comissão apresentar a prova das infrações por ela declaradas e apresentar os elementos probatórios adequados a demonstrar suficientemente a existência dos factos constitutivos de uma infração (v. acórdão de 12 de abril de 2013, CISAC/Comissão, T‑442/08, Colet., EU:T:2013:188, n.º 91 e jurisprudência aí referida).
106 Nesse contexto, a existência de dúvidas no espírito do juiz deve aproveitar à empresa destinatária da decisão que declara uma infração. O juiz não pode, pois, concluir que a Comissão fez prova bastante da existência da infração em causa se subsistir ainda no seu espírito uma dúvida sobre essa questão, nomeadamente no quadro de um recurso que visa a anulação de uma decisão que aplica uma coima (v. acórdão CISAC/Comissão, n.º 105, supra, EU:T:2013:188, n.º 92 e jurisprudência aí referida).
107 Com efeito, é necessário ter em conta a presunção de inocência, tal como resulta, nomeadamente, do artigo 48.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Atenta a natureza das infrações em causa, bem como a natureza e o grau de severidade das sanções que se podem ligar a estas, a presunção de inocência aplica‑se, designadamente, aos processos relativos a violações das regras de concorrência aplicáveis às empresas suscetíveis de conduzir à aplicação de coimas ou de sanções pecuniárias compulsórias (v., neste sentido, acórdão CISAC/Comissão, n.º 105, supra, EU:T:2013:188, n.º 93 e jurisprudência aí referida).
108 Além disso, há que ter em conta o prejuízo não insignificante para a reputação que representa, para uma pessoa singular ou coletiva, a constatação de que está envolvida numa infração às regras da concorrência (v. acórdão CISAC/Comissão, n.º 105, supra, EU:T:2013:188, n.º 95 e jurisprudência aí referida).
109 Assim, é necessário que a Comissão apresente provas precisas e concordantes para demonstrar a existência da infração e para fundamentar a convicção firme de que as infrações alegadas constituem restrições da concorrência na aceção do artigo 101.º, n.º 1, TFUE (v. acórdão CISAC/Comissão, n.º 105, supra, EU:T:2013:188, n.º 96 e jurisprudência aí referida).
110 No entanto, há que sublinhar que cada uma das provas apresentadas pela Comissão não tem de corresponder necessariamente a estes critérios em relação a cada elemento da infração. Basta que o conjunto de indícios invocado pela instituição, apreciado globalmente, preencha esse requisito (v. acórdão CISAC/Comissão, n.º 105, supra, EU:T:2013:188, n.º 97 e jurisprudência aí referida).
111 Por último, importa observar que, quando a Comissão demonstra que uma empresa participou numa medida anticoncorrencial, incumbe a essa empresa fornecer, recorrendo não só a documentos não divulgados mas também a todos os meios de que disponha, uma explicação diferente para o seu comportamento (v., neste sentido, acórdão de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colet., EU:C:2004:6, n.ºs 79 e 132).
112 Não obstante, quando a Comissão dispõe de provas documentais de uma prática anticoncorrencial, as empresas em causa não podem limitar‑se a invocar circunstâncias que clarifiquem de modo diferente os factos provados pela Comissão e que permitam, assim, substituir por outra a explicação que ela dá aos factos. Com efeito, na presença de provas documentais, incumbe às referidas empresas não apenas apresentar uma pretensa explicação alternativa dos factos declarados pela Comissão, mas também impugnar a existência desses factos provados por documentos apresentados pela Comissão (v., neste sentido, acórdão CISAC/Comissão, n.º 105, supra, EU:T:2013:188, n.º 99 e jurisprudência aí referida).(…)” (o destacado é nosso)[154].
Finalmente, no Acórdão proferido em 26.10.2023, no âmbito do reenvio prejudicial destes autos, o TJUE avançou na definição dos contornos do conceito de concorrência potencial entre as partes referidas no Acordo de Parceria.
Assim, ali pode ler-se:
“(…) Quanto à terceira a sétima e nona questões, relativas ao conceito de «concorrência potencial»
59 Com a terceira a sétima e nona questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se e em que condições o artigo 101.º, n.º 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que uma empresa que gere uma rede de retalhistas de bens de grande consumo pode ser considerada, no mercado da energia elétrica, um concorrente potencial de um comercializador de energia elétrica com o qual celebrou um Acordo de Parceria que contém uma cláusula de não concorrência, ainda que essa empresa não exerça nenhuma atividade nesse mercado de produto.
60 Segundo jurisprudência constante, para apreciar se uma empresa que não está presente num mercado é um potencial concorrente de uma ou várias empresas já presentes nesse mercado, importa determinar se existem possibilidades reais e concretas de aquela primeira entrar no referido mercado e concorrer com esta ou estas segundas (Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.º 36 e jurisprudência referida).
61 Assim, quando esteja em causa um acordo cuja consequência é manter uma empresa temporariamente fora do mercado, há que determinar se, na falta desse acordo, tinham existido possibilidades reais e concretas de essa empresa aceder ao referido mercado e concorrer com as empresas aí estabelecidas (Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.º 37).
62 Tal critério exclui que a conclusão de que uma relação de concorrência potencial possa resultar apenas da possibilidade, puramente hipotética, de tal entrada ou ainda da mera vontade da empresa que não está presente no mercado em causa. Em contrapartida, não exige, de modo algum, que se demonstre com certeza que essa empresa entrará efetivamente nesse mercado e, mais ainda, que posteriormente conseguirá manter‑se nele (Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.º 38).
63 Assim, a demonstração de uma situação de concorrência potencial deve ser sustentada por um conjunto de elementos factuais concordantes que tenham em conta a estrutura do mercado e o contexto económico e jurídico que regula o seu funcionamento, destinados a demonstrar que a empresa em causa teria tido, na falta do acordo, possibilidades reais e concretas de aceder ao mercado em causa (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.º 39).
64 No Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52, n.º 58), o Tribunal de Justiça teve assim em conta as especificidades do mercado dos medicamentos e o contexto económico e jurídico próprio desse mercado para declarar, em substância, que um fabricante de medicamentos genéricos deve ser considerado um concorrente potencial de um fabricante de medicamentos originais, titular de patentes farmacêuticas do medicamento em causa, quando tenha efetivamente a firme intenção e capacidade própria para entrar no mercado em causa.
65 Como o advogado‑geral salientou no n.º 55 das suas conclusões, e contrariamente ao que as recorrentes no processo principal sustentam, não se pode considerar que a interpretação do conceito de «concorrência potencial» dada pelo Tribunal de Justiça no acórdão referido no número anterior tem um alcance geral. Com efeito, esse nível de prova exigido para demonstrar que a empresa em causa teria tido, na falta de acordo, possibilidades reais e concretas de aceder ao mercado em causa assenta numa análise específica aos mercados de medicamentos em questão no processo que deu origem ao referido acórdão.
66 No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que o Acordo de Parceria em causa no processo principal coincidiu com uma fase crucial do processo de liberalização do mercado da comercialização de energia elétrica, extinguindo‑se as tarifas reguladas para a baixa tensão normal até ao fim do ano de 2012. Deixou então de ser necessário obter uma autorização para desenvolver uma atividade nesse mercado. O Grupo EDP procurou captar um número significativo de clientes no mercado nacional liberalizado, aproveitando uma altura em que este mercado ainda não havia sofrido o boom de transição dos clientes de baixa tensão. Por conseguinte, resulta dessa descrição que, sob o pretexto de verificações que são da exclusiva competência do órgão jurisdicional de reenvio, o contexto económico e jurídico específico desse mercado não pode ser comparado ao mercado de medicamentos, que é altamente regulado e apresenta barreiras à entrada, como as patentes que protegem esses medicamentos.
67 Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça, em substância, sobre a pertinência de um determinado número de indícios probatórios suscetíveis de serem tidos em conta para demonstrar a existência de uma situação de concorrência potencial. Em especial, pergunta ao Tribunal de Justiça se se deve ter em conta a intenção ou a perceção que as partes nesse Acordo de Parceria tinham das atividades das entidades do grupo, no qual está integrada a empresa que não está presente no mercado em causa, ou ainda as atividades da referida empresa nesse mercado e nos mercados a montante ou conexos antes da assinatura do acordo em causa no processo principal, bem como as diligências preparatórias da mesma empresa para entrar nesse mercado.
68 Embora caiba ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar a pertinência, no caso em apreço, dos elementos de que dispõe, o Tribunal de Justiça pode, no entanto, fornecer‑lhe algumas orientações úteis a esse respeito.
69 No que respeita, em primeiro lugar, à pertinência de elementos de prova subjetivos, o Tribunal de Justiça já declarou, em conformidade com o que foi recordado no n.º 63 do presente acórdão, que a demonstração de uma situação de concorrência potencial deve ser sustentada por um conjunto de elementos factuais concordantes que tenham em conta a estrutura do mercado e o contexto económico e jurídico que regula o seu funcionamento. Por conseguinte, um indício de natureza subjetiva, como a simples vontade da empresa que não está presente no mercado em causa de nele entrar ou ainda a perceção que dela tem a empresa que já está ativa nesse mercado, não pode constituir um indício autónomo, decisivo ou indispensável para demonstrar uma situação de concorrência potencial.
70 No entanto, como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.º 66 das suas conclusões, nada proíbe que esse elemento subjetivo seja tido em conta para sustentar indícios objetivos concordantes e, assim, reforçar a demonstração da existência de possibilidades reais e concretas de entrar no mercado em causa.
71 No que respeita, mais especificamente, à perceção de que a empresa já presente no mercado tem da empresa com a qual celebrou um acordo que prevê que seja mantida fora desse mercado, há que observar, como salientou o advogado‑geral no n.º 73 das suas conclusões, que a celebração desse acordo representa um forte indício da existência de uma situação de concorrência potencial. Com efeito, se as partes num acordo de não concorrência não se vissem como concorrentes potenciais, não teriam, em princípio, nenhuma razão para celebrar tal acordo. Esse indício pode, portanto, sustentar de modo útil elementos objetivos destinados a demonstrar as possibilidades reais e concretas de a empresa que não está presente no mercado entrar no mesmo.
72 No que respeita, em segundo lugar, às atividades das entidades do grupo no qual essa empresa está integrada e às atividades dessa empresa no mercado em causa, bem como nos mercados a montante e conexos antes da assinatura do acordo em causa, há que considerar que tais elementos também são suscetíveis de serem tidos em conta para a identificação de uma situação de concorrência potencial. É certo que a existência de possibilidades reais e concretas de entrar no mercado em causa deve ser apreciada na data da celebração do acordo em causa, pelo que estão logicamente excluídos os indícios relativos a circunstâncias posteriores à celebração desse acordo. No entanto, não sucede o mesmo em relação às atividades económicas anteriores no mercado em causa ou nos mercados a montante ou conexos das entidades do grupo da empresa que não está presente nesse mercado ou dessa empresa nesses mercados. Com efeito, tais atividades podem nomeadamente revelar‑se pertinentes para determinar as eventuais barreiras à entrada ou à estrutura do mercado, ou ainda constituir indícios de uma potencial estratégia económica viável de entrada no mercado em causa.
73 No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio refere que a Sodesa, controlada conjuntamente pelo Grupo Sonae e pela Endesa, o ator histórico em Espanha no mercado da produção e da comercialização de energia elétrica, desenvolvia atividade em Portugal no mercado da comercialização de energia elétrica de 2002 a 2008. Do mesmo modo, o Grupo Sonae, através de uma das suas entidades, adquiriu uma empresa que detinha e explorava uma central de cogeração de eletricidade. Além disso, a Modelo Continente produzia, no momento do Acordo de Parceria em causa no processo principal, energia elétrica através de instalações de minigeração e de microgeração localizadas nas coberturas dos seus estabelecimentos e revendia essa energia elétrica ao comercializador de último recurso. Por último, no que respeita a mercados conexos, o órgão jurisdicional faz igualmente referência ao facto de a Modelo Continente ter celebrado com um comercializador de combustíveis líquidos um contrato de descontos cruzados, semelhante ao Acordo de Parceria em causa no processo principal.
74 A este respeito, como o advogado‑geral salientou no n.º 78 das suas conclusões, há que considerar que, independentemente da questão de saber se o Grupo Sonae podia ser considerado uma única empresa, na aceção do direito da concorrência, as atividades económicas das diferentes entidades do grupo no mercado em causa antes da assinatura do Acordo de Parceria em causa no processo principal podem ser tidas em conta, uma vez que constituem elementos factuais pertinentes para caracterizar uma situação de concorrência potencial. Além da possível constituição ou transmissão de um knowhow útil para entrar no mercado em causa, esses elementos podem nomeadamente ser pertinentes para apreciar se a empresa em causa era suscetível de ter uma estratégia económica viável para entrar nesse mercado. Tal podia suceder nomeadamente se essa empresa já tivesse demonstrado a sua capacidade de utilizar a sua forte presença num determinado mercado geográfico para entrar em novos setores de atividade através de parcerias com empresas que já estão ativas nos mercados de produtos em causa. Do mesmo modo, as atividades da empresa em questão em mercados conexos ao mercado em causa são suscetíveis de serem tidas em conta se permitirem sustentar a demonstração das possibilidades reais e concretas de essa empresa entrar nesse mercado.
75 No que respeita, em terceiro lugar, à pertinência das diligências preparatórias da empresa em causa para entrar no mercado em causa, estas não podem constituir, como o advogado‑geral no n.º 69 salientou das suas conclusões, uma exigência autónoma para demonstrar a existência de uma situação de concorrência potencial. Com efeito, essas diligências só são pertinentes na medida em que possam ser úteis para demonstrar que a empresa em causa tinha possibilidades reais e concretas de entrar no mercado em causa. Por conseguinte, não se pode considerar que deve necessariamente ser demonstrado que a empresa em causa efetuou diligências preparatórias para ser considerada um concorrente potencial no mercado em causa.
76 Em todo o caso, a eventual importância dessas diligências para entrar no mercado em causa depende, nomeadamente, da estrutura desse mercado, bem como do contexto económico e jurídico que regula o seu funcionamento. Assim, o Tribunal de Justiça declarou, em substância, que essas diligências se podem revelar importantes quando esse mercado apresenta, à semelhança de um mercado de medicamento, numerosas barreiras à entrada (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.º 43).
77 Tendo em conta todos os fundamentos precedentes, há que responder à terceira a sétima e nona questões que o artigo 101.º, n.º 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que uma empresa que gere uma rede de retalhistas de bens de grande consumo deve ser considerada, no mercado da energia elétrica, um concorrente potencial de um comercializador de energia elétrica com o qual celebrou um acordo de parceria que contém uma cláusula de não concorrência, ainda que essa empresa não exerça nenhuma atividade nesse mercado no momento da celebração desse acordo, desde que se demonstre, com base num conjunto de elementos factuais concordantes que têm em conta a estrutura do mercado e o contexto económico e jurídico que regula o seu funcionamento, que existem possibilidades reais e concretas de a referida empresa entrar no referido mercado e concorrer com esse comercializador.(…)” (o destacado é nosso)

Tendo presente tal interpretação dos preceitos em causa, não pode deixar de concluir-se como o Tribunal Recorrido, que as partes que celebraram e se vincularam através do Acordo de Parceria podiam ser consideradas concorrentes potenciais, diversamente do que entendem as Recorrentes Visadas.
Para assim considerar importa atender aos factos considerados provados pelo Tribunal Recorrido considerados em conjunto, e que constituem uma demonstração suficiente da existência de uma concorrência potencial:
i) o contexto em que o acordo de parceria foi celebrado, ou seja, em plena fase de liberalização da oferta no setor da energia;
ii) o facto de as partes se considerarem reciprocamente concorrentes potenciais;
iii) as diferentes atividades das sociedades do Grupo Sonae, a saber: a) a existência de uma parceria com a Endesa; b) a presença do Grupo Sonae no mercado a montante da produção de energia elétrica; e c) a parceria comercial celebrada com a GALP (cf., designadamente os factos provados ns. 30, 31, 115, 116, 198, 199, 200, 205, 206, 207, 208, 213 a 217 e 293).
Neste contexto, uma vez que a cláusula de não concorrência, pela sua natureza e pelo seu objeto, era suscetível de manter temporariamente fora do mercado da comercialização da energia elétrica a MCH ou qualquer outra empresa detida maioritariamente pela Sonae Investimentos, importa concluir pela existência de possibilidades reais e concretas de pelo menos uma dessas empresas aceder a esse mercado.
Cabe notar que resulta dos autos que o quadro regulatório, desde 1995, promove um regime de livre concorrência através da simplificação das condições de acesso e exercício da atividade, passando a atividade a estar sujeita apenas a registo em vez de licenciamento (V. facto provado n.º 32).
Assim, a capacidade de uma empresa para aceder a esse mercado num prazo apto a fazer recair uma pressão concorrencial, que no caso em apreço, corresponde ao lapso de tempo de dois anos após a celebração do acordo em causa (período que corresponde à duração em vigor da cláusula de não concorrência) não  encontrava limitações de ordem administrativa que a impedissem de entrar no mercado da comercialização da eletricidade no momento da última etapa da liberalização desse mercado.
Importa considerar que em situações em que as empresas não estão presentes nos mesmos mercados de produtos, um elemento factual que ilustre a intenção de aceder a um mercado possa, é certo, confirmar a capacidade desse acesso, apenas intervém a título complementar e não é indispensável para demonstrar uma relação de concorrência potencial.
Certo é que as Visadas se reconheceram mútua e reciprocamente como potenciais concorrentes, pois não pode deixar de considerar-se a cláusula em apreço reveladora de tal perceção, nomeadamente no contexto de um mercado liberalizado. É o sentido útil da mesma, para um declaratário normal, percepcionado nos termos do disposto no artigo 236º do Código Civil, sendo ainda que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a celebração de um acordo entre empresas que tem por objeto manter uma delas fora de um determinado mercado representa um «forte indício» da existência de uma relação concorrencial[155] - se as partes num acordo de não concorrência não se vissem como concorrentes potenciais, não teriam, em princípio, nenhuma razão para celebrar tal acordo. A existência de tal acordo só teria sentido se houvesse concorrência a restringir, constituindo a celebração desse acordo um reconhecimento do facto de que as partes eram, pelo menos, concorrentes potenciais.
Há a estes elementos que acrescentar o que resulta das atividades das sociedades do Grupo Sonae nos mercados de produtos e geográficos vizinhos.
Desde logo, a “joint venture” Sodesa - detida a 50 % por cada uma das sociedades participantes, e que tinha por objetivo comercializar energia elétrica no mercado liberalizado português e que durou de 2002 a 2008, data em que a Sodesa cessou a sua atividade - através da qual se considerou na decisão recorrida, que o Grupo Sonae tinha adquirido know‑how no setor da comercialização da energia elétrica pertinente no âmbito da apreciação da concorrência potencial, graças à parceria celebrada entre uma empresa detida pela Sonae Capital e pela Endesa, o ator histórico em Espanha no mercado da produção e da comercialização da eletricidade, know‑how que teria facilitado a entrada nesse mercado constituindo, por conseguinte, mais um elemento pertinente no âmbito da apreciação da concorrência potencial, pois esse know‑how teria podido efetivamente ser útil para integrar, num prazo curto, o mercado da comercialização da energia elétrica, o que teria representado um condicionalismo concorrencial para a EDP Comercial.
E não é o facto de ter sido a Sonae SGPS, que adquiriu um know‑how no setor da comercialização de energia elétrica graças à sua participação (por intermédio de uma das suas filiais) na Sodesa, que não era parte no Acordo de Parceria nem mencionada na cláusula de não concorrência que obsta a tal entendimento, pois que  independentemente da questão de saber se a Sonae SGPS podia ser considerada como formando uma única empresa com a MCH, na aceção do direito da concorrência, nada impede que se tenha em conta, enquanto elemento factual, a circunstância de determinadas sociedades do Grupo Sonae terem desenvolvido as suas atividades, por intermédio da Sodesa, no mesmo mercado que a EDP Comercial.
Neste sentido, uma empresa que desenvolve atividade no setor do comércio a retalho de produtos alimentares que faz parte de um grupo que também opera no setor da energia pode certamente exercer uma pressão mais importante devido à sua potencial entrada no mercado do que uma empresa que faz parte de um grupo económico que opera exclusivamente no setor do comércio retalhista de produtos alimentares.
As relações entre empresas de um determinado grupo económico constituem fator de maior capacidade de penetração em mercados já explorados por qualquer das empresas do grupo, seja por intermédio de circulação de informação, know how ou até de aquisição de informação relativa a segredos de negócio, seja porque o grupo em que se inserem facilita o estabelecimento de parcerias formais ou materiais entre as empresas, que trabalham orientadas para o mesmo fim, o benefício económica próprio e do grupo em que se inserem por participações de capital social, determinantes na formação da vontade empresarial.
Por esse motivo cabe aqui salientar que a Sonae Capital SGPS, que não está abrangida pelo âmbito subjetivo de aplicação da cláusula de não concorrência, desenvolvia as suas atividades no domínio da produção de eletricidade em Portugal, a partir de setembro de 2009, através da aquisição, nomeadamente, da totalidade do capital social de uma empresa que detém e explora uma central de cogeração em ciclo, o facto de, desde 2004, a MCH e a GALP, um operador presente no mercado da comercialização de energia elétrica em Portugal e no mercado da comercialização de combustíveis, terem desenvolvido uma parceria que concede descontos aos clientes comuns para as suas compras de combustível (nas estações GALP) e de bens de grande consumo nos estabelecimentos operados pela MCH) sob a forma de vale ou cupão («Programa vice‑versa») e a circunstância de a MCH e outras sociedades detidas pela Sonae Investimentos, todas ligadas pela cláusula de não concorrência, desenvolverem as suas atividades, desde 2009, no mercado da produção de eletricidade através de instalações de micro e de minigeração graças a painéis fotovoltaicos nas coberturas dos estabelecimentos de venda a retalho explorados por essas sociedades, sendo de observar que as empresas a montante (ou a jusante) na cadeia de produção são frequentemente operadores potenciais bem posicionados para entrar num novo mercado, incluindo no setor da eletricidade e do gás, nomeadamente quando existe uma integração vertical entre esses mercados.
E, embora tratando-se de indício com menor força, dada inexistência de vínculos jurídicos, técnicos e económicos entre a atividade de geração e a atividade de comercialização de energia elétrica e, por outro, o volume muito limitado de energia produzida, importa ainda salientar a atividade de geração de energia nas instalações da MCH.
Sublinhe-se que como referiu o TJUE - no que constitui um importante contributo para o recorte do conceito de concorrência potencial fora do mercado dos medicamentos e dos acordos “pay for delay” -, no que respeita, às diligências preparatórias da empresa em questão para entrar no mercado em causa, estas não podem constituir, como o advogado‑geral no n.º 69 salientou das suas conclusões, uma exigência autónoma para demonstrar a existência de uma situação de concorrência potencial, pois  só são pertinentes na medida em que possam ser úteis para demonstrar que a empresa em causa tinha possibilidades reais e concretas de entrar no mercado em causa, pelo que não se pode considerar necessária a demonstração que a empresa em causa efetuou diligências preparatórias para ser considerada um concorrente potencial no mercado em causa.
Essas diligências podem ser importantes quando a estrutura do mercado apresenta, à semelhança de um mercado de medicamento, como no caso do Acórdão Generics, já referido, numerosas barreiras à entrada, mas não são decisivas, ou necessárias no contexto económico e jurídico que regula o seu funcionamento de um mercado com as já mencionadas características.
Perante os factos provados e a interpretação do conceito de concorrência potencial à luz dos critérios do Acórdão proferido pelo TJUE, importa concluir pelo acerto da decisão recorrida quando entendeu que as empresas do grupo Sonae dispunham de possibilidade e capacidade reais e concretas de entrarem no mercado relevante, e consequentemente ficou provada a existência de uma relação de concorrência potencial com a comercializadora de energia elétrica.
O pacto de não-concorrência, conformado na alínea a) das cláusulas 12.1 e 12.2, em si, e tal como a douta sentença recorrida o refere, tem idoneidade e aptidão de entorpecer, de modo relevante, o processo de liberalização em curso do mercado de comercialização de energia eléctrica, beneficiando da vantagem de «first mover», tendo potencialidade de condicionar o livre funcionamento desse mercado e as finalidades de liberalização do mesmo, criando entrave à concorrência facilitada ou liberalizada, tanto mais que as partes do Acordo de Parceria em questão são empresas de significativa dimensão, inseridas em grupos económicos de grande dimensão e preponderância na economia nacional, multifacetados, com implementação em todo o território nacional há mais de duas décadas (sendo o Grupo EDP detentor em 2014 de uma quota global de 84% no mercado da comercialização de eletricidade a clientes domésticos e a Modelo Continente representando nesse ano 10 a 20% do mercado nacional de distribuição retalhista de bens alimentares, o que se refere apenas para ilustrar o seu grau de penetração no mercado nacional), havendo assim capacidade de a cláusula restringir sensivelmente a concorrência, no todo em parte, no mercado nacional de comercialização de energia eléctrica.
Sublinha-se na sentença recorrida:
“23. As visadas integram dois conglomerados societários portugueses, o Grupo EP e ao Grupo Sonae; 24. Foi no contexto do grupo societário a que pertencem que as Visadas actuam no mercado e decidiram realizar o acorde de Parceria e o pacto de não concorrência[156]

“Também a propósito da ponderação da (capacidade real e efectiva) Visadas, se acompanha o argumentário, explanado na decisão recorrida, no segmento cm que procede a uma destrinça entre a ((avaliação jus concorrencial da restrição em apreço, por um lado, c a imputação de responsabilidade às entidades jurídicas que integram as empresas infratoras, por outro lado». Com efeito, assiste razão a Recorrida quando assinala que «a noção de empresa relevante para efeitos da aplicação do artigo 9.º da Lei n.º 19/2012 é a constante do artigo 3.º da mesma Lei, considerando-se como uma única empresa o conjunto de entidades jurídicas que, embora distintas, constituem uma unidade económica cm virtude dos laços de interdependência que mantêm entre si. Por conseguinte, a aferição jusconcorrencial da actuação das Visadas, à luz do artigo 9.º da lei n.º 19/2012, não pode quedar-se pela literalidade daquelas, que isolada formalmente, subscreveram o Acordo de Parceria, antes havendo, para este efeito, que convocar o conceito de empresa normativamente relevante para efeitos da Lei da concorrência. Donde, a asserção da verificação de relação das Visadas como concorrentes - actuais ou potenciais - demanda, necessariamente, o cotejo dos grupos económicos em que se inserem, isto é, deve efectuar se por reporte às empresas Ligadas por laços de interdependência às entidades jurídicas diretamente envolvidas no Acordo de Parceria”.

Assim, nem a AdC, nem o Tribunal a quo ampliaram o escopo da obrigação de não concorrência assumida pelas sociedades com envolvimento direto no Acordo de Parceria no sentido de a atribuir (a cláusula) a outras sociedades, como também não atribuíram comportamentos de umas a outras.
Apenas se entendeu que na medida em que a aferição da concorrência potencial implica a averiguação da capacidade da empresa em entrar num dado mercado e nele prosseguir uma estratégica económica viável, a “empresa” assume, neste contexto, o seu sentido jusconcorrencial, isto é, de unidade económica ou grupo, ou de “empresas ligadas”.
Admite-se que tal sucederia se, de facto, a responsabilidade pela infração às regras da concorrência e pelo pagamento da coima recaísse sobre a Sonae SGPS, ou sobre a Efanor, por exemplo. Mas não é o que sucede, como resulta da imputação da infração apenas às visadas.
Consequentemente, improcede a alegação de que o Tribunal Recorrido recorreu a uma “ideia abstracta da capacidade de concorrer” tendo ilegalmente aplicado a al. c) do n.º 1 do dartigo 9º da LdC bem como a invocada desconformidade constitucional do mesmo preceito legal.
Assinale-se a importância do mercado da eletricidade para a competitividade da economia nacional.
Improcedem, pois, nesta parte, os recursos.                                                                       
***
III.3.1.3. Da qualificação do acordo de parceria suscetível de considerar a cláusula de restrição conforme com as regras da concorrência.
Como já supra se assinalou, com as impugnações judiciais e os recursos foram juntos pareceres de eminentes juristas[157] que enquadram juridicamente o “Acordo de Parceria” celebrado, como um contrato de agência, entendendo que as partes celebraram um acordo de promoção de negócios em que cada uma das partes agia por conta da outra, promovia os negócios da outra atuando como seu agente – objectivo típico do contrato de agência – que sendo bilateral ou cruzado, a atuação de de cada uma das partes acaba por reverter no seu próprio interesse e que neste acordo, tal como na concessão comercial o concessionário atua por conta própria, em nome próprio e não recebe qualquer remuneração por parte dos concedentes, antes compra para revenda, zelando pelos seus próprios interesses.
Na sua Adenda de 29.10.2020 ao Parecer que se havia já junto aos autos, o Sr. Professor António Pinto Monteiro refere, para além do mais, que:
- O Acordo de Parceria reúne todos os elementos essenciais do contrato de agência bilateral ou cruzado, em conformidade com o art.º 1º do Decreto-Lei nº 178/86, de 3 de Julho, com as modificações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei nº 118/93, de 13 de Abril, que transpôs a Directiva 86/653/CEE, do Conselho, de 18 de Dezembro de 1986 - a MCH obrigou-se a promover a celebração de contratos de fornecimento de energia eléctrica, por conta da EDP Comercial, com autonomia, estabilidade e mediante retribuição e a EDP Comercial, por sua vez, obrigou-se a promover a venda de bens de consumo da MCH (e de outras sociedades participadas pela Sonae Investimentos SGPS, S.A.), através dos vales de desconto atribuídos aos clientes com o Cartão Continente, por conta da MCH, e também com autonomia, estabilidade e mediante retribuição;
- No tocante à primeira, a MCH disponibilizava aos clientes o formulário de adesão ao "Plano EDP Continente", assegurava a emissão e envio dos vales de desconto aos clientes, prestava informações, esclarecia dúvidas dos clientes, dava formação adequada às pessoas envolvidas, incluindo a formação de pessoal externo, publicitava os contratos a celebrar pela EDP Comercial;
- A EDP Comercial, por sua vez, promovia a venda de bens de consumo nos "Estabelecimentos", mediante a atribuição de vales de desconto aos clientes que fossem titulares do "Cartão Continente", prestando igualmente informações, esclarecendo dúvidas e ministrando formação aos seus trabalhadores, em termos paralelos e semelhantes aos que desenvolvia a MCH;
- Tanto a Autoridade da Concorrência como a Sentença do Tribunal "a quo" reconheceram que o Acordo de Parceria visou "promover os respectivos negócios";
- E toda esta actividade de promoção, no caso concreto, era feita por conta do principal, pois os efeitos dos actos que a MCH praticava destinavam-se à EDP Comercial, visavam a celebração de contratos de fornecimento de energia eléctrica entre esta e os clientes titulares do "Cartão Continente", tal como os vales de desconto atribuídos e suportados integral ou maioritariamente pela EDP Comercial se destinavam a produzir efeitos rios "Estabelecimentos", beneficiando a MCH;
- Quanto à autonomia, ela é por demais evidente, só por equívoco se podendo dizer que "as partes não beneficiavam de nenhuma autonomia", uma vez que este requisito legal destina-se a afastar o agente do trabalhador, a distinguir o contrato de agência do contrato de trabalho;
- Outro mal-entendido do Tribunal "a quo", em que também já incorrera a Autoridade da Concorrência, tem a ver com o requisito da estabilidade, pois o facto de o período de angariação de clientes ter durado "apenas dois meses" em nada prejudica a estabilidade do contrato, sendo esta perfeitamente compatível com curtos períodos de tempo;
- Finalmente, quanto à retribuição, trata-se de um requisito que faz da agência um contrato oneroso, não tendo que prever o pagamento de qualquer comissão (como expressamente decorre do art. 15º), consistindo a retribuição do agente, no caso concreto, na contraprestação a que a outra parte estava vinculada[158].
Entenderam as ora Recorrentes Visadas que tal entendimento é susceptível de relevar no caso dos autos, pois obrigações de não concorrência e de exclusividade, corno as que constam da cláusula 12.1 e 12.2, estão em conformidade com o espírito e a finalidade económico-social destes contratos, respeitam a lei (arts. 4º e 9º do Decreto-Lei nº 178/86) e a Directiva 86/653/CEE (arts. 7º, nº 2, e 20º), e são habituais em contratos de agência.
Por outras palavras, de acordo com tal entendimento, o enquadramento jurídico do Acordo de Parceria em causa nos autos como contrato de agência, ou como outro negócio a que o regime daquele contrato seja aplicável, será suscetível de tornar admissível as estipuladas cláusulas de não concorrência por, de harmonia com o previsto no artigo 9.º do D.L. n.º 178/86, de 3 de julho, que aprovou o regime jurídico do contrato de agência, a validade de uma obrigação de não concorrência depender de a mesma: a) constar de documento escrito (sob pena de nulidade – cfr. artigo 220.º do CC –; b) ter o prazo máximo de 2 anos, contados a partir do momento da cessação do contrato de agência; c) a eficácia da convenção fonte da obrigação de não concorrência ser limitada à zona ou círculo de clientes que tenha sido confiado ao agente.
Ora, instado a interpretar as normas aplicáveis a tal questão, o TJUE declarou:
“(…)
79      A título preliminar, por um lado, importa observar, como o advogado‑geral salientou no n.º 98 das suas conclusões, que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar o caráter anticoncorrencial da cláusula de não concorrência, independentemente da natureza do Acordo de Parceria em causa no processo principal, em especial à luz do caráter acessório desse acordo. Por conseguinte, é unicamente na perspetiva desta última hipótese que se deve responder a esta questão.
80 Por outro lado, o artigo 101.º, n.º 3, TFUE prevê uma isenção da aplicação do artigo 101.º, n.º 1, TFUE para os acordos que criem benefícios suficientes para compensar os efeitos anticoncorrenciais. Para efeitos da aplicação desta primeira disposição, o Regulamento n.º 330/2010 fixa, para determinadas categorias de acordos, os requisitos para que a isenção prevista na referida disposição possa ser aplicada. Caberá, portanto, ao órgão jurisdicional de reenvio não só verificar se o Acordo de Parceria em causa no processo principal está abrangido por uma das categorias de acordos assim identificadas, mas também, se for caso disso, se todos os requisitos previstos pelo referido regulamento estão efetivamente preenchidos para que o Acordo de Parceria em causa no processo principal beneficie da exceção prevista na mesma disposição.
81 Feita esta precisão, há que salientar que o artigo 1.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento n.º 330/2010 define «acordo vertical» como um acordo ou prática concertada entre duas ou mais empresas, exercendo cada uma delas as suas atividades, para efeitos do acordo ou da prática concertada, a um nível diferente da cadeia de produção ou distribuição e que digam respeito às condições em que as partes podem adquirir, vender ou revender certos bens ou serviços.
82 Ora, as Orientações relativas às restrições verticais incluem os contratos de agência entre os acordos verticais que não estão geralmente abrangidos pelo artigo 101.º, n.º 1, TFUE e define‑os como contratos através dos quais um agente é incumbido de negociar e/ou celebrar contratos por conta de outra pessoa, o comitente, com vista, nomeadamente, à venda de bens ou serviços fornecidos por esse comitente. O ponto 13 destas orientações especifica que o fator determinante na apreciação da aplicabilidade do artigo 101.º, n.º 1, TFUE é o risco financeiro ou comercial suportado pelo agente na prática dos atos relativamente aos quais foi nomeado enquanto tal pelo comitente. Por outras palavras, para efeitos de aplicação desta disposição, um acordo será considerado como um contrato de agência se o agente não suportar quaisquer riscos ou suportar apenas riscos insignificantes no âmbito dos contratos que negocie ou celebre por conta do comitente.
83 No caso em apreço, as recorrentes no processo principal sustentam que o Acordo de Parceria em causa no processo principal deve ser analisado como uma agência cruzada, uma vez que cada uma das contrapartes é responsável pela promoção das vendas da outra contraparte. No entanto, resulta da decisão de reenvio que os custos de execução do «Plano EDP Continente» foram suportados em partes iguais pelas partes nesse Acordo de Parceria.
84 A este respeito, decorre dos n.ºs 81 e 82 do presente acórdão que não pode ser qualificado como contrato de agência um acordo que partilha entre as contrapartes os riscos associados às operações nele previstas. Do mesmo modo, quando as contrapartes não operam, para efeitos do acordo ou da prática concertada em causa, numa mesma cadeia de produção ou de distribuição, essa qualificação não pode ser aceite”.(o destacado é nosso)

Decorre, pois, da decisão do TJUE o naufrágio da linha argumentativa das Recorrentes/Visadas segundo a qual o Acordo de Parceria em causa no processo principal consistiria apenas em disponibilizar as suas redes comerciais, forças de venda e know‑how respetivos para promover, angariar e aumentar a clientela e o negócio da outra parte, características essas abrangidas pelo conceito de «acordo vertical» e, mais especificamente, de «contrato de agência», e que delas decorreria a isenção da proibição da cláusula, ou pelo menos, a contextualização ou a justificação da inclusão da mesma no acordo de parceria.
Ali se esclarece que o caráter anticoncorrencial da cláusula de não concorrência deve ser apurado em especial à luz do seu caráter acessório e independentemente da natureza ou da qualificação jurídica do Acordo de Parceria em causa no processo principal – desta forma, importa relativizar a importância da qualificação jurídica do Acordo de Parceria como «acordo vertical», na medida em que a apreciação do caráter anticoncorrencial da cláusula de não concorrência deverá ser efetuada de forma independente, e mais precisamente em relação ao seu caráter acessório, pelo que o facto de o Acordo de Parceria poder ser qualificado de «acordo vertical» não tem, por si, relevância na apreciação do caráter anticoncorrencial da cláusula.
Por outro lado, relativamente à qualificação do mesmo acordo como «contrato de agência» - tipo específico de acordo vertical que não está geralmente abrangido pela proibição do artigo 101º, n.º 1, TFUE e que é definido como um contrato celebrado entre uma empresa (o comitente) e um agente, pessoa singular ou colectiva incumbida de negociar e/ou celebrar contratos por conta (do comitente), quer em nome do próprio agente, quer em nome do comitente, relativamente à compra de bens ou serviços pelo comitente, ou venda de bens ou serviços fornecidos pelo comitente - embora seja pacífico, à luz da cláusula 2.1. do Acordo de Parceria, que este visava potenciar o desenvolvimento das atividades de comercialização de energia elétrica pela EDP Comercial e de distribuição retalhista pela MCH, não resulta do conteúdo deste acordo que as partes contratantes tenham pretendido revender os produtos da outra parte como distribuidores independentes, de modo a terem de negociar ou celebrar os contratos na qualidade de agentes em nome da outra parte.
O Acordo de Parceria não visava uma distribuição integrada, mas, tão só, uma parceria com vista à potenciação das respetivas vendas.
Sufraga-se inteiramente, neste ponto, o que entendimento do Tribunal Recorrido, no sentido de que:
“Retomando o caso subjudice, é manifesto que tais requisitos se não verificam, pelas seguintes razões: i) o acordo de parceria celebrado entre as Partes visava a promoção dos respetivos negócios, aproveitando as sinergias dos dois grupos económicos em torno de uma base de clientela comum, beneficiando da complementaridade das respetivas redes retalhistas[159]; ii) o acordo traduziu-se na atribuição de descontos, sobre a eletricidade comercializada pela EDP Comercial, aos titulares do Cartão Continente, que celebrassem um contrato de fornecimento de energia elétrica, no mercado liberalizado, com a EDP Comercial, estando a subscrição do Plano EDP Continente disponível nos espaços Modelo Continente, nas lojas e agentes EDP e nos sites de internet de ambas as partes[160], cumprindo à EDP Comercial celebrar os respetivos contratos com os consumidores, uma vez recebidos os formulários de adesão; iv) para operacionalização da Parceria, as partes estabeleceram um esquema de fluxo de informação relativa aos dados pessoais dos clientes, necessários para emitir os vales de desconto, comprometendo-se a EDP Comercial a envidar os seus melhores esforços para emitir e enviar os vales aos clientes, sem prejuízo de, numa fase inicial, ser a Modelo Continente a enviar os vales, com base na informação que lhe era transmitida pela EDP Comercial[161]; v) A Modelo Continente limitou-se a pôr à disposição da EDP Comercial a sua rede de distribuição retalhista, onde estiveram disponíveis os formulários de adesão ao Plano EDP Continente, e a EDP Comercial limitou-se a conceder descontos a consumidores que já eram clientes da Modelo Continente, o que não consubstancia uma atividade de prospeção de mercado ou angariação de clientela; vi) a EDP Comercial e a Modelo Continente atuaram na prossecução dos seus respetivos interesses próprios e não prosseguindo interesses alheios; vii) as partes não actuavam com autonomia, dado que o acordo – que denominaram de Parceria e não de agência - regulava todas as condições em que deviam ser criados e implementados os instrumentos a desenvolver por ambas as partes e todos os termos em que a alocação de tarefas entre elas se processaria, comprometendo-se as partes a analisar e implementar, de forma coordenada, as iniciativas de publicidade, marketing e comunicação necessárias[162]; viii) as iniciativas de publicidade, marketing e comunicação que dissessem respeito à parceria careciam do acordo de ambas as partes, mesmo que essas iniciativas contemplassem a utilização de espaços, marcas ou insígnias que respeitassem a apenas uma das partes[163]; ix) as partes comprometiam-se a desenvolver e implementar, de comum acordo, um mecanismo de monitorização e controlo de informação suscetível de assegurar uma supervisão efetiva sobre o processo de cálculo, concessão, ativação e repartição de descontos e custos entre as partes[164]; x) a verificação do elemento típico do contrato de agência de estabilidade é controversa, uma vez que o período de adesão dos consumidores ao Plano EDP Continente decorreu entre os dias 9 de janeiro e 4 de março de 2012, ou seja, durante apenas dois meses; xi) o Acordo de Parceria não previa o pagamento de qualquer retribuição pela EDP Comercial à Modelo Continente e/ou vice-versa; xii) do ponto de vista financeiro, as partes repartiram entre si os custos com a parceria; xiii) os incorridos com publicidade, marketing, comunicação e defesa em processos sancionatórios relacionados com as iniciativas da parceria, foram suportados em partes iguais; os incorridos com o processamento do formulário de adesão e dos contratos de fornecimento de energia e os relativos à relação da EDP Comercial com os seus clientes, foram suportados pela EDP Comercial; ivx) os incorridos com a formação dos trabalhadores e com o desenvolvimento dos sistemas informáticos, foram suportados pela Modelo Continente; os restantes custos foram suportados pela parte que neles incorreu ou a quem a respetiva contrapartida aproveitou[165].
Da concatenação crítica destes elementos, concretamente vertidos no acordo firmado entre as partes, resulta que as Visadas, Modelo Continente e EDP Comercial, celebraram um acordo de promoção conjunta dos respetivos negócios, não tendo nenhuma delas actuado como agente. A Modelo Continente limitou-se a pôr à disposição da EDP Comercial a sua rede de distribuição retalhista, onde estiveram disponíveis os formulários de adesão ao Plano EDP Continente, e a EDP Comercial limitou-se a conceder descontos a consumidores que já eram clientes da Modelo Continente, o que não consubstancia uma atividade de prospeção de mercado ou angariação de clientela[166].
 Neste específico enquadramento – e não teórico ou abstracto que, porventura, confere arrimo perfunctório aos Pareceres junto aos autos – carece de respaldo a aventada qualificação do acordo como agência cruzada, pois resulta inequívoco, dos termos do contrato e foi corroborado pela prova pessoal prestada em juízo, que nunca as partes pretenderam celebrar entre si um contrato de agência, antes procurando potenciar e incrementar os respectivos negócios, razão porque não contemplaram qualquer remuneração devida entre ambas.
De igual sorte, repete-se, no caso dos autos, não existe correspondência entre o âmbito clientelar do Acordo de Parceria e a cláusula de não concorrência, nem tão pouco entre os clientes abrangidos pela Parceria (electricidade de baixa tensão) e os mercados interditados pela cláusula 12.ª.1.a) e 12.2.a), abrangendo clientes industriais e até o mercado de gás natural; e, uma vez mais, o acordo de parceria cessava em 31 de Dezembro de 2012 (cláusula 18.1) e a cláusula de não concorrência mantinha-se em vigor por mais um ano. (…)
Na verdade, a EDP Comercial e a Modelo Continente não operam em níveis diferentes da mesma cadeia de produção ou distribuição para os efeitos do Acordo de Parceria e este Acordo não regula as condições em que a EDP Comercial e a Modelo Continente podem adquirir, vender ou revender bens ou serviços. Efectivamente, o que decorre é que, no âmbito do Acordo de Parceria, as Recorrentes EDP Comercial e Modelo Continente promoveram, conjunta e simultaneamente, as respetivas áreas de negócio de comercialização de eletricidade e distribuição retalhista de bens alimentares e não alimentares, desde logo, disponibilizando ambas o formulário de adesão ao Plano EDP Continente nos respetivos espaços comerciais, para além de partilharem todas as tarefas inerentes à parceria. A Modelo Continente não se dedicou à produção ou revenda de eletricidade distribuída ou produzida pela EDP Comercial e a EDP Comercial não se dedicou à produção e ou revenda de bens alimentares e não alimentares distribuídos pela Modelo Continente.
Improcede, igualmente e por isso mesmo, a alegada premissa da não-reciprocidade estabelecida no n.º 4 do artigo 2.º do Regulamento de Isenção, uma vez que, pelas razões supra aduzidas, as Visadas EDP Comercial e Modelo Continente não operam em níveis diferentes da mesma cadeia de produção ou distribuição[167].”
Acresce que, como refere o TJUE, neste ponto suportando integralmente o entendimento vertido na sentença recorrida, para efeitos de aplicação do artigo 101.º, nº 1, TFUE, o acordo será considerado como um «(contrato) de agência» se o agente não suportar quaisquer riscos ou suportar apenas riscos insignificantes em relação aos contratos celebrados e/ou negociados por conta do comitente - a função de venda ou de aquisição do agente faz parte integrante das atividades do comitente, que suporta os riscos comerciais e financeiros, o que implica que nenhuma das obrigações impostas ao agente relativamente aos contratos concluídos por conta do comitente são abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 101.º, n.º 1, TFUE
Como resulta das Orientações sobre os acordos verticais, o fator determinante na definição de um contrato de agência para efeitos da aplicação do n.º 1 do artigo 101.º TFUE é o risco comercial ou financeiro que suporta o agente em relação às atividades relativamente às quais foi nomeado enquanto tal pelo comitente.
Diversamente, dos factos provados resulta que custos de execução da parceria relacionados designadamente com os descontos no preço, a publicidade, o marketing e a comunicação, a defesa em processos sancionatórios, foram suportados em partes iguais (cf. artigo 12º dos factos provados e cláusula 8.4. do Acordo de Parceria), sendo o montante dos descontos dividido nos termos do referido nos pontos 10. e 11. dos factos provados.
Não pode, pois,  ser qualificado como contrato de agência para os efeitos ali previstos, o acordo entre as partes celebrado, no qual dividem os riscos associados às operações nele previstas e não operam, para efeitos do acordo ou da prática concertada em causa, numa mesma cadeia de produção ou de distribuição, antes desenvolvem atividade em mercados de produtos diferentes, e cujos mercados não se situam a montante ou a jusante um do outro.
Não está abrangido pelas categorias de «acordos verticais» e de «contratos de agência», para os aludidos efeitos, na justa medida em que consiste em potenciar o desenvolvimento das vendas dos produtos dessas duas empresas através de um mecanismo de promoção e de descontos cruzados, assumindo cada uma dessas empresas uma parte dos custos associados à execução dessa parceria.
E ainda que assim não se entendesse, importa salientar que no artigo 2.º deste regulamento encontram-se densificadas as situações merecedoras do regime de isenção previsto no n.º 3 do artigo 101.º do TFUE.
Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 5.º a isenção elenca as obrigações incluídas em acordos verticais que ficam, todavia, excluídas daquele regime de isenção, podendo ler-se, na alínea b), qualquer obrigação, direta ou indireta, que impeça o comprador, após o termo do acordo, de produzir, adquirir, e, para o que aqui nos interessa, vender ou revender bens ou serviços.
O n.º 3 do artigo 5.º determina, contudo, que, uma vez reunidas certas condições e em derrogação da alínea a), aquela mesma obrigação possa beneficiar da isenção conquanto, desde logo, a obrigação diga respeito a bens ou serviços que concorram com os bens ou serviços contratados.
Sucede que a cláusula restritiva em causa nos autos não cumpre, uma vez mais, esta condição de isenção porque o seu âmbito material abrange mais do que os serviços contratados - o Acordo de Parceria cingia-se ao fornecimento de energia elétrica e, dentro deste mercado, aos clientes de Baixa Tensão, onde se incluem maioritariamente os clientes domésticos e a cláusula 12.1.a previa uma proibição que compreendia todo o setor de energia elétrica – sem qualquer distinção para as potências contratadas – e, ainda, o do gás natural, energia excluída daquela Parceria.
A obrigação de não concorrência prevista pelas partes não é suscetível de integrar nenhuma das isenções previstas do Regulamento de Isenção por Categoria, não havendo, assim, motivo para excecionar a sua ilicitude ao abrigo do n.º 3 do artigo 10.º da Lei da Concorrência.
O acordo celebrado não está, pois, isento ou excluído da proibição nos termos pretendidos pelas Recorrentes.
Improcedem, pois, nesta parte, os recursos.
***
III.3.1.4. Da caracterização da cláusula de não concorrência como uma restrição necessária.
As Recorrentes/Visadas sustentam que, no contexto do Acordo de Parceria em causa no presente processo, a cláusula de não concorrência tinha por função proteger a confidencialidade de informações comercialmente sensíveis trocadas para a execução do «Plano EDP Continente», pelo que tal cláusula revestia assim, assim, natureza estritamente acessória a este acordo.
Consideram que as cláusulas de confidencialidade (cláusula 16), de proteção da propriedade intelectual (cláusula 11) e de proteção dos dados pessoais (cláusula 9) do Acordo de Parceria não eram suficientes para proteger os seus investimentos e o seu know‑how partilhados no âmbito da sua cooperação.
Por outro lado, também alegam que o alcance da cláusula de não concorrência era suficientemente limitado, uma vez que não se estendia para além dos setores de atividade abrangidos pela parceria e das sociedades com acesso a informações comercialmente sensíveis e que porque o fluxo de informação prosseguiu um certo tempo após o termo da execução da parceria, tal determinou o prolongamento da duração da cláusula.
Mas não lhes assiste razão.
Vejamos.
Como salientou o Advogado (…) nas suas conclusões apresentadas nos autos, “em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, se uma operação ou uma atividade determinada não estiver abrangida pelo princípio da proibição previsto no artigo 101.º, n.º 1, TFUE, devido à sua neutralidade ou ao seu efeito positivo no plano da concorrência, uma restrição da autonomia comercial de um ou de vários dos participantes nessa operação ou nessa atividade também não está abrangida pelo referido princípio da proibição se essa restrição for objetivamente necessária à realização da referida operação ou da referida atividade e proporcionada aos objetivos de uma ou da outra[168].
Ora, nesta matéria o TJUE declarou, relativamente ao caso dos autos, que:
“(…) 87 Com a sua décima questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 101.º, n.º 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula de não concorrência constante de um Acordo de Parceria comercial celebrado entre duas empresas ativas em mercados de produtos diferentes e que visa potenciar o desenvolvimento das vendas dos produtos dessas duas empresas através de um mecanismo de promoção e de descontos cruzados pode ser considerada uma restrição acessória a esse Acordo de Parceria.
88 Segundo jurisprudência constante, se uma operação ou uma atividade determinada não estiver abrangida pelo princípio da proibição previsto no artigo 101.º, n.º 1, TFUE, devido à sua neutralidade ou ao seu efeito positivo no plano da concorrência, uma restrição da autonomia comercial de um ou de vários dos participantes nessa operação ou nessa atividade também não está abrangida pelo referido princípio da proibição se essa restrição for objetivamente necessária à realização da referida operação ou da referida atividade e for proporcionada aos objetivos de uma ou da outra (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão, C‑382/12 P, EU:C:2014:2201, n.º 89, e de 23 de janeiro de 2018, F. Hoffmann‑La Roche e o., C‑179/16, EU:C:2018:25, n.º 69).
89 Assim, quando não for possível dissociar tal restrição da operação ou da atividade principal sem comprometer a existência e o objeto dessa operação ou dessa atividade, há que analisar a compatibilidade com o artigo 101.º TFUE desta restrição juntamente com a compatibilidade da operação ou da atividade principal da qual é acessória, e isso apesar de, tomada isoladamente, se afigurar que essa restrição pode, à primeira vista, ser abrangida pelo princípio da proibição do artigo 101.º, n.º 1, TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão, C‑382/12 P, EU:C:2014:2201, n.º 90, e de 23 de janeiro de 2018, F. Hoffmann‑La Roche e o., C‑179/16, EU:C:2018:25, n.º 70).
90 Tratando‑se de determinar se uma restrição anticoncorrencial pode escapar à proibição prevista no artigo 101.º, n.º 1, TFUE, por constituir o acessório de uma operação principal desprovida de tal caráter anticoncorrencial, há que apurar se a realização dessa operação seria impossível na falta da restrição em questão. Não se pode considerar que o facto de a referida operação se tornar simplesmente mais difícil de realizar ou até menos rentável sem a restrição em causa confere a esta restrição o caráter «objetivamente necessário» exigido para poder ser qualificada de acessória. Com efeito, tal interpretação equivaleria a alargar esse conceito a restrições que não são estritamente indispensáveis à realização da operação principal. Esse resultado poria em causa o efeito útil da proibição prevista no artigo 101.º, n.º 1, TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão, C‑382/12 P, EU:C:2014:2201, n.º 91, e de 23 de janeiro de 2018, F. Hoffmann‑La Roche e o., C‑179/16, EU:C:2018:25, n.º 71).
91 No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que cada uma das contrapartes do Acordo de Parceria em causa no processo principal se comprometeu, por força da cláusula de não concorrência que nele figura, por um período de dois anos, ou seja, mais um ano do que a duração prevista por esse Acordo de Parceria, a não desenvolver, direta ou indiretamente, atividade no mercado em que a outra contraparte operava. No que respeita, mais especificamente, ao mercado da comercialização de energia elétrica, esta cláusula de não concorrência não se limitava apenas à comercialização de energia elétrica de baixa tensão, como o referido Acordo de Parceria, mas abrangia igualmente a comercialização de energia elétrica de média e alta tensão destinada aos clientes industriais. A referida cláusula proibia igualmente a Modelo Continente de negociar ou estabelecer com outro comercializador de energia elétrica um acordo que tivesse por objeto ou por efeito conceder descontos ou outras vantagens monetárias ligadas à comercialização de energia elétrica.
92 As recorrentes no processo principal alegam que a cláusula de não concorrência que figura no Acordo de Parceria em causa no processo principal visava simplesmente impedir as partes nesse acordo de utilizarem em seu benefício informações comercialmente sensíveis trocadas para efeitos de execução do «Plano EDP Continente», e que essas informações eram relativas, nomeadamente, ao esquema de consumo de energia elétrica dos clientes que aderiram ao «Plano EDP Continente». Ora, as cláusulas de confidencialidade e de proteção da propriedade intelectual e dos dados não foram suficientes para proteger os investimentos efetuados e o knowhow partilhado. Por conseguinte, a cláusula de não concorrência em causa no processo principal permitiu cobrir esse risco.
93 A este respeito, caberá ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se esta cláusula de não concorrência era objetivamente necessária à execução do Acordo de Parceria em causa no processo principal e se era proporcionada aos objetivos visados nesse acordo. Para tal, importa, nomeadamente, verificar se não existia uma solução menos restritiva da concorrência, à qual as partes no referido acordo poderiam ter recorrido no momento da sua celebração, para atingir esses objetivos. Para esse efeito, o órgão jurisdicional de reenvio poderá, nomeadamente, ter em conta o alcance da cláusula de não concorrência para verificar se esta corresponde ao objeto e ao alcance espaciotemporal do Acordo de Parceria em causa no processo principal.
94 Resulta do que precede que há que responder à décima questão que o artigo 101.º, n.º 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula de não concorrência constante de um acordo de parceria comercial celebrado entre duas empresas ativas em mercados de produtos diferentes e que visa potenciar o desenvolvimento das vendas dos produtos dessas duas empresas através de um mecanismo de promoção e de descontos cruzados não pode ser considerada uma restrição acessória a esse acordo de parceria, salvo se a restrição resultante desta cláusula for objetivamente necessária à execução do referido acordo de parceria e proporcionada aos objetivos do mesmo.
Ora, no caso, a cláusula de não concorrência que nele figura, tem um período de dois anos, ou seja, isto é, mais um ano do que a duração prevista por esse Acordo de Parceria – é de dois anos o período em que uma parte se obriga a não desenvolver, direta ou indiretamente, atividade no mercado em que a outra contraparte operava.
Esta cláusula de não concorrência não se limita apenas à comercialização de energia elétrica de baixa tensão, como o referido Acordo de Parceria, mas abrangia igualmente a comercialização de energia elétrica de média e alta tensão destinada aos clientes industriais.
A circunstância de se tratar este de um mercado que já havia sido liberalizado não mitiga o particular contexto económico de liberalização referente ao segmento da baixa tensão e, por outro lado, os acordos de repartição ou exclusão de mercados representam, tipicamente, uma das restrições da concorrência mais graves, independentemente de os mercados em causa ainda estarem em processo de liberalização.
Revisitando uma vez mais, o que a este respeito se considerou na sentença recorrida, acertadamente, em face da interpretação agora realizada pelo TJUE:
“Neste âmbito, tal conceito legitima as restrições da concorrência diretamente relacionadas, necessárias e proporcionais à realização de uma operação principal não restritiva[169]. Donde, a aferição da conformidade jusconcorrencial de tais cláusulas demanda a reunião daquelas características [170], cujo cotejo deve ser empreendido de modo objectivo, relegando para segundo plano a intenção prosseguida pelas partes:
 “(Esta) exclusão do âmbito de aplicação do n.º 1 do artigo (101.º) só pode ser efetuada com base em fatores objetivos externos às próprias partes e não com base nas suas opiniões subjetivas e características. Não se trata de saber se as partes, na sua situação específica, teriam aceite concluir um acordo menos restritivo, mas se, dada a natureza do acordo e as características do mercado, teria sido concluído um acordo menos restritivo por empresas na mesma posição”[171].
“(Se), com base em fatores objetivos, se puder concluir que, sem a restrição, a operação principal não restritiva seria difícil ou impossível de realizar, a restrição pode ser considerada objetivamente necessária e proporcional à operação”[172] [173].
Ora, no caso concreto dos autos, teve já ocasião de se enfatizar a significativa discrepância material entre o Acordo de Parceria e a alínea a), da cláusula 12.1 e 12.2. Com efeito, o objecto e âmbito do acordo – tal como expressamente documentado pelas Partes na cláusula segunda, terceira e quarta – circunscreve-se a potenciar o «desenvolvimento da actividades de comercialização de energia elétrica em baixa tensão, para potências contratadas entre 3,45Kva e 20,7KvA» e de «distribuição retalhista alimentar e não alimentar»; porém, o pacto de não concorrência vertido na sobredita cláusula 12, não só não procedeu a qualquer delimitação em função da tarifa (assim abrangendo média e alta tensão e também clientes industriais) como se estende ao mercado do gás natural, embora a Parceria não tenha com este qualquer ponto de contacto. Mais, a cláusula de não concorrência excede, em um ano, a duração de vigência do Acordo de Parceria.
Ex abundatis: como se teve também ocasião supra de enfatizar, os fluxos de informações trocadas entre as visadas eram apenas os previstos na cláusula 5 e a dinâmica da Parceria não implicou, para a MCH ou para as demais visadas da SONAE, a partilha de qualquer dado ou konw how relacionado com o mercado retalhista de bens alimentares e não alimentares. Se não houve partilha soçobra, evidentemente, a alegação de que a cláusula se destinava e era necessária para proteger essa (alegada) troca de informação. Pelo contrário, a cláusula era, no contexto da Parceria em que se inseria, desnecessária e desproporcionada no que concerne à restrição à concorrência que impunha, não se tendo demonstrado – mesmo que isso fosse normativamente relevante – que constituía uma prática reiterada negocial de qualquer uma das Visadas ou que fora, nestes mesmos moldes, inserida noutra Parceria. Recorda-se, ainda, que quanto aos dados efectivamente emergentes da dinâmica da Parceria, as Partes consignaram no acordo uma cláusula de proteção de dados pessoais, uma cláusula de proteção de propriedade intelectual e uma cláusula de proteção da confidencialidade por um período de três anos sobre a data da assinatura do Acordo (cfr. cláusula 16.2). Reforça-se, assim, a sedimentação da convicção do Tribunal quanto à desnecessidade e desproporcionalidade da cláusula anti concorrencial inscrita no acordo.
Na verdade, tudo criticamente ponderado, estes elementos antes inculcam a convicção de que a cláusula restritiva da concorrência era o objectivo fulcral prosseguido pelas partes e o acordo de parceria o mero veículo de formalização da mesma. (…)”.
Efetivamente, quanto à informação pessoal sobre os clientes (nomes e moradas): havendo uma cláusula no acordo de parceria – a cláusula 9ª – que versa precisamente, sobre a proteção de dados pessoais, não ficou demonstrado de que forma prever uma obrigação de não concorrência conferia um grau de proteção adicional de informação pessoal dos clientes, relativamente à cláusula 9.º.
E se o objetivo era proteger a natureza crítica e valiosa da informação, e na medida em que o próprio Acordo contém cláusulas atinentes à confidencialidade, à proteção de know how, à proteção de dados pessoas e uma própria obrigação de exclusividade, não resulta demonstrado que a única forma ou o meio mais adequado e menos oneroso de impedir a utilização indevida da informação era, pura e simplesmente, proibindo as partes de concorrerem uma com a outra.
Por outro lado, não ficou provado, que as sociedades participadas maioritariamente pela Sonae Investimentos tivessem acesso ao conhecimento que era trocado entre a EDP Comercial e a MCH, o que arreda a justificação aventada para o âmbito subjetivo da cláusula 12.1.a.
Diversamente, o que resulta da factualidade provada, é que a informação era acedida, gerida e partilhada, apenas e só, pela a EDP Comercial e pela MCH.
Alega a EDP Comercial que, por informação sensível, para efeitos deste acordo, se entendia informação relativa ao padrão de consumo e perfil de cliente com o propósito de ajudar a destrinçar clientes empresariais de clientes residenciais.
De todo o modo, nem essa justificação serve para justificar a necessidade da obrigação de não concorrência contida na alínea a) da cláusula 12.º pois o clausulado não faz qualquer distinção entre o tipo de cliente ou o segmento de mercado a que se destinava – se residencial, se empresarial.
Não ficou igualmente provada a (i) utilidade das informações trocadas ao abrigo deste acordo de parceria – vocacionado para o segmento residencial – para o segmento industrial, isto é, se poderiam ou não ser aproveitadas, no caso de o poderem ser aproveitadas, quais as razões e, ainda nesse contexto, em que moldes assentaria esta comunicabilidade de informações e (ii) a importância ou pertinência desses dados para o segmento industrial.
Não ficou demonstrada a necessidade da alínea a) da cláusula 12.1 e 12.2 ou o valor acrescentado da obrigação de não concorrência para as partes do acordo, não se tendo, para mais, estabelecido qualquer nexo entre a obrigação de não concorrência nos termos em que foi redigida e a natureza e objetivos do acordo de parceria.
Note-se que, como se referiu, o pacto de não-concorrência, que não incide apenas sobre o mercado de comercialização de eletricidade, mas também sobre o mercado do gás natural.
As partes, subscritoras do acordo, tiveram o cuidado de delimitar, com precisão, os dados que partilhariam, por força e por causa da Parceria, numa cláusula que autonomizaram e apelidaram de fluxos de informação. E, de acordo com o clausulado, para efeito de «processamento e emissão dos vales» a EDP Comercial partilhava com a Modelo Continente os dados já referidos e apenas estes: nome do cliente, morada para envio dos vales de desconto, endereço eletrónico do cliente, valor expresso em euros de cada desconto, data da validade dos vales de desconto e respectivo número de cartão continente”.
No limite, ainda que a informação trocada entre a EDP Comercial e a MCH proporcionasse, como as Recorrentes afirmam, a concorrência facilitada – o que, face ao acervo probatório assente, não pode conceder-se – o que as Recorrentes vêm defendendo, e tão só isto, é que essa suposta informação permitiria deduções significativas sobre o perfil daqueles consumidores – ou seja, dos consumidores que aderiram ao Plano EDP Continente.
Porém, em momento algum as Recorrentes sequer alegaram – ou muito menos foi produzida prova nesse sentido – que a partilha daqueles dados relativos aos consumidores aderentes ao Plano facilitaria a comercialização, pela MCH, de energia elétrica (ou gás natural) junto de todo o restante universo de potenciais clientes – do segmento doméstico – que viriam a transitar do mercado regulado para o mercado livre, cerca de 6 milhões .
Isto significa que a informação que a EDP Comercial diz ter transmitido apenas permitia, como a própria admite no seu recurso, traçar o perfil de consumo dos clientes em causa – tão só e apenas cerca de 146.775 clientes que aderiram Plano EDP/ Continente, restando, ainda assim, milhões de clientes, desde logo no mercado da Baixa Tensão, mas naturalmente também nos demais mercados.
Também por isso, outra redação deveria ter assumido a cláusula sob escrutínio, que não uma repartição de mercados tout court – tal como, designadamente, que a MCH ficasse impedida de transmitir a terceiros e de usar a informação obtida relativamente àqueles clientes para promoção e comercialização de energia elétrica junto dos clientes que aderissem ao Plano EDP Continente e, tão só, destes.
Também por essa via, pois, o Pacto de não-concorrência sempre seria efetivamente desproporcional face ao quantum da informação suposta e comercialmente sensível disponibilizada à MCH e ao quase inexpressivo – quando comparado com a totalidade do mercado de energia elétrica em Baixa Tensão – número de clientes que permitiriam a tal concorrência facilitada.
E mesmo que a tal informação comercialmente sensível facilitasse a concorrência em todo o mercado de Baixa Tensão – aquele abrangido pelo Acordo de Parceria, nos termos da Cláusula 4.1.a) – sempre ficaria por explicar em que termos e por que razões é que aquela informação poderia ser igualmente relevante para a MCH, ou qualquer outra das outras sociedades abrangida pela obrigação de não concorrência, se ter proibido de entrar em todo o mercado de comercialização de energia elétrica, mesmo nos segmentos que não estavam abrangidos pelo Acordo de Parceria.
Não colhe, pois, o argumento da Recorrente EDP Comercial de que apenas uma cláusula com a redação como aquela que se discute acautelaria que as partes ali vinculadas não usassem a informação nas suas próprias atividades e projetos: na realidade, estando identificados os clientes cuja informação foi partilhada, bastaria que a MCH se comprometesse a não promover ou angariar, por determinado período de tempo, esses mesmos clientes.
E não se diga que cláusula de conteúdo semelhante foi validada no Caso “Areva SA/ Siemens AG”, em 18 de junho de 2012, pois que ali em causa estava uma «joint venture» plena através da qual a Areva e a Siemens concentraram as suas respetivas atividades empresariais para a execução e desenvolvimento conjunto de centrais de produção de energia nuclear – não se vislumbram quaisquer semelhanças com o quantum da informação trocada entre a EDP Comercial e a MCH num – simples –  programa de descontos.
É que, diversamente, a EDP Comercial e a MCH não pretenderam, com o Acordo de Parceria, desenvolver, conjuntamente, várias atividades – mas antes e tão só potenciarem os respetivos negócios.
Recorde-se igualmente que não ficou provado que a cláusula 12.1.a) e 12.2.a) se destinasse a tutelar informação comercialmente sensível e know-how da parceria e que os elementos apenas foram partilhados entre a EDP Comercial e a MCH.
Se as cláusulas de proteção de dados pessoais (cláusula 9.ª), e proteção de propriedade intelectual (cláusula 11.ª), de confidencialidade (16.º) e de exclusividade (cláusula 12.1.b) e 12.2.b) efetivamente não chegassem para acautelar todas as – e apenas essas – legítimas preocupações das Recorrentes, estas teriam, até porque estavam reunidas de assessoria jurídica especializada e inteiramente habituada a acautelar problemas idênticos –, dentro da ampla margem de licitude na redação de cláusulas de “non disclosure information”, adotado clausulado distinto que precavesse a específica questão do uso da informação pelo próprio.
Recorda-se, porém, que quanto aos dados efectivamente emergentes da dinâmica da Parceria, as Partes consignaram no acordo uma cláusula de proteção de dados pessoais, uma cláusula de proteção de propriedade intelectual e uma cláusula de proteção da confidencialidade por um período de três anos sobre a data da assinatura do Acordo
Resulta assim afastada, quer a necessidade, quer a proporcionalidade da cláusula em questão relativamente ao acordo em que foi inserida e, consequentemente, a qualificação da mesma como meramente acessória para o efeito de a considerar conforme às normas jusconcorrenciais.
***
III.3.1.5. Da existência de efeitos pro-concorrenciais.
De acordo com a jurisprudência mais recente do TJUE existe a possibilidade de se afastar a presunção de que determinadas práticas suficientemente aparentemente restritivas pelo objecto, por gravosamente nocivas para a concorrência, produzem efeitos anticoncorrenciais, quando os acordos visem objetivos legítimos e proporcionais – quando se demonstrem objectivos/efeitos pro-concorrenciais .
Como referiu o Tribunal de Justiça no caso Generics já mencionado:
“(…)103 Por último, e em resposta à quinta questão, importa salientar que, sempre que as partes nesse acordo invoquem os efeitos pró‑concorrenciais que lhe estão associados, tais efeitos devem, enquanto elementos do contexto desse acordo, ser devidamente tomados em consideração para efeitos da qualificação desse acordo de «restrição por objetivo», como foi recordado no n.º 67 do presente acórdão e no n.º 158 das conclusões da advogada‑geral, uma vez que estes são suscetíveis de pôr em causa a apreciação global do grau suficiente de nocividade para a concorrência da prática colusória em causa e, consequentemente, a sua qualificação de «restrição por objetivo».
104 Uma vez que a tomada em consideração desses efeitos pró‑concorrenciais não tem como objetivo afastar a qualificação de «restrição da concorrência», na aceção do artigo 101.º, n.º 1, TFUE, mas apenas apreender a gravidade objetiva da prática em causa e, consequentemente, definir as formas de a provar, não se opõe, de forma alguma, à jurisprudência constante do Tribunal de Justiça de acordo com a qual o direito europeu da concorrência não reconhece qualquer «regra de razão»[174], por força da qual se deva proceder a uma ponderação dos efeitos pró‑concorrenciais e anticoncorrenciais de um acordo quando se proceda à sua qualificação como «restrição da concorrência», nos termos do artigo 101.º, n.º 1, TFUE (v., nesse sentido, Acórdão de 13 de julho de 1966, Consten e Grundig/Comissão, 56/64 e 58/64, EU:C:1966:41, pp. 497 e 498).
105 Contudo, essa tomada em consideração pressupõe que os efeitos pró‑concorrenciais não sejam apenas concretos e relevantes, mas igualmente específicos do acordo em causa, como é invocado, relativamente aos acordos em causa no processo principal, pela advogada‑geral no n.º 144 das suas conclusões.
106 Além disso, como salientou a advogada‑geral no n.º 166 das suas conclusões, a mera presença de tais efeitos pró‑concorrenciais não pode, enquanto tal, conduzir a que se afaste a qualificação de «restrição por objetivo».
107 Esses efeitos pró‑concorrenciais, admitindo que são comprovados, relevantes e específicos do acordo em causa, devem ser suficientemente significativos, de modo a suscitar dúvidas razoáveis quanto ao caráter suficientemente nocivo para a concorrência do acordo de resolução amigável em causa e, por conseguinte, do seu objetivo anticoncorrencial.
108 A este respeito, os factos referidos pelo órgão jurisdicional de reenvio nas alíneas a) e b) da sua quinta questão, lidos à luz da decisão de reenvio e invocados pela advogada‑geral nos n.ºs 168 a 172, 175 e 179 das suas conclusões, revelam que os acordos de resolução amigável em causa no processo principal produziram essencialmente efeitos cujo caráter pró‑concorrencial é mínimo ou mesmo incerto.(…)” (o destacado é nosso).
Tal entendimento do TJUE foi reforçado no Acórdão de 2 de abril de 2020, proferido no processo C-228/18 (Acórdão Budapest Bank), proferido no âmbito de um pedido de reenvio prejudicial que tinha por objecto a interpretação do artigo 101º, n.º 1 TFUE[175] onde pode ler-se o seguinte que se reproduz, por do maior interesse para o caso dos autos:
“(…)33 Há que começar por recordar que, para ser abrangido pela proibição enunciada no artigo 101.º, n.º 1, TFUE, um acordo tem de ter «por objetivo ou efeito» impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno. Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça desde o Acórdão de 30 de junho de 1966, LTM (56/65, EU:C:1966:38), o caráter alternativo deste requisito, indicado pela conjunção «ou», conduz, em primeiro lugar, à necessidade de considerar o próprio objetivo do acordo (Acórdãos de 26 de novembro de 2015, Maxima Latvija, C‑345/14, EU:C:2015:784, n.º 16, e de 20 de janeiro de 2016, Toshiba Corporation/Comissão, C‑373/14 P, EU:C:2016:26, n.º 24).
34 Deste modo, a partir do momento em que o objetivo anticoncorrencial de um acordo esteja provado, não há que investigar os seus efeitos sobre a concorrência (Acórdãos de 26 de novembro de 2015, Maxima Latvija, C‑345/14, EU:C:2015:784, n.º 17, e de 20 de janeiro de 2016, Toshiba Corporation/Comissão, C‑373/14 P, EU:C:2016:26, n.º 25).
35 Com efeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que determinados tipos de coordenação entre empresas revelam um grau suficiente de nocividade para a concorrência para que se possa considerar que não há que examinar os seus efeitos. Esta jurisprudência tem em conta o facto de determinadas formas de coordenação entre empresas poderem ser consideradas, pela sua própria natureza, prejudiciais ao normal funcionamento da concorrência (Acórdãos de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão, C‑382/12 P, EU:C:2014:2201, n.ºs 184 e 185, e de 20 de janeiro de 2016, Toshiba Corporation/Comissão, C‑373/14 P, EU:C:2016:26, n.º 26).
36 Assim, é facto assente que certos comportamentos colusórios, como os que levam à fixação horizontal dos preços por cartéis, podem ser considerados suscetíveis de terem efeitos negativos, em especial, sobre o preço, a quantidade ou a qualidade dos produtos e dos serviços, de modo que pode ser considerado inútil, para efeitos da aplicação do artigo 101.º, n.º 1, TFUE, demonstrar que produzem efeitos concretos no mercado. Com efeito, a experiência mostra que esses comportamentos provocam reduções da produção e subidas de preços, conduzindo a uma má repartição dos recursos em prejuízo, especialmente, dos consumidores (Acórdãos de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão, C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.º 51, e de 26 de novembro de 2015, Maxima Latvija, C‑345/14, EU:C:2015:784, n.º 19).
37 À luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada nos n.ºs 35 e 36 do presente acórdão, o critério jurídico essencial para determinar se um acordo comporta uma restrição da concorrência «por objetivo» reside assim na constatação de que tal acordo apresenta, em si mesmo, um grau suficiente de nocividade para a concorrência para considerar que não é necessário apurar os respetivos efeitos (Acórdão de 26 de novembro de 2015, Maxima Latvija, C‑345/14, EU:C:2015:784, n.º 20 e jurisprudência referida).
38 Se a análise de um tipo de coordenação entre empresas não apresentar um grau suficiente de nocividade para a concorrência, há que examinar, em contrapartida, os seus efeitos e, para a proibir, exigir que estejam reunidos os elementos que determinam que a concorrência foi de facto impedida, restringida ou falseada de forma sensível (Acórdão de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão, C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.º 52 e jurisprudência referida).
39 Embora resulte assim da jurisprudência do Tribunal de Justiça mencionada nos n.ºs 33 a 38 do presente acórdão que, quando um acordo é qualificado de restrição da concorrência «por objetivo» ao abrigo do artigo 101.º, n.º 1, TFUE, não é necessário demonstrar, além disso, os efeitos deste acordo para considerar que este é proibido ao abrigo desta disposição, o Tribunal de Justiça, por outro lado, já constatou, a respeito de um único e mesmo comportamento, que este último tinha tanto por objetivo como por efeito restringir a concorrência (v., neste sentido, designadamente, Acórdãos de 1 de outubro de 1987, van Vlaamse Reisbureaus, 311/85, EU:C:1987:418, n.º 17; de 19 de abril de 1988, Erauw‑Jacquery, 27/87, EU:C:1988:183, n.ºs 14 e 15; de 27 de setembro de 1988, Ahlström Osakeyhtiö e o./Comissão, 89/85, 104/85, 114/85, 116/85, 117/85 e 125/85 a 129/85, EU:C:1988:447, n.º 13; e de 9 de julho de 2015, InnoLux/Comissão, C‑231/14 P, EU:C:2015:451, n.º 72).
40 Daqui resulta que o facto de uma constatação de restrição da concorrência «por objetivo» dispensar a autoridade ou o órgão jurisdicional competente da necessidade de examinar os efeitos desta não implica de modo nenhum que esta autoridade ou este órgão jurisdicional não possa proceder a esse exame quando o considerar oportuno.
(…) Quanto à segunda questão
(…) Quanto à admissibilidade (…)
47 A este respeito, há que recordar que, no âmbito do processo visado no artigo 267.º TFUE, que se baseia numa clara separação das funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, o papel deste último se limita à interpretação das disposições do direito da União sobre as quais é questionado (Acórdão de 14 de março de 2013, Allianz Hungária Biztosító e o., C‑32/11, EU:C:2013:160, n.º 29).
48 Todavia, o Tribunal de Justiça, decidindo a título prejudicial, pode, sendo caso disso, fornecer precisões que visem guiar o órgão jurisdicional nacional na sua interpretação (Acórdão de 13 de julho de 2006, Manfredi e o., C‑295/04 a C‑298/04, EU:C:2006:461, n.º 48 e jurisprudência referida). Com efeito, embora o Tribunal de Justiça não tenha competência, no âmbito do artigo 267.º TFUE, para aplicar as disposições de direito da União a casos concretos, pode, no entanto, fornecer ao órgão jurisdicional nacional os critérios de interpretação necessários para lhe permitir decidir o litígio (v., designadamente, Acórdãos de 26 de janeiro de 1977, Gesellschaft für Überseehandel, 49/76, EU:C:1977:9, n.º 4, e de 8 de julho de 1992, Knoch, C‑102/91, EU:C:1992:303, n.º 18).
49 No presente caso, resulta dos fundamentos da decisão de reenvio que o órgão jurisdicional de reenvio não pede ao Tribunal de Justiça, em substância, que se pronuncie sobre a aplicação concreta do artigo 101.º, n.º 1, TFUE às circunstâncias do processo principal, mas sobre a questão de saber se um acordo interbancário que fixa num mesmo montante a taxa de intercâmbio que cabe, quando é realizada uma operação de pagamento através de cartão, aos bancos emissores desses cartões pode, à luz desta disposição, ser qualificado de acordo que tem por objetivo impedir, restringir ou falsear a concorrência.
50 A segunda questão é, por conseguinte, admissível.
Quanto ao mérito
51 Para além das considerações expostas nos n.ºs 33 a 40 do presente acórdão, o Tribunal de Justiça já declarou que, a fim de apreciar se um acordo entre empresas ou uma decisão de associação de empresas apresenta um grau suficiente de nocividade relativamente à concorrência para ser considerado uma restrição da concorrência «por objetivo», na aceção do artigo 101.º, n.º 1, TFUE, deve atender‑se ao teor das suas disposições, aos objetivos que visa atingir, bem como ao contexto económico e jurídico em que se insere. No âmbito da apreciação do referido contexto, há também que tomar em consideração a natureza dos bens ou dos serviços afetados e as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado ou dos mercados em causa (Acórdão de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão, C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.º 53 e jurisprudência referida).
52 No que respeita à tomada em consideração dos objetivos prosseguidos por uma medida que constitui o objeto de uma apreciação ao abrigo do artigo 101.º, n.º 1, TFUE, o Tribunal de Justiça já declarou que o facto de se considerar que uma medida prossegue um objetivo legítimo não exclui que, atendendo à existência de outro objetivo prosseguido por esta e que deve ser compreendido, quanto a ele, como ilegítimo, atendendo igualmente ao teor das disposições desta medida e ao contexto em que esta se inscreve, se possa considerar que a referida medida tem um objetivo restritivo da concorrência (v., neste sentido, Acórdão de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão, C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.º 70).
53 Por outro lado, embora a intenção das partes não constitua um elemento necessário para determinar o caráter restritivo de um acordo entre empresas, nada proíbe que as autoridades da concorrência ou os órgãos jurisdicionais nacionais e as jurisdições da União a tomem em consideração (Acórdão de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão, C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.º 54 e jurisprudência referida).
54 Acresce que o conceito de restrição da concorrência «por objetivo» deve ser interpretado de forma restritiva. Com efeito, sob pena de dispensar a Comissão da obrigação de provar os efeitos concretos sobre o mercado de acordos em relação aos quais não foi feita prova de que são, pela sua própria natureza, prejudiciais ao correto funcionamento da concorrência, o conceito de restrição da concorrência «por objetivo» só pode ser aplicado a certos tipos de coordenação entre empresas que revelem um grau suficiente de nocividade relativamente à concorrência para que se possa considerar que não é necessário examinar os seus efeitos. A circunstância de os tipos de acordos mencionados no artigo 101.º, n.º 1, TFUE não formarem uma lista exaustiva de colusões proibidas não é, a este respeito, pertinente (v., neste sentido, Acórdão de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão, C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.º 58 e jurisprudência referida).
55 No caso de não se poder considerar que o acordo em causa tem um objetivo anticoncorrencial, haverá então que apreciar se se pode considerar que este é proibido devido às alterações à concorrência que constituem o seu efeito. Para este efeito, conforme o Tribunal de Justiça já repetiu reiteradamente, há que examinar a concorrência no âmbito real em que seria exercida se este acordo não tivesse existido para apreciar o impacto deste último nos parâmetros da concorrência, tais como, nomeadamente, o preço, a quantidade e a qualidade dos produtos ou dos serviços (v., neste sentido, Acórdão de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão, C‑382/12 P, EU:C:2014:2201, n.ºs 161 e 164 e jurisprudência referida). (…)
74 O órgão jurisdicional de reenvio indica igualmente que o Acordo TMI, ao neutralizar a concorrência entre os dois sistemas de pagamentos através de cartão em causa no processo principal no que respeita ao aspeto do custo que as taxas de intercâmbio representam, pode ter tido como consequência intensificar a concorrência entre estes sistemas quanto a outros aspetos. Em especial, este órgão jurisdicional observa que tanto a decisão da Autoridade da Concorrência como o recurso de cassação que lhe foi submetido assentam na premissa de que as características dos produtos disponibilizados pela Visa e pela MasterCard são substancialmente idênticas. Ora, o referido órgão jurisdicional sublinha que estas características podem ter variado ao longo do período em que foi adotado o comportamento anticoncorrencial imputado no caso concreto. Segundo este mesmo órgão jurisdicional, a uniformização das taxas de intercâmbio pode ter sido geradora de concorrência no que respeita às outras características, condições de transação e preços destes produtos.
75 Se tal foi efetivamente o que sucedeu, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, uma restrição da concorrência no mercado dos sistemas de pagamento na Hungria, contrária ao artigo 101.º, n.º 1, TFUE, só pode ser constatada no termo de uma apreciação da concorrência que teria existido neste mercado se o Acordo TMI não tivesse existido, apreciação essa que, conforme resulta do n.º 55 do presente acórdão, é feita no âmbito de um exame dos efeitos deste acordo.
76 Com efeito, conforme salientou o advogado‑geral nos n.ºs 54 e 63 a 73 das suas conclusões, para justificar que um acordo seja qualificado de restrição «por objetivo» da concorrência, sem que seja necessário realizar uma análise dos seus efeitos, deve existir uma experiência suficientemente sólida e fiável para que se possa considerar que esse acordo é, pela sua própria natureza, prejudicial para o normal funcionamento da concorrência.
77 Ora, no presente caso, no que diz respeito, por um lado, à concorrência entre os dois sistemas de pagamento através de cartão, os elementos de que o Tribunal de Justiça dispõe não permitem determinar se o facto de suprimir a concorrência entre a Visa e a MasterCard quanto ao aspeto do custo que as taxas de intercâmbio representam revela, em si, um grau suficiente de nocividade referente à concorrência para que se possa considerar que o exame dos seus efeitos não é necessário. A este respeito, para além das considerações constantes dos n.ºs 74 e 75 do presente acórdão, há que observar que os argumentos apresentados ao Tribunal de Justiça que visam demonstrar a existência, no caso concreto, de uma restrição «por objetivo» consistem, no essencial, na alegação de que a existência de um nível idêntico da taxa de intercâmbio entre estes dois sistemas reforçou os efeitos anticoncorrenciais que decorrem da uniformização destas comissões em cada um destes.
78 Por outro lado, no que respeita ao mercado da aquisição na Hungria, ainda que se admita que o Acordo TMI teve nomeadamente por objetivo fixar um limite aplicável às comissões de serviço, não foram submetidos ao Tribunal de Justiça elementos suficientes que permitam determinar que este acordo apresentava um grau suficiente de nocividade relativamente à concorrência neste mercado para que uma restrição da concorrência «por objetivo» possa ser constatada. Incumbe, contudo, ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar as verificações necessárias a este respeito.
79 Em especial, no presente caso, sob reserva destas mesmas verificações, os elementos apresentados para este efeito não permitem concluir que existe uma experiência suficientemente geral e constante para que se possa considerar que o caráter nocivo relativamente à concorrência de um acordo como o que está em causa no processo principal justifica que se dispense de qualquer exame referente aos efeitos concretos deste acordo na concorrência. Os elementos nos quais se apoiam a Autoridade da Concorrência, o Governo húngaro e a Comissão a este respeito, a saber, no essencial, a prática decisória desta autoridade, bem como a jurisprudência das jurisdições da União, demonstram, na fase atual, precisamente a necessidade de proceder a um exame aprofundado dos efeitos de tal acordo para verificar se este teve efetivamente por efeito criar um limiar aplicável às comissões de serviço e se, atendendo à situação que teria prevalecido se este acordo não tivesse existido, este foi restritivo da concorrência pelos seus efeitos.
80 Por último, no que se refere ao contexto em que se inseria o Acordo TMI, em primeiro lugar, é certo que, conforme a Comissão sustenta, nem a complexidade dos sistemas de pagamento através de cartão como o que está em causa no processo principal, nem a natureza bilateral destes sistemas enquanto tal, nem a existência de relações verticais entre os diferentes tipos de operadores económicos em causa são, em si mesmos, suscetíveis de constituir um obstáculo à qualificação da restrição «por objetivo» do Acordo TMI (v., por analogia, Acórdão de 14 de março de 2013, Allianz Hungária Biztosító e o., C‑32/11, EU:C:2013:160, n.º 43 e jurisprudência referida). No entanto, não deixa de ser certo que deve ser feita prova desse objetivo anticoncorrencial.
81 Em segundo lugar, foi alegado perante o Tribunal de Justiça que a concorrência entre os sistemas de pagamento através de cartão na Hungria não conduziu a uma redução, mas a um aumento das taxas de intercâmbio, contrariamente ao efeito de disciplina sobre os preços que a concorrência habitualmente exerce numa economia de mercado. Segundo estes elementos, isto deve‑se, nomeadamente, ao facto de os comerciantes só poderem exercer uma pressão limitada sobre a determinação das taxas de intercâmbio, ao passo que os bancos emissores têm interesse em obter rendimentos a partir de comissões mais elevadas.
82 Na hipótese de o órgão jurisdicional de reenvio também vier a constatar a existência, a priori, de indicações sérias suscetíveis de demonstrar que do Acordo TMI resultou uma pressão para o aumento ou, pelo menos, de elementos contraditórios ou ambivalentes a este respeito, estas indicações ou elementos não podem ser ignorados pelo referido órgão jurisdicional no âmbito do seu exame sobre a existência, no caso concreto, de uma restrição «por objetivo». Com efeito, contrariamente ao que parecer poder deduzir‑se das observações da Comissão a este respeito, o facto de que, caso não tivesse havido o Acordo TMI, o nível das taxas de intercâmbio resultante da concorrência teria sido mais elevado é pertinente para efeitos do exame da existência de uma restrição resultante deste acordo, sendo tal circunstância precisamente relativa ao objetivo anticoncorrencial imputado ao referido acordo no que respeita ao mercado da aquisição na Hungria, a saber, que este mesmo acordo limitou a redução das taxas de intercâmbio e, por conseguinte, a pressão para a redução que os comerciantes teriam podido exercer sobre os bancos adquirentes para obterem uma redução das comissões de serviço.
83 Mais importante ainda, se existirem indicações sérias de que, se o Acordo TMI não tivesse sido celebrado, daí teria resultado uma pressão para o aumento das taxas de intercâmbio, pelo que não se pode alegar que este acordo constituiu uma restrição «por objetivo» da concorrência no mercado da aquisição na Hungria, haverá que proceder a um exame aprofundado dos efeitos do referido acordo, em cujo âmbito, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.º 55 do presente acórdão, haverá que examinar a concorrência se este acordo não tivesse existido para apreciar o impacto deste último nos parâmetros da concorrência e verificar assim se este conduziu efetivamente a efeitos restritivos da concorrência.
84 Em terceiro e último lugar, há que salientar que também é pertinente, no âmbito do exame da questão de saber se o Acordo TMI pode ser qualificado de restrição «por objetivo», a circunstância sublinhada pelo órgão jurisdicional de reenvio de que os bancos que eram partes neste acordo incluíam indistintamente os operadores diretamente afetados pelas taxas de intercâmbio, a saber, tanto dos bancos emissores como dos bancos adquirentes, qualidades que aliás coincidem frequentemente.
85 Em especial, embora não impeça de modo nenhum, em si mesma, a constatação de uma restrição da concorrência «por objetivo» relativamente a um acordo como o que está em causa no processo principal, tal circunstância é suscetível de revestir uma certa pertinência no âmbito da verificação da questão de saber se o Acordo TMI tinha por objetivo assegurar um certo equilíbrio dentro de cada um dos sistemas de pagamento através de cartão em causa no caso concreto. Com efeito, não apenas os bancos emissores e os bancos adquirentes puderam procurar, através deste acordo, uma forma de conciliar os seus interesses eventualmente divergentes mas os bancos que estavam presentes tanto no mercado da emissão como no da aquisição quiseram talvez também chegar a um nível de taxa de intercâmbio que permitia proteger da melhor forma as suas atividades nestes dois mercados.
86 Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 101.º, n.º 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que um acordo interbancário que fixa num mesmo montante a taxa de intercâmbio que cabe, quando é realizada uma operação de pagamento através de cartão, aos bancos emissores de tais cartões disponibilizados pelas sociedades de serviços de pagamento por cartão ativas no mercado nacional em causa não pode ser qualificado de acordo que tem «por objetivo» impedir, restringir ou falsear a concorrência, na aceção desta disposição, exceto se se puder considerar que esse acordo, atendendo aos seus termos, aos seus objetivos e ao seu contexto, apresenta um grau de nocividade suficiente no que respeita à concorrência para ser assim qualificado, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.(…)” (o destacado é nosso).
Trata-se aqui, como se refere na Adenda ao Parecer da Senhora Professora Sofia Pais a que já nos referimos, da “tendência do Tribunal de Justiça para uma abordagem do direito da concorrência "mais económica" ou "baseada nos efeitos" das condutas das empresas no mercado e a necessidade de o exame das restrições por objeto se desenrolarem em dois passos. Em primeiro lugar, é necessário atender-se ao contexto económico e jurídico do acordo e realizar-se uma análise aprofundada do mesmo, sempre que nas situações em apreço for menos evidente a natureza nociva da conduta. Em segundo lugar, provando-se que o acordo produz efeitos positivos significativos, ou pelo menos ambivalentes, será posta em causa a apreciação do grau suficiente de nocividade para a concorrência da prática em causa, devendo afastar-se a qualificação do acordo em apreço como restrição da concorrência por objeto.”
Ora, no caso dos autos, é certo que no caso, as cláusulas qualificadas pelo Tribunal Recorrido como restritivas da concorrência pelo objecto se mostram inseridas num contrato em que se previa:
- Na Cláusula 2.1., que o objecto do Acordo de Parceria era o de“(p)otenciar o desenvolvimento das atividades de comercialização de energia elétrica em regime livre, pela EDP Comercial, e de distribuição retalhista de bens alimentares e não alimentares, pela Modelo Continente, nos hipermercados e supermercados “Continente”, “Continente Modelo” e “Continente Bom Dia”, bem ainda como nos estabelecimentos comerciais, explorados por outras sociedades participadas pela Sonae Investimentos, SGPS, SA, para além da Modelo Continente, nomeadamente, os estabelecimentos Well´s e Bom Bocado, e, eventualmente, em estabelecimentos comerciais de outras marcas (atuais e futuras), adiante apenas designados por Estabelecimentos” ;
- Do ponto de vista comercial, o Plano EDP Continente envolvia a atribuição de descontos exclusivamente aos titulares do “Cartão Continente”, um cartão de descontos propriedade da Modelo Continente inserido no programa de fidelização criado pela Visada (Cláusula 2.2 do Acordo de Parceria).
- Para além da titularidade do “Cartão Continente”, os clientes que pretendessem aderir ao Plano EDP Continente teriam que celebrar com a EDP Comercial um contrato de fornecimento de energia elétrica em Baixa Tensão para o mercado liberalizado em Portugal continental, disponível apenas para potências contratadas entre 3,45 kvA e 20,7 kvA, com discriminação horária simples, implicando obrigatoriamente a subscrição de débito direto com faturação 2mensal ou bimestral e a aceitação das condições gerais e particulares praticadas pela EDP Comercial, incluindo o tarifário em vigor estabelecido pela ERSE para as tarifas de venda a clientes finais em Portugal continental (Cláusula 4 do Acordo de Parceria).
- Ao aderir ao Plano EDP Continente, o cliente beneficiava de um desconto de 10% do seu consumo de energia elétrica e da potência contratada no mês ou nos meses imediatamente anteriores ao da emissão do vale de desconto (consoante a opção do cliente quanto à periodicidade de faturação, mensal ou bimestral), referindo-se o último vale emitido para cada cliente ao consumo e potência contratada até 31 de dezembro de 2012 (Cláusulas 6.1 e 6.2 do Acordo de Parceria).
- Os vales de desconto eram creditados no Cartão Continente e eram ativados, por inteiro e numa única utilização, em compras efetuadas nos Estabelecimentos, sendo válidos a partir do dia seguinte ao da sua emissão e até ao último dia do mês seguinte ao da sua emissão (Cláusulas 6.4 e 6.5 do Acordo de Parceria).
- Os descontos concedidos em Cartão Continente só podiam ser utilizados em compras realizadas nos Estabelecimentos a partir do dia seguinte ao da sua ativação, não podendo ser convertidos em dinheiro (Cláusulas 6.4 e 6.6 do Acordo de Parceria).
- O valor dos descontos seria, à partida, suportado na totalidade pela EDP Comercial (Cláusula 8.1 do Acordo de Parceria), devendo a Modelo Continente, até ao décimo dia de cada mês, emitir à EDP Comercial uma nota de débito pelo valor dos vales emitidos e efetivamente ativados durante o mês anterior, a pagar até ao final do mês da emissão de cada fatura (Cláusula 8.2 do Acordo de Parceria).
- No entanto, dependendo do acréscimo de tráfego nos Estabelecimentos e do aumento do volume de negócios induzido por esta iniciativa, a Modelo Continente comparticiparia parte dos descontos concedidos, correspondente à parcela dos vales efetivamente ativados que excedesse 55% do valor total dos vales emitidos, devendo a EDP Comercial emitir mensalmente fatura à Modelo Continente no montante que resultasse da diferença entre o valor a pagar pela Modelo Continente e o total das notas de débito emitidas à EDP Comercial, a pagar até ao final do mês da emissão das faturas (Cláusula 8.3 do Acordo de Parceria).
- Quanto aos restantes custos com a parceria, aqueles incorridos com publicidade, marketing, comunicação e defesa em processos sancionatórios relacionados com as iniciativas da parceria, foram suportados em partes iguais pelas Visadas EDP Comercial e Modelo Continente.
Tendo-se ainda demonstrado, designadamente, que:
- O Plano EDP configurou uma iniciativa percursora, enquanto parceria entre um comercializador de energia elétrica e um operador de retalho alimentar destinada a angariar clientes, fomentar vendas, permitindo a atribuição de descontos aos consumidores;
- A subscrição de contratos de fornecimento de energia elétrica tornou-se possível numa rede de 180 espaços comerciais explorados pela MCH, cujo fornecimento foi partilhado pela EDP comercial e pela MCH;
- No âmbito deste Plano, as Partes estabeleceram uma linha de contacto exclusiva e gratuita, dispondo de um número telefónico específico associado, procederam à criação de um site dedicado à campanha e implementaram iniciativas de publicidade e marketing, assentes num plano de comunicação em todos os canais;
- Nos termos da cláusula 6.2. do Acordo de Parceria, os clientes aderentes recebiam vouchers correspondentes a 10 por cento do valor do consumo de eletricidade e da potência contratada relativas ao mês ou meses anteriores, que poderiam ser descontados nas insígnias da MCH e nos espaços das sociedades participadas pela SONAE INVESTIMENTOS;
- Para controlo da emissão e utilização dos vales de desconto, estabeleceu-se entre a EDP Comercial e a MCH um sistema de fluxos de informação, no âmbito do qual a EDP Comercial enviou diariamente à MCH um ficheiro informático com informações do cliente, sua identificação, morada, respectivo desconto, sendo que a MCH, até ao dia 10 de cada mês, procedia ao envio à EDP Comercial de um ficheiro com a indicação dos vales de desconto ativados;
- Aderiram ao Plano Continente 146.775 clientes, dos quais 137.144, se mantiveram contratualmente ligados à EDP Comercial durante e após o término da campanha;
- O somatório dos descontos que beneficiaram os aderentes do PLANO EDP Continente ascendeu a €6.907,354, tendo a taxa total de activação dos vouchers atingido cerca de €6.024.252;
- Os clientes abrangidos pelo Plano EDP que efectivamente a este aderissem eram livres de mudar de comercializador quanto entendessem e, no termo da campanha daquela Plano, puderam optar entre permanecer na EDP Comercial ou passar para um fornecedor concorrente;
- Daquele valor, €1.795.912 foram suportados pela MCH.
Ora tais circunstâncias inerentes ao Acordo de Parceria consubstanciam objectivos no sentido de aumentar a concorrência, portanto pro-concorrenciais, e efeitos benéficos resultantes do Acordo para o consumidor, como, de resto, se reconheceu expressamente na sentença recorrida para o efeito de reduzir em dez por cento as coimas aplicadas.
Porém, no Acórdão que proferiu, o TJUE deu mais um contributo para que se determine em que medida tais efeitos podem ser tidos em consideração para apreciar a natureza nociva do acordo restritivo pelo objecto, especificamente em casos como o dos autos.
Ali se declarou a este respeito, que:
“(…)100 Entre estas práticas colusórias suscetíveis de estar abrangidas pela categoria das restrições por objeto figuram os acordos de repartição dos mercados. Com efeito, esses acordos constituem violações particularmente graves da concorrência (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de dezembro de 2013, Solvay Solexis/Comissão, C‑449/11 P, EU:C:2013:802, n.º 82, e de 4 de setembro de 2014, YKK e o./Comissão, C‑408/12 P, EU:C:2014:2153, n.º 26), uma vez que têm um objetivo restritivo da concorrência por si mesmos e estão abrangidos por uma categoria de acordos expressamente proibida pelo artigo 101.º, n.º 1, TFUE, não podendo esse objetivo ser justificado pela análise do contexto económico no qual o comportamento anticoncorrencial em causa se insere (v., neste sentido, Acórdão de 20 de janeiro de 2016, Toshiba Corporation/Comissão (C‑373/14 P, EU:C:2016:26, n.º 28 e jurisprudência referida).
101 Sucede o mesmo com os acordos de exclusão de mercados, uma vez que têm por objeto suprimir a concorrência potencial e impedir a livre concorrência mantendo um concorrente potencial fora do mercado em causa.
102 Nesta hipótese, a análise do contexto económico e jurídico no qual se insere esse acordo pode limitar‑se ao que se revele estritamente necessário para concluir pela existência de uma restrição da concorrência por objeto (v., neste sentido, Acórdão de 20 de janeiro de 2016, Toshiba Corporation/Comissão (C‑373/14 P, EU:C:2016:26, n.º 29). A este respeito, o objeto anticoncorrencial de um acordo desta natureza pode ser assim confirmado pela circunstância de ocorrer num contexto específico de liberalização do mercado que corresponde à dissolução de significativas barreiras à entrada.
103 Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça declarou que, sempre que as partes num acordo invoquem os efeitos pró‑concorrenciais que lhes estão associados, esses efeitos devem, enquanto elementos do contexto desse acordo, ser devidamente tidos em conta para efeitos da sua qualificação de «restrição por objetivo ((objeto))», na medida em que são suscetíveis de pôr em causa a apreciação global do grau suficientemente nocivo da prática colusória em causa relativamente à concorrência e, consequentemente, a sua qualificação de «restrição por objetivo ((objeto))» (Acórdão de 12 de janeiro de 2023, HSBC Holdings e o./Comissão, C‑883/19 P, EU:C:2023:11, n.º 139 e jurisprudência referida).
104 Todavia, a simples existência de efeitos pró‑concorrenciais não basta para afastar essa qualificação. Com efeito, apenas se esses efeitos forem concretos, relevantes, específicos do acordo em causa, suficientemente significativos e permitirem suscitar dúvidas razoáveis quanto ao caráter suficientemente nocivo para a concorrência desse acordo é que a qualificação de restrição por objeto deve ser afastada (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.ºs 103, 105 a 107)
105 No caso em apreço, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio ter em conta a circunstância, por si salientada na decisão de reenvio, de que a aplicação da cláusula de não concorrência em causa no processo principal ter coincidido com o contexto particular da última fase de liberalização do mercado da comercialização de energia elétrica em Portugal. Do mesmo modo, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, na hipótese de a cláusula de não concorrência não ter sido acessória do Acordo de Parceria em causa no processo principal, se os efeitos pró‑concorrenciais invocados pelas recorrentes no processo principal eram efetivamente específicos dessa cláusula e não simplesmente ligados a esse acordo.
106 Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à primeira e oitava questões que o artigo 101.º, n.º 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula de não concorrência que consiste, nomeadamente, no âmbito de um acordo de parceria comercial, em proibir a uma das partes nesse acordo, a entrada no mercado nacional da comercialização de energia elétrica no qual a outra parte no referido acordo é um dos principais intervenientes, e isto no momento das últimas fases da liberalização desse mercado, constitui um acordo que tem por objeto impedir, restringir ou falsear a concorrência, ainda que os consumidores retirem certos benefícios do referido acordo e que essa cláusula de não concorrência esteja limitada no tempo, desde que resulte de uma análise do teor dessa cláusula, bem como do seu contexto económico e jurídico que a referida cláusula apresenta um grau suficiente de nocividade para a concorrência para que se possa considerar que não é necessário o exame dos respetivos efeitos.(…) (destacado nosso).
Já atrás procedemos à delimitação dos conceitos de restrição por objeto e por efeito, a que agora temos de voltar.
Extrai-se do afirmado pelo TJUE, em consonância com a jurisprudência indicada no acórdão, que o critério jurídico essencial para determinar se um acordo comporta uma restrição da concorrência por objecto reside em apurar se tal acordo revela um grau suficiente de nocividade para a concorrência. Para tanto, importa atender ao teor das disposições do acordo, aos objectivos que visa atingir e ao contexto económico e jurídico em que se insere, sendo que na apreciação deste contexto há que tomar em consideração a natureza dos bens ou dos serviços afectados e as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado em causa, especificamente, no caso, o contexto de liberalização do mercado que corresponde à dissolução de significativas barreiras à entrada.
A cláusula de não concorrência em causa no processo principal, não constituindo, como se analisou, uma restrição acessória do Acordo de Parceria e estando a relação de concorrência potencial estabelecida, é equiparável a um acordo de repartição de mercados que, à semelhança dos acordos de fixação dos preços, constitui uma restrição manifesta da concorrência, tradicionalmente considerada uma infração particularmente grave às regras da concorrência. Com efeito, o Tribunal de Justiça declarou que os acordos que tendem à repartição dos mercados têm um objeto restritivo da concorrência por si mesmos e estão abrangidos por uma categoria de acordos expressamente proibida pelo artigo 101º, n.º 1, TFUE.
No que se refere a tais acordos, a análise do contexto económico e jurídico no qual a prática se insere pode assim limitar‑se ao que se revele estritamente necessário para concluir pela existência de uma restrição da concorrência por objeto.
Como elucida o TJUE, o contexto económico em que se inscreve a cláusula de não concorrência acentua o seu caráter restritivo da concorrência.
Importa lembrar a este propósito que a celebração e aplicação da cláusula de não concorrência coincidiu com o contexto particular da liberalização do mercado da comercialização da energia elétrica de baixa tensão em Portugal Continental, mais precisamente, esta cláusula foi estipulada alguns meses antes da liberalização completa do mercado da comercialização da energia elétrica, o que correspondia ao fim dos preços regulados para todos os consumidores finais, contexto, o operador histórico português nesse mercado, a EDP, tinha interesse em adiar a entrada de potenciais concorrentes no referido mercado.
E nesse contexto a criação pelo próprio operador histórico, ou pelo menos, com a sua contribuição, de entraves à entrada de outros concorrentes no mercado, que o legislador quis que pudessem competir para que o resultado de tal concorrência beneficiasse o consumidor, não pode deixar de reforçar o caráter nocivo de um acordo de repartição de mercados entre um operador histórico e um novo operador potencial.
E se é certo que a cláusula de não concorrência se inscreve no âmbito de uma cooperação mais ampla, a saber, o Acordo de Parceria, suscetível de gerar ganhos de eficiência no interesse de certos consumidores, tal não altera a conclusão de que esse acordo de partilha de mercados constitui, em si mesmo, uma restrição por objeto, porquanto esta cláusula, como se referiu, não constituía uma restrição necessária à aplicação do Acordo de Parceria e, consequentemente, à realização dos ganhos de eficiência a que podia dar origem – as partes podiam, efetivamente, ter feito a campanha de descontos sem ter convencionado a exclusão da concorrência.
E por assim ser, importa considerar que os ganhos que resultaram da parceria para o consumidor não estavam ligados à cláusula de não concorrência, mas sim ao Acordo de Parceria e não podem, portanto, ser invocados para justificar a natureza pró‑concorrencial dessa cláusula.
A diligência de produção de prova requerida pelas EDP Comercial e EDP Energias mostra-se totalmente desnecessária porquanto os factos provados demonstram os efeitos pró-concorrenciais emergentes para os 146.775 clientes do Plano EDP Continente, ou seja, emergentes do Acordo de Parceria (como não poderia deixar de ser) e não do pacto de não concorrência (factos provados n.ºs 275 e 276)
Assim, na configuração específica do caso em apreço, a cláusula de não concorrência —não constituindo uma restrição acessória do Acordo de Parceria e que as partes neste acordo são, pelo menos, concorrentes potenciais — deve ser analisada como uma restrição da concorrência por objeto, na aceção do artigo 101º, n.º 1, TFUE, que não necessita de nenhuma análise específica dos seus efeitos, para assim ser considerada, para além do que o foi na sentença recorrida.
 Tratando-se de um acordo de exclusão de mercados num contexto de fase final de liberalização do mercado, que corresponde à dissolução de significativas barreiras à entrada no mercado por outros “players”, celebrado com e pelo operador histórico, e sem que a restrição fosse necessária ou proporcional aos objetivos da parceria em que foi inserido, constituem uma violação particularmente grave da concorrência uma vez que têm por objeto suprimir a concorrência potencial e impedir a livre concorrência mantendo um concorrente potencial fora do mercado em causa.
A ocorrência dos efeitos pró-concorrenciais não basta para afastar o objetivo declaradamente anti-concorrencial da cláusula em apreço, que não só visava impedir o regular funcionamento do mercado, introduzindo-lhe distorções tendentes a conservar a quota de mercado pelo distribuidor histórico, mas tinha como objetivo mesmo, impedir a entrada de concorrente potencial no mesmo, no momento em que os entraves legais foram eliminados, em contra ponto ao efeito pretendido pelo legislador com a liberalização.
Os efeitos pro-concorrenciais por não serem específicos do acordo em causa, nem suficientemente significativos para permitirem suscitar dúvidas razoáveis quanto ao caráter suficientemente nocivo para a concorrência desse acordo, não sustentam a possibilidade de a qualificação de restrição por objeto ser afastada pelo exame dos efeitos, não sendo, por isso, susceptíveis de ser valorados para além do que foram na sentença recorrida, isto é, para atenuar as coimas aplicadas. Como ali se referiu,
“os acordos que traduzem repartição de mercados [176]consentem a asserção imediata de que constituem violação da norma do NRJC, razão porque na dogmática jurídica são reconduzidos ao conceito de infração de perigo, isto é, aquela cuja verificação se basta com a aptidão do comportamento para atingir um determinado resultado[177].
Ora, no caso dos autos, a tarefa hermenêutica não apresenta dificuldades, dado que, a literalidade do segmento da cláusula objecto dos autos é clara e límpida: a Visada EDP Comercial compromete-se a não actuar no mercado retalhista de bens alimentares, obrigação contratual que assume por determinação e com o conhecimento da EDP Energias; e, por seu turno, a SONAE MC e direta ou indirectamente as participadas, de forma maioritariamente, pela SONAE Investimentos, obrigaram-se a não actuar no mercado de comercialização da energia eléctrica e de gás natural, em Portugal continental – sem distinção quanto ao segmento e quanto a clientes industriais ou residenciais.
Além do teor do clausulado firmado entre as partes, importa, na senda da jurisprudência da União Europeia, cotejar o objectivo prosseguido com o acordo firmado e o contexto económico e jurídico em que o mesmo ocorre [178].
A respeito do objectivo prosseguido cumpre salientar que, conforme já antes enfatizado, o segmento da cláusula 12, objecto de censura, apresentava um âmbito material, subjectivo e temporal que exorbitava os termos do Acordo de Parceria em que se inseria. Com efeito, o acordo de Parceria respeitava à comercialização de eletricidade no mercado de baixa tensão e clientes residenciais, ao passo que aquele segmento da cláusula 12 não estabelece delimitação, por isso, abarcando os demais segmentos do mercado e os clientes industriais; o acordo de parceria não contempla qualquer referência ao gás, mas as partes inscreveram, na sobredita cláusula 12, uma restrição concorrencial neste mercado; a sobredita cláusula mantinha a sua vigência 1 ano depois da cessação da parceria; no que respeita à MCH, a cláusula vinculava outras entidades, maioritariamente participadas pela SONAE Investimentos.
A concatenação de todos estes elementos traduz, de forma eloquente, o desiderato prosseguido pelas Visadas com o comportamento concludente ali vertido: restringirem a concorrência nos mercados da comercialização de electricidade, gás e retalho alimentar, para o que firmaram uma cláusula anticoncorrência.
Esta asserção em nada surge beliscada ou mitigada pela circunstância de a cláusula, aqui objecto de censura, se encontrar inserida num Plano de Parceria que, concomitantemente, prossegue objectivos comerciais líticos e próprios do core businesse de cada uma das subscritoras do mesmo, isto mesmo sendo sinalizado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça“(p)ode considerar‑se que um acordo tem um objeto restritivo da concorrência mesmo que não tenha por único objetivo restringir a concorrência, prosseguindo igualmente outros objetivos legítimos” [179].” (destacado nosso).
Com a repartição de mercados, as partes que se obrigaram a não concorrer ficam impedidas a entrar nos mercados de comercialização da energia elétrica (assim como do gás natural e do retalho alimentar, embora, demonstrando-se a restrição naquele, desnecessária se mostra para concluir pela prática da infração a restrição nestes) e, saindo limitada a concorrência no mercado, ficaram também limitadas, nessa medida, as possibilidades de opção e liberdade de escolha dos consumidores, com reflexo ou não nos preços de mercado.
O teor e objetivos da cláusula em questão, assim como o contexto económico e jurídico no qual se insere, permitem, pois, afirmar que tal acordo é, pela sua natureza, nocivo ao bom funcionamento do jogo normal da concorrência no mercado em causa, tratando-se de uma restrição à concorrência por objecto.
Improcede, pois, também nesta parte, o recurso.
*
III.3.1.6. Da imputação da infração às ora Recorrentes Visadas.
Entendem as Recorrente/Visadas que a sentença recorrida não identifica quem ocupava a posição de liderança para efeitos do disposto no artigo 73.º, n.ºs 2e 3, do NRJC, nem os factos provados que suportam a autoria, bem como que a referência ao conceito de empresa, definido no artigo 3.º, n.º 2, do mesmo diploma, não é suficiente para afirmar a sua responsabilidade contra-ordenacional.
Mas não lhes assiste razão.
Como já supra se analisou em sede de apreciação das nulidades invocadas, e então se ilustrou com jurisprudência, análise e citações que neste ponto se dão por reproduzidos, na sentença recorrida, a este respeito, partiu-se do conceito de empresa previsto no artigo 3º do NRJC, que considera como “única empresa o conjunto de empresas que, embora juridicamente distintas, constituem uma unidade económica, ou mantêm entre si laços de interdependência (…)” e socorrendo-se da doutrina e de alguma da jurisprudência da União Europeia sobre a matéria, concluiu, acertadamente, que o Acordo de Parceria em questão vinculou não só os contraentes mas também os dois grupos societários onde se inserem.
Na definição do conceito de empresa no âmbito do direito europeu da concorrência, designadamente para efeito do disposto no artigo 101º do TFUE, surgem constantemente dois conceitos reputados de elementares na delimitação da responsabilidade da sociedade mãe – os conceitos de “unidade económica” e de “influência decisiva”[180].
A fonte deste preceito é, claramente o art. 81º (actual art. 101º) do TFUE, que tem sido objecto de intenso labor por parte da Comissão e do TJUE, o qual terá, evidentemente, que ser tido em conta na interpretação e aplicação do art.º 3º citado. Pode afirmar-se com segurança que, com as devidas adaptações, é, no caso, às orientações da Comissão e decisões desta e dos Tribunais Europeus que deve ir buscar-se a integração da norma. Os conceitos são os mesmos e têm sido intensamente trabalhados e estudados e valem para o nosso direito interno como para o direito europeu.
Introduzido com a jurisprudência “Stora”[181] o princípio segundo o qual nos casos de detenção da totalidade do capital social de uma sociedade por outra subsidiária, presume-se (presunção de natureza ilidível) o controlo da sociedade-mãe sobre a sua política comercial, podendo ser afirmada uma unidade económica, pode ler-se no Acórdão “Akzo Nobel” proferido em 10.09.2009[182] pelo Tribunal de Justiça:
(…) 54 A título preliminar, importa salientar que o direito comunitário da concorrência visa as actividades das empresas (acórdão de 7 de Janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C-204/00 P, C-205/00 P, C-211/00 P, C-213/00 P, C-217/00 P e C-219/00 P, Colect., p. I-123, n.º 59) e que o conceito de empresa abrange qualquer entidade que exerça uma actividade económica, independentemente do estatuto jurídico dessa entidade e do seu modo de financiamento (v., nomeadamente, acórdãos Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido, n.º 112; de 10 de Janeiro de 2006, Cassa di Risparmio di Firenze e o., C-222/04, Colect., p. I-289, n.º 107; e de 11 de Julho de 2006, FENIN/Comissão, C-205/03 P, Colect., p. I-6295, n.º 25).
55 O Tribunal de Justiça precisou igualmente que o conceito de empresa, inserido nesse contexto, deve ser entendido como designando uma unidade económica, mesmo que, do ponto de vista jurídico, essa unidade económica seja constituída por várias pessoas singulares ou colectivas (acórdão de 14 de Dezembro de 2006, Confederación Española de Empresarios de Estaciones de Servicio, C-217/05, Colect., p. I-11987, n.º 40).
56  Quando uma tal entidade económica infringe as regras da concorrência, incumbe-lhe, de acordo com o princípio da responsabilidade pessoal, responder por essa infracção (v., neste sentido, acórdãos de 8 de Julho de 1999, Comissão/Anic Partecipazioni, C-49/92 P, Colect., p. I-4125, n.º 145; de 16 de Novembro de 2000, Cascades/Comissão, C-279/98 P, Colect., p. I-9693, n.º 78; e de 11 de Dezembro de 2007, ETI e o., C-280/06, Colect., p. I-10893, n.º 39).
57 A infracção ao direito comunitário da concorrência deve ser imputada sem equívoco a uma pessoa jurídica, à qual poderão ser aplicadas coimas, e a comunicação das acusações deve ser dirigida a esta última (v., neste sentido, acórdãos Aalborg Portland e o./Comissão, já referido, n.º 60, e de 3 de Setembro de 2009, Papierfabrik August Koehler e o./Comissão, C-322/07 P, C-327/07 P e C-338/07 P, n.º 38). É igualmente importante que a comunicação das acusações indique em que qualidade a pessoa jurídica é acusada dos factos alegados.
58  Resulta de jurisprudência assente que o comportamento de uma filial pode ser imputado à sociedade-mãe, designadamente quando, apesar de ter personalidade jurídica distinta, essa filial não determinar de forma autónoma o seu comportamento no mercado, mas aplicar no essencial as instruções que lhe são dadas pela sociedade-mãe (v., neste sentido, acórdãos Imperial Chemical Industries/Comissão, já referido, n.ºs 132 e 133; Geigy/Comissão, já referido, n.º 44; de 21 de Fevereiro de 1973, Europemballage e Continental Can/Comissão, 6/72, Colect., p. 109, n.º 15; e Stora, já referido, n.º 26), atendendo em particular aos vínculos económicos, organizacionais e jurídicos que unem essas duas entidades jurídicas (v., por analogia, acórdãos, já referidos, Dansk Rørindustri e o./Comissão, n.º 117, e ETI e o., n.º 49).
59 Com efeito, é assim porque, nessa situação, a sociedade-mãe e a sua filial fazem parte de uma mesma unidade económica e, portanto, formam uma única empresa, na acepção da jurisprudência mencionada nos n.ºs 54 e 55 do presente acórdão. Assim, o facto de uma sociedade-mãe e a sua filial constituírem uma única empresa, na acepção do artigo 81.º CE, permite à Comissão dirigir à sociedade-mãe uma decisão que aplica coimas, sem que seja necessário demonstrar a implicação pessoal desta última na infracção.
60 No caso especial de uma sociedade-mãe deter 100% do capital da sua filial que cometeu uma infracção às regras comunitárias da concorrência, por um lado, essa sociedade-mãe pode exercer uma influência determinante no comportamento dessa filial (v., neste sentido, acórdão Imperial Chemical Industries/Comissão, já referido, n.ºs 136 e 137), e, por outro, existe uma presunção ilidível segundo a qual a referida sociedade-mãe exerce efectivamente uma influência determinante no comportamento da sua filial (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, AEG-Telefunken/Comissão, n.º 50, e Stora, n.º 29).
61 Nestas condições, basta que a Comissão prove que a totalidade do capital de uma filial é detida pela respectiva sociedade-mãe, para se presumir que esta exerce uma influência determinante na política comercial dessa filial. A Comissão pode, em seguida, considerar que a sociedade-mãe é solidariamente responsável pelo pagamento da coima aplicada à sua filial, a menos que essa sociedade-mãe, a quem incumbe ilidir a referida presunção, apresente elementos de prova suficientes, susceptíveis de demonstrar que a sua filial se comporta de forma autónoma no mercado. (v., neste sentido, acórdão Stora, n.º 29).
62 Como foi acertadamente salientado pelo Tribunal de Primeira Instância no n.º 61 do acórdão recorrido, apesar de o Tribunal de Justiça ter evocado nos n.ºs 28 e 29 do acórdão Stora, para além da detenção de 100% do capital da filial, outras circunstâncias, tais como a não contestação da influência exercida pela sociedade-mãe na política comercial da sua filial e a representação comum das duas sociedades durante o procedimento administrativo, não é menos verdade que tais circunstâncias foram referidas pelo Tribunal de Justiça apenas com o objectivo de expor todos os elementos nos quais o Tribunal de Primeira Instância tinha baseado o seu raciocínio, e não para subordinar a aplicação da presunção mencionada no n.º 60 do presente acórdão à produção de indícios suplementares relativos ao exercício efectivo de uma influência pela sociedade-mãe.
63 Resulta de todas estas considerações que o Tribunal de Primeira Instância não cometeu erro jurídico algum ao declarar que, quando uma sociedade-mãe detém 100% do capital da sua filial, existe uma presunção ilidível segundo a qual essa sociedade-mãe exerce uma influência determinante no comportamento da sua filial.
64 Consequentemente, uma vez que a Comissão não estava obrigada, no que respeita à imputabilidade da infracção, a apresentar, na fase da comunicação das acusações, outros elementos para além da prova referente à detenção pela sociedade-mãe do capital das suas filiais, o argumento das recorrentes relativo à violação dos direitos de defesa não pode ser acolhido.
65 No que respeita à crítica do n.º 62 do acórdão recorrido, basta referir que dele não resulta, de maneira nenhuma, que o Tribunal de Primeira Instância reduziu as possibilidades de ilidir a presunção mencionada no n.º 60 do presente acórdão apenas aos casos em que tivessem sido emitidas directivas pela sociedade-mãe. Pelo contrário, resulta dos n.ºs 60 e 65 do acórdão recorrido que o Tribunal de Primeira Instância adoptou uma posição relativamente ampla a este respeito, considerando, designadamente, que incumbe à sociedade-mãe submeter à apreciação do Tribunal de Primeira Instância todos os elementos relativos aos vínculos organizacionais, económicos e jurídicos entre ela e a sua filial, susceptíveis de demonstrar que não constituem uma única entidade económica.(…)” (o destacado é nosso).
Este entendimento foi reiterado no Acórdão do TJ de 27.04.2017, também denominado “Akzo Nobel”[183], no qual se voltou a entender que:
“(…)47 Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o direito da concorrência da União visa as atividades das empresas e que o conceito de empresa abrange qualquer entidade que exerça uma atividade económica, independentemente do seu estatuto jurídico e do seu modo de financiamento (acórdão de 11 de dezembro de 2007, ETI e o., C‑280/06, EU:C:2007:775, n.º 38).
48 O Tribunal de Justiça precisou igualmente que o conceito de empresa, inserido nesse contexto, deve ser entendido no sentido de que designa uma unidade económica, mesmo que, do ponto de vista jurídico, essa unidade económica seja constituída por várias pessoas singulares ou coletivas (acórdão de 20 de janeiro de 2011, General Química e o./Comissão, C‑90/09 P, EU:C:2011:21, n.º 35).
49 Quando essa entidade económica viola as regras da concorrência, cabe‑lhe, segundo o princípio da responsabilidade pessoal, responder por essa infração (acórdão de 29 de março de 2011, ArcelorMittal Luxembourg/Comissão e Comissão/ArcelorMittal Luxembourg e o., C‑201/09 P e C‑216/09 P, EU:C:2011:190, n.º 95).
50 Em segundo lugar, a infração ao direito da concorrência da União deve ser imputada sem equívoco a uma pessoa jurídica, à qual poderão ser aplicadas coimas, e a comunicação das acusações deve ser dirigida a esta última (v., neste sentido, acórdão de 10 de setembro de 2009, Akzo Nobel e o./Comissão, C‑97/08 P, EU:C:2009:536, n.º 57).
51 Nem o artigo 23.º, n.º 2, alínea a), do Regulamento n.º 1/2003 nem a jurisprudência determinam que pessoa coletiva ou singular a Comissão deve declarar responsável pela infração e sancionar através da aplicação de uma coima (v., neste sentido, acórdão de 11 de julho de 2013, Team Relocations e o./Comissão, C‑444/11 P, não publicado, EU:C:2013:464, n.º 159).
52 Em contrapartida, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a conduta ilícita de uma filial pode ser imputada à sociedade‑mãe quando, designadamente, embora tendo uma personalidade jurídica distinta, esta filial não determina de forma autónoma o seu comportamento no mercado, mas aplica essencialmente instruções que lhe são dadas pela sociedade‑mãe, tendo em conta em particular as ligações económicas, organizacionais e jurídicas que unem ambas as entidades jurídicas (v., neste sentido, acórdãos de 14 de julho de 1972, Imperial Chemical Industries/Comissão, 48/69, EU:C:1972:70, n.ºs 131 a 133; de 25 de outubro de 1983, AEG‑Telefunken/Comissão, 107/82, EU:C:1983:293, n.ºs 49 a 53; de 11 de julho de 2013, Team Relocations e o./Comissão, C‑444/11 P, não publicado, EU:C:2013:464, n.º 157; e de 17 de setembro de 2015, Total/Comissão, C‑597/13 P, EU:C:2015:613, n.º 35).
53 É assim porque, nessa situação, a sociedade‑mãe e a sua filial fazem parte de uma mesma unidade económica e, portanto, formam uma única empresa, na aceção do direito da concorrência da União (acórdão de 11 de julho de 2013, Team Relocations e o./Comissão, C‑444/11 P, não publicado, EU:C:2013:464, n.º 157).
54 A este respeito, no caso concreto em que uma sociedade‑mãe detém a totalidade ou a quase totalidade do capital da sua filial que cometeu uma infração às regras de concorrência da União, existe uma presunção ilidível de que essa sociedade‑mãe exerce efetivamente uma influência determinante sobre a sua filial (v., neste sentido, acórdão de 26 de novembro de 2013, Groupe Gascogne/Comissão, C‑58/12 P, EU:C:2013:770, n.º 38).
55 Essa presunção implica, se não for ilidida, que o exercício efetivo, por uma sociedade‑mãe, de uma influência determinante sobre a sua filial é considerada provada e confere à Comissão legitimidade para responsabilizar a primeira pelo comportamento da segunda, sem ter de apresentar nenhuma prova suplementar (v., neste sentido, acórdão de 16 de junho de 2016, Evonik Degussa e AlzChem/Comissão, C‑155/14 P, EU:C:2016:446, n.º 30).
56 Sublinhe‑se, em terceiro lugar, que, nos termos de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, a sociedade‑mãe à qual foi imputada a conduta ilícita da sua filial é pessoalmente condenada por uma infração das regras de concorrência da União que se considera ter sido cometida pela própria, devido à influência determinante que exercia sobre a filial e que lhe permitia determinar o comportamento desta última no mercado (v., neste sentido, acórdãos de 14 de julho de 1972, Imperial Chemical Industries/Comissão, 48/69, EU:C:1972:70, n.ºs 140 e 141; de 16 de novembro de 2000, Metsä‑Serla e o./Comissão, C‑294/98 P, EU:C:2000:632, n.ºs 28 e 34; de 26 de novembro de 2013, Kendrion/Comissão, C‑50/12 P, EU:C:2013:771, n.º 55; de 10 de abril de 2014, Comissão e o./Siemens Österreich e o., C‑231/11 P a C‑233/11 P, EU:C:2014:256, n.º 49; e de 8 de maio de 2014, Bolloré/Comissão, C‑414/12 P, não publicado, EU:C:2014:301, n.º 44).
57 Conforme se recordou no n.º 49 do presente acórdão, o direito da concorrência da União assenta no princípio da responsabilidade pessoal da unidade económica que cometeu a infração. Assim, se a sociedade‑mãe faz parte dessa unidade económica, é considerada pessoal e solidariamente responsável, juntamente com as outras pessoas jurídicas que constituem a referida unidade, pela infração cometida (v., neste sentido, acórdão de 10 de setembro de 2009, Akzo Nobel e o./Comissão, C‑97/08 P, EU:C:2009:536, n.º 77).
58 É por isso que a relação de solidariedade que existe entre duas sociedades que constituem uma unidade económica não pode ser reduzida, no que se refere ao pagamento da coima, a uma forma de caução prestada pela sociedade‑mãe para garantir o pagamento da coima aplicada à filial (v., neste sentido, acórdãos de 26 de novembro de 2013, Kendrion/Comissão, C‑50/12 P, EU:C:2013:771, n.ºs 55 e 56, e de 19 de junho de 2014, FLS Plast/Comissão, C‑243/12 P, EU:C:2014:2006, n.º 107).
59 Em quarto lugar, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, na hipótese em que a responsabilidade da sociedade‑mãe resulta exclusivamente da participação direta da sua filial na infração e em que essas duas sociedades interpuseram recursos paralelos com o mesmo objeto, o Tribunal Geral pode, sem decidir ultra petita, ter em conta a anulação da declaração da infração relativamente à filial quanto a um período determinado e, correlativamente, reduzir o montante da coima aplicada à sociedade‑mãe solidariamente com a sua filial (v., neste sentido, acórdão de 22 de janeiro de 2013, Comissão/Tomkins, C‑286/11 P, EU:C:2013:29, n.ºs 34, 38, 39 e 49).
60 A este respeito, o Tribunal de Justiça salientou, por um lado, que, para imputar a responsabilidade a qualquer entidade de uma unidade económica, é necessário que se faça prova de que pelo menos uma entidade infringiu as regras de concorrência da União e que esta circunstância seja salientada numa decisão que se tornou definitiva e, por outro, que não é relevante a razão pela qual foi declarada a inexistência de conduta ilícita da filial (v., neste sentido, acórdão de 22 de janeiro de 2013, Comissão/Tomkins, C‑286/11 P, EU:C:2013:29, n.ºs 37 e 38).
61 Foi neste contexto que o Tribunal de Justiça se referiu ao caráter totalmente derivado da responsabilidade em que incorre a sociedade‑mãe pelo simples facto de uma filial ter participação direta na infração (v., neste sentido, acórdão de 22 de janeiro de 2013, Comissão/Tomkins, C‑286/11 P, EU:C:2013:29, n.ºs 34, 38, 43 e 49). Com efeito, nesse caso, a responsabilidade da sociedade‑mãe tem origem na conduta ilícita da sua filial, que é atribuída à sociedade‑mãe atendendo à unidade económica que essas sociedades constituem. Por conseguinte, a responsabilidade da sociedade‑mãe depende necessariamente dos factos constitutivos da infração cometida pela sua filial aos quais a sua responsabilidade está inextricavelmente vinculada.
62 Por motivos idênticos, o Tribunal de Justiça precisou que, numa situação em que nenhum fator caracteriza individualmente o comportamento imputado à sociedade‑mãe, a redução do montante da coima aplicada à filial solidariamente com a sua sociedade‑mãe deve, em princípio, estando cumpridos os pressupostos processuais, estender‑se à sociedade‑mãe (v., neste sentido, acórdão de 17 de setembro de 2015, Total/Comissão, C‑597/13 P, EU:C:2015:613, n.ºs 10, 37, 38, 41 e 44).
63 Em quinto lugar, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o exercício do poder da Comissão em matéria de aplicação de sanções pode prescrever relativamente à filial, e não à sua sociedade‑mãe, mesmo quando a responsabilidade desta se baseie totalmente na conduta ilícita adotada pela filial (v., neste sentido, acórdão de 29 de março de 2011, ArcelorMittal Luxembourg/Comissão e Comissão/ArcelorMittal Luxembourg e o., C‑201/09 P e C‑216/09 P, EU:C:2011:190, n.ºs 102, 103, 148 e 149).(…)”(destacado nosso).
E no Acórdão de 14.02.2019[184], o mesmo TJUE entendeu que:
“(…) 29 Com efeito, resulta da redação do artigo 101.º, n.º 1, TFUE que os autores dos Tratados escolheram utilizar o conceito de «empresa» para designar o autor de uma violação da proibição enunciada nessa disposição (v., neste sentido, Acórdão de 27 de abril de 2017, Akzo Nobel e o./Comissão, C‑516/15 P, EU:C:2017:314, n.º 46).
30 Além disso, é jurisprudência constante que o direito da concorrência da União visa as atividades das empresas (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de dezembro de 2007, ETI e o., C‑280/06, EU:C:2007:775, n.º 38 e jurisprudência referida, e de 18 de dezembro de 2014, Comissão/Parker Hannifin Manufacturing e Parker‑Hannifin, C‑434/13 P, EU:C:2014:2456, n.º 39 e jurisprudência referida).
31 Ora, uma vez que a responsabilidade do prejuízo resultante das infrações às regras de concorrência da União tem caráter pessoal, incumbe à empresa que viola essas regras responder pelo prejuízo causado pela infração.
32 Resulta das considerações expostas que as entidades obrigadas a reparar o prejuízo causado por um cartel ou por uma prática proibida pelo artigo 101.º TFUE são as empresas, na aceção desta disposição, que participaram nesse cartel ou nessa prática.
33 Esta interpretação não é posta em causa pelo argumento da Comissão Europeia, apresentado na audiência, segundo o qual resulta do artigo 11.º, n.º 1, da Diretiva 2014/104/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de novembro de 2014, relativa a certas regras que regem as ações de indemnização no âmbito do direito nacional por infração às disposições do direito da concorrência dos Estados‑Membros e da União Europeia (JO 2014, L 349, p. 1), nos termos do qual os Estados‑Membros asseguram que as empresas que infringem o direito da concorrência por meio de um comportamento conjunto sejam solidariamente responsáveis pelos danos causados pela infração ao direito da concorrência, que compete à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro determinar a entidade que é obrigada a reparar esse prejuízo, em conformidade com os princípios da equivalência e da efetividade.
34 Com efeito, esta disposição da Diretiva 2014/104, diretiva que não é, aliás, aplicável ratione temporis aos factos em causa no processo principal, respeita, não à determinação das entidades obrigadas a reparar esse prejuízo, mas à repartição da responsabilidade entre as referidas entidades e, logo, não confere poderes aos Estados‑Membros para procederem a essa determinação.
35 Pelo contrário, a referida disposição confirma, como fez o artigo 1.º da Diretiva 2014/104, sob a epígrafe «Objeto e âmbito de aplicação», no seu n.º 1, primeiro período, que os responsáveis pelo prejuízo causado por uma infração ao direito da concorrência da União são precisamente as «empresas» que cometeram essa infração.
36 Feita esta precisão, há que recordar que o conceito de «empresa», na aceção do artigo 101.º TFUE, abrange qualquer entidade que exerça uma atividade económica, independentemente do estatuto jurídico dessa entidade e do seu modo de financiamento (Acórdão de 11 de dezembro de 2007, ETI e o., C‑280/06, EU:C:2007:775, n.º 38 e jurisprudência referida).
37 Este conceito, inserido nesse contexto, deve ser entendido no sentido de que designa uma unidade económica, mesmo que, do ponto de vista jurídico, essa unidade económica seja constituída por várias pessoas singulares ou coletivas (Acórdão de 27 de abril de 2017, Akzo Nobel e o./Comissão, C‑516/15 P, EU:C:2017:314, n.º 48 e jurisprudência referida).(…)” (destacado nosso).
E concluiu que:
“O artigo 101.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que, numa situação como a que está em causa no processo principal, em que todas as ações das sociedades que participaram num cartel proibido por esse artigo foram adquiridas por outras sociedades, que dissolveram essas primeiras sociedades e prosseguiram as suas atividades comerciais, as sociedades adquirentes podem ser consideradas responsáveis pelo prejuízo causado por esse cartel.”
À luz dessa jurisprudência a «empresa» é uma entidade que desenvolve uma actividade económica, independentemente do seu estatuto jurídico ou do seu modo de financiamento- a interpretação é ampla e relativa, porquanto primordial é a natureza das actividades exercidas pelas entidades e não as características formais dessas entidades[185].
A empresa é, pois, perspectivada como uma unidade económica, enquanto organização unitária de elementos pessoais tangíveis e intangíveis, que prossegue de forma duradoura, um objectivo específico, capaz de contribuir para a violação de uma norma do Direito da Concorrência, ainda que em termos jurídicos, essa unidade seja constituída por pessoas singulares e/ou colectivas com personalidades jurídicas distintas, dessa forma se impedindo situações em que sociedades criem outras cujo capital seja por elas, pelo menos, maioritariamente detido, e portanto, sobre as quais têm a possibilidade de exercer “influência decisiva” para que aquela cometa a infracção, para assim se eximir a sociedade mãe, à responsabilidade pela infracção de que beneficia.
Dessa forma se atinge, portanto, o objetivo de que as sociedades-mãe não sejam tentadas a criar uma subsidiária para práticas colusórias, para depois se eximirem à sua responsabilidade, encerrando as subsidiárias ou reestruturando o grupo a que pertencem.
E no Acórdão de 26.01.2017 “Villeroy e Boch c. Comissão”[186], o mesmo TJUE rejeita mesmo a tese segundo a qual a presunção “Stora”[187] viola a presunção de inocência, o princípio da legalidade dos crimes e das penas, ao entender que:
“(…)149  De resto, ao contrário do que alega a recorrente, a jurisprudência acima exposta não vai contra o direito à presunção da inocência garantido pelo artigo 48.º, n.º 1, da Carta nem contra os princípios in dubio pro reo e da legalidade dos crimes e das penas. Com efeito, a presunção do exercício de uma influência determinante da sociedade mãe sobre a sua filial no caso de detenção da totalidade ou da quase totalidade do capital desta não leva a uma presunção de culpa de nenhuma dessas sociedades, pelo que não viola o direito à presunção de inocência nem o princípio in dubio pro reo. O princípio da legalidade dos crimes e das penas exige que a lei defina claramente as infrações e as penas que as reprimem, condição essa que está preenchida quando o arguido puder saber, a partir da redação da disposição aplicável e, se necessário, com o auxílio da interpretação que lhe é dada pelos tribunais, quais os atos e omissões que dão origem à sua responsabilidade penal (acórdão de 22 de maio de 2008, Evonik Degussa/Comissão, C 266/06 P, não publicado, EU:C:2008:295, n.º 39). Ora, a jurisprudência do Tribunal de Justiça exposta nos n. 148 do presente acórdão não viola esse princípio. (…)”
Também no Acórdão “Elf Aquitaine c Comissão”[188] se entendeu:
“(…)59 A presunção do exercício efectivo de uma influência determinante tem nomeadamente por objectivo encontrar um equilíbrio, por um lado, entre a importância do objectivo de reprimir os comportamentos contrários às regras de concorrência, em particular o artigo 101.º TFUE, e prevenir a sua reprodução e, por outro, as exigências decorrentes de certos princípios gerais de direito da União como, nomeadamente, os princípios da presunção de inocência, da pessoalidade das penas e da segurança jurídica, bem como os direitos de defesa, incluindo o princípio da igualdade de armas. É, nomeadamente, por esta razão que, como resulta do exposto no n.º 56 do presente acórdão, a presunção em causa é ilidível.
60 Deve, além disso, recordar‑se que esta presunção se baseia numa constatação nos termos da qual, excepto em circunstâncias verdadeiramente excepcionais, uma sociedade que detenha a totalidade do capital de uma filial pode, pela simples razão desta participação no capital, exercer uma influência determinante no comportamento da filial e, por outro, que o motivo para o não exercício efectivo deste poder de influência pode, regra geral, ser utilmente procurado na esfera das entidades em relação às quais a presunção se aplica.
61 Neste contexto, se, para ilidir a presunção em causa, fosse suficiente que o interessado emitisse simples afirmações não sustentadas, a mesma seria amplamente privada da sua utilidade.
62 Além do mais, decorre da jurisprudência que uma presunção, ainda que seja difícil de ilidir, permanece dentro de limites razoáveis se for proporcionada ao objectivo legítimo prosseguido, se existir a possibilidade de produzir prova em contrário e se os direitos de defesa forem assegurados (v., neste sentido, acórdão de 23 de Dezembro de 2009, Spector Photo Group e Van Raemdonck, C‑45/08, Colect., p. I‑12073, n.ºs 43 e 44, bem como TEDH, acórdão Janosevic c. Suécia de 23 de Julho de 2002, Recueil des arrêts et décisions, 2002‑VII, §§ 101 e segs.).(…)”
Deste modo, e quanto a este particular conceito, nenhum carácter inovador se encontrará na Diretiva (UE) 2019/1 do Parlamento e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, que “visa atribuir às autoridades da concorrência dos Estados-Membros competência para aplicarem a lei de forma mais eficaz e garantir o bom funcionamento do mercado interno” (Diretiva que obviamente não é aplicável ao caso dos autos, desde logo em face da data da sua aprovação) e impõe a cada Estado Membro que lhes seja aplicável o conceito de empresa na aplicação de coimas às sociedades-mãe, reiterando a especificidade que este conceito assume no Direito da Concorrência[189].
O Tribunal Recorrido entendeu que no artigo 3º do NRJC, de conteúdo semelhante aos já existentes na LdC, o legislador português foi, precisamente ao encontro do termo já cunhado previamente pelo legislador europeu no TFUE, designadamente no artigo 101º, devidamente interpretado pelo TJUE, o qual importou para a ordem jurídica interna, permitindo estender a responsabilidade contra-ordenacional pelos factos praticados pelas pessoas jurídicas que compõem o universo empresarial da sociedade-mãe a esta última, sem que para tal haja de apurar a sua própria responsabilidade.
A alusão, no artigo 73º a “pessoas colectivas, singulares, sociedades irregulares e/ou sem personalidade jurídica teve em vista clarificar ou descrever os entes que podem encabeçar o conceito de empresa de modo a que a nomenclatura do artigo 73º acompanhe a utilizada no artigo 3º”[190], em linha com o estatuído no artigo 488º do Código das Sociedades Comerciais.
É o que decorre da intenção, quer do legislador nacional, quer do legislador europeu, com expressão no elemento literal do artigo 3.º, n.º 2, do Novo Regime Jurídico da Concorrência, para efeitos jusconcorrenciais, em linha com os artigos 488.º e segs. do Código das Sociedades Comerciais – “Existirá “unidade económica” nas “sociedades em relação de grupo” (arts. 488.º e ss. do CSC) e nos conjuntos de empresas em que, apesar de não haver “relação de grupo”, uma delas (sociedade ou não) domina totalmente (ou quase), de modo directo ou indirecto, uma ou mais sociedades, não gozando esta(s) de real autonomia na determinação dos seus comportamentos no mercado.” (vide “Lei da Concorrência, Comentário Conimbricense, Almedina, Maio 2013, p. 37).
Assim, a autoria das Recorrentes que, de um ponto de vista normativo, deve seguir a norma do n.º 2, do artigo 73.º, do Novo Regime Jurídico da Concorrência, encontra-se, no que concerne aos factos, preenchida pelos factos provados na douta sentença recorrida no ponto 1., onde estão identificadas as pessoas singulares que assinaram o Acordo de Parceria e a qualidade em que o fizerem; nos pontos 15., 17., 22., 23. e 24., retirando-se do próprio elemento literal das cláusulas 12.1.a. e 12.2.a. que os grupos societários se vincularam através das mesmas, o que dá suporte ao facto provado no ponto 24, e ainda nos pontos 33, 34, 35, 36, 37 e 38, os quais, traduzindo a própria implicação pessoal das Recorrentes na execução do fenómeno de facto que preenche o tipo de contra-ordenação em causa nos autos, permite afirmar, sem margem para quaisquer dúvidas, os respetivos contributos causais do facto, assim constituindo-as, sem outras considerações, autoras da infracção.
Merecendo assim inteiro acolhimento o Parecer n.º 11/2013, da Procuradoria-Geral da República (publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 178, de 16 de Setembro de 2013), designadamente as conclusões 5, 6 e 7 do mesmo e que referem que “a responsabilidade contra-ordenacional das pessoas colectivas assenta numa imputação directa e autónoma, quer o fundamento dessa responsabilidade se encontre num “defeito estrutural da organização empresarial”, ou “culpa autónoma por défice de organização”, quer pela imputação a uma pessoa singular funcionalmente ligada à pessoa colectiva, mas que não precisa de ser identificada nem individualizada. A imputação da infracção à pessoa colectiva resulta de se considerar autor desta o sujeito que tiver violado, por acção ou omissão, a proibição legal ou o dever jurídico cuja violação a lei comina com contra-ordenação, solução que é coerente com o facto de no direito contra-ordenacional a ilicitude não assentar numa censura ético-jurídica mas sim na violação de um dever legal.”
E a este respeito, cabe salientar o que na sentença recorrida se escreveu e se subscreve inteiramente:
“Não sendo controvertido entre as Visadas a relação de domínio que exercem sobre as respectivas subsidiárias (tal como decorre do artigo 488.º do Código de Sociedades Comerciais) ainda assim quer a EDP Energias, quer a SONAE Investimentos, quer a SONAE MC contestam que lhes possa ser assacada responsabilidade contraordenacional.
Vejamos, então.
No que à EDP Energias respeita importa, desde logo, ter presente que detém a 100 por cento a EDP Comercial. A este respeito, cumpre ainda ter presente que a EDP Energias constitui a empresa mãe do Grupo EDP (cuja estrutura acionista se acha melhor descriminada no ponto 110 da decisão recorrida), sendo as suas participadas em função da área de negócio a que se dedicam: edp comercial, edp distribuição, edp gestão de produção de energia, edp serviço universal, edp Gás, etc.
Por outro lado, do acervo factual apurado – decorrente da conjugação crítica da prova, documental e pessoal, produzida em juízo – resulta que foi a sociedade-mãe, EDP Energias, quem, ainda em Maio de 2011 e já antevendo a aceleração do processo liberalização do mercado – por força da TROIKA, foi imposto um incremento de vinte por cento do preço das tarifas reguladas – determinou a adjudicação, a uma consultora, de um Plano de preparação da nova realidade. Confrontado com esse plano é o CAE quem consente no estabelecimento de uma parceria com o Grupo Sonae e quem autoriza, determina e supervisiona o estabelecimento dessa parceria para angariação de clientes BTN. Mais resulta da documentação junta que, na véspera de assinatura do Acordo de Parceria, a EDP Energias aprovou o plano comercial para 2012, mantendo, de acordo com as actas ulteriores, a supervisão da execução do Plano. O Acordo foi subscrito por (…), presidente da Administração da EDP Comercial e membro do CAE da EDP Energias, que não disputa ter levado o seu teor ao CAE, embora tenha aventado, atento o lapso de tempo decorrido, não ter memória de discussão sobre o clausulado concreto. O plano EDP Continente foi objecto de apresentação pública, em vários meios de comunicação social, pelo presidente da EDP Energias, (…).
Ora, a este propósito, como se teve ocasião de assinalar a respeito da fundamentação da matéria de facto, decorre, impressivamente, do que antecede que a EDP Comercial actuou, invariavelmente, determinada, orientada e supervisionada pela EDP Energias, sendo, por isso, irrelevante, para efeitos de apuramento da sua responsabilidade contraordenacional, que não figure como parte subscritora do acordo. É, de igual modo, irrelevante, para os efeitos ora em análise, a circunstância de o clausulado ter sido, ou não, pormenorizadamente analisado pelo CAE: o que releva é que podia ter sido, que o clausulado lhe foi comunicado e esteve à sua disposição, na véspera da entrada em vigor, sobre ele podendo ter exercido total escrutínio, inclusive, impedindo a sua entrada em vigor. Se o CAE da EDP Energias afrouxou esses poderes de sindicância e escrutínio, relativamente aos quais detinha pleno controlo e domínio do facto, só a si pode ser assacado e, logicamente, não pode ter a virtualidade de o eximir da responsabilidade contraordenacional decorrente da consignação de uma cláusula anti-concorrencial. A ser assim, no limite, estaria encontrada uma fórmula de eximir de responsabilidade, apenas porque assim se quis, a empresa-mãe que gizou, concebeu, determinou, autorizou e supervisionou o Plano executado pela empresa filha. Há, pois, que concluir que a EDP Energias era a detentora do domínio integral do facto atinente ao clausulado inscrito pelas Partes no Acordo de Parceria, razão porque o caracter ilícito da clausula anti concorrencial ali aposta, lhe é imputável. Das regras da experiência comum e da normalidade social resulta que, no particular contexto económico, comercial e jurídico, em que a Parceria foi forjada, a EDP Energias representou e actuou com intenção de avalizar e implementar, por via da EDP Comercial, a cláusula anti concorrencial censurada.
Vejamos, agora, se relativamente às Visadas SONAE Investimentos e SONAE MC há lugar a idêntica responsabilização.
Do acervo factual aturado resulta que, pelo menos desde 5 de janeiro de 2012, a Sonae Investimentos detém 100% do capital da MCH, outorgante do Acordo de Parceria. Segundo Ângelo Paupério – ouvido na qualidade de legal representante – a Sonae Investimentos reúne seis vezes por ano, com o fito de empreender uma análise trimestral dos negócios das suas participadas, aprovar o plano estratégico anual das participadas e proceder a um balanço intermédio. Aquando da negociação e celebração do acordo de Parceria, a Sonae Investimentos e a Sonae MC tinham dois administradores comuns: (…) e (…), dedicando-se as holdings a aprovar a estratégia apresentada por cada uma das sociedades representativa da unidade de negócio e, nessa medida e em consequência, a determinar a alocação dos meios financeiros e humanos necessários para o efeito. Em matéria de consolidação de contas, a SONAE INVESTIMENTOS consolida as contas das filhas e, por seu turno, as suas contas são consolidadas pela EFANOR Investimentos SGPS, S.A.. No caso da SONAE Investimentos, é a mesma expressamente inscrita e vinculada pela alínea a), do número 1 da cláusula 12, vinculação arrimada na circunstância de constituir a sociedade que encimava as sociedades participantes no ecossistema do cartão continente. Acresce que, a Direcção Legal da SONAE Investimentos negociou e assessorou o estabelecimento do Acordo de Parceria[191]. A SONAE CENTER, por seu turno, era detida a 100 por cento pela SONAE SGPS S.A.[192] Já a SONAE SGPS detinha 76,8556% da Sonae Investimentos, correspondendo 25,029% a uma participação direta e 51,827% a uma participação indireta através da sua subsidiária Sonaecenter Serviços, S.A. (cfr. a mesma documentação).
O Plano EDP Continente foi objecto de publicitação como pertencente ao Grupo SONAE no Relatório Financeiro consolidado relativo a 2012 da Sonae SGPS, sendo que, à data da celebração e negociação do Acordo de Parceria, (…) ocupava funções no Conselho de Administração da MCH e no Conselho de Administração da Sonae MC.
Donde, em síntese, a Modelo Continente, subscritora do Acordo de Parceria, a Sonae Investimentos expressamente abrangida pelo teor restritivo da cláusula 12.1.a) – cujo teor da Parceria assessorou e negociou por via da sua direcção Legal – e a SONAE MC que aprovou, na Comissão Executiva, o PLANO EDP Continente, são, por isto mesmo, responsáveis pelo teor do pacto de concorrência firmado.
Das regras da experiência comum e da normalidade social resulta que, no particular contexto económico, comercial e jurídico, em que a Parceria foi forjada, estas Recorrentes representaram a ilicitude da cláusula, actuando com intenção de a avalizar e implementar.
Não se apuraram quaisquer factos excludentes da ilicitude ou da culpa das Visadas.
Conclui-se, assim, que todas as Recorrentes praticaram a contraordenação p. e p. pela conjugação do disposto na alínea c), do número 1, do artigo 9.º do NRJC e alínea a), do número 1, do artigo 68.º do mesmo diploma.”
Deste modo, resulta claro e evidente de que há efectivamente factos caracterizadores da estrutura da autoria das Recorrentes, mostrando-se perfectibilizada a previsão do referido artigo 73.º, n.º 2, do NRJC (quanto à autoria das pessoas colectivas) e o tipo objectivo da infracção no seu momento inicial da subsunção, que será a estrutura do comportamento do agente, e tudo isto no enquadramento normativo acima explicado – artigo 3.º, n.º 2 e 73.º, n.º 2, ambos do NRJC.
Como refere a Recorrida AdC “em lugar algum, na Sentença recorrida, se alude a uma responsabilidade solidária ou a uma responsabilidade subsidiária das sociedades-mãe pelo comportamento das sociedades-filhas, mas a uma imputação de responsabilidade jusconcorrencial na estrita medida da atuação das Recorrentes, em paralelo com a Decisão da AdC.
Naturalmente que os laços de interdependência e as ligações societárias estabelecidas entre todas as Recorrentes influíram na ponderação do Tribunal, o que, atendendo aos contornos do caso em apreço, é uma ponderação compreensível:
Veja-se que: (i) o exame das condições de concorrência potencial demanda o cotejo dos respetivos grupos económicos; (ii) a vinculação, dada como provada, pela Sonae Investimentos ao Pacto de não-concorrência, bem como a demonstrada intervenção da Sonae MC no mesmo, implica a ponderação das respetivas ligações entre estas e a Recorrente MCH, não podendo o Tribunal (nem a AdC) “fechar os olhos” a estes laços societários ou aos vasos comunicantes existentes entre elas;   (iii) o mesmo sucede face às ligações entre a EDP Energias e a EDP Comercial, tendo-se dado como provado que a execução do Acordo de Parceria foi delegada pela primeira na segunda, esta fazia pontos de situação sobre o desenvolvimento das negociações com a Sonae à EDP Energias e o acordo foi, inclusive, levado ao conselho de administração da última, que assume a qualidade de sociedade-mãe, e não menos importante, no seio do direito da concorrência, é a empresa, na aceção do artigo 3.º da Lei da Concorrência, o centro de imputação subjetiva de responsabilidade contraordenacional jusconcorrencial.
Não pode desconhecer-se que a vinculação aos factos resulta desde logo do teor expresso da cláusula 12º em apreço.
E não pode, perante o que se expôs, validamente entender-se que a Sentença Recorrida omitiu qualquer referência ao título subjetivo por que condena as ora Recorrentes pela infração contra-ordenacional em causa nos presentes autos.
Com efeito, os enunciados de facto do dolo e da culpa encontram-se adequadamente descritos nos pontos 22. e 51. da matéria de facto provada, constando da motivação o facto probatório que sustenta aqueles factos provados e onde se pode ler que “(…) no particular contexto económico, comercial e jurídico em que a Parceria foi forjada, estas recorrentes (EdP – Energias de Portugal, S.A., EdP Comercial – Comercialização de Energia, S.A., Sonae Investimentos SGPS, S.A e Modelo Continente Hipermercados, S.A.) representaram a ilicitude da cláusula (pontos 15., 16. e 17. da matéria de facto provada), actuando com a intenção de a avalizar e implementar.”
Importa, pois concluir que o elemento subjetivo da infração imputada se encontra adequadamente caracterizado nos factos provados, pois ali se refere que as Visadas representaram a ilicitude da cláusula e atuaram com intenção de a avalizar e implementar.
Não se verificam, pois, os vícios de ilegalidade ou inconstitucionalidade imputados à sentença recorrida neste ponto.
*
III.3.2. Das sanções aplicadas a cada uma das Visadas.
III.3.2.1. Dos Recursos das Visadas.
As Recorrentes Visadas imputam à sentença diversos erros de julgamento de direito, referentes à determinação da medida da coima, alegando-se que se enunciaram apenas os critérios legais aplicáveis, sem qualquer ponderação das circunstâncias específicas do caso concreto, da infração em causa, do contributo e envolvimento de cada Visada e das diferentes exigências preventivas e nível de culpa associados, o que determina a nulidade da Sentença, nos termos dos artigos 379.º, n.º 1, alínea a), e 374.º, n.º 2, ambos do CPP, aplicáveis ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, e artigo 83.º da NRJC.
Mais foi invocada, a este respeito, a inconstitucionalidade material do artigo 69.º, n.º 2 do NRJC, que estabelece a moldura sancionatória aplicável, cujo limite máximo, como reconhece a Sentença recorrida, “é determinável” (pp. 188-189), mas não se encontra previamente determinado, que a AdC e escolheu o momento em que proferiu a decisão condenatória, fazendo-o cinco anos depois dos factos, e com isso escolhendo, também, o volume de negócios que ia ter em consideração para efeitos da sanção a aplicar, concluindo que a norma resultante do artigo 69.º, n.º 2, da LdC, interpretada e aplicada no sentido em que fixa abstratamente como máximo da coima montante equivalente a 10% do volume de negócios do agente da infração no exercício anterior à condenação (o qual é sempre desconhecido e não controlável pelo agente da infração e está, exclusivamente, dependente da discricionariedade do decisor), é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 29.º, n.ºs 1 e 3, e 30.º, n.º 1, todos da Constituição, o que se deixa invocado.
O Ministério Público e a Autoridade da Concorrência pronunciaram-se pela improcedência do recurso nesta parte.
Vejamos.
Este Tribunal já se pronunciou sobre a questão da inconstitucionalidade material do n.º 2, do artigo 69.º, do NRJC, por violação dos princípios da legalidade e da proporcionalidade, cabendo agora aqui apenas recordar o que então decidimos, acerca de tal questão que tem sido objecto de larga controvérsia na doutrina e na jurisprudência portuguesas[193].
“No Acórdão deste Tribunal proferido no processo 36/16.0YUSRT.L1 a que já fizemos referência, expuseram-se[194] os argumentos decisivos que permitem considerar que não se verifica a inconstitucionalidade invocada:
"(…) i. embora tais princípios (princípios da legalidade e da tipicidade) não valham "com o mesmo rigor" ou "com o mesmo grau de exigência" para o ilícito de mera ordenação social, eles valem "na sua ideia essencial";
ii. aquilo em que consiste a sua ideia essencial outra coisa não é do que a garantia de proteção da confiança e da segurança jurídica que se extrai, desde logo, do princípio do Estado de direito;
iii. assim, a Constituição impõe "exigências mínimas de determinabilidade no ilícito contraordenacional" que só se cumprem se do regime legal for possível aos destinatários saber quais são as condutas proibidas como ainda antecipar com segurança a sanção aplicável ao correspondente comportamento ilícito".
"Antecipar com segurança a sanção aplicável ao correspondente comportamento ilícito não significa, evidentemente, determinar com precisão a medida da sanção que vai ser aplicada, uma vez que esta depende, num sistema de sanções graduáveis, de uma graduação em função de determinados critérios. Isto significa que o princípio da legalidade, na vertente da determinação das sanções, é compatível com um certo nível de indeterminação. Nesta medida, quando se trata de aferir se é possível "antecipar com segurança a sanção aplicável ao correspondente comportamento ilícito" o que está em causa é apurar um determinado nível de determinação ou de determinabilidade da sanção aplicável. Nível esse que deverá ser mais ou menos exigente em função das consequências decorrentes da condenação e, nesta medida, o ilícito de mera ordenação social, enquanto "ordem sancionatória não privativa de liberdade" consente um nível de indeterminação superior do que o direito penal ou uma aplicação do princípio, em termos gradativos, menos exigente. À semelhança, aliás, do que se verifica a propósito da aplicação ao ilícito de mera ordenação social de outras garantias constitucionais penais(...)
Dito isto, considera-se que "antecipar com segurança a sanção aplicável ao correspondente comportamento ilícito" significa, no âmbito do ilícito de mera ordenação social, dispor dos elementos mínimos necessários para o agente se autodeterminar.
Ora, esse agente, no domínio das práticas restritivas da concorrência, traduz-se em empresas. E para as empresas o que importa quando se trata de serem sujeitas a uma coima, é o efeito que essa sanção pecuniária terá na sua esfera económico-financeira à data ou o mais próxima possível da condenação.
Nesta medida, o facto da lei lhes assegurar que a coima terá como limite 10% do seu volume de negócios realizado no exercício imediatamente anterior à condenação pela AdC — que reflete, com o mínimo de segurança, a sua situação económica mais atual — é, salvo melhor entendimento, suficiente para as empresas se autodeterminarem no momento da prática do facto.
Quanto à possibilidade desse limite estar sujeito à variação no tempo ao sabor da evolução do mercado, da diligência da autoridade sancionadora e da própria complexidade do processo, note-se que há critérios de determinação da medida das sanções que também estão sujeitos a variações temporais. E, no entanto, são necessários para que a sanção seja apta a cumprir as finalidades punitivas que lhes estão subjacentes no momento em que é aplicada. Tal como sucede, no caso, com a fixação do limite de 10% em função da situação económica mais atual do visado no momento da condenação pela AdC.
E, por fim, quanto à possibilidade de manipulação intencional do limite máximo da coima pela AdC é uma hipótese que não pode ser equacionada ou aceite em termos gerais. Com efeito, pese embora se admita que um sistema, de acordo com a moderna conceção de garantismo, não pode depender das supostas "boas qualidades" das pessoas que o integram, sendo necessário introduzir garantias adicionais, sobretudo quando estão em causa matérias em que as 'fragilidades humanas" mais se podem manifestar, o certo é que o volume de negócios do visado é algo que a AdC não pode controlar".
Compatibilizando a interpretação do n.º 2 com o n.º 1 do artigo 69º, a sanção estabelecida, permite, pois, ao agente prever, logo no momento da prática da infracção, que a coima aplicável tenderá sempre a privá-lo, integralmente, dos proveitos obtidos com a respectiva prática, ou, no caso de não ser possível apurar tal valor, no máximo já mencionado.”
Por estas razões é possível afirmar que a norma não viola os princípios da legalidade, da segurança jurídica, da proteção da confiança, da separação de poderes e da proporcionalidade, imanentes a um Estado de direito democrático.
De resto, o limite previsto no artigo 69º, n.º 2, do NRJC, pese embora seja variável, não impede que se avalie a proporcionalidade da sanção, pois os agentes potenciais deste tipo de infrações são empresas e para as empresas 10% do seu volume de negócios durante um ano é uma expressão perfeitamente, conhecida e mensurável na atividade económica.
Tem de ser considerado simultaneamente o fator da culpa, conjuntamente com os demais critérios de determinação da medida da coima, designadamente relativos ao facto e aos seus efeitos, e a situação económico-financeira do agente. Isto significa, por um lado, que os limites máximos objetivos e fixos não são determinados apenas em função da gravidade máxima que o facto e os seus efeitos podem assumir, mas também em função da situação económico-financeira dos possíveis agentes da infração.
Significa ainda, por outro lado, que na concreta tarefa de determinação da medida da coima e ponderação do facto, dos seus efeitos e demais critérios é sempre combinada e subjetivizada à luz da situação económico-financeira atual do infractor, o que impede que a sanção leve à insolvência da infractora, dessa forma contrariando o objeto de favorecer a concorrência. O artigo não viola os princípios da proporcionalidade, adequação e necessidade da restrição de direitos fundamentais (artigo 18º da CRP) e do princípio da culpa (artigo 1º da CRP).
E não se vislumbra como se pode colocar qualquer problema de violação do princípio da igualdade, pois nada há de desigual em tratar de forma diferente, sociedades com valores de facturação diversa e/ou de valores decorrentes da infracção também dissemelhantes.
Chamado a pronunciar-se, o Tribunal Constitucional, pelo menos no Acórdão nº 400/2016 (autos de recurso n.º 383/2015, AdC/Sport TV Portugal, S.A.), decidiu que a norma não enferma de tal vício. Ali se entendeu que:
“(…) 12. Não se trata de questão nova na jurisprudência constitucional. No âmbito da fiscalização concreta, o Tribunal Constitucional já foi chamado, por diversas vezes, a apreciar a validade constitucional de normas especificas de regimes contraordenacionais, designadamente no que respeita à amplitude de diversas molduras sancionatórias, tendo tido que decidir dos termos em que as normas que contêm princípios constitucionais com relevo em matéria penal valem no domínio contraordenacional
Neste âmbito, o Tribunal Constitucional tem constantemente sublinhado «a diferente natureza do ilícito, da censura e das sanções» entre o ilícito contraordenacional e o ilícito penal, para justificar que os princípios que orientam o direito penal não são automaticamente aplicáveis ao direito de mera ordenação social.
A mais recente jurisprudência deste Tribunal, ao apreciar da eventual violação do princípio da legalidade pela excessiva amplitude existente entre a medida mínima e a medida máxima da coima, tem-se pronunciado pela não inconstitucionalidade, conforme resulta, por exemplo, do Acórdão 85/2012 (disponível no site do Tribunal). Neste aresto o Tribunal chegou mesmo a afirmar que a exigência de determinabilidade do tipo predominante no direito criminal não opera no domínio contraordenacional. Note-se, porem, como sublinha Nuno Brandão (in Crimes e Contraordenardes da Cisão a Convergência Material, Coimbra, 2016, pp 896-898), que o Tribunal nunca abandonou por completo a exigência de tipicidade, tendo antes passado a situá-la no âmbito do princípio do Estado de direito vertido no artigo 2.º da nossa Constituição" — cf. pág. 9 da decisão sumária (destaque da responsabilidade da AdC).
22. Acresce que, tal como se menciona na decisão sumária, no que concerne ao intervalo entre os limites máximos e mínimos da coima, e ponderados os acórdãos do TC referidos, concluiu-se que o juízo de constitucionalidade constante dos Acórdãos citados tem plena aplicação ao regime das práticas restritivas da concorrência.
23. Em tais arestos o TC concluiu que, sendo díspar a distância entre os níveis de ilicitude das concretas condutas e, portanto, os níveis de culpa dos agentes bem como a sua situação económica, os limites mínimos e máximos da coima não podem deixar de estar muito distantes entre si, tanto em termos absolutos, como em termos relativos, de modo a permitir ao aplicador a necessária ponderação e a adequação da coima.
24. Essa disparidade impõe-se pela necessidade de conferir um efeito dissuasor alargado à moldura sancionatória, tendo portanto a mesma que ser abrangente.
25. Só assim a coima cumpre o seu fim de prevenção geral negativa, no sentido de evitar que os demais agentes tomem o comportamento infrator como modelo de conduta. É esse efeito de prevenção geral que um tal, limite máximo da coima pretende alcançar.
26. Verifica-se, pois, que o TC se pronunciou e fundamentou a sua decisão sobre a improcedência da presente questão.
27. Aliás, na reclamação a Recorrente não expõe quaisquer argumentos que permitam contrariar fundamentadamente a decisão do TC, limitando-se a argumentar que o Tribunal não se pronunciou sobre a questão e a invocar que, por, isso, a decisão padece do vício de falta de pronúncia.
Da alegada inconstitucionalidade do normativo que determina um limite máximo da coima "volátil e indeterminado"
28. Da leitura da reclamação constata-se que, não obstante a crítica feita à decisão sumária em causa, os argumentos expendidos pela Recorrente para a fundamentação das alegadas inconstitucionalidades relativamente à amplitude da coima e à determinação do limite da mesma se fundem, porquanto, e tal como se refere na decisão, trata-se apenas de uma única questão.
29. No âmbito desta abordagem da Sport TV quanto à determinação da medida da coima, importa salientar que é evidente que aquilo que não pode ser admitido são as molduras indetermináveis, tendo em conta o princípio da legalidade, por imposição do corolário do princípio da tipicidade.
30. Ora, tendo presente que nos termos do n.º 4 do artigo 69.º da Lei n.º 19/2012, se atende a 10% do volume de negócios, constituindo este o limite máximo aplicável, improcede a alegada inconstitucionalidade, porquanto a fixação do limite máximo de 10% do volume de negócios da Recorrente permite saber qual a proporção máxima que a coima poderá representar na sua, atividade.
35. No que concerne à determinação concreta da coima há que ter em consideração os critérios exigidos pelo n.º I do artigo 69.º da Lei n.º 19/2012. Por seu turno o artigo 18.º do RGCO, aplicável ex vi artigo 13.º da mesma Lei (e porque o próprio n.º 1 do artigo 69.º não é ele mesmo taxativo, de onde resulta que nele não estão incluídos todos os elementos a considerar na determinação da medida concreta da coima) acrescenta ainda que deve ser tomado em conta o elemento da culpa.
36. Daqui decorre que a coima concretamente aplicada resulta da ponderação de todos os critérios (que a Recorrente não põe em causa no caso concreto) balizada pelo limite de 10% do volume de negócios que, como se observou não mereceu qualquer censura constitucional.
37. Para além disso, e como se refere na decisão do TC, é necessário ainda olhar para os fins de prevenção geral e especial na aplicação das coimas. Tal como no Direito Penal, a aplicação de coimas em processo contraordenacional visa a proteção de bens jurídicos, nomeadamente a confiança dos agentes económicos e dos consumidores, na sua ordem jurídica e no livre funcionamento do mercado e da concorrência.
38. Do que vem dito, forçoso é concluir que, relativamente a esta questão, a decisão sumária do TC não merece qualquer reparo.
Da alegada inconstitucionalidade do normativo que estabelece o volume de negócios do agente como critério de determinação do valor máximo da coima aplicável
39. No âmbito desta questão o TC considerou que, "a norma em causa, ao mandar atender ao volume de negócios do agente para efeitos de determinação do limite máximo da moldura abstrata da coima, assegura que é tida em conta a situação particular de cada empresa, o que faz com que nenhuma empresa seja penalizada em termos relativamente mais gravosos do que outra empresa. Não se vislumbra, de facto, como se pode colocar qualquer problema de tratamento desigual. O parâmetro invocado pela recorrente - o principio da igualdade - é inidóneo para apreciar, à luz da Constituição, a norma sub judice.
Como se referiu no Acórdão n.º 353/2011 a respeito da interpretação da norma do regime anterior - o artigo 43.º, n.º 1, da Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho - «tal significa que, nessa interpretação do regime legal, se procura, através de um critério objetivo legalmente estabelecido, introduzir uma relação de dependência entre a moldura abstrata da coima e o beneficio económico que o arguido retirou da prática da infração, beneficio esse calculado a partir do valor do volume de negócios do ano em que cessou a prática da infração».
Quanto ao segundo princípio, o da proporcionalidade, a recorrente não invoca quaisquer argumentos suscetíveis de alicerçar uma violação, pelo que, não se descortinando ofensa deste principio - que já foi objeto de tratamento improcede também esta pretensão"— cf. pág. 15 e 16 da decisão sumária).
40. Relativamente à presente questão a Recorrente declara não aceitar as conclusões do Tribunal por entender que a mesma carece de uma análise mais aprofundada pelo TC.
41. Ora, não se alcança a que tipo de análise se refere a Recorrente, tendo presente que a questão em causa já foi objeto de análise e decisão em outros processos, entre os quais o acórdão citado na presente decisão.
42. Aliás, no acórdão citado procede-se a uma análise profícua da questão em causa, permitindo concluir que o volume de negócios é o fator mais representativo da dimensão da empresa e do potencial efeito lesivo da conduta. Para além disso garante o efeito dissuasor da sanção caso não exista vantagem direta.
43. Acresce que o controlo da legitimidade, desde logo constitucional, da própria sanção é assegurado no n.º I do artigo 69.º da Lei n.º 19/2012, no qual se encontram previstos os critérios a tomar em consideração na determinação da medida da coima, permitindo assegurar o tratamento equitativo e proporcional dos arguidos, os quais verão apreciada a sua conduta e, consequentemente, fixada a coima, atendendo aos concretos fatores que subjazem à infração e ao comportamento em causa.
44. A estatuição pelo legislador da percentagem do volume de negócios das empresas visadas afigura-se ser, inequivocamente, o critério que, pela sua proporcionalidade objetividade, melhor protege o princípio da igualdade (todas as empresas estão sujeitas aos mesmos esforços proporcionais).
45. Uma moldura da coima dependente do volume de negócios das empresas visadas assegura melhor o cumprimento dos princípios constitucionais da proporcionalidade e adequação, revelando-se, aliás, ser esta, também, a melhor forma de assegurar a aplicação justa e equitativa da respetiva sanção.
46. Atento o exposto verifica-se que a Recorrente apenas revela que discorda da análise feita pelo Tribunal e do resultado alcançado, não merendo a decisão em causa qualquer reparo.»
(…)
Tanto quanto se pode compreender, a reclamante distingue dois planos na norma que contesta. Indicando-os pela ordem inversa da reclamante, que se afigura mais lógica: a escolha do critério para fixar o limite máximo da coima — o volume de negócios — e o momento em que este critério opel'a — o exercício imediatamente anterior à decisão condenatória da Autoridade da Concorrência.
Note-se que, relativamente ao primeiro «segmento normativo» indicado pela reclamante, admitimos (como fez o Ministério Público) assentar a sua autonomização no elemento temporal — o exercício a tomar em consideração -, porque não parece possível extrair qualquer outro elemento autónomo da expressão «um limite máximo da coima volátil e indeterminável até ao momento da efetivação da decisão da Autoridade da Concorrência»: a volatilidade e indeterminabilidade do limite máximo da coima constituem a consequência lógica inevitável do critério escolhido. Fazendo apelo ao volume de negócios, claro que, sendo este variável de exercício para exercício, o limite máximo da coima aplicável não pode deixar de variar, para mais ou para menos, em função dele. E sobre a admissibilidade constitucional de tal critério já o Tribunal se pronunciou, em arestos indicados na decisão sumária.
Porém, como refere o representante do Ministério Público, o elemento temporal não foi autonomizado, como critério normativo autónomo, no requerimento de recurso (tão pouco na motivação do recurso para a Relação de Lisboa, autora da decisão recorrida), tendo a inconstitucionalidade sido imputada apenas à escolha do critério. Daí que a decisão sumária se tenha limitado a «não julgar inconstitucional a norma constante do n.º 2 do artigo 69.º da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio, quanto ao segmento normativo que estabelece o volume de negócios do agente como critério de determinação do valor máximo da coima aplicável».
Forçoso é também concluir que a decisão sumária reclamada não deixou de se pronunciar sobre nenhum aspecto que devesse fazê-lo. Assim sendo, resta indeferir a reclamação e confirmar a decisão reclamada.(…)”

Também o TJUE no processo n.º C-266/06 P[195] decidiu que esse esquema sancionatório é válido perante o direito europeu, respeitando suficientemente as garantias propiciadas por este ordenamento, em particular no que diz respeito aos princípios da legalidade e da proporcionalidade - § 38 e seguintes – a ausência de limites máximos abstractos para as coimas aplicáveis, não afeta a respetiva determinabilidade. Ali pode ler-se que:
“(…)38 A este respeito, recorde-se que o princípio da legalidade das penas, que se inscreve nos princípios gerais do direito comunitário que estão na base das tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros, também está consagrado em diversos tratados internacionais, e, em particular, ao artigo 7.º da CEDH (ver, neste sentido, nomeadamente, os acórdãos de 12 de Dezembro de 1996, X, C - 74/95 e C - 129/95, Col. I-6609, n.º 25; de 28 de Junho 2005, Dansk Rørindustri e outros / Comissão, C - 189/02 P, C - 202/02 P, C - 205/02 P a C - 208/02 P e C - 213/02 P, Col. I - 5425, parágrafos 215 a 219, bem como de 3 de maio de 2007, Advocaten voor de Wereld, C - 303/05, Colet. I - 3633, n.º 49).
39 Este princípio exige que a lei defina claramente as infrações e as penas aplicáveis. Esta condição é cumprida quando o litigante pode saber, a partir da redação da disposição pertinente e se necessário com o auxílio da interpretação que lhe é dada pelos tribunais, quais os atos e omissões que dão origem à sua responsabilidade penal (ver acórdão Advocaten voor de Wereld, citado acima, parágrafo 50).
40 Além disso, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a clareza da lei é avaliada não só no que diz respeito à redação da disposição relevante, mas também aos detalhes fornecidos por jurisprudência consistente e publicada. (ver, em particular, Eur. DH Court, acórdão G. v. France de 27 de setembro de 1995, série A nº 325-B, § 25). A este respeito, o Tribunal reconheceu que decorre desta jurisprudência que o conceito de "direito" na acepção do artigo 7.º, n.º 1, da CEDH corresponde ao de "direito" utilizado noutras disposições da mesma convenção. e abrange tanto a origem legal como a jurisprudencial (v. Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido, n. º 216).
41 É, portanto, à luz das considerações de princípio acima expostas que importa examinar se o Tribunal Geral interpretou erradamente o princípio da legalidade das sanções no acórdão recorrido.
42 A este respeito, resulta desde logo que o Tribunal Geral, nos n.ºs 66 a 73 do acórdão recorrido, desenvolveu uma interpretação do princípio da legalidade das sanções em conformidade com as indicações constantes dos n.ºs 38 a 40 do acórdão este julgamento.
43 O Tribunal Geral declarou, em particular, no n. º 66 do acórdão recorrido, que o princípio da legalidade das sanções é um corolário do princípio da segurança jurídica, que exige que toda a legislação comunitária seja clara e precisa.
44 Além disso, o Tribunal Geral, nos n.ºs 69 a 72 do acórdão recorrido, reproduziu corretamente a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao artigo 7. º, n. º 1, da CEDH. Nesses pontos, observou acertadamente que esta disposição não exige, nos termos da disposição pertinente por força da qual é aplicada uma sanção, a existência de cláusulas extremamente precisas que permitam prever as consequências com absoluta certeza, uma violação desta última disposição.
45 Além disso, o Tribunal Geral, ao basear-se nesta jurisprudência, teve razão, no n.º 72 do acórdão recorrido, por um lado, ao sublinhar que o requisito de previsibilidade que acompanha o princípio da legalidade das sanções não se opõe a lei que atribua um poder de apreciação, cujo âmbito e modalidades de exercício são definidos com suficiente clareza e, por outro lado, acrescentou que, a este respeito, para além do texto da própria lei, o referido Tribunal acolhe considerar a questão de saber se os conceitos indeterminados utilizados foram esclarecidos por jurisprudência constante e publicada.
46 A este respeito, o Tribunal Geral não pode ser criticado por ter violado as exigências do princípio da legalidade das sanções, na medida em que se dirige ao legislador, o qual deve garantir que define de forma suficientemente precisa a norma que prevê a sanção. Como resulta do n. º 40 do presente acórdão, a clareza da lei é avaliada tanto no que se refere à redação da disposição pertinente como aos pormenores fornecidos por jurisprudência constante e publicada, que precisamente o Tribunal considerou serem relembrados no n. 72 do acórdão recorrido.
47 Do mesmo modo, uma leitura do acórdão recorrido, em particular dos n.ºs 66 a 74, basta para demonstrar que a crítica da Degussa de que o Tribunal Geral subestimou o valor do princípio da legalidade das sanções, reconhecido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, não pode prosperar validamente.
48 Daqui decorre que o Tribunal Geral não ignorou, no acórdão recorrido, as exigências decorrentes do princípio da legalidade das sanções e, portanto, as críticas formuladas a este respeito pela Degussa devem ser consideradas improcedentes.
49 Importa agora verificar se, ao examinar o artigo 15.º, n.º 2, do Regulamento n.º 17, o Tribunal Geral aplicou corretamente o princípio da legalidade das sanções, tal como interpretado nos n.ºs 38 a 40 do presente acórdão.
50 No contexto dessa análise, detalhada principalmente nos n.ºs 74 a 83 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral observou acertadamente que, embora o artigo 15.º, n.º 2, do Regulamento n.º 17 deixe à Comissão uma ampla margem de apreciação, limita, no entanto, o seu exercício, estabelecendo critérios objectivos aos quais a Comissão deve respeitar. A este respeito, o Tribunal Geral, baseando-se na redação desta disposição, no n. º 75 do referido acórdão, justamente afirmou que o montante da coima susceptível de aplicação tem um limite quantificável e absoluto, calculado de acordo com cada empresa, para cada caso de infracção, de forma a que o montante máximo da multa que pode ser aplicada a uma determinada empresa possa ser determinado antecipadamente.
51 Prosseguindo a sua análise, o Tribunal Geral, no n. º 77 do acórdão recorrido, afirmou correctamente que, ao exercer o seu poder de apreciação quanto às coimas aplicadas ao abrigo do artigo 15.º, n.º 2, do Regulamento n.º 17, a Comissão deve respeitar os princípios de direito, em especial os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade, desenvolvidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral.
52 Além disso, o Tribunal Geral, no n. º 78 do acórdão recorrido, acrescentou devidamente que esse exercício também é limitado pelas regras de conduta que a própria Comissão estabeleceu na comunicação sobre a cooperação e nas orientações.
53 No que diz respeito às orientações, o Tribunal Geral, no n. º 82 do acórdão recorrido, observou acertadamente que o Tribunal de Justiça considerou, em primeiro lugar, que estas estabelecem uma regra de conduta a que a Comissão não pode renunciar sob pena de ser punida por violação de princípios gerais de direito, como a igualdade de tratamento e a protecção da confiança legítima e, por outro lado, que garantem a segurança do estatuto jurídico das empresas em causa ao determinar a metodologia que a Comissão adoptou para efeitos de fixação do montante das coimas aplicadas nos termos do no 2 do artigo 15.º do Regulamento no 17.
54 Além disso, o Tribunal Geral, no n. º 79 do acórdão recorrido, afirmou correctamente que o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral decidem de plena jurisdição sobre os recursos interpostos de decisões da Comissão que fixam uma coima e que «podem, portanto, anular esta última e retirar, reduzir ou aumentar a multa aplicada. O Tribunal Geral considerou, com razão, que, por conseguinte, a prática administrativa conhecida e acessível à Comissão está sujeita à fiscalização integral do juiz comunitário e que, a este respeito, este o tornou possível, através de jurisprudência constante e publicada, para especificar os conceitos indeterminados que o artigo 15.º, n.º 2, do Regulamento n.º 17 pode conter.
55 Tendo em conta todos estes elementos de análise, o Tribunal Geral, no n. º 83 do acórdão recorrido, concluiu corretamente que um operador informado pode, obtendo, se necessário, aconselhamento jurídico, prever de forma suficientemente precisa o método de cálculo e a ordem de grandeza das multas em que incorre por um determinado comportamento e que o facto de este operador não poder, de antemão, saber com precisão o nível das multas que a Comissão infligiu em cada caso, não pode constituir uma violação do princípio da legalidade das penas.
56 Importa observar que resulta dos n.ºs 74 a 83 do acórdão recorrido que, ao analisar o artigo 15.º, n.º 2, do Regulamento n.º 17, o Tribunal Geral aplicou corretamente o princípio da legalidade das sentenças, de acordo com as considerações formuladas nos parágrafos 38 a 40 do presente acórdão.
57 Importa referir, em particular, que o Tribunal Geral teve em conta, nos n.ºs 74 a 83 do acórdão recorrido, os procedimentos claramente definidos e os limites impostos à Comissão no exercício do poder de apreciação atribuído ao artigo 15.º, n.º 2 do Regulamento n.º 17 ao mesmo, em conformidade com o requisito de previsibilidade que acompanha o princípio da legalidade das sanções. Na apreciação da clareza desse regulamento, o Tribunal Geral também teve acertadamente em conta o facto de o exercício desta competência ser controlado pelo juiz comunitário, que permitiu, através de jurisprudência constante e publicada, precisar o critérios e método de cálculo a aplicar pela Comissão ao fixar as coimas.
58 Do mesmo modo, o Tribunal Geral não pode ser criticado por não ter examinado se a redação do artigo 15.º, n.º 2, do Regulamento n.º 17 garantia o grau de previsibilidade exigido pelo Estado de direito. Com efeito, para além do facto de, como resulta do n. º 40 do presente acórdão, a clareza da lei ser avaliada tanto no que diz respeito à redação da disposição pertinente como aos pormenores fornecidos por jurisprudência constante e publicada, é suficiente para verificar que tal exame foi efectivamente realizado, nomeadamente nos n.ºs 75 e 83 do acórdão recorrido, constituindo este último ponto a conclusão a que o Tribunal Geral acertadamente chegou quanto à previsibilidade suficiente do método de cálculo e do montante das coimas ao abrigo dessa disposição.
59 Além disso, a Degussa sustenta que o Tribunal Geral, nos n.ºs 77 a 82 do acórdão recorrido, ignorou o facto de nem as orientações, nem a jurisprudência comunitária, nem os princípios gerais de direito terem reduzido suficientemente a imprecisão do artigo 15.º, n.º 2 do Regulamento no 17.
60 Este argumento não pode ser aceite. Quanto às orientações, o Tribunal já declarou, como o Tribunal Geral recordou no n. º 82 do acórdão recorrido, que estas determinam, de forma geral e abstracta, a metodologia que a Comissão aplicou para efeitos da fixação do montante das coimas aplicadas ao abrigo do artigo 15.º do Regulamento n.º 17 e, por conseguinte, garantem segurança jurídica às empresas (v. Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido, n.º 213, bem como de 21 de Setembro de 2006, Serviço JCB / Comissão, C-167 / 04 P, Col. I - 8935, ponto 209).
61 Do mesmo modo, não se pode contestar que a jurisprudência consolidada do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral ajudou a clarificar os critérios e o método de cálculo que a Comissão deve aplicar para fixar o montante das coimas. A este respeito, os critérios estabelecidos por esta jurisprudência foram, designadamente, emprestados pela Comissão para a elaboração das orientações e permitiram-lhe desenvolver uma prática decisória conhecida e acessível (v. JCB Service / Comissão, já referido, parágrafo 209).
62 Neste contexto, a crítica de Degussa aos princípios gerais do direito também não pode validamente suceder. Estes princípios e, em particular, os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade, desenvolvidos pela jurisprudência comunitária, orientaram claramente a Comissão no exercício do seu poder discricionário em matéria de coimas aplicadas ao abrigo do artigo 15.º, n.º 2, do Regulamento n.º 17. Além disso, a própria Degussa faz referência a esses princípios e a essa jurisprudência nos seus fundamentos e argumentos.
63 Resulta do que precede que o Tribunal de Primeira Instância não interpretou e aplicou erradamente o princípio da legalidade das sanções. O primeiro fundamento deve, portanto, ser julgado improcedente na sua totalidade. (…)”
Sufraga-se, pois, o entendimento do Tribunal Recorrido na parte em que entendeu que o quantum máximo da coima aplicável à contra-ordenação em causa tem um limite determinado: 10 por cento do valor de negócios apurado no exercício anterior à data da decisão final administrativa.
O esquema sancionatório adoptado pelo NRJC (Lei nº 19/2012) é o seguinte:
- o nº 1 do artigo 68.º elenca, nas suas várias alíneas, as contraordenações puníveis como infracções ao direito da concorrência;
- o nº 1 do artigo 69º indica os critérios que a AC deve levar em consideração na determinação da medida concreta da coima;
- e o n.º 2 do mesmo dispositivo estatui que "a coima determinada nos termos do nº 1 não pode exceder 10% do volume de negócios realizado no exercício imediatamente anterior à decisão final condenatória proferida pela Autoridade da Concorrência".
Não é contestado que, no caso concreto, as coimas foram encontradas com base na moldura referida no artigo 69º do NRJC, já citado e reproduzido supra.
Relativamente à norma que se retira do nº 2 do artigo 69º, verifica-se que quer a AdC quer o Tribunal a quo a interpretaram e aplicaram no sentido de que "10% do volume de negócios realizado no exercício imediatamente anterior à decisão final condenatória proferida pela Autoridade da Concorrência, por cada uma das empresas infratoras, ou, no caso de associação de empresas, do volume de negócios agregado das empresas associadas" representa o limite máximo da moldura sancionatória abstratamente aplicável.
E foi com base nesse pressuposto e nesse limite máximo que, que já referimos ser o aplicável, que se ponderaram as coimas concretas aplicadas às Visadas.
Entendeu-se na decisão recorrida que:
 “(…) Ora, a este respeito, a decisão recorrida iniciou o seu ter decisório convocando, como parâmetros norteadores, as necessidades de prevenção geral e especial, subjacentes à punição contraordenacional, às quais, pela pertinência e bem fundado, se adere.
Seguidamente, lançando mão dos critérios enunciados no n.º 1 do artigo 69.º, da Lei n.º 19/2012,  decisão recorrida propôs-se ponderar a gravidade da infração para a afetação de uma concorrência efetiva no mercado nacional; a natureza e a dimensão do mercado afetado pela infração; a duração da infração; o grau de participação do visado pelo processo na infração; as vantagens de que haja beneficiado o visado pelo processo em consequência da infração, quando as mesmas sejam identificadas; o comportamento do visado pelo processo na eliminação das práticas restritivas e na reparação dos prejuízos causados à concorrência; a situação económica do visado pelo processo; os antecedentes contraordenacionais do visado pelo processo por infração às regras da concorrência; a colaboração prestada à AdC da Concorrência até ao termo do procedimento.
Ora, nesta ponderação, como bem salienta a decisão recorrida, o valor máximo da coima acha-se balizado pelo disposto no n.º 1 do artigo 69.º da Lei n.º 19/2012, isto é, a coima não pode exceder 10% do volume de negócios realizado no exercício imediatamente anterior à Decisão da AdC final condenatória proferida pela AdC, por cada uma das empresas infratoras.
Além disso, em consonância com a jurisprudência da União, no que respeita à definição da coima para as holdings, a decisão recorrida acolheu, como decisivo, o volume de negócios refletido na sua contabilidade consolidada, enquanto elemento que melhor ilustra a capacidade do grupo em causa para mobilizar os fundos necessários para o pagamento da coima. Salientou, para isso, que aquela contabilidade destina-se justamente a traduzir a situação económico-financeira da pessoa em causa; ou seja, a consolidação contabilística evidencia que, no plano económico-financeiro, aquele volume agregado pode ser imputado à própria holding, permitindo obter uma imagem fiel do património, da situação financeira e dos resultados de todas as sociedades que fazem parte de um grupo.
Em contraponto, a decisão reconhecida reconheceu a necessidade de, nesse apuramento, deduzir o volume de negócios das sociedades participadas, a fim de superar uma eventual dupla penalização.
Ex abundantis, trouxeram-se, ainda, à colação, os subsídios decorrentes das Linhas de Orientação para o cálculo de coimas aprovadas pela AdC, com base na ponderação dos critérios elencados no n.º 1 do artigo 69.º da Lei n.º 19/2012. A este respeito, a douta decisão recorrida reiterou a génese e teleologia desse documento, assinalando, contudo, que do mesmo não pode esperar-se uma aplicação automática e um cálculo aritmético, que desconsidere as vicissitudes do caso concreto.
Neste conspecto e, desde logo, a decisão recorrida, de forma crítica, procedeu à seguinte diferenciação, devidamente fundada:
«No caso concreto, e nos termos das Linhas de Orientação, a AdC incorpora no seu exercício o volume de negócios realizado pelo grupo EDP diretamente relacionado com a infração e durante esse período, de acordo com os dados fornecidos pelo mesmo, ponderando um referencial entre 0% e 30% desse valor, sempre balizado, de acordo com critérios de proporcionalidade e adequação, pelo limite legal de 10% do volume de negócios total. Efetivamente, o volume de negócios no mercado afetado constituiu um elemento objetivo que fornece uma justa medida da nocividade da prática para o jogo normal da concorrência, refletindo a importância económica da infração e o peso relativo da empresa infratora na mesma.
No caso concreto das Recorrentes Sonae, na ausência de volume de negócios no mercado diretamente relacionado com a infração e durante esse período (i.e. no mercado de comercialização de energia elétrica) atentas as características da infração em apreço que implicaram justamente o compromisso por parte do Grupo Sonae de não participar nesse mercado, de acordo com as Linhas de Orientação e lei aplicável, deve ponderar-se como referencial o volume de negócios total no último ano da infração, de acordo com critérios de proporcionalidade e adequação no quadro da infração concreta, dos factos em causa e dos seus agentes.»
Não tendo sobrevindo fundamento para inverter aquela ponderação, importa prosseguir na apreciação dos demais critérios legalmente estabelecidos. Neste enquadramento, não merece censura a ponderação crítica empreendida pela decisão recorrida quanto à gravidade da infracção (cfr. pontos 851 a 857), quanto à natureza e a dimensão do mercado afectado pela infracção (cfr. pontos 858 a 863), a duração da infração, o grau de participação na infracção (cfr. pontos 867 a 876), as vantagens resultantes da infração (pontos 877 a 881), a situação económica das Visadas (cfr. pontos 883 a 884), a circunstância de não registarem antecedentes contraordenacionais e o comprometimento com o dever legal de colaboração sobre elas incidente.
Em conclusão, a decisão recorrida alcançou os quantuns abaixo discriminados, correspondentes a percentagens inferiores a 1 por cento do volume de negócios total de cada uma das Visadas: (…)
Em aditamento desta douta valoração, afigura-se que, emergiu da prova produzida em julgamento, que a cláusula censurada se insere num Acordo de Parceria que, individualmente considerado, não merece reparo.
Na verdade, há que valorar, como militando em favor das Recorrentes, a circunstância de o Plano de Parceria ter resultado na atribuição de descontos importantes para várias famílias portuguesas, num contexto em que, por força da intervenção da Troika, se verificou um empobrecimento daquelas. Neste, particularmente difícil, contexto vivido pelos portugueses, aceita-se que a Parceria auxiliou as famílias na aquisição de bens de natureza essencial.
Donde, convocando o princípio da proporcionalidade, considera-se adequado corporizar esta valoração na redução em 10 por cento das coimas preteritamente fixadas pela Adc, e consequentemente, fixar as seguintes dosimetrias: 2.610.000,00€ a cargo da EDP Energias; €23.220.000,00 a cargo da EDP Comercial; €2.520.000,00 a cargo da SONAE INVESTIMENTOS e €6.120.000,00 a cargo da SONAE MODELO CONTINENTE.
Do que se acaba de explanar resulta que a pretensa inconstitucionalidade enunciada pelas Recorrentes – a interpretação normativa resultante da conjugação dos artigos 58.º, n.º 1, alínea c), e 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP, bem como dos artigos 41.º, n.º 1, e 58.º, n.º 1, alínea c) do RGCO, e 13.º, n.º 1, e 69.º da LdC, no sentido de que não é obrigatório, na Decisão da AdC final proferida em processo contraordenacional, indicar e fundamentar de forma individualizada a sanção aplicada, por violação do disposto nos artigos 20.º, n.ºs 1 e 4, e 32.º, n.ºs 1, 5 e 10, da Constituição – não tem arrimo na ratio decidendi nem da decisão recorrida nem na decisão judicial ora proferida. Com efeito, como resulta supra à saciedade, a procedeu-se de forma individualizada e autónoma à ponderação dos critérios legalmente determinados para efeitos de quantificação da coima. Contudo, naturalmente, que tendo presente que a infração jusconcorrencial imputada às Recorrentes é a mesma, o desvalor global da sua conduta não consente diferenciação, sendo que, em contraponto, sempre que algum circunstancialismo concreto demandava a diferenciação da ilicitude do comportamento das Visadas foi, efectivamente, empreendido.
Por último, tendo presente as necessidades de prevenção geral, a gravidade da infracção e a culpa com que as Recorrentes actuaram, afigura-se adequada e proporcionada a sanção acessória fixada na decisão recorrida, que não merece reparo. (…)”
Basta conjugar esta passagem da decisão recorrida com os ponto III.2. da decisão da Autoridade Administrativa e o ponto B.2. da sentença recorrida para se concluir que não resulta a alegada contradição dos factos provados nos pontos 93., 95. e 96. da mesma, pois se que retrata, de forma sequencial, a composição dos Conselhos de Administração das sociedades Sonae Investimentos e Sonae MC, sendo que, na fundamentação da medida da coima, não se encontra qualquer referência à existência, ou inexistência, de administradores comuns, mostrando-se a medida da coima fundamentada em razão do grau de ilicitude das condutas, das finalidades de prevenção geral e especial, dos efeitos benéficos para as famílias aderentes ao plano EDP/Continente.
Por outro lado, o Tribunal Recorrido esclareceu as razões pelas quais entendeu ser de aplicar a todas as coimas concretas encontradas pela AdC uma redução de 10% e que se fundou nos “encontrados” efeitos benéficos do “Acordo de Parceria” em que “o pacto de não concorrência se inseriu”.
E não subscreve o desentendimento relativo à intervenção de vários departamentos ou funcionários da AdC no processo de determinação das coimas, pois não se vê que a determinação da coima concreta não possa ser o produto do trabalho de vários departamentos da AdC no respectivo processo de determinação, uns de cariz mais fático, outros com competências mais jurídicas, outros com responsabilidades em análises económicas. Ponto é que a fundamentação das mesmas surja na decisão final, o que, como vimos, sucedeu.
Improcedem, pois, também, os recursos, nesta parte.
***
III.3.2.2. Do recurso da AdC
Na base do recurso apresentado pela Autoridade da Concorrência está o seu desacordo com a douta sentença datada de 30.09.2020 (ref.ª 274298), na parte em que reduziu em 10 % o valor das coimas aplicadas às visadas EdP – Energias de Portugal, S.A., EdP Comercial – Comercialização de Energia, S.A., Sonae Investimentos SGPS, S.A e Modelo Continente Hipermercados, S.A..
Entende a Recorrente que o fundamento para tal redução não tem apoio no artigo 69.º, n.º 1, do NRJC, nem tão pouco na subsunção dos factos ao direito levada a cabo pelo Tribunal recorrido e, ainda que assim não se entenda, sempre a redução de 10% se afiguraria manifestamente excessiva.
Mas também a esta Recorrente não assiste razão, como bem assinala o Ministério Público.
Com efeito, decorre do disposto no n.º 1, do artigo 88.º, do NRJC que o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão conhece com plena jurisdição dos recursos interpostos das decisões em que tenha sido fixada pela Autoridade da Concorrência uma coima ou uma sanção pecuniária compulsória, podendo reduzir ou aumentar a coima ou a sanção pecuniária compulsória.
Assim, no âmbito do processo de contra-ordenação, de natureza pública, sancionatória, conformado na fase judicial como um recurso impróprio, de substituição, por oposição a um recurso de mera anulação, o julgador pode e deve utilizar toda a prova validamente produzida em ambas as fases processuais (artigo 87.º, n.º 8, do Novo Regime Jurídico da Concorrência), não estando limitado a manter ou suprimir a decisão da autoridade administrativa, podendo ainda alterá-la, ou, se se quiser, substituí-la por outra decisão condenatória, mas em sentido diverso (menos grave ou mais grave) – assim, José Lobo Moutinho/Pedro Garcia Marques, em anotação ao artigo 88.º do Novo Regime Jurídico da Concorrência, in “Lei da Concorrência, Comentário Conimbricense”, Almedina, Maio 2013, pp. 841-843.
Por outro lado, porque a circunstância tendo-se concluído que tal resultado não pode ser valorado na definição do tipo legal da infracção contra-ordenacional em causa, subscreve-se o entendimento plasmado na sentença recorrida, segundo o qual “a circunstância de o Plano de Parceria ter resultado na atribuição de descontos importantes para várias famílias portuguesas, num contexto em que, por força da intervenção da Troika, se verificou um empobrecimento daquelas”, deverá ser valorada, para que as visadas EdP – Energias de Portugal, S.A., EdP Comercial – Comercialização de Energia, S.A., Sonae Investimentos SGPS, S.A e Modelo Continente Hipermercados, S.A., beneficiem de uma redução no quantum das coimas concretas, tanto mais que estas, no âmbito do direito português, independentemente do sector especifico, têm a natureza de uma advertência comportamental, de expressão patrimonial.
Não merece, pois, nesta parte, censura a decisão recorrida.
*
Resta concluir.
A setença recorrida procedeu a uma adequada ponderação dos factos e subsunção destes ao direito aplicável ao caso, não se encontrando afetada dos vícios que lhe vinham imputados, devendo ser mantida e, nessa conformidade, devem ser julgados totalmente improcedentes os recursos interpostos.
*
IV. DECISÃO
Em face do exposto, deliberam julgar improcedentes os recursos interpostos pelas recorrentes, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelas Recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC’s para cada uma delas (art. 513º/1 do CPP e art. 8º/9 do RCP e Tabela III anexa).
Notifique.
*
Lisboa, 19-02-2024
Ana Isabel Mascarenhas Pessoa (Relatora)
Eleonora Viegas (Primeira Adjunta)
Eurico José Maques dos Reis (Presidente da Secção)
_______________________________________________________
[1] Conforme de resulta de requerimento apresentado em juízo em 20 de maio de 2020, a visada SONAE MC – MODELO CONTINENTE SGSPS S.A foi incorporada por fusão na visada SONAE INVESTIMENTOS SGPS S.A. tendo a sociedade incorporante alterado a sua designação para SONAE MC SGPS S.A., sendo atualmente MC Retail, SGPS, S.A. Sem prejuízo, para efeitos de apuramento da responsabilidade contraordenacional manter-se-á a designação aquando da decisão administrativa proferida, retirando-se, do que antecede, as devidas consequências, após trânsito em julgado da sentença ora proferida.
[2] Sobre este ponto, afirmam José Lobo Moutinho e Pedro Garcia Marques que “(a) categoria certamente incluirá os titulares dos órgãos do ente colectivo, dotados que se encontram, por esse facto, da função de formação e expressão da vontade colegial àquele imputável, nos termos legais comuns, pois que, através disso, está a seu cargo o controlo da actividade do ente colectivo. No âmbito da consideração dos órgãos relevantes para efeitos de imputação ao ente colectivo ou equiparado de actos dos respectivos membros incluir-se-ão, não apenas aqueles órgãos que, no ente colectivo, desempenham funções de direcção e de administração, como ainda os que assumam funções de fiscalização da sua actividade”, em AA.VV., Lei da Concorrência – Comentário Conimbricense, Coimbra: Almedina, 2.ª ed., 2017, p. 865.
[3] Cf. fls. 124 da sentença recorrida.
[4] Cf. JORGE DE FIGUEIREDO DIAS/ NUNO BRANDÃO, "Práticas restritivas da concorrência pelo objeto: consumação e prescrição — Anotação ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29 de janeiro de 2014", Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 24, n.° 3, julho-setembro de 2014, Coimbra Editora, p. 433-481, p. 458 e CAROLINA CUNHA, Parecer junto à Impugnação Judicial da EDP Energias, pg. 18.
[5] Cf. Germano Marques da Silva, In “Direito Penal Português, Parte Geral, II, Teoria do Crime”, Editorial Verbo, 1998, pág. 32, Lobo Moutinho, “Da “Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português”, Universidade Católica Editora, 2005, pág. 569 e segs., e toda a jurisprudência e doutrina citadas nas alegações da AdC a este respeito.
[6] Proferido no âmbito do processo n.º 5955/18.6TMTS.P1, acessível em www.dgsi.pt.; Cf. ainda os Acórdãos deste Tribunal de 29-01-2014, proferido no processo 18/12.0YUSTR.E1.L1-3, de 14.06.2017, proferido no processo n.º 36/16.0YUSTR.L1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
[7] Cf. artigos 17º, 7º e 8º do NRJC.
[8] Cf. o Acórdão do TPI proferido no processo T-24/90 (Automec c. Comissão),  onde pode ler-se, designadamente:
 “(…)77 Convém observar, a este propósito, que constitui um elemento inerente ao exercício da actividade administrativa a competência, para o titular de uma missão de serviço público, de tomar todas as medidas de organização necessárias ao cumprimento da missão que lhe foi confiada, incluindo a definição de prioridades, no âmbito estabelecido pela lei, quando tais prioridades não tenham sido definidas pelo legislador. Tal deve ser, em particular, o caso, quando uma autoridade tenha sido investida numa missão de vigilância e de fiscalização tão ampla e geral como a atribuída à Comissão no domínio da concorrência. Por conseguinte, o facto de a Comissão atribuir graus de prioridade diferentes aos processos que lhe são submetidos no domínio da concorrência está em conformidade com as obrigações que lhe são impostas pelo direito comunitário. (…)”
[9] Cf. p. 99 da Sentença Recorrida.
[10] Miguel Moura e Silva, Direito da Concorrência, AAFDL, 2018, p. 261. Para mais desenvolvimentos sobre o tema, vide pp. 261 da mesma fonte.
[11] Cfr. fls. 160 a 805 dos autos e fls. 24 do PA, vol. I.
[12] Cfr. fls. 1921, 1922 e 1974 dos autos.
[13] Veja-se a interpretação que é dada ao conceito de “empresa” no âmbito do Regulamento n.º 330/2010 relativo à aplicação do n.º 3 do artigo 101.º do TFUE a determinadas categorias de acordos verticais e práticas concertadas.
[14] Decisão de 14 de maio de 1998, proferida no processo do TC n.º T-354/94
[15] Processo C-97/08,P.
[16] Proferido no processo n.º C-516/15 P.
[17] Acórdão “Vantaan kaupunki / Skanska Industrial Solutions Oy”, proferido no processo n.º C-724/17.
[18] Cf. Antónia Ferreira Fontes de Almeida, “A PROBLEMÁTICA DA RESPONSABILIDADE-MÃE POR CONDUTAS INFRATORAS DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA PELAS SOCIEDADES SUBSIDIÁRIAS”, in Temas Atuais de Direito da Concorrência – Economia Digital, Direitos Fundamentais e Outros Desafios, Coord. Sofia Oliveira Pais e Vicente Bagnoli, Universidade Católica, Porto, 2020, pg.241 e toda a jurisprudência e doutrina ali referidas.
[19] Proferido no processo C-625/13.
[20] Cf. Acórdão Stora, proferido em 16.11.2000 no processo C-286/98.
[21] Proferido no processo n.º C.521/09P, em 29.09.2011.
[22] Artigo 13.º
Coimas aplicadas às empresas e associações de empresas
1. Os Estados-Membros garantem que as autoridades administrativas nacionais da concorrência tanto podem aplicar, mediante decisão no âmbito de processos de aplicação próprios, como requerer que sejam aplicadas, no âmbito de processos judiciais de natureza não penal, coimas efetivas, proporcionadas e dissuasoras às empresas e associações de empresas que, dolosamente ou por negligência, cometam uma infração ao artigo 101.º ou 102.º do TFUE.
2. Os Estados-Membros asseguram pelo menos que as autoridades administrativas nacionais da concorrência tanto podem aplicar, mediante decisão no âmbito de processos de aplicação próprios, como requerer que sejam aplicadas, no âmbito de processos judiciais de natureza não penal, às empresas e associações de empresas, coimas efetivas, proporcionadas e dissuasoras. Essas coimas são determinadas proporcionalmente ao volume de negócios total a nível global dasempresas e associações de empresas em causa, quando dolosamente ou por negligência:
a) Não se sujeitem a uma inspeção a que se refere o artigo 6.º, n.º 2;
b) Os selos colocados por funcionários ou outros acompanhantes autorizados pelas autoridades nacionais da concorrência, ou por elas nomeados, nos termos do artigo 6.º, n.º 1, alínea d), tenham sido violados;
c) Em resposta a uma pergunta a que se refere o artigo 6.º, n.º 1, alínea e), respondam de forma inexata ou enganosa, não deem ou se recusem a dar uma resposta completa;
d) Prestem informações inexatas, incompletas ou enganosas em resposta a um pedido efetuado nos termos do artigo 8.º, ou não prestem as informações no prazo fixado;
e) Não compareçam a uma inquirição convocada nos termos do artigo 9.º;
f) Não cumpram uma decisão a que se referem os artigos 10.º, 11.º e 12.º.
3. Os Estados-Membros asseguram que nos processos referidos nos n.ºs 1 e 2 se prevê a aplicação de coimas eficazes, proporcionadas e dissuasoras.
4. O presente artigo não prejudica as disposições de direito nacional que prevejam a aplicação de sanções no âmbito de processos judiciais de natureza penal, desde que a aplicação dessas disposições não afete a aplicação eficaz e uniforme dos artigos 101.º e 102.º do TFUE.
5. Para efeitos de aplicação de coimas a sociedades-mãe e a sucessores legais e económicos das empresas, os Estados-Membros asseguraram que seja aplicável o conceito de empresa.
[23] Cf. Teresa Bravo, “O Caso da Associação Nacional de Farmácias à luz da jurisprudência Akzo Nobel (revisitada)”, in “Novos Estudos sobre Law Enforcement, Compliance e Direito Penal”, Coord. Científica Maria Fernanda Palma, Augusto Silva Dias e Paulo Sousa Mendes, 2020, Almedina, Coimbra, pg. 136.
[24] Cf. neste sentido, o entendimento de Miguel Moura e Silva, no que se refere ao processo n.º 36/16.0YUSTR.L1 expresso em”Direito da Concorrência, 2020, Reimpressão, AAFDL, pg. 264.
[25] Cf. parágrafos 2 e 6 do recurso da EDP Comercial e parágrafos 22 e 23 do recurso da MCH e conclusões 49 e 50 e 52 a 66 do recurso da MCH.
[26] Cf. a este respeito, Pedro Caeiro “Punível Com Coima de até 10% de um Montante Qualquer”, Estudos de Homenagem ao Professor Germano Marques da Silva, Universidade Católica Editora, junho de 2020, Vol. IV pg. 2438 e ss. e o Acórdão deste Tribunal da Relação de11.03.2015, proferido no processo n.º 204/13.6YUSTR.L1.
[27] Fazendo-se referência a um Parecer da autoria da Senhora Professora Teresa Quintela Brito junto àqueles autos.
[28] Proferido em 22.05.2008 (Evonik Degussa GMBH c. Comissão)
[29] Fls. 31 a 46 da PASTA 1 junta aos autos.
[30] Os estabelecimentos mencionados na presente cláusula serão, para os efeitos da presente decisão, doravante designados, conjuntamente, por “Estabelecimentos”.
[31] Cfr. Cláusula 18.1 do Acordo de Parceria e resposta da Modelo Continente de 28 de janeiro de 2015 ao pedido de elementos da Autoridade (fls. 316 e 326v).
[32] Fls. 24, 160, 161 e 805 e 806.
[33] Fls. 809.
[34] Cópia constante de fls. 1081 a 1021 dos autos.
[35] Fls. 1022 a 1024 dos autos.
[36] Fls. 510 a 511 e 1025 a 1028 dos autos.
[37] Fls. 1029 a 1032 dos autos.
[38] Fls. 508 e 1033 a 1035 dos autos.
[39] Disponível em https://www.sonae.pt/fotos/dados_fin/20130328_relatorio_gestao_pt_vf_1021427279571147a8c60f6.pdf.
[40] Fls. 166 dos autos, Anexo 3.2 à resposta de 7 de fevereiro de 2012 da Modelo Continente ao pedido de elementos da Autoridade.
[41] Fls. 809.
[42] Esta mensagem de correio eletrónico consta também do Anexo 6 à resposta de 7 de fevereiro de 2012 da EDP Comercial ao pedido de elementos da Autoridade (fls. 168).
[43] Cfr. certidão de registo comercial com o código de acesso 4414-2772-0368.
[44] Cfr. certidão de registo comercial com o código de acesso 8577-1018-3164.
[45] Para verificação de todas as participações sociais detidas pela EDP, a 31 de dezembro de 2015, cf. a listagem das empresas incluídas no perímetro de consolidação do Grupo EDP, disponível nas págs. 411 a 318 do Relatório e Contas Consolidadas do Grupo EDP de 2015,disponível em www.edp.pt.
[46] Fls. 231 e 231v.
[47] Fls. 227v.
[48] Cfr. Relatório e Contas de 2013 e 2015, disponível em www.edp.pt.
[49] Fls. 796 e fls.1136 a 1137
[50] Fls. 321.
[51] Fls. 321 a 329.
[52]Cfr. Relatório e Contas relativo a 2015, disponível em https://www.sonae.pt/fotos/investimentos/sonae_investimentos_sgps_1_semestre_2015_port_330870673570bdac541dee.pdf.
[53] Cfr. certidão de registo comercial que consta de fls. 802.
[54] Cfr. parágrafo 675 da pronúncia das Visadas Sonae.
[55] Fls. 809.
[56] Cfr. certidão de registo comercial que consta de fls. 809.
[57] Fls. 322v e 357.
[58] Cfr. Relatório e Contas de 2015, disponível em http://www.sonaeindustria.com/file_bank/reports/annual/SINDconsodez2015PT.pdf.
[59] Cfr. Relatório e Contas de 2015, disponível em http://www.sonaecapital.pt/ResourcesUser/AG2016/SONCRC2015APROVPT.pdf.
[60] Cfr. Relatório e Contas referente ao ano de 2015, disponível em www.sonae.pt/pt/sonaeinvestimentos. E fls. 802.
[61] Fls. 809 e 1147.
[62] Fls.814.
[63] Cfr. certidão de registo comercial com o código de acesso 8577-1018-3164, os membros do conselho de administração executivo em funções na data de assinatura do Acordo de Parceria eram os membros designados para o triénio 2009-2011. A nomeação dos membros do conselho de administração executivo para o triénio 2012-2014 ocorreu em 20 de fevereiro de 2012.
[64] Cfr. certidão de registo comercial com o código de acesso 4414-2772-0368. Os membros do conselho de administração em funções na data de assinatura do Acordo de Parceria eram os membros designados para o triénio 2009-2011. O conselho de administração da EDP Comercial para o triénio 2012-2014, designado em 12 de março de 2012, era composto por: (…) (entre 02.04.2012 e 26.02.2014).
[65] Cfr. certidão do registo comercial com o código de acesso 0150-2771-0753.
[66] Cfr. certidão de registo comercial com o código de acesso 8748-5767-0432.
[67] Fls 809: Os membros do conselho de administração em funções na data de assinatura do Acordo de Parceria eram os membros designados para o triénio 2008-2011. Por referência ao quadriénio 2012-2015, o conselho de administração da Modelo Continente, designado em 23 de março de 2012, é composto por (fls.809): (…) (até 31.03.2014), (…)(até 27.05.2014), (…) (a partir de 27.05.2014), (…) (a partir de 27.05.2014), (…)(a partir de 15.01.2015), (…) (a partir de 02.12.2013), (…) (a partir de 31.03.2014).
[68] Cfr. certidão de registo comercial (fls. 534 a 537). Os membros do conselho de administração para o quadriénio 2012-2015 foram nomeados em 31 de maio de 2012.
[69] Cfr. certidão de registo comercial (fls. 493 a 503).
[70] Cfr. decisão da AdC de 20 setembro de 2004, processo AC-I-48/2003- NQuintas/CGD/EDP.
[71] Cfr. decisões da Comissão Europeia de 1 de setembro de 1994, processo IV/M.493 – Tractabel/Distrigaz II, de de 8 de junho de 1995, processo IV/M.568 – EF/Edison-ISE, de 2 de junho de 1998, processo IV/M.931-Neste/IVO, e de 11 de agosto de 1998, processo IV/M.1190 – Amoco /Repsol/Iberdola/Ente Vasco de la Energia. Cfr. ainda decisão da AdC de 20 setembro de 2004, no processo AC-I-48/2003, NQUINTAS/CGD/EDP.
[72] Cfr. decisões da AdC relativas aos processos Ccent n.º 02/2008 – EDP/Pebble Hydro*H. Janeiro de Baixo e Ccent. n.º 6/2008 - EDP/Activos EDIA (Pedrógão*Alqueva), ambas de 25 de junho de 2008, Ccent. n.º 23/2010 - EDP/Greenvouga, de 13 de dezembro de 2010, e Ccent. N.º 9/2015, EDP Renewables/Ativos ENEOP, de 14 de agosto de 2015.
[73] Cfr. por exemplo, decisões da Comissão nos processos COMP. IV/M.1346 – EDF/London Electricity, de 27 de janeiro de 1999; COMP. IV/M.1606 – EDF/South Western Electricity, de 19 de julho de 1999, e COMP/M.2801 – RWE/INNOGY, de 17 de maio de 2002.
[74] No regime especial, a venda da produção pode beneficiar de um modelo diferente do regime ordinário, prevendo-se um regime de compra garantida pelo Comercializador de Último Recurso (CUR), com condições de venda determinadas em tarifários definidos pelo Estado em legislação específica. Findos os contratos de compra garantida, os produtores em regime especial passam a vender a energia em condições de mercado. Cfr. artigo 33-G.º, do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de agosto, alterado pelos Decretos-Leis n.º 237-B/2006, de 18 de dezembro, n.º 199/2007, de 18 de maio, n.º 264/2007, de 24 de julho, n.º 23/2009, de 20 de janeiro, e n.º 104/2010, de 29 de setembro, e Decreto-Lei n.º 215-B/2012, de 8 de outubro.
[75] A esse respeito destaca-se a decisão da AdC nos processos Ccent n.º 23/2010 – EDP/Greenvouga e Ccent.53/2012 Portucel/Soporgen.
[76] Cfr. processos Ccent n.º 11/2011 – Finerge/TP, Ccent n.º 3/2013- EDP Renewables/Ativos Gravitangle, Ccent 38/2013 – Sonae Capital, SGPS, S.A./Ativos de cogeração da Enel Green Power, Ccent n.º 9/2015 – EDP Renewables/Ativos ENEOP, Ccent n.º 52/2015 – EDP Renewables/Stirlingpower e Ccent n.º 55/2015 - EDP Renewables/Sociedades Ventinveste.
[77] Cfr. Portaria n.º 97/2015, de 30 de março.
[78] Cfr. decisão da AdC no processo Ccent. n.º 6/2008 - EDP/Activos EDIA (Pedrógão*Alqueva), de 25 de junho de 2008 e Ccent. 9/2015, EDP Renewables/Ativos ENEOP, de 14 de agosto de 2015.
[79] Cfr. decisão da Comissão relativa ao processo COMP/M.3440 – EDP/ENI/GDP, de 9 de dezembro de 2004.
[80] Cfr. Decreto-Lei n.º 104/2010, de 29 de setembro, alterado pelos Decretos-Leis n.º 75/2012, de 26 de março, n.º 256/2012, de 29 de novembro, n.º 13/2014, de 22 de janeiro, e n.º 15/2015, de 30 de janeiro.
[81] Cfr. decisão da Comissão Europeia relativa ao processo COMP/M.3440 – EDP/ENI/GDP, de 9 de dezembro de 2004.
[82] Cfr. decisão da AdC nos processos Ccent. n.º 6/2008 - EDP/Activos EDIA (Pedrógão*Alqueva), de 25 de junho de 2008 e Ccent. 9/2015, EDP Renewables/Ativos ENEOP, de 14 de agosto de 2015.
[83] Cfr. decisão da AdC no processo Ccent. 9/2015, EDP Renewables/Ativos ENEOP, de 14 de agosto de 2015, e Ccent.40/2015 Axpo*Dourogás/Goldenergy, de15 de outubro de 2015.
[84] Cfr. decisão da Comissão Europeia relativa ao processo COMP/M.3440 – EDP/ENI/GDP, de 9 de dezembro de 2004.
[85] Cfr. decisão da AdC nos processos Ccent. 48/2003, EDP Renewables/Ativos ENEOP, de 14 de agosto de 2015, e Ccent.40/2015 Axpo*Dourogás/Goldenergy, de15 de outubro de 2015.
[86] As bases gerais da organização e funcionamento do Sistema Nacional do Gás Natural (SNGN) foram instituídas pelo Decreto-Lei n.º 30/2006, de 15 de fevereiro, e complementadas pelo Decreto-Lei nº 140/2006, de 26 de julho. Posteriormente, o referido Decreto-lei foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 65/2008, de 9 de abril, pelo Decreto-Lei n.º 66/2010, de 11 de junho, e pelo Decreto-Lei n.º 231/2012, de 26 de outubro, concluindo este último diploma legal a transposição para o ordenamento jurídico português da Diretiva 2009/73/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho, que estabelece regras comuns para o mercado interno do gás natural.
[87] Cfr. Decreto-Lei n.º 30/2006, de 15 de fevereiro.
[88] A comercialização de último recurso (CUR) foi segmentada por regiões, que, por sua vez, sob licença, foram atribuídas a diversas empresas.
[89] Cfr. decisão da AdC no processo Ccent. 24/2013 – ECS/Gásriba, de 9 de setembro de 2013 e no processo Ccent. 46/2010 – GDP/Setgás CUR, de 10 de dezembro de 2010.
[90] Cfr. Decreto-lei n.º 74/2012, de 26 de março.
[91] Cfr. Portaria n.º 97/2015, de 30 de março.
[92] Cfr. capítulo IX do Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, como resulta do Decreto-Lei n.º 231/2012, de 26 de outubro.
[93] Cfr. decisão da AdC no processo Ccent. 46/2010 – GDP/Setgás CUR, de 10 de dezembro de 2010.
[94] Cfr. decisão da AdC no processo Ccent. 24/2013 – ECS/Gásriba, de 9 de setembro de 2013.
[95] Não existe fornecimento de gás natural em rede nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
[96] Cfr. decisão da AdC no processo CCENT. N.º51/2007 – SONAE/Carrefour.
[97] Cfr. decisão da AdC no processo CCENT. N.º51/2007 – SONAE/Carrefour.
[98] Cfr. decisão da AdC nos processos Ccent. 51/2007, SONAE/Carrefour, e Ccent 01/2008 – Pingo Doce/Plus, de 29 de abril de 2008.
[99] Fls. 796.
[100] Fls. 307.
[101] Fls. 307.
[102] Fonte: ERSE.
[103] Fls. 346.
[104] Fls. 841.
[105] A constituição da joint-venture entre a Endesa e a Sonae SGPS foi objeto de decisão da Comissão Europeia de não oposição a uma operação de concentração notificada em de 24 de janeiro de 2002 (cfr. Processo COMP/M.2668 Endesa Energía/Spinveste/Ecocicloendesa-Energía, disponível em
http://ec.europa.eu/competition/mergers/cases/decisions/m2668_es.pdf.
O documento intitulado «protocolo de colaboracion entre sonae y endesa para estabelecer una cooperacion en áreas de interes comum» consta de fls. 8974 a 8976, 24.º volume dos autos.
[106] Cfr. https://www.endesa.pt/lares/assessoria/mercado-liberalizado.html.
[107] Cfr. http://www.tsf.pt/arquivo/2002/economia/interior/sonae-e-endesa-criam-empresa-para-portugal-883770.html.
[108]Cfr.http://www.jornaldenegocios.pt/empresas/detalhe/electrica_da_sonae_e_endesa_com_volume_de_negocios_de_70_milhoes.html.
[109] Cfr. https://sites.google.com/site/energiasec/endesa.
[110] Cfr. http://www.dn.pt/arquivo/2007/interior/edp-perdeu-a-maioria-do-mercado-para-os-concorrentes-656942.html.
[111] Cfr. http://www.dn.pt/arquivo/2008/interior/edp-esta-cada-vez-mais-sozinha-no-mercado-1129442.html.
[112] Cfr. https://www.endesa.pt/lares/assessoria/mercado-liberalizado.html.
[113] Cfr. Decisão de Não Oposição da AdC de 21 de janeiro de 2014, processo Ccent. N.º 38/2013 (Sonae Capital SGPS S.A. / Ativos de cogeração da Enel Green Power).
[114] Cfr. http://www.sonaeturismo.com/PresentationLayer/conteudo01.aspx?menuid=678&exmenuid=680.
[115] Este diploma foi posteriormente alterado pelo Decreto-Lei n.º 25/2013, de 19 de fevereiro, e revogado pelo Decreto-Lei n.º 153/2014, de 20 de outubro, que, no entanto, manteve em vigor os regimes remuneratórios aplicáveis às unidades de microprodução ou miniprodução.
[116] Fls. 232 e 327.
[117] As respetivas ligações à rede aconteceram nos anos de 2012 e 2013 (fls.250 e 251 e fls 232 e 233).
[118] Fls. 249v.
[119] Fls. 328.
[120] Fls. 402 a 484.
[121] Neste ponto, cumpre esclarecer e precisar que, embora o período de adesão tenha decorrido apenas entre os dias 9 de janeiro e 4 de março de 2012, o Plano EDP Continente vigorou pelo período de um ano (e não pouco menos de dois meses), referindo-se o último vale de desconto emitido para cada cliente ao consumo e potência contratada até 31 de dezembro de 2012, e que, embora o Plano EDP Continente não exigisse um período de fidelização nem impusesse qualquer barreira formal à mudança de fornecedor, finda a vigência do Plano EDP Continente, os clientes que a ele aderiram ficaram vinculados a um contrato com a EDP Comercial para o fornecimento de energia no mercado liberalizado (vide parágrafos 0, 6 e 12 da presente Decisão).
[122] As referidas denúncias deram origem aos processos registados sob os n.ºs DA/2012/17 e DA/2012/29. Fls. 5 a 10.
[123] Fls. 11 e 12 dos autos.
[124] Fls. 14 a 17.
[125] Fls. 18 a 168.
[126] Fls. 169.
[127] Fls. 2 e 3.
[128] Fls. 1226.
[129] fls. 354.
[130] fls. 402 a 484.
[131] fls. 908 a 909.
[132] fls. 977 a 978.
[133] Em resposta aos requerimentos de prorrogação de prazo submetidos pelas Visadas EDP Energias e EDP Comercial, em 5 de agosto e 21 de setembro de 2016 (fls. 1353 a 1354, 1356 a 1359 e 1436 a 1440), e pela Visada Modelo Continente, em 2 e 25 de agosto e 14 de setembro de 2016 (fls. 1355, 1360 a 1361, 1371, 1394 a 1395 e 1397 a 1401, 1430).
[134] Designadamente, os elementos constantes de fls. do processo 6, 7-8, 10, 159-162, 165-166, 310-320, 334-344, 356, 358, 491, 530, 798-799, 805-806, 811, 819, 837-841, 1105-1107, 1122-1124, 1140, 1142, 1144, 1146, 1147, 1150-1151, 1155-1156, 1164, 1176.
[135] Ofício registado sob o n.º S-AdC/2014/1901 (fls. 1441 a 1445).
[136] Cfr. comunicações de 28 de janeiro de 2015 (fls. 205 e ss. do processo), de 7 e 8 de fevereiro de 2012 (fls. 22-25, 167-168 e 175-176 do processo), e de 27 de julho de 2015 (fls. 817 e ss. do processo).
[137] Que estabelece uma isenção por categoria do previsto no artigo 101.º, n.º 1, para os acordos verticais que cumpram determinados requisitos, e relativamente ao qual o artigo 10º, n.º 3 do NRJC contém uma cláusula de receção automática.
[138] Proferido no âmbito do processo n.º 121/17.0TNLSB.L1-7, acessível em www.dgsi.pt
[139] Cf. Nuno Castro Marques, “Contributo para a Autonomia do Direito Nacional da Concorrência – Em Particular na Criminalização dos Cartéis”, 2019, Universidade Católica Portuguesa, Porto, pg.185.
[140] “Portugal Telecom, SGPS SA/Comissão Europeia”
[141] Proferido em 11.09.2014, no âmbito do processo C-67/13P
[142]Cf. Acórdãos de 4 de junho de 2009, T‑Mobile Netherlands e o., C‑8/08, Colet., p. I‑4529, n.ºs 28 e 30; de 6 de outubro de 2009, GlaxoSmithKline Services e o./Comissão e o., C‑501/06 P, C‑513/06 P, C‑515/06 P e C‑519/06 P, Colet., p. I‑9291, n.° 55; de 4 de outubro de 2011, Football Association Premier League e o., C‑403/08 e C‑429/08, Colet., p. I‑9083, n.° 135; e de 13 de outubro de 2011, Pierre Fabre Dermo‑Cosmétique, C‑439/09, Colet., p. I‑9419, n.° 34.
[143] Cf. Miguel Moura e Silva, “Direito da Concorrência”, 2020, Reimpressão, AAFDL Editora, pgs. 524, 633e 634.
[144] Proferido no âmbito do processo n.º 7251/07-3, acessível em www.dgsi.pt (cartel do sal).
[145] Acórdão de 29/6/2023, proferido no âmbito do processo n.º C-211/22
[146]  Cf. Acórdão de 14 de Dezembro de 1982, Waterkeyn e o. (314/81 a 316/81 e 83/82, n.° 14).
[147] Cf. Maria Luísa Duarte, “Direito do Contencioso da União Europeia”, 2017, AAFDL, Lisboa, pgs 54/55, e “Direito da União Europeia – Lições Desenvolvidas”, 2021, AAFDL, Lisboa, pgs.329 e ss. e o recente Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 422/2020 de 15.07.2020, proferido no processo n.º 528/2017.
[148] “SAI Maxima Latvija c.  Konkurences Padome”, processo C-345/14, EU:C:2015:784
[149] Pg. 31.
[150] Processo T‑360/09, “E.ºN Ruhrgas AG, E.ºN AG, contra Comissão Europeia”
[151] Acórdão “Generics”, proferido no processo C‑307/18.
[152] Acórdão do Tribunal Geral de 08.09.2016, proferido no processo  T-473/13
[153] Cf. neste sentido o Parecer da Senhora Professora Sofia Oliveira Pais datado de 3 de novembro de 2020, junto aos presentes autos, pgs. 11 e 12.
[154] Cf. o citado Acórdão “Lundbeck”.
[155] V., neste sentido, Acórdãos Toshiba, n.ºs 33 e 34; Portugal Telecom, n.º 180; de 28 de junho de 2016, Telefónica/Comissão (T‑216/13, a seguir «Acórdão Telefónica», EU:T:2016:369, n.ºs 218 e 227); e Lundbeck do Tribunal Geral, n.º 144.
[156] Cf. p. 26 da Sentença Recorrida, factos provados n.º 23 e 24.
[157] Sr. Professor António Pinto Monteiro, Sr. Professora Engrácia Antunes e Sra. Professora Carolina Cunha.
[158] Cf. para mais desenvolvimentos acerca do Contrato de Agência e respectivas características, ANTÓNIO PINTO MONTEIRO “STJ — Acórdão n.° 6/2019, de 4 de Novembro de 2019 (De novo os requisitos legais da indemnização de clientela do distribuidor comercial - Anotação ao AUJ do STJ n.° 6/2019)”, RLJ ANO 149.°NOVEMBRO - DEZEMBRO DE 2019, N.° 4019, pgs. 121 e seguintes.
[159] Cfr. Considerandos E) e F) do Acordo de Parceria.
[160] Cfr. Cláusulas 2.2 e 4.6 do Acordo de Parceria.
[161] Cfr. Cláusulas 5 e 6.3 do Acordo de Parceria.
[162] Cfr. Considerando G) e Cláusula 2.4 do Acordo de Parceria.
[163] Cfr. Cláusula 7.1 do Acordo de Parceria.
[164] Cfr. Cláusula 10.1 do Acordo de Parceria.
[165] Cfr. Cláusula 8.4, 8.5, 8.6, 8.7 e 8.8 do Acordo de Parceria.
[166] Neste sentido, a título meramente exemplificativo, o acórdão do STJ de 14 de Fevereiro de 2012, proferido nos autos de processo n.º 18899/03.7TBVFR.P1.S1.
[167] Cfr. parágrafos 27 e 28 das Orientações Verticais.
[168] V., neste sentido, Acórdãos de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão (C‑382/12 P, a seguir «Acórdão MasterCard», EU:C:2014:2201, n.º 89 e jurisprudência referida), e Hoffmann‑La Roche, n.º 69.
[169] Cfr. parágrafo 29 das Orientações Gerais.
[170] Cfr. Acórdão do Tribunal Geral E.ºN Ruhrgas AG e E.ºN AG c. Comissão Europeia supracitado, parágrafos 67 e 68 e parágrafo 29 das Orientações Gerais.
[171] Cfr. parágrafo 18.2 das Orientações Gerais.
[172] Cfr. parágrafo 31 das Orientações Gerais.
[173] Cfr. Acórdão do Tribunal Geral (Terceira Seção), de 18 de setembro de 2001, Proc. T-112/99, Métropole Television (M6) e Outros, Coletânea 2001, p. II-2459, parágrafo 109. Cfr., no mesmo sentido, Acórdão do Tribunal Geral E.ºN Ruhrgas AG e E.ºN AG c. Comissão Europeia supracitado:
Trata-se não de analisar se, face à situação concorrencial no mercado em causa, a restrição é indispensável para o sucesso comercial da operação principal, mas sim de determinar se, no âmbito particular da operação principal, a restrição é necessária à realização dessa operação.
[174] Tradução para português da expressão «rule of reason», esclarecendo-se que não se pretende introduzir tal regra na interpretação do artigo 101º, n.º 1 do TFUE, mas antes elucidar que a presunção de que a acordada restrição por objectivo é suficientemente nociva para a concorrência para assim ser qualificada, pode ser afastada quando os acordos visem objectivos legítimos e proporcionais.
[175] E o artigo 11º da Lei n.º LVII, de 1996, «Lei sobre as Práticas Comerciais Desleais» do Direito Húngaro, que, de forma semelhante ao estatuído pelo estabelecido no mencionado artigo 101, n.º 1 do TFUE dispõe que «São proibidos todos os acordos entre empresas, todas as práticas concertadas e todas as decisões de organismos constituídos por empresas elaborados ao abrigo da liberdade de associação, de organismos de direito público constituídos por empresas, por associações de empresas e por outras entidades semelhantes constituídas por empresas (…), que tenham por objetivo ou que tenham ou possam ter por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência. Não são abrangidos por esta definição os acordos celebrados entre empresas que não sejam independentes umas das outras.»
[176]A respeito da repartição de mercados, a CE opera de acordo com o princípio geral de que estamos na presença de um acordo de restrição por objeto quando se verifica um contexto de pura repartição de mercados; contudo, assinala que deve cotejar-se a conduta das partes no contexto de uma cooperação mais ampla (dando como exemplo um acordo de distribuição entre concorrentes atuais ou potenciais) para daí inferir se o desiderato prosseguido era, ou não, era repartir o mercado. Por conseguinte, para a Comissão, se a repartição de mercados ocorrer num contexto de mais ampla cooperação entre as Partes, então constituirá uma restrição por objeto, se forem eliminados outros parâmetros de concorrência ou se a restrição não for necessária no âmbito da cooperação estabelecida entre as partes.
[177] Cfr. Sentenças do Tribunal de Comércio de Lisboa, de 9 de dezembro de 2005, 2.º Juízo, Proc. n.º 1307/05.6TYLSB, e de 12 de Janeiro de 2006. 3.º Juízo, Proc. n.º 1302/05.5TYLSB.
[178]  “A fim de apreciar se um acordo contém uma restrição da concorrência «em razão do seu objetivo», deve atender‑se ao teor das suas disposições, aos objetivos que visa atingir, bem como ao contexto económico e jurídico em que se insere (v. acórdãos, já referidos, GlaxoSmithKline Services e o./Comissão e o., n.° 58; Football Association Premier League e o., n.° 136; e Pierre Fabre Dermo‑Cosmétique, n.° 35). No âmbito da apreciação do referido contexto, há também que tomar em consideração a natureza dos bens ou dos serviços afetados e as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado ou dos mercados em causa (v. acórdão Expedia, já referido, n.° 21 e jurisprudência referida).
Além disso, embora a intenção das partes não seja um elemento necessário para determinar o caráter restritivo de um acordo, nada impede que as autoridades da concorrência ou os órgãos jurisdicionais nacionais e da União a tenham em conta (v., neste sentido, acórdão GlaxoSmithKline Services e o./Comissão e o., já referido, n.º 58 e jurisprudência referida)”.
Cfr. Acórdão Allianz Hungária Biztosító Zrt. e outros supracitado, parágrafos 36 e 37 e jurisprudência aí referida.
[179] Cfr. acórdão BIDS supracitado, parágrafo 21 e jurisprudência ai referida; cfr. ainda acórdão IAZ c. Comissão, processos apensos C-96/82 a C-102/82, C-104/82, C-105/82, C-108/82 e C-110/82, Colet. 2008 I-08637, p. 310, parágrafo 25, e Acórdão do Tribunal Geral E.ºN Ruhrgas AG e E.ºN AG c. Comissão Europeia supracitado, parágrafo 143 e jurisprudência ai referida.
[180] Veja-se a interpretação que é dada ao conceito de “empresa” no âmbito do Regulamento n.º 330/2010 relativo à aplicação do n.º 3 do artigo 101.º do TFUE a determinadas categorias de acordos verticais e práticas concertadas.
[181] Decisão de 14 de maio de 1998, proferida no processo do TC n.º T-354/94
[182] Processo C-97/08,P.
[183] Proferido no processo n.º C-516/15 P.
[184] Acórdão “Vantaan kaupunki / Skanska Industrial Solutions Oy”, proferido no processo n.º C-724/17.
[185] Cf. Antónia Ferreira Fontes de Almeida, “A PROBLEMÁTICA DA RESPONSABILIDADE-MÃE POR CONDUTAS INFRATORAS DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA PELAS SOCIEDADES SUBSIDIÁRIAS”, in Temas Atuais de Direito da Concorrência – Economia Digital, Direitos Fundamentais e Outros Desafios, Coord. Sofia Oliveira Pais e Vicente Bagnoli, Universidade Católica, Porto, 2020, pg.241 e toda a jurisprudência e doutrina ali referidas.
[186] Proferido no processo C-625/13.
[187] Cf. Acórdão Stora, proferido em 16.11.2000 no processo C-286/98.
[188] Proferido no processo n.º C.521/09P, em 29.09.2011.
[189] Artigo 13.º
Coimas aplicadas às empresas e associações de empresas
1. Os Estados-Membros garantem que as autoridades administrativas nacionais da concorrência tanto podem aplicar, mediante decisão no âmbito de processos de aplicação próprios, como requerer que sejam aplicadas, no âmbito de processos judiciais de natureza não penal, coimas efetivas, proporcionadas e dissuasoras às empresas e associações de empresas que, dolosamente ou por negligência, cometam uma infração ao artigo 101.º ou 102.º do TFUE.
2. Os Estados-Membros asseguram pelo menos que as autoridades administrativas nacionais da concorrência tanto podem aplicar, mediante decisão no âmbito de processos de aplicação próprios, como requerer que sejam aplicadas, no âmbito de processos judiciais de natureza não penal, às empresas e associações de empresas, coimas efetivas, proporcionadas e dissuasoras. Essas coimas são determinadas proporcionalmente ao volume de negócios total a nível global dasempresas e associações de empresas em causa, quando dolosamente ou por negligência:
a) Não se sujeitem a uma inspeção a que se refere o artigo 6.º, n.º 2;
b) Os selos colocados por funcionários ou outros acompanhantes autorizados pelas autoridades nacionais da concorrência, ou por elas nomeados, nos termos do artigo 6.º, n.º 1, alínea d), tenham sido violados;
c) Em resposta a uma pergunta a que se refere o artigo 6.º, n.º 1, alínea e), respondam de forma inexata ou enganosa, não deem ou se recusem a dar uma resposta completa;
d) Prestem informações inexatas, incompletas ou enganosas em resposta a um pedido efetuado nos termos do artigo 8.º, ou não prestem as informações no prazo fixado;
e) Não compareçam a uma inquirição convocada nos termos do artigo 9.º;
f) Não cumpram uma decisão a que se referem os artigos 10.º, 11.º e 12.º.
3. Os Estados-Membros asseguram que nos processos referidos nos n.ºs 1 e 2 se prevê a aplicação de coimas eficazes, proporcionadas e dissuasoras.
4. O presente artigo não prejudica as disposições de direito nacional que prevejam a aplicação de sanções no âmbito de processos judiciais de natureza penal, desde que a aplicação dessas disposições não afete a aplicação eficaz e uniforme dos artigos 101.º e 102.º do TFUE.
5. Para efeitos de aplicação de coimas a sociedades-mãe e a sucessores legais e económicos das empresas, os Estados-Membros asseguraram que seja aplicável o conceito de empresa.
[190] Cf. Teresa Bravo, “O Caso da Associação Nacional de Farmácias à luz da jurisprudência Akzo Nobel (revisitada)”, in “Novos Estudos sobre Law Enforcement, Compliance e Direito Penal”, Coord. Científica Maria Fernanda Palma, Augusto Silva Dias e Paulo Sousa Mendes, 2020, Almedina, Coimbra, pg. 136.
[191] Cfr. fls. 160 a 805 dos autos e fls. 24 do PA, vol. I.
[192] Cfr. fls. 1921, 1922 e 1974 dos autos.
[193] Cf. a este respeito, Pedro Caeiro “Punível Com Coima de até 10% de um Montante Qualquer”, Estudos de Homenagem ao Professor Germano Marques da Silva, Universidade Católica Editora, junho de 2020, Vol. IV pg. 2438 e ss. e o Acórdão deste Tribunal da Relação de11.03.2015, proferido no processo n.º 204/13.6YUSTR.L1.
[194] Fazendo-se referência a um Parecer da autoria da Senhora Professora Teresa Quintela Brito junto àqueles autos.
[195] Proferido em 22.05.2008 (Evonik Degussa GMBH c. Comissão)