Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
| ||
| Relator: | CARLOS OLIVEIRA | ||
| Descritores: | PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO PLANO DE RECUPERAÇÃO DA EMPRESA RESOLUÇÃO DO CONTRATO LOCAÇÃO FINANCEIRA | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 03/12/2019 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | 1. Por regra, as providências cautelares destinadas à entrega judicial de bens objeto de contratos de locação financeira na detenção material do devedor, não são compreendidas pelo efeito de inibição de instauração de “ações de cobrança de dívida” ou de suspensão desses processos, tal como previsto no Art. 17.º-E n.º 1 do C.I.R.E., mesmo que fundadas na resolução do contrato por incumprimento da obrigação de pagamento das rendas. 2. No entanto, se processo negocial do PER conduzir a um plano de recuperação da empresa em que seja prevista, como condição do mesmo, a manutenção da vigência do contrato de locação financeira e o pagamento das rendas nos termos aí convencionados, deve entender-se que, por força do Art. 17.º-E n.º 1 do C.I.R.E., o locador fica necessariamente a inibido de instaurar o procedimento cautelar previsto no Art. 21.º do Dec.Lei n.º 149/95 de 24/6. 3. Durante o período de pendência das negociações com vista à aprovação de semelhante plano de recuperação, por força do Art. 17.º-D n.º 10 do C.I.R.E. e dos princípios aprovados na resolução n.º 43/2011 da Presidência do Conselho de Ministros, publicada no D.R. Iª Série de 25/10/2011, o locador financeiro não pode resolver o contrato incidente sobre imóveis em que o devedor seja locatário financeiro, mesmo que tenha causa legal para o efeito, considerando que essa resolução tornaria inviável o plano de recuperação negociado e entretanto aprovado pela maioria dos credores. 4. Tendo o locador, de forma intempestiva, comunicado a resolução do contrato de locação financeira, durante esse período temporal, a mesma deve ter-se por ineficaz. 5. Findo o processo especial de revitalização, sem homologação judicial do plano de recuperação da empresa, o locador financeiro poderá legitimamente exercer os seus direitos, nomeadamente lançando mão ao procedimento cautelar de entrega judicial do imóvel locado, nos termos do Art. 21.º do Dec.Lei n.º 149/95 de 24/6, verificados que estejam os requisitos legais para a sua instauração e procedência. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I- Relatório: O NB…, S.A., instaurou a presente providência cautelar de entrega judicial de imóvel, prevista no Art. 21º do Dec.Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, contra N… - Estudos Projetos Investimentos Imobiliários, Lda., pedindo a imediata entrega das frações autónomas designadas pelas letras “…” e “…” do prédio urbano, constituídos em regime de propriedade horizontal, sito na “Estrada … n° … e Caminho VA…, denominado “Edifício ML…”, freguesia de São Martinho, concelho do Funchal, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal, sob a ficha nº …, da mencionada freguesia, inscrita a propriedade horizontal, sob a quota …, Ap. 1 de 1992/11/10 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …. Alegou, em síntese, que celebrou com a Requerida, em 16 de Julho de 2008 e no exercício da sua atividade comercial, um contrato de locação imobiliária, com nº …, tendo por objeto as frações autónomas acima descritas. No entanto, a Requerida não pagou as rendas número 78º, 79º e 80º, vencidas a 20-03-2014, 20-04-2014 e 20-05-2014, abstendo-se, igualmente, de reembolsar o Requerente da contribuição autárquica e respetivas despesas. Razão pela qual o Requerente procedeu à resolução daquele contrato por carta registada com aviso de receção de 12 de junho de 2014 e exigiu a devolução daqueles imóveis livres de desimpedidos e em bom estado de conservação. Apesar de recebida a carta de resolução, a Requerida recusa-se a entregar voluntariamente os imóveis que lhe foram locados. Cumprido o contraditório, a Requerida deduziu oposição alegando que a resolução efetuada pelo Requerente é ilícita e ineficaz, violando a boa-fé, uma vez que foi concretizada quando a Requerida estava em Processo Especial de Revitalização, devidamente publicitado, razão pela qual não entregou os imóveis locados. Acrescenta que o Requerente reclamou os seus créditos, relativos às rendas vencidas e não pagas de 20-03-2014, 20-04-2014 e 20-05-2014, no Processo Especial de Revitalização, que fundamentaram a carta de resolução, reclamando também as rendas vincendas até efetivo e integral cumprimento do contrato, no pressuposto da sua manutenção em vigor. Pelo que, conclui pela não verificação dos requisitos necessários ao decretamento da providência uma vez que o ato de resolução dos autos configura um abuso de direito. Designada audiência final para produção da prova requerida, veio no final a ser proferido despacho final que julgou a providência por improcedente. É dessa decisão final que o requerente da providência cautelar agora recorre apresentando no final das suas alegações as seguintes conclusões: I. O Recorrente não se conforma com a douta sentença proferida nos presentes autos que não decretou a providência cautelar em apreço. II. Com efeito, uma “correta” ponderação da matéria de facto provada e respetiva aplicação do direito teria conduzido a uma decisão diferente, ou seja, de procedência do procedimento, com o decretamento da providência cautelar requerida. III. A decisão de facto padece de erro, nomeadamente o factos n.º 14. IV. Sucede que como resulta da prova documental junta aos autos – cfr. docs. 4 e 5 juntos com o requerimento inicial - que a apresentação de cancelamento da locação financeira corresponde ao n.º 2548 de 04.07.2014. V. Assim, carece tal facto de ser alterado, passando a sua redação para a seguinte: “Através da AP. 2548 de 04.07.2014 o Requerente efetuou o cancelamento do registo da locação financeira. VI. A resolução do contrato de locação financeira não se reconduz a uma ação de cobrança de dívidas, que é a prevista na hipótese legal do Artº 17º-E, 1 do CIRE. VII. O legislador não desconhecia a possibilidade de serem deduzidos pedidos de entrega de bens dados em locação financeira ou em regime de aluguer, especialmente porque se trata de empresas que estão a passar por momentos económicos difíceis e se pretendesse que qualquer ação, procedimento ou execução devessem ser suspensos tê-lo-ia dito e, ao invés, quis limitar a suspensão aos processos em que está em causa a cobrança de dívidas. VIII. E a requerente não deduziu quanto à requerida qualquer pedido de cobrança de dívidas. IX. As questões que se colocam nesta sede é se o requerente, aqui Recorrente, ao proceder à resolução do contrato violou o princípio da boa-fé ou agiu em abuso de direito – entende-se que não. X. A carta de resolução do contrato de locação financeira foi remetida para a Requerida aos 12.06.2014, na sequência de incumprimento verificado, e aqui confessado, das rendas número 78º, 79º e 80º, vencidas a 20-03-2014, 20-04-2014 e 20-05-2014, a cujo pagamento se encontrava obrigada. XI. Face ao incumprimento do contrato o aqui Requerente poderia proceder à resolução do contrato e exigir a entrega do locado, atento o disposto nos pontos Um a TRÊS da Cláusula 13ª daquele contrato – cfr. sentença recorrida. XII. Bem sabia a Recorrida que incumprido o pagamento das três rendas supra referidas, seguir-se-ia a resolução do contrato e consequente obrigação de entrega dos imóveis ao locador – cfr. contrato locação financeira, a fls. dos autos. XIII. Ao que tentou obstar de forma ardilosa, com o recurso ao processo especial de revitalização, que resultou inequivocamente frustrado. XIV. Sequer resultou alguma vez demonstrado nos autos que a manutenção de tal contrato de locação financeira fosse essencial para a revitalização da devedora, aqui requerida. XV. A questão da violação do princípio da boa-fé deveria, outrossim, ter sido analisada no prisma contrário e exclusivamente imputável à Requerida. XVI. Tal como não viola o princípio da boa-fé, a reclamação de créditos em sede de PER, com vista a acautelar os direitos do Banco Requerente, ou dispor-se a negociar com a devedora, o que no caso em apreço resultou frustrado. XVII. Assim sendo, resulta evidente que em momento algum o Banco Requerente violou o princípio da boa-fé a que se encontrava adstrito. XVIII. Pelo contrário; respeitou a iniciativa da requerida de recurso ao PER, participou das negociações mas, inconformada com a proposta manutenção do contrato de locação financeira, entre outros, votou contra o plano e afinal pediu a sua não homologação; XIX. Confirmada esta, por sentença transitada em julgado, somente aos 10/02/2017, só depois recorreu ao presente procedimento cautelar para restituição dos imóveis, sua propriedade, cujo cancelamento da locação financeira, remonta a 2014; sem contestação por parte da Requerida; ou seja, agiu sempre conforme os ditames da boa-fé; XX. Dispõe o artigo 334º do CC que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o respetivo titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. XXI. Note-se que os créditos reclamados pelo ora Recorrente destinaram-se somente a acautelar os seus direitos, não consubstanciando um retrocesso na resolução do contrato, que já se encontrava em curso aquando do recurso ao PER pela ora Recorrida, mas a que ardilosamente quis obstar. XXII. O que aliás resulta manifesto de os factos terem sucedido em 2014 e até à presente data a Recorrida se manter na posse das frações, sem qualquer contrapartida financeira para o Requerente; não obstante o teor do plano. XXIII. Assim, consolidada a resolução do contrato de locação financeira, somente com o trânsito em julgado do acórdão que deferiu a requerida não homologação do plano, assiste ao Requerente o direito à restituição dos bens imóveis, sua propriedade, conforme inscrição na respetiva conservatória do registo predial. XXIV. A douta sentença recorrida violou, assim, o Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, os artigos 334.º, 405.º do Código Civil e seguintes e art. 1022.º e seguintes do Código Civil, artigo 17.º do CIRE. XXV. Deve, consequentemente, ser a mesma revogada e substituída por outra que decrete a providência cautelar requerida. Pede assim que seja concedido provimento ao recurso e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida. A Requerida não apresentou contra-alegações. * II- QUESTÕES A DECIDIRNos termos dos Art.s 635º n.º 4 e 639º n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. Art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Vide: Abrantes Geraldes, Ob. Loc. Cit., pág. 107). Assim, em termos sucintos, as questões essenciais a decidir são as seguintes: a) A retificação da matéria de facto quanto ao ponto 14 dos factos provados; b) Saber se a providência cautelar de entrega judicial de imóvel, prevista no Art. 21º do Dec.Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, está compreendida entre as “ações de cobrança de dívida” a que se reporta o Art. 17.º-E n.º 1 do C.I.R.E. e se esta previsão normativa obsta à resolução do contrato de locação financeira. c) Saber se a locadora financeira violou ou não o princípio da boa-fé ao resolver o contrato de locação financeira por incumprimento da locatária na pendência do Processo Especial de Revitalização e se essa resolução foi eficaz. Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir. * III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOA decisão recorrida relevou a seguinte factualidade que julgou por provada: 1- No âmbito da sua atividade, em 18 de Outubro de 2007, o “BF… – Instituição Financeira de Crédito, S.A” celebrou com a aqui Requerida, o contrato de locação financeira imobiliária (proposta n.° …), que se mostra junto aos autos como documento n º 1 do requerimento inicial (fls. 7 a 14), cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 2- O contrato em causa teve por objeto a fração autónoma designada pela letra “…” que corresponde ao … andar, unidade comercial, situada no ângulo sudoeste, com acesso pela esplanada, através da fachada sul, no ângulo sudoeste, tem direito ao uso exclusivo da esplanada adjacente e fração autónoma designada pelas letras “LI”, que corresponde ao … andar, unidade comercial, contígua e adjacente para poente da anterior, com acesso pela esplanada, ao centro da fachada sul, tem direito ao uso exclusivo da esplanada adjacente, sendo ambas as frações pertencentes ao prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na “Estrada M… n° … e Caminho VA…, denominado “Edifício ML…”, freguesia de São Martinho, concelho do Funchal, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal, sob a ficha nº …, da mencionada freguesia, inscrita a propriedade horizontal sob a quota …, Ap. 1 de 1992/11/10 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …. 3- Para o referido contrato foi estipulado um prazo de 15 (quinze) anos. 4- A Requerida obrigou-se a pagar o valor da aquisição em 180 (cento e oitenta) rendas mensais, a primeira no valor de €75.000,00, e as restantes 179 (cento e setenta e nove), no valor de €2.593,88, cada uma, indexadas à Euribor Mensal acrescida de um spread de 0,6%, vencendo-se as rendas no dia 20 de cada mês. 5- A Requerida não pagou as rendas números 78º, 79º e 80º, vencidas a 20-03-2014, 20-04-2014 e 20-05-2014. 6- O “BF… – Instituição Financeira de Crédito, S.A” extinguiu-se por força da fusão donde decorreu a sua incorporação no BE…, S.A.. 7- Em 29 de Dezembro de 2008, foi deliberada a indicada fusão por incorporação tendo a mesma sido registada em 30 de Dezembro de 2008. 8- Entretanto, o Conselho de Administração do Banco de Portugal, deliberou, no dia 03 de Agosto de 2014, aplicar ao BE… SA, uma medida de resolução, mediante a qual a generalidade da atividade e do património do BE… SA, é transferida, de forma imediata e definitiva, para o NB…, S.A.. 9- A ora Requerida promoveu Processo Especial de Revitalização (PER), que correu termos pela Secção de Comércio – J… da Comarca da Madeira, sob o n.º …/…, tendo sido proferido em 16 de Maio de 2014, despacho a nomear o Administrador Judicial Provisório da Requerida, nos termos do disposto no artigo 17.º-C, n.º 3 do CIRE. 10- Foi ao abrigo deste processo, e visando a sua viabilidade, que a Requerida apresentou um Plano Especial de Revitalização, que foi devidamente publicitado no Portal Citius no dia 20/05/2014, com o consequente início das negociações para aprovação de um plano. 11- Através de carta datada de 16 de Junho de 2014 o Requerente manifestou a intenção de participar nas negociações em curso, na sequência de convite efetuado pela Requerida, indicando os seus contactos para o efeito. 12- Por carta registada com aviso de receção, datada de 12 de Junho de 2014 e recebida pela Requerida a 20 de Junho de 2014, o Requerente declarou resolver o contrato de locação financeira imobiliária dos autos, com fundamento na falta de “(…) pagamento das rendas 78º, 79º, 80º, vencidas e não pagas de 20/03/2014, 20/04/2014, 20/05/2014, no valor total de 6.213,24 €, acrescido de juros de mora”. 13- Por carta registada datada de 25 de Junho de 2014, a ora Requerida veio relembrar ao Requerente que se encontrava pendente um PER, no âmbito do qual seria (ou poderia ser) encontrada uma solução para os créditos deste e para o contrato dos autos. 14- Através da AP. 2388 de 24.04.2015 o Requerente efetuou o cancelamento do registo da locação financeira. 15- Sem invocar/alegar a resolução do contrato dos autos, antes admitindo o seu eventual cumprimento, o Requerente reclamou os créditos emergentes do mesmo apresentando Reclamação de Créditos. 16- Créditos esses que foram reconhecidos e relacionados pelo Administrador Judicial Provisório da ora Requerida, os quais foram contemplados no Plano de Recuperação apresentado pela ora Requerida no âmbito do PER. 17- A 3 de Outubro de 2014, a Devedora, a ora Requerida, apresentou versão final do plano de insolvência, para votação. 18- Plano este que, no respeitante aos créditos emergentes do contrato de locação dos autos previa expressamente o seguinte: “ii) NB… SA Proposta: Manutenção do contrato nos termos contratados e pagamento das prestações em atraso até à data da homologação do plano Origem: Contrato Locação Financeira Imobiliária nº … Imóvel: Frações comerciais … e … localizadas no C.C. ML…, Estrada M…-Funchal, inscritas na matriz predial urbana sob o artigo …”. 19- Este plano foi aprovado pela maioria legalmente exigida dos Credores da ora Requerida, e foi homologado pelo Tribunal de 1.ª Instância na data de 27 de Março de 2015. 20- Na sequência de recurso interposto pelo Requerente, com fundamento no tratamento dispensado a outros créditos do mesmo, que não os emergentes do contrato de locação dos autos, o Tribunal de Relação de Lisboa, por Acórdão de 10 de Maio de 2016, revogou a sentença de homologação do plano de recuperação aprovado. 21- Não homologação esta que viria a ser confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, por intermédio de Acórdão de 14 de Dezembro de 2016. 22- Com o consequente encerramento, sem homologação de qualquer plano de recuperação, e na sequência do parecer apresentado pelo Administrador Judicial Provisório na data de 10 de Maio de 2017, do PER promovido pela ora Requerida. * O Tribunal julgou ainda por não provado o seguinte facto: a) Após o envio da carta registada com aviso de receção, datada de 12-06-2014, o requerente exigiu da requerente, por diversas vezes, a entrega dos imóveis locados. Tudo visto, cumpre apreciar. * IV- Fundamentação de direito:Delimitadas as questões a apreciar no presente recurso, iremos então delas tomar conhecimento pela sua ordem de precedência lógica, começando pela questão relacionada com a retificação da matéria de facto. 1. Da retificação da matéria de facto. O Recorrente veio invocar a existência de erro na decisão de facto no que se refere ao ponto 14 dos factos provados, uma vez que da prova documental junta aos autos, nomeadamente dos documentos n.º 4 e n.º 5 do requerimento inicial, resulta que a apresentação para cancelamento da locação financeira tem o n.º 2548 de 04.07.2014 e não correspondente à “AP. 2388 de 24.04.2015” que consta como provada. Estabelece o Art. 662º n.º 1 do C.P.C. que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documentos superveniente, impuserem decisão diversa. É isso mesmo que se verifica no caso dos autos, sendo evidente que se trata de lapso de escrita suscetível de simples retificação, nos termos do Art. 249.º do C.C., por se revelar do próprio contexto da declaração, em função da prova documental em que se sustenta, nomeadamente dos mencionados documentos (v.g. a fls 18 verso e fls 20). Nessa medida, procedendo nesta parte as conclusões de recurso, determinamos a retificação do ponto 14 dos factos provados, que passará a ter a seguinte redação: “14- Através da AP. 2548 de 04.07.2014 o Requerente efetuou o cancelamento do registo da locação financeira.” 2. Do âmbito de aplicação do Art. 17.º-E n.º 1 do C.I.R.E.. Relembre-se que o presente processo tem na sua base uma relação contratual de locação financeira imobiliária, tal como a mesma é definida pelo Art. 1.º do Dec.Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, não havendo qualquer discussão sobre a qualificação jurídica do contrato que vincula ambas as partes. Em termos sucintos, o Requerente obrigou-se, por este contrato, a ceder o gozo temporário de dois imóveis, pelo prazo de 15 anos, mediante o pagamento pela Requerida de renda mensal, durante os 180 meses de vigência do contrato, com opção de compra, que permitiria à locatária no final adquirir os bens objeto de locação pelo pagamento de um valor residual de €8.100,00, a título de preço (cfr. doc. de fls 7 a 14). Este contrato está subordinado ao regime jurídico previsto no Dec.Lei n.º 149/95, de 24 de Junho e ao que esteja especialmente previsto no seu clausulado, sem prejuízo da aplicação subsidiária das regras gerais dos contratos e, em particular, das normas do contrato de locação (Art.s 1022.º e ss do C.C.) e da compra e venda (Art.s 874.º e ss), conforme estejam em causa situações jurídicas relativas essencialmente ao gozo da coisa ou à transmissão da propriedade, salvaguardado o disposto no Art. 9.º n.º 2 do Dec.Lei n.º 149/95, de 24 de Junho. Assim, releva em particular que, nos termos do Art. 17.º, n.º 1 do Dec.Lei n.º 149/95, de 24 de Junho: «O contrato de locação financeira pode ser resolvido por qualquer das partes, nos termos gerais, com fundamento no incumprimento das obrigações da outra parte, não sendo aplicáveis as normas especiais, constantes de lei civil, relativas à locação». Neste contexto, por força da cláusula 13.ª do contrato, que vincula ambas as partes, estabelecia-se a propósito que, havendo incumprimento definitivo pela locatária de quaisquer das cláusulas desse contrato, este poderia ser resolvido por iniciativa do locador (v.g. n.º 1); considerando-se haver incumprimento definitivo quando a locatária estivesse em mora no pagamento de uma prestação de renda por um período superior a 60 dias (v.g. n.º 2 da mesma cláusula – cfr. doc. a fls 12 verso). O n.º 3 da mesma cláusula 13.ª estabelecia ainda que, em caso de resolução do contrato, o locador tinha direito à restituição imediata do imóvel por parte da locatária, sem prejuízo dos demais direitos de natureza indemnizatória aí previstos (cfr. cit. doc. a fls 12 verso). Ora, tendo-se verificado o incumprimento da obrigação de pagamento das rendas vencidas em 20 de março, 20 de abril e 20 de maio de 2014, o locador veio a exigir o seu pagamento à locatária, por carta de 21 de maio de 2014, sob pena de fazer valer os seus direitos estabelecidos na cláusula 13.ª do contrato (cfr. doc. de fls 15). Subsistindo o incumprimento dessas rendas, apesar dessa interpelação, o locador veio a resolver o contrato de locação financeira por carta de 12 de junho de 2014, remetida à locatária com registo e aviso de receção, exigindo também a entrega dos imóveis locados até ao dia 25 de junho de 2014 (cfr. doc.s de fls 16 e 17). Evidencia-se dos autos que os imóveis nunca foram restituídos ao Requerente, que assim se viu obrigado a lançar mão ao presente procedimento cautelar, ao abrigo do Art. 21.º do Dec.Lei n.º 149/95 de 24/6. Nos termos do n.º 1 desse mencionado Art. 21.º: «Se, findo o contrato por resolução (…), o locatário não proceder à restituição do bem ao locador, pode este, após o pedido de cancelamento do registo da locação financeira, a efetuar por via eletrónica sempre que as condições técnicas o permitam, requerer ao tribunal providência cautelar consistente na sua entrega imediata ao requerente». O n.º 4 da mesma norma estabelece ainda que: «O tribunal ordenará a providência requerida se a prova produzida revelar a probabilidade séria da verificação dos requisitos referidos no n.º 1, podendo, no entanto, exigir que o locador preste caução adequada.» Considerando este quadro legal e apenas os factos assim até agora relatados, deveria concluir-se que o Requerente da presente providência provou todos os factos necessários demonstrar para obter o deferimento da providência deduzida. A decisão recorrida também parte dessa abordagem, debruçando-se ainda sobre a questão do periculum in mora, como requisito geral das providências cautelares, considerando que havia justificado receio de que a demora na resolução do litígio cause lesão grave ou de difícil reparação ao direito do locador, porquanto o mesmo se presume jure et de jure do facto de ter sido operada a resolução do contrato e de não ter existido restituição do bem, tal como é preconizado, entre outros, por Abrantes Geraldes (in “Temas da Reforma do Processo Civil”, Vol. IV, pág. 302) quando afirma que: «(…) a especial natureza das relações subjacentes (venda com reserva de propriedade ou constituição de garantia hipotecária) afastou a necessidade, sentida noutras providências, de comprovação, ainda que sumária, do periculum in mora.» Reconhece-se assim que o legislador quis, nomeadamente no caso dos contratos de locação financeira, colocar à disposição do locador, após a cessação da relação contratual, de um meio expedito de reclamar a entrega imediata do bem para o recolocar no mercado, evitando dessa forma a degradação e desvalorização inerentes ao seu uso e ao decurso do tempo. No entanto, apesar do exposto, a decisão recorrida entendeu não deferir à providência requerida, porque a resolução do contrato foi concretizada quando a Requerida se encontrava em PER - “Processo Especial de Revitalização” - publicitado em anúncio de 26/05/2014 (cfr. fls. 45). Sendo que esse processo, que correu termos pela Secção de Comércio – J… da Comarca da Madeira, sob o n.º …/…, foi promovido pela Requerida, tendo em 16 de Maio de 2014 sido proferido despacho a nomear o Administrador Judicial Provisório, nos termos do Art. 17.º-C n.º 3 al. a) do C.I.R.E. (cfr. fls. 44). Com estes pressupostos de facto e, com base no disposto no Art. 17.º-E n.º 1 do C.I.R.E., considerou a decisão recorrida que a pendência do PER obstaria à resolução do contrato de locação financeira e à instauração do presente procedimento cautelar. Acresceria também que o Requerente interveio nas negociações do PER, dando conhecimento dessa intenção à Requerida, através de carta datada de 16 de Junho de 2014, quando ainda não tinha sido rececionada a carta de resolução do contrato de locação financeira. Sendo que também reclamou os seus créditos como se este contrato se mantivesse em vigor, pedindo o reconhecimento das “rendas vincendas desde 20-05-2014, até efetivo e integral cumprimento do contrato” (cfr. fls 51). O que entronca na questão da violação do princípio da boa-fé durante o período negocial do PER que adiante iremos apreciar. O Recorrente não concorda com esta interpretação, desde logo por considerar que o presente procedimento cautelar e a resolução do contrato de locação financeira não se enquadram na previsão do Art. 17.º-E n.º 1 do C.I.R.E.. A questão do âmbito de aplicação do n.º 1 do Art. 17.º-E do C.I.R.E. é de facto muito discutida na jurisprudência e na doutrina, tendo feito correr rios de tinta. O Art. 17.º-E n.º 1 do C.I.R.E. estabelece que o despacho do juiz a nomear administrador provisório em processo especial de revitalização: «obsta à instauração de ações para cobrança de dívidas contra a empresa e, durante todo o tempo que perduram as negociações, suspende, quanto à empresa, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação». Em face do assim disposto na lei, para uns, nas “ações para cobrança de dívidas” compreendem-se apenas as ações executivas para pagamento de quantia certa e as diligências de natureza executória respeitantes a cobranças dessas dívidas (neste sentido: Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis in “PER – Processo Especial de Revitalização”, Coimbra Editora, 2014, pág.s 97 e ss; Maria do Rosário Epifânio in “Processo Especial de Revitalização”, Almedina, 2016, pág. 33; e, entre outros, os Acórdãos do Tribunal de Relação de Lisboa de 10/11/2016 (Proc. n.º 495/1.2TVLSB.L1-6, Relator: António Santos); de 19/6/2016 (Proc. n.º 1133/13.9TVLSB.L1-2, Relatora: Maria Teresa Albuquerque); de 25/2/2016 (Proc. n.º 391/14.6YHLSB.L1-2, Relatora: Maria Teresa Albuquerque); de 25/8/2015 (Proc. n.º 7976/14.9T8SNT.L1-4, Relator: José Eduardo Sapateiro) disponíveis em www.dgsi.pt). Mas, para outros, as “ações de cobrança de dívida” compreendem também as ações declarativas pelas quais se exija o cumprimento de obrigações pecuniárias (neste sentido: Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”, Almedina, 2013, pág. 64; Alexandre de Soveral Martins in “Um Curso de Direito da Insolvência”, 2017, 2.ª Ed., pág. 521 a 522; Luís Menezes Leitão in “Direito da Insolvência”, 7.ª Ed., 2017, pág. 332 a 333; Fátima Reis Silva in “Processo Especial de Revitalização – Notas práticas e Jurisprudência Recente”, Porto Editora, 2014, pág. 53; e, entre outros, o Acórdão do S.T.J. de 17/12/2015 – Revista n.º 845/13.1TBABF.E1.S1 - 7.ª Secção – Relatora: Maria dos Prazeres Beleza – disponível in “Sumários do STJ”; e os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 25/6/2015 (Proc. n.º 7452/13.7TBCSC-B.L1-8 – Relator: Sacarrão Martins); de 11/7/2013 (Proc. n.º 1190/12.5TTLSB.L1-4); de 13/7/2017 (Proc. n.º 1515/13.6TVLSB.L1-2 – Relatora: Maria José Mouro); do Tribunal da Relação do Porto de 15/2/2016 (Proc. n.º 43/13.4TTPRT.P1 – Relatora: Maria José Costa Pinto) e de 5/1/2015 (Proc. n.º 22/13.1TTMTS. P1 – Relatora: Maria José Costa Pinto); do Tribunal de Relação de Évora de 10/5/2018 (Proc. n.º 26605/16.1YIPRT-E1 – Relator: Tomé de Carvalho) todos estes últimos disponíveis em www.dgsi.pt). A questão coloca-se igualmente relativamente às providências cautelares e, para quem entenda que o Art. 17.º-E n.º 1 do C.I.R.E. compreende apenas ações executivas, sustentará que esse efeito suspensivo das ações pendentes, ou inibitório à iniciativa do credor de instaurar novas ações, estende-se a todas as providências cautelares que tenham um efeito material executório quanto à cobrança duma dívida (vide: Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis in “PER – Processo Especial de Revitalização”, Coimbra Editora, 2014, pág.s 97 e ss; e Maria do Rosário Epifânio in “Processo Especial de Revitalização”, Almedina, 2016, pág. 33). Mas, para quem sustente que nesse preceito se compreendem igualmente as ações declarativas para reconhecimento de obrigações pecuniárias, estende o efeito do Art. 17.º-E n.º 1 do C.I.R.E. às providências cautelares destinadas a garantir o efeito útil dessas ações declarativas de cobrança de dívida. Neste domínio particular, o terreno apresenta-se mais escorregadio, em face das diferentes finalidades possíveis dos procedimentos cautelares. Assim, por exemplo, nos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 19/6/2016 e de 25/2/2016 (Proc.s n.º 1133/13.9TVLSB.L1-2 e n.º 391/14.6YHLSB.L1-2 - ambos relatados por Maria Teresa Albuquerque) excluem-se a generalidade das providências cautelares, com exceção das providências antecipatórias de ações que se deveriam suspender ao abrigo do Art. 17.-E n.º 1 do C.I.R.E., excluindo-se do âmbito deste normativo todas as ações declarativas e as executivas para entrega de coisa certa ou de prestação de facto. Logo, presumir-se-á daqui que as providências cautelares para entrega de coisa certa não deveriam ser suspensas, nem haveria qualquer fundamento que obstasse à iniciativa do credor para a sua instauração. No acórdão do Tribunal de Relação de Lisboa de 10/11/2016 (Proc. n.º 495/1.2TVLSB.L1-6, Relator: António Santos) defende-se a inclusão no âmbito de aplicação do Art. 17.º-E n.º 1 do C.I.R.E. apenas das providências cautelares de natureza executiva respeitantes a quaisquer dívidas, mas entendeu-se, ao contrário do expedido nos dois acórdãos anteriores, que se compreendia ainda assim dentro destas as que tivessem por objeto a entrega de coisas certa. Segundo o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25/6/2015 (Proc. n.º 7452/13.7TBCSC-B.L1-8 – Relator: Sacarrão Martins) a suspensão prevista no Art. 17.º-E n.º 1 do C.I.R.E. incluía os procedimentos cautelares antecipatórios das ações que deveriam ser suspensas ao abrigo desse preceito legal, ou seja, todas as ações de cobrança de dívida. Num âmbito que julgamos suscetível de acolher um entendimento mais alargado, no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24/2/2015 (Proc. n.º 1502/13.4T8PRT-B.P1 – Relator: Pinto dos Santos) foi considerado que o arresto deve ser incluído na previsão do Art. 17.º-E do C.I.R.E. (no mesmo sentido o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12/11/2015 – Proc. n.º 146761/13.1YIPRT-B.G1 – Relatora: Ana Cristina Duarte – este só disponível em https://blook.pt). De igual modo, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25/8/2015 (Proc. n.º 7976/14.9T8SNT.L1-4 – relator: José Sapateiro), considerou-se que aí se compreendiam as providências que impliquem a apreensão de bens do requerido devedor. O que permitiria a conclusão, “a contrario”, que se o bem não pertencesse ao devedor, mas sim ao credor, nada obstaria à instauração desse tipo de procedimento cautelar. É isso mesmo que é sustentado no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/10/2015 (Proc. n.º 2068/15.6T8LLE. E1 – Relator: Silva Rato) quando aí se defende que o efeito previsto no Art. 17.º-E n.º 1 do C.I.R.E. não abrange todas as ações que, direta ou indiretamente, influam no património ou na atividade da empresa, pois o objetivo do PER é apenas a renegociação de créditos tendo em vista a viabilização da empresa devedora dentro dos parâmetros dos Art.s 17.º-A e 17.º-B. Nesse contexto, estando aí em causa uma providência cautelar de entrega de coisa certa decorrente da resolução de contrato de locação financeira por incumprimento das rendas, sem se peticionar o pagamento de qualquer crédito pecuniário, não teria aplicação o disposto no Art. 17.º-E n.º 1 do C.I.R.E., não havendo por isso motivo para suspender esse procedimento cautelar deduzido ao abrigo do Art. 21.º do Dec.Lei n.º 149/95 de 24/6. Na mesma linha, vão também os acórdãos da Relação do Porto de 9/7/2014 (Proc. n.º 834/14.9TBMTS-B.P1 – Relator: Rui Moreira) e do Tribunal da Relação de Guimarães de 21/9/2017 (Proc. n.º 443/17.0T8FLG.G1-1ª – Relator: José Amaral), que excluem do âmbito de aplicação do Art. 17.º-E n.º 1 do C.I.R.E. e do conceito de “ações de cobrança de dívidas” as providências cautelares destinadas à entrega de bens locados deduzidas ao abrigo do Art. 21.º do Dec.Lei n.º 149/95 de 24/6, fundadas na resolução do contrato de locação financeira por incumprimento da obrigação de pagamento das rendas. Mas não se julgue que existe unanimidade quanto a esta conclusão, pois no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11/2/2016 (Proc. n.º 1355/15.8T8VRL.G1 – Relator: António Santos) sustentou-se que nas “ações de cobrança de dívida” incluem-se as providências cautelares de entrega de bem locado por incumprimento do contrato de locação financeira. Sendo que o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 3/3/2015 (Proc. n.º 1480/13.0TYLSB.L1.S1 – 6.ª Secção – Relator: João Camilo), sustentou que na pendência das negociações com vista à aprovação do plano de recuperação, nos termos dos Art.s 17.º-A a 17.º-I do C.I.R.E., o credor não pode propor ações contra o devedor, ou simplesmente agir contra o mesmo, tal como prescreve o Art. 17.-D n.º 10 do mesmo código e o princípio quinto da resolução n.º 43/2011 da Presidência do Conselho de Ministros, publicada no D.R. Iª Série de 25/10/2011. Por essa razão, nesse período temporal, o credor que seja locador financeiro, não pode resolver o contrato incidente sobre imóveis em que o devedor seja locatário financeiro, mesmo que tenha causa legal para o efeito, considerando que essa resolução tornaria inviável o plano de recuperação já aprovado, apesar do voto contrato do locador financeiro. Postos assim os termos da discussão, em face do caráter tendencialmente instrumental e subordinado das providências cautelares relativamente à ação principal, tal como consagrado no Art. 364.º n.º 1 do C.P.C. (vide, a propósito: Marco Filipe Carvalho Gonçalves in “Providências Cautelares”, 2017, 3.ª Ed., pág.s 117 e ss), diremos que o Art. 17.º-E n.º 1 do C.I.R.E. abrangerá de igual modo as providências cautelares que tenham por finalidade principal garantir o efeito útil de “ações (principais) de cobrança de dívida”. Na melhor das hipóteses discutidas na doutrina e jurisprudência, essas “ações principais de cobrança de dívida” serão aquelas destinadas à obtenção de pagamento de quantias pecuniárias. Pelo que, a providência cautelar de arresto de bens do devedor, destinados a garantir o pagamento de obrigações pecuniárias devidas ao credor requerente, estão claramente compreendidas na previsão do Art. 17.º-E do C.I.R.E.. Se, pelo contrário, a providência cautelar se destina à entrega judicial de bens que não são propriedade do devedor, mas estão sob a sua mera detenção material, como será o caso dos bens objeto de locação financeira, por regra não haverá motivo que justifique a suspensão do procedimento cautelar pendente ou a inibição do locador financeiro de o instaurar, porque a resolução do contrato, mesmo que fundada no não cumprimento da obrigação de pagamento das rendas, em condições normais, não implicará diretamente com o plano de pagamento das dívidas que são o motivo justificativo para o despoletar do processo negocial tendente à recuperação da empresa, nos termos dos Art.s 17.º-A e 17.º-B do C.I.R.E.. Sucede que, no caso concreto dos autos, esta posição de princípio não poderia prevalecer, porquanto o plano de recuperação da empresa que foi proposto contendia diretamente com esta conclusão. De facto, o plano de recuperação da empresa apresentado pelo devedor na sequência das negociações com os credores, ao abrigo do Art. 17.-F n.º 2 do C.I.R.E. (redação da Lei n.º 16/2012 de 20/4 - então em vigor) previa no seu ponto 6.2 (cumprimento e condições de pagamento aos credores), alínea B) (Fornecedores de Imobilizado) pontos ii) (relativos ao NB…, S.A.) a seguinte proposta: «ii) NB… SA «Proposta: Manutenção do contrato nos termos contratados e pagamento das prestações em atraso até à data da homologação do plano. «Origem: Contrato Locação Financeira Imobiliária nº …. «Imóvel: Frações comerciais … e … localizadas no C.C. ML…, Estrada M…-Funchal, inscritas na matriz predial urbana sob o artigo …. «Se eventualmente vier a ocorrer a resolução do respetivo contrato e/ou não sendo possível a renegociação do contrato, os créditos serão pagos nas condições referidas para os créditos de natureza comum.» (Cfr. doc. a fls 75 – sublinhado nosso). Há ainda a referir que na alínea F) se previa o pagamento dos “credores comuns” com perda de juros vencidos e vincendos, através do produto da venda dos imóveis do empreendimento “OC… Residence” e a realizar por rateio (cfr. cit. doc. a fls 76). Sendo que na alínea H) ficou estabelecida a extinção de todas e quaisquer ações para cobrança de dívidas pendentes (cfr. fls 76 a 76 verso). Daqui não resulta, ao contrário do que consta das alegações de recurso, que a locatária se conformou com a resolução do contrato de locação financeira. O que fica claro é que o plano proposto passava pela manutenção da vigência desse contrato. Esse plano foi aprovado por maioria dos credores e homologado por sentença de 27/3/2015 (cfr. doc. de fls 97), mas com a oposição do NB…, S.A., que recorreu da sentença homologatória, não propriamente por causa de questões relacionadas com este contrato de locação financeira e os imóveis a que o mesmo se reportava, mas fundamentalmente por causa de um outro crédito garantido por hipoteca, cujo pagamento ficou condicionado à resolução de um dissídio existente em tribunal com um outro credor, AS…, que reclamava assistir-lhe o direito de retenção sobre esse outro imóvel hipotecado (cfr. doc. de fls 98 a 119). Aliás, foi a situação relativa a esse outro crédito hipotecário, e não qualquer outra, que motivou a revogação da sentença homologatória do plano de revitalização da empresa, como decorre explicitamente dos acórdãos do Tribunal de Relação de Lisboa de 10 de maio de 2016 e do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de dezembro de 2016, que transitaram em julgado a 10 de fevereiro de 2017 (cfr. fls 98 verso a 119 verso). Fosse como fosse, decorre dos autos que o processo negocial tendente à apresentação e aprovação de um plano de recuperação da empresa devedora, subsequente ao despacho que nomeou administrador judicial provisório, ao abrigo do Art. 17.º-C n.º 3 al. a) do C.I.R.E. (redação da Lei n.º 16/2012 de 20/4 – então em vigor), compreendia as obrigações emergentes do contrato de locação financeira a que se reporta o presente procedimento cautelar, tendo na sua base uma proposta de manutenção da vigência desse contrato (cfr. doc. a fls 73). Assim sendo, tudo se passaria como se não houvesse manifestação de vontade por parte do locador financeiro no sentido da resolução do contrato. O que, aliás, também estava conforme com o teor da sua reclamação de créditos (cfr. doc. de fls 50 a 52), apresentada ao administrador judicial provisório, necessariamente depois da nomeação deste para esse cargo, em 16/5/2014 (cfr. doc. a fls 44). Sendo que a remessa da carta registada com aviso de receção, datada de 12 de junho de 2014, pela qual comunicou a resolução do contrato de locação financeira à locatária (cfr. doc.s de fls 16 e 17) já é posterior à publicação do anúncio do despacho de nomeação de administrador provisório, ocorrida em 26/5/2014 (cfr. fls 45), estando assim já então a decorrer nessa data o prazo para a reclamação de créditos (Art. 17.º-D n.º 2 do C.I.R.E., na sua versão original - então em vigor). Ora, nessa reclamação de créditos, o credor NB…, S.A. é bem claro, no seu artigo 13.º, quando reclama as rendas vincendas desde 20/5/2014 “até efetivo e integral cumprimento do contrato” (cfr. doc. a fls 51). Sendo que nos artigos 15.º e 16.º salvaguarda que, no caso de insolvência, “mantendo-se o contrato em vigor, o cumprimento ou não cumprimento do mesmo, estará dependente da opção que vier a ser tomada pelo Sr. Administrador de insolvência”, discutindo as soluções alternativas decorrentes dessa opção (cfr. cit. doc. a fls 51 – com sublinhado nosso). Portanto, o próprio credor reclamante configurava o reconhecimento do seu crédito no PER no pressuposto da ineficácia (ou inexistência) da resolução do contrato de locação financeira que comunicara a 12 de junho de 2014 (cfr. doc. de fls 16), sendo que o plano de recuperação da empresa negociado compreendeu a manutenção desse contrato, estabelecendo-se apenas um plano de pagamento relativo ao crédito por rendas. Nesse pressuposto, o credor reclamante, ficou efetivamente inibido de instaurar qualquer providência cautelar para entrega dos bens imóveis em consequência da resolução do contrato de locação financeira, porquanto essa iniciativa punha em causa a negociação, aprovação e âmbito de aplicação do plano de recuperação da empresa pendente na Secção de Comércio (J…) do Tribunal de Comarca da Madeira, sob o n.º …/…. Para esse efeito, a providência cautelar prevista no Art. 21.º do Dec.Lei n.º 149/95 de 24/6, deveria ter-se por compreendida no âmbito da previsão do Art. 17.º-E n.º 1 do C.I.R.E., porquanto a entrega dos bens locados, nos termos do concreto plano de recuperação negociado entre o devedor e o credor, pressupunha a manutenção do contrato de locação financeira plenamente vigente e, em função disso, o estabelecimento de um plano de pagamentos do correspondente crédito por rendas vencidas e vincendas. No caso concreto, a negociação e aprovação do plano de recuperação constituía causa prejudicial à iniciativa de resolução do contrato de locação financeira e consequente instauração da providência cautelar prevista no Art. 21.º n.º 1 do Dec.Lei n.º 149/95 de 24/6, porque, por vontade das partes, a manutenção do contrato passou a ser condição essencial do plano que estava a ser negociado e depois foi objeto de aprovação por maioria dos credores. Nessa medida, a obrigação de entrega dos bens locados ficou condicionada pelos termos do plano aprovado e pelas suas cláusulas relativas ao cumprimento da obrigação de pagamento das rendas vencidas e vincendas, subordinando-se lógica e necessariamente a possibilidade de acionamento judicial do devedor à previsão do n.º 1 do Art. 17.º-E do C.I.R.E.. Sucede que, entretanto, o plano de recuperação da empresa, apesar de ter sido inicialmente homologado por sentença, veio a ser objeto de decisão de não homologação, por força do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de dezembro de 2016, transitado em julgado a 10 de fevereiro de 2017 (cfr. doc. de fls 98 verso a 119 verso). Em consequência, cessou a causa legal que justificava a inibição do credor de poder instaurar contra o seu devedor “ações de cobrança de dívida”, ou procedimentos cautelares destinados a salvaguardar o efeito útil desse tipo de ações, tal como previsto no Art. 17.º-E n.º 1 do C.I.R.E.. Ora, o presente procedimento cautelar deu entrada em juízo a 16 de julho de 2018 (cfr. fls 24). Pelo que, então já não se verificava o efeito inibitório ao acionamento judicial do devedor, estabelecido no Art. 17.º-E n.º 1 do C.I.R.E.. Em conformidade, o disposto nesse preceito não foi violado e não poderia ser com fundamento no mesmo que se poderia concluir que o locador financeiro não poderia instaurar o presente procedimento judicial contra a locatária por incumprimento do contrato, tal como parece resultar da decisão recorrida. Em qualquer caso, é nosso entendimento que o Art. 17.º-E n.º 1 do C.I.R.E. tem uma eficácia meramente temporária e esgota os seus efeitos na vertente adjetiva ou processual, não resultando do aí disposto uma inibição direta ao exercício de direitos extrajudiciais de natureza meramente substantiva. Pelo que, não será propriamente com base nesse preceito que se poderá invocar a “ineficácia” ou o “abuso de direito” relativamente à resolução do contrato de locação financeira, procedendo nessa parte as conclusões que vão neste sentido. 3. Do princípio da boa-fé (abuso de direito) e eficácia da resolução do contrato de locação financeira na pendência do PER. Sem prejuízo do até agora exposto, o plano de recuperação objeto de negociação e aprovação no quadro da pendência do PER tem igualmente efeitos substantivos relevantes que importará agora ter em conta. A sentença recorrida relevou, a esse propósito que, de acordo com o Art. 17º-D n.º 10 do C.I.R.E.: «durante as negociações os intervenientes devem atuar de acordo com os princípios orientadores aprovados pela Resolução do Conselho de Ministros nº 43/2011, de 25 de Outubro». E, nesse quadro, cita depois a seguinte passagem do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-02-2015, (Proc. n.º 236/14.7YHLSB.L1-1, acessível in www.dgsi.pt.): «Os princípios elencados na Resolução do Conselho de Ministros nº 43/2011 de 25/10 foram recebidos pela própria lei (Art. 17ºD/10 do CIRE), que assim os assimilou, passando a ter a força desta, devendo, durante as negociações, os intervenientes respeitar os princípios da cooperação e da boa-fé. «Destinando-se o processo especial de revitalização a concluir um acordo do devedor com os credores, de modo a possibilitar a recuperação económica do primeiro, esta finalidade ficaria seriamente comprometida, se qualquer credor pudesse praticar atos que têm óbvias repercussões negativas relativamente à obtenção de consensos necessários à viabilização do devedor. «Não pode, por isso, na pendência do processo de revitalização, um credor resolver os contratos em execução celebrados com o devedor com fundamento no incumprimento das obrigações contratuais deste, tanto mais que, como é evidente, o plano de recuperação implicará alterações no que respeita, nomeadamente aos prazos de cumprimento das obrigações a que o devedor inicialmente estava vinculado. «A constatação de uma conduta contrária à boa-fé nas circunstâncias apuradas integra uma situação de abuso de direito (Art. 334° do C.C)» Em suma, conclui a sentença recorrida que a resolução operada pelo Requerente da providência viola o princípio da boa-fé e é ineficaz, não se verificando um dos requisitos necessários à sua procedência. O Recorrente, pelo contrário, entende que em nada a pendência do PER obstaria à resolução do contrato de locação financeira e que os princípios orientadores da conduta do credor durante o procedimento extrajudicial de recuperação da empresa, enunciados na Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011, não teriam o efeito pretendido pela Requerida, porquanto o incumprimento verificado era anterior ao processo de revitalização, tendo o recurso ao PER tido por único objetivo obstar ao exercício dos direitos por parte do credor. Pelo que, quem teria violado o princípio da boa-fé teria sido a Requerida nos presentes autos. Da sua parte, entendeu que participou no processo negocial do plano de recuperação da empresa, em observância do princípio da boa-fé, não havendo qualquer contradição entre a obrigação de entrega dos bens locados e a exigência do pagamento das rendas. Apreciando este posicionamento, diremos desde já que a pendência do PER, como expusemos no ponto 2 do presente acórdão, no caso concreto tinha efetivamente por efeito necessário a inibição imposta ao locador financeiro de não poder instaurar o procedimento cautelar previsto no Art. 21.º do Dec.Lei n.º 149/95 de 24/6, uma vez que o plano de recuperação da empresa negociado pressupunha, como condição necessária, a manutenção do contrato de locação financeira. Em qualquer caso, como o plano, apesar de aprovado por maioria, acabou por ser objeto de decisão judicial de não homologação, mas apenas em via de recurso, o efeito processual inibitório decorrente do Art. 17.º-E n.º 1 do C.I.R.E. cessou. Aliás, como vimos, o Requerente da presente providência, respeitou esse efeito processual, apenas tendo instaurado o presente procedimento depois de transitado o julgado o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que confirmou a não homologação do plano decidida pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Por outro lado, não existe nos autos a menor evidência de que a locatária tenha feito uso indevido do processo especial de revitalização. Muito pelo contrário, tudo indicia que estavam reunidos os pressupostos legais dos Art.s 17.º-A e 17.º-B do C.I.R.E. e existiam condições para legitimamente se propor uma negociação séria de um plano de recuperação da empresa viável. De tal maneira assim foi que, não só houve negociações efetivas com os credores, como foi apresentado um plano coerente e estruturado, que foi objeto de aprovação pela maioria dos credores (ainda que com o voto contra do NB…, S.A.) e de homologação pelo tribunal, em 1.ª instância. Pelo que, o exercício feito nas alegações de recurso de devolução da acusação de violação do princípio da boa-fé à Recorrida revela-se gratuito e infundado. Mas o que importa apurar é se houve abuso de direito por parte da Requerente ao instaurar o presente procedimento cautelar nos termos propostos. Não se nos oferece a mínima dúvida que, perante o disposto no Art. 17.º-D n.º 10 do C.I.R.E., conjugado com os princípios aprovados pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011, o Recorrente não poderia durante a pendência do processo de revitalização resolver o contrato de locação financeira, porque a lei criou uma solução, muito limitada no tempo, mas que implica uma trégua entre credor e devedor, durante a qual as partes são obrigadas a assumir um comportamento construtivo adequado a alcançar a finalidade pretendida pelo legislador de recuperar uma empresa que só desse modo será viável. É isso mesmo que resulta do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-02-2015, (Proc. n.º 236/14.7YHLSB.L1-1, acessível in www.dgsi.pt.), citado na sentença recorrida, sendo também isso que resulta do acórdão de 3/3/2015 do Supremo Tribunal de Justiça (Proc. n.º 1480/13.0TYLSB.L1.S1 – 6.ª Secção – Relator: João Camilo, disponível no mesmo sítio) que nós citámos no ponto 2 do presente acórdão. Este último acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3/3/2015 é particularmente assertivo na conclusão de que durante o período de pendência das negociações com vista à aprovação do plano de recuperação, por força do Art. 17.º-D n.º 10 do C.I.R.E. e do princípio quinto da resolução n.º 43/2011 da Presidência do Conselho de Ministros, publicada no D.R. Iª Série de 25/10/2011, o locador financeiro não pode resolver o contrato incidente sobre imóveis em que o devedor seja locatário financeiro, mesmo que tenha causa legal para o efeito, considerando que essa resolução tornaria inviável o plano de recuperação já aprovado, apesar do voto contrário do locador financeiro. Veja-se que a mencionada Resolução do Conselho de Ministros estabelece: No segundo princípio, que: durante todo o procedimento, as partes devem atuar de boa-fé, na busca de uma solução construtiva que satisfaça todos os envolvidos; No princípio quarto, que: os credores devem cooperar entre si e com o devedor, de modo a concederem a este um período de tempo suficiente para elaborar e apresentar propostas para resolver os seus problemas financeiros; E, no princípio quinto, que: durante o período de suspensão, os credores envolvidos não devem agir contra o devedor, comprometendo-se a abster-se de intentar novas ações judiciais e a suspender as que se encontrem pendentes. Na verdade temos de reconhecer que o locador financeiro respeitou no essencial esses princípios durante a pendência do processo especial de revitalização no Juízo de Comércio do Funchal. É certo que comunicou a resolução do contrato de locação financeira em 12 de junho de 2014 (cfr. doc. de fls 16), quando já estava pendente o PER, porque já havia sido proferido o despacho a nomear administrador provisório (16/5/2014 – cfr. doc. fls 44) e quando já estava em curso o prazo para reclamação de créditos, tendo em atenção a publicação do anúncio em 26/5/2014 (cfr. doc. de fls 45) e do disposto no Art. 17.º-D n.º 2 do C.I.R.E. (na sua redação original, então em vigor). No entanto, na reclamação de crédito que depois apresentou – e como já tivemos oportunidade de apreciar – peticiona o reconhecimento do crédito relativo a esse contrato de locação financeira em termos tais que faz pressupor que o contrato continuaria em vigor (v.g. artigos 13.º, 15.º e 16.º desse articulado a fls 51). Acresce que, o plano de recuperação, negociado e posteriormente aprovado, contemplava a proposta de manutenção da vigência do contrato de locação financeira (cfr. doc. a fls 51). É certo que o NB… manifestou a sua oposição à aprovação do plano, tendo depois recorrido da sentença homologatória do mesmo, só que, ao que tudo indicia, dos termos do recurso por si apresentado, a sua discordância nada tinha a ver com a proposta de manutenção da vigência desse contrato em específico (cfr. doc. de fls 98 a 119). Ou seja, todo o seu comportamento descrito e assim formalizado indicia, de modo concludente, que o locador considerava sem efeito a comunicação de resolução intempestivamente formalizada pela remessa da carta de 12 de junho de 2014 (doc. de fls 16). Por outras palavras, não só a resolução do contrato de locação financeira não poderia ter operado nas condições em que ocorreu, como o locador agiu depois, nesse mesmo pressuposto, como se não tivesse resolvido o contrato e o mesmo se mantivesse vigente, respeitando o período de trégua negocial relativo à pendência do PER. Nestes termos, o comportamento posterior do locador financeiro estava em conformidade com o princípio da boa-fé e o disposto no Art. 17.º-D n.º 10 do C.I.R.E.. Diríamos mesmo que estavam reunidos todos os pressupostos do funcionamento do princípio da tutela da confiança subjacente ao princípio da boa-fé. Conforme realça Menezes Cordeiro (in “Tratado de Direito Civil Português”, I Parte Geral, Tomo I, 2ª Ed., pág. 233 a 238), o princípio da tutela da confiança, como concretização do princípio da boa-fé, implica em geral a verificação de um conjunto de pressupostos para merecer a proteção legal, devendo verificar-se: 1º) Uma situação de confiança fundada na boa-fé subjetiva, ou seja na consideração ética da própria da pessoa que ignora, sem culpa, estar a lesar os direitos doutrem; 2º) Uma justificação para essa confiança, fundada em factos objetivos capazes de tornar a crença dessa pessoa plausível; 3º) Um investimento de confiança assente numa atividade jurídica efetiva por parte do sujeito, a qual deve ser consistente com a sua crença; 4º) Uma imputação da confiança criada à pessoa que vai ser atingida pela proteção dada ao confiante. Ou seja, a proteção da confiança duma parte resulta do reconhecimento de que a outra é a autora da situação de confiança e é assim causalmente responsável pela situação criada. No caso, a locatária agiu na convicção de que o contrato de locação financeira se mantinha vigente, evidenciando-se que foi esse um dos pressupostos da negociação do plano de recuperação da empresa. Essa convicção era justificada pela intervenção do locador no processo negocial e pela inclusão dessa proposta no plano. Houve investimento nessa situação de confiança na medida em que foi apresentado esse plano à aprovação dos credores, tendo depois sido objeto de homologação judicial na 1.ª instância. Finalmente, a convicção da locatária de que não teria sido operante a resolução do contrato de locação financeira resultava causalmente do comportamento do locador, não só dos termos da sua reclamação de créditos, que faziam supor o reconhecimento da inexistência de resolução, como do facto da discordância da aprovação do plano não se reportar à proposta de manutenção da vigência do contrato. Tudo fazia crer que a comunicação de 12 de junho de 2014 era como se não tivesse existido e, nessa medida, o comportamento do ora Recorrente era conforme ao direito e ao princípio da boa-fé, não se podendo falar em abuso de direito. Mas este efeito “supressio”, emergente do princípio da tutela da confiança, esgota-se na consolidação da conclusão sobre a ineficácia do ato de resolução do contrato decorrente da carta de 12 de junho de 2014. Daqui não decorre que, mesmo considerando-se vigente o contrato de locação financeira, não fosse claro que havia incumprimento por parte da locatária desde 20 de março de 2014 e que, havendo incumprimento, nos termos da cláusula 13.ª n.º 1 do contrato (cfr. doc. a fls 12 verso), assistiria ao locador o direito de o poder resolver. Havia incumprimento e, uma vez que já se mostra findo o processo especial de revitalização, sem aprovação do respetivo plano, esse incumprimento era definitivo, de acordo com a cláusula 13.ª n.º 2 do contrato, pois existiam comprovadamente pelo menos 3 rendas em mora há muito mais de 60 dias. Nessa medida, não viola o princípio da boa-fé, nem age em manifesto abuso de direito (Art. 334.º do C.C.), o credor que nestas condições aciona judicialmente o devedor com vista a fazer valer em juízo os seus direitos. Pelo contrário, é esse o modo adequado e conforme à Constituição e à Lei aplicável (Art. 20.º da C.R.P. e Art.s 1.º e 2.º do C.P.C.). Portanto, não há abuso de direito que obste à possibilidade do Recorrente instaurar o presente processo, procedendo as conclusões de recurso que vão neste sentido. No entanto, o que se passa é que a resolução do contrato de locação financeira é requisito necessário à procedência do presente procedimento cautelar, em face do disposto no Art. 21.º n.º 1 e n.º 4 do Dec.Lei n.º 149/95 de 24/6, e não é uma consequência automática da mera constatação do incumprimento. A resolução visa a extinção do vínculo contratual, com efeito retroativo (Art. 434.º do C.C.), mediante declaração unilateral recetícia (Art. 436.º n.º 1 do C.C.), motivada pela invocação de facto previsto na lei ou em convenção das partes (Art. 432.º n.º 1 do C.C.), de ocorrência posterior à celebração do contrato (Vide, a propósito: Antunes Varela in “Das Obrigações em Geral”, Vol. II, 7.ª Ed., pág. 275 e ss; e Pedro Soares Martinez in “Da Cessação do Contrato”, 2.ª Ed., pág.s 67 a 71). Sucede que, no caso dos autos, apesar de haver evidente incumprimento definitivo do contrato, não houve comunicação de resolução do contrato de locação financeira, porque a carta de 12 de junho de 2014 (doc. de fls 16) deve ter-se, no caso concreto, por ineficaz, pelas razões que já expusemos. Não havendo efetiva resolução do contrato de locação financeira, este permanece vigente, ainda que em situação de incumprimento, não podendo ser deferida providência cautelar de entrega do bem locado, deduzida ao abrigo do Ar. 21.º n.º 1 do Dec.Lei n.º 149/95 de 24/6. Em suma, a questão não é de violação do princípio da boa-fé, mas de falta de um dos requisitos necessários à procedência da providência requerida, relativo ao termo da vigência do contrato do contrato de locação financeira, devendo por isso manter-se a decisão recorrida, improcedendo as conclusões de recurso que vão no sentido oposto ao expedido. V- Decisão Pelos fundamentos expostos, julgamos improcedente a apelação, mantendo a decisão recorrida, sem prejuízo de ordenarmos a retificação do ponto 14 dos factos provados, que passará a ter a seguinte redação: “14- Através da AP. 2548 de 04.07.2014 o Requerente efetuou o cancelamento do registo da locação financeira.” - Custas pela Recorrente (Art. 527º do C.P.C.). Lisboa, 12 de março de 2019 Carlos Oliveira Diogo Ravara Ana Rodrigues da Silva |