| Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES | ||
| Descritores: | CONTRATO DE SEGURO DECLARAÇÃO INEXACTA ANULAÇÃO | ||
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| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/23/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
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| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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| Sumário: | Sumário (elaborado pela relatora): I. Quando no âmbito da celebração de um contrato de seguro vida a seguradora opte por apresentar um questionário “fechado” em que apenas se admitia a resposta “sim”; ou “não”; às questões formuladas, e sendo estas em escasso número (seis), a que acrescia o facto de uma delas ser pouco clara, prestando-se a interpretações que poderiam induzir o tomador em erro, não poderia a seguradora anular o contrato de seguro com fundamento em declarações inexactas ou falsas por parte deste: II. Não contemplando o questionário médico subscrito pelo A. uma pergunta explícita e clara sobre a existência de doenças pré-existentes, designadamente do foro psiquiátrico, não pode a R. invocar, em fundamento da anulação dos seguros, que o A. não comunicou que sofria de um quadro depressivo. III. Se no decorrer da acção a ré constata que a inexactidão do segurado quanto ao questionário ocorreu ainda na resposta à inexistência de baixa por doença do A. por mais de 15 dias consecutivos, sem que tenha valorado tal como fundamento de anulação do seguro no acto que consubstancia essa anulação, não pode pretender, por um lado, que tal possa ser ponderado. Por outro lado, muito dificilmente se poderia aceitar que a omissão de comunicação de uma situação de baixa, por doença, por mais de 15 dias consecutivos, seria susceptível de condicionar a existência ou as condições do contrato, requisito cumulativamente imposto pelo artigo 429.º do Código Comercial, aplicável ao caso. | ||
| Decisão Texto Parcial: |  | ||
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| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório: AA intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra OCIDENTAL – COMPANHIA PORTUGUESA DE SEGUROS DE VIDA, S.A., pedindo a final que: «I – [Seja] declarado nulo, por ilegal, o declínio de responsabilidade da Ré formulado pela carta de 07 de Agosto de 2019 que corresponde aos docs. 19 e 20 da P.I., e, em consequência, [seja] o Autor reintegrado como segurado nas apólices em causa com o [n.º] GR........ a que corresponde o certificado individual n.º RK........ e GR........ a que corresponde o certificado RK........ mantendo os contratos de seguro em vigor; II – [Se] [r]econhe[ça] que o Autor foi aposentado por causa de invalidez total e permanente para qualquer trabalho ou profissão, [seja] a Ré condenada no cumprimento dos contratos de seguro acima identificados nos termos convencionados, consubstanciado no pagamento ao beneficiário BCP do restante capital em dívida relativo a cada crédito à habitação (empréstimos nº ... e nº ...), e demais quantias emergentes desses contratos necessárias ao pagamento integral dos mesmos e respectiva extinção da obrigação, conforme os termos anteriormente descritos; III – [Seja] a Ré condenada a pagar ao Autor a totalidade do valor das prestações pelo Autor pagas ao beneficiário do seguro BCP respeitantes a cada crédito à habitação, desde o acionamento do seguro até à data, conforme os termos anteriormente descritos, sendo que nesta data totalizam o valor de 5.153,00€ e, bem assim, as demais que continuem a ser pagas até ao trânsito em julgado da decisão que o Tribunal proferir, à razão de 207,15€ e 160,97€ mensais, respeitando esses valores a cada um dos créditos, acrescidos dos juros à taxa legal contados desde a citação até integral pagamento. IV – [Seja] a Ré condenada a pagar ao Autor os montantes já pagos a título de prémio de seguro, desde o acionamento do seguro até 01.07.2019 - data em que lhe foram debitados os últimos prémios – no montante de global de 1.718,10 €, acrescido de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento. V – [Seja] condenada a Ré a pagar ao Autor a quantia de 20.000,00€ a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento. OU, VI – Para o caso de [se vir a] entender ter sido legal a declaração de nulidade tomada pela Ré pela carta de 07 de agosto de 2019 (…), de excluir o Autor dos contratos de seguro e respetivas apólices, [seja] a Ré ser condenada a restituir ao Autor todos os valores pagos por este a titulo de prémios de seguro desde a data da contratação dos seguros – data apresentação da proposta de adesão – 17.11.2008 – até data do último prémio pago – 01.07.2009 – num valor total de 11.292,08€, acrescido de juros à taxa legal desde 01.07.2019 até integral pagamento». Alegou, em síntese, que celebrou com a R., em 17/11/2008, dois contratos de seguro associados a dois contratos de mútuo que celebrou com o Banco Comercial Português, S.A., neles figurando como pessoa segura e tomadora/beneficiária do seguro o A. e a referida instituição bancária, respectivamente; sucede que, tendo-se concretizado, na vigência dos contratos de seguro, o risco de invalidez total e permanente neles previsto (o A. foi declarado permanente e absolutamente incapaz para o exercício de toda e qualquer profissão ou trabalho, por padecer de «espondilartropatia generalizada»), foram accionados ambos os seguros, mas a R. recusou-se a pagar ao BCP, S.A., os montantes ainda em dívida no âmbito do referidos mútuos, invocando a falta de comunicação, pelo A., aquando da subscrição dos seguros, de uma «patologia pré-existente», que nem sequer concretizou, tendo com este fundamento anulado unilateralmente os contratos de seguro. Refere que tal patologia não foi a determinante ou causa do sinistro e que não estava contratualmente obrigado a «dar a conhecer todos os episódios clínicos ou de saúde que na sua vida tiveram lugar», designadamente aqueles que «não [têm] qualquer relevância para o objecto do seguro e, sobretudo, para as condições em que ele pode ser acionado». De todo o modo, acrescentou que se limitou a assinar o formulário da proposta de adesão ao seguro, já totalmente preenchido, com a garantia de que estava tudo conforme, não podendo agora a R., defraudando a sua confiança, eximir-se das suas obrigações contratuais, invocando falhas ou omissões no preenchimento do questionário médico. A R. contestou, impugnando os factos invocados e dizendo que o A. omitiu, aquando da subscrição dos contratos de seguro que padecia de «patologia psiquiátrica» e que tinha estado de baixa médica por 30 dias, o que implica, nos termos da lei, a anulação dos invocados contratos de seguro, mais dizendo que caso tivesse conhecimento da existência da patologia psiquiátrica sofrida pelo A. teria aceite a celebração do contrato com cobertura de invalidez, mas com exclusão de doenças decorrentes da mesma patologia. Mais alude que decorre do atestado multiuso junto pelo próprio A., que foi atribuída uma desvalorização permanente ao A. de 68%, sendo o coeficiente de incapacidade decorrente da doença psiquiátrica de 60%, pelo que, nesse cenário hipotético, a percentagem de incapacidade causada pela doença de coluna do A., de apenas 8%, não estaria coberta pelos seguros. Terminada a fase dos articulados, proferiu-se o despacho saneador e o despacho de identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas de prova, e por fim, realizou-se a audiência final, sendo de seguida proferida sentença com o seguinte dispositivo: “a) declaro nula, por ilegal, a declaração unilateral de anulação dos contratos de seguro titulados nas apólices nºs. 00061190, a que correspondem os certificados individuais de seguro nºs. 71345044 e 71345041, constante da carta da R. de 7 de Agosto de 2019, e, em consequência, declaro que os referidos contratos se mantêm em vigor em relação ao A.; b) condeno a R. a pagar ao beneficiário dos referidos seguros, Banco Comercial Português, S.A. (BCP, S.A.)., o restante capital em dívida no âmbito dos contratos de mútuo a que esses seguros estão associados, titulados pelas escrituras públicas referidas nos pontos 1. e 2. dos factos provados, até ao limite do capital seguro, nos termos convencionados nas apólices acima identificadas e respectivos documentos complementares; c) condeno a R. a pagar ao A. a totalidade do valor das prestações por este pagas ao beneficiário do seguro BCP, S.A., respeitantes a cada um dos empréstimos bancários acima identificados, desde o accionamento do seguro, que à data da instauração da acção ascendia a um valor total de €5.153,00, e, bem assim, as demais prestações que continuem a ser pagas aquela instituição bancária, no âmbito desses empréstimos, até ao trânsito em julgado da decisão, à razão de €207,15 e €160,97 mensais, respectivamente, acrescidos dos juros à taxa legal contados sobre esses montantes desde a citação até integral pagamento; d) condeno a R. a restituir ao A. as quantias por este pagas, a título de prémio de seguro, desde o accionamento do seguro até 01/07/2019, no montante de global de €1.718,10, acrescido de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento; e e) absolvo a R. do mais peticionado.” Inconformada veio a ré recorrer, formulando as seguintes conclusões: «1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância a fls._ dos autos de acção de processo ordinário que correram termos no Juízo Central Cível de Cascais, da Comarca de Lisboa Oeste, sob o número de processo 157/20.4T8CSC, que julgou a acção parcialmente procedente por provada. 2. Ora, mantendo a ora Recorrente a profunda convicção de que existem nos autos fundamentos, de facto e de direito, que impunham, no caso concreto, decisão em sentido diverso, procurará adiante a Recorrente explicitar os motivos pelos quais interpõe o presente recurso, especificando, seguidamente, os pontos concretos que, na sua perspectiva (e com a ressalva do devido respeito, que é muito), foram, in casu, incorrectamente apreciados. 3. Assim, as presentes alegações de recurso terão por objecto quer a alteração da matéria de facto, por via da reapreciação da prova gravada e de todos os demais elementos probatórios constantes dos autos, quer a alteração da matéria de direito, pretendendo a ora Apelante, mais concretamente: i. Impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto nos termos previstos no nº 1 do art. 640.º do C.P.C., adiante especificando os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, assim como os concretos meios probatórios, constantes no processo, que impõem decisão diversa da recorrida; indicando-se ainda a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre a questão de facto impugnada. ii. Pugnar pela alteração do teor da sentença proferida com base alteração dos pontos de facto impugnados. iii. Pugnar pela alteração do teor da sentença proferida com base nos depoimentos prestados e na matéria dada como provada nos presentes autos e, bem assim, as normas jurídicas violadas e o sentido com que as normas que constituem fundamento jurídico da presente decisão deveriam ter sido interpretadas e concretamente aplicadas, na medida em que, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo interpretou de forma errónea normas determinantes na apreciação da responsabilidade da Recorrente. 4. Considera a Recorrente incorrectamente julgado o ponto 1 da matéria de facto dada como não provada, na medida em que, da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, e dos documentos juntos aos autos não é possível, salvo o devido respeito, concluir pela procedência do entendimento dado pelo douto Tribunal a quo. 5. Tendo em conta toda a prova produzida nos autos, quer documental, quer testemunhal que foi produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, entende a ora Recorrente, salvo o devido respeito, que a matéria dada como não provada, nomeadamente o ponto 1, foi incorrectamente apreciada, a qual conduziu a uma decisão injusta e incoerente com a factualidade efectivamente apurada nos autos. 6. Perante a matéria que foi dada como provada, com base nos depoimentos prestados e nos documentos juntos aos autos, nos termos da fundamentação da douta decisão proferida, outra conclusão não poderia ser de retirar que não a de que o A., tendo conhecimento de que não o poderia fazer, omitiu factos de que tinha conhecimento. 7. Os factos dados como provados em 5, 6, 8, 24, 27 e 28 sempre teriam, igualmente, de conduzir a uma resposta positiva ao facto dado como não provado 1. 8. Isto porque, o que o ponto 1 dos factos não provados nos diz é que o A. tinha conhecimento de que não poderia omitir que sofria de um quadro depressivo na resposta ao questionário médico e, ainda assim, omitiu. 9. Ora, do facto 5 e 6 da matéria de facto provada resulta que todas as perguntas constantes do questionário clínico foram negativamente respondidas. 10. Do facto 8 resulta que o A. tomou conhecimento de todas as informações necessárias à celebração do presente contrato e que o Questionário Médico faz parte integrante do Seguro de Vida, sendo que as declarações inexactas ou reticentes ou a omissão de factos, tornam o pedido de adesão nulo e sem qualquer efeito. 11. Dos factos 24 e 27 resulta que o A. esteve de baixa médica, por doença, entre 26.06.2006 e 25.07.2006 e que o A. sabia que sofria de um quadro depressivo, aquando da subscrição da proposta de adesão. 12. E do facto 28 resulta que se a Ré tivesse tido conhecimento de que o A. padecia de patologia psiquiátrica, a cobertura de invalidez teria sido aceite mas com exclusão decorrente dessa patologia. 13. Pelo que, perante todos estes factos dados como provados, como pôde o Tribunal a quo não dar como provado que o A. tendo conhecimento de que não o poderia fazer, omitiu factos de que tinha conhecimento?! 14. Estes factos são totalmente contraditórios!!! 15. Na verdade, o ponto 1 da matéria de facto dado como não provada mais não é do que a consequência lógica dos factos provados em 5, 6, 8, 24, 27 e 28. Ou seja, a única conclusão possível a ser retirada da conjugação dos factos provados. 16. Não é possível dar como provado que o A. conhece a sua patologia psiquiátrica e o período de baixa médica de que foi alvo, respondeu negativamente a todas as questões clínicas constantes do questionário - tendo conhecimento de que as declarações inexactas ou reticentes ou a omissão de factos, tornam o pedido de adesão nulo e sem qualquer efeito - e depois não dar como provado que o A. omitiu conscientemente tais factos. 17. Pelo que, manter o facto 1 dado como não provado é, salvo o devido respeito que é muito, totalmente descabido e contraditório com toda a prova produzida e dada como provada em Audiência de Julgamento e através da documentação junta aos autos. 18. A obrigação de agir de boa-fé respondendo com verdade na fase pré-contratual resulta da lei e é instintiva ao homem médio que celebra um qualquer contrato. 19. Com o devido respeito, é-nos difícil entender que quem tem conhecimento de que padece de um quadro depressivo e esteve de baixa mais de 15 dias consecutivos, ignore que o conhecimento desses factos pela seguradora é determinante na decisão de contratar. Ainda mais porque no caso da baixa médica existe uma pergunta muito clara e específica no questionário clínico – “Tem ou teve alguma doença que o tenha obrigado a interromper a sua actividade laboral durante mais de 15 dias consecutivos nos últimos 5 anos?” – o que com toda a certeza mais do que demonstra a importância e relevância de tal facto para a seguradora! 20. De facto, independentemente do aspecto semântico da questão, parece óbvio para qualquer pessoa dotada dum mínimo de senso percebe que existindo uma questão clara relativamente à interrupção da actividade laboral por mais de 15 dias, deverá responder afirmativamente quando esteve de baixa por um período de 30 dias. Bem como alguém que sabe que sofre de quadro depressivo, tendo sido acompanhado em consulta, deverá responder afirmativamente a uma questão que se inicia com “Já o aconselharam a consultar um médico?”. 21. Pese embora a discussão sobre a questão de saber se se trata aqui de verdadeira nulidade ou antes de anulabilidade, é entendimento pacífico da jurisprudência dos nossos tribunais superiores que o citado art. 429.º do Código Comercial versa a anulabilidade (e não a nulidade) do contrato de seguro (cfr., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Fevereiro de 2017, processo 349/14.5TBMTA.L1.S1, in www.dgsi.pt). 22. Aliás, neste sentido, veja-se o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 10/2001, in Diário da República 298, Série I-A, de 27 de Dezembro de 2001. 23. Nesta medida, as respostas ao denominado “questionário” assumem particular relevância, porquanto são o repositório das declarações de risco da pessoa segura em que a seguradora deve confiar e em função das quais aceita ou não o contrato. 24. Ora, como refere o Dr. Moitinho de Almeida, é sobre o segurado que recai o dever de declaração do risco, pois se não completar a declaração realizada por quem fez o seguro, tendo conhecimento de factos ou circunstâncias que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato, perde o direito à prestação do segurador. Deve, porém, entender-se que este dever só recai sobre o segurado se este tiver conhecimento do seguro e da omissão ou inexactidão da declaração de risco do tomador, pois de outro modo é impossível o cumprimento (cfr. “O Contrato de Seguro - Estudos”, Coimbra Editora, pág. 65). Em todo o caso, o tomador tem a obrigação de declarar o que deve conhecer, em termos de normalidade de vida. 25. Sendo que, para que a declaração, inexacta ou reticente, implique a anulação do contrato não é necessário o dolo, porquanto, no regime então vigente, este só releva para efeitos, e nos termos, do § único do n.º 2 do art. 429.º do Código Comercial. 26. Sendo que, o nexo causal a estabelecer é entre a patologia omitida pelo segurado e a celebração do contrato de seguro, nos precisos termos em que o foi, cumprindo averiguar, num juízo de prognose, se – caso a seguradora conhecesse efectivamente as patologias omitidas no preenchimento do questionário clínico – teria celebrado, mesmo assim, o contrato nos termos em que o celebrou, assumindo a cobertura de certos e determinados riscos (cfr. Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Fevereiro de 2017, processo 349/14.5TBMTA.L1.S1, in www.dgsi.pt). 27. Posto isto, de acordo com o boletim de adesão assinado pelo segurado, o mesmo respondeu “Não” às questões “Já o aconselharam a consultar um médico, a ser hospitalizado, a submeter-se a algum tratamento ou intervenção cirúrgica?” e “Tem ou teve alguma doença que o tenha obrigado a interromper a sua actividade laboral durante mais de 15 dias consecutivos nos últimos 5 anos?” 28. No entanto, resultou provado que à data da subscrição do contrato de seguro, o A. tinha pleno e efectivo conhecimento de que padecia de Quadro Depressivo e de que havia estado de baixa médica durante o período de 30 dias. 29. Ora, ao omitir tais factos, proferiu uma declaração inexacta, por contrária à verdade dos factos, sendo tal omissão essencial para que a Ré aceitasse subscrever o contrato de seguro, pelo menos, naquelas situações deu causa à anulabilidade do contrato. 30. Sendo certo que, o questionário versa sobre factos do seu conhecimento pessoal, aos quais estava obrigada a responder com verdade, sendo fundamental que, atenta a própria natureza do seguro, indicasse no questionário o seu estado de saúde. 31. Neste sentido, o segurado, ao responder negativamente a todas as perguntas do questionário clínico, apesar de saber que padecia de um quadro depressivo e que havia estado de baixa médica, desde data anterior ao preenchimento e subscrição do questionário, provocou que a inexactidão dessa declaração relativamente à sua situação clínica impedisse a seguradora de apreciar convenientemente o risco, determinando que a Ré celebrasse o contrato de seguro com aquele nas condições em que o fez, sendo certo que, se a seguradora soubesse dessa patologia, não celebraria o contrato em causa ou tê-lo-ia celebrado com agravamento substancial das condições contratuais. Por conseguinte, tratando-se de uma declaração inexacta, relativa a uma circunstância conhecida pelo declarante – e que inclusive foi a causa directa e necessária da sua situação de invalidez -, a mesma necessariamente influiu, atenta a própria natureza do seguro, nas condições em que o contrato foi celebrado, estando, portanto, reunidos os pressupostos previsto no art. 429.º do Código Comercial. 32. Pelo exposto, é forçoso concluir pela invalidade dos contratos de seguro em análise e consequentemente pela improcedência dos pedidos, com base naquele, formulados, porquanto estavam dependentes da validade e da eficácia dos contratos de seguro, que, como expressamos, in casu não se verifica. 33. Importa, ainda, salientar que é certo que o “questionário” não constitui cláusula contratual geral do contrato de seguro para efeito de vinculação da seguradora aos deveres de comunicação e informação dessas cláusulas em contratos de adesão –O Segurado não adere ao questionário, responde-lhe para fornecer à Seguradora elementos em função dos quais esta estabelece as condições de aceitação do contrato. 34. Veja-se o Ac. do S.T.J. de 27/03/2014, com o nº de proc.2971/12.5TBBRG.G1.S, publicado na Internet, em www.dgsi.pt. 35. E, ainda, o Acórdão da Relação de Lisboa, de 23.09.2010, em www.dgsi.pt. 36. O próprio Tribunal a quo entendeu que se aplica ao caso dos presentes autos o artigo 429.º do Código Comercial, estando assente que o mesmo se refere ao vício de anulabilidade, e não ao vício de nulidade. Sendo que o direito de anulação existe quer na hipótese de o segurado (ou tomador do seguro) ter agido com dolo, quer na hipótese de ter agido com negligência. Assim, nos termos do artigo 429.º do Código Comercial, é bastante a actuação culposa (negligente) do segurado ou do tomador do seguro, patenteada na omissão de comunicação de factos e circunstâncias conhecidas susceptíveis de influir sobre a existência ou o conteúdo do contrato, para que se reconheça ao segurador o direito à anulação do contrato. 37. Sendo que, conforme pontos 27. e 28. da matéria de facto dada como provada, resultou provado que o A. sabia que sofria de um quadro depressivo e que se a Ré tivesse conhecimento de que o A. padecia de patologia psiquiátrica, a cobertura de invalidez teria sido aceite, mas com exclusão de doenças decorrentes dessa patologia. Bem como resulta do ponto 7. que foi dada resposta negativa a todas as perguntas do questionário clínico. Pelo que não se entende como pôde o Tribunal a quo, posteriormente, ter concluído pela procedência da presente acção. 38. Na verdade, entendeu o douto Tribunal que, não obstante tenha resultado da prova produzida que, igualmente, o A. esteve de baixa médica por mais de 15 dias consecutivos, e que existe no questionário clínico uma pergunta específica quanto a esse tema, respondida negativamente, tal não poderia ser fundamento de improcedência da acção por alegadamente não ter sido fundamento da anulação do contrato por parte da Ré na sua carta. 39. Ora, com o devido respeito, tal não faz qualquer sentido, por várias ordens de razão. 40. Ora, no nosso direito predomina o princípio da livre apreciação das provas, consagrado no artº 655º, nº 1, do Código de Processo Civil: o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. 41. O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (art. 653º, nº 2, do CPC). 42. Pelo que, não pode nem deve o Tribunal ficar circunscrito aos factos e fundamentos das partes. Ainda mais, estando a falar de factos constantes de uma carta remetida pela seguradora ao segurado, em data em que ainda desconhecia a totalidade da situação clínica do segurado. 43. Pelo que, não nos parece razoável que o Tribunal se escude nos fundamentos constantes da carta, quando da prova produzida, quer testemunhal quer documental, resultaram factos susceptíveis de conduzir à improcedência da acção. 44. Sem prejuízo de às partes caber a formação da matéria de facto, mediante a alegação, nos articulados, dos factos principais que integram a causa de pedir, a reforma do processo civil atribuiu ao Tribunal a assunção de uma posição muito mais activa, por forma a aproximar-se da verdade material e alcançar uma posição mais justa do processo. 45. Reconhecendo-se agora ao Juiz, para além da atendibilidade dos factos que não carecem de alegação e de prova a possibilidade de considerar, mesmo oficiosamente, os factos instrumentais, bem como os essenciais à procedência da pretensão formulada, que sejam complemento ou concretização de outros que a parte haja oportunamente alegado e de os utilizar quando resultem da instrução e da discussão da causa e desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório. 46. Pelo que não se entende, nem se pode aceitar, que o Tribunal alegue que “…não pode o Tribunal aditar às razões invocadas pela seguradora, nessa declaração, novas razões de anulação, em função dos factos agora alegados pela R., ainda que apurados nos autos”. Pois que, não só alegou a ora Ré no art. 17º da sua douta contestação que o A. respondeu negativamente à questão “Tem ou teve alguma doença que o tenha obrigado a interromper a sua actividade laboral durante mais de 15 dias consecutivos nos últimos 5 anos”, como o próprio A. fez referência aos seus períodos de baixa na douta petição inicial, podendo, dessa forma, exercer o seu contraditório. 47. Nessa medida, e tendo resultado provados os pontos 5, 6 e 24, nunca o Tribunal poderia ter ignorado tais factos e manter como “não provado” que o A. omitiu factos relevantes para a celebração do contrato de seguro em causa. 48. Na verdade, se o A. sabia que sofria de quadro depressivo à data da subscrição da proposta (ponto 27 da matéria provada) bem como sabia que havia estado de baixa médica (ponto 24) e se respondeu negativamente às questões do questionário clínico (pontos 5 e 6 da matéria provada), sempre o ponto 1 dos factos dados como não provados, teria necessariamente de ser dado como provado. 49. Pois que, o A. tinha pleno e efectivo conhecimento, conforme declarou, que não poderia omitia, como omitiu, que sofria de quadro depressivo e que havia estado de baixa médica nas respostas ao questionário médico. 50. Acresce que na carta referida pelo Tribunal não há qualquer menção concreta ou precisa a qualquer resposta ao questionário clínico, mas apenas mencionando que o segurado não fez qualquer referência no acto de subscrição dos contratos de seguro de vida em análise, a qualquer tipo de doença pré-existente, tendo respondido sem sentido negativo a todas as questões relacionadas com a existência de eventuais problemas de saúde. 51. Pelo que, uma vez mais, nenhum sentido faz, com o devido respeito pelo douto Tribunal a quo, que se fundamente a procedência da presente acção no facto de não poder ser atendida a resposta negativa à questão relativa à baixa médica. Quando o Tribunal bem sabe que resultou provado que o A. esteve de baixa por mais de 15 dias, que respondeu negativamente a tal questão, que sabia que a mesma era relevante e essencial para a seguradora e que, por isso mesmo, teria influência na decisão de contratar ou nas condições em que os seguros foram contratados, coartando a possibilidade de a Seguradora fazer uma análise de risco completa e verdadeira das condições de saúde do seu segurado. 52. Não se podendo, por tudo isto, concluir de outra forma que não pela anulabilidade da adesão do segurado ao contrato de seguro em causa, celebrado com a R., devendo, por isso, proceder a excepção invocada o que determina a improcedência do pedido formulado pelo A. e a consequente absolvição da R. (cfr. art. 493º, nº 3, do C.P.C.), até porque a anulação tem efeitos retroactivos, de acordo com o disposto no art. 289º, nº 1, do Código Civil. (…), devendo, nestes termos, a presente decisão ser alterada. 53. Assim, para além do facto contante do ponto acima identificado da matéria de facto não provada dever ter sido dado como provado, nos termos do art. 640º do CPC, violou o douto Tribunal a quo as normas jurídicas constantes dos artigos 224º, 236º e 334º do CC, art. 429º do Código Comercial e os princípios gerais dos contratos de seguro, devendo a douta sentença recorrida ser alterada nos moldes supra indicados. 54. Por tudo quanto se encontra exposto, entende a ora Recorrente que a douta sentença recorrida deverá ser alterada, absolvendo-se a Ré de todos os pedidos contra si formulados.». O Autor apresentou resposta nas suas contra alegações, nas quais conclui que: «1. A Apelante insurge-se contra o facto do Tribunal “a quo” ter considerado como não provada a seguinte factualidade: “1. O A., tendo pleno e efectivo conhecimento de que não o poderia fazer, omitiu (quis omitir) o facto referido em 27 dos factos provados, na resposta ao questionário médico, aquando da subscrição da proposta de adesão referida em 4 dos factos provados”. 2. Lidas as alegações, no que respeita à parte da impugnação da matéria de facto (págs. 5 a 8 das alegações), não vislumbramos a indicação de qualquer depoimento prestado em sede de audiência de discussão e julgamento que justifique essa alteração. 3. Acresce que, se a Apelante pretendia impugnar a matéria de facto com recurso à prova testemunhal produzida, impunha-se que desse cumprimento ao art. 640º nº 1 alínea b) e nº 2 alínea a) do CPC, designadamente, “indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso” que implicam decisão diversa da acolhida pelo tribunal. 4. Assim nos termos do art. 640º nº 1 alínea b) 2ª parte e nº 2 alínea a) do CPC deve ser rejeitada a impugnação da matéria de facto por incumprimento dos deveres do recorrente. 5. Não obstante o atrás referido e entendendo este tribunal que a rejeição da impugnação da matéria de facto deve ser atendida apenas quanto ao incumprimento dos deveres previstos no art. 640 n.2 alínea a) do CPC, respeitante à prova testemunhal, ainda assim a impugnação da matéria de facto com recurso à documentação invocada pelo recorrente não é idónea para alterar o sentido da decisão da matéria de facto não provado acolhida pelo tribunal “a quo”, sobretudo, atentos os fundamentos que o tribunal invocou para sustentar a resposta ao nº 1 dos factos não provados. 6. Provou-se que o Apelado subscreveu, em 27/11/2008, a proposta de adesão aos seguros em discussão nos autos, a qual continha um questionário médico – formulário clínico - onde estava assinalado, com um N (não), todas as respostas às questões aí formuladas. 7. Provou-se ainda que no verso do referido formulário constava a seguinte declaração, assinada pelo Apelado: “Para efeitos de celebração do(s) presente(s) contrato(s) de seguro, declar[o] que: 1. São exactas e completas as declarações prestadas e que tomei conhecimento de todas as informações necessárias à celebração do(s) presente(s) contrato(s), tendo sido entregues as respectivas Condições Gerais e Especiais, para deles tomar integral conhecimento e prestados todos os esclarecimentos sobre as mesmas condições, nomeadamente sobre garantias e exclusões com as quais estou de acordo; 2. (…) 3. O Questionário Médico faz parte integrante do Seguro de Vida. As declarações inexactas ou reticentes ou a omissão de factos, tornam o pedido de adesão nulo e sem qualquer efeito e libertam a Ocidental –Companhia de Seguros de Vida, S.A., e a Ocidental – Companhia Portuguesa de Seguros, SA, do pagamento de qualquer indemnização. (…)”. 8. Provou-se que o questionário médico constante do formulário contém apenas 6 questões e que todas elas apenas admitem uma resposta positiva ou negativa. 9. De entre as 6 perguntas constantes do questionário médico subscrito pelo Apelado. Apenas relevam, em função dos motivos expressamente indicados na carta de anulação dos seguros de 07/08/2009, as respostas negativas constantes dos seguintes pontos «1. Já o aconselharam a consultar um médico, a ser hospitalizado, a submeter-se a algum tratamento ou intervenção cirúrgica?»; «4. Tem alguma alteração, física ou funcional, teve algum acidente grave, foi submetido a alguma intervenção cirúrgica ou recebeu alguma transfusão de sangue?». 10. Não interessam aqui outras respostas cuja valoração está totalmente ausente da declaração de anulação consubstanciada nessa carta, designadamente a resposta à questão constante do ponto 3. [«(…) tem ou teve alguma doença que o tenha obrigado a interromper a sua actividade laboral durante mais de 15 dias consecutivos nos últimos 5 anos?»], que não é aqui valorável na aferição da (i)licitude da própria declaração de anulação dos seguros. 11. Teve o Apelado de propor a presente ação para, em sede de contestação, ter percebido, pela primeira vez, as razões que levara a Apelante a anular os seguros em causa. 12. A Apelante fundamentou a sua recusa para cumprir os contratos de seguro celebrados na falta de referência, por parte do Apelado, no acto da subscrição do seguro, de uma “patologia pré-existente” constante do relatório médico enviado pelo Autor relativamente à sua incapacidade – cfr. documento nº 19 da P.I. – e que deveria ter sido comunicada nesse momento. 13. A Apelante nunca indicou qual a patologia pré-existente que considerava, in casu, ser necessária comunicar aquando do preenchimento de uma proposta de adesão de seguro, assim como não apresentou qualquer fundamento legal para declinar a sua responsabilidade e completa exclusão do Apelado das apólices, baseando-se apenas em meras afirmações genéricas e infundadas. 14. Foi o próprio Apelado que forneceu à Apelante o Relatório Médico onde se encontrava detalhada a famosa “patologia pré-existente”, constando do mesmo uma descrição fidedigna e completa, com detalhe, de todo o histórico de saúde do Apelado. 15. O Apelado, aquando da subscrição do seguro, não tem a obrigação de dar a conhecer todos os episódios clínicos ou de saúde que na sua vida já tomaram lugar, pois muitos deles não terão qualquer relevância para o objecto do seguro e, sobretudo, para as condições em que ele pode ser acionado. 16. Nesta medida, ainda que não seja possível ao Apelado refutar a fundamentação da recusa por parte da Apelante porquanto ela não foi apresentada nas várias missivas trocadas entre as partes, a verdade é que todos os incidentes e episódios de saúde relacionados com a causa da incapacidade do Apelado, as suas lesões na zona da coluna e lombar, foram dadas a conhecer à Apelante. 17. Aliás, esta postura omissiva da Apelante em nunca transmitir ao Apelado a verdadeiro causa da anulação do seguro – apenas o fez em sede de contestação – é sintomático do seu comportamento ilegal e disso nos dá conta a douta sentença recorrida ao referir: “É que não pode o Tribunal aditar às razões invocadas pela seguradora, nessa declaração, novas razões de anulação, em função dos factos agora alegados pela R., ainda que apurados nos autos. De facto, só na contestação, e não na referida carta de 07/08/2009 – que capturou os fundamentos de anulação dos contratos –, a R. alargou à resposta negativa ao ponto 3. do questionário os fundamentos da anulação, invocando inovatoriamente (porque estava ausente da carta) a questão da baixa por doença do A. por mais de 15 dias consecutivos. Seria este, pois, um outro fundamento que aqui não colhe porque a R. não o valorou como fundamento de anulação do seguro no acto que consubstancia essa anulação, a carta de 07/08/2019 (e percebe-se que não o tenha feito, considerando que dificilmente se poderia aceitar que a omissão de comunicação de uma situação de baixa, por doença, por mais de 15 dias consecutivos, seria suscetível de condicionar a existência ou as condições do contrato, requisito cumulativamente imposto pelo artigo 429.º do Código Comercial”. 18. Importa, por isso, saber se um declaratário médio colocado na posição do Apelado poderia compreender que, através das perguntas referidas nos nº 1 a 4, a Apelante pretendia saber se aquele padecia de uma doença do foro psiquiátrico? Tal como o Tribunal “a quo” o reconheceu “A resposta terá de ser negativa…”. 19. Assim, julgando improcedente o recurso e confirmando a douta sentença recorrida, farão Vossas Excelências JUSTIÇA.” Admitido o recurso e colhidos os vistos, cumpre decidir. * Questões a decidir: O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida. Importa assim, saber se, no caso concreto: - Se é de alterar a resposta contida no ponto 1 dos factos não provados, considerando tais factos provados; - Se é de considerar a licitude e eficácia da anulação dos contratos de seguro em causa, por acto omitido de forma consciente pelo Autor de factos relevantes para a celebração de tais contratos. * II. Fundamentação: No Tribunal recorrido foram considerados provados os seguintes Factos: 1. No dia 22 de Setembro de 2006, o Banco Comercial Português, S.A., o A. e a mulher deste celebraram, por escritura pública, um acordo denominado «Mútuo com Hipoteca» – que aqui se dá por integralmente reproduzido – pelo qual o primeiro declarou conceder aos segundos um empréstimo, no montante €48.759,03, «para efeitos de transferência do empréstimo que lhes foi concedido pelo Banco BPI, e que teve por finalidade a aquisição do imóvel (…) hipotecado, que se destina a habitação própria e permanente», quantia de que o A. e mulher se confessaram devedores. – Doc. 5 junto com a PI (1.º doc.) 2. No mesmo dia, o Banco Comercial Português, S.A., o A. e a mulher deste celebraram, por escritura pública, um outro acordo denominado «Mútuo com Hipoteca» – que aqui se dá por integralmente reproduzido – pelo qual o primeiro declarou conceder aos segundos um empréstimo, no montante €37.885,00, de que o A. e mulher se confessaram devedores. – Doc. 5 junto com a PI (2.º doc.) 3. O A. e a sua mulher declararam, na qualidade de mutuários, nos documentos complementares aos contratos referidos em 1. e 2. supra, respectivamente, que se obrigavam «a subscrever um Seguro de Vida cujas condições, constantes das respectivas apólices, serão as indicadas pelo Banco, em sociedade de seguros de reconhecido crédito e da confiança do Banco [e] a pagar atempadamente os respectivos prémios (…)», de que o BCP, SA, seria beneficiário (cláusulas décimas, nºs. 2, de ambos os contratos). – Doc. 5 junto com a PI 4. Em cumprimento das obrigações assumidas nas cláusulas contratuais acima identificadas, o A., na qualidade de primeiro proponente, subscreveu, em 17/11/2008, a proposta de adesão junta como doc. 6 com a PI, que aqui se dá por integralmente reproduzida, nela apondo as suas assinaturas – Doc. 6 junto com a PI. 5. Esta proposta de adesão constava de um formulário, que continha, além do mais, um «Questionário Médico», com o seguinte conteúdo: «1. Já o aconselharam a consultar um médico, a ser hospitalizado, a submeter-se a algum tratamento ou intervenção cirúrgica? 2. Está de baixa por doença ou acidente? 3. Tem ou teve alguma doença que o tenha obrigado a interromper a sua actividade laboral durante mais de 15 dias consecutivos nos últimos 5 anos? 4. Tem alguma alteração, física ou funcional, teve algum acidente grave, foi submetido a alguma intervenção cirúrgica ou recebeu alguma transfusão de sangue? 5. Já fez ou foi aconselhado a fazer um teste de sida? 6. Pratica desporto de competição? 7. Já lhe foi recusada a celebração de um seguro de vida, de doença ou de acidentes pessoais ou foi o mesmo celebrado em condições especiais? 8. É reformado?» – Doc. 6 junto com a PI. 6. À frente de cada uma das perguntas acima transcritas existem dois quadrados, contendo no seu interior, num deles, a letra S, e, no outro, a letra N, indicando a primeira letra uma resposta afirmativa (SIM) e a segunda uma resposta negativa (NÃO). – Doc. 6 junto com a PI 7. Em todos os quadrados constantes do formulário médico acima referido contendo a letra N está assinalado, no que respeita ao primeiro proponente, um x – Doc. 6 junto com a PI. 8. No verso da proposta de adesão referida em 4. consta ainda uma declaração em letra impressa, que foi subscrita pelo A. e pela mulher deste, no mesmo dia 17/11/2008, mediante a aposição das respectivas assinaturas, onde se pode ler, além do mais, o seguinte: «Para efeitos de celebração do(s) presente(s) contrato(s) de seguro, declaramos que: 1. São exactas e completas as declarações prestadas e que tomei conhecimento de todas as informações necessárias à celebração do(s) presente(s) contrato(s), tendo sido entregues as respectivas Condições Gerais e Especiais, para deles tomar integral conhecimento e prestados todos os esclarecimentos sobre as mesmas condições, nomeadamente sobre garantias e exclusões com as quais estou de acordo. (…) 3. O Questionário Médico faz parte integrante do Seguro de Vida. As declarações inexactas ou reticentes ou a omissão de factos, tornam o pedido de adesão nulo e sem qualquer efeito e libertam a Ocidental – Companhia de Seguros de Vida, S.A., e a Ocidental – Companhia Portuguesa de Seguros, SA, do pagamento de qualquer indemnização. (…) (…)». – Doc. 6 junto com a PI 9. Na Apólice n.º ........, a que corresponde o Certificado Individual de Seguro n.º ........, que teve origem na proposta de adesão referida em 4. supra, pode ler-se, além do mais: «Vida Risco Crédito Habitação Ramo: Vida (…) Tomador de Seguro: Banco Comercial Português SA (…) Entidade Pagadora: AA (…) Pessoa Segura: AA (…) Data Início 2008/12/02 Vencimento dos prémios: Mensal, no dia 01 do mês correspondente.(…) Prémio total: 71,68 Cobertura Principal: Morte Capital Seguro: 45.916.79 Coberturas complementares: Invalidez Total e Permanente Capital Seguro: 45.916.79 (…) 1.ª Pessoa Segura Beneficiários (…) Nos termos das Condições Gerais e Especiais aplicáveis a este contrato, o Banco Comercial Português, S.A., é beneficiário irrevogável pelo montante em dívida no empréstimo associado ao contrato e até ao limite do capital seguro. (…)». – Doc. 8-A junto com a PI 10. Na Apólice n.º ........, a que corresponde o Certificado Individual de Seguro n.º ........, que teve igualmente origem na proposta de adesão referida em 4. supra, pode ler-se, além do mais: «Vida Risco Crédito Habitação Ramo: Vida (…) Tomador de Seguro: Banco Comercial Português SA (…) Entidade Pagadora: AA (…) Pessoa Segura: AA (…) Data Início 2008/12/02 Vencimento dos prémios: Mensal, no dia 01 do mês correspondente. (…) Prémio total: 55,70 Cobertura Principal: Morte Capital Seguro: 36 676,62 Coberturas complementares: Invalidez Total e Permanente Capital Seguro: 36 676,62 (…) 1.ª Pessoa Segura Beneficiários (…) Nos termos das Condições Gerais e Especiais aplicáveis a este contrato, o Banco Comercial Português, S.A., é beneficiário irrevogável pelo montante em dívida no empréstimo associado ao contrato e até ao limite do capital seguro. (…)». – Doc. 8-B junto com a PI 11. São parte integrante das apólices referidas em 9. e 10. supra os documentos juntos com contestação, com a designação «Ramo Vida – Grupo. Condições Gerais» e «Ramo Vida – Grupo. Condições Especiais. Cobertura Complementar – Invalidez Total e Permanente», que aqui se dão por reproduzidos. (i) Consta do primeiro desses documentos («Ramo Vida – Grupo. Condições Gerais»), além do mais, o seguinte: «(…)Artigo 2.º - Disposições Fundamentais 2.1 (…) 2.2 As declarações (…) da Pessoa Segura, prestadas na Proposta de Seguro e nas Propostas de Adesão, bem como nos questionários de saúde, quando existentes, servem de base ao presente contrato, o qual é incontestável após a sua entrada em vigor, sem prejuízo do estabelecido em 2.3. (…). 2.3 As omissões e as declarações inexactas ou incompletas feitas (…) pelas Pessoas Seguras susceptíveis de influenciar a aceitação do risco ou as condições em que o tenha sido tornam nulo o contrato ou o certificado individual, conforme o caso, não havendo, em caso de má fé, direito à restituição de prémios. 2.4 Para efeito do número anterior, entende-se por má fé o conhecimento por parte (…) das Pessoas Seguras das omissões ou das insuficiências das declarações.(…)»; (ii) Consta do segundo dos referidos documentos (Ramo Vida – Grupo. Condições Especiais. Cobertura Complementar – Invalidez Total e Permanente), designadamente, o seguinte: «Artigo 1.º Definições (…) e) Invalidez Total e Permanente – A Pessoa Segura encontra-se na situação de Invalidez Total e Permanente se, em consequência de doença ou acidente, estiver total e definitivamente incapaz de exercer uma actividade remunerada, com fundamento em sintomas objectivos, clinicamente comprováveis, não sendo possível prever qualquer melhoria no seu estado de saúde de acordo com os conhecimentos médicos actuais (…), devendo em qualquer caso o grau de desvalorização, feito com base na Tabela Nacional de Incapacidades, ser superior a 66,6% que, para efeitos desta cobertura, é considerado como sendo igual a 100%.(…)» Artigo 2.º - objecto da cobertura Pelo presente contrato, a Seguradora garante, em complemento das garantias da cobertura principal, o pagamento de um Capital Seguro, definido nas Condições Particulares ou Certificado Individual da apólice, em caso de Invalidez Total e Permanente da Pessoa Segura, em consequência de doença manifestada ou de acidente ocorrido durante a vigência desta cobertura» – Doc. 3 junto com a contestação (1.º e 2.º documentos, respectivamente) 12. O A. sempre procedeu pontualmente ao pagamento de todas as prestações devidas pelos seguros referidos em 9. e 10. supra. 13. Em 18/10/2016, o A. foi sujeito a exame de saúde pelo médico do trabalho, que o declarou condicionalmente apto para a função de fiscal municipal, com a recomendação de que o mesmo «[devia] poder dispor de veículo automóvel que assegur[asse] adequadas condições ergonómicas tanto no que respeita ao conforto como à visibilidade durante a condução, em particular nas manobras de marcha atrás. Desaconselhada a condução automóvel por períodos contínuos superiores a 30 minutos. Devem adoptar-se as condições de trabalho que permitam a alternância regular das posições sentado/de pé. Deve ser presente a novo exame de saúde findo o prazo de 6 meses». – Doc. 9 junto com a PI. 14. Em 19/01/2018, a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo emitiu um «Atestado Médico de Incapacidade Multiuso», que aqui se dá por integralmente reproduzido, atestando que, «de acordo com a TNI – Anexo I, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, o utente [AA] é portador de deficiência que, nesta data e conforme quadro seguinte, lhe confere uma incapacidade permanente global de 68%», sendo 60% atribuída à incapacidade prevista no Capítulo X (psiquiatria), número II (critérios de avaliação das incapacidades), Grau IV (perturbações funcionais importantes, com acentuada modificação dos padrões de actividade diária … 0,26-0,60) do anexo I ao TNI, e 8% atribuída à incapacidade prevista no Capítulo III (neurologia e neurocirurgia), número 7 (nevralgias e radiculalgias … 0,10-0,20) do mesmo anexo – Doc. 10 junto com a PI 15. Em 12/11/2018, a Caixa Geral de Aposentações homologou o parecer da Junta Médica, datado de 08/11/2018, que considerou o A. absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções e declarou que o mesmo sofria de incapacidade permanente e absoluta para toda e qualquer profissão ou trabalho, invocando como motivo dessa incapacidade «espondilartropatia generalizada». – Docs. 1 e 2 juntos com a PI, que aqui se dão por reproduzidos 16. Em consequência da decisão acima referida, comunicada por carta de 14/11/2018* ao A., este encontra-se, desde então, aposentado por invalidez. – Docs. 1 e 2 juntos com a PI(* rectificado nesta decisão a data, dado o lapso manifesto- artº 249º do CC) 17. Anteriormente, o A. desempenhava as funções de fiscal municipal na Divisão de Urbanismo da Câmara Municipal de .... – Doc. 3 junto com a PI 18. Na sequência do referido em 14. a 16. supra, o A. formalizou junto da Agência do Millennium BCP, em ..., o pedido de accionamento dos seguros referidos em 9. e 10. supra, com base nos factos aí descritos. 19. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 07/08/2019, a R. comunicou ao A., que a recebeu, o seguinte: «(…) Exmo. Senhor, Acusamos a recepção da documentação enviada aos nossos Serviços, relativa à situação de Invalidez que lamentavelmente afecta V. Exa., a qual mereceu a nossa melhor atenção. Da apreciação efectuada pelo nosso Departamento Clínico à informação médica disponibilizada, concluímos que V. Exa. não fez qualquer referência, no acto de subscrição dos Contratos de Seguro de Vida em análise, a qualquer tipo de doença pré-existente, tendo, pelo contrário, respondido em sentido negativo a todas as questões relacionadas com a existência de eventuais problemas de saúde. Assim, aquando do preenchimento das referidas Propostas de Adesão a respectivos Questionários Médicos, em 17 de Novembro de 2008, não foi mencionada a patologia pré-existente, conforme atestado no relatório médico emitido pelo Sr. Dr. BB em 23 de Agosto de 2018 e recepcionado nos nossos serviços em 25 de Julho de 2019. Nestas condições verificámos que existia um quadro clínico pré-existente que se tivesse sido declarado teria condicionado a aceitação do risco. Esclarecemos ainda que é através da Proposta de Seguro e respectivo Questionário Médico que este Segurador pode avaliar e aceitar os riscos garantidos ao abrigo dos referidos Contratos de Seguro. As declarações inexactas, reticentes ou que omitam qualquer facto, designadamente, relativas a alguma doença pré-existente, isto é, que tenha ocorrido antes da data da entrada em vigor dos Contratos de Seguro, e que por isso se encontram excluídas do âmbito da cobertura de riscos, tornam nulo o pedido de adesão aos Contratos de Seguro de Vida em causa. Nestas circunstâncias lamentamos informar V. Exa. que, nos termos do estabelecido nas Condições Gerais da Apólice, declinamos qualquer responsabilidade pelo pagamento dos Capitais Seguros nas Apólices, procedendo, nesta data, à exclusão do Exmo. Sr. AA, nos Contratos de Seguro (…)». – Docs. 19 e 20 juntos com a PI. 20. Em virtude do referido em 19. supra, o A. continuou a pagar os valores referentes às prestações dos contratos de mútuo referidos em 1. e 2. supra, à razão de €207,15 e €160,97 mensais – Docs. 22 e 23 juntos com a PI. 21. Em 08/11/2018, os capitais em dívida nos contratos de mútuo referidos em 1. e 2. supra ascendiam a €23.501,91 e €18.256,74, respectivamente. – Doc. 21 juntos com a PI 22. O A. pagou à R., a título de prémios de seguro, desde a participação da sua situação de incapacidade por invalidez permanente e consequente accionamento do seguro até 01/07/2019, a quantia global de €1.718,10. 23. O pagou à R., a esse título, durante toda o período de execução dos contratos titulados nas apólices/certificados individuais de seguro referidos em 9. e 10. supra, a quantia total de €11.292,08. – Doc. 24 junto com a PI 24. O A. entregou à R., na sequência das cartas de 08/01/2018, 18/05/2018, 24/01/2019 e 04/03/2019, que por esta lhe foram remetidas e aqui se dão por reproduzidas, uma informação emitida em 07/01/2019 pela Câmara Municipal de ..., atestando, além do mais, que o A. esteve de baixa, por doença, de 26/06/2006 até 25/07/2006, um «Atestado», datado de 26/06/2006, e um «Relatório Clínico», datado de 23/08/2018, que aqui se dão por integralmente reproduzidos. – Docs. 12, 11, 13, 14, 3, 17 e 18 juntos com a PI, respectivamente 25. No atestado médico de 26/06/2006, acima referido, pode ler-se, além do mais: «CC, licenciado(a) em Medicina (…), atesta que AA (…) se encontra doente e impossibilitado(a) de comparecer no seu local de trabalho, a partir do dia 26/06/06 inclusive até ao dia 25/07/06, com duração provável de 30 dias». – Doc. 3 junto com a PI 26. No «Relatório Clínico» de 23/08/2018, referido em 24. supra, subscrito pelo Dr. BB, médico, pode ler-se, designadamente: «Para efeitos de ser presente à Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações se apresenta, a pedido do interessado, o presente relatório respeitante ao doente AA, de 63 anos de idade, (…), com a profissão de Fiscal Municipal na Câmara Municipal de .... Antecedentes a) Lombalgias (…) b) Quadro depressivo Quadro depressivo arrastado, desencadeado em 1985 com o falecimento precoce do irmão e grande companheiro de juventude, então com 23 anos de idade, vítima de neoplasia do testículo. A situação de perda naquela idade originou um processo de luto mal gerido, sem efectiva passagem das várias fases, tendeu a eternizar-se e provavelmente nunca ficou completamente resolvido, pois na actualidade subliminarmente mantem-se. Foi seguido sempre em psiquiatria, fez psicanálise, fez terapêutica antidepressiva frequentemente reajustada, mas sempre sem reconversão eutímica. O quadro depressivo agravou-se nos últimos anos quer pela frustração resultante do insucesso das cirurgias de coluna [refere-se o relatório às três cirurgias a que se alude na alínea a), realizadas em Julho e Setembro de 2014 e em Dezembro de 2017] e da limitação física quer profissional, quer em actos da actividade da vida diária, quer pelo stress físico e psicológico que esta veio originar. A eficácia e a rentabilidade profissionais foram ficando comprometidas, com reflexo laboral que, em ciclo vicioso, mais agravou o quadro clínico. (…)». – Doc. 18 junto com a PI 27. À data da subscrição da proposta de adesão ao seguro referida em 4., o A. sabia que sofria de um quadro depressivo. 28. Se a R. tivesse tido conhecimento de que o A. padecia de patologia psiquiátrica, a cobertura de invalidez teria sido aceite, mas com exclusão de doenças decorrentes dessa patologia. * Resultaram como não provados os seguintes factos: 1. O A., tendo pleno e efectivo conhecimento de que não o poderia fazer, omitiu (quis omitir) o facto referido em 27. dos factos provados, na resposta ao questionário médico, aquando da subscrição da proposta de adesão referida em 4. dos factos provados. 2. A proposta de adesão referida em 4. dos factos provados foi entregue ao A. por um funcionário do BCP, SA., já totalmente preenchida, incluindo quanto ao questionário médico, para que este apenas a assinasse, tendo o mesmo funcionário assegurado ao A. que tudo estava devidamente preenchido e que o preenchimento apenas era necessário para efeitos formais. 3. Por causa do referido em 19. e 20. dos factos provados, o A. sofreu enorme transtorno e instabilidade psicológica e emocional, tendo passado a ter, em virtude dessas mesmas ocorrências, perturbações no sono e no sistema nervoso. * Da impugnação dos factos: Na enunciação da impugnação factual pretendida pela apelante ao fazer alusão à alteração do ponto 1 dos factos não provados, a mesma, quer no corpo das suas alegações, quer nas suas 6ª e 17ª conclusões, indica genericamente que tal alteração de resposta negativa em positiva do contido em tal ponto, advém da prova testemunhal e documental produzida nos autos. Ora, em momento algum alude no tocante à prova testemunhal que depoimentos suportam tal alteração. Quanto à parte da prova documental a sua discordância em tal resposta decorre no essencial da alegada contradição com os factos provados e contidos nos pontos 5, 6, 8, 24, 27 e 28, concluindo que da análise de tais factos os mesmos teriam, igualmente, de conduzir a uma resposta positiva ao facto dado como não provado em 1. Daqui resulta que não estamos perante uma alteração factual cujo regime adjectivo se encontra previsto no artº 640º do Código de Processo Civil, pois claramente a apelante não cumpre tais ónus, nomeadamente não indica a prova concreta que suportaria tal alteração, mormente a testemunhal e em que termos especificamente. Porém, sempre importará a apreciação da eventual decorrência dos factos contidos nos pontos indicados como seguimento lógico-dedutivo da alteração da resposta negativa do tal ponto 1, em resposta positiva. Neste labor dedutivo e do que transparece das conclusões de recurso é que a apelante entende que o facto que obteve resposta negativa resulta, de forma positiva, dos factos contidos nos pontos 6., 8., 24., 27 e 28, ou seja, ainda que não a denomine o que poderá estar em causa é a prova por presunção, prova essa admissível, tal como resulta do artigo 351.º do Código Civil. Na verdade, é possível definir a prova como uma actividade destinada a gerar uma determinada convicção no espírito do juiz, como defende Miguel Teixeira de Sousa: “é a actividade realizada em processo tendente à formação da convicção do tribunal sobre a realidade dos factos controvertidos, isto é, a actividade que permite formar na mente do julgador a convicção que resolve as dúvidas sobre os factos carecidos de prova” ( in “As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, pág. 741). Ou, como de forma mais completa e harmoniosa defendia Alberto dos Reis, na definição de prova como sendo “o conjunto de operações ou actos destinados a formar a convicção do juiz sobre a verdade das afirmações feitas pelas partes” e para verdadeiramente se compreender a essência da prova há que a ver como “um conjunto de actos probatórios resultantes de uma actividade instrutória que visa a busca de um resultado final” ( in “Código de Processo Civil Anotado – Vol. III, pág. 239). Donde, no caso presente poderá ser equacionado considerar a presunção, porque esta não exige qualquer diligência probatória específica, encontrando o seu fundamento na regra da livre apreciação da prova (artigo 607.º, n.º 5 do C.P.C.). ( Vide Luís Filipe de Sousa, in “Prova por Presunção no Direito Civil, pág. 29.). Com efeito, dado o conceito de prova nos termos sobreditos, há que dizer que não existe unanimidade quanto à classificação das presunções judiciais. Alguns autores consideram-nas um meio de prova (neste sentido Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, pág. 208, Antunes Varela e Pites de Lima in Código Civil Anotado – Vol. I (arts. 1.º a 761.º), outros consideram-nas um mero raciocínio (v.g. Vaz Serra in “Provas”, pág. 198; bem como Teixeira de Sousa in ob. Cit. pág. 210 e ainda Lebre de Freitas, in “A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, pág . 223), existindo ainda uma posição intermédia, defendendo Luís Filipe Sousa ( in ob. Cit. Pág.160) que as presunções são um “(…) método específico de valoração da prova com reflexo no tema da prova”. Manifestamente as presunções judiciais são ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, ou seja, são raciocínios inferenciais realizados pelo julgador. Como se explicita no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-07-2016, Proc. n.º 487/14.4TTPRT.P1.S1 ( in www.dgsi.pt/stj): “Por conseguinte, além de nada obstar ao uso de presunções judiciais, não se pode deixar de ter presente que as mesmas, não só são permitidas por lei (artigo 349.º do C.C.), como desempenham a função de demonstração da realidade dos factos – cf. artigo 341.º do C.C.”. Deste modo, da utilização de presunções resulta a representação de factos que formam a convicção do julgador sobre a realidade de determinado facto tal como acontece em relação aos restantes meios de prova. Pelo que recorrendo a um argumento sistemático, temos que as presunções judiciais estão reguladas no Capítulo II do Código Civil referente à matéria das provas, e, recorrendo a um argumento funcional, que servem o mesmo objectivo que os restantes meios de prova. Logo, inexistindo obstáculo à classificação da presunção judicial como meio de prova, este é dotado de características especiais, pois decorre de poder ser considerada prova indirecta, por consistir em raciocínios lógicos e do seu importante papel se situar relativamente à valoração de outros meios de prova. Isto porque, a utilização e aplicação das presunções judiciais estão sempre, necessariamente, dependentes dos outros meios de prova existentes no processo. Ou seja, as presunções judiciais não existem, nem funcionam, por si só pois, por um lado, a presunção para funcionar necessita de assentar num facto-base, a partir do qual o julgador vai fazer o raciocínio lógico, e este facto-base, por sua vez, necessita de estar provado por outros meios de prova; e, por outro lado, para cumprirem a sua função de valoração de outros meios de prova, tal função implica, necessariamente, a existência desses outros meios de prova no processo. Assim, confrontado com a prova, seja ela directa ou indirecta, o raciocínio do juiz vai sempre efectuar a ligação entre o facto conhecido (factum probans) e o facto desconhecido (factum probandum) recorrendo às máximas de experiência pelo que, procedendo deste modo, sempre se obterá somente uma provável verdade sobre os factos alegados. Deste modo a presunção vai ser o resultado de um raciocínio feito a partir de um facto conhecido que está provado (facto-base ou facto indiciário), chegando-se, consequentemente, à conclusão pela existência de um outro facto (facto presumido), que é o pressuposto fáctico de uma norma, atendendo ao nexo lógico entre os dois factos ( seguindo Luís Filipe Sousa in ob. Cit., pág. 29, haverá que considerar a estrutura da presunção da seguinte forma: Facto base/facto indiciário + Nexo Lógico = Facto Presumido). Donde, partindo de determinado facto provado, por inferência, segundo as regras da experiência, chega-se à conclusão que ocorreu um outro. No estudo levado a cabo por Rossana Costa Santos ( in “Algumas Considerações sobre a Relevância da Prova por Presunções Judiciais na Responsabilidade Civil Extracontratual”, Dezembro, 2017- Universidade de Coimbra ), a mesma alude que o facto conhecido dado como provado pode consistir num só facto (presunção monobásica) ou em vários (presunção polibásica), contudo, conclui que tudo dependerá da apreciação do julgador e da força de cada um dos factos. O facto-base vai constituir o alicerce da pretensão da parte que o pretenda utilizar, podendo a partir deste concluir-se pelo facto dito presumido. No que concerne às máximas da experiência de “forma genérica podemos definir as máximas da experiência como regras gerais de carácter científico válidas universalmente (como as regras da matemática e física) ou regras que seguem um princípio da normalidade, ou seja, nestas últimas encontramos factos que normalmente surgem ligados entre si por uma relação de causa-efeito, observável e conhecida da generalidade das pessoas. Estas, no seu dia-a-dia, observam uma série de factos e estabelecem no seu íntimo um determinado padrão entre eles pelo que, confrontados com um determinado facto, segundo um critério da sua experiência de vida, conseguem estabelecer qual a consequência normal desse facto ou quais outros factos é que costumam acompanhar o primeiro” (Luís Filipe de Sousa, in ob. Cit. Pág. 51). Ora, considerando a exposição feita é perante os factos provados supra aludidos que se poderá inferir ou não a prova do contido em 1 dos factos não provados. Especificando, o ponto 5. contém a proposta de adesão em formulário, com as questões médicas em igual formato, com resposta através de aposição de X na letra S, para sim, e N, para não. Sendo o ponto 6. Relativo à constatação da resposta negativa a todas as questões pelo proponente, ora Autor. E do ponto 8. resulta a subscrição pelos proponentes de tal proposta de adesão, com a indicação genérica que serão verdadeiras e completas as informações prestadas. Essencial é aferir se tal como pretende a apelante o A. omitiu de forma dolosa informação médica essencial quanto à existência de um quadro depressivo, ou seja, de uma doença pré existente. Das perguntas consta efectivamente de forma genérica, nomeadamente, as seguintes: «1. Já o aconselharam a consultar um médico, a ser hospitalizado, a submeter-se a algum tratamento ou intervenção cirúrgica?(…) 3. Tem ou teve alguma doença que o tenha obrigado a interromper a sua actividade laboral durante mais de 15 dias consecutivos nos últimos 5 anos?». Do ponto 24. apenas resulta que o A. entregou todas as informações clinicas que possuía na sequencia do accionamento do seguro, decorrente da sua aposentação por invalidez, após a resposta da ré, não omitindo qualquer informação. O ponto 27. apenas resulta que o A. à data da subscrição sabia que sofria de um quadro depressivo, e na sequência do ponto 28. Resulta que se a ré tivesse conhecimento de tal patologia a cobertura por invalidez seria aceite, mas com exclusão de doenças decorrente de tal patologia. Ora, para se poder concluir que o A. omitiu e quis omitir tal patologia aquando da subscrição da proposta, sabendo que não o podia fazer, tal não resulta em concreto apenas de tais factos. Aliás, não há que olvidar ainda que o ponto 1 dos factos não provados tem apenas por base a omissão de tal patologia (dada a remissão para o ponto 27.) e não igualmente o que vem agora alegado em sede de recurso como causa de anulação, ou seja, a circunstância de ter existido a interrupção por doença por mais de 15 dias consecutivos. Na verdade, tal não foi enunciado nos autos, nem poderá resultar da resposta positiva apenas ao contido no ponto 1, ainda que seja facto o que consta do ponto 24. , mas que não se encontra previsto em tal ponto 1 que obteve resposta negativa. Porém, mesmo que assim não se entenda, consideramos que a mera falta de tal colocação no formulário como correspondendo a um “Sim” em tais itens, não significa, nas circunstâncias de tempo e lugar, a existência de omissão intencional por parte do Autor. Por outro lado, da análise do doc. 3 onde constam os períodos de baixa do A., bem como do atestado junto como doc. nº 15 nada resulta que determine que os períodos de baixa, nomeadamente o de 30 dias, se prenda com tal quadro depressivo concreto contido no ponto 27. ( o A, apenas alude que era a única forma de obter um atestado por 30 dias, quando a queixa seria relativa a lombalgias), nem a recorrente na alteração pretendida faz esta mesma correlação. Acresce que a componente que determinou a decisão da reforma por invalidez, da forma como foi decidida, não é resultante apenas de tal patologia, pois do doc. nº 2 relativo ao auto de junta médica da CGA se refere como motivo da incapacidade a espondiloartropatia generalizada. Ora do doc. 18 resulta que tais problemas lombares do A. apenas foram conhecidos desde 2014, data muito posterior à subscrição da proposta, em 17/11/2008, e de tal relatório cliníco a primeira patologia é efectivamente “lombalgias”, resultando que tal era mais evidente e incapacitante para o A. pelo facto de exercer as funções de fiscal numa edilidade municipal e tal obrigar a percorrer longas distâncias de automóvel. A tudo haverá que acrescentar que a forma como se lida com as doenças mentais e/ou depressivas em 2008 não corresponde à sua visão actual, sendo que hodiernamente se fala muito mais em tais problemas, apelidando como patológicos e até incapacitantes, com maior sensibilidade para tais questões, quer por banda das populações em geral, mas igualmente pela comunidade médica mais alargada. Acresce que só com as intervenções ocorridas em 2014, mas a nível lombar, é que as queixas do Autor se iniciam com premência e com incapacidade inerente ao exercício de funções. É certo que a incapacidade por invalidez acaba por ser o somatório das várias patologias, mas na data da subscrição da proposta e no decorrer de seis anos o A. não evidenciou queixas de grau incapacitante, indicando sim que devido às suas funções, as questões dias lombares determinavam a impossibilidade de se deslocar de veículo, componente imprescindível no exercício da sua actividade. Somos, assim, em corroborar o constante da fundamentação da sentença sob recurso, ao expor que: “Quanto aos factos alegados em fundamento da imputação ao A. de um comportamento deliberado, tendente a induzir em erro a seguradora, ora R. (cfr., em particular, artigos 37.º e 38.º da PI, conjugados com os artigos 29.º, 30.º, 34.º do mesmo articulado), nos termos enunciados no ponto 1. dos factos não provados, a prova produzida foi insuficiente para os considerar demonstrados. Com efeito, apenas se apurou que o A. sabia que tinha uma doença do foro psiquiátrico (depressão). Porém, não se determinaram as razões (subjectivas) determinantes dessa falta de comunicação, as quais não decorrem necessariamente do facto julgado nesse ponto 27. Por outro lado, a circunstância de ter sido o próprio A. a disponibilizar voluntariamente à R., após a participação do sinistro, o relatório clínico de 23/08/2018, de que aquela não tinha conhecimento, nem lhe era acessível doutro modo, não se harmoniza com a postura típica de quem voluntariamente omitiu um elemento clínico que sabia ser relevante para a seguradora. Acresce que o próprio questionário clínico não contém qualquer menção explícita a doenças psiquiátricas, designadamente à depressão. Ora, como é sabido, a depressão não é ainda hoje – e, por maioria de razão, não o era em 2008 – social e individualmente percepcionada como uma verdadeira doença equiparável às demais doenças do foro físico, por não ter uma expressão exterior visível e destacada da simples tristeza motivada pelas múltiplas circunstâncias da vida que, normalmente, causam esse estado de espírito, sejam elas a perda de um ente querido, problemas familiares ou laborais. Finalmente, decorreu da prova produzida que o formulário de adesão ao seguro em causa foi subscrito numa agência do BCP, SA, em ..., local de residência do A. e família, circunstancialismo que, por implicar um contacto directo e presencial com o funcionário bancário, normalmente conhecido dos clientes do banco, num curto período de tempo, tende a agilizar o processo de comunicação cliente-funcionário, motivando do primeiro respostas imediatas e não adequadamente ponderadas. Recaindo o ónus da prova dos factos em análise sobre a R. (artigo 342.º, n.º 2, do CC), as dúvidas suscitadas pelas variáveis acima ponderadas não podiam deixar de ser resolvidas contra a mesma R. (artigo 346.º do CC).”. Deste modo, improcede a alteração factual pretendida, mantendo-se os factos a subsumir ao direito. * III. O Direito: Considerando a inalterabilidade dos factos a subsumir ao direito, entendemos que nada nos permite alterar a decisão, a qual se encontra bem fundamentada e com a qual concordamos no essencial. Na verdade, subscrevemos a integração da relação jurídica em causa no tipo de contrato nos termos definidos na sentença da 1ª instância, como sendo um contrato de seguro, constituindo o busílis da questão a análise de saber se assistia à R. o direito de anular os contratos de seguro que havia celebrado com o R., o que fez na carta de 07/08/2019. Como bem se expõe na sentença recorrida e não é posto em causa neste recurso, haveria primeiramente que aferir do regime aplicável, ou seja, se o regime dos seguros previsto nos artigos 425.º a 462.º do Código Comercial ou, ao invés, o regime jurídico do contrato de seguro constante do anexo ao Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, diploma que entrou em vigor em 01/01/2009 (artigo 7.º) e revogou aqueles artigos do Código Comercial [artigo 6.º, n.º 2, alínea a)]. Ora, considerando que os contratos de seguro em discussão nos autos foram celebrados em 17/11/2008 (ponto 4. dos factos provados), isto é, antes da entrada em vigor do regime jurídico do contrato de seguro aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008 (01/01/2009), a validade da declaração unilateral de anulação desses contratos, constante da carta de 07/08/2019, deve ser aferida com base no que dispõe sobre a matéria o artigo 429.º do Código Comercial. Prosseguindo, também nada há a apontar à abordagem realizada perante o caso concreto e tendo por base tal preceito, ao referir-se que: “Está assente na jurisprudência que o artigo 429.º do Código Comercial se refere ao vício de anulabilidade, e não ao vício de nulidade (cfr., entre muitos outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31/01/2023, proferido no processo n.º 941/18.9T8OER.L1.S1), sendo, pois, aplicável, o regime dos artigos 287.º e 288.º do CC e não do artigo 286.º do mesmo Código. Nas hipóteses típicas a que o citado artigo 429.º associa o direito (potestativo) da seguradora de anular o contrato de seguro incluem-se as declarações inexactas e as declarações reticentes; as primeiras são «declarações não conformes com a realidade» e as segundas «omitem factos com interesse para formação da vontade contratual da outra parte» (Acórdão do STJ, de 24/04/2007, proferido no processo n.º 07S851, disponível em www.dgsi.pt), sendo que, neste último caso, só há omissão se os factos ou circunstâncias não comunicados ao segurador forem conhecidos do segurado (ou por quem fez o seguro). Em ambas as hipóteses, o contrato só é anulável se as declarações inexactas e as declarações reticentes fossem susceptíveis de influir sobre a existência e as condições do contrato, caso tivessem sido conhecidas do segurador. Trata-se, pois, de um caso especial de erro-vício, substancialmente idêntico ao erro previsto no artigo 251.º do CC, embora sujeito a regimes não totalmente equiparáveis, como decorre do mero confronto do artigo 247.º desse Código, aplicável ao erro sobre a pessoa ou sobre o objecto do negócio previsto por força daquele primeiro artigo – que exige, como requisito da anulação, o conhecimento ou a cognoscibilidade, pelo declaratário, da essencialidade para o declarante do elemento sobre que incidiu o erro –, com o artigo 429.º do Código Comercial, ora em análise, que não prevê semelhante requisito. É também um dado normativo reiteradamente extraído, por via interpretativa, do citado artigo 429.º do Código Comercial, que o direito de anulação existe quer na hipótese de o segurado (ou tomador do seguro) ter agido com dolo, quer na hipótese de ter agido com negligência (neste sentido, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02/12/2008, proferido no processo n.º08A3737, disponível em www.dgsi.pt). Do mesmo modo, a jurisprudência dos tribunais superiores tem considerado, na interpretação desse artigo, que não é condição da anulação do contrato de seguro aí prevista a existência de um nexo de causalidade entre o conteúdo da declaração inexacta ou reticente do segurado sobre o seu estado de saúde e o sinistro (morte ou invalidez) – cfr., neste sentido, entre muitos outros, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 26/01/2017 e 02/02/2017, proferidos nos processos nºs. 1937/11.7TBBNV.E1.S1 e 349/14.5TBMTA.L1.S1, respectivamente. Assim, de acordo com o primeiro dos citados arestos, «o efeito anulatório não fica precludido pela circunstância de a morte ou incapacidade terem radicado num processo patológico totalmente diverso e autónomo da doença culposamente omitida aquando do preenchimento do questionário clínico». O nexo causal relevante, para efeitos do artigo 429.º do Código Comercial – explica o mesmo acórdão – é «entre a patologia omitida pelo segurado e a celebração do contrato de seguro, nos precisos termos em que o foi, cumprindo averiguar se – conhecendo efectivamente a seguradora tais patologias, omitidas no preenchimento do questionário clínico – teria celebrado, mesmo assim, o contrato nos termos em que o celebrou, assumindo a cobertura de certos e determinados riscos». Afigura-se ser de acolher essa jurisprudência. Com efeito, o artigo 429.º do Código Comercial não exige como condição da «nulidade» (leia-se: nulidade relativa ou anulabilidade) do seguro que as declarações inexactas ou as omissões tenham sido feitas com dolo, com o sentido previsto no artigo 253.º do CC. Apenas no parágrafo único do artigo 429.º se refere especificamente à hipótese de má fé (dolo) de quem fez o seguro ou do segurado, mas apenas para o efeito de excluir, em caso de anulação do seguro, o direito destes à restituição dos prémios de seguro pagos na vigência do contrato. Assim, nos termos do artigo 429.º do Código Comercial, é bastante a actuação culposa (negligente) do segurado ou do tomador do seguro, patenteada na omissão de comunicação de factos e circunstâncias conhecidas susceptíveis de influir sobre a existência ou o conteúdo do contrato, para que se reconheça ao segurador o direito à anulação do contrato. Nos artigos 25.º e 26.º do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, passaram a distinguir-se ambas as situações, prevendo-se no primeiro as hipóteses de «omissões ou inexactidões dolosas» e no segundo as hipóteses de «omissões ou inexactidões negligentes», registando-se, pois, neste aspecto, uma assinável diferença entre os regimes sucessivamente em vigor sobre esta matéria. Acresce que, confrontando ambos os artigos, verifica-se que, enquanto no primeiro grupo de situações (omissões ou inexactidões dolosas) se reconhece ao segurador o direito de anular o contrato de seguro, sem mais requisitos (cfr. artigo 25.º, n.º 1), nas omissões ou inexactidões negligentes verificadas após o sinistro, só se «ocorrer o sinistro cuja verificação ou consequências tenham sido influenciadas por facto relativamente ao qual tenha havido omissões ou inexactidões negligentes», pode o segurador recusar-se a cobrir o sinistro, devolvendo o prémio, e desde que demonstre que não teria, em caso algum, celebrado o contrato se tivesse conhecido o facto omitido ou declarado inexactamente [artigo 26.º, n.º 4, alínea b)]. Parece, pois, condicionar-se a anulação do contrato, neste caso, à verificação de um nexo de causalidade entre o facto omitido ou inexacto e a causa do sinistro. Porém, o artigo 429.º do Código Comercial, contrariamente ao que sucede com o regime vigente para as omissões ou inexactidões negligentes, não fazia qualquer menção a esse pressuposto pelo que deve concluir-se que, na valoração subjacente àquele primeiro artigo, a única causalidade relevante era, como explicitado pelo Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 26/01/2017, acima citado, entre o risco omitido pelo segurado (por ex., patologia de saúde) e a celebração do contrato de seguro, nos precisos termos em que o foi, e não entre o risco omitido e o sinistro ocorrido.”. Donde considerando tal análise também em nada divergimos na aplicação ao caso concreto, quando se decide que: “Provou-se que o A. subscreveu, em 27/11/2008, a proposta de adesão aos seguros em discussão nos autos, a qual continha um questionário médico, onde estava assinalado, com um N (não), todas as respostas às questões aí formuladas. Provou-se ainda que no verso da referida proposta de adesão constava a seguinte declaração em letra impressa, assinada pelo A.: «Para efeitos de celebração do(s) presente(s) contrato(s) de seguro, declar[o] que: 1. São exactas e completas as declarações prestadas e que tomei conhecimento de todas as informações necessárias à celebração do(s) presente(s) contrato(s), tendo sido entregues as respectivas Condições Gerais e Especiais, para deles tomar integral conhecimento e prestados todos os esclarecimentos sobre as mesmas condições, nomeadamente sobre garantias e exclusões com as quais estou de acordo; 2. (…) 3. O Questionário Médico faz parte integrante do Seguro de Vida. As declarações inexactas ou reticentes ou a omissão de factos, tornam o pedido de adesão nulo e sem qualquer efeito e libertam a Ocidental – Companhia de Seguros de Vida, S.A., e a Ocidental – Companhia Portuguesa de Seguros, SA, do pagamento de qualquer indemnização. (…). Ora, tendo o A. aposto a sua assinatura à referida proposta de adesão, é de presumir que aceitou como suas as declarações nela apostas, incluindo as respostas dadas ao questionário médico (neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/03/2014, proferido no processo n.º 2971/12.5TBBRG.G1.S), sendo indiferente que, como alega, não tenha sido ele a preencher materialmente essa proposta e a assinalar com um x as respostas negativas a esse mesmo questionário (artigos 374.º, n.º 1, e 376.º, n.º 1, do CC), factualidade que, aliás, não logrou provar (cfr. ponto 2. dos factos não provados). Neste pressuposto – o da autoria da declaração constantes da proposta de adesão –, cumpre verificar, desde logo, se o A. prestou declarações inexactas ou reticentes (omissões) aquando da subscrição dos seguros, avaliação que deve ser feita caso a caso (Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 10/2001, de 21/11/2001). Provou-se que o questionário médico constante dessa proposta contém apenas 6 questões e que todas elas apenas admitem uma resposta positiva ou negativa. É, pois, tendo em consideração apenas estas questões, na sua concreta formulação, que se deve avaliar a natureza inexacta ou reticente das declarações prestadas pelo A. aquando do preenchimento da proposta de adesão. Com efeito, diferentemente do que sucede no actual regime do contrato de seguro (artigo 24.º, nºs. 1 e 2, do Anexo do Decreto-Lei n.º 72/2008), o Código Comercial não impunha ao tomador do seguro ou ao segurado o dever de comunicar espontaneamente ao segurador todas as circunstâncias conhecidas e que devesse ter por razoavelmente significativas para a avaliação do risco. O sistema anteriormente adoptado era, pois, o do questionário fechado (Acórdão do STJ, de 31/01/2023, proferido no processo n.º 941/18.9T8OER.L1.S1). Neste sistema, explica este aresto, é o segurador que informa o segurado sobre quais os elementos que tem por indispensáveis para a avaliação do risco. E «[p]orque é o Segurador quem define as condições relevantes para a aceitação e outorga do contrato de seguro, o princípio da boa fé e o princípio da transparência impõem rigor, linearidade, clareza e simplicidade de linguagem, nas questões formuladas no questionário, a fim de que o tomador/segurado possa compreender o sentido das perguntas, e ser responsabilizado pelas respostas inexactas ou omissões. Ou seja, o credor da informação deve diligenciar para que o segurado possa responder com verdade, de forma esclarecida». Lembre-se que, estando em causa um contrato de adesão, padronizado no seu clausulado, como é claramente o caso dos contratos de seguro celebrados entre as partes, as dúvidas ou ambiguidades na interpretação das respectivas cláusulas contratuais devem ser resolvidas contra o segurador e não contra quem se limitou a aderir à proposta de contrato (artigo 11.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro). Embora o questionário médico não seja, em si mesmo, uma cláusula contratual geral, as consequências negativas decorrentes da violação do ónus de rigor e clareza que recaem sobre o segurador, que é o único sujeito contratual a intervir na elaboração das perguntas constantes desse questionário médico, devem, por identidade de razão, ser resolvidas contra ele, por aplicação da regra ambiguitas contra stipulatorum ou in dubio contra stipulatorum subjacente ao citado artigo 11.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 446/85 (cfr. a respeito do sentido e alcance deste artigo, Pedro Romano Martinez, Cláusulas contratuais gerais e cláusulas de limitação ou de exclusão da responsabilidade no contrato de seguro”, in Scientia Iuridica, Tomo LV, nº 306, Abril/Junho de 2006, p. 249 e seguintes). De entre as 6 perguntas constantes do questionário médico subscrito pelo A. apenas relevam, em função dos motivos expressamente indicados na carta de anulação dos seguros de 07/08/2009, as respostas negativas constantes dos seguintes pontos «1. Já o aconselharam a consultar um médico, a ser hospitalizado, a submeter-se a algum tratamento ou intervenção cirúrgica?»; «4. Tem alguma alteração, física ou funcional, teve algum acidente grave, foi submetido a alguma intervenção cirúrgica ou recebeu alguma transfusão de sangue?». Não interessam aqui outras respostas cuja valoração está totalmente ausente da declaração de anulação consubstanciada nessa carta, designadamente a resposta à questão constante do ponto 3. [«(…) tem ou teve alguma doença que o tenha obrigado a interromper a sua actividade laboral durante mais de 15 dias consecutivos nos últimos 5 anos?»], que não é aqui valorável na aferição da (i)licitude da própria declaração de anulação dos seguros. É que não pode o Tribunal aditar às razões invocadas pela seguradora, nessa declaração, novas razões de anulação, em função dos factos agora alegados pela R., ainda que apurados nos autos. De facto, só na contestação, e não na referida carta de 07/08/2009 – que capturou os fundamentos de anulação dos contratos –, a R. alargou à resposta negativa ao ponto 3. do questionário os fundamentos da anulação, invocando inovatoriamente (porque estava ausente da carta) a questão da baixa por doença do A. por mais de 15 dias consecutivos. Seria este, pois, um outro fundamento que aqui não colhe porque a R. não o valorou como fundamento de anulação do seguro no acto que consubstancia essa anulação, a carta de 07/08/2019 (e percebe-se que não o tenha feito, considerando que dificilmente se poderia aceitar que a omissão de comunicação de uma situação de baixa, por doença, por mais de 15 dias consecutivos, seria susceptível de condicionar a existência ou as condições do contrato, requisito cumulativamente imposto pelo artigo 429.º do Código Comercial). Assim, a questão que deve ser colocada é a de saber se um declaratário médio, colocado na posição do A. (artigo 236.º, n.º 1, do CC), estava em condições de compreender que, através das perguntas referidas nos pontos 1. e 4. (e só destas), a R. pretendia saber se o A. padecia de uma doença do foro psiquiátrico, designadamente uma depressão, que – sublinha-se de novo – foi o único fundamento invocado pela R., na carta de 07/08/2019, para anular o contrato de seguro. A esta interrogação, desde já adiantamos, impõe-se uma resposta negativa, sendo certo que as referidas perguntas assentam em formulações muito genéricas, complexas e ambíguas, as quais, pelas variadas situações que abarcam, não permitem uma resposta que traduza, por parte de quem a dá, uma aferição exacta da realidade sobre a qual se pretende obter informação. Vulnerabilidades desse tipo, na escrituração de questionário médico exactamente igual ao subscrito pelo A., foram já assinaladas pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 17/10/2019 (processo n.º 3546/2018.5T8CSC), no Acórdão de 31/01/2023 (processo n.º 941/18.9T8OER), acima referido, e, ainda, no muito recente Acórdão de 31/10/2024 (processo n.º 926/19.8T8PVZ), todos disponíveis em www.dgsi.pt. Com efeito, escreveu-se no primeiro dos mencionados arestos, em termos que mereceram a total concordância dos dois últimos: «O referido questionário médico, é fechado (…) com formulação das perguntas de forma pouco clara, objectiva e de difícil compreensão, contendo várias situações agregadas, o que dificulta uma resposta simples: positiva ou negativa. Disso é exemplo o ponto 1 do questionário médico, onde são colocadas três questões numa só, em que apenas se admite uma de duas respostas (sim ou não), suscitando-se dúvidas quanto ao seu carácter cumulativo ou alternativo, podendo induzir em erro o proponente, pois faz depender do conselho de terceiro a ida ao médico, o internamento hospitalar e a submissão a tratamento ou intervenção cirúrgica e que admite várias interpretações. O questionário médico é fechado, não contendo perguntas para além dos pontos 1 a 6, não cuidando minimamente de saber se o segurado sofre de alguma doença, circunstância relevante para a aceitação da proposta contratual por parte da seguradora. Esta pergunta tão simples (“sofre de alguma doença?”) colocaria o segurado na obrigação de responder afirmativamente e, desse modo, informar a seguradora das suas verdadeiras patologias, o que determinaria, eventualmente, a não aceitação da seguradora da proposta de adesão do autor ou a aceitação com outras condições. Perante um questionário fechado e com tão poucas perguntas (…) muito dificilmente se poderá concluir que o autor omitiu as referidas doenças ou prestado declarações inexactas (…). Tendo a seguradora optado por apresentar um questionário “fechado” em que apenas se admitia a resposta “sim”; ou “não”; às questões formuladas, e sendo estas em escasso número (seis), a que acrescia o facto de uma delas ser pouco clara, prestando-se a interpretações que poderiam induzir o tomador em erro, não poderia a seguradora anular o contrato de seguro com fundamento em declarações inexactas ou falsas por parte deste, pois que a matéria dada como provada se revela insuficiente para tal». Ora, não contemplando o questionário médico subscrito pelo A. uma pergunta explícita e clara sobre a existência de doenças pré-existentes, designadamente do foro psiquiátrico, não pode a R. invocar, em fundamento da anulação dos seguros, que o A. não comunicou que sofria de um quadro depressivo.”. Nada mais há a acrescentar à bem fundamentada decisão, nem a apelante no recurso faz apelo a fundamentos válidos que nos permitiriam alterar ou considerar questões jurídicas diferenciadas, nem se antevê abordagem distinta, pelo que soçobrando a anulação dos contratos como causa de inexistência do direito do A., apenas resta confirmar a sentença e declarar improcedente a apelação. * IV. Decisão: Por todo o exposto, Acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela Ré e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos. Custas pela apelante. Registe e notifique. Lisboa, 23 de Outubro de 2025 Gabriela de Fátima Marques António Santos Nuno Lopes Ribeiro |