Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ROSA MARIA CARDOSO SARAIVA | ||
Descritores: | NULIDADE INSANÁVEL OMISSÃO DE PRONÚNCIA CÓDIGO DE JUSTIÇA MILITAR INCUMPRIMENTO DOS DEVERES DE SERVIÇO ALCOOLÉMIA ATENUAÇÃO ESPECIAL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/16/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | I. A nulidade da acusação não pertence ao catálogo fechado das nulidades insanáveis, por nenhum dispositivo legal assim o estatuir. II. Quando a decisão recorrida conhece dessa suposta invalidade, não pode o recorrente limitar-se a repetir a arguição do vício; na verdade, o recurso só adquirirá efectiva relevância se discutir os argumentos da decisão, explicitando os motivos da divergência relativamente a esta. III. A enumeração dos factos provados e não provados a que o artigo 374º, 2 do CP Penal alude não tem de contemplar todos os factos em discussão, designadamente aqueles alegados na contestação, mas apenas aqueles com interesse para a decisão da causa. IV. A exclusão desse elenco de factos de circunstâncias laterais ou instrumentais para a decisão da causa não coenvolve qualquer nulidade, maxime a da omissão de pronúncia. V. O recurso em matéria de facto emerge como um remédio jurídico, não servindo para substituir a convicção do julgador pela do episódico recorrente, mais a mais quando a fundamentação fáctica se encontra fundamentada, sem traduzir qualquer erro lógico ou extrapolação impossível. VI. O crime de incumprimento dos deveres de serviço, previsto e punido no art.º 67º, 2, al. b) do CJMilitar é um crime específico, apenas praticável por militares ao serviço ou em estado de disponibilidade, que protege a segurança na observância dos deveres funcionais dos agentes, sendo um tipo necessariamente doloso. VII. Entre as condutas objectivamente típicas inscreve-se a do agente se colocar, por vontade própria, em situação de inaptidão para o serviço para o qual deve estar disponível, embriagando-se. VIII. A lei não densifica nem quantifica a taxa de alcoolemia passível de preencher o tipo, o que remete para uma apreciação casuística, cabendo ao intérprete dar conteúdo operativo ao sobredito elemento normativo. IX. Nessa tarefa é imprescindível atentar na espécie de missão a que o militar pode ser chamado a desempenhar – no caso, tal função era especialmente delicada, dado que o militar estava escalado para intervir no quartel, nomeadamente, movimentação manual/mecânica de cargas, resgate em espaços confinados, entivação e resgate em valas, detecção, medição e monitorização de ambientes NRBQ, mapeamento e sinalética de áreas no âmbito das estruturas colapsadas, estabilização e transporte de vítimas, derrocadas controladas, resgate com recurso a técnicas de acesso e posicionamento por cordas, estabilização estrutural, protecção e segurança, busca técnica, abertura de acessos, resgate em águas e tunelamento. X. Como tal, uma TAS superior a um grama por litro de ar expirado, impedia-o de usar armas, conduzir veículos, operar com máquinas levando a uma inescapável inaptidão para a missão. XI. Quando, com um comportamento que se adopta, o militar causa um perigo para a segurança ou prontidão operacionais ao colocar-se voluntariamente em estado de embriaguez não há lugar à atenuação especial a que alude o n.º 3 do artigo 67º do CJM. XII. O prejuízo para a prontidão operacional e para a segurança resultaram necessariamente da conduta de intoxicação alcoólica do agente. No momento em que se ingerem bebidas alcoólicas fica afectada a disponibilidade e aptidão para intervir no serviço a desempenhar. XIII. Não é causa de atenuação especial o corpo em causa não ter de intervir – a razão da atenuação especial não reside nesse dado aleatório, mas no facto do perigo para a segurança e dos valores a ela conexos não chegar a eclodir. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Criminal (9ª) do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório: No Juízo Central Criminal de Lisboa - Juiz 4, foi proferida Acórdão, datado de 03/10/2024, que decidiu do seguinte modo (transcrição): “IV. Dispositivo: Em face do exposto, acordam os Juízes que constituem o Tribunal Colectivo Militar em julgar a acusação procedente, por provada e, em consequência, decidem: a) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de incumprimento dos deveres de serviço, previsto e punível pelo Art.º 67.º, n.º 2, alínea b), do Código de Justiça Militar, na pena de 3 (três) meses de prisão, cuja execução se suspende gelo período de 1 [um) ano, nos termos do Art.º 50.º, n.º 1 e n.º 5, do Código Penal; b) Condenar o arguido no pagamento das custas do processo, nos demais encargos com o processo, nos termos legalmente determinados, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC (cfr. arts.“ 513.º e 514.º, ambos do Código de Processo Penal e Artº 8.º, do Regulamento das Custas Processuais).” * * Inconformado, o arguido AA interpôs recurso, apresentando motivações, bem como as seguintes conclusões após convite ao aperfeiçoamento das mesmas (transcrição): “CONCLUSÕES 1- O presente recurso vem interposto da decisão que condenou o arguido AA pela prática de um crime de incumprimento dos deveres de serviço previsto e punível pelo art.º 67.º, n.º 2, alínea b), do Código de Justiça Militar, na pena de 3 (três meses) de prisão, cuja execução se suspende pelo período de 1 (um) ano, nos termos do art.º 50.º, n.º 1 e 5, do Código Penal, bem como condenou o arguido no pagamento das custas do processo, nos demais encargos com o processo, nos termos legalmente determinados, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC (cfr. Artigos 513.º e 514.º, ambas do Código de Processo penal e Art.º 8.º, do Regulamento das Custas Processuais). 2- Em primeiro lugar, o arguido entende que a acusação deduzida pelo Ministério Público é nula uma vez que, no seu entender, na mesma são usados os conceitos indeterminados de “embriaguez”, “inapto” ou “apto” cujo preenchimento através da enumeração de factos concretamente determinados é imperioso realizar enquanto pressuposto típico objetivo do crime de incumprimento dos deveres de serviços previsto punido pelo artigo 67.º, n.º 2 da alínea b) do Código de Justiça Militar, aprovado pela Lei n.º 100/2003, de 15 de novembro. 3- Não consta na acusação quaisquer factos concretos para que se pudesse concluir que o arguido estava “embriagado” e, muito menos que estava “inapto” para o exercício das suas funções. 4- O Ministério Público utilizou afirmações de carácter “manifestamente conclusivo, genérico e/ou normativo”. 5- Não basta que se prove que o arguido tenha 1,10 de taxa de álcool para se considerar, por si só, que o mesmo estava embriagado e, muito menos, que o mesmo estava inapto para o exercício das suas funções. 6- Pelo que, na acusação tinham de constar factos que preenchessem o tipo de crime sob pena da mesma ser nula o que não aconteceu. 7- Não podemos esquecer que o processo penal português tem uma estrutura basicamente acusatória da qual decorre que a acusação delimita o objeto do processo. 8- É da mais cristalina evidência que a acusação do Ministério Público faz uma descrição factual insuficiente, conclusiva e não concretizada dos factos integradores dos elementos objetivos do tipo e do necessário nexo de causalidade adequada entre as condutas penalmente relevantes e o resultado típico. 9- Ou seja, a acusação padece de uma nulidade insanável por violação das garantias de defesa do arguido, nos termos previstos nos artigos 283.º, n.º 3, al. c), e 122.º, n.º s 1.º, 2º e 3.º, ambos do CPP, e 32.º, n.º 1 da Constituição da República. 10- Como tal e nesta sequência, deverão ser anulados todos os atos praticados após a acusação pública. 11- Por outro lado, o arguido entende que houve uma lacunosa enumeração dos factos provados e não provados o que consubstancia uma nulidade do acórdão nos termos do art.º 379.º, n.º 1 alínea c) do CPP. 12- Em suma, o arguido nos artigos 26, 27 e 29 da sua contestação alegou: a) Que continuou no exercício das suas funções até as 17h00 desse mesmo dia (09 de maio de 2022).” b) Que durante o período da tarde esteve a efetuar a reparação de diversas máquinas (equipamentos de combustão) afectas à sua especialidade. (NBREC).” c) Que nem o Comandante da Companhia, o Exmo. Sr. Capitão BB, nem o Chefe em suplência, o Exmo. Sr. 1.º Sargento CC, ordenaram, naquele dia (09 de maio de 2022) que o arguido se deslocasse para casa ou ordenou que o arguido não desempenhasse as suas funções. 13- Estes factos respeitam à aptidão do arguido para o cumprimento das obrigações de serviço que lhe foram incumbidas. Como tal, são suscetíveis, em determinado entendimento de contenderem com o preenchimento objetivo/subjetivo do tipo de crime de que o arguido vinha acusado, ou ainda que assim não se entenda com a medida da sanção aplicável. 14- Embora estejamos perante factos essenciais e que foram alegados pelo arguido em sede de contestação foram desconsiderados totalmente pelo Tribunal “ a quo” embora tenha efetuado uma pequena alusão aos mesmos em sede de motivação. 15- Foi alegado pelo arguido que ele cumpriu a missão para a qual estava nomeado em concreto (reparação de diversas máquinas de equipamentos de combustão afectas à sua especialidade) tendo tal facto sido corroborado inclusivamente pelas testemunhas inquiridas no âmbito dos presentes autos, CC e DD. 16- Como tal, tais factos alegados na contestação pelo arguido deveriam ter sido levados em conta na enumeração dos factos provados ou não provados, pois que, naturalmente, foram entendidos pelo apresentante como factos relevantes para a sua defesa e para a decisão da causa. 17- Além de que as demais circunstâncias invocadas têm relevo para a decisão, para formar a convicção, sustentá-la e, se for caso disso, até para a fixação da medida da pena. 18- Impunha-se, pois, que o tribunal a quo tomasse posição clara sobre todos os factos levados à apreciação do tribunal e que os não tivesse ignorado. Por essa razão, é patente haver omissão da pronúncia no acórdão recorrido, uma vez que se mostra, nos termos sobreditos, lacunosa a enumeração dos factos provados e não provados, pelo que, nessa medida, a sentença mostra-se ferida de nulidade (artigo 379º, nº 1, alínea c) do CPP). 19- Para além disso, considera o Recorrente que, na decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal “a quo” valorou mal a prova documental produzida em audiência de discussão e julgamento. 20- Provas essas que, se devidamente valoradas e conjugadas na sua globalidade, dariam outro “rumo” à matéria de facto e consequentemente à presente causa… 21- Desde logo, entende o arguido que os factos 12, 14 e 15 dos factos dados como provados pelo Tribunal “a quo” deviam ter sido dado como não provados. 22- Ora, não se entende como o Tribunal “ a quo” deu como provados os factos 12, 14 e 15 quando não resulta da prova produzida em audiência de discussão e julgamento que o arguido estava embriagado e tão pouco que estava incapaz de cumprir com cautela, disciplina e zelo a sua missão. 23- Todas as testemunhas ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento foram unanimes em referir que o arguido não apresentava NENHUM sintoma de embriaguez. 24- O arguido não apresentou em momento algum movimento descoordenado, arrastamento dos pés, cheiro a álcool, face rosadas, reflexos alterados, movimentos descoordenados, etc. 25- Do testemunho do superior hierárquico do arguido, CC, gravado na sua globalidade, no sistema citius ao dia 26/09/2024, das 15h00 ás 15h24, não resulta em algum momento que o arguido apresentava sintomas de que estivesse embriagado tendo referido inclusivamente que trabalhou com arguido alguns anos e que não notou no arguido qualquer alteração no seu comportamento a nível físico e comportamental.(07m15 e seguintes). 26- Mais, a mesma testemunha referiu inclusivamente que o arguido, independentemente da TAS apresentada, desempenhou todas as funções da sua especialidade nomeadamente viu o arguido a tratar de maquinaria pesada de combustão com todo o zelo e diligência e da mesma forma como sempre trabalhou. (14m57 e seguintes). 27- Por outro lado, resultou do testemunho do EE, gravado na sua globalidade, no sistema citius ao dia 26/09/2024, das 16h13 ás 16h36, que o arguido não apresentava sintomas que estivesse embriagado, bem como resultou de que o arguido desempenhou as funções que lhe incumbiram e que se tratava de trabalhar com máquinas pesadas de combustão tendo desempenhado as mesmas com todo o zelo e diligência tal como habitualmente. (04m04s). 28- O Tribunal “a quo” entendeu que o arguido estava embriagado pelo simples de ter acusado uma taxa de 1,012 no teste de despistagem de álcool por ar expirado tendo entendido que esta taxa, por si só, o tornava inapto para desempenhar as suas funções enquadradas no Serviço Geral da Guarda Nacional Republicana. 29- Cumpre referir que, os testes de despistagem de álcool no sangue através do ar expirado, tais como outros exames, não esgotam os termos de avaliação de embriaguez, constituindo apenas um meio de prova, entre os demais possíveis, nos termos do art.º 125.º do CPP. 30- Não pode o Tribunal “a quo” a partir deste facto indiciário concluir, para além de qualquer duvida, que o arguido estava “embriagado” e “inapto para o exercício das funções”, quando a conjugação de toda a prova produzida, DIRETA, em audiência de discussão e julgamento é manifestamente em sentido contrário. 31- Da análise conjunta de todos os elementos probatórios, sempre se impunha que deveriam ter sido dados por não provados os factos 12, 14 e 15. 32- Não pode servir a livre convicção do julgador, consubstanciado no princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127.º do CPP, para poder abarcar toda e qualquer decisão, retirando-se da censura dos Tribunais Superiores um juízo critico sobre a matéria de facto. 33- Cumpre ainda referir que, ao ter condenado o arguido/recorrente como autor material de um crime de incumprimento dos deveres de serviço previsto e punido pelo art.º 67.º n.º 2 alínea b), do Código de Justiça Militar, o acórdão recorrido fez, claramente, uma errada aplicação do direito aos factos uma vez que, no caso em apreço não se mostram reunidos todos os elementos típicos do ilícito tipificado na lei como crime. 34- Consta do art.º 67.º do Código de Justiça militar: 35- Não resultou provado quaisquer factos (traduzidos em comportamentos e/ou atitudes do arguido) que demonstrem que, em consequência da TAS apresentada, o arguido tenha ficado inapto ou incapaz (mesmo parcialmente) para o exercício das funções, nomeadamente “reflexos alterados; movimentos descoordenados; com arrastamento dos pés; a postura estática (faz-se) na posição de pernas alargadas; sintomas de irritação, que podem resultar em fenómenos desproporcionados de cólera, elevação de voz e agressões; perturbações visuais”. 36- Efectivamente, todas as testemunhas foram perentórias ao afirmar que o arguido não apresentava qualquer sintoma que estava embriagado. 37- Tanto mais que o seu superior hierárquico ordenou que continuasse a desempenhar as funções para as quais estava escalado, nomeadamente o manuseamento de motosserras e maquinaria pesada de combustão. 38- Aliás, resultou provado que o arguido exerceu funções que implicavam o uso de maquinaria pesada a combustão e que desempenhou tais funções de forma cabal e zelo e diligência. 39- Pelo que, não faz qualquer sentido que se refira que o arguido não estava apto para o exercício das funções que normalmente lhe poderia competir. 40- O seu superior hierárquico disse expressamente para o arguido permanecer no quartel e cumprir normalmente as funções que lhe estavam incumbidas. Coisa que o arguido cumpriu. 41- Ou seja, também não resultou provado que em consequência da TAS apresentada, o arguido não tenha desempenhado as funções que lhe competiam ou que estava incapaz de desempenhar as funções que normalmente lhe podiam competir. 42- Aliás, o arguido esteve todo o dia no quartel e todas as funções que lhe competiam e que implicavam o uso de maquinaria pesada de combustão. 43- Nas palavras de José Júlio Barros Henriques, “não relevará o facto criminalmente, antes podendo relevar disciplinarmente, ou seja, por outras palavras, não basta o presente tipo de crime (como na anterior lei), que o militar se mostre sob efeito das drogas ou do álcool – exige-se a inaptidão ou a incapacidade (mesmo que parcial), para o exercício das suas funções, derivando aquela incapacidade de estado de embriaguez ou de consumo de estupefacientes por parte do militar”; não dispõe a presente lei (...) de um concreto valor para aquela taxa (...) Terá o legislador deixado que o apuramento daquele estado de incapacidade se fizesse por referência à concreta apreciação de comportamentos e atitudes objetivamente perpetrados pelo agente do crime, os quais, à evidência, claramente demonstram a citada incapacidade, ou fará sentido falarmos na existência de uma lacuna na lei? Neste contexto, e em termos de regulamentação interna, tem se a titulo de exemplo que: GNR – A norma em vigor na GNR, NEP/GNR- 2.19, Prevenção e Combate ao Consumo de Álcool na GNR, no seu Apêndice I ao Anexo B ponto I. Alínea c. Parágrafo (6), estabelece “ que os valores de álcool situados no intervalo de 0,80 e 1,50 de álcool/litros no sangue se caracterizam por estado de embriaguez mais ou menos instalado; com reflexos alterados; movimentos descoordenados; com arrastamento dos pés; a postura estática faz-se na posição das pernas alargadas; sintomas de irritação, que podem resultar m fenómenos desproporcionados de cólera, elevação de voz e agressões; perturbações visuais”. 44- Ademais, defende José Júlio Barros Henriques que se deve assimilar “o conceito normativo jurídico criminal de embriaguez ao conceito jurídico-penal criminal de embriaguez decorrente do Código Penal (cfr. artigo 292.º do CP). Solução esta que, encarando o direito penal como última ratio o de entre a panóplia sancionatória do Estado, relega para o âmbito disciplinar todas as condutas (...) que se reportem a graus de alcoolémia inferiores a 1,2 gr/l - vide José Júlio Barros Henriques, in “Código de Justiça Militar Anotado – Anotações e comentários ao CJM 2003”, p. 40 e 41. 45- Ou seja, mesmo que se considerasse que seria de aplicar analogicamente o art.º 292.º do Código Penal referente à condução sob o estado de embriaguez, o mesmo NUNCA seria de aplicar uma vez que o arguido nem sequer tinha a taxa suficiente para ser punido criminalmente pelo referido crime. 46- Na esteira do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25 de maio de 2022, relatado por Amélia Catarino, “O que caracteriza o crime estritamente militar é a exclusividade ou prevalência do bem militar em causa, que se apura com referência às funções atribuídas às forças armadas pela Constituição (...) Os crimes estritamente militares definem-se, dessa forma, por se mostrarem em estreita conexão com os valores da instituição militar constitucionalmente afirmados, e porque se recortam na estrutura e funcionalidade dessa instituição em ordem àqueles valores”. 47- Face a tudo o exposto não se verifica assim o preenchimento do tipo de crime de incumprimento dos deveres de serviço previsto e punido no artigo 67.º, n.º 2 alínea b) do Código de Justiça Militar, pelo que deve ser o Arguido absolvido do crime. 48- Sem prejuízo quanto ao supra dito, por mera cautela de patrocínio, caso V. Exas. considerem preenchido o tipo de crime de incumprimento dos deveres de serviço previsto e punido no artigo 67.º, n.º 2 alínea b) do Código de Justiça Militar, sempre se dirá que esteve mal o Tribunal a quo ao determinar a medida concreta da pena. 49- O Tribunal “a quo” entendeu que a conduta do arguido não era subsumível ao n.º 3 do citado art 67.º do Código de Justiça Militar porquanto inequivocamente comporta prejuízo para a prontidão operacional. 50- Sucede que, não resultou provado que, em consequência da TAS apresentada, tenha ocorrido qualquer prejuízo para a prontidão operacional do arguido. 51- Muito pelo contrário, resultou provado que o arguido desempenhou todas as funções que lhe foram atribuídas nesse mesmo dia e as quais já estavam previamente determinadas. 52- Funções essas que eram especificas da sua especialidade e que comportavam o manuseamento de maquinaria pesada de combustão. Ou seja, o Tribunal “a quo” nem sequer justificou como é que foi colocada em causa a prontidão operacional. 53- Ou seja, ficou plenamente provado que o arguido mesmo com a TAS apresentada nunca colocou em causa a sua prontidão porque o arguido cumpriu com todas as suas obrigações. 54- Pelo que, deveria o Tribunal “a quo” ter aplicado o art 67.º n.º 3 do CJM. Deverá ser admitido o presente recurso, o qual, deverá ser considerado procedente, revogando-se em conformidade o Acórdão recorrido, absolvendo-se o arguido da condenação de um crime de insubordinação por desobediência, p. e p. pelo art.º 87º, nº 1, al. g) do Código de Justiça Militar, aprovado pela Lei nº 100/2003, de 15 de Novembro, fazendo, assim, JUSTIÇA!”. * * O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo. * * O Ministério Público apresentou resposta ao recurso do arguido pugnando pela manutenção do decidido, alegando designadamente o seguinte: (transcrição) “c) Conclusões: 1. O Recorrente interpõe o presente recurso, por não se conformar com o Acórdão proferido pelo Tribunal “a quo”, datado de 3 de Outubro de 2024, que o condenou pela prática, em autoria material, de um crime de incumprimento de deveres de serviço, previsto e punido pelo artigo 67.º, n.º 2, alínea b), do Código de Justiça Militar, na pena de 3 (três) meses de prisão, suspensa na execução, pelo período de 1 (um) ano, nos termos do artigo 50.º, n.º 1 e 5, do Código Penal. 2. Segundo o mesmo, a acusação deduzida pelo Ministério Público é nula, uma vez que, na mesma, são usados conceitos indeterminados de “embriaguez”, “inapto” ou “apto”, cujo preenchimento através da enumeração de factos concretamente determinados é imperioso realizar, enquanto pressuposto típico do ilícito criminal em causa. 3. Entende ainda que não basta que se prove que o arguido tenha uma Taxa de Álcool no Sangue de 1,10g/l, para se considerar, por si só, que o mesmo estava embriagado e “inapto” para o exercício das suas funções. 4. E assim sendo, neste ponto, entende o Recorrente que existe uma violação do plasmado nos artigos 283.º, n.º 3, alínea c) e 122.º, n.ºs 1, 2 e 3, ambos do Código de Processo Penal, bem como do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. 5. O Ministério Público sustenta que a acusação deduzida reflete de forma suficiente, adequada e circunstanciada a factualidade imputada ao arguido, e consequentemente, não verificada a nulidade da acusação invocada pelo Recorrente em sede de recurso, ao abrigo do disposto no artigo 283.º, n.º 3, alínea b) e c), do Código de Processo Penal. 6. Porquanto, o despacho de Acusação enquadrou a atuação do arguido, como autor material de um crime de incumprimento de deveres de serviço, na medida em que o mesmo, apesar de saber que se encontrava na situação operacional de “pronto”, no Núcleo de Busca e Resgate em Estruturas Colapsadas da Companhia de Intervenção e Proteção em Emergência da Unidade de Emergência de Proteção e Socorro, e que, em virtude dessa mesma situação operacional, deveria abster-se de ingerir bebidas alcoólicas, de modo a manter-se física e mentalmente apto para o exercício das suas funções, mas que, de forma voluntária, ingeriu bebidas alcoólicas, tendo acusado uma Taxa de álcool no sangue de 1,10g/l, a que corresponde a TAS de 1,012 g/l, deduzido o erro máximo admissível, com plena consciência de que, por via dessa ingestão de bebidas alcoólicas se impossibilitava de cumprir com cautela, prudência, disciplina e zelo a sua missão. 7. Acresce ainda que, ao contrário do que alega o Recorrente, os factos descritos e imputados ao mesmo na acusação mostram-se devidamente circunstanciados, temporal e espacialmente delimitados e com a descrição factual cabalmente narrada, com suficiente densificação, e assim permitindo manifestamente o exercício efetivo da defesa do arguido, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. 8. Razão pela qual, neste ponto, o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo não merece qualquer reparo. 9. Por outro lado, ao Recorrente alega que “houve uma lacunosa enumeração dos factos provados e não provados”, o que consubstancia uma nulidade do Acórdão, à luz do plasmado no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, porquanto, os artigos n.º 26, 27 e 29 plasmados na Contestação do mesmo, não constam da factualidade constante do aludido Acórdão. 10. O Ministério Público defende que o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo não padece de qualquer omissão de pronúncia, e, consequentemente, não sofre de qualquer nulidade, nos termos do consagrado no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, uma vez que, 11. Os aludidos factos alegados pelo Recorrente em sede de contestação, destinam-se a aferir da eventual “aptidão/inaptidão” do mesmo para o exercício das suas funções profissionais. 12. A propósito, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 9 de março de 2016 (Processo n.º 506/10.3GBLSA.C1)5, relatado pelo Exmo. Desembargador Orlando Gonçalves, sufraga que: “I. A nulidade de sentença por omissão de pronúncia refere-se a questões e não a razões ou argumentos invocados pela parte ou pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista (…)” (sublinhados nossos) 13. Ora, a questão alusiva à “aptidão/inaptidão” do mesmo para o exercício das suas funções profissionais, foi devidamente escrutinada pelo Tribunal a quo, não tendo havido qualquer omissão de pronúncia relativamente à mesma. 14. Razão pela qual, neste ponto, o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo não merece qualquer reparo. 15. Por outro lado, entende o Recorrente que os factos n.º 12, 14 e 15, constantes do Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, não podem ser dados como provados, porquanto, na sua ótica, não resulta da prova produzida em audiência de discussão e julgamento que o mesmo estava embriagado e tão pouco estava incapaz de cumprir com cautela, disciplina e zelo a sua missão. 16. Sustenta a sua convicção no depoimento das testemunhas CC e DD, em sede de audiência e discussão e julgamento, que afirmaram, em suma, que o arguido não aparentava estar embriagado e que, no dia dos factos, realizou as tarefas que lhe estavam destinadas, nomeadamente o manuseamento de máquinas de combustão. 17. Conclui, em suma, que uma TAS de 1,012g/l, por si só, não é suficiente para aferir do estado de embriaguez do arguido. 18. Ora, o Ministério Público entende que, relativamente ao cotejo dos elementos probatórios constantes dos autos, nomeadamente do talão comprovativo da taxa de alcoolemia registada (cf. fls. 9), face às declarações prestadas pelo arguido e pelas demais testemunhas, em sede de audiência de discussão e julgamento, resulta, tal como considerou – e bem - o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, que o Recorrente estava, de facto, “embriagado” e “inapto” para o exercícios das suas funções. 19. Dito isto, sufragamos do entendimento do Tribunal a quo, porquanto, efetivamente, a taxa de álcool no sangue, aferida através do método de ar expirado, constitui um método científico que permite aferir, com grau de precisão, a concentração de álcool que o ser humano possui no seu sangue. 20. Dito de outra forma, é possível, e até bastante comum, verificar que, em abstrato, e como mera hipótese académica, dois indivíduos, eventualmente sujeitos a teste de despistagem de álcool, através do método de ar expirado, que tenham uma TAS precisamente igual, exteriorizem, de forma diferente, que se encontram afetados pela ingestão de bebidas alcoólicas. 21. Como é evidente, um indivíduo pode estar embriagado e não aparentar estar, como um indivíduo pode aparentar estar embriagado e não estar, pelo que, é através do recuso à ciência, nomeadamente através do teste de despistagem ao álcool, efetuado através do método de ar expirado, que iremos saber, com precisão, se um determinado individuo está, ou não está embriagado. 22. In casu, resulta inequivocamente do acervo probatório constante dos autos que o Recorrente se encontrava embriagado, porquanto o mesmo acusou uma taxa de álcool no sangue (TAS) positiva, de 1,10 g/L que, deduzindo o erro máximo admissível, corresponde a uma TAS de 1,012 g/L, o que, na senda do que já foi dito, não pode ser contrariado pelo depoimento de testemunhas, com base em suposições daquilo que “lhe parece”. 23. Razão pela qual, neste ponto, o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo não merece qualquer reparo. 24. Considera ainda o Recorrente que existe uma ausência do preenchimento dos elementos do tipo legal do crime de incumprimento de deveres de serviço, porquanto, 25. Não resultaram provados quaisquer factos (traduzidos em comportamentos e/ou atitudes do arguido), que demonstrem que, em consequência da TAS apresentada, o arguido tenha ficado inapto ou incapaz (mesmo parcialmente) para o exercício das funções. 26. Ora, neste ponto, o Ministério Público considera, que não existem quaisquer dúvidas relativamente ao preenchimento dos elementos objetivos e subjetivo do crime de incumprimento de deveres de serviço, plasmado no artigo 67.º, n.º 2, alínea b), do Código de Justiça Militar, uma vez que, 27. O Recorrente acusou uma taxa de álcool no sangue (TAS) positiva, de 1,10 g/L que, deduzindo o erro máximo admissível, corresponde a uma TAS de 1,012 g/L, e se colocou, desse modo na impossibilidade de cumprir as suas funções profissionais, de modo adequado. 28. A propósito, importa chamar à colação o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 26 de outubro de 2011 (Processo n.º 5/10.3F2FIG.P1), relatado pela Exma. Desembargadora Maria do Carmo Silva Dias, que nos diz que: “I – O crime de Incumprimento de deveres de serviço [art.º 67.º, do CJM] não exige uma taxa de álcool no sangue [TAS] mínima para se considerar que o sujeito ativo se colocou na impossibilidade, total ou parcial, de cumprir a sua missão, embriagando-se.” (sublinhados nossos) 29. Razão pela qual, neste ponto, mais uma vez, o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo não merece qualquer reparo. 30. Por último, considerou ainda o Recorrente que, na sua ótica, o Tribunal a quo “esteve mal” ao desconsiderar a aplicação ao mesmo do plasmado no artigo 67.º, n.º 3, do Código da Justiça Militar, por ter considerado que da conduta praticada pelo arguido resultou prejuízo para a prontidão operacional. 31. Ora, resulta inequivocamente do acervo probatório constante dos autos que o Recorrente se encontrava embriagado, porquanto o mesmo acusou uma taxa de álcool no sangue (TAS) positiva, de 1,10 g/L que, deduzindo o erro máximo admissível, corresponde a uma TAS de 1,012 g/L, e que essa TAS não é compaginável com a realização das funções profissionais do mesmo, uma vez que este tem que estar disponível para qualquer eventualidade, que pode ser fazer manutenção de material e equipamento ou ser chamado numa catástrofe com o exaurir da capacidade/disponibilidade/necessidade da primeira equipa, o que, ainda que possa ser pouco usual, é uma possibilidade para a qual o arguido está ao serviço e de escala presencial, no estado de “pronto”, como se encontrava no dia dos factos. 32. Por essa via, e de acordo com as regras da experiência comum, não restam dúvidas de que existiu um prejuízo para a segurança ou prontidão operacional, uma vez que o Recorrente se encontrava afetado, quer física, quer mentalmente, e que as suas funções profissionais exigem estado de alerta e acuidade visual, sensorial e auditiva, bem como destreza física e coordenação motora, para além da manipulação de equipamento (quer de corte, quer de combustão), o que manifestamente é toldado pela ingestão de bebidas alcoólica. 33. Tudo ponderado, afigura-se de todo inquestionável que, no quadro dos fins das penas, e atendendo ao binómio culpa-ilicitude dos factos, a pena concretamente fixada se apresenta ajustada, adequada, legalmente correta e ponderada, não ultrapassando de modo nenhum os limites da culpa, e dando resposta cabal aos ditames e princípios da prevenção geral e uma prevenção especial ressocializadora. 34. Por outro lado, entendemos também que o Tribunal a quo decidiu – e bem – não aplicar a norma plasmada no artigo 67.º, n.º 3, do Código da Justiça Militar, uma vez que da conduta do arguido resultou, de forma inequívoca, um prejuízo para a segurança e para a situação de prontidão operacional do mesmo. 35. Razão pela qual, neste ponto, mais uma vez, o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo não merece qualquer reparo.” * Uma vez remetido a este Tribunal, a Exma Senhora Procuradora-Geral Adjunta deu parecer no seguinte sentido (transcrição parcial): “III. Nesta Instância, o Ministério Público acompanha nos seus precisos termos em que vem formulada, a resposta do Ex.º Senhor Magistrado do Ministério Público junto da 1ª Instância à motivação do recurso interposto pela arguida. Assim, emite-se parecer no sentido de que seja julgado improcedente o presente recurso e, como consequência, confirmado acórdão proferido pelo Tribunal a quo.” * * Cumprido o disposto no art.º 417º do CPP, não foi dada resposta. Proferido despacho liminar e, colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência. * * II- Questões a decidir: Preceitua o art.º 412.º, n.º 1, do CPPenal que “A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”. É consabido que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ou de nulidades que não se considerem sanadas, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na decorrência dos argumentos expendidos em sede de motivação. As questões a decidir prendem-se com o seguinte: - Eventual nulidade da acusação por violação dos artigos 283º, 3, al. c) e 122, nº1, 2 e 3, do CPenal e 32º, 1 da CRPortuguesa. - Eventual nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 379º, 1, al. c) do CPPenal, ou nulidade prevista nos arts. 374º, 2 e 379º, 1, al. a) do CPPenal. - Impugnação da matéria de facto. - Não preenchimento do crime de incumprimento dos deveres de serviço, previsto e punido no art.º 67º, 2, al. b) do CJMilitar. - Eventual atenuação especial da pena, nos termos do preceituado no art.º 67º, 3 do CJMilitar. * III – Da sentença recorrida (transcrição parcial): “Questão Prévia: Da nulidade da acusação: Dissecado o teor plasmado na acusação, rapidamente, se constata que não assiste razão ao arguido, pois, que a factualidade descrita no despacho de acusação se mostra devidamente circunstanciada e concretizada, com a alusão de todos os elementos necessários quer à defesa do arguido, quer à boa decisão a causa. Pelo que, os factos enunciados na acusação mostram-se devidamente circunstanciados, temporal e espacialmente delimitados e com a descrição factual cabalmente narrada, com suficiente densificação, e assim permitindo manifestamente o exercício efectivo da defesa do arguido. O que o arguido não concorda é que tais factos constantes da acusação consubstanciam a prática do crime imputado, o que é manifestamente divergente de pugnar pela nulidade da acusação, o que não se verifica, bem como, atendendo aos factos constantes da acusação não se vislumbra que devessem ter reflexo as circunstâncias de atenuação especial da pena ou de dispensa da mesma. Face ao exposto, a acusação deduzida reflecte de forma suficiente, adequada e circunstanciada a factualidade imputada ao arguido, e consequentemente, julga-se não verificada a nulidade invocada pelo arguido, nos termos do Artº 283.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal. (…) l. Fundamentação de Facto: A) Na sequência do julgamento resultaram, com pertinência e relevância para a boa decisão da causa, os seguintes: Factos Provados: 1. O arguido AA é militar da Guarda Nacional Republicana com o n.º ..., com o posto de …; 2. A 09 de maio de 2022 o arguido encontrava-se escriturado na situação de “pronto” no Núcleo de Busca e Resgate em Estruturas Colapsadas da Companhia de Intervenção e Protecção em Emergência da Unidade de Emergência de Protecção e Socorro, no quartel da ...; 3. No dia 09 de Maio de 2022 o ora arguido encontrava-se escalado presencialmente no quartel em causa das 09 horas às 17 horas e 30 minutos, inserindo-se em escala “DS”; 4. O serviço descrito implicava, para o arguido, a sua disponibilidade presencial no quartel, entre as 09 horas e as 17 horas e 30 minutos; 5. A situação de prevenção fora do quartel corresponde ao período entre as 17 horas e as 09 horas, com 90 minutos, para saída do quartel pronto para execução do serviço em caso de activação; 6. O arguido poderia desempenhar as funções enquadradas no serviço geral da Guarda Nacional Republicana e ainda as inerentes às missões específicas do Núcleo de Busca e Resgate em Estruturas Colapsadas, nomeadamente, movimentação manual/mecânica de cargas, resgate em espaços confinados, entivação e resgate em valas, detecção, medição e monitorização de ambientes NRBQ, mapeamento e sinalética de áreas no âmbito das estruturas colapsadas, estabilização e transporte de vítimas, derrocadas controladas, resgate com recurso a técnicas de acesso e posicionamento por cordas, estabilização estrutural, proteção e segurança, busca técnica, abertura de acessos, resgate em águas e tunelamento; 7. Nas citadas circunstâncias temporais, o arguido tinha que se manter pronto para qualquer tipo de serviço ou missão enquadrados em equipa de intervenção que actuasse nos cenários de busca e resgate em estruturas colapsadas; 8. Pelas 14 horas do dia 09 de Maio de 2022 o arguido compareceu à formatura, momento em que foi determinado que os militares da Unidade de Emergência de Protecção e Socorro fossem submetidos a testes de despistagem de álcool no sangue; 9. O arguido, após ser submetido ao teste quantitativo de pesquisa de álcool no sangue, acusou uma taxa de álcool no sangue (TAS) positiva, de 1,10 gramas de álcool por litro de sangue, que, deduzindo o erro máximo admissível, corresponde a uma TAS de 1,012 gramas de álcool por litro de sangue; 10. Com efeito, através de recurso ao analisador quantitativo, de marca “Drager”, modelo 7110 MKIII P, com o número de série ARAN-0099, aprovado pelo Instituto Português da Qualidade, o arguido, ao ser submetido ao teste quantitativo de pesquisa de álcool no sangue, apresentou às 14 horas e 40 minutos do dia 09 de Maio de 2022 uma TAS de 1,10 gramas de álcool por litro de sangue, a que corresponde a 1,012 gramas de álcool por litro de sangue, deduzido o erro máximo admissível; 11. O arguido sabia que, encontrando-se escriturado na situação de “pronto” no Núcleo de Busca e Rasgate em Estruturas Colapsadas da Companhia de Intervenção e Protecção em Emergência da Unidade de Emergência de Proteção e Socorro, devia abster-se de ingerir bebidas alcoólicas, de modo a manter-se física e mentalmente apto para o exercício das suas funções de prevenção, protecção e de segurança; 12. Não obstante, o arguido colocou-se, voluntariamente, em estado de embriaguez, ingerindo bebidas alcoólicas, com plena consciência de que este estado o impossibilitava de cumprir com cautela, prudência, disciplina e zelo a sua missão, colocando deste modo em causa a missão de segurança da Guarda Nacional Republicana, enquanto força de características militares, cujos elementos estão sujeitos à condição militar; 13. O serviço para o qual o arguido se encontrava nomeado é um serviço de segurança e necessário à prontidão operacional; 14. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que não podia exercer as suas funções de militar da Guarda Nacional Republicana sob o efeito do álcool, colocando-se, assim, na impossibilidade de desempenhar as funções enquadradas no serviço geral da Guarda Nacional Republicana e ainda as inerentes às missões específicas do Guarda Nacional Republicana e ainda as inerentes às missões específicas do Núcleo de Busca e Resgate em Estruturas Colapsadas; 15. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei; Mais se provou que: 16. O arguido, no seio das suas relações profissionais, é reputado como um militar responsável e bem integrado; 17. Do certificado de registo criminal do arguido nada consta; 18. Do relatório social referente ao arguido, além do mais, consta a seguinte factualidade, cujo teor se dá integralmente por reproduzido: "- o arguido, militar da Guarda Nacional Republicana, com o posto de Guarda-Principal, reside com o cônjuge, que exerce a actividade profissional de técnica de contabilidade, e com a filha menor do casal, com oito anos de idade. O arguido e o cônjuge contraíram matrimónio em 2014 e têm uma descendente com oito anos no presente, sendo descrito como um parceiro disponível e um progenitor afectivo e responsável, mantendo uma vinculação gratificante e normativa, na relação intrafamiliar. Em proximidade residencial encontram-se os progenitores do arguido com quem mantém contactos regulares. - o agregado reside num apartamento, numa zona periférica, com boas condições de habitabilidade, inserida num meio social sem problemáticas sociais/criminais, tratando de habitação permanente pertença do arguido e do seu cônjuge, adquirida através de crédito contraído com uma instituição bancária, pelo qual pagam um valor de prestação mensal. O alojamento está localizado num local ermo do concelho de ..., embora, bem-dotado de várias vias de comunicações e sem conotações a problemáticas criminais; - o arguido aufere mensalmente, e em média, cerca de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), sendo o valor dos rendimentos líquidos do agregado no total de cerca de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), suportando as despesas mensais fixas de cerca de € 500,00 (quinhentos euros), por conta do pagamento da prestação bancária referente ao crédito aquisitivo de habitação própria e cerca de € 200,00 (duzentos euros) com encargos familiares e domésticos; - o arguido abandonou o ensino regular aquando da frequência do 11.º ano de escolaridade, com cerca de dezoito anos, tendo iniciado a sua candidatura para ingresso no quadro da Guarda Nacional Republicana. Para a execução da sua especialidade actual, o arguido realiza formação específica para a sua área de intervenção. No presente, como na data dos factos subjacentes ao presente processo, o arguido integra a Companhia de Especialidade, na Companhia de Intervenção de Protecção e Socorro, na especialidade de Busca e Resgate em Estruturas Colapsadas (BREC), fixada na Unidade de Intervenção da GNR na ..., onde mantém uma constante preparação técnica que visa aumentar o nível da prontidão operacional, ao nível físico, como na manutenção dos materiais, como marca presenças em sessões de sensibilização e em demonstrações. Desempenhou funções de Guarda da categoria de Praças dos quadros Permanentes da Guarda Nacional Republicana (GNR), inicialmente na localidade de onde os seus progenitores são naturais, a ..., até ser transferido para o Quartel das ..., em Lisboa, onde esteve cerca de dez anos a trabalhar. Em 2013, o arguido inicia a frequência de formações específicas para se fixar na Companhia de Busca e Resgate em Estruturas Colapsadas da Unidade de Emergência de Protecção e Socorro (UEFS). Após oito anos como Guarda, o arguido foi promovido a Guarda Principal e ultrapassou, com sucesso os métodos de selecção do Curso de Cabos da GNR. terminado em Maio de 2024. Registo quatro referências elogiosas e a última avaliação foi classificada com “Muito Bom”, apresentando uma conduta responsável no cumprimento das suas funções; - no presente, o arguido não tem nenhuma actividade estruturada a que se dedique no tempo livre, ocupando-o de forma caseira, de convívio intrafamiliar e também na interacção restrita com alguns amigos. inseridas socialmente, deforma regrada; - o arguido aguarda a sua promoção a Cabo da GNR, reflexo da sua situação processual, progressão esta que lhe permitirá uma melhoria nos rendimentos disponíveis. Embora não tenha sido até ao presente, sujeito a procedimento disciplinar aguarda uma decisão interna nesse sentido ". B) Factos não Provados: Inexistem quaisquer factos não provados ou por provar com relevância para a decisão de mérito, sendo o demais alegado de natureza jurídica, conclusiva e normativa. * C) Motivação da decisão de facto: O Tribunal fundou a sua convicção quanto à matéria de facto provada, pelo princípio da livre apreciação da prova, entendido como o esforço para alcançar a verdade material, analisando dialecticamente os meios de prova que teve ao seu alcance e procurando harmonizá-los e confrontá-los criticamente, entre si, de acordo com os princípios da experiência comum, de lógica e razoabilidade, pois, nos termos do Art.º 127.º, do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador, inexistindo, portanto, quaisquer critérios pré-definidores do valor a atribuir aos diferentes elementos probatórios, salvo quando a lei dispuser diferentemente (juízos técnicos), assim, alicerçou-se a convicção do Tribunal na inteligibilidade e análise crítica e ponderada do conjunto da prova produzida em sede de audiência de julgamento, socorrendo-se das regras da experiência comum, da lógica e da razoabilidade. O julgador não é um receptáculo acrítico de tudo o que a testemunha diz ou de tudo o que resulta de um documento e a sua apreciação funda-se numa valoração racional, objectiva, crítica e ponderada de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos enformada por uma convicção pessoal. Assim, baseou-se a convicção do Tribunal: - nas declarações prestadas pelo arguido, o qual, naturalmente, admitiu o incontornável óbvio, a taxa de alcoolemia registada aquando da sua sujeição ao teste quantitativo de detecção de álcool no sangue, através do ar expirado, e mais resultou das suas declarações que efectivamente aquando da detecção de tal taxa de alcoolemia se encontrava escalado presencialmente, no quartel, das 09 horas até às 17 horas e 30 minutos, em escala “DS”, bem como precisou as funções que em concreto se impunha que exercesse, como acima dado como provado. Mais reconhece o arguido que durante a refeição do período de almoço ingeriu um a dois copos de vinho tinto, frisando que tal ingestão não é proibida, e ainda para mais um camarada celebrava o seu aniversário, pelo que, subjazia um ambiente de confraternização e de maior descontração. Procurou justificar a taxa registada de 1,10 gramas de álcool por litro de sangue com a circunstância de se ter abstido de tomar o pequeno almoço, apenas tomando um café, com a prática intensa de exercício e treinos físicos no decurso do período da manhã, almoçou apenas uma salada e o teste qualitativa (o de despistagem) foi realizado logo após o almoço. Igualmente nega que não estivesse apto a exercer as funções, tanto mais que se manteve ao serviço até ao fim da sua escala, não lhe tendo sido dada qualquer ordem em sentido diverso, porquanto não estava embriagado, nem tinha qualquer sinal de embriaguez, estava alerta e totalmente capaz para o exercício das suas funções. Precisou ainda que, apesar de se encontrar em escala presencial, por integrar a segunda equipa, apenas tinha de actuar terreno quando a primeira equipa esgotasse a sua capacidade, o que raramente sucede, pelo que, as funções após o período de almoço passavam apenas por fazer manutenção ao equipamento. Ora, o discurso de desvalorização assumido pelo arguido é objectivamente incompatível com o facto de se encontrar de escala presencial, e em situação de pronto, ou seja, o arguido ostensivamente ignora que podia ter que sair em missão a qualquer momento entre as 09 horas e as 17 horas e 30 minutos daquele dia, pois, bastava ser necessário ou por a primeira equipa, por qualquer motivo, esgotar a sua capacidade ou por qualquer outro evento de catástrofe que pudesse surgir e ser necessária a intervenção de ambas as equipas. Ou seja, o arguido assume que, por um lado, as catástrofes não ocorrem, ou então, ocorrem com hora marcada e/ou aviso prévio, e por outro lado, que apesar de ter que estar disponível e “pronto”, na realidade, entende que não tem que o estar, pois, a primeira equipa não esgota a sua capacidade e quase nunca é necessária a actuação da segunda equipa, o que leva à dúvida lógica do motivo pelo qual ser necessário ter duas equipas em escala presencial em situação de pronto, na óptica do arguido bastava uma, sendo a segunda totalmente desnecessária. Estranha-se esta assunção de nítida desvalorização por parte do arguido da importância de equipas cruciais, como o manifestamente são, as equipas e núcleos de busca e regaste, cujo objectivo essencial é precisamente a intervenção em situações de emergência, de catástrofe e de socorro, resultando das boas práticas de organização e de logística militar a coexistência de sistemas operacionais redundantes, precisamente, para que possa, no mesmo estado de prontidão, intervir, caso, por qualquer motivo, a primeira equipa esgote a sua capacidade ou, por qualquer evento, fique impossibilitada de actuar (um acidente ou um incidente com qualquer dos seus membros). Não compete obviamente ao arguido avaliar se o estado em que se encontrava era o de “pronto” ou o de “mais ou menos pronto” ou o de “pronto... se... talvez”, pois, o arguido sabia que estava em situação de escala presencial (D8) e mais sabia quais as funções que poderia ter de desempenhar. Na verdade, como é cristalino, o arguido não sabe, quando está a almoçar, se durante aquela escala presencial vai ter que efectivamente ir para o terreno, não sabe se a primeira equipa vai ter quer ter alguma intervenção e naturalmente não sabe se a segunda equipa vai ter que ter alguma intervenção em missão, mas o que sabe (e sabia) é que estava de escala presencial, e portanto, era-lhe exigível, por força das funções que exerce, que até às 17 horas e 30 minutos daquele dia se mantivesse em disponibilidade presencial e em situação de pronto, caso fosse necessário intervir. Acresce ainda que, quando o arguido decidiu ingerir bebidas alcoólicas ao almoço, para além de saber a escala presencial em que se encontrava e saber quais as funções que podia ser chamado a exercer, mais sabia que, como o afirmou, não tomou o pequeno almoço - decisão de sua exclusiva responsabilidade - sabia que apenas tomou um café, sabia que tinha treinado, com corrida e outros exercício físicos e mais sabia que o seu almoço foi uma salada, ou seja, o arguido tem o pleno domínio e conhecimento de todos estes factores e ainda assim, reputou como responsável e sensato ingerir bebidas alcoólicas, do que podia (e devia) ter-se abstido, especialmente, se como declarou, estava mal nutrido e desidratado, e nada impedia que a celebração fosse acompanhada de uma qualquer bebida destituída de teor alcoólico ou então relegar a celebração para um horário já após o terminar da escala, na realidade, tal sucessão de eventos decorrem das decisões voluntariamente tomadas pelo arguido, que tudo fez para acusar uma taxa registada de alcoolemia de 1,10 gramas de álcool por litro de sangue (de 1,012 g/l, após a dedução do erro máximo admissível). E, portanto, apesar de ter sido o arguido quem teve todos estes comportamentos, o mesmo rejeita que se tenha colocado numa situação de inaptidão para as funções que poderia ter que desempenhar. Mais nega o arguido que se encontrasse embriagado, apesar da taxa de alcoolemia que acusou. Vejamos. O significado da palavra embriagado equivale à ingestão de bebidas alcoólicas em demasia, o que arguido nega, mas tal declaração de negação é categoricamente contraditada pela concentração de gramas de álcool por cada litro de sangue que o arguido naquele dia, hora e local tinha no seu organismo. Ou seja, a embriaguez não resulta apurada apenas pela presença, ou ausência, de sinais compatíveis com a ingestão em demasia de bebidas alcoólicas, não é pela circunstância do arguido não parecer embriagado, que não o estava efectivamente, atendendo às funções que naquele momento se impunha que exercesse e que podia, a qualquer momento, durante a escala presencial, ter que desempenhar e que normalmente lhe competiriam. A falibilidade da percepção humana é legalmente ultrapassada pelo rigor técnico-científlco dos meios legais de detecção da presença de álcool no sangue, mormente, através do método de ar expirado, primeiramente, num teste de despistagem, meramente qualitativo, e perante essa detecção positiva, a submissão, igualmente por ar expirado, a um teste quantitativo, como sucedeu com o arguido. Com efeito, não fica à mercê da capacidade olfactiva ou de observação mais apurada de um ser humano a detecção do grau de alcoolemia, nem o fica à capacidade de resistência ao álcool, nem à maior, ou menor, capacidade de não manifestação de sinais exteriores de ingestão de bebidas alcoólicas, na realidade, necessário se torna o recurso a testes quantitativos e não a uma observação a olho nu: “não parecia embriagado, não me sentia embriagado”, precisamente porquanto a tolerância física ao excesso de álcool pode ser volátil, por um lado, e por outro lado, o álcool tem como efeito uma sensação de desinibição, de optimismo e de autoconfiança, e que pode levar a decisões impulsivas, arriscadas e imponderadas, sendo por isso manifestamente incompatível com as funções que o arguido podia ter que desempenhar e para as quais tinha que estar apto. Pois, o próprio arguido admite que caso a sua equipa fosse chamada - na eventualidade, ainda que remota, podia sê-lo - não podia conduzir qualquer viatura, deixando tal tarefa para um dos demais membros da equipa, e, portanto, não estava apto a levar a cabo um acto de condução, e quando confrontado com a possibilidade de ter transportar uma arma de fogo (de serviço) afoitamente afirmou que não costumam levar armas de fogo quando têm que intervir, para estarem mais fisicamente libertos, o que reforça a ilação que as funções exigem destreza física e coordenação motora, e o arguido, na sua óptica, uma taxa de alcoolemia registada de 1,10 g/l não interfere com a sua aptidão para poder desempenhar as funções, que podia ser chamado naquela tarde a desempenhar, nomeadamente de resgate em espaços confinados, de estabilização e transporte de vítimas, derrocadas controladas e outras como acima descritas. Sem olvidar que, mesmo mantendo-se no quartel, em escala presencial, as funções do arguido compreendem a manutenção do equipamento e do material, como, de facto sucedeu, sendo que tal comporta a manipulação de material sensível, como motosserras, de significativa dimensão precisamente porquanto se destinam ao corte de vigas e betão, e que operam a combustão, exigindo o manuseamento de materiais altamente inflamáveis, o que não se mostra igualmente coadunável com uma taxa de alcoolemia de 1,012 gramas de álcool de sangue, ainda que essa possa ter sido avaliação do superior hierárquico do arguido, o que só se compreende num contexto funcional de tolerância à presença de álcool, mas incompreensível numa estrutura militar e de resposta de emergência e em cenário de catástrofe ou de simples socorro a uma vítima que caiu num poço. Acresce ainda que, o legislador, embora noutro contexto, clarifica o conceito de embriaguez, como sucede na condução de veículos na via pública ou equiparada. Não se ignora que neste tipo de crime, o legislador não definiu parâmetros objectiváveis reconduzíveis a uma taxa de álcool no sangue, no entanto, em face dos princípios basilares da razoabilidade, da lógica e da experiência comum, não se pode igualmente ignorar que o arguido não estava apto a conduzir qualquer veículo com a taxa de alcoolemia que acusou, estando muito próximo da taxa de 1,2 g/l da imputação criminal, reputando o legislador a taxa máxima de 0,49 g/l para uma condução lícita após a ingestão de bebidas alcoólicas e impôs uma taxa de alcoolemia ainda substancialmente mais reduzida, para um máximo de 0,19 g/l, para determinados condutores, nomeadamente de veículos de socorro ou de serviço urgente, de transporte coletivo de crianças e de jovens até aos 16 anos, de táxis, de automóveis pesados de passageiros e de mercadorias. Sendo irrelevante se o condutor se sentia, ou não, embriagado, se aparentava, ou não, o estar ou se aos demais não denotava qualquer alteração de comportamento, pois, os efeitos perceptíveis exteriores da ingestão excessiva de bebidas alcoólicas não são, muitas vezes, coincidente com o grau de intoxicação do ser humano em termos de comprometimento da capacidade de reacção e de interacção, a sua velocidade, de coordenação motoro-visual e até de avaliação do risco/perigo com base nos princípios da cautela e da prudência que ficam inadequadamente mais flexíveis aquando do consumo em demasia de bebidas alcoólicas, e na verdade, as obrigações e funções que o arguido, naquela tarde, até às 17 horas e 30 minutos, podia ter que vir a cumprir exigem precisamente a ausência de compressão destes parâmetros. E, na perspectiva do arguido o mesmo podia ser chamado para ir socorrer vítimas em situação de emergência, socorro e catástrofe – pois podia ser chamado a tal e por esse motivo é que estava em situação de escala presencial - mas já não podia conduzir um qualquer veículo, não sendo assim irrelevante, nem inócuo, nem despiciendo o que legislador entende como sendo condução de veículo em estado de embriaguez, graduando, naturalmente, os patamares contraordenacionais (grave e muito grave) e criminais. Naturalmente, não se trata de um elemento factual legal determinante, mas auxilia na densificação da falta de aptidão por se ter colocado em estado de embriagado. Na realidade, tanto assim o foi, que os militares foram sujeitos a teste de despistagem, não se bastando o comando militar com a singela observação do que “lhe parece”, e perante um exame ainda que qualitativo mais alcoolicamente robusto, os militares, como sucedeu com o arguido - e pelo menos também com o militar GG - foram sujeitos a teste quantitativo. Sendo certo que, a pretensão do arguido de “desculpabilizar” a sua conduta com o facto de todos, ou quase todos, os militares acusaram a presença de álcool no sangue quando estão ao serviço, não só, não consubstancia qualquer causa nem da exclusão da ilicitude, nem da culpa, como também indicia uma política de tolerância generalizada de militares ao serviço com álcool no sangue. No que se refere ao dolo o mesmo baseia-se na matéria de facto objectiva dada como provada e nas regras da experiência comum, que atentos tais meios de prova permitem concluir que o arguido estava ciente que ao ingerir bebidas alcoólicas, nos moldes e na quantidade/qualidade em que o fez, se colocava numa situação que o tomava inapto para cumprir com as suas funções militares que podia ter que desempenhar (particularmente exigentes, em termos de acuidade, coordenação motora, concentração e disciplina), do que este estava plenamente ciente. Do depoimento prestado pela testemunha CC, militar da Guarda Nacional Republicana, que na data acima mencionada exercia igualmente funções no mesmo local, como superior hierárquico do arguido, resultou patentemente demonstrado que o arguido no dia e hora em causa foi sujeito ao teste quantitativo e, por determinação, do Capitão, foi determinada a elaboração do auto de notícia, e não obstante esta testemunha ter afirmado que “não notou no arguido diferenças em termos de comportamento”, a verdade é que, tal apreciação não invalida que o facto objectivo, objectivávcl e indubitável no sentido que o arguido apresentava, apesar de estar em escala presencial, uma taxa registada de alcoolemia 1,10 g/l, sendo que estranha é que esta testemunha valorize “o que lhe parece” em detrimento do resultado com rigor científico e técnico, apesar de ser militar da Guarda Nacional Republicana, especialmente, porquanto admitiu que, não obstante o arguido se encontrar integrado na segunda equipa, este tem que estar disponível para qualquer eventualidade, que pode ser fazer manutenção de material e equipamento ou ser chamado numa catástrofe com o exaurir da capacidade/disponibilidade/necessidade da primeira equipa, o que, ainda que possa ser pouco usual, é uma possibilidade para a qual o arguido está ao serviço e de escala presencial. Por seu turno, dos depoimentos prestados pelas testemunhas HH e II, militares da Guarda Nacional Republicana, exercendo também funções igualmente de chefia na mesma Unidade que o arguido, embora em Núcleos distintos, já resultou uma avaliação distinta no que tange à aptidão para as funções de um militar sob o seu comando com uma taxa de alcoolemia como a apresentada pelo arguido, mesmo não sendo visíveis sinais exteriores consentâneos, afirmando, sem hesitações, que não estava apto para o serviço. Do depoimento prestado pela testemunha DD, militar da Guarda Nacional Republicana, na data, exercendo funções no mesmo Núcleo que o arguido, resultou que o tratamento dado a todos os militares foi idêntico, não havendo tratamentos distintos, confirmando que todos foram sujeitos a testes de despistagem, mas que apenas o arguido e o “GG” foram posteriormente sujeitos a teste quantitativo, e na sua expressão, por ter acusado uma taxa baixa, sendo certo que, esta testemunha fez os mesmos treinos físicos que o arguido naquela manhã, almoçou na sua companhia e igualmente ingeriu cerca de dois copos de vinho, bem como foi sujeito ao mesmo teste de despistagem à mesmo hora, após o almoço, sendo objectivamente irrelevante a existência, ou não, de motivações de celebração. Com efeito, dos depoimentos nada resultou que contraditasse a objectividade rigorosa e cristalina da taxa de alcoolemia detectada no organismo do arguido, o qual não quis contraprova, a qual adveio inequivocamente da ingestão de bebidas alcoólicas pelo arguido, o que só ocorreu por sua vontade, tomando-se inapto para o cumprimento das obrigações de serviço que teria que desempenhar, caso fosse necessário, tendo que estar em situação de pronto durante a escala presencial. Igualmente se ponderou, juntamente com as declarações do arguido e com os depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas, a análise crítica e conjugada do teor de: - fls. 4 a 6, auto de notícia, no que diz respeito à data, hora e local aí devidamente indicados, cujo conteúdo foi integralmente confirmado pelo depoimento prestado pela testemunha CC; - fls. 8, consta o certificação de verificação metrológica, certificado pelo Instituto Português da Qualidade, inferindo-se inequivocamente que o aparelho quantitativo utilizado no teste a que o arguido foi submetido, através do ar expirado - meio legal de apuramento quantitativo da taxa de alcoolemia – se encontrava devidamente calibrado e aferido pela autoridade pública competente e dentro do período legal anual da verificação periódica, sendo certo que, se teve em consideração a taxa de alcoolemia após a dedução do erro máximo admissível, ainda assim de 1,012 g/l; - fls. 9, infere-se a taxa de alcoolemia registada no aparelho aí devidamente identificado, assinado pelo arguido, tendo o mesmo prescindido de contraprova, o que reveste um comportamento exterior concludente de conformação para com o valor registado, como o próprio arguido admitiu, e nas suas palavras “conformou-se”, dizendo as regras da lógica e da experiência comum que quem não se revê na taxa de alcoolemia registada, porquanto não tem, na sua óptica, correspondência com as bebidas alcoólicas ingeridas (ou em número de doses ou em grau de percentagem etílica de cada uma delas) não abdica do exame de contraprova; - fls. 46 a 64 e a fls. 87 a 123, constam as Normas de Execução Permanente, com especificação das acções e obrigações; - fls. 74 (e novamente a fls. 86), consta o mapa de escalas do Núcleo de Busca e Resgate em Estruturas Colapsadas, não subsistindo qualquer dúvida que o arguido era efectivo na segunda equipa (DS), conjugada com a informação de fls. 174 a 176 (descrição pormenorizada das funções que o arguido podia vir a desempenhar). Desta feita, e no que se refere ao elemento volitivo, resultou cabal e inequivocamente demonstrado que, o arguido actuou de forma dolosa, e na sua vertente mais intensa, a de dolo directo, dado que o arguido estava plenamente ciente de que se encontrava em serviço, mais sabia quais as tarefas (e as horas escaladas) que lhe competia executar, bem sabendo que ao ingerir bebidas alcoólicas, nos moldes e nas quantidades em que o fez, criava as condições adequadas para ficar sob o efeito das mesmas, ficando, por se encontrar embriagado, inapto para o exercício das funções que podia ter que desempenhar e para o cumprimento das obrigações de serviço que normalmente lhe vieram a competir, atendendo ao grau de prontidão, DS, ou seja, pronto. Com efeito, o arguido encontrando-se escalado de serviço, como efectivamente o estava, em escala presencial até às 17 horas e 30 minutos, do dia 22 de Maio de 2022, tinha que se manter obrigatoriamente pronto para qualquer tipo de serviço ou missão devidamente enquadrado numa equipa de intervenção que actua em cenários específicos de busca e resgaste em estruturas colapsadas, e sabia que o exercício dessas funções que podia ser chamado a desempenhar ficavam comprometidas, por inaptidão, ao ter ingerido bebidas alcoólicas que lhe comportaram uma taxa de alcoolemia, de pelo menos, de 1,012 gramas de álcool por cada litro de sangue, ciente que uma taxa de alcoolemia deste grau tem repercussões no estado de alerta, de acuidade e de prontidão que as suas funções exigiam, ainda que exteriormente pudesse não ser perceptível, pois, o estado de embriaguez não é um estado subjectivo, nem de sentimentos. Quanto à ausência de condenações registadas, o Tribunal socorreu-se do teor constante do certificado actualizado de registo criminal do arguido, documento autêntico, que se encontra junto a fls. 219 a 219 verso dos autos. No que concerne à situação económica, familiar e social do arguido foram tidas em consideração as suas declarações, as quais se mostraram objectivamente plausíveis e consentâneas com a realidade vivencial do arguido, e não foram contraditadas, nesta parte, por qualquer outro meio de prova, como também foram as suas declarações corroboradas pelo teor vertido no relatório social, constante de fls. 224 a 227, cujo conteúdo se teve em consideração, concatenado com os depoimentos prestados pelas testemunhas CC e DD, na data, respectivamente, superior hierárquico directo e camarada do arguido, no que diz respeito à adequada imagem que tinham do arguido enquanto militar, o que também é condizente com o segmento dos seus depoimentos de ostensiva desvalorização do exercício das funções do Núcleo de Busca e Resgate em Estruturas Colapsadas com taxas de alcoolemia superiores a 1,00g/l. III. Fundamentação de Direito: Cumpre por ora apurar se a conduta imputada ao arguido corresponde à descrição jurídico-penal legalmente prevista, de modo a que o mesmo possa ser por ela responsabilizado criminalmente. O arguido encontra-se acusado da prática de um crime de incumprimento dos deveres de serviço, previsto e punido pelo Artº 67.º, n.º 2, alínea b), do Código de Justiça Militar, aprovado pela Lei n.º 100/2003, de 15 de Novembro. Comete o crime de incumprimento dos deveres e serviço: “1 - O militar que, depois de nomeado ou avisado para serviço de segurança ou serviço necessário à prontidão operacional de força ou instalação militares, se colocar na impossibilidade, total ou parcial, de cumprir a sua missão, embriagando-se, ingerindo substâncias estupefacientes ou psicotrópicas, adormecendo no posto de serviço ou infligindo a si próprio dano físico, é punido: a) Com pena de prisão de 5 a 12 anos, em tempo de guerra e em acção de combate; b) Com pena de prisão de 2 a 8 anos, em tempo de guerra e na área de operações, mas fora de acção de combate; c) Com pena de prisão de 1 a 4 anos, em tempo de guerra, mas fora da área de operações; d) Com pena de prisão de 1 mês a 1 ano, em tempo de paz; 2 – O militar que não estando no exercício das funções revistas no número anterior nem nomeado ou avisado para as mesmas, se embriagar consumir estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, tomando-se inapto para o cumprimento das obrigações de serviço que normalmente lhe vierem a competir, de acordo com o grau de prontidão da força ou instalação a que pertença, é punido: a) Com pena de prisão de 1 a 4 anos, em tempo de guerra; b) Com pena de grisão de 1 a 6 meses em tempo de paz. " Ora, da factualidade provada, resultam concludentemente demonstrados todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime. Com efeito, da factualidade provada resultou, inequívoco, que o arguido era militar da Guarda Nacional Republicana, prestava serviço no Núcleo de Busca e Resgate em Estruturas Colapsadas da Companhia de Intervenção e Protecção em Emergência da Unidade de Emergência de Protecção e Socorro, é mais se provou que, se tornou inapto para o cumprimento das obrigações de serviço que normalmente lhe viessem a competir, de acordo com o grau de prontidão da força, atendendo às bebidas alcoólicas ingeridas, dado que, se encontrava de escala, em estado de pronto, D8, podendo ter que intervir caso o fosse necessário. Na verdade, apega-se o arguido ao facto de estar de escala na segunda equipa como factor de desresponsabilização da sua conduta, mas olvida-se o arguido precisamente que este tipo de crime, e pelo qual se encontra acusado, se prende com a inaptidão para o exercício de funções e o cumprimento de obrigações de serviço que normalmente lhe vierem a competir, e a verdade é que, de acordo com o grau de prontidão o arguido estava obrigado a manter-se apto para ir em missão de resgate e busca, caso fosse chamado ou caso fosse necessário de acordo com as circunstâncias, e por esse motivo, a ingestão de bebidas alcoólicas objectivamente em demasia, atendendo à taxa de alcoolemia apurada, tomava o arguido inapto para cumprir com essas obrigações. Mais se provou que tal inaptidão para o cumprimento das funções adveio da ingestão excessiva de bebidas alcoólicas que o arguido deliberadamente ingeriu em momentos anteriores, durante o período em que se encontrava de escala presencial, estando o arguido ciente da interacção do consumo excessivo de bebidas alcoólicas com a capacidade de concentração, com a capacidade de coordenação motora e visual e com a velocidade de reacção e de adaptação à realidade envolvente, competências das quais o arguido sabia carecer, e mais sabia o arguido que o exercício destas funções comporta a interacção com terceiros, o que, naturalmente, exige um adequado e apurado controlo de impulsos, cautela, prudência, reflexos e coordenação, capacidades que ficam manifestamente toldadas com a ingestão de bebidas alcoólicas, do que o arguido, por agir também como agente de autoridade, está especialmente ciente. Efectivamente, nesse dia o arguido, na hora em que já se encontrava ao serviço, foi sujeito ao teste quantitativo para detecção do estado de influenciado pelo álcool e acusou álcool no sangue (registada de 1,10 g/l), apresentando uma taxa de alcoolemia de, pelo menos, 1,012 gramas de álcool por cada litro de sangue; A conduta do arguido manifestamente não é subsumível ao n.º 3 do citado Art.º 67.º, do Código de Justiça Militar, porquanto inequivocamente comporta prejuízo para a prontidão Operacional. O arguido sabia que, estando ao serviço, devia abster-se de ingerir bebidas alcoólicas, de modo a manter-se apto física e mentalmente para o exercício das suas funções, devendo constituir-se como um exemplo de respeito, brio, disciplina e profissionalismo. Não obstante, o arguido colocou-se, voluntariamente, em estado de embriaguez, com plena consciência de que aquele estado o tornava inapto de cumprir as suas obrigações de serviço com zelo, prudência e diligência e, deste modo pôs em causa a missão de segurança da Guarda Nacional Republicana, enquanto força de características militares, cujos elementos têm condição militar, particularmente gravosa em face das funções de resgate em situações de emergência e catástrofe que, na data, se impunha que cumprisse. Actuou, pois, com dolo directo, de acordo com o Art.º 14.º, n.º 1 do Código Penal. Não se verificam quaisquer causas de exclusão de ilicitude ou da culpa, nem falta qualquer condição de punibilidade. Deste modo, preenchidos os elementos objectivos e subjectivo do tipo de crime que lhe é imputado, impõe-se a condenação do arguido pela prática do crime de incumprimento dos deveres de serviço, previsto e punível pelo Art.º 67.º, n.º 2, alínea b), do Código de Justiça Militar, pelo qual se encontra acusado. * Escolha e determinação da medida da pena: Assente que está que o arguido praticou, em autoria material, um crime de incumprimento dos deveres de serviço, há que proceder à determinação da medida da pena que, em concreto, lhe deve ser aplicada, visto que quanto à escolha da pena, o crime em causa só é punível com pena de prisão. O crime em apreço é punido, em abstracto, com pena de prisão de 1 (um) mês a 6 (seis) meses, cfr. Art.º. 67.º, n.º 2, alínea b), do Código de Justiça Militar. Estatui o Artº 70.º do Código Penal que “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar deforma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Tais finalidades, de acordo com o que preceitua o Art.º 40.º, n.º 1, do citado Código, são a protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial), não podendo, em caso algum, a pena exceder a medida da culpa do agente, sob pena de se postergar o fundamento último de toda e qualquer punição criminal que é a dignidade humana (cfr. Artº 40.º, n.º 2, do Código Penal). Dispõe ainda o Art.º 22.º, do Código de Justiça Militar, o qual sob a epígrafe: “Da determinação da pena” dispõe: “Na determinação concreta da pena por crime estritamente militar, para além dos critérios previstos no Código Penal, a tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: a) O comportamento militar anterior; b) O tempo de serviço efectivo; c) Ser o crime cometido em tempo de guerra. d) Ser o crime cometido no exercício de funções e por causa delas; e) Ser o crime cometido em formatura ou em outro local de serviço onde se encontrem 10 ou mais militares que tenham presenciado o crime, não se compreendendo neste número os agentes do crime; f) Ser o agente do crime comandante ou chefe, quando o facto se relacione com o exercício das suas funções; g) Ser o crime cometido em presença de algum superior de graduação não inferior a sargento; h) A maior graduação ou antiguidade no mesmo posto, em caso de comparticipação; i) A persistência na prática do crime, depois de o agente haver sido pessoalmente advertido para a ilicitude do seu comportamento ou intimado a mudá-lo por ordem de superior hierárquico; j) A prestação de serviços relevantes e a prática de actos de valor; 1) O cumprimento de ordem do superior hierárquico do agente, quando não baste para excluir a responsabilidade ou a culpa; m) Ser o crime de insubordinação provocado por abuso de autoridade, quando não baste para justificar o facto; n) Ser o crime de abuso de autoridade provocado por insubordinação, quando não baste para justificar o facto.” Nestes termos, a operação a efectuar na determinação da pena consiste na construção de uma moldura penal de prevenção geral de integração (em obediência à ideia de que o fim da punição reside na defesa dos bens jurídicos e das legítimas expectativas da comunidade, com vista ao restabelecimento da paz jurídica) e cujo limite mínimo é dado pela defesa do ordenamento jurídico, o ponto abaixo do qual não é socialmente admissível a fixação da pena, sem colocar em causa a sua função de tutelar bens jurídicos. Por outro lado, a culpa fornecerá o limite máximo inultrapassável das exigências de prevenção - a culpa como ftmdamento da pena e não como finalidade. Dir-se-á, assim, que a culpa é a ratio da pena. A determinação da medida concreta da pena, dentro dos limites abstractamente definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se igualmente a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do agente ou contra ele (cfr. Arts. 71.º, n.ºs 1 e 2, e 40.º, n.º 1, do Código Penal). É com base neles que ao juiz cabe “uma dupla (ou tripla) tarefa, dentro do quadro condicionante que lhe é oferecido pelo legislador. Determinar, por um lado, a moldura penal abstracta cabido aos factos dados como provados no processo. Em seguida, encontrar, dentro desta moldura penal, o quantum concreto da pena em que o arguido deve ser condenado. Ao lado destas operações - ou em seguida a elas -, escolher a espécie ou o tipo de pena a aplicar concretamente, sempre que o legislador tenha posto mais do que uma à disposição do juiz”, assim o ensina o Prof. Jorge Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, pág. 193. Importa, por isso, ponderar as exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir. No caso vertente, são medianas as exigências de prevenção geral, atentos os bens jurídicos protegidos pelas normas em causa, designadamente, considerando que a capacidade militar e a defesa nacional são pilares fundamentais da Soberania do Estado. Mais, e ainda assim, estamos neste ilícito perante um crime de perigo, de mediana gravidade, porquanto dele poderiam emergir consequências imprevisíveis, visto que o arguido se encontrava embriagado e por isso não apto a cumprir a sua missão que reveste sempre uma índole militar, sendo que exercia funções particularmente exigentes, quer física, quer mentalmente, e que exigem estado de alerta e acuidade visual, sensorial e auditiva, bem como destreza física e coordenação motora, para além da manipulação de equipamento (quer de corte, quer de combustão), o que manifestamente é toldado pela ingestão de bebidas alcoólicas. Não sendo de olvidar que, qualquer intervenção de busca e de resgate em situações de catástrofe e estruturas colapsadas irá necessariamente exigir a interacção com terceiros que se vão encontrar em estados de particular fragilidade, emoção, ansiedade, nervosismo e vulnerabilidade, não se compaginando o exercício destas funções com militares que têm no organismo taxas de alcoolemia de 1,012 gramas de álcool por litro de sangue. Até porque o ditam quer as regras da experiência comum, quer as avaliações científicas que tal grau de consumo em demasia de bebidas alcoólicas interfere com a ponderação, a prudência e cautela ou com a velocidade dessa avaliação, o que é particularmente relevante em intervenções de busca e resgate. O que se mostra agravado pela postura de desvalorização da gravidade do seu comportamento, reveladora de ausência de sentido crítico, como se a potencialidade de poder ser chamado a intervir fosse um evento irrelevante. Pese embora, e em seu benefício, o arguido denote adequada inserção social, familiar e profissional. O dolo atenta a reflexão necessária ao empreendimento da acção, assume intensidade significativa, por revestir a sua modalidade mais intensa, de dolo directo. No entanto, afigura-se pertinente equacionar a prevenção de situações como as dos autos possam surgir no futuro, atendendo à objectiva natureza aditiva e crónica do alcoolismo, mesmo em contexto de confraternização - não sendo despiciendo o pendor de desvalorização do consumo excessivo de bebidas alcoólicas -, e que se impõe prevenir, e assim, urge adequada e eficazmente salvaguardar os fins inerentes à punição, na medida em que se mantém premente a necessidade de o arguido interiorizar a necessidade de manter separado o consumo de bebidas alcoólicas do exercício das suas funções militares, a fim de evitar que, no futuro, volte a delinquir e, consequentemente, obrigar o arguido a adoptar comportamentos conforme a Lei e o Direito, e assim, sedimentar o percurso de inserção social e profissional. Na verdade, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, visando sempre evitar a prática pelo agente de futuros crimes e a sua ressocialização no tecido ético-jurídico no qual o arguido se insere. Atendendo-se, no caso concreto, a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem contra o agente e a favor dele. Há que considerar no caso concreto quanto às primeiras: - o grau de ilicitude dos factos que se considera elevado, dadas as circunstâncias em que os mesmos ocorreram, especialmente atendendo ao grau de exigência das funções concretamente exercidas (Núcleo de Buscas e Resgate em Estruturas Colapsadas da Companhia de Intervenção e Protecção em Emergência da Unidade de Emergência e Protecção e Socorro), bem como a taxa de alcoolemia concretamente apurada; - a intensidade do dolo que se revela elevada, uma vez que, actuou com dolo directo; - a ausência de comportamentos exteriores concludente com a interiorização do desvalor da conduta, assumindo o arguido uma postura de desvalorização do seu comportamento, denotativo de falta de juízo crítico, verbalizando um discurso desculpabilizante, autocentrado e autocomplacente, o que acentua as necessidades de prevenção especial; - a manutenção do vínculo militar, impondo-se salvaguardar adequadamente as finalidades inerentes à punição, especialmente na sua óptica de prevenção especial, quer na sua vertente positiva, no sentido de forçar o arguido a adoptar comportamentos conforme a Lei e o Direito, quer na sua vertente negativa, evitar que o arguido volte a praticar factos da mesma natureza e/ou com ressonância criminal. Quanto às segundas: - o facto de nada constar do certificado de registo criminal do arguido; - a circunstância de denotar adequada integração social, profissional e familiar. Assim, em face das circunstâncias expostas, sopesando as circunstâncias acima elencadas que depõem a favor e contra o arguido, tudo ponderado, entende-se ser adequado, justo e arrazoado aplicar ao arguido uma pena de 3 (três) meses de prisão, pela prática de um crime de incumprimento dos deveres de serviço, previsto e punível pelo Artº 67.º, n.º 2, alínea b), do Código de Justiça Militar. * Resta saber se a pena de prisão ora aplicada deve, ou não, ser efectiva. Sendo uma pena curta de prisão e atendendo à situação social, familiar e profissional do arguido, denotando o mesmo uma adequada inserção profissional e familiar, bem como integração no tecido comunitário envolvente, dando-se assim, primazia à prevenção especial na sua vertente positiva, afigura-se que os fins da pena não exigem o cumprimento efectivo da pena de prisão ora aplicada, nem na sua forma mitigada (de permanência na habitação), sendo legítimo e razoável efectuar um juízo de prognose favorável que uma pena de prisão que não seja efectiva acautela adequada e eficazmente as finalidades da punição. Afigura-se não ser de substituir a mesma por multa, porquanto não se afigura que tal forma de cumprimento fosse minimamente adequada às finalidades de prevenção especial positiva e negativa que o caso requer, atendendo à gravidade do comportamento e as funções exercidas pelo arguido. Igualmente entende-se que as finalidades ínsitas à punição não se coadunam, de forma eficaz, suficiente e adequada, com a substituição da pena de prisão pela prestação de trabalho a favor da comunidade, precisamente porquanto o arguido denota hábitos de trabalho, revela estar adequadamente inserido social, familiar e profissionalmente, pelo que, a prestação de trabalho a favor da comunidade seguramente iria bulir com a sua estabilidade profissional, em termos de compatibilização e disponibilidade horárias. Assim sendo, dando-se primazia à prevenção especial na sua vertente positiva, entende-se não ser de aplicar uma pena de prisão efectiva, nem em regime de permanência na habitação, visto que se afigura que a privação de liberdade não irá contribuir para os fins de prevenção especial positiva e negativa, tanto mais que o arguido denota estar devidamente inserido na sociedade, entendendo-se que a ameaça de cumprimento de prisão efectiva (o cumprimento da mesma em caso de revogação, nos termos legais, da suspensão) satisfaz adequadamente e de forma suficientemente dissuasora os fins das penas. Com efeito, afigura-se que a suspensão da execução da pena prisão pode eficazmente dissuadir a reincidência do arguido no cometimento de crimes e inculcar a interiorização da necessidade de coadunar os seus comportamentos com os valores jurídico-axiológicos vigentes. Efectivamente importa ponderar se as finalidades que se pretendem atingir com a pena de prisão se alcançam com a efectividade da mesma ou se, para tanto, basta a aplicação de uma medida criminal de natureza não detentiva, nomeadamente a suspensão da execução da pena, prevista no Art.º 50.º do Código Penal, maxime, em ordem à ressocialização do arguido. Pelo que, se afete que, com base num juízo de prognose favorável e legítimo, a presente condenação será suficientemente dissuasora, no sentido de inculcar no arguido a consciência da censurabilidade ínsita à sua conduta e de se abster de praticar outro crime, sendo de antever que futuramente conformará as suas condutas com os valores ético-penais vigentes no nosso ordenamento jurídico atenta a ameaça do cumprimento de pena de prisão. Na realidade, a suspensão da execução da pena de prisão é um instituto de índole pedagógica e ressocializante, podendo inclusivamente ser aplicada a arguido com antecedentes criminais, entendendo-se se que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizará adequada e suficientemente as finalidades da punição, considerando os factos concretos e a personalidade do agente (cfr. Artº 50.º, n.º 1 do Código Penal). Desta feita, mostra-se adequado e consentâneo com as finalidades inerentes à punição, mormente de prevenção especial positiva, bem como negativa, suspender a execução da pena de prisão, pelo período de 1 (um) ano, sendo o período temporal o justo e o adequado atendendo às finalidades inerentes à punição (cfr. n.º 5 do mencionado preceito normativo). Condenando-se assim o arguido pela prática de um crime de incumprimento dos deveres de serviço, previsto e punido pelo Art.º 67.º, n.º 2, alínea b), do Código de Justiça Militar, na pena de 3 (três) meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano.” * IV- Do mérito do recurso: - Eventual nulidade insanável da acusação por violação dos artigos 283º, 3, al. c) e 122º, nº1, 2 e 3, do CPenal e 32º, 1 da CRPortuguesa. No caso dos autos o recorente veio, desde logo, invocar o que denomina de nulidade insanável da acusação, referindo que, no seu entender, na mesma são utilizados conceitos indeterminados, que se não mostram preenchidos por factos concretos feitos constar da aludida peça processual. Desde logo, deve dizer-se que tal questão já havia sido colocada pelo arguido em sede de constatação, tendo sido objecto de decisão no Acórdão recorrido, que a tratou como “questão prévia”. No dito Acórdão considerou-se que não assistia razão ao arguido na medida em que se entendeu que, diferentemente do alegado por aquele, a acusação continha “de forma suficiente, adequada e circunstanciada a factualidade imputada ao arguido”, tendo, assim julgado não verificada a nulidade invocada. Ora, no âmbito do recurso interposto, o aludido sujeito processual não recorre de tal segmento da decisão – nomeadamente invocando os fundamentos da discordância que ainda manterá – limitando-se a repristinar a invocação da nulidade da acusação, nos exactos termos já anteriormente exarados na contestação. O recorrente actua de tal modo, ao que se julga, ao abrigo da concepção da tese, também usada em sede de recurso, que tal invalidade constituirá uma nulidade insanável – por isso passível de ser invocada a todo o tempo, até ao trânsito da decisão final que venha a ser proferida nos autos. Contudo, não lhe assiste qualquer razão. Com efeito, do nº 3 do art.º 283º do CPPenal, decorre que a omissão de algum do circunstancialismo aí previsto, nas diversas alineas que o compoêm, torna a acusação nula. Contudo, tal nulidade é sanável (cfr. art.º 119º, 1 e 2 do CPenal – a suposta insanabilidade, face ao princípio da legalidade, teria de resultar de norma expressa – inexistente – a cominá-la, como insanável), seguindo o regime dos art.º 120 e 121º do CPenal – cfr. no sentido do texto MAIA COSTA, in Código de Processo Penal – Comentado, 2014, Almedida, pág. 993. E diga-se, ainda, que a tal conclusão não obsta a redacção dada pela Lei 59/98, de 25/08, ao artigo 311º, 3 do CPPenal. Com efeito, no seguimento do defendido no Ac. do TRP, de 19-10-2022, proferido no processo nº 192/20.2T9MCN.P1, relatado por MARIA DOS PRAZERES SILVA, considera-se que “De harmonia com o disposto no artigo 118.º do Código Processo Penal, as nulidades processuais estão taxativamente previstas nos artigos 119.º e 120.º do mesmo código, salvo cominação expressa de outros preceitos legais. As nulidades insanáveis encontram-se previstas no artigo 119.º do Código Processo Penal, além das que se encontrem estabelecidas em normas especiais que expressamente cominem com nulidade insanável (de que são exemplo as normas dos artigos 321.º, n.º 1, e 330.º, n.º 1, do Código Processo Penal). Estas nulidades são oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento até ao seu termo, ou seja, até ao trânsito em julgado da decisão final. As demais nulidades processuais encontram-se sujeitas ao regime geral de arguição e sanação, previsto nos artigos 120.º e 121.º do Código Processo Penal (…). A nulidade da acusação pública é cominada no artigo 283.º, n.º 3, do Código Processo Penal, porém, não decorre de tal norma que se trata de nulidade insanável, isto é, não indica a disposição legal que a nulidade é insanável. Além disso, também não integra o elenco previsto no artigo 119.º do Código Processo Penal, por isso, o respetivo conhecimento está sujeito ao regime legal de arguição e sanação previstos nos artigos 120.º e 121.º do Código Processo Penal - Cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Processo Penal, 2.ª edição, págs. 744, 745; Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Vol. 3, 2015, pág. 116, trata-se nulidade sanável que deve ser arguida nos termos do artigo 120.º do Código Processo Penal (…) Não sendo sanada, pode ser arguida na instrução, dado que o juiz de instrução deve conhecer das nulidades no despacho de pronúncia ou não pronuncia (artigo 308.º, n.º 3); Cfr. Também, João Conde Correia, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, págs. 1226-1227, onde alerta que a consideração da nulidade da acusação, entre outras, como insanável, esbarra com o teor da própria lei, afrontando o princípio da taxatividade e da legalidade das nulidades processuais penais; em sentido oposto Henriques Gaspar, Código Processo Penal Comentado, 2016, 2.ª ed., pág. 349. No entanto, os fundamentos da nulidade da acusação previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 3, do artigo 283.º, do Código Processo Penal, são coincidentes com os fundamentos de rejeição da acusação, por manifestamente infundada, no âmbito do despacho judicial que inicia a fase do julgamento, nos termos consignados no artigo 311.º, n.º 2, alínea a), e n.º 3, alíneas a), b) e c), do Código Processo Penal, sendo estas matérias de conhecimento oficioso do tribunal, por tal motivo tem sido considerado que está em causa uma invalidade atípica, dado que deve ser arguida mas também pode ser conhecida ex officio, no momento em que a acusação é recebida - Vd. Neste sentido Maia Costa, Código Processo Penal Comentado, 2016, 2.ª ed., pág. 951; João Conde Correia, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo III, págs. 1163. A norma do n.º 3, do artigo 311.º, do Código Processo Penal foi aditada pela Lei n.º 59/98, de 25-08, tendo motivado o entendimento jurisprudencial invocado no despacho recorrido, que considera a nulidade da acusação, nomeadamente por falta de narração de factos, de conhecimento oficioso, e, em decorrência, que pode ser conhecida a todo o tempo, enquanto a decisão final não transitar em julgado - Vd. Acórdãos da Relação de Coimbra de 22-05-2013, proc. 368/07.8TALRA.C1, e de 28-11-2018, proc. 6/17.0IDCTB.C1, nos quais se refere: A propósito ensina Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª ed., p. 207 a 208, face ao aditamento do nº 3 do artigo 311º do CPP operado pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, os vícios estruturais da acusação passaram a sobrepor-se às nulidades previstas no art.º 283.º, e converteram-se em matéria sujeita ao conhecimento oficioso do Tribunal, não estando, portanto, dependente de arguição por parte dos sujeitos processuais. Sendo de conhecimento oficioso, pode ser conhecida a todo o tempo, isto é em qualquer fase do procedimento, com a ressalva enquanto a decisão final não transitar em julgado; Acórdão da Relação de Guimarães de 06-02-2017, proc. 149/15.5PBCHC.G1 (…), onde se refere: (…) gera a nulidade da acusação particular nos termos do aludido artigo 283º, nulidade de conhecimento oficioso, porquanto, face ao aditamento do n.º 3 do artigo 311.º do CPP, operado pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, os vícios estruturais da acusação passaram a sobrepor-se às nulidades previstas no artigo 283.º, do mesmo diploma, e converteram-se em matéria sujeita ao conhecimento oficioso do tribunal, não estando, portanto, dependente de arguição por parte dos sujeitos processuais. Todavia, trata-se, a nosso ver, de interpretação que o texto legal não consente, uma vez que a citada norma legal consagra regime especial de conhecimento de matérias que integram causa de nulidade de acusação, o qual não corresponde e não pode ser confundido com o regime das nulidades previsto no artigo 119.º do Código Processo Penal - Vd. Maia Costa, ob. citada, pág. 951, (…) não constituem nulidades absolutas, porque não seguem o regime das nulidades previstas no art.º 119.º: não são cognoscíveis a todo o tempo, nem obstam à reparação do ato, podendo a acusação ser reelaborada pelo Ministério Público. Vd. Também Acórdão da Relação de Évora de 10-12-2009, proc. 17/07.4GBORQ.E1, disponível em www.dgsi.pt, onde se coloca a questão de saber se depois de proferido o despacho do artigo 311.º, do Código Processo Penal, antes da abertura da audiência pode ser rejeitada a acusação; ainda que se trate de acórdão proferido em data anterior ao Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2015 e em certa medida não coincidente com o sentido da jurisprudência neste Acórdão fixada, mantém atualidade ao referir: Não se encontrando prevista no art.º 119º do CPP, a nulidade de acusação é sanável, (…) a rejeição da acusação com algum dos fundamentos enunciados no nº 3 daquele mesmo art.º 311º, é decidida oficiosamente pelo juiz a quem o processo é distribuído, apenas no caso de o processo ser remetido para julgamento sem ter havido Instrução, constituindo aquela rejeição consequência específica, sui generis, dos vícios das als a), b) e c) do nº 3 do art.º 283º do CPP quando conhecidos no despacho de saneamento e recebimento dos autos. Assim, na fase da instrução o conhecimento de nulidade da acusação está dependente de arguição pelos interessados, estando vedado ao tribunal o seu conhecimento oficioso - Vd. João Conde Correia, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo III, pág. 1296, Será esse o caso [de despacho de não pronúncia] (…) da decisão que conheça da arguida nulidade desta mesma [acusação] por lhe minguar um dos requisitos previstos no artigo 283.º, n.º 3.” Ora, sendo assim, é patente que a única via para o recorrente impugnar a decisão proferida no Acórdão condenatório seria a de recorrer também de tal parte da decisão final, discutindo a argumentação aí usada e explicitando as razões por que dela diverge – já não a mera repetição da invocação da nulidade. Como, manifestamente, não trilhou essa via, densificando os motivos da discrepância relativamente à decisão tomada, tal questão ficou definitivamente decidida. Porém, sempre se dirá que não lhe assiste qualquer razão quando esgrime tal linha de defesa, já que a acusação contém a narração circunstanciada dos factos que lhe são imputados. Face ao exposto, julga-se improcedente a nulidade invocada. - Eventual nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 379º, 1, al. c) do CPPenal, ou nulidade prevista nos arts. 374º, 2 e 379º, 1, al. a) do CPPenal. De acordo com o preceituado no artº 374º nº2 do CPPenal, a sentença inicia-se com um relatório, seguido da fundamentação “...que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.” Por seu lado, o artº 379º do CPPenal estatuiu: 1. É nula a sentença: a) Que não contiver as menções referidas no artº 374º, nºs 2 e 3, al. b); ou b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º; c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Ou seja, a lei processual impõe uma determinada estrutura à sentença (acórdão) que lhe confira eficácia comunicacional. Na verdade, quem decide, deve deixar claro o objecto sobre o qual se debruça e esclarecer – para posterior escrutínio quer dos sujeitos processuais quer da comunidade – dos motivos do sentido da decisão. Com efeito, na motivação da decisão de facto o juiz deve, nas palavras de MARQUES FERREIRA, Meios de Prova, in Jornadas de Direito Processual Penal – O Novo Código de Processo Penal, págs. 229 e 230, indicar as «(…) provas ou meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal mas, fundamentalmente, “a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão”. Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência. (…) A fundamentação ou motivação deve ser tal que, intraprocessualmente, permita aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via do recurso (...). E extraprocessualmente, a fundamentação deve assegurar pelo conteúdo, um respeito efectivo pelo princípio da legalidade na sentença e a própria independência e imparcialidade dos juízes uma vez que os destinatários da decisão não são apenas os sujeitos processuais mas a própria sociedade. Temperando-se o sistema da livre apreciação da prova com a possibilidade de controle imposta pela obrigatoriedade de uma motivação racional da convicção formada, como parece exigir o nosso Código, evitar-se-ão situações extremas – e cremos que raras – em que se impute ao julgador a avaliação “caprichosa” ou “arbitrária”, da prova e, sobretudo, justificar-se-á a confiança no julgador ao ser-lhe conferida pela liberdade de apreciação da prova garantindo-se, simultaneamente, a credibilidade da JUSTIÇA.» Relativamente ao vício previsto no art.º 379º, 1, al. c) do CPPenal, invocado pelo recorrente o mesmo verifica-se quando não tenha existido qualquer decisão a propósito de questão processual ou substantiva expressamente invocada, ou que seja de conhecimento oficioso. No Ac. do TRC, proferido em 28/09/2022, no processo nº 1989/22.4T8VCT.G1 em que foi relatora VERA SOTTOMAYOR pode ler-se que “O juiz tem por obrigação emitir um juízo de valoração e de apreciação sobre todas as questões que os sujeitos processuais reputem pertinentes para a decisão do pleito. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre em anotação ao art.º 615.º do CPC. referem, a este propósito: «Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art.608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado (…). Não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de exceções não deduzidas na exclusiva disponibilidade das partes (art.608-2), é nula a sentença que o faça.» A propósito da omissão de pronúncia escreveu-se no Acórdão do STJ de 3/07/2008, proferido no Proc. n.º 08P13112, relatado pelo Senhor Conselheiro Simas Santos o seguinte: “A omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes ou de que deva conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pelas partes na defesa das teses em presença” Como refere também Alberto dos Reis, CPC Anotado, V, pág.143, a este propósito, “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão jurídica produzida pela parte”, “o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão (…)”. Ora, no caso dos autos, resulta evidente que a aludida nulidade se não verifica. Com efeito, a decisão objecto de recurso pronuncia-se, exaustivamente, em relação a todas as questões suscitadas pelo objecto cognitivo que foi chamada a dirimir, designadamente aquelas invocadas pelo arguido na contestação que apresentou. Na verdade, apreciou-se a nulidade da acusação invocada pelo recorrente, bem como se desenvolveu extensa fundamentação relativamente aos conceitos de embriaguez e aptidão, explanando-se metódica e minuciosamente os fundamentos de facto e de direito que estiveram na origem da condenação do arguido pela prática do crime imputado, bem como explicitando cabalmente as razões referentes à escolha e medida da pena. Por outro lado, abordou-se a questão da eventual atenuação especial da pena tendo-se concluído que, no caso concreto, pelos motivos que são explicitados, não tinha aplicação o citado instituto. Contudo, de um exame mais aprofundado do alegado pelo recorrente verifica-se que o que o mesmo invoca sob o manto da omissão de pronúncia é, na realidade, a nulidade da sentença decorrente do preceituado nas disposições conjugadas constantes dos artigos 379º, 1, al. a) e 374º, 2 do CPPenal. O recorrente, de facto, invoca que a materialidade por si alegada na contestação nos artigos 26, 27 e 29, deveria ter sido incluída ou nos factos provados ou naqueles dados como não demonstrados, já que do nº 2 do art.º 374º do CPPenal decorre que a fundamentação deve incluir a enumeração dos factos provados e não provados. OLIVEIRA MENDES, in Código de Processo Penal - Comentado, 2014, Almedina pág. 1169, afirma “A enumeração dos factos provados e dos factos não provados, como decorre do nº 2 do art.º 368º, deve incluir todos os factos submetidos à apreciação do tribunal e sobre os quais a decisão tem que incidir, ou seja, os factos alegados pela acusação e pela defesa, bem como os resultantes da discussão da causa que tenham interesse para a decisão (…)”. Mas esta imposição de enumeração não significa que tenham de ser elencados todos os factos – designadamente todos aqueles alegados na contestação – mas apenas aqueles com relevo para a decisão. Ora, nos pontos em causa alegou o recorrente “que continuou no exercício das suas funções até as 17h00 desse mesmo dia (09 de maio de 2022); que durante o período da tarde esteve a efetuar a reparação de diversas máquinas (equipamentos de combustão) afectas à sua especialidade; e que nem o Comandante da Companhia, o Exmo. Sr. Capitão BB, nem o Chefe em suplência, o Exmo. Sr. 1.º Sargento CC, ordenaram, naquele dia (09 de maio de 2022) que o arguido se deslocasse para casa ou ordenou que o arguido não desempenhasse as suas funções.” É certo que tal materialidade não foi incluida nem nos factos provados, nem nos não provados, mas tal ocorreu, na medida em que o tribunal a quo entendeu que o que aí se mostrava alegado constituia um elemento a ter em consideração na fundamentação da matéria de facto. Com efeito, na decisão objecto de recurso explicita-se por que motivo, apesar de o arguido ter continuado no exercício das funções até às 17h00, depois de ter apresentado um resultado positivo no teste de alcoolemia efectuado, se considerou que tal não implicava que o mesmo se encontrasse apto para esse exercício e, muito menos, daquelas para que se encontrava em “estado de prontidão”. Ou seja, ao contrário do que pretende o recorrente a questão não foi ignorada no Acórdão recorrido, apenas tendo o Colectivo optado por a debater em momento diferente. Na verdade, na fundamentação da decisão recorrida pode ler-se que “Sem olvidar que, mesmo mantendo-se no quartel, em escala presencial, as funções do arguido compreendem a manutenção do equipamento e do material, como, de facto sucedeu, sendo que tal comporta a manipulação de material sensível, como motosserras, de significativa dimensão precisamente porquanto se destinam ao corte de vigas e betão, e que operam a combustão, exigindo o manuseamento de materiais altamente inflamáveis, o que não se mostra igualmente coadunável com uma taxa de alcoolemia de 1,012 gramas de álcool de sangue, ainda que essa possa ter sido avaliação do superior hierárquico do arguido, o que só se compreende num contexto funcional de tolerância à presença de álcool, mas incompreensível numa estrutura militar e de resposta de emergência e em cenário de catástrofe ou de simples socorro a uma vítima que caiu num poço. (…) Sendo irrelevante se o condutor se sentia, ou não, embriagado, se aparentava, ou não, o estar ou se aos demais não denotava qualquer alteração de comportamento, pois, os efeitos perceptíveis exteriores da ingestão excessiva de bebidas alcoólicas não são, muitas vezes, coincidente com o grau de intoxicação do ser humano em termos de comprometimento da capacidade de reacção e de interacção, a sua velocidade, de coordenação motoro-visual e até de avaliação do risco/perigo com base nos princípios da cautela e da prudência que ficam inadequadamente mais flexíveis aquando do consumo em demasia de bebidas alcoólicas, e na verdade, as obrigações e funções que o arguido, naquela tarde, até às 17 horas e 30 minutos, podia ter que vir a cumprir exigem precisamente a ausência de compressão destes parâmetros. (…) Sendo certo que, a pretensão do arguido de “desculpabilizar” a sua conduta com o facto de todos, ou quase todos, os militares acusaram a presença de álcool no sangue quando estão ao serviço, não só, não consubstancia qualquer causa nem da exclusão da ilicitude, nem da culpa, como também indicia uma política de tolerância generalizada de militares ao serviço com álcool no sangue. (…) Do depoimento prestado pela testemunha CC, militar da Guarda Nacional Republicana, que na data acima mencionada exercia igualmente funções no mesmo local, como superior hierárquico do arguido, resultou patentemente demonstrado que o arguido no dia e hora em causa foi sujeito ao teste quantitativo e, por determinação, do Capitão, foi determinada a elaboração do auto de notícia, e não obstante esta testemunha ter afirnado que “não notou no arguido diferenças em termos de comportamento”, a verdade é que, tal apreciação não invalida que o facto objectivo, objectivávcl e indubitável no sentido que o arguido apresentava, apesar de estar em escala presencial, uma taxa registada de alcoolemia 1,10 g/l, sendo que estranha é que esta testemunha valorize “o que lhe parece” em detrimento do resultado com rigor científico e técnico, apesar de ser militar da Guarda Nacional Republicana, especialmente, porquanto admitiu que, não obstante o arguido se encontrar integrado na segunda equipa, este tem que estar disponível para qualquer eventualidade, que pode ser fazer manutenção de material e equipamento ou ser chamado numa catástrofe com o exaurir da capacidade/disponibilidade/necessidade da primeira equipa, o que, ainda que possa ser pouco usual, é uma possibilidade para a qual o arguido está ao serviço e de escala presencial. Por seu turno, dos depoimentos prestados pelas testemunhas HH e II, militares da Guarda Nacional Republicana, exercendo também funções igualmente de chefia na mesma Unidade que o arguido, embora em Núcleos distintos, já resultou uma avaliação distinta no que tange à aptidão para as funções de um militar sob o seu comando com uma taxa de alcoolemia como a apresentada pelo arguido, mesmo não sendo visíveis sinais exteriores consentâneos, afirmando, sem hesitações, que não estava apto para o serviço. Neste conspecto, o Tribunal recorrido lidou com a antecedente argumentação e debateu-a profusamente. A circunstância da sobredita materialidade não haver sido alvo de enunciação, como se constata, ocorre por a mesma ter sido tratada como irrelevante para a discussão travada, como resulta dos trechos do Acórdão supra transcritos. Ora, assim sendo, nenhum vício afecta o Acórdão recorrido por não ter incluído esses núcleos argumentativos entre a factualidade provada ou não provada – desse circunstancialismo não decorre, pois, qualquer nulidade. - Impugnação da matéria de facto. Preceitua o art.º 428º, nº 1 do CPPenal que “As relações conhecem de facto e de direito”. No que tange ao conhecimento da matéria de facto o mesmo pode ocorrer através da denominada revista alargada, prevista no art.º 410º, 2 do CPPenal, em que estão em causa os vícios aí previstos de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e de erro notório na apreciação da prova. Neste caso, qualquer um dos mencionados vícios tem de decorrer da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: isto é, o vício desta natureza tem de ser verificado sem que se recorra a elementos estranhos à decisão, como por exemplo declarações prestadas no decurso do processo ou documentos juntos durante o inquérito, a instrução ou julgamento, salientando-se também que as regras da experiência comum, no dizer de Germano Marques da Silva “não são senão as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece, englobando as regras da lógica, os princípios da experiência e os conhecimentos científicos” (citado no Ac. RL de 15-01-2019, in www.dgsi.pt). Está-se, nestes casos, perante vícios dimanados da decisão e não na presença de um qualquer erro de julgamento. Por outro lado, na impugnação ampla da matéria de facto, a limitação ao texto da decisão recorrida deixa de se verificar, podendo as relações analisar a prova produzida, evidentemente com as balizas que o recorrente deve obrigatoriamente indicar, nos termos do estatuído no art.º 412º, nºs 3 e 4 do CPPenal. Na verdade, o nº 3, do citado art.º 412.º esclarece que “Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.” Por outro lado, no nº 4 da referida norma preceitua-se que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do art.º 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação.” Ou seja, resulta das normas examinadas que o recurso em que se pretende impugnar a decisão proferida relativamente à matéria de facto, deve identificar individualizadamente os factos constantes da decisão objecto de recurso que se consideram indevidamente julgados, bem como mencionar o(s) concreto(s) meio(s) de prova ou de obtenção da prova cujo(s) conteúdo(s) imporia(m) decisão diversa e, finalmente, especificar quais os meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação é pretendida, bem como os fundamentos que justificam que se conclua que assim se evitará o reenvio do processo (cf. artigo 430º do Código de Processo Penal). Acresce que, nos termos do nº 4 do art.º 412º do CPPenal, estando a prova gravada, o recorrente deve indicar concretamente as passagens (das gravações) em que fundamenta a impugnação (não sendo suficiente a remissão para a totalidade de um ou vários depoimentos), uma vez que são os concretos segmentos indicados que serão ouvidos ou visualizados pelo tribunal de recurso para aferir do alegado erro de apreciação – sem embargo, evidentemente, do exame de outras fontes da prova que sejam consideradas relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa (n.ºs 4 e 6 do artigo 412º do Código de Processo Penal). Quanto a este concreto aspecto deve ter-se em linha de conta a orientação constante do Ac. do STJ para Fixação de Jurisprudência nº 3/2012, publicado no Diário da República, Iª série, Nº 77, de 18 de abril de 2012, em que se exarou que “Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações”. Por outro lado, relativamente à reapreciação da matéria de facto deve ter-se ainda em mente que não se trata da realização de um novo julgamento, não podendo a convicção do juiz de primeira instância ser arbitrariamente modificada unicamente porque o recorrente discorda da mesma. Com efeito, a aludida reapreciação apenas poderá levar a uma alteração da matéria de facto provada quando se chegue à conclusão que os elementos de prova implicam uma decisão diversa; contudo, tal nova apreciação da prova produzida já não poderá efectuar-se quando o pretendido é unicamente a substituição da convicção do juiz da primeira instância por uma outra, com base na audição das gravações. Na realidade, com a aludida possibilidade de recurso em matéria de facto, o que se visa é unicamente “um remédio jurídico” para evitar erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como foi apreciada e ponderada a prova, tendo em consideração os concretos pontos de facto indicados pelo recorrente. Assim, o tribunal de recurso deve, desde logo, avaliar se os pontos de facto em crise têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova que o recorrente considera imporem decisão diversa. No sentido do texto existe inúmera jurisprudência de que é exemplo o Ac. da Relação de Lisboa, de 21/03/2023, relatado por SANDRA OLIVEIRA PINTO, in www.dgsi.pt, onde pode ler-se: “Na verdade, o recurso em matéria de facto não tem por finalidade a realização de um segundo julgamento, mas tão só a apreciação da decisão proferida na 1ª instância, apreciação essa limitada ao exame (controlo) dos elementos probatórios valorados pelo tribunal recorrido e feita à luz das regras da lógica e da experiência, mas sempre sem colidir com os fundamentos da decisão que só a imediação e a oralidade permitem atingir - imediação e oralidade que não estão presentes no julgamento do recurso, porque aos juízes do tribunal superior apenas são facultados registos (em suporte magnético). Por isso ao tribunal superior cumpre verificar a existência da prova e controlar a legalidade da respetiva produção, nomeadamente, no que respeita à observância dos princípios da igualdade, oralidade, imediação, contraditório e publicidade, verificando, outrossim, a adequação lógica da decisão relativamente às provas existentes. E só em caso de inexistência de provas, para se decidir num determinado sentido, ou de violação das normas de direito probatório (nelas se incluindo as regras da experiência e/ou da lógica) cometida na respetiva valoração feita na decisão da primeira instância, esta pode ser modificada, nos termos do artigo 431º do Código de Processo Penal.” No caso dos autos, deve dizer-se que não se vislumbra que assista razão ao recorrente quando afirma que os factos 12), 14) e 15) dados como assentes na decisão em recurso deveriam ter sido julgados não provados. Com efeito, pelo contrário, na decisão proferida é efectuada uma criteriosa análise das provas produzidas em julgamento, quer da documental, quer da testemunhal, explicitando-se até, de modo muito detalhado e preciso, por que motivo, apesar de designadamente as testemunhas CC e EE – a cujos depoimentos faz referência o arguido no recurso interposto – terem afirmado que o arguido, na opinião dos mesmos, não exteriorizava sinais de embriaguez, se deu prevalência ao resultado do teste quantitativo de detecção de álcool no sangue, através de ar expirado, considerando que apresentando o arguido uma taxa de alcoolemia de 1,012g/l; tal significava, indubitavelmente, que o mesmo estava sob o efeito de bebidas alcoólicas, sendo por demais conhecidos os efeitos que tal consumo provoca, designadamente causando “sensação de desinibição, de optimismo e de autoconfiança, e que pode levar a decisões impulsivas, arriscadas e imponderadas”, o que levou a que se concluísse que tal estado em que o arguido necessariamente se encontraria era manifestamente incompatível com as funções que poderia ter de desempenhar. Aliás, na aludida decisão afirma-se ainda que o próprio arguido reconheceu ter ingerido bebidas alcoólicas, bem sabendo que poderia – caso a sua equipa fosse chamada – ter de conduzir viatura automóvel, sendo que ao apresentar uma taxa de álcool no sangue de 1,012g/l o não poderia fazer, na medida que tal o faria incorrer na prática de uma contra-ordenação muito grave (cfr. art.º Do CEstrada), resultando de tal circunstancialismo, desde logo, que o mesmo não estava apto para o exercício das suas funções. Ou seja, mostram-se adequadamente justificados os motivos por que a factualidade em causa foi dada como demonstrada. Ora, sendo assim, e contrariamente ao defendido pelo recorrente que se limita a divergir quanto ao modo como o tribunal a quo teria apreciado a prova produzida, considerando que o deveria ter feito num outro sentido daquele que elegeu, designadamente valorizando o depoimento das testemunhas que indica em detrimento da prova cientificamente demonstrada, considera-se que a decisão em recurso se mostra devidamente fundamentada. Assim, não pode deixar de se considerar que, no caso dos autos, se justifica que se adira à decisão recorrida, no sentido e nos limites consentidos pelo artigo 425.º n.º 5 do CPP, norma que dispensa maior justificação. No entanto, dir-se-á, ainda, que o recurso da matéria de facto não se destina – como tem sido largamente referido pela doutrina e pela jurisprudência e supra já se assinalou – a efectuar um segundo julgamento. Com efeito, nesta sede, não se pode pretender que se proceda à reapreciação das provas produzidas em julgamento, tanto mais que o objecto do recurso é a sentença proferida e já não a acusação que esteve na origem de tal decisão. Por outro lado, na Relação, os decisores limitam-se a ouvir as gravações concretamente indicadas no recurso interposto, não se dispondo de imediação nem da possibilidade de intervir na produção da prova, designadamente colocando as questões que se julgariam pertinentes para esclarecimento de uma qualquer ambiguidade. Importa enfatizar que só a imediação com a produção dos meios probatórios – existente na realização da audiência de discussão e julgamento – permite verdadeiramente avaliar a produção do concreto meio de prova e retirar dele todas as ilações. De facto, o fenómeno da comunicação ultrapassa a expressão verbal, já que adquire evidente relevância a observação da linguagem corporal do depoente, nomeadamente se demonstra nervosismo e irrequietude ou, até, embaraço com a colocação de uma pergunta inesperada. Ora, a percepção dessa multiplicidade de atitudes, que ajudam a interpretar e avaliar da credibilidade de um depoimento, está, em grande parte, vedada ao Tribunal da Relação que apenas contacta com a manifestação verbal dos depoimentos. Assim, é indubitável que, ainda que respeitando o estatuído no CPPenal relativamente aos recursos e realizando-se uma interpretação em conformidade com os princípios constitucionais, existirá sempre alguma margem de insindicabilidade da decisão da matéria de facto operada pelo juiz do julgamento. Ou seja, a visão transmitida no Acórdão proferido, que se mostra devidamente fundamentada de acordo com a prova produzida – sendo certo que na mesma se faz uma determinada interpretação daquilo que ocorreu em julgamento, designadamente no que tange à credibilidade dos depoimentos prestados – não pode ser substituída por aquela trazida em sede de recurso e que se limita a fazer uma diferente interpretação de parte da prova produzida, na medida em que unicamente dá valor a alguns dos depoimentos prestados em detrimento de outros, que os descredibilizam, ao relatarem parte dos factos de modo divergente. Com efeito, não se pode isolar aqueles depoimentos que se considera que sustentam a interpretação defendida no recurso, descontextualizados do conjunto das restantes provas e ignorando as provas de sinal contrário às que se invocam. Na verdade, em sede de recurso da matéria de facto o que se pode pretender é identificar, depois demonstrar e, finalmente, corrigir erros perceptíveis da decisão. Para aferir da adequação do que acaba de se dizer, permita-se a transcrição de alguns excertos, que se creem extremamente elucidativos, da decisão recorrida e de alguma forma votados ao esquecimento pelo recorrente: “O significado da palavra embriagado equivale à ingestão de bebidas alcoólicas em demasia, o que arguido nega, mas tal declaração de negação é categoricamente contraditada pela concentração de gramas de álcool por cada litro de sangue que o arguido naquele dia, hora e local tinha no seu organismo. Ou seja, a embriaguez não resulta apurada apenas pela presença, ou ausência, de sinais compatíveis com a ingestão em demasia de bebidas alcoólicas, não é pela circunstância do arguido não parecer embriagado, que não o estava efectivamente, atendendo às funções que naquele momento se impunha que exercesse e que podia, a qualquer momento, durante a escala presencial, ter que desempenhar e que normalmente lhe competiriam. A falibilidade da percepção humana é legalmente ultrapassada pelo rigor técnico-científlco dos meios legais de detecção da presença de álcool no sangue, mormente, através do método de ar expirado, primeiramente, num teste de despistagem, meramente qualitativo, e perante essa detecção positiva, a submissão, igualmente por ar expirado, a um teste quantitativo, como sucedeu com o arguido.” Pois, o próprio arguido admite que caso a sua equipa fosse chamada - na eventualidade, ainda que remota, podia sê-lo - não podia conduzir qualquer viatura, deixando tal tarefa para um dos demais membros da equipa, e, portanto, não estava apto a levar a cabo um acto de condução, e quando confrontado com a possibilidade de ter transportar uma arma de fogo (de serviço) afoitamente afirmou que não costumam levar armas de fogo quando têm que intervir, para estarem mais fisicamente libertos, o que reforça a ilação que as funções exigem destreza física e coordenação motora, e o arguido, na sua óptica, uma taxa de alcoolemia registada de 1,10 g/l não interfere com a sua aptidão para poder desempenhar as funções, que podia ser chamado naquela tarde a desempenhar, nomeadamente de resgate em espaços confinados, de estabilização e transporte de vítimas, derrocadas controladas e outras como acima descritas. Sem olvidar que, mesmo mantendo-se no quartel, em escala presencial, as funções do arguido compreendem a manutenção do equipamento e do material, como, de facto sucedeu, sendo que tal comporta a manipulação de material sensível, como motosserras, de significativa dimensão precisamente porquanto se destinam ao corte de vigas e betão, e que operam a combustão, exigindo o manuseamento de materiais altamente inflamáveis, o que não se mostra igualmente coadunável com uma taxa de alcoolemia de 1,012 gramas de álcool de sangue, ainda que essa possa ter sido avaliação do superior hierárquico do arguido, o que só se compreende num contexto funcional de tolerância à presença de álcool, mas incompreensível numa estrutura militar e de resposta de emergência e em cenário de catástrofe ou de simples socorro a uma vítima que caiu num poço. Acresce ainda que, o legislador, embora noutro contexto, clarifica o conceito de embriaguez, como sucede na condução de veículos na via pública ou equiparada. Não se ignora que neste tipo de crime, o legislador não definiu parâmetros objectiváveis reconduzíveis a uma taxa de álcool no sangue, no entanto, em face dos princípios basilares da razoabilidade, da lógica e da experiência comum, não se pode igualmente ignorar que o arguido não estava apto a conduzir qualquer veículo com a taxa de alcoolemia que acusou, estando muito próximo da taxa de 1,2 g/l da imputação criminal, reputando o legislador a taxa máxima de 0,49 g/l para uma condução lícita após a ingestão de bebidas alcoólicas e impôs uma taxa de alcoolemia ainda substancialmente mais reduzida, para um máximo de 0,19 g/l, para determinados condutores, nomeadamente de veículos de socorro ou de serviço urgente, de transporte coletivo de crianças e de jovens até aos 16 anos, de táxis, de automóveis pesados de passageiros e de mercadorias. Sendo irrelevante se o condutor se sentia, ou não, embriagado, se aparentava, ou não, o estar ou se aos demais não denotava qualquer alteração de comportamento, pois, os efeitos perceptíveis exteriores da ingestão excessiva de bebidas alcoólicas não são, muitas vezes, coincidente com o grau de intoxicação do ser humano em termos de comprometimento da capacidade de reacção e de interacção, a sua velocidade, de coordenação motoro-visual e até de avaliação do risco/perigo com base nos princípios da cautela e da prudência que ficam inadequadamente mais flexíveis aquando do consumo em demasia de bebidas alcoólicas, e na verdade, as obrigações e funções que o arguido, naquela tarde, até às 17 horas e 30 minutos, podia ter que vir a cumprir exigem precisamente a ausência de compressão destes parâmetros. E, na perspectiva do arguido o mesmo podia ser chamado para ir socorrer vítimas em situação de emergência, socorro e catástrofe – pois podia ser chamado a tal e por esse motivo é que estava em situação de escala presencial - mas já não podia conduzir um qualquer veículo, não sendo assim irrelevante, nem inócuo, nem despiciendo o que legislador entende como sendo condução de veículo em estado de embriaguez, graduando, naturalmente, os patamares contraordenacionais (grave e muito grave) e criminais. Naturalmente, não se trata de um elemento factual legal determinante, mas auxilia na densificação da falta de aptidão por se ter colocado em estado de embriagado. Na realidade, tanto assim o foi, que os militares foram sujeitos a teste de despistagem, não se bastando o comando militar com a singela observação do que “lhe parece”, e perante um exame ainda que qualitativo mais alcoolicamente robusto, os militares, como sucedeu com o arguido - e pelo menos também com o militar GG - foram sujeitos a teste quantitativo. Sendo certo que, a pretensão do arguido de “desculpabilizar” a sua conduta com o facto de todos, ou quase todos, os militares acusaram a presença de álcool no sangue quando estão ao serviço, não só, não consubstancia qualquer causa nem da exclusão da ilicitude, nem da culpa, como também indicia uma política de tolerância generalizada de militares ao serviço com álcool no sangue. No que se refere ao dolo o mesmo baseia-se na matéria de facto objectiva dada como provada e nas regras da experiência comum, que atentos tais meios de prova permitem concluir que o arguido estava ciente que ao ingerir bebidas alcoólicas, nos moldes e na quantidade/qualidade em que o fez, se colocava numa situação que o tomava inapto para cumprir com as suas funções militares que podia ter que desempenhar (particularmente exigentes, em termos de acuidade, coordenação motora, concentração e disciplina), do que este estava plenamente ciente. Do depoimento prestado pela testemunha CC, militar da Guarda Nacional Republicana, que na data acima mencionada exercia igualmente funções no mesmo local, como superior hierárquico do arguido, resultou patentemente demonstrado que o arguido no dia e hora em causa foi sujeito ao teste quantitativo e, por determinação, do Capitão, foi determinada a elaboração do auto de notícia, e não obstante esta testemunha ter afirnado que “não notou no arguido diferenças em termos de comportamento”, a verdade é que, tal apreciação não invalida que o facto objectivo, objectivávcl e indubitável no sentido que o arguido apresentava, apesar de estar em escala presencial, uma taxa registada de alcoolemia 1,10 g/l, sendo que estranha é que esta testemunha valorize “o que lhe parece” em detrimento do resultado com rigor científico e técnico, apesar de ser militar da Guarda Nacional Republicana, especialmente, porquanto admitiu que, não obstante o arguido se encontrar integrado na segunda equipa, este tem que estar disponível para qualquer eventualidade, que pode ser fazer manutenção de material e equipamento ou ser chamado numa catástrofe com o exaurir da capacidade/disponibilidade/necessidade da primeira equipa, o que, ainda que possa ser pouco usual, é uma possibilidade para a qual o arguido está ao serviço e de escala presencial. Por seu turno, dos depoimentos prestados pelas testemunhas HH e II, militares da Guarda Nacional Republicana, exercendo também funções igualmente de chefia na mesma Unidade que o arguido, embora em Núcleos distintos, já resultou uma avaliação distinta no que tange à aptidão para as funções de um militar sob o seu comando com uma taxa de alcoolemia como a apresentada pelo arguido, mesmo não sendo visíveis sinais exteriores consentâneos, afirmando, sem hesitações, que não estava apto para o serviço. Do depoimento prestado pela testemunha DD, militar da Guarda Nacional Republicana, na data, exercendo funções no mesmo Núcleo que o arguido, resultou que o tratamento dado a todos os militares foi idêntico, não havendo tratamentos distintos, confirmando que todos foram sujeitos a testes de despistagem, mas que apenas o arguido e o “GG” foram posteriormente sujeitos a teste quantitativo, e na sua expressão, por ter acusado uma taxa baixa, sendo certo que, esta testemunha fez os mesmos treinos físicos que o arguido naquela manhã, almoçou na sua companhia e igualmente ingeriu cerca de dois copos de vinho, bem como foi sujeito ao mesmo teste de despistagem à mesmo hora, após o almoço, sendo objectivamente irrelevante a existência, ou não, de motivações de celebração. Com efeito, dos depoimentos nada resultou que contraditasse a objectividade rigorosa e cristalina da taxa de alcoolemia detectada no organismo do arguido, o qual não quis contraprova, a qual adveio inequivocamente da ingestão de bebidas alcoólicas pelo arguido, o que só ocorreu por sua vontade, tomando-se inapto para o cumprimento das obrigações de serviço que teria que desempenhar, caso fosse necessário, tendo que estar em situação de pronto durante a escala presencial. Igualmente se ponderou, juntamente com as declarações do arguido e com os depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas, a análise crítica e conjugada do teor de: - fls. 4 a 6, auto de notícia, no que diz respeito à data, hora e local aí devidamente indicados, cujo conteúdo foi integralmente confirmado pelo depoimento prestado pela testemunha CC; - fls. 8, consta o certificação de verificação metrológica, certificado pelo Instituto Português da Qualidade, inferindo-se inequivocamente que o aparelho quantitativo utilizado no teste a que o arguido foi submetido, através do ar expirado - meio legal de apuramento quantitativo da taxa de alcoolemia – se encontrava devida calibrado e aferido pela autoridade pública competente e dentro do período legal anual da verificação periódica, sendo certo que, se teve em consideração a taxa de alcoolemia após a dedução do erro máximo admissível, ainda assim de 1,012 g/l; - fls. 9, infere-se a taxa de alcoolemia registada no aparelho aí devidamente identificado, assinado pelo arguido, tendo o mesmo prescindido de contraprova, o que reveste um comportamento exterior concludente de conformação para com o valor registado, como o próprio arguido admitiu, e nas suas palavras “conformou-se”, dizendo as regras da lógica e da experiência comum que quem não se revê na taxa de alcoolemia registada, porquanto não tem, na sua óptica, correspondência com as bebidas alcoólicas ingeridas (ou em número de doses ou em grau de percentagem etílica de cada uma delas) não abdica do exame de contraprova; - fls. 46 a 64 e a Hs. 87 a 123, constam as Normas de Execução Permanente, com especificação das acções e obrigações; - fls. 74 (e novamente a fls. 86), consta o mapa de escalas do Núcleo de Busca e Resgate em Estruturas Colapsadas, não subsistindo qualquer dúvida que o arguido era efectivo na segunda equipa (DS), conjugada com a informação de fls. 174 a 176 (descrição pormenorizada das funções que o arguido podia vir a desempenhar). Desta feita, e no que se refere ao elemento volitivo, resultou cabal e inequivocamente demonstrado que, o arguido actuou de forma dolosa, e na sua vertente mais intensa, a de dolo directo, dado que o arguido estava plenamente ciente de que se encontrava em serviço, mais sabia quais as tarefas (e as horas escaladas) que lhe competia executar, bem sabendo que ao ingerir bebidas alcoólicas, nos moldes e nas quantidades em que o fez, criava as condições adequadas para ficar sob o efeito das mesmas, ficando, por se encontrar embriagado, inapto para o exercício das funções que podia ter que desempenhar e para o cumprimento das obrigações de serviço que normalmente lhe vieram a competir, atendendo ao grau de prontidão, DS, ou seja, pronto. Com efeito, o arguido encontrando-se escalado de serviço, como efectivamente o estava, em escala presencial até às 17 horas e 30 minutos, do dia ….05.2022, tinha que se manter obrigatoriamente pronto para qualquer tipo de serviço ou missão devidamente enquadrado numa equipa de intervenção que actua em cenários específicos de busca e resgaste em estruturas colapsadas, e sabia que o exercício dessas funções que podia ser chamado a desempenhar ficavam comprometidas, por inaptidão, ao ter ingerido bebidas alcoólicas que lhe comportaram uma taxa de alcoolemia, de pelo menos, de 1,012 gramas de álcool por cada litro de sangue, ciente que uma taxa de alcoolemia deste grau tem repercussões no estado de alerta, de acuidade e de prontidão que as suas funções exigiam, ainda que exteriormente pudesse não ser perceptível, pois, o estado de embriaguez não é um estado subjectivo, nem de sentimentos. Ora, daqui decorre que, diferentemente daquilo que se alega no recurso em apreço, a convicção do tribunal a quo se mostra perfeitamente estribada na prova produzida, não existindo qualquer fundamento para que os pontos em causa fossem julgados como não provados. Com efeito, tendo-se procedido à audição do registo áudio das declarações e depoimentos, nestes se incluindo os segmentos indicados na motivação do recurso, não se vislumbra, no processo de formação da convicção do tribunal recorrido, qualquer erro de racionalidade ou infracção de regras de experiência comum. Assim julga-se que se deve manter, como se mantém, a decisão recorrida em matéria de facto. - Não preenchimento do crime de incumprimento dos deveres de serviço, previsto e punido no art.º 67º, 2, al. b) do CJMilitar. A norma em epígrafe, que prevê o tipo de crime em apreço estatui que “O militar que, não estando no exercício das funções previstas no número anterior, nem nomeado ou avisado para as mesmas, se embriagar, consumir estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, tornando-se inapto para o cumprimento das obrigações de serviço que normalmente lhe vierem a competir, de acordo com o grau de prontidão da força ou instalação a que pertença, é punido: (…) b) Com pena de prisão de 1 a 6 meses, em tempo de paz. Importará, ainda, atentar, face ao requerimento que consubstancia a interposição do recurso analisado, que do n.º 3 do mencionado inciso legal decorre “Nos casos previstos na alínea d) do nº 1 e na alínea b) do número anterior, se à conduta do agente se não seguir qualquer prejuízo para a segurança ou prontidão operacional, a pena pode ser especialmente atenuada.” Resulta da aludida norma que este crime é um de natureza específica, apenas passível de ser praticado pelo militar que, não estando nomeado ou avisado para serviço de segurança ou serviço necessário à prontidão operacional de força ou instalação militares, revelar inaptidão para cumprir a missão para que possa ser convocado. Assim sendo, a conduta típica realiza-se quando o militar – sujeito activo desta hipótese de conduta – se embriagar, consumir estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, tornando-se inapto para o cumprimento das obrigações de serviço que normalmente lhe vierem a competir, de acordo com o grau de prontidão da força ou instalação a que pertença. Subjectivamente, o tipo é necessariamente doloso, admitindo, contudo, que tal manifestação se verifique em qualquer das suas modalidades. Por outro lado, o bem jurídico protegido pela norma incriminadora é a segurança das Forças Armadas e os deveres conexos à respectiva emergência – como dito, estamos na presença de um crime apenas susceptível de ser praticado por um militar. Na verdade, decorre do artigo 4º, nº 1, alínea a) do Código de Justiça Militar: “Para efeitos deste Código, consideram-se militares os Oficiais, Sargentos e Praças dos quadros permanentes das Forças Armadas e da Guarda Nacional Republicana em qualquer situação.”. É, pois, um crime do perímetro castrense, em que apenas cabem as infrações que afectem interesses de carácter militar. Ora, a Guarda Nacional Republicana (doravante GNR) é uma força de segurança de natureza militar, constituída por agentes hierarquicamente organizados numa especial cadeia de comando e que alberga um corpo especial de tropas, administrativamente autónomo e com competência de acção no território nacional integralmente considerado – abrangendo, pois, a parcela de oceano que pertence à República Portuguesa. Nas organizações militares – onde, por força de Lei e da especificidade do regime se inclui a GNR – a segurança e a disciplina são fundamentos indispensáveis para o seu cabal funcionamento, erigindo-se como valores verdadeiramente estruturantes das instituições, atenta a essencialidade que representam para a prossecução das suas finalidades. Qualquer militar está, assim, obrigado a especiais deveres de obediência e à preservação de uma matricial garantia da segurança; por isso, o militar deve pautar os seus procedimentos por padrões de conduta elevados, observando irrepreensível ética comportamental, defendendo a Constituição e a lei. No que tange, concretamente, à conduta objectiva e típica prevista no supra transcrito preceito normativo dir-se-á que o mesmo se caracteriza por traduzir um resultado de perigo (abstracto-concreto) para a segurança da Instituição Militar, por o agente se colocar, por vontade própria, em situação de inaptidão para o serviço para o qual deve estar disponível, designadamente embriagando-se. Com efeito, um dos meios pelos quais o militar se coloca na situação proscrita pela norma é, justamente, o estado de embriaguez. Todavia, é certo, a Lei não indica qualquer taxa de alcoolemia que deva considerar-se como limite quantitativo mínimo para a existência e preenchimento do sobredito elemento. Caberá, pois, ao intérprete e aplicador densificar o referido quid. A medicina, a doutrina e a jurisprudência têm destacado as variáveis que podem condicionar a determinação da embriaguez, bem como as repercussões que a apresentação de determinados graus de alcoolemia em pessoas diferentes representa – tudo aponta, de facto, para a inexistência de um quadro único que possa servir de referência e que se alcandore à natureza de medida padronizada para a respectiva avaliação da suposta embriaguez. De resto, também na lei não é possível encontrar um conceito unívoco desse estado, designadamente através do reporte a uma determinada T.A.S passível de utilização como padrão único e uniforme sempre que o legislador fizesse menção ao antedito estado. Nesta confluência, dada a especificidade e natureza do tipo de ilícito em causa, importará considerar as concretas missões a que cada militar está vinculado e, bem assim, o grau de exigência que lhe é inerente, nomeadamente, físico, mental, motor e psíquico; com efeito, a acção de um militar da GNR implica uma ampla e distinta variedade de tarefas, desde a mais minuciosa e difícil à mais banal. Por isso, o estado de embriaguez não poderá coincidir com as quantidades de álcool que a Lei associa à criminalização da condução de viaturas automóveis, dado que tal representaria um insustentável desprendimento da função concreta do militar e do serviço que lhe está adstrito. Ou seja, de alguma forma é o conteúdo da função que delimita normativamente a capacidade de a executar e implica a aptidão ou inaptidão do agente em concreto. Por isso, a generalização – se seria desejável do ponto de vista da segurança do intérprete – geraria um tratamento igual de situações absolutamente díspares. Na verdade, a sobriedade, disponibilidade e capacidade de concentração exigíveis a um militar que esteja a uma secretária a arrumar mecanicamente papéis não pode ser igual àquele que possa ser chamado a manobrar máquinas quando esteja em causa a salvaguarda da segurança da comunidade. Isto é, o que releva é a inaptidão para cumprir o concreto serviço para o qual pode vir a ser chamado por se encontrar em estado de embriaguez voluntariamente gerado. Ou seja, o tipo postula obrigatoriamente uma relação entre a acção do agente que se embriaga e a produção do perigo que o torna inapto para a consecução desse âmbito funcional enquanto probabilidade, dado que está dispensada a verificação do concreto incumprimento do serviço pelo agente. Ademais, na estrutura militar da GNR existem Normas de Execução Permanente, sendo que a 2.19 respeita à Prevenção e Combate ao Consumo de Álcool, referindo que "uma taxa entre 0.5 e 0,8 g/1, a qual afeta o desempenho na condução de veículos automóveis, manobra de máquinas ou armamento potencialmente perigosas, e manipulação de documentação classificada inconveniente, devido a alguns efeitos típicos deste estado de influência alcoólica, ( e que estão de acordo com proibições previstas na lei civil, Código da Estrada e Lei das Armas) como: - Tempos de reação ao estímulo aumentados e reações alteradas (descoordenação muscular); - Ampliação dos estados de euforia e desinibição ou início de sedação; - Hálito ligeiramente alcoólico; - Movimentação e discursos desajeitados e grosseiros." Como se vê, o consumo de álcool é manifestamente vedado aos militares da força, desde que estejam em exercício de funções ou na iminência de entrarem ao serviço. Ora, na hipótese dos autos, o militar escalado (ainda que não lhe tenham surpreendidos estes indícios) estava escriturado na situação de “pronto” no Núcleo de Busca e Resgate em Estruturas Colapsadas da Companhia de Intervenção e Protecção em Emergência da Unidade de Emergência de Protecção e Socorro, no quartel da .... Estava, pois, escalado presencialmente no quartel em causa das 09 horas às 17 horas e 30 minutos e inserindo-se em escala “D8”. Tal implicava a sua disponibilidade presencial no quartel, entre as aludidas horas, para saída do quartel preparado para execução do serviço em caso de activação, designadamente para desempenhar as funções enquadradas no serviço geral da GNR e as específicas do Núcleo de Busca e Resgate em Estruturas Colapsadas, nomeadamente, movimentação manual/mecânica de cargas, resgate em espaços confinados, entivação e resgate em valas, detecção, medição e monitorização de ambientes NRBQ, mapeamento e sinalética de áreas no âmbito das estruturas colapsadas, estabilização e transporte de vítimas, derrocadas controladas, resgate com recurso a técnicas de acesso e posicionamento por cordas, estabilização estrutural, proteção e segurança, busca técnica, abertura de acessos, resgate em águas e tunelamento. Ora, com o grau de intoxicação que manifestamente apresentava, causada por consumos etílicos – note-se que, por exemplo, não pode deter a arma de serviço, quando acusar uma T.A.S a partir de 0,50/gl, (vide artigo 45º, da Lei 5/2006 de 23.02, Lei das Armas), nem pode, consabidamente, conduzir qualquer viatura automóvel – dúvidas não existem que a dita taxa de alcoolemia é considerada pelo próprio legislador como incapacitante para a realização de determinadas tarefas. Com efeito, por exemplo, o crime p. e p. pelo artigo 292º do CPenal é um crime de perigo abstracto – quer isto dizer que o perigo advindo para a segurança rodoviária do comportamento estradal de um condutor etilizado, não precisa de se revelar em concreto; com efeito, apenas funcionou como causa da incriminação por que optou o legislador. Por outro lado, no caso concreto, o recorrente poderia vir a ser chamado para desempenhar missões altamente delicadas, em que existiria a forte possibilidade de estar em causa a segurança de bens patrimoniais de valor relevante e, bem assim, de vidas humanas. Assim, dada a sua experiência profissional, o recorrente estava inequivocamente ciente da necessidade de observar o cumprimento rigoroso dos seus deveres profissionais, designadamente por força da importância das funções que lhe poderiam caber. Ora, em função da ponderação da missão potencialmente a desempenhar pelo militar – acima caracterizada, e da qual o agente tinha perfeita consciência –, em face da colocação voluntária do mesmo com TAS superior a 1g/l, uma vez que ingeriu bebidas alcoólicas em quantidade e qualidade que originaram aquele grau de embriaguez, sabia que ficava inapto para o cumprimento dos deveres de serviço na missão que lhe poderia caber. Na realidade, não podendo o recorrente conduzir viaturas automóveis, utilizar armas ou manobrar máquinas, porque embriagado, não se mostrava disponível para o cumprimento do serviço para o qual potencialmente podia ser convocado. Em face do exposto, o recorrente colocou-se sob a égide da norma incriminadora, já que violou o bem jurídico segurança por ela protegido. - Eventual atenuação especial da pena, nos termos do preceituado no art.º 67º, 3 do CJMilitar. Como visto, o citado art.º 67º, 3 do CJMilitar cria a possibilidade de emergir uma atenuação especial da pena. Nesse conspecto, defende o recorrente que não foi feita prova de que, em consequência da TAS por si apresentada, tenha existido qualquer prejuízo para a prontidão operacional do serviço, na medida em que continuou a laborar mesmo depois do teste de alcoolemia realizado tendo cumprido todas as suas obrigações. De acordo com o estabelecido na norma citada poderá – trata-se, efectivamente, de uma faculdade e não de uma imposição – a pena ser atenuada se à conduta do agente se não seguir qualquer prejuízo para a segurança ou prontidão operacional. Ou seja, é necessária a verificação de um específico circunstancialismo que permita que se conclua por uma diminuição acentuda das exigências de punição do facto, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá considerado quando fixou os limites da moldura penal respectiva. Então, nas aludidas situações e como válvula de segurança, necessariamente de natureza relativamente extraordinária ou mesmo excepcional, pode optar-se por uma atenuação especial da pena. Contudo, no caso dos autos essas especificas circunstâncias que permitiriam a aludida atenuação não se verificam. Com efeito, é patente que com o seu comportamento o recorrente causou um perigo para a segurança ou prontidão operacionais, na medida em que, como supra já se explanou, o mesmo se colocou voluntariamente em estado de embriaguez, o que o deixou inapto para o exercício das – delicadas e relevantes – funções que podia vir a ser chamado a desempenhar. Acresce que nenhum dos fundamentos invocados pelo recorrente afasta tal conclusão. Com efeito, não é pelo facto de o mesmo ter continuado no quartel a exercer as funções que lhe foram atribuidas que significa que o mesmo não tenha criado efectivo prejuízo para o bem jurídico em causa – como já dito, o recorrente não dispunha das condições para desempenhar as tarefas exigidas pelo seu estado de “prontidão” operacional, como, por exemplo, conduzir viaturas automóveis ou utilizar armas. Por isso, o prejuízo para a prontidão operacional e para a segurança resultaram necessariamente da conduta de intoxicação alcoólica do agente. No momento em que o recorrente – sabedor de que estava num estado especial em que poderia ser chamado a intervir – ingeriu bebidas alcoólicas colocou imediatamente em causa a disponibilidade e aptidão para intervir. É certo que, felizmente, o corpo de que fazia parte não teve de intervir e que esse prejuízo não passou do estádio de perigo, sem colocar em causa um qualquer auxílio à comunidade. Contudo, não é essa a razão da atenuação especial. Esta só conhece a possibilidade de aplicação se o perigo para a segurança e dos valores a ela conexos não chegar a eclodir. Não foi esse o caso, motivo por que também não assiste razão ao recorrente quando invoca a suposta desatenção do Acórdão recorrido à solução constante do n.º 3 do artigo 67º do CJM. Em suma, o recurso não merece provimento. V. Decisão: Pelo exposto, acordam os Juízes da 9ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, confirmar o acórdão recorrido nos seus precisos termos. * Condena-se o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC - arts. 513º/1 do Código de Processo Penal, 8º/9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma. Notifique. * Lisboa, 16 de Janeiro de 2025 Rosa Maria Cardoso Saraiva Diogo Coelho de Sousa Leitão Fernando Jorge Ferreira Seuanes |