Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | TERESA PARDAL | ||
Descritores: | CERTIFICADOS DE AFORRO ÓBITO DO TITULAR HERDEIRO PRESCRIÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/19/2024 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | Na acção em que a autora pede que lhe sejam transmitidos os certificados de aforro, série-B do IGCP, por via do óbito do respectivo titular, seu pai, de quem é única herdeira, tendo-se provado que requereu o levantamento 15 anos depois do óbito e não logrando a autora provar que só nessa altura teve conhecimento da existência dos títulos, prescreveu o direito que invoca, quer contando o prazo de prescrição de 10 anos a partir do alegado conhecimento do seu direito, como defendido na petição inicial, quer a partir do óbito do titular, como defendido pela ré. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO. M… intentou contra Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública - IGCP acção declarativa de processo comum alegando, em síntese, que o seu pai era aforrista do IGCP e titular de certificados de aforro, série B de 9/1/90, 30/1/92 e 30/1/92, respectivamente de 2.000, 1.000 e de 1.000 unidades, todos com o valor unitário de 500$00, tendo sido atribuído à autora poderes para a sua movimentação, mas quando o seu pai faleceu em 13/8/98 e a autora lhe sucedeu como única herdeira, desconhecia a existência destes certificados de aforro, como consequência de doença de que padece e que a afecta seriamente na execução de várias competências, razão pela qual só em 2013 tomou conhecimento da existência destes títulos e se dirigiu a uma estação dos CTT, onde foi informada de que a conta do aforrista estava bloqueada, em virtude de o seu falecimento ter ocorrido há mais de 10 anos, dirigindo então a autora uma carta à ré, expondo-lhe o motivo de não ter reclamado antes os títulos, respondendo-lhe a ré, por carta de 24/9/2013, que mantinha a decisão de considerar prescritos os certificados de aforro por terem decorrido mais de 10 anos sobre a ocorrência do óbito, entendimento de que a autora discorda porque o prazo prescricional só deve ser contado a partir do ano de 2013, altura em que a autora tomou conhecimento do seu direito. Concluiu pedindo a condenação da ré a transmitir-lhe a totalidade das unidades que constituem os certificados de aforro, através da emissão de novos certificados. A ré contestou arguindo a excepção de prescrição e impugnando os factos alegados na petição inicial quanto ao desconhecimento da existência dos títulos por parte da autora. Concluiu pedindo a procedência da excepção de prescrição e a improcedência da acção com a absolvição do pedido. A autora respondeu à excepção de prescrição, opondo-se. Notificada a autora para liquidar o pedido e concretizar o critério utilizado para determinar o valor da acção, veio a autora indicar o valor de 43.340,18 euros para os certificados e para a acção. Saneados os autos, procedeu-se a julgamento, findo o qual foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e absolveu a ré do pedido. * Inconformada, a autora interpôs recurso e alegou, formulando as seguintes conclusões: A. A douta sentença recorrida deu como provado o seguinte facto: 7. Em data não concretamente apurada, a autora encontrou os certificados de aforro supra mencionados na casa onde vivia com os pais. E como não provados os seguintes factos: A. A autora apenas teve conhecimento dos certificados de aforro mencionados no facto provado nº3, no ano de 2013. B. A Autora só teve conhecimento da existência dos certificados de aforro em 2013 em virtude do transtorno depressivo de que padece e que a atingiu após o falecimento da sua mãe e do seu único irmão, ocorridos em 1984. B. Porque a recorrente considera incorretamente julgados os factos acima indicados, vem proceder à sua impugnação, pedindo a sua reapreciação por esse Venerando Tribunal. C. O Tribunal a quo declara na douta sentença recorrida que a sua convicção se funda na apreciação da documentação junta aos autos. D. De entre essa documentação avulta o Relatório Médico subscrito pelo médico psiquiatra AL, datado de 28 de maio de 2013. E. Nesse relatório Médico o psiquiatra declarou, além do mais, que: ➢ A autora sofre de transtorno depressivo recorrente, grave, de longa evolução; ➢ desde há cerca de vinte anos; ➢ com história de agravamento insidioso e agudizações múltiplas e intensas; ➢ sequencialmente a stress's do seu quotidiano; ➢ Por morte de familiares diretos e outras perdas; ➢ com reflexos significativamente negativos nas esferas, cognitiva, afetiva, volitiva, relacional e comportamental; ➢ e subsequente défice na execução das várias competências, nomeadamente sociais, laborais e pessoais. F. Este Relatório Médico é consistente com o percurso de vida da recorrente, que viu falecer a mãe por doença oncológica, o irmão por acidente de viação e o pai por ataque cardíaco. G. Relatório confirmado pelas testemunhas R… e O… e que levou o Tribunal a quo a escrever o seguinte na douta sentença recorrida: “…a Autora como uma pessoa frágil, sem iniciativa e pouco diligente pelo que, também não poderá este Tribunal fazer apelo às regras da experiência comum, no sentido de concluir que uma pessoa medianamente diligente, trataria de proceder ao levantamento dos certificados de aforro logo que tomasse conhecimento dos mesmos” H. Daqui decorre que dado o transtorno depressivo grave de que enferma a recorrente, o seu caso não pode ser ajuizado à luz das regras da experiência comum de uma pessoa medianamente diligente. I. Mau grado isto o Tribunal a quo não só não levou o Relatório Médico – ou o seu teor - aos factos provados, como erradamente o desvaloriza no que respeita à enfermidade de que a recorrente sofre, à etiologia que lhe subjaz e ao momento em que foi diagnosticada. J. Daí que não se perceba e muito menos se aceite que o Tribunal a quo em face deste Relatório Médico, que não foi impugnado, se considere impedido de estribar a convicção quanto ao facto da patologia se verificar há já 20 anos. K. Em 9 de janeiro de 1990 e 30 de janeiro de 1992 o pai da recorrente subscreveu 4.000 unidades de certificados de aforro, onde figurava como titular e como movimentadora a recorrente. L. Trata-se de títulos da divida pública, nominativos, amortizáveis, destinados à captação de poupança de pessoas singulares, admitindo apenas um titular e emitidos sem prazo. M. Sendo que à data da emissão dos certificados ajuizados – série B, os mesmos não eram registados em conta de valores mobiliários, nem era enviado extrato ao seu titular. N. É neste enquadramento que a testemunha arrolada pela recorrida e que assina em sua representação a carta junta sob o nº 9 com a petição inicial Sr.ª D. F…, declarou na audiência de julgamento: • Em 98 não teve conhecimento do óbito, porque ninguém lho comunicou; • Em 2012 foi feito um protocolo de troca de informações com o IRN; • Tendo então a recorrida tido conhecimento de imensos óbitos por comunicar; • Nos quais se incluía o pai da recorrente; • Pelo que em 29 de junho de 2012 o valor dos certificados de aforro foi entregue ao fundo de regularização da dívida pública; • A recorrida não fez qualquer comunicação à movimentadora, ora recorrente, porque desconhecia a sua identidade, assim como desconhecia a morada e grau de parentesco; • E também nunca enviou extratos ao titular, nem à movimentadora, porque não havia morada associada à conta do aforrista. O. Do depoimento da testemunha F… resulta que a recorrida: • Não conhecia a morada do aforrista, nem nunca lhe enviou qualquer extrato; • Até 29 de junho de 2012 a recorrente podia ter levantado os certificados de aforro, apesar de decorridos mais de 10 anos sobre a morte do pai, pois somente nesta data a recorrida teve conhecimento da respetiva morte através do IRN e bloqueou a conta do aforrista; • A recorrida desconhecia a existência da movimentadora, sua identidade e morada; • Pelo que nada lhe comunicou. P. Estes factos são consistentes com a conduta da recorrente, como o evidencia a relação de bens apresentada na sequência do óbito do pai, na qual não relaciona os certificados de aforro apesar de: • Ter relacionado, além do mais, 33.023 ações nominativas da sociedade …, SA; • Cujo valor é certificado por Documento da Bolsa de valores de Lisboa; • Sendo que como resulta da análise da relação de bens a mesma foi preparada por terceiro como o evidenciam os dizeres e o traço das letras “Rasurei: 258.000$00”; Acrescentei “Documento da Bolsa de Valores de Lisboa”, completamente distintos da letra da assinatura da recorrente. Q. Acresce que a recorrente somente por carta de 11 de junho de 2013 (Doc. nº 8 junto com a petição inicial) comunicou à recorrida que: • Apenas no decurso do ano de 2013 tomou conhecimento da existência dos certificados de aforro; • Tendo-se dirigido a uma estação do CTT para proceder ao seu levantamento; • O que não conseguiu por ter sido informada que a conta do aforrista estava bloqueada em virtude do seu falecimento ter ocorrido há mais de dez anos. R. Ora como declarou a Sr.ª D. F… no seu depoimento a conta do aforrista apenas foi bloqueada em 29 de junho de 2012. S. Pelo que somente a partir dessa data os CTT podiam conhecer o bloqueamento da conta do aforrista. T. Ou seja, o conhecimento pela recorrente da existência dos certificados de aforro apenas se podia situar entre: • 29 de junho de 2012, data do bloqueamento da conta do aforrista em consequência do conhecimento do respetivo óbito; • E 11 de junho de 2013, data da carta remetida pelo recorrente à recorrida. U. Ora como a presente ação foi instaurada no dia 5 de novembro de 2021, daqui decorre que foi instaurada antes de decorridos 10 anos sobre o conhecimento da existência dos certificados de aforro. V. Ou seja, o direito da recorrente não prescreveu. W. Esta factualidade foi confirmada pelos depoimentos das testemunhas R… e O… como consta das respetivas gravações. X. O julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo contraria frontalmente o depoimento de todas as testemunhas, bem como a prova documental produzida onde avultam a relação de bens e a carta de 11.06.2013 da recorrente. Y. Impondo-se, por isso, que esse Venerando Tribunal reaprecie a matéria de facto impugnada, declarando que a mesma seja fixada nos seguintes termos: A – Factos Provados “7. Em data não concretamente apurada, mas situada entre o dia 29 de junho de 2012 e o dia 11 de junho de 2013, a Autora encontrou os certificados de aforro supra mencionados na casa onde vivia com o seu pai”. B – Factos Não Provados Os factos dados como não provados sob as alíneas A) e B) devem ser dados como Provados e com o seguinte teor: “A. A Autora apenas teve conhecimento dos certificados mencionados no facto provados n 3, no período de tempo que medeia entre o dia 29 de junho de 2012 e o dia 11 de junho de 2013”. “B. A Autora só teve conhecimento da existência dos certificados de aforro no período que medeia entre 29 de junho de 2012 e 11 de junho de 2013, em virtude do transtorno depressivo recorrente, grave, de longa duração (desde há cerca de vinte anos), com história de agravamento insidioso e agudizações múltiplas e intensas sequencialmente a stress’s do seu quotidiano (morte de familiares diretos e outras perdas)”. Z. O artigo 3 nº 1 do DL 172-B/86, de 30.06, estabelece que os certificados de aforro são nominativos, reembolsáveis, só transmissíveis por morte. AA. Por seu turno o artigo 7 nº 1 do mesmo diploma estabelece que por morte do titular de um certificado de aforro, podem os herdeiros requerer, dentro do prazo de dez anos, a transmissão da titularidade das unidades que o constituem. BB. Decorrido o prazo de 10 anos os certificados de aforro prescrevem a favor do Fundo de Regularizações da Divida Pública. CC. A prescrição é uma forma de extinção de um direito, pelo seu não exercício num determinado lapso de tempo, sancionando o respetivo titular pela sua inércia ou negligência injustificada. DD. O artigo 306 nº 1 do Código Civil determina que o prazo da prescrição apenas inicia a sua contagem quando o direito puder ser exercido. EE. O Supremo Tribunal de Justiça através de doutos Acórdãos, onde avultam os datados de 08.01.2019, 14.07.2020, 29.10.2020 e 06.10.2022, tem decidido que no caso em apreço o prazo prescricional apenas tem início quando os herdeiros do aforrista tiverem conhecimento da existência dos certificados de aforro. FF. A prescrição visa sancionar a inércia ou negligência do titular do direito. GG. Ora ninguém pode exercer um direito que não conhece ter. HH. Pelo que o decurso do prazo prescricional não se pode iniciar, sem que o seu titular tenha conhecimento do direito que lhe assiste. II. De acordo com a prova documental e testemunhal produzida ficou provado que a recorrente somente teve conhecimento do direito que lhe assistia – a existência dos certificados de aforro, entre o dia 29 de junho de 2012 – data em que a recorrida bloqueou a conta do aforrista seu pai, e o dia 11 de junho de 2013 – data em que a recorrente solicitou o seu reembolso à recorrida. JJ. Acontece que a presente ação foi instaurada em 5 de novembro de 2021. KK. Isto é, antes de decorrido o prazo prescricional de 10 anos, que se completaria no dia 28 de junho de 2022. LL. Importa ainda referir que nada na lei impunha à recorrente que diligenciasse junto de qualquer organismo público, como a recorrida, o apuramento da eventual existência dos certificados de aforro ajuizados. MM. Ou seja, a recorrente desconhecia a existência destes certificados, razão pela qual não os indicou na relação de bens, nem os tentou levantar até 2013. NN. Conduta que qualquer pessoa normal adotaria, atento o benefício financeiro daí decorrente. OO. Ora, como se deixou provado através dos depoimentos das testemunhas R…. e O… e do Relatório Médico do psiquiatra Dr. L…, esta conduta da recorrente explica-se pela doença psíquica de que enferma, que é fortemente limitadora da sua ação e conhecimento. PP. A recorrente desconhecia pois, sem culpa sua, o direito que lhe assiste. QQ. Não podendo a sua conduta ser sancionada como inércia negligente, e, como tal, indigna de proteção jurídica. RR. Impõe-se, por isso, a revogação da douta sentença recorrida, julgando-se procedente a ação instaurada pela recorrente, com as legais consequências. Termos em que se requer a V. Exas se dignem conceder provimento ao presente recurso ordinário de apelação, e, em consequência: Primeiro: Reapreciar a decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto impugnada, fixando-a nos seguintes termos: A – Factos Provados “7. Em data não concretamente apurada, mas situada entre o dia 29 de junho de 2012 e o dia 11 de junho de 2013, a Autora encontrou os certificados de aforro supra mencionados na casa onde vivia com o seu pai”. B – Factos Não Provados Os factos dados como não provados sob as alíneas A) e B) devem ser dados como Provados e com o seguinte teor: “A. A Autora apenas teve conhecimento dos certificados mencionados no facto provado nº3, no período de tempo que medeia entre o dia 29 de junho de 2012 e o dia 11 de junho de 2013”. “B. A Autora só teve conhecimento da existência dos certificados de aforro no período que medeia entre 29 de junho de 2012 e 11 de junho de 2013, em virtude do transtorno depressivo recorrente, grave, de longa duração (desde há cerca de vinte anos), com história de agravamento insidioso e agudizações múltiplas e intensas sequencialmente a stress’s do seu quotidiano (morte de familiares diretos e outras perdas)”. Segundo: Revogar a douta sentença recorrida, julgando esta ação procedente por provada. * A recorrida contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e formulando pedido de ampliação do âmbito do recurso, nos seguintes termos: a. Da admissibilidade da ampliação do objeto do recurso a requerimento da Recorrida AA. A Recorrida requer, a título subsidiário, a ampliação do objeto do recurso, ao abrigo do n.º 1 do artigo 636.º do CPC, estando reunidas as condições de admissibilidade da mesma, pois decorre do referido preceito legal que a parte recorrida pode suscitar nas suas contra-alegações a reapreciação dos fundamentos em que tenha decaído, ainda que seja parte vencedora quanto ao resultado final vertido na decisão recorrida, com o intuito de “prevenir os riscos de uma eventual resposta favorável do tribunal de recurso às questões que tenham sido suscitadas pelo recorrente” 50 ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA, LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª edição, Almedina, 2021, p. 790. BB. Assim, precavendo uma eventual decisão do Venerando Tribunal favorável à Recorrente quanto à reapreciação da matéria de facto que esta requer – no que não se concede e apenas por extrema cautela de patrocínio se equaciona – vem a Recorrida requerer a reapreciação dos fundamentos de direito em que decaiu, os quais não interferiram (ainda) no resultado final da ação, mas não foram sufragados pelo Tribunal a quo na “Fundamentação de Direito” da Sentença Recorrida (diga-se, incorretamente). CC. É que, com o devido respeito, é entendimento da Recorrida que o Tribunal a quo – apesar de fazer uma correta análise da matéria de facto e uma correta valoração da prova produzida nos autos - efetuou uma errada interpretação das regras jurídicas aplicáveis ao caso concreto, em concreto quanto ao termo inicial do prazo de prescrição para o exercício dos direitos dos herdeiros de aforristas. b. Do objeto e do mérito da ampliação ora requerida DD. É certo que a decisão final de absolução da Recorrida do pedido vertida na Sentença Recorrida foi a mais acertada, mas a Recorrida não pode ignorar que os fundamentos de direito subjacentes à sua defesa não foram acolhidos pelo Tribunal a quo: com o devido respeito, entende a Recorrida que mal andou o Tribunal a quo ao entender que “o termo inicial do prazo para a extinção dos direitos à transmissão ou ao reembolso, previstos no artigo 7.º do Decreto-lei n.º 172-B/86, apenas tem início quando os herdeiros do aforrista tomam conhecimento da existência de certificados de aforro”, tendo este incorrido numa errada interpretação do regime jurídico da prescrição especialmente previsto para os certificados de aforro (nomeadamente, do artigo 7.º do Regime dos Certificados de Aforro Série B e dos artigos 9.º e 306.º, n.º 1 do CC, regras jurídicas estas que se mostram violadas). EE. Outrossim, os referidos preceitos, devidamente interpretados, implicariam também a procedência da exceção perentória de prescrição do direito da Autora, ora Recorrente, importando, da mesma maneira, a absolvição total da Ré, ora Recorrida, do pedido por aquela formulado. c. Da errada interpretação do regime especial da prescrição aplicável aos Certificados de Aforro FF. A interpretação vertida na Sentença Recorrida de que o prazo de prescrição em questão se inicia no momento em que o herdeiro toma conhecimento da existência dos certificados de aforro, além e não encontrar o mínimo de correspondência na letra da lei, carece de fundamentação que a suporte, não se compaginando com a ratio legis subjacente ao instituto da prescrição objetiva, em geral, muito menos com a subjacente a estes preceitos legais, em especial. Não pode, por isso, a Recorrida conformar-se com tal entendimento. GG. Contudo, o Tribunal a quo considerou que a interpretação da Recorrida (a única correta) implica um tratamento diferenciado dos certificados de aforro face aos restantes bens da herança, na medida em que entende (mais uma vez, erradamente) que a contagem do prazo de prescrição da data do óbito do aforrista pode determinar a prescrição dos certificados de aforro ainda antes do decurso do prazo para aceitação da herança, mas tal entendimento não procede desde logo porque o prazo de prescrição para ambas as situações é o mesmo – 10 anos – e, no presente caso, contado do mesmo momento (13.08.1998), de modo que terminaram ambos na mesma data (i.e. em 2008). HH. O Tribunal a quo considera ainda que seria aplicável o artigo 306.º, n.º 1, primeira parte, do CC, sendo que “o prazo de prescrição apenas inicia a sua contagem quando o direito puder ser exercido. Por outras palavras, o prazo prescricional só começa a correr a partir do momento em que o direito possa, objetivamente, ser exercido”, contudo, é um sério erro de julgamento lançar mão do disposto no artigo 306.º do CC, preceito este que tem um caráter meramente supletivo e que, nessa medida, é afastado pelo regime especial dos certificados de aforro, atuando apenas em segunda linha, quando nada vem estabelecido quanto à prescrição – como se viu, não é esse o caso dos presentes autos pois que o legislador consagrou um regime especial de prescrição para os certificados de aforro, e tal entendimento tem merecido acolhimento pela Jurisprudência dos Tribunais Superiores Portugueses. c. Da interpretação jurídica (correta) das normas aplicáveis ao caso sub judice II. Cumpre agora explicitar o sentido com que, no entender da Recorrida, as normas aplicáveis ao caso sub judice deviam ter sido interpretadas: da letra do artigo 7.º do Regime dos Certificados de Aforro Série B resulta, de forma muito clara, que os herdeiros do titular de certificados de aforro têm um prazo de 10 anos, a contar da data do óbito deste, para requerer a transmissão da totalidade das unidades que o constituem ou o respetivo reembolso, findo o qual se consideram prescritos. JJ. São várias as razões que impõem uma interpretação das referidas disposições legais no sentido de que o prazo de prescrição em questão deve ser contado da data do óbito do aforrista - e não do conhecimento da existência de certificados de aforro pelo herdeiro. KK. Em primeiro lugar, a prescrição aplicável in casu é uma prescrição objetiva, impondo-se por razões de segurança jurídica, com o objetivo de evitar que a contraparte fique indefinidamente refém da proatividade do titular do direito (neste caso, dos herdeiros), o qual pode nunca vir a ser exercido. Este instituto procura, assim, evitar que situações de indefinição que se prolonguem no tempo, criando fundadas expectativas, sejam atacadas por quem não agiu no devido tempo. LL. Sucede que o Tribunal a quo não soube distinguir o sistema objetivo do subjetivo na Sentença Recorrida, tendo, por isso, incorrido no já mencionado erro de julgamento. O Tribunal a quo posiciona-se do lado da jurisprudência que faz a prescrição depender do conhecimento, o que não está claramente de acordo com o sistema legal, algo que já foi sublinhado pela Jurisprudência (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22.10.2020, processo n.º 15325/19.3T8LSB-2; acórdãos do Tribunal da Comarca de Lisboa, processos n.º 491/16.8BEBRG e 1731/18.4 T8LSB) e pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (cfr. parecer n.º 20/2010 de 14.04.2011). MM. Em segundo lugar, a inércia dos herdeiros apenas os favorece: enquanto não requererem a transmissão da totalidade das unidades que constituem os certificados de aforro ou o respetivo reembolso, este produto fica a capitalizar, gerando tantos mais juros quanto mais tempo demorarem os herdeiros a exercer o seu direito, algo que não deve suceder. NN. Por todo o exposto, a única interpretação admissível do referido preceito legal é aquela segundo a qual o prazo de prescrição de 10 anos para os herdeiros do titular de certificados de aforro requererem a transmissão da totalidade das unidades que os constituem ou o respetivo reembolso, se conta a partir da data do óbito do aforrista, pelo que, tendo em conta que o óbito do pai da Recorrente ocorreu em 13.08.1998, o referido prazo de 10 anos contado da data de tal facto, há muito que decorreu. OO. O direito à transmissão de que a Recorrente se arroga titular nesta ação encontrava-se prescrito tanto em 2013, como à data da sua instauração (em 2021), prescrição que devia ter sido declarada pelo Tribunal a quo em sede de sentença, também por via desta interpretação. PP. Termos em que se conclui que o segmento da Sentença Recorrida sobre o termo inicial do prazo de prescrição aplicável in casu assenta numa incorreta interpretação jurídica das normas aplicáveis ao caso em apreço, pelo que, e sempre com o devido respeito, o Tribunal a quo andou mal ao adotar o entendimento contrário ao veiculado pela Recorrida. Assim sendo, mesmo que o Venerando Tribunal venha a aderir à tese da Recorrente de que esta soube da existência dos certificados de aforro entre 2012 e 2013 – o que não se concede, mas apenas por exacerbada cautela de patrocínio se equaciona - sempre se imporia a absolvição da Recorrida do pedido contra si formulado nestes autos, pelas razões acima expostas. QQ. Em face do exposto, a fundamentação de direito da Sentença Recorrida - limitada ao segmento decisório nos termos do qual se entendeu que “o termo inicial do prazo para a extinção dos direitos à transmissão ou ao reembolso, previstos no artigo 7.º do Decreto-lei n.º 172-B/86, apenas tem início quando os herdeiros do aforrista tomam conhecimento da existência de certificados de aforro” – deve ser substituída por outra nos termos da qual se entenda que o termo inicial do prazo de prescrição previsto no artigo 7.º do Regime dos Certificados de Aforro Série B, é a data do óbito do aforrista (nesta caso, pai da Recorrente) e, por conseguinte, deve manter-se a decisão de absolução da Recorrida do pedido contra si formulado, por verificação da exceção de prescrição, julgando-se a ação totalmente procedente, como bem decidiu o Tribunal a quo. Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão: a) Deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente e, em consequência, deverá manter-se a decisão de absolução da Recorrida do pedido contra si formulado pela Recorrente, tal como vertido na Sentença Recorrida; e b) Subsidiariamente e caso o recurso interposto pela Recorrente seja julgado procedente - o que por mera cautela da patrocínio se concebe - deverá ser atendida a ampliação do objeto do recurso, conforme requerido pelo ora Recorrida e, em consequência, ser alterado o entendimento do Tribunal a quo quanto à matéria de direito vertido na Sentença Recorrida – alteração essa limitada ao segmento decisório nos termos do qual se entendeu que “o termo inicial do prazo para a extinção dos direitos à transmissão ou ao reembolso, previstos no artigo 7.º do Decreto-lei n.º 172-B/86, apenas tem início quando os herdeiros do aforrista tomam conhecimento da existência de certificados de aforro” - por errada interpretação do artigo 7.º do Regime dos Certificados de Aforro Série B e dos artigos 9.º e 306.º, n.º 1 do CC, regras jurídicas estas que se mostram violadas - e substituído por outro - pelos motivos acima expostos – segundo o qual o termo inicial do prazo de prescrição previsto no artigo 7.º do Regime dos Certificados de Aforro Série B, é a data do óbito do aforrista (neste caso, pai da Recorrente), mantendo-se, por conseguinte, a decisão de absolução da Recorrida do pedido contra si formulado, por verificação da exceção de prescrição, julgando-se a ação totalmente improcedente, como bem decidiu o Tribunal a quo. POIS SÓ ASSIM SE FARÁ A COSTUMADA JUSTIÇA! * O recurso foi admitido como apelação com subida imediata nos autos e efeito devolutivo. As questões a decidir são: I) Impugnação da matéria de facto. II) Prescrição e início da contagem do respectivo prazo. * FACTOS. A sentença recorrida considerou os seguintes factos provados e não provados: Provados. 1. A Ré, AGÊNCIA DE GESTÃO DA TESOURARIA E DA DÍVIDA PÚBLICA - IGCP, E.P.E. é uma entidade pública empresarial, equiparada a instituição de crédito, dotada de autonomia administrativa e financeira, e património próprio, sujeita à tutela e superintendência do membro do Governo responsável pela área das finanças. 2. A Autora é filha de MM…, falecido em 13 de agosto de 1998, no estado de viúvo e sem qualquer outro descendente para além da Autora. 3. À data do óbito, o pai da Autora, MM… era titular dos seguintes certificados de aforro, da série B: 3.1. Número …, emitido em 09/01/1990, composto por 2.000 unidades, com o valor unitário de 500$00; 3.2. Número …, emitido em 30/01/1992, composto por 1.000 unidades, com o valor unitário de 500$00; 3.3. Número …, emitido em 30/01/1992, composto por 1.000 unidades, com o valor unitário de 500$00; 4. O aforrista MM… designou a Autora como movimentadora dos certificados de aforro indicados em 3. 5. Em janeiro de 1999, a Autora comunicou o óbito de MM… na Autoridade Tributária e apresentou a respetiva relação de bens, da qual não constam os certificados de aforro descritos em 3. 6. À data do óbito do seu pai, a Autora vivia na mesma casa que o pai, onde reside até à atualidade. 7. Em data concretamente não apurada, a Autora encontrou os certificados de aforro supra mencionados na casa onde vivia com o seu pai. 8. Em 11 de junho de 2013, a Autora remeteu uma carta ao Presidente do Conselho de Administração da Agência de Gestão de Tesouraria e da Dívida Pública – ICGP – E.P.E. solicitando o levantamento dos certificados de aforro porquanto “Somente no decurso do presente ano de 2013 a signatária tomou conhecimento da existência destes certificados de aforro, tendo-se dirigido a uma estação dos CTT onde foi informada que a conta do aforrista estava bloqueada, em virtude do seu falecimento ter ocorrido há mais de 10 anos”. 9. Em 24 de setembro de 2013, o Serviço de Dívida de Retalho da AGÊNCIA DE GESTÃO DE TESOURARIA E DA DÍVIDA PÚBLICA – ICGP – E.P.E., respondeu à Autora dizendo “considerar prescritos os certificados de aforro titulados pelo senhor MM…, por terem decorrido mais de 10 anos sobre a ocorrência do óbito do mesmo”. 10. No ano de 2012, foi celebrado um protocolo entre a Ré, AGÊNCIA DE GESTÃO DE TESOURARIA E DA DÍVIDA PÚBLICA – ICGP – E.P.E., e o INSTITUTO DE REGISTOS E NOTARIADO, na sequência do qual se começou a efetuar o cruzamento entre a base de dados da Ré e os óbitos constantes da base de dados do IRN. 11. A Ré tomou conhecimento do óbito do aforrista em 2012. 12. Em 29 de junho de 2012, a Ré transferiu o saldo dos certificados de aforro para o Fundo de Regularização da Dívida Pública. Não provados. A. A Autora apenas teve conhecimento dos certificados de aforro mencionados no facto provado n.º 3, no ano de 2013. B. A Autora só teve conhecimento da existência dos certificados de aforro em de 2013 em virtude do transtorno depressivo que padece e que a atingiu após o falecimento da sua mãe e do seu único irmão, ocorridos em 1984. * ENQUADRAMENTO JURÍDICO. I) Impugnação da matéria de facto. A apelante pretende que seja alterada a redacção do ponto 7 dos factos provados e que os factos não provados A e B sejam considerados provados, também com redacção diferente, consignando-se nessa redacção que a autora tomou conhecimento da existência dos títulos em data indeterminada entre 29 de Junho de 2012 e 11 de Junho de 2013, datas em que, respectivamente, foi bloqueada a conta do aforrista e em que a autora enviou uma carta para o Conselho de Administração da ré. É a seguinte a redacção dos factos ora impugnados: Ponto 7 dos FP- Em data concretamente não apurada, a Autora encontrou os certificados de aforro supra mencionados na casa onde vivia com o seu pai. Ponto A dos FNP- A Autora apenas teve conhecimento dos certificados de aforro mencionados no facto provado n.º 3, no ano de 2013. Ponto B dos FNP- A Autora só teve conhecimento da existência dos certificados de aforro em de 2013 em virtude do transtorno depressivo que padece e que a atingiu após o falecimento da sua mãe e do seu único irmão, ocorridos em 1984. A sentença recorrida fundamentou da seguinte forma o ponto 7 dos factos provados e os pontos A e B não provados: “(…) No que concerne à morada de residência da Autora (facto provado n.º 6) e ao local onde a Autora encontrou os certificados de aforro (facto provado n.º 7), o tribunal valorou os depoimentos testemunhais de R… e de O…, que confirmaram que a Autora sempre viveu na mesma habitação, tendo a testemunha O… referido que a Autora lhe contou que encontrou os certificados em casa, no meio de uma papelada, sem que tenha concretizado a data em que tal ocorreu. Também a testemunha arrolada pela Ré, F… confirmou que a Autora, ela própria aforrista desde 1989 até à presente data, forneceu à Ré a morada Rua …, 1.º Dto, nunca tendo havido qualquer alteração. (…) Relativamente aos factos não provados, não foram carreados para os autos, elementos probatórios que os sustentassem. Vejamos: A testemunha R… relatou que, 13 ou 15 anos após a morte do pai da Autora, esta lhe contou que tinha encontrado certificados de aforro do pai e que não os tinha conseguido levantar. Contudo, a testemunha desconhece a data em que os certificados de aforro foram encontrados pela Autora. Por seu turno, a testemunha O…, só teve conhecimento do sucedido há cerca de 6 ou 7 anos, sendo que em 2013 não convivia com a Autora com regularidade. Ora, a Autora alega, em sede de Petição Inicial, que só teve conhecimento dos certificados de aforro em 2013, em virtude da sua doença mental, sendo nesse pressuposto que fundamenta o seu pedido. Assim, incumbia à Autora, à luz das regras de repartição do ónus da prova, provar o alegado. Acontece que, os depoimentos das testemunhas mencionados, ainda que credíveis, não são suficientes para formar a convicção segura de que a Autora só tomou conhecimento dos certificados de aforro em 2013, porquanto dos mesmos não é possível extrair o momento em que tais certificados foram encontrados. Por outro lado, o facto de Autora ter dirigido uma carta à Ré em 2013 (Cfr. Facto provado n.º 6), não permite, por si só, concluir que apenas tenha tomado conhecimento dos certificados de aforro em 2013. Acresce que, na mencionada missiva, a Autora refere uma tentativa de levantamento numa agência dos CTT, não especificando em que agência, nem em que data se terá dirigido à mesma. Mais se diga que, tanto a testemunha R… como a testemunha O… descreveram a Autora como uma pessoa frágil, sem iniciativa e pouco diligente pelo que, também não poderá este Tribunal fazer apelo às regras da experiência comum, no sentido de concluir que uma pessoa medianamente diligente, trataria de proceder ao levantamento dos certificados de aforro logo que tomasse conhecimento dos mesmos. Ademais, atendendo ao facto de a Autora sempre ter vivido na mesma morada, onde até à data do óbito, também vivia o seu pai, não se percebe, face à demais prova produzida, como apenas poderia ter conhecimento dos certificados de aforro em 2013. Por fim, cumpre referir que a declaração emitida pelo médico psiquiatra L…, ainda que conjugada com os depoimentos das testemunhas R… e de O…, que confirmaram que a Autora era uma pessoa que padecia de depressão, que se isolava, com problemas de memória, de falta de concentração, irritabilidade e de relacionamento social, não é suficiente para sustentar a convicção quanto ao facto da Autora padecer de défices cognitivos, volitivos, afetivos ou de outra natureza que a impediram de ter tido conhecimento da existência dos certificados de aforro. Na verdade, o subscritor da declaração médica, junta com a petição inicial como documento n.º 7, não concretiza, minimamente, os factos em que sustentam a conclusão por si ali firmada, assim como, nem sequer concretiza a razão do seu conhecimento, desconhecendo-se, inclusivamente, a data a partir da qual a Autora passou a ser sua paciente, o que nos impede, desde logo, de estribar a convicção quanto ao facto de, em 2013, a patologia já se verificar há 20 anos. Com efeito, não podemos ignorar que a Autora, na altura do óbito do pai, fez a participação desse óbito à Autoridade Tributária e apresentou a respetiva relação de bens, de onde constam bens imóveis, móveis e títulos de crédito, o que, de certa forma, infirma a existência dos défices cognitivos alegados. Por todo o exposto, não tendo sido produzida qualquer prova suficientemente verosímil, tendente a criar a inequívoca convicção de que a autora apenas teve conhecimento dos certificados de aforro no ano de 2013, terá que se considerar não provada a factualidade descrita nos pontos A e B”. Acompanha-se esta fundamentação, nomeadamente quanto aos depoimentos das testemunhas R… e O…, pois nenhum dos dois tinha conhecimento directo dos factos, declarando ambos que o seu conhecimento resultava do que a autora lhe tinha transmitido, não conseguindo, porém, as duas testemunhas precisar a data em que a autora teria encontrado os títulos em casa. A primeira testemunha relatou que de vez em quando telefonava à autora para saber como ela estava de saúde e que num desses telefonemas a autora lhe transmitiu que tinha encontrado os títulos, mas não resultou claro e preciso do relato espontâneo da testemunha quando a autora os teria encontrado e se os teria encontrado e não sabia da sua existência ou se os teria encontrado e lembrado da sua existência, limitando-se a testemunha a esclarecer, quando instada, que achava que a autora não saberia da sua existência e que teria sido em 2013, mas sem se mostrar certa. E a segunda testemunha esclareceu que a sua convicção resultava da fé que punha nas confidências da autora, mas esclarecendo que essas confidências não ocorreram em 2013, mas sim apenas há 6 ou 7 anos, quando voltou a ter mais convívio com a autora. Igualmente se acompanha a fundamentação da sentença recorrida no que respeita à declaração médica que consta no documento 7 da petição inicial, demasiadamente genérica para demonstrar que o estado de saúde da autora era a causa pela qual não teria tomado antes conhecimento da existência dos títulos. Por seu lado, a testemunha F… não tinha conhecimento dos factos em concreto, não conhecendo a autora pessoalmente, mas apenas da correspondência trocada, quando respondeu à carta enviada pela autora em 2013 ao Presidente do Conselho de Administração da ré, onde a testemunha trabalha (documento 9 da petição inicial e factos provados nos pontos 8 e 9). Esta testemunha apenas descreveu os procedimentos e a diferença entre o que sucede actualmente, em que os titulares e os movimentadores de conta são identificados com a sua morada, o que não sucedia no tempo, à época da subscrição dos títulos em apreço, em que eram identificados apenas com o número do cartão de cidadão e do NIF, razão pela qual não enviavam extractos ao titular e também não tinham a morada da autora, na sua qualidade de movimentadora da conta. Não pode, assim, deixar de se estranhar que, tendo a autora uma relação próxima com o seu pai, residindo os dois na mesma casa e constando a autora como movimentadora dos títulos, mas sem que neles constasse a sua morada, o pai não lhe tivesse transmitido a existência dos títulos, pois só se a autora tivesse conhecimento dos mesmos é que a sua posição de movimentadora teria utilidade prática no caso de suceder alguma situação inesperada que impedisse o titular de os movimentar. Acresce que a carta enviada à ré em 2013, por si só, é insuficiente para concluir que a autora só nessa altura tomou conhecimento dos títulos e, residindo a autora com o pai, seria necessária uma prova mais consistente para explicar como a autora demorou 15 anos a encontrar os títulos nessa mesma casa onde ainda reside. Conclui-se, portanto, que não foi produzida prova que permita a alteração pretendida pela apelante, improcedendo a impugnação da matéria de facto. * II) Prescrição e início da contagem do respectivo prazo. Com a presente acção, a autora pretende que lhe sejam transmitidos os certificados de aforro-série B da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – ICGP, EPE, de que era titular o seu pai, falecido em 1998 e de quem é única herdeira. A ré recusa tal transmissão, com o fundamento de que já decorreu o prazo de prescrição legal de 10 anos, entre a data do óbito do pai da autora, no ano de 1998 e a data em que a autora veio requerer o seu levantamento, em 2013. Os certificados de aforro são títulos da dívida pública criados em 1960, sendo os da série B, objecto da presente acção, instituídos pelo DL 172-B/86 de 30/6, com alterações introduzidas pelo DL 122/2002 de 4/5 e DL 47/2008 de 13/3, emitidos pela agência de gestão da tesouraria e da dívida pública, de acordo com a Lei 7/98 de 3/2 (Regime Jurídico da Dívida Pública) e constituem títulos nominativos que capitalizam juros, são resgatáveis e são transmissíveis apenas por morte do titular. Prevê o artigo 7º do DL 172-B/86 de 30/6 no seu nº1 (com a redacção do artigo 12º do DL 122/2002 de 4/5 e do artigo 1º do DL 47/2008 de 13/3) que, por morte do titular dos certificados de aforro, os herdeiros podem requerer a respectiva transmissão no prazo de 10 anos e, no seu nº2, que, findo este prazo, se consideram prescritos os títulos a favor do Fundo de Regularização da Dívida Pública, sendo, porém, aplicáveis as demais disposições em vigor relativas à prescrição. A interpretação desta norma não tem sido pacífica, dividindo-se a jurisprudência entre aquela que entende que o prazo de 10 anos só começa a contar a partir do conhecimento do herdeiro da existência dos títulos (entre outros, acs do STJ citados na sentença recorrida, de 8/1/2019, p. 25635/15 e de 29/10/2020, p. 24899/16, em www.dgsi.pt) e aquela que entende que o prazo de 10 anos não depende do conhecimento por parte do herdeiro (entre outros, ac citado pela recorrida, da RL de 22/10/2020, p. 15325/19, no mesmo site). No presente caso, a autora apelante defende que o prazo de prescrição de 10 anos só começa a contar a partir da data em que, após a morte do seu pai em 1998, teve conhecimento da existência dos títulos e que situa no ano de 2013. Nos termos do artigo 342º do CC, cabendo à ré o ónus de provar o decurso do prazo de prescrição, o que ficou desde logo demonstrado pelo percurso do tempo que mediou entre 1998 e 2013, caberia à autora o ónus de provar qualquer facto que impedisse os efeitos do decurso desse prazo, nomeadamente factos que diferissem o início da sua contagem (cfr. Ac .STJ 1/7/2004, p.03B3417, em www.dgsi.pt), o que não logrou fazer, como resulta dos factos provados e não provados. Sendo assim, não se provando que a autora tomou conhecimento da existência dos títulos em data posterior ao óbito do seu pai, a acção improcede necessariamente, mesmo entendendo-se que o prazo só se iniciaria a partir da data de um eventual conhecimento diferido. Fica então prejudicada a apreciação do pedido formulado ao abrigo do artigo 636º do CPC pela recorrida no requerimento de ampliação do âmbito do recurso, nas suas contra-alegações, de se considerar aplicável a interpretação do artigo 7º do DL 172-B/86 de 30/6 de que o decurso do prazo de prescrição se inicia com o óbito do titular, sem depender do conhecimento da existência dos títulos por parte dos herdeiros. Improcede, pois a acção, bem como improcedem as alegações de recurso. * DECISÃO. Pelo exposto, se decide julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida. * Custas pela apelante. * 2024-12-19 Maria Teresa Pardal Vera Antunes Nuno Lopes Ribeiro – Vencido, conforme voto que se segue. Declaração de voto Votei vencido, na medida em que considero que deveria improceder a excepção de prescrição invocada pela ré, pelas razões que sucintamente explano. Em primeiro lugar, adopto a posição assumida no Acórdão desta Secção, de 22/2/2024 (Maria de Deus Correia), que subscrevi como adjunto, disponível na base de dados www.dgsi.pt.: I-A prescrição tem como fundamento sancionar a inércia do titular do direito em exercê-lo. Assim, o curso do prazo de prescrição apenas se pode iniciar quando o titular do direito esteja em condições de o exercer, como decorre do art.º 306.º n.º 1 do Código Civil. II. O prazo de prescrição de 10 anos referido no n.º 1 do art.º 7.º do DL n.º 122/2003, de 04-05, inicia-se no momento em que o herdeiro teve conhecimento do óbito do titular dos certificados de aforro e da existência destes, porquanto só então aquele está em condições de exercer o direito ali previsto. III-Não impende sobre o herdeiro do titular dos certificados de aforro o dever de indagar junto do IGCP, sobre a titularidade dos mesmos. Partindo destes pressupostos, entendo que o ónus de prova da data de conhecimento da existência dos certificados de aforro cabe à ré, que invoca a excepção de prescrição - art.º 342º, nº2 do Código Civil - aqui discordando da decisão recorrida e da posição que agora obteve vencimento. A circunstância de a autora logo ter invocado na petição inicial uma data, não transfere para si o ónus de prova da mesma. E a ré, na contestação, limitou-se a impugnar esse facto e a invocar a prescrição, baseada na tese de que o prazo se inicia com o óbito do titular. Ou seja, a ré não cumpriu o ónus de alegação (e prova) da data em que a autora teve conhecimento dos certificados ou, pelo menos, que esse conhecimento teria mais de 10 anos, logo, sempre improcede a excepção de prescrição. Não desconheço jurisprudência no sentido da transferência do ónus de prova para o autor, condensada nos Acórdãos do STJ de 1/7/2004 (Noronha do Nascimento) e de 31/10/2006 (Faria Antunes), ambos disponíveis na referida base de dados. Com todo o respeito por opinião contrária, não acompanho este entendimento, baseado (no primeiro caso) em argumento de oneração da parte que maior «facilidade» de prova tem e (no segundo) de «normalidade» fundamento de presunção natural. Sendo que esse critério de «normalidade» na prova do facto é também invocado por Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação ao referido art.º 342º, in Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, pg. 306, referindo-se, contudo, à invocação de causa de suspensão ou interrupção da prescrição (o que não nos oferece dúvidas). Ora, a verdade é que o art.º 342º mostra-se fixo e inflexível: os factos extintivos devem ser provados por quem alega a prescrição, não cedendo a letra da lei ao argumento de facilidade de prova. Como refere Pereira Coelho, in RLJ, Ano 117.º, pág. 95, relativamente à temática dos factos negativos, este artigo não dá relevância à distinção entre factos positivos ou negativos na distribuição do ónus da prova, só podendo admitir-se que a natural dificuldade da prova de factos negativos torne aconselháveis menores exigências quanto à prova dos mesmos factos. Não se trata de qualquer facto interruptivo ou suspensivo do prazo de prescrição, mas do facto a partir do qual se inicia a contagem do prazo de prescrição. Quer a determinação desse critério resulte claro da lei ou não. E quer a prova seja fácil ou difícil. Não concedendo que se possa considerar «normal ou aparente» a demonstração de que o herdeiro tem conhecimento dos certificados de aforro detidos pelo falecido, à data do seu óbito. Em suma, não vejo como afastar a aplicação ao caso concreto da solução adoptada pela Relação de Coimbra, no Acórdão de 19/12/2012 (Jorge Arcanjo), também disponível em www.dgsi.pt: Cabe ao réu o ónus de alegação dos factos constitutivos da excepção peremptória, designadamente do momento em que se inicia o prazo de prescrição. Porque a ré apenas invocou a data do falecimento do titular dos certificados de aforro em causa, como marco do início da contagem do prazo de prescrição e porque não se demonstrou a data em que a autora teve conhecimento da existência desses certificados, concluo que sempre improcede a excepção de prescrição, com as naturais consequências sobre o mérito da demanda e desta apelação. Nuno Lopes Ribeiro |