Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | ANABELA CALAFATE | ||
Descritores: | REPRESENTAÇÃO SEM PODERES CULPA IN CONTRAHENDO BOA-FÉ | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/20/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - A figura da representação sem poderes está prevista no art. 268º do Código Civil mas este artigo não regula as relações entre o representante e o representado ou entre aquele e os terceiros, abstraindo até da eventual responsabilidade que lhe pode ser assacada por actuar representativamente sem poderes. II - No entanto, está disponível o recurso ao art. 227º do Código Civil e à culpa in contrahendo. III - Constitui um dever imposto pela boa fé que aquele que se apresenta a contratar em nome de outrem, não só evite a adopção de uma conduta positiva que leve outrem a crer na existência de poderes, como averiguar com suficiente diligência se lhe assistem efectivamente poderes. IV - A responsabilidade pré-contratual ou culpa in contrahendo pressupõe uma conduta eticamente censurável, em termos idênticos aos de abuso do direito e fundamenta-se na tutela da confiança do sujeito na correcção e na lealdade do comportamento da outra parte quando tal confiança se reporta a uma conduta juridicamente relevante e capaz de provocar-lhe danos. (sumário da Relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA Acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I – Relatório X… instaurou acção declarativa sob a forma de processo sumário contra J… e M… pedindo que os Réus sejam condenados a pagar-lhe a quantia de 24.000 € acrescida de juros de mora vencidos desde 28/01/2007 e vincendos até integral pagamento. Alegou, em síntese: - era arrendatária de uma fracção autónoma e a 1ª R. era a sua senhoria; - a 1ª R. constituiu seu procurador o 2º R., tendo este vindo a propor à A. que entregasse a fracção recebendo como contrapartida a quantia de 20.000 €, proposta que a A. aceitou; - depois de ter desocupado a fracção quase na totalidade, ali deixando apenas alguns objectos pessoais, a A. telefonou ao 2º R. informando-o disso e este disse-lhe que muito em breve seria chamada ao escritório do advogado a quem o assunto estava confiado para receber o dinheiro; - porém, o acordo não foi cumprido pois não lhe foi entregue aquela quantia, além de que lhe foi impedido o acesso à fracção para retirar os bens que lá ficaram no valor de 2.000 €, o que a tem afectado emocionalmente, devendo por isso ser indemnizada por danos não patrimoniais com quantia não inferior a 2.000 €; - a 1ª R., na qualidade de senhoria, por em seu nome em sua representação o 2º R. ter actuado, deve responder solidariamente pelos danos causados por este à A., nos termos dos art. 483º nº 1 e 496º nº 1 do Código Civil. * Os RR contestaram pugnando pela improcedência da acção, invocando, em resumo:- é falso que a 1ª R. tenha constituído o 2º R como seu procurador; - o 2º R., por vezes, com o seu voluntarismo ajudava a 1ª R. no processamento e entrega dos recibos da renda, bem como em alguns problemas pontuais que fossem existindo, actuando na qualidade de gestor de negócios, nunca tendo aquela ratificado qualquer acto deste; - é falso que o 2º R. tenha acordado com a A. o pagamento do montante de 20.000 € a título de indemnização para que abandonasse o locado; - é falso que a 1ª R. tenha aceite qualquer proposta para pagamento de uma indemnização à A: - a A. abandonou o locado e não havia quaisquer bens no seu interior quando o 2º R. lá entrou. * Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que absolveu a 1ª R. do pedido e condenou o 2º R. a pagar à A. a quantia de 24.000 € acrescida de juros de mora à taxa legal aplicável aos juros civis contados desde a citação até integral pagamento, mais o condenando como litigante de má fé em multa de 4 UC.* Inconformado, apelou o 2º R., e tendo alegado, formulou as seguintes conclusões:I. A decisão recorrida é manifestamente falha no plano dos factos e do direito, tendo o Tribunal a quo decidido em sentido contrário ao que resulta da prova carreada para os autos, contra as normas jurídicas de valoração de prova e de forma manifestamente inconsistente, o que conduziu a uma decisão profundamente injusta. II. O Tribunal não podia ter valorado o depoimento das testemunhas I…, por esta ter um interesse direto na causa, e C…, por não ter conhecimento direto sobre os factos. III. Ao contrário do que se lhe impunha (arts. 342º nº 1 do CC e 516º do CPC), a recorrida não logrou provar a matéria dos artigos 1º e 2º da base instrutória, devendo os mesmos ser dados como “não provados”. E para esta decisão é relevante, desde logo, o depoimento das testemunhas C… (cujo depoimento se encontra gravado digitalmente com início às 14:36 horas e 12 segundos e término às 14:51 horas e 10 segundos, conforme ata de fls. …) e I… (cujo depoimento se encontra gravado e digitalmente, com início às 14:51 horas e 48 segundos e término às 15:16 horas e 40 segundos, conforme ata de fls. …). IV. O contrato de mandato sem representação é “(…) aquele pelo qual uma pessoa (mandante) confia a outra (mandatário) a realização, em nome desta mas no interesse e por conta daquela, de um acto jurídico relativo a interesses pertencentes à primeira, assumindo a segunda a obrigação de praticar esse acto; ou, dada a noção de interposição de pessoas, como o contrato pelo qual alguém se obriga para com outrem a intervir, como interposta pessoa, na realização de um acto jurídico que ao segundo respeita (Pessoa Jorge, in O Mandato sem Representação, pág. 411). V. O que caracteriza esta forma de mandato é o facto de o mandatário agir em seu próprio nome (nomine próprio), de que resulta que este adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos atos que celebra, embora o mandato seja conhecido dos terceiros que participem nos atos ou sejam destinatários deles. VI. E, assim, em vez de os atos produzirem os seus efeitos na esfera jurídica do mandante, nos termos do disposto no art. 258º do CC, produzem-nos na esfera jurídica do mandatário. VII. Apesar de o mandato ser exercido em nome próprio o negocio pertence sempre ao mandate, pelo que os resultados úteis conseguidos pelo mandatário devem ser para aquele transferidos. VIII. O mandato sem representação, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 1180º do CC, pressupõe: i. o interesse de certa pessoa na realização de determinado negócio sem intervenção pessoal própria ou por intermédio de representante; ii. a interposição de outra pessoa para esse efeito por incumbência não aparente do titular daquele interesse; iii. a celebração do negócio pela pessoa interposta com exclusão de qualquer referência ao verdadeiro interessado na produção dos efeitos conseguidos por essa pessoa; iv. a transmissão para o mandante dos direitos adquiridos pelo mandatário na execução do mandato. IX. No caso em apreço, da factualidade dada como provada não resulta provado qualquer acordo entre a alegada mandante (a 1ª R.) e o alegado mandatário (2º R.), pelo que, sem mais, não pode subsumir uma qualquer relação entre ambos a um contrato de mandato sem representação, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 1180º do CC. X. Se o Tribunal a quo considera que existe um contrato de mandato sem representação não podia ter julgado como provado que “o 2º R. agiu como procurador da 1ª R.”. XI. Da conjugação do art. 1180º com o art. 1157º, ambos do CC, resulta que no mandato sem representação o mandatário não aparece revestido da qualidade de representante. XII. É, pois claro que tendo o Tribunal a quo julgado que o 2º R., ora recorrido, atuou na qualidade de procurador da 1ª R., não podia ter concluído pela existência de uma relação ou contrato de mandato entre ambos, na aceção do art. 1157º do CC. XIII. A A., aqui recorrida, não fez prova da existência de quaisquer danos não patrimoniais que justifiquem a fixação de uma indemnização. XIV. Atualmente, é entendimento maioritário da jurisprudência que os simples incómodos e desgostos não justificam a fixação de uma indemnização. Neste sentido foi decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que “Os meros transtornos, incómodos, desgostos e preocupações, cuja gravidade e consequências se desconhecem, não podem constituir danos não patrimoniais ressarcíveis.”[Ac. 20/10/2005]. XV. A recorrida não logrou provar qual a extensão e consequência dos alegados transtornos e incómodos sofridos com o alegado desaparecimento dos bens, pelo que os mesmos não assumem relevância para serem merecedores de tutela jurídica. XVI. Mas, ainda que assim não se entendesse – o que não se concede, mas se pondera por mero dever de patrocínio – sempre se dirá que ainda assim não ficou demonstrado o necessário nexo de causalidade entre os alegados desgosto e mágoa e o não cumprimento do alegado acordo. XVII. A decisão recorrida viola os artºs 496º, 562º, 563º, 564º, 566º, 1157º e 1180º do CC. Nestes termos e nos demais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente e a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que, modificando a decisão sobre a matéria de factos nos termos requeridos, julgue improcedente a acção, absolvendo o recorrente do pedido. * A A. contra-alegou defendendo a confirmação da sentença.* Em 19/11/2013 foi proferido pela ora relatora este despacho:«O recurso é próprio e tempestivo e foi recebido no efeito devido. * Na petição inicial a A. formulou o pedido de indemnização por danos patrimoniais e por danos não patrimoniais invocando o disposto nos art. 483º nº 1, 224º e 496º do Código Civil.Em sede de danos patrimoniais pediu a condenação dos RR no pagamento da indemnização de 20.000 € referente ao valor alegadamente acordado pela entrega do locado. Na sentença recorrida decidiu-se condenar o 2º R. no pagamento da referida quantia de 20.000 € por se ter entendido que o R., ora apelante, ao negociar com a A. actuou no âmbito de um mandato sem representação nos termos do art. 1180º do Código Civil. Afigura-se-nos porém, que a actuação do apelante, a ser configurada como representação sem poderes, poderá ser antes enquadrada no art. 227º do Código Civil. Assim, em conformidade com o disposto nos art. 3º nº 3 e 3º- A do CPC, poderão as partes pronunciar-se no prazo de 10 dias.». * Notificadas as partes, apenas se pronunciou o apelante, nestes termos:- a actuação do apelante não pode ser configurada nem como mandato sem representação, nos ternos do disposto no art. 1180º do CC, nem como representação sem poderes, nos termos do disposto no art. 227º do CC; - e nunca a apelada ao longo de todo o processo configurou a alegada actuação do recorrente como representação sem poderes, nos termos do disposto no art. 227º do CC, pelo que o mesmo não tomou posição expressa sobre essa questão; - mas, ainda que se entendesse que a actuação do apelante pode ser configurada como representação sem poderes – o que não se concede, mas se pondera por mero dever de patrocínio – sempre se dirá que o direito da apelada prescreveu, conforme se demonstrará; - o art. 227º do CC dispõe que: (…); - e, nos termos do disposto no art. 498º nº 1 do CC (…); - no caso em apreço, e conforme resulta dos factos dados como assentes, o apelante mandou arrombar a porta e mudar a fechadura do locado no dia 28/11/2007, o que foi alegado pela própria apelada por ter conhecimento através da sua filha; - tendo a apelada tido conhecimento do alegado facto ilícito e culposo no dia 28/11/2007, podia ter exercido o seu direito de indemnização até 28/11/2010; - porém, a acção foi proposta em 29/11/2010, não tendo requerido a citação urgente; - assim, considerando que o facto alegadamente ilícito ocorreu em 28/11/2007, bem como o prazo supra referido, é forçoso concluir que o direito de indemnização invocado pela recorrida prescreveu em 28/11/2010; - pelo exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, o apelante absolvido do pedido. * Colhidos os vistos, cumpre decidir.II – Questões a decidir O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, pelo que as questões a decidir são estas: - se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto - se o apelante não é responsável por quaisquer danos sofridos pela apelada - se prescreveu o direito de indemnização invocado pela apelada * III – FundamentaçãoA) Na sentença vem dado como provado: 1. Por documento escrito datado de 16 de Setembro de 1963 e constante de fls. 33, L… deu de arrendamento para habitação a V… o 2º andar direito da Rua …. 2. Por falecimento de V…, ocorrido em 16 de Julho de 2005, o direito ao referido arrendamento transmitiu-se à A., sua mulher. 3. A A. continuou a pagar a renda até Agosto de 2007, no valor mensal de € 68,31. 4. Mediante a Ap. 11 de 2007/04/03, foi registada a aquisição provisória por natureza e dúvidas do prédio onde se situa o locado a favor da 1ª R., convertida em definitivo mediante a Ap. 24 de 2007/06/12. 5. O 2º R. ajudava a 1ª R. no processamento e entrega dos recibos de renda, bem como em alguns problemas pontuais que fossem surgindo no referido prédio. 6. No dia 28 de Novembro de 2007, o 2º R. mandou arrombar a porta e mudar a fechadura do locado. 7. O 2º R. agiu como procurador da 1ª R. 8. E apresentou-se à A. nessa qualidade. 9. Em Julho de 2007, o 2º R. propôs à A. que deixasse o locado a troco de uma indemnização de € 20.000 pelos anos de arrendamento. 10. E caso a A. não aceitasse tal proposta, seria instaurada uma acção em tribunal e a A. teria de sair sem direito a nada. 11. Alguns dias depois, a A. comunicou a sua aceitação de tal proposta ao 2º R. 12. Que solicitou a entrega do imóvel desocupado no mais curto prazo. 13. Em Setembro de 2007, a A. retirou os seus pertences do locado. 14. Ali deixando apenas uma máquina de escrever electrónica, um casaco de peles e várias peças de vestuário, em estado novo. 15. Tudo no valor de cerca de € 2.000. 16. A A. ligou então ao 2º R. informando-o que o imóvel estava quase desocupado. 17. Tendo o 2º R. informado que o assunto estava confiado a advogado e que a A. seria chamada ao escritório do mesmo para receber o dinheiro acordado. 18. A partir dessa data a A. telefonou semanalmente ao 2º R. no sentido de ser informada sobre em que situação estava o acordo firmado. 19. E a resposta do 2º R. era sempre que o caso estava entregue ao advogado, mas que este era muito ocupado. 20. Na ocasião referida em 6., os objectos mencionados em 14. ainda se encontravam no locado. 21. Em consequência da frustração do acordado, a A. ficou gravemente instável a nível emocional. 22. E ainda hoje demonstra enorme mágoa com o sucedido. 23. Sentindo-se injustiçada e enganada. 24. Ainda hoje acorda durante a noite, vindo-lhe à memória o sucedido que a impede de voltar a adormecer. 25. Na maioria das vezes só consegue dormir 3 a 4 horas por noite. 26. Na ocasião referida em 6., o locado estava devoluto de pessoas. * B) Da impugnação da decisão sobre a matéria de factoDiscorda o apelante das respostas dadas pela 1ª instância aos artigos 1º e 2º da base instrutória, dizendo que devem ser dados como «não provados». Sustenta, para tal, que o tribunal não podia ter valorado o depoimento da testemunha I... por ter interesse directo na causa e da testemunha C… por não ter conhecimento directo dos factos e ter revelado grande animosidade para com o recorrente. O teor dos artigos 1º e 2º da base instrutória e das respostas dadas pela 1ª instância é o seguinte: Artigo 1º: «O 2º R. é procurador da 1ª R.?» Resposta: «Provado apenas que: “o 2º R. agiu como procurador da 1ª R.”». Artigo 2º: «E apresentou-se à A. nessa qualidade?». Resposta: «Provado». Analisada a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e ouvidos os depoimentos das testemunhas consideramos que essas respostas não merecem alteração, como passamos a expor. Na audiência de discussão e julgamento apenas foram ouvidas: a A. em depoimento de parte e as duas testemunhas por si arroladas, C… e I…. No que respeita à testemunha C… a 1ª instância apenas se referiu ao seu depoimento ao fundamentar as respostas aos artigos da base instrutória relacionados com o estado emocional da apelada pois exarou que o depoimento da testemunha I… «foi, em parte e no que se refere ao estado da A., após a situação, corroborado pelo depoimento da testemunha C… que também morava no prédio em causa». Ora, o apelante não impugnou as respostas dadas aos artigos 15º a 19º da base instrutória, que são os únicos que se reportam ao estado emocional da apelada. Ainda assim, deixamos aqui expresso que, ouvido o depoimento da testemunha C…, verificámos que embora tenha revelado animosidade em relação ao apelante dizendo que não era de confiança, depôs com seriedade pois respondeu que nada sabia quando inquirido sobre a matéria perguntada nos art. 1º a 8º, e que «A senhora estava magoada, pois morava ali há 40 anos, porque o senhor entrou em negociação com ela, ela contou-me lá no escritório, isto segundo a conversa que tive com ela». No que respeita a I…, é filha da apelada, mas esse facto não é impeditivo de depor como testemunha, como decorre do disposto nos art. 616º a 618º nº 1 al a) do CPC, embora essa relação de parentesco imponha um particular cuidado na apreciação do seu depoimento. No entanto, ouvido o seu depoimento verificámos que a 1ª instância o valorou correctamente ao consignar que «assistiu às negociações entre o 2º R. e a A. e reside ainda com esta e, por essas razões, revelou conhecer toda a situação dos autos pela forma expressa nos factos provados. O seu depoimento mereceu toda a credibilidade ao tribunal, atenta a isenção, coerência e razões de ciência apresentadas e não foi contrariado por qualquer outra prova produzida (…)». Na verdade, a testemunha disse, designadamente, que o apelante «apresentou-se como procurador da senhoria, chegou a enviar-nos uma carta a intitular-se como procurador e os recibos da renda eram assinados por ele», que nessa carta era comunicado «que todos os assuntos seriam tratados com ele e não com a senhoria e que se passássemos cheques para pagar a renda os cheques seriam em nome dele», «o senhor propôs-nos uma negociação em que nós nos reunimos num escritório que eu tenho em Lisboa, fizemos uma reunião ao final do dia e nessa reunião ele propôs à minha mãe o valor de 20 mil euros para que nós deixássemos a habitação, caso contrário iríamos para tribunal», «foi mais ou menos entre Junho e Julho de 2007», «ele deu-nos algum prazo», «ele disse para nós resolvermos o mais rápido possível; a minha mãe disse que tinha de pensar e mais ou menos pensamos durante uma semana e após isso telefonou-lhe a dizer que sim, que aceitava os 20 mil»; à pergunta se assistiu ao telefonema disse que «sim, fui eu que fiz a chamada e a minha mãe falou com o engenheiro J…»; à pergunta se trabalhava no mesmo escritório com a mãe respondeu que «eu sou também, além de professora, sou mediadora de seguros, daí o escritório ser meu e a minha mãe era a secretária», «o engenheiro J… solicitou que nós retirássemos as coisas o mais breve possível»; durante as instâncias da mandatária dos Réus, à pergunta se recebeu alguma carta da Ré … a dizer que o apelante a representava respondeu que «não, a anterior proprietária era a D. O… e depois ele disse-nos que passou a ser o procurador da senhoria; nós nem sabíamos se era a D. O… se era a D. M…, não fomos informadas»; e à pergunta «então quando é que vieram a perceber que não era a D. O…?», respondeu «quando mais tarde percebemos que o contrato não ia por diante, fomos ao registo predial e vimos o registo do prédio (…) depois de Setembro, depois de contactarmos várias vezes o engenheiro J…». Todo o depoimento desta testemunha foi prestado de forma séria, convicta e revelando conhecimento directo dos factos, incluindo quanto aos bens que ficaram no locado e respectivo valor – referindo a testemunha que «eu tenho a profissão dos seguros, tenho mais ou menos a noção do valor das coisas para fazer os contratos» - e quanto ao estado emocional da sua mãe, porque continua a habitar com esta. Portanto, resultou do depoimento da testemunha I… que o apelante se apresentou como procurador da senhoria, embora sem informar que a Ré … era a nova senhoria. Porém, estando provado que a Ré adquiriu o locado pois tem registada a seu favor a aquisição desde 03/04/2007, mostram-se correctas as resposta dadas aos art. 1º e 2º. Improcede, pois, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto. * C) Com relevo para a decisão da causa está também provado por acordo (ao abrigo dos art. 659º nº 3 e 713º do CPC em vigor até 31/08/2013 e art. 607º nº 4 e 663º nº 2 do NCPC):27. O Réu J… assinou com o seu nome os recibos das rendas juntos como doc. 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9, sob os dizeres, respectivamente, «Lisboa, 4 de Dezembro de 2006 o Administrador», «Lisboa 3 de Janeiro de 2007 o Administrador», «Lisboa 1 de Março de 2007 o Administrador», «Lisboa 1 de Fevereiro de 2007 o Administrador», «Lisboa 1 de Abril de 2007 o Administrador», «Lisboa 3 de Maio de 2007 o Administrador», «Lisboa 1 de Junho de 2007 o Administrador», «Lisboa 2 de Julho de 2007 o Administrador. * D) O DireitoNa petição inicial a A., referindo-se ao direito aplicável invocou que os RR são civilmente responsáveis pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que alegadamente sofreu, baseando-se nos art. 483º e 496º do Código Civil. Mas o tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante e indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º do CPC em vigor à data da prolação da sentença e art. 5º nº 3 do novo CPC). Na sentença a R. … foi absolvida do pedido por se ter considerado que apesar de provada a celebração de um acordo para cessação do arrendamento, não ficou demonstrada a relação de representação entre os réus e que por isso o negócio é ineficaz em relação àquela. Quanto ao apelante, ponderou-se que os factos provados permitem configurar uma relação de mandato sem representação prevista nos art. 1157º e 1180º do Código Civil, sustentando-se que o apelante, agindo embora como procurador da 1ª R., actuou em nome próprio ao negociar com a apelada e por isso adquiriu os direitos e assumiu as obrigações decorrentes do contrato. Vejamos. O mandato é um contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra (art. 1157º do Código Civil). Por sua vez, a procuração é um acto unilateral atributivo de poderes de representação (art. 262º nº1 do Código Civil). Assim, o mandato impõe a obrigação de celebrar actos jurídicos por conta de outrem; a procuração confere o poder de os celebrar em nome de outrem. Sobre a distinção entre estas duas figuras, lê-se no Ac do STJ de 16/04/2009 (Proc. 77/07.8TBCTBCTB.C1.S1 – in www.dgs.pt): «Podem coexistir os dois actos, e haverá um mandato com representação – artigos 1178º e segs do Código Civil, ou não, e existirá eventualmente ou um mandato sem representação – artigos 1180º e segs., ou uma procuração relacionada com qualquer outro acto jurídico, diverso do mandato. (…) a concessão de poderes de representação, que, por si só, não cria na esfera jurídica do procurador nenhuma obrigação de o exercer, pode ter causas diversas. Se acompanhar um mandato, é por força do contrato de mandato que o mandatário/procurador está obrigado a praticar os actos jurídicos que tiverem sido acordados (…); o efeito da procuração projecta-se antes na circunstância de tais actos se haverem como praticados pelo mandante, no sentido de que os respectivos efeitos se produzem imediatamente na sua esfera jurídica». No caso concreto, está provado que o apelante ajudava a 1ª Ré, senhoria, no processamento e entrega dos recibos de renda bem como em alguns problemas pontuais que fossem surgindo no prédio. Mas dessa factualidade não é possível concluir que praticava tais actos no cumprimento de uma obrigação. Portanto, contrariamente ao que se entendeu na sentença recorrida, não está demonstrado que entre o apelante e a 1ª Ré tenha sido celebrado um contrato de mandato. Também não decorre dos factos provados que o apelante fosse procurador da 1ª Ré, embora se tenha apresentado nessa qualidade à apelada e tenha agido como se o fosse ao negociar a cessação do contrato de arrendamento. Por isso, mostra-se correcta a decisão da 1ª instância na parte em que conclui pela ineficácia do acordo de cessação do contrato de arrendamento relativamente à 1ª Ré. Mas ainda que se entendesse, como na sentença recorrida, que os factos provados permitem configurar uma relação de mandato entre os RR, mostra-se contraditória com esses factos a afirmação de que «o 2º R. agindo embora como procurador da 1ª R., actuou em nome próprio ao negociar com a A., pelo que nos termos do art. 1180º do CC, adquiriu os direitos e assumiu as obrigações decorrentes do contrato que celebrou com a 2ª R, ainda que o mandato fosse conhecido da A., como resulta do facto de o 2º R. se lhe ter apresentado na qualidade de procurador da 1ª R. (…)». Na verdade, o art. 1180º do CC preceitua: «O mandatário, se agir em nome próprio, adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos actos que celebra, embora o mandato seja conhecidos dos terceiros que participem nos actos ou sejam destinatários destes». Decorre, pois, desta norma, que o mandato sem representação se caracteriza pelo facto de o mandatário agir em próprio nome. Ora, estando provado que o apelante agiu como procurador da 1ª Ré e se apresentou à apelada nessa qualidade, só podemos concluir que não actuou em nome próprio mas sim como se fosse representante da 1ª Ré. Por isso, a sua conduta enquadra-se na figura da representação sem poderes prevista no art. 268º do Código Civil. Mas este artigo não regula as relações entre o representante e o representado ou entre aquele e os terceiros, abstraindo até da eventual responsabilidade que lhe pode ser assacada por actuar representativamente sem poderes (cfr Helena Mota, «Do Abuso de Representação Uma Análise da Problemática Subjacente Ao Artigo 269º do Código Civil de 1966», pág. 162). No entanto, como preconiza Manuel Carneiro da Frada «Está disponível o recurso ao art. 227º e à culpa in contrahendo (nesse sentido também Oliveira Ascensão/Carneiro da Frada, Contrato celebrado por agente de pessoa colectiva cit., 70). Constitui um dever imposto pela boa fé que aquele que se apresenta a contratar em nome de outrem, não só evite a adopção de uma conduta positiva que leve outrem a crer na existência de poderes, como averiguar com suficiente diligência se lhe assistem efectivamente poderes. Não se objecte à responsabilidade do representante sem poderes que ele é terceiro com respeito ao negócio que se trata de formar e que este se não destina a vinculá-lo. De facto, quanto a este aspecto, ele assume com autonomia o poder de condução e determinação do processo negocial, o que basta – já o dissemos – para o sujeitar à regra da boa fé na formação do contrato. A recondução da responsabilidade do representante sem poderes à culpa in contrahendo limita-se naturalmente aos casos em que a sua conduta se apresente como censurável. Ficam pois de fora as hipóteses em que não seja possível apontar-lhe qualquer negligência na situação de ineficácia do contrato gerada. Por outro lado, a indemnização devida pelo representante cinge-se ordinariamente ao interesse contratual negativo» (in Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil – pág. 641/642, nota 693). No mesmo sentido, pronunciou-se o Ac da RP de 31/3/2004 (Proc. 0326892 – in www.dgsi.pt), ponderando: «(…) no que respeita à responsabilidade do representante perante terceiros tem vindo a ser entendido que o Código Civil “não regula a responsabilidade do falsus procurator com o objectivo de relegar o problema para as regras gerais da responsabilidade pré-negocial ou culpa in contrahendo…” – Helena Mota, “Do Abuso de Representação”, Teses e Monografias. Coimbra Ed., 161 e ss e Rui de Alarcão, “Breve Motivação Sobre o Negócio Jurídico”, BMJ (sep), 1964, p. 43 ess.». O art. 227º nº 1 do Código Civil estabelece: «Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte». A responsabilidade pré-contratual ou culpa in contrahendo pressupõe uma conduta eticamente censurável, em termos idênticos aos de abuso do direito e fundamenta-se na tutela da confiança do sujeito na correcção e na lealdade do comportamento da outra parte quando tal confiança se reporta a uma conduta juridicamente relevante e capaz de provocar-lhe danos (cfr Ac do STJ de 3/3/2009 - CJ XVII, I, pág. 118). No caso concreto, evidencia-se que o apelante criou na apelada a legítima expectativa de que era válido o acordo de cessação do contrato de arrendamento mediante o pagamento de indemnização, e que foi por essa razão que a apelada abriu mão do locado. Assim, ao actuar sem poderes para a celebração daquele negócio e ao não obter posteriormente a sua ratificação, o apelante defraudou a confiança que nele depositou a apelada, causando-lhe danos. Portanto, o comportamento do apelante é eticamente censurável, viola as regras da boa fé, fazendo-o incorrer em responsabilidade nos termos do art. 227º do Código Civil. De harmonia com os art. 562º a 564º do Código Civil o princípio básico da indemnização consiste em se abrangerem nela todos os danos sofridos pelo lesado, desde que adequadamente ligados por um nexo causal ao facto gerador da responsabilidade e aplica-se tanto ao interesse positivo como ao interesse negativo. A indemnização do interesse negativo, como a do interesse positivo, abrange o dano emergente e o lucro cessante e assim, inclui não só a diminuição de valores existentes suportada pelo lesado como os benefícios que deixou de obter (cfr Almeida Costa, “Responsabilidade Civil pela Ruptura das Negociações Preparatórias de Um Contrato”, Coimbra Editora Lda, 1984, 76). No domínio da responsabilidade pré-contratual não tem havido unanimidade na doutrina e na jurisprudência quanto à questão de saber se a indemnização está limitada ao interesse contratual negativo ou também abrange o interesse contratual positivo, sendo dominante a tese de que a indemnização se limita ao interesse contratual negativo (ou de confiança) por modo a colocar a contraparte lesada na situação em que se encontraria se não tivesse confiado que o negócio se celebraria. Porém, essa querela não assume relevo no caso dos autos, pois a quantia de 20.000 € foi apresentada pelo apelante como compensação pela cessação do arrendamento, circunscrevendo-se assim, ao interesse contratual negativo. Portanto, a apelada tem direito a ser indemnizada pelo dano patrimonial no montante de 20.000 €, que sofreu em consequência da entrega do locado, ao abrigo do disposto no art. 227º do Código Civil e não ao abrigo do art. 483º como sustentou na petição inicial. Relativamente à indemnização por danos não patrimoniais, temos a considerar que o art. 496º nº 1 do Código Civil dispõe: «Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito». É pacífico que simples incómodos não justificam indemnização por danos não patrimoniais e que a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo e não à luz de uma sensibilidade exacerbada. O sofrimento psíquico e a instabilidade emocional de que a apelada ficou a padecer em consequência do logro em que caiu não são qualificáveis como simples incómodos. Assim, não merece acolhimento a tese do apelante de que a apelada não fez prova da existência de quaisquer danos que justifiquem a fixação de uma indemnização e que não ficou demonstrado o nexo de causalidade entre os alegados desgosto e mágoa e o não cumprimento do alegado acordo. Os factos provados são claros: em consequência da frustração do acordado, a apelada ficou gravemente instável a nível emocional e ainda hoje demonstra grande mágoa com o sucedido, sentindo-se injustiçada e enganada, acordando durante a noite e vindo-lhe à memória o sucedido que a impede de voltar a adormecer e na maioria das vezes só consegue dormir 3 a 4 horas por noite. Quanto aos danos emergentes da violação do direito de propriedade da apelada relativamente aos objectos que ficaram no locado, a responsabilidade do apelante funda-se no disposto no art. 483º do Código Civil, como correctamente se decidiu na sentença. Apreciemos agora a excepção de prescrição. Só nesta fase recursiva, ao pronunciar-se ao abrigo do disposto nos art. 3º nº 3 e 3º- A do CPC na sequência do despacho da ora relatora, veio o apelante invocar a excepção de prescrição. Resulta dos autos que a petição inicial entrou em juízo, por fax, em 26 de Novembro de 2010, que no seu original enviado por correio sob registo consta carimbo com data 29 de Novembro de 2010, que o Réu J… foi citado por agente de execução em 28/02/2011 e que a Ré M… foi citada em 06/12/2010. No âmbito da responsabilidade pré-contratual o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos (art. 227º nº 2 e 498º do Código Civil. Sabemos que a apelada acordou com o apelante a cessação do contrato de arrendamento e desocupou o locado em Setembro de 2007, apenas lá deixando alguns objectos que ficou impedida de retirar, pois em 28 de Novembro de 2007 o apelante mandou arrombar a porta e mudar a fechadura do locado sem que lhe tenha sido paga a indemnização acordada ou qualquer outra quantia. Na petição inicial enquadrou-se juridicamente a conduta de ambos dos réus na responsabilidade civil por factos ilícitos, alegando-se: «B) Do Direito Aplicável»: (art. 39º) «Apesar de o 2º R não ter sido criminalmente responsabilizado, tal não implica que, necessariamente, não o seja civilmente. Pois,» (art. 40º) «Como impera no nº 1 do artigo 483º do Código Civil: (…). Assim sendo,» (art. 41º) «a 1ª R., na qualidade de senhoria, por em seu nome em sua representação, o 2º R. ter actuado, até se concebendo e concedendo que o tenha feito com excesso de mandato, deve responder, solidariamente, pelos danos causados, pelo mesmo, à A. Assim sendo», «B1) Danos Patrimoniais (…) «B2) Danos não Patrimoniais: (…)» Ora, na contestação os réus não invocaram a excepção de prescrição apesar de ser aplicável à responsabilidade civil por factos ilícitos o prazo de prescrição de três anos previsto no art. 498º nº 1 do Código Civil que o apelante só agora invoca. Sucede que o art. 489º nº 2 do Código de Processo Civil prevê: «Depois da contestação só podem ser deduzidas as excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente». Assim, não tendo o apelante invocado a excepção de prescrição quando podia tê-lo feito perante o enquadramento jurídico dos factos apresentado na petição inicial, é extemporânea a sua invocação na fase recursiva. Por quanto se disse, improcede o recurso. * IV – DecisãoPelo exposto, julga-se improcedente a apelação e confirma-se a sentença recorrida embora com fundamentação não inteiramente coincidente. Custas pelo apelante. Lisboa, 20 de Fevereiro de 2014 Anabela Calafate Ana de Azeredo Coelho Tomé Ramião |