Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2860/21.2T8VFX-C.L1-1
Relator: FÁTIMA REIS SILVA
Descritores: INSOLVÊNCIA CULPOSA
PATRIMÓNIO
PREJUÍZO
PRESUNÇÃO LEGAL
INDEMNIZAÇÃO
INIBIÇÃO DO FALIDO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/26/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1 - A noção de património adotada pela lei, para os efeitos da al. a) do nº 2 do art.º 186º do CIRE, é a de património ilíquido ou bruto, ou seja, o ativo do devedor sem que se tenha em conta o passivo.
2 - O prejuízo da devedora não é elemento da al. d) do nº 2 do art.º 186º e não é porque apenas este será suscetível de causar ou agravar a insolvência que deve ser aditado extra legem. O preenchimento das alíneas do nº 2 do art.º 186º leva ao preenchimento, de forma inilidível, do nº1 do mesmo preceito, e a lei não exige a inversão do raciocínio, ou seja, não impõe que, para prova da causalidade ou agravamento da insolvência, os atos de disposição previstos na al. d) tenham que ter gerado, não apenas benefício dos administradores ou de terceiro, como prejuízo para a insolvente.
3 – Quando nada é destruído, subtraído, escondido ou dificultada a averiguação do respetivo paradeiro ou destino e quando os bens e direitos são vendidos, por forma a que o Administrador da Insolvência, desde logo se inteira das mesmas mediante as pesquisas habituais não estamos ante condutas previstas na al. a) do nº2 do art.º 186º mas sim na al. d) do mesmo preceito, desde que apurados factos que permitam concluir pelo proveito pessoal ou de terceiros.
4 - O facto de haver relações próximas entre as partes nos negócios torna as transmissões suspeitas, dignas de averiguação, mas não as transforma, sem mais em atos de disposição previstos na al d) do nº 2 do art.º 186º do CIRE.
5 – Quando a transmissão dos bens pela devedora os subtrai à possibilidade de através deles, determinados credores obterem a satisfação dos seus créditos, em proveito de outros, numa situação extrema em que esses atos de disposição impossibilitam, com toda a probabilidade, a satisfação dos credores não escolhidos, fica preenchida a al. d) do nº 2 do art.º 186º do CIRE.
6 - A indemnização devida pela pessoa afetada pela qualificação como culposa deve, em princípio, corresponder à diferença entre o valor global do passivo e o que o ativo que compõe a massa insolvente logrou cobrir, possibilitando-se que esse valor possa ser fixado em montante inferior sempre que o comportamento da pessoa afetada pela qualificação justifique essa diferenciação.
7 - São critérios para a fixação da duração do período de inibição das pessoas afetadas pela qualificação da insolvência como culposa a gravidade da conduta, incluindo o número de circunstâncias qualificadoras preenchidas, as consequências do comportamento, o grau de culpa e o contributo para a situação de insolvência, nomeadamente se determinou diretamente a situação de insolvência ou apenas agravou a mesma.
(Da responsabilidade da relatora – art.º 663º nº 7 do CPC.)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da Secção de Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa
1. Relatório
B… - Comércio Alimentar, Lda., pessoa coletiva nº …, com sede na Estrada …, Alverca do Ribatejo, apresentou-se à insolvência, alegando encontrar-se em situação de impossibilidade de cumprimento das suas obrigações vencidas.
A insolvência foi decretada por sentença de 07/10/2021, transitada em julgado.
JX, Lda veio requerer a abertura do incidente de qualificação da insolvência, justificando a sua qualidade de credora, alegando os factos apurados em procedimento cautelar por si intentado e por outra credora, dos quais resulta a transmissão do negócio da devedora para empresa explorada por pessoas com esta relacionadas, pedindo qualificação da insolvência como culposa e a afetação da gerente MJL e do ex-gerente e filho da primeira, DFL.
Massa Insolvente de JX, SA veio igualmente requerer a abertura de incidente de qualificação da insolvência, aderindo ao requerimento de JX, Lda.
Foi declarada a abertura do incidente de qualificação.
O Sr. Administrador da Insolvência apresentou parecer, nos termos previstos no art.º 188º nº 6 do CIRE, no sentido da qualificação da insolvência como culposa, indicando as transmissões de bens documentadas, que considerou enquadrarem as previsões das als. a) e d) do nº 2 do art.º 186º do CIRE, bem como a violação do dever de apresentação à insolvência, nos termos da al. a) do nº3 do art.º 186º do mesmo diploma. Indicou como pessoa a afetar a gerente MJL.
O Ministério Público, nos termos do disposto no nº7 do art.º 188º do CIRE pronunciou-se no sentido da qualificação da insolvência como culposa nos termos do nº 2 als. a) e d) e nº3, al. a) do art.º 186º do CIRE, com afetação da gerente MJL, nos mesmos termos.
Nos termos do disposto no art.º 188º nº 9 do CIRE foi ordenada a notificação da insolvente e a citação de MJL.
MJL deduziu oposição, pedindo a qualificação da insolvência como fortuita. Alegou, em síntese, que nenhuma das transmissões agravou a situação da devedora e que a apresentação tardia à insolvência não contribuiu para causar ou agravar a mesma.
O Sr. Administrador da Insolvência respondeu à oposição, impugnando todos os factos ali alegados.
JX, Lda respondeu à oposição pedindo a extensão da afetação a DFL.
Massa Insolvente de JX, SA aderiu à resposta à oposição apresentada por JX, Lda.
Por despacho de 10/10/2022 foi ordenada a citação de DFL e ainda a notificação da citada e oponente MJL dos requerimentos de abertura do incidente apresentados pelas credoras JX, Lda e Massa Insolvente de JX, SA.
DFL deduziu oposição, pedindo a qualificação da insolvência como fortuita. Alegou, em síntese, que a sua afetação é uma forma de retaliação e que nenhuma das transmissões agravou a situação da devedora e que a apresentação tardia à insolvência não contribuiu para causar ou agravar a mesma.
MJL deduziu novamente oposição, pedindo a qualificação da insolvência como fortuita. Alegou, em síntese, que nenhuma das transmissões agravou a situação da devedora e que a apresentação tardia à insolvência não contribuiu para causar ou agravar a mesma.
JX, Lda respondeu à oposição apresentada por DFL.
O Sr. Administrador da Insolvência respondeu às oposições, impugnando todos os factos ali alegados.
Foi dispensada a realização de audiência prévia, proferido despacho saneador e fixados o objeto do litígio e os temas da prova.
Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido, em 31/10/2023, proferida sentença nos seguintes termos:
“Pelo exposto, julgo procedente o presente incidente e, em consequência:
A) Qualifico como culposa a insolvência de B… - Comércio Alimentar, Lda., NIPC …, com sede na Estrada …. Alverca do Ribatejo;
B) Declaro afectados pela referida qualificação, MJL e DFL;
C) Decreto a inibição de MJL para administrar patrimónios de terceiros por um período de 7 (sete) anos;
D) Decreto a inibição de DFL para administrar patrimónios de terceiros por um período de 7 (sete) anos;
E) Declaro MJL inibida para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo período de 7 (sete) anos;
F) Declaro DFL inibido para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo período de 7 (sete) anos;
G) Determino a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por MJL e DFL, condenando-os na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos;
H) Condeno MJL e DFL a indemnizarem os credores da sociedade devedora declarada insolvente, mediante montante a liquidar em incidente de liquidação, execução de sentença, nos termos do n.º 4 do art.º 189.º do CIRE, até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos e considerando as forças dos respectivos patrimónios.
*
Custas do incidente pelos afectados pela qualificação – art.º 303.º do CIRE.
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Registe e notifique.
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Remeta certidão à Conservatória do Registo Civil competente, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 189.º n.º 3 do CIRE e art.º 1.º, n.º 1 al. m) do Código de Registo Civil.”
Inconformados apelaram MJL e DFL, pedindo seja anulada a sentença recorrida por falta de fundamentação e, caso assim se não entenda, a sua revogação, e a qualificação da insolvência como fortuita, formulando as seguintes conclusões:
“a) Os requeridos MJL e DFL, foram declarados afectados pela qualificação, sendo relativamente a ambos decretada a inibição para administrar patrimónios de terceiros, ambos, por um período de 7 (sete) anos; E inibidos, ambos, para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo período de 7 (sete) anos, sendo, ainda, ambos condenados a indemnizarem os credores da sociedade devedora declarada insolvente, mediante montante a liquidar em incidente de liquidação, execução de sentença, nos termos do n.º 4 do art.º 189.º do CIRE, até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos e considerando as forças dos respectivos patrimónios.
b) A sentença sob recurso, porque não fez o uso, que deveria ter feito, de «juízo de previsibilidade e probabilidade na óptica de um observador experimentado médio, colocado na posição concreta» dos ora requeridos e recorrentes, ignora o facto de que, na situação concreta, não fora actuação dos requeridos, a mesma pela qual o Tribunal decide qualificar a insolvência como culposa, a situação dos credores da insolvência se teria agravado.
c) De facto, improcedendo a qualificação da insolvência por desrespeito pelo prazo de apresentação, ao arrepio do que o Senhor A.I. e o M.º P.º sufragaram, vieram os ora Recorrentes a ser afectados por tal qualificação, em consequência da celebração de negócios que aparecem justificados pela circunstância de (1) a Insolvente estar, à sua data, impedida de prosseguir actividade, com consequente perda total do património imaterial, como seja uma área de negócio e a respectiva clientela, e apesar de (2) tais negócios terem permitido reduzir substancialmente o passivo da insolvente.
d) Fundamentação: « (…) Considerando o activo que veio a ser apreendido (facto sob 1)), assim como o activo arrestado (facto sob n)), resulta evidente o esvaziamento de activo da insolvente, traduzido em actos de ocultação do património do devedor — consistentes nas "vendas" a familiares e a sociedades constituídas pelos próprios ou por familiares -, por um lado, e na disposição de bens e de clientela a favor de terceiros, no caso, a DFL, Lda. constituída em 16-07-2019, pelos sócios e gerentes, aqui Requeridos, com a mesma sede da insolvente e com o mesmo objecto social, por outro, entende-se que se consideram verificadas as previsões normativas das alíneas a) e d) e, como tal, a dupla presunção inilidível de culpa grave e de nexo de causalidade entre os ilícitos e a criação/o agravamento da situação de insolvência, para sustentar a insolvência culposa. // De facto, a circunstância de, em parte, o produto das vendas ter revertido para o pagamento de dívidas da insolvente não é excludente da verificação destas previsões normativas, justamente, por ter sido em parte e por não ter servido ao pagamento da totalidade das dívidas vencidas, por um lado, nem à continuidade da actividade da insolvente, por outro, quando muito atenua o grau de ilicitude. // Nem a circunstância de a insolvente, após a instauração da acção de cobrança de dívida pelas Credoras Requerentes (factos sob m) e n)), ter obtido notação negativa na avaliação de risco efectuada pelos seus parceiros comerciais, os seguros de crédito terem sido cancelados, vendo-se impossibilitada de realizar, logo em 2019, importações a crédito, as instituições bancárias não renovaram os financiamentos contratados, obrigando-a a uma redução da actividade de importação de carne (facto sob tt)), excluem a ilicitude dos actos de transferência de património/bens e direitos, acima assinalados.».
e) Entendem os recorrentes, no que concerne à matéria de facto, que a decisão recorrida está errada, tendo sido feita (i) uma avaliação incorrecta dos meios de prova, (ii) que foi produzida prova em função da qual determinado facto deve ser julgado de forma diferente (iii) que foram desconsiderados meios de prova que deveriam ter sido valorados, ou diferentemente valorados, a que acresce (a) ter-se dado por provada factualidade que o não é, constituindo meras e injustificadas conclusões, (b) uma manifesta falta de fundamentação e (c) a contradição entre alguns dos factos dados por provados e por não provados.
f) Neste particular, impõe-se a reapreciação da factualidade constante das alíneas hh), ii), jj), hhh), iii), jjj) e kkk) dos Factos Provados e relativamente aos números 2, 3 e 11 dos Factos Não Provados.
g) Quanto às Alíneas hh), ii) e jj), desconhece-se como é que ficou provado que «agiu a Requerida MJL, com o conhecimento do Requerido DFL, sabendo de que estava a ocultar os bens, com o objectivo de não pagar aos credores da insolvente» (facto hh)., bem como com que base o Tribunal recorrido considerou que «ii) Com excepção dos contratos de locação financeira enunciados, desconhece-se se, com o produto das "vendas", a insolvente efectuou pagamentos aos credores».
h) Efectivamente, não se descortina com base em quê, nem o Tribunal recorrido o diz, se podem dar por provados como sendo factos, meros juízos conclusivos, sendo certo que a única justificação que consta da sentença é a opinião, o juízo, a conclusão do Sr. Administrador Judicial.
i) Opinião essa que, também sem qualquer suporte documental ou outro, permite dar por provado que «jj) O valor de mercado das viaturas estima-se em € 158.500,00.».
j) E constando em kk) dos factos provados que «O Sr. Administrador da Insolvência procedeu às resoluções dos negócios — com excepção da viatura …-RD-... - a favor da massa insolvente, o que, após impugnações deduzidas, vieram a ser declaradas nulas e ineficazes por sentenças proferidas em 16-01-2023.», não se descortina como é que o Tribunal recorrido dando por provado, como teria de dar, por via das sentenças proferidas naqueles processos, que as resoluções efectuadas pelo AI foram declaradas nulas e ineficazes, não retira deste facto as necessárias e indispensáveis ilações, em particular, a inatacabilidade daquelas operações /negócios, optando por, viciosamente, concluir pela existência de intenções que, aquelas referidas sentenças, só por si, desmentem.
k) Intenções estas igualmente desmentidas, mesmo dando por bom o valor estimado dos veículos vendidos, considerando os montantes pagos pelos compradores e os valores pagos às locadoras financeiras, não se entendendo como pode o Tribunal considerar que os requeridos estavam a ocultar bens com o objectivo de não pagar aos credores da insolvente.
l) Pelo que, e necessariamente, os factos constantes das alíneas hh), - na parte «(…) agiu a Requerida MJL, com o conhecimento do Requerido DFL, sabendo de que estava a ocultar os bens, com o objectivo de não pagar aos credores da insolvente», -- ii) e jj) deverão ser eliminados dos factos dados como provados.
m) Quanto às Alíneas hhh) iii) e jjj), o Tribunal recorrido sem indicar um só bem, direito, crédito, um cêntimo que seja, de que a DFL, Lda /DFL/MJL se tenham apropriado, recorre, na confessada ausência de qualquer outro meio de prova, «às regras de experiência comum que nos dizem ter sido uma transferência de meios e de bens da insolvente para a DFL pretendida pela Requerida MJL, mas também pelo sócio, ex gerente de direito, responsável pela área comercial da insolvente, de modo a obviar aos pagamentos das dívidas, incluindo às Credoras Requerentes.»
n) Esquecendo /omitindo que, com exclusão das operações que tiveram por objecto parte dos veículos automóveis onde também o Tribunal recorrido se recusou a retirar as ilações que se impunham do facto das resoluções terem sido julgadas ineficazes com a consequente procedência das ações que as impugnaram - deu por provado que (i) a DFL, Lda / DFL pagaram à Insolvente tudo o que a ela adquiriram (ii) que todos esses valores foram usados pela insolvente / sua gerente MJL para pagamento de créditos vencidos e (iii), não menos relevante no contexto factual em que tudo aconteceu, que «O Requerido DFL era a única pessoa na insolvente que conhecia e dominava os mecanismos de importação de carne e detinha a relação pessoal e comercial, seja com os exportadores, seja com os operadores nacionais onde a carne importada era revendida.» - ggg) dos Factos Provados.
o) Omissão essa ainda mais gritante e contraditória por ter sido dado por provado em xx) que a DFL celebrou com a Insolvente um contrato promessa de cessão temporária de área de negócio, cujo preço pagou (zz), em yy) que essa mesma actividade estaria votada à inexistência se permanecesse na insolvente e, também em yy) que a DFL. garantiu a continuidade desta área de negócio.
p) Não se entendendo como pode o Tribunal recorrido compaginar estes factos, com a afirmação de «O Requerido DFL apesar de saber que o bem imóvel, os recursos financeiros provindos dos créditos sobre os clientes da insolvente e as viaturas pertenciam à insolvente, concebeu o plano de utilizar a sua posição dentro da aludida sociedade para, através desse exercício de funções, apossar-se dos bens e dos recursos financeiros da insolvente em seu próprio benefício e da sociedade DFL que representa, na qualidade de gerente enquanto sócio das mesmas, ou em que tinha interesses comerciais.»
q) A DFL não se apossou de quaisquer bens da insolvente. Comprou-os e pagou-os. Não canalizou para si os clientes e as vendas da insolvente. Comprou e pagou uma área de negócio que, necessariamente, incluía os clientes dessa mesma área de negócio, sob pena de nada ter comprado. E não canalizou quaisquer vendas da insolvente para si, porque a insolvente «vendo-se impossibilitada de realizar, logo em 2019, importações a crédito, as instituições bancárias não renovaram os financiamentos contratados, obrigando-a a uma redução da actividade de importação de carne.» - assim tt) dos factos provados – já não tinha, nessa área, quaisquer vendas, pelo menos, com qualquer significado numa área de negócio, é o Tribunal recorrido que o diz, votada à inexistência,
r) Em suma, por manifesta contradição com a demais factualidade dada por provada e ou manifesta ausência de fundamentação, deverá igualmente ser dada como não provada a factualidade das Alíneas hhh) iii) e jjj),
s) Finalmente, no que respeita à alínea kkk) o Tribunal omite quem procedeu a tais pagamentos, todos já depois do decretamento da insolvência, não foi a insolvente, mas sim os respectivos sócios, à custa de património próprio e ou de sociedades por si detidas ou geridas, contendo a referida alínea kkk) uma redacção ostensivamente errada face à prova (documental) em que se fundou.
t) Tais documentos, 36 a 41, juntos com a Oposição (Ref.ª 12309616 – CITIUS), determinam, assim, que seja alterada a resposta à matéria de facto, relativamente ao facto “kkk”, ao qual deverá ser conferida a seguinte redação:
«Kkk) Após a declaração da insolvência, em 15-11-2021, 13-12-2021, 17-12-2021, 14-01-2022, 17-02-2022, 11-10-2022, e 12-10-2022, os Requeridos, através de contas de que são titulares a F SGPS SA (sócia da Insolvente) e a X LDA. (da qual é gerente a requerida MJL) e a própria requerida MJL, procederam ao pagamento de cerca de € 780 000, 00 a instituições bancárias e à Autoridade Tributária e Aduaneira.»,
u) Já no que respeita aos Factos Não Provados, entendem os requeridos que também deverá ser reapreciada a resposta aos factos nº 2, 3 e 11.
v) Como supra se referiu, não se consegue descortinar como é que o Tribunal recorrido dando por provado, como deu e teria de dar por via das sentenças proferidas naqueles processos, que as resoluções efectuadas pelo AI foram declaradas nulas e ineficazes, não retira deste facto as necessárias e indispensáveis ilações, em particular, a inatacabilidade daquelas operações, optando antes por, viciosamente, concluir pela existência de intenções que, aquelas referidas sentenças, só por si, desmentem, sendo irrelevante, em sede de qualificação – e exactamente por via das sentenças proferidas nas acções de impugnação das resoluções operadas pelo Administrador de Insolvência não se ter provado se nalguns casos (2 e 3) o preço dos veículos foi ou não efectivamente pago; é que, não o tendo sido, seguramente que as sentenças proferidas teriam sido outras, sem embargo de nessas sentenças tais pagamentos terem sido considerandos como efectuados.
w) E embora não se desconhecendo que «Os juízos probatórios positivos ou negativos que consubstanciam a chamada “decisão de facto” não revestem, em si mesmos, a natureza de decisão definidora de efeitos jurídicos, constituindo apenas fundamentos de facto da decisão jurídica em que se integram.», dúvidas inexistem que tendo sido o mesmo Tribunal e até a mesma Ilustre Juiz que proferiu a sentença sob recurso que igualmente proferiu as decisões em sede das acções de impugnação de resolução não poderá /não deverá ignorar o valor extraprocessual das provas produzidas naqueles outros processos e o princípio da aquisição processual, previsto no artigo 413.° do CPC.
x) E naquela referida acção, - autos de impugnação de resolução nº 2860/21.2T8VFX-G, onde foi autora a DFL, Lda., e ré a Massa Insolvente de B... – Comércio Alimentar, Lda., e no âmbito do qual o Tribunal considerou como provado que os preços daquelas duas viaturas foi pago mediante encontro de contas entre vendedora e compradora.
y) Pelo que deverá ser eliminada dos Factos Não Provados a factualidade constante dos nºs 2 e 3, a qual, exactamente com a mesma redação, deverá passar a figurar no elenco dos Factos Provados, ou sejam e, consequentemente os seguintes novos factos provados:
«A DFL, Lda. pagou à insolvente o preço de venda da viatura …-XM-…, de € 20.910,00, e este valor foi considerado no acerto de contas existente entre ambas.»
«A DFL, Lda. pagou à insolvente o preço de venda da viatura …-QM-…, de € 7.500,00, e este valor foi considerado no acerto de contas existente entre ambas.» entrou na conta corrente existente entre ambas as empresas como acerto de contas, tendo continuado, porém, a ser fornecedora da insolvente
z) Finalmente, quanto ao nº 11 dos factos dados por não provados, afigura-se inquestionável, prante a fundamentação constante da sentença, ter ocorrido uma reunião em Lisboa, na qual a Requerida MJL foi informada pelos advogados angolanos que a DA não tinha qualquer património, não exercia actividade e as suas instalações estavam ocupadas por outra empresa, perante o que decidiu apresentar a insolvente à insolvência.
aa) Pelo que, no enquadramento e com a justificação supra, e considerando ainda o facto dado como provado na alínea ddd) - «No ano de 2020, foi contratado um escritório de advogados em Angola, para diligenciar pela cobrança do crédito da insolvente sobre a DA.» - deverá ser eliminado o facto constante do nº 11 dos Factos Não Provados e, em sua substituição, ser levado ao elenco dos Factos Provados, um novo facto com a redacção seguinte:
«Em data não concretamente apurada, mas após o factos referido em ddd), ocorreu reunião em Lisboa, no Hotel Penta, na qual a Requerida MJL foi informada pelo escritório de advogados referido em ddd) dos Factos Provados, que a DA não tinha qualquer património, não exercia actividade e as suas instalações estavam ocupadas por outra empresa, perante o que decidiu apresentar a insolvente à insolvência.»
bb) Conforme bem resulta da sentença, a qualificação da insolvência como culposa, resulta da alegada alienação de património da insolvente (destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor e ou disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros), ou seja, ocorre em consequência da existência de negócios celebrados pela Requerida. Assim, «Qualificar-se-á a insolvência da requerida como culposa, nos termos dos arts. 185.° e 186°, n.° 2, als. a), e d), do CIRE, afectando os Requeridos MJL e DFL», isto, apesar de (1) tais negócios aparecerem justificados pela circunstância de a Insolvente estar, à sua data, impedida de prosseguir actividade, e (2) apesar de tais negócios terem permitido reduzir substancialmente o passivo da insolvente.
cc) De facto, relativamente aos veículos automóveis, e sem prejuízo da supra requerida reapreciação da matéria de facto, desconhece-se como é que ficou provado (a) que «agiu a Requerida MJL, com o conhecimento do Requerido DFL, sabendo de que estava a ocultar os bens, com o objectivo de não pagar aos credores da insolvente» (facto hh) e ainda que «ii) Com excepção dos contratos de locação financeira enunciados, desconhece-se se, com o produto das "vendas", a insolvente efectuou pagamentos aos credores».
dd) Mas, o facto de se desconhecer se com o produto das vendas a insolvente efectuou pagamento aos credores é, parece-nos, indiferente. De facto, para se concluir que os requeridos dispuserem «dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros» mister se torna demonstrar que o fizerem em prejuízo da insolvente, não pagando os preços de venda, ou adquirindo tais bens por preço inferior ao que tinham.
ee) É que, na verdade, não é alegado, não ficou provado, nem aconteceu, ter o valor dessas vendas revertido ilicitamente para os requeridos ou terceiros.
ff) E quanto aos demais actos de disposição, que até são desconsiderados pelo Administrador de Insolvência, a questão que se coloca é a de saber se, no caso em apreço, os factos elencados são suscetíveis de demonstrar objetivamente as situações elencadas nas alíneas a) e d) do art.º 186º n.º 2 CIRE, ou seja se traduzem, ou, se se subsumem, à previsão de ter «Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor», ou «Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros.»
gg) O que, muito claramente, não aconteceu, nem da sentença consta justificação mínima nesse sentido. De facto, e acerca de tal subsunção, a Sentença recorrida não contem um mínimo discurso que permita compreender: (a) Nem o que considera como «Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer» o património da insolvente; (b) Nem a razão pela qual ocorre a subsunção a tais pressupostos (que não densificou), bem como não justifica que tenha ocorrido uma disposição dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros; pelo contrário, ao considerar que a área de negócio estava votada ao desaparecimento, justifica a sua aquisição pela DFL, assim como o demais adquirido e associado à mesma área de negócio, incluído a não negligenciável transição de parte significativa dos trabalhadores da insolvente para o quadro de pessoal da DFL;
hh) E não nos parece, nem que assim seja (factualmente), nem que que sentença recorrida o justifique minimamente, já que, acerca de tal subsunção, a Sentença recorrida não contem um mínimo discurso que permita compreender, nem o que considera como «Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer» o património da insolvente, nem a razão pela qual ocorre a subsunção a tais pressupostos (que não densificou).
ii) Note-se, ainda, que a destruição, dano, inutilização, ocultação, ou desaparecimento, terão de reportar-se a uma parte considerável do património da empresa insolvente, o que, uma vez mais, não aparece densificado ou concretizado de forma alguma; E esta afirmação, pode parecer estranha, face aos valores elencados nos factos provados, como “benefício” retirado pelos destinatários das várias transacções igualmente elencadas no probatório, mas já não o é se tivermos em conta o sinalagma correspondente a tais transacções, relativamente à situação patrimonial da insolvente, como seja o reconhecimento de que o contrato celebrado entre a DFL, Lda, e a insolvente, pelo preço global de € 180.000,00, relativo à área de negócio de importação de carnes da América do Sul, em particular, do Brasil, Uruguai e Argentina (facto XX), respeitava, como expressamente se assume no facto “YY”, a uma «actividade que estaria votada à inexistência se permanecesse na insolvente.»
jj) Vale por dizer que a Sentença recorrida olvida – quer obliterar – que «A conduta tipificada na alínea d) do nº. 2 do art.º 186º do CIRE, numa leitura consentânea com o nº. 1, exige que do ato de disposição de bens do devedor resulte simultaneamente prejuízo para o mesmo devedor e proveito do(s) administrador(es) ou terceiro(s).» (Relação de Guimarães - 27-04-2023; no mesmo sentido, Luís Carvalho Fernandes, Themis, Edição Especial, Novo Direito da Insolvência, 2005, pág. 95, nota 23), ou seja, a norma legal pretende prevenir e punir não propriamente um enriquecimento de terceiros, mas sim o empobrecimento da insolvente.
kk) Mas não é isso que ocorre quando a cedência desta área de negócio, aliás temporária, permite “salvar” a área de negócio e reflete uma entrada patrimonial na esfera da Insolvente, inexistindo qualquer facto provado que permita assacar uma situação de delapidação ou prejuízo patrimonial, já que, permanecendo na esfera da insolvente, estava vaticinada, pela inexistência, à data da celebração do negócio, de condições mínimas para que esta prosseguisse tal actividade, devido ao cancelamento dos seguros de crédito que impossibilitavam a realização, logo em 2019, de importações a crédito, a acrescer à recusa das instituições bancárias de renovarem os financiamentos contratados.
ll) Vale por dizer que o excerto da curta fundamentação expendida a tal propósito, segundo o qual «Nem a circunstância de a insolvente, após a instauração da acção de cobrança de dívida pelas Credoras Requerentes (factos sob m) e n)), ter obtido notação negativa na avaliação de risco efectuada pelos seus parceiros comerciais, os seguros de crédito terem sido cancelados, vendo-se impossibilitada de realizar, logo em 2019, importações a crédito, as instituições bancárias não renovaram os financiamentos contratados, obrigando-a a uma redução da actividade de importação de carne (facto sob tt)), excluem a ilicitude dos actos de transferência de património/bens e direitos, acima assinalados.», é simplesmente errada, além de juridicamente inócua, servindo apenas para compreender o grosseiro erro de interpretação e aplicação da norma ínsita do art.º 186º, nº1 e nº 2, a), do CIRE.
mm) Paralelamente, a decisão recorrida é também errada, e chocantemente iníqua, porque olvida que o património de uma sociedade é o conjunto de relações jurídicas com valor económico, isto é, avaliável em dinheiro de que é sujeito activo e passivo uma dada pessoa” (Paulo de Tarso Domingues, “Capital e património sociais, lucros e reservas”, in “Estudos de Direito das Sociedades”, 5ª Ed., p. 135).
nn) E por via disso, desvalorizando o que decorre do probatório (i) Que o preço de 425.000,00, recebido pela insolvente pela venda à DFL parte do respectivo stock, equipamento informático e a quota GATT, (facto “ZZ”) foi aplicado no pagamento à Caixa … por conta de créditos vencidos (facto “AAA”); (ii) Que o preço de € 180.000,00 recebido pela venda da fracção sita no Lumiar (facto “BBB”, foi aplicado na amortização da dívida contraída para a sua aquisição, junto da Caixa …. com cancelamento da inscrição da hipoteca (facto “CCC”)
oo) E que, cfr. facto “kkk”, «Após a declaração da insolvência, em 15-11-2021, 13-12-2021, 17-12-2021, 14-01-2022, 17-02-2022, 11-10-2022, e 12-10-2022, a insolvente procedeu ao pagamento de cerca de € 780 000, 00 a instituições bancárias e à Autoridade Tributária e Aduaneira.», com dinheiro que, certamente, “caiu do céu” (Salvo o devido respeito, que é muitíssimo).
pp) Assim, é por demais evidente que, para que fosse encontrada uma delapidação patrimonial, seria necessário que estivesse provado, ao menos, que tais vendas, ocorreram por preço inferior ao seu valor de mercado, de forma a beneficiar os adquirentes, o não está provado e nem, de facto, tal ocorreu.
qq) Aliás, ainda quanto a esta questão, os documentos, 36 a 39, juntos com a Oposição (Ref.ª 12309616 – CITIUS), determinam, conforme supra requerido, que seja alterada a resposta à matéria de facto, relativamente ao facto “kkk”, ao qual deverá ser conferida a seguinte redação: «Kkk) Após a declaração da insolvência, em 15-11-2021, 13-12-2021, 17-12-2021, 14-01-2022, 17-02-2022, 11-10-2022, e 12-10-2022, os Requeridos, através de contas de que são titulares a F SGPS SA (Sócia da Insolvente) e a X LDA, procederam ao pagamento de cerca de € 780.000,00 a instituições bancárias e à Autoridade Tributária e Aduaneira.»,
rr) Acresce que, o Tribunal a quo, não obstante ter dado por provado o pagamento a credores daqueles 780.000 mil euros, já depois da declaração de insolvência, nenhuma consequência disso retira, o que só se compreenderá tendo presente que a factualidade assim assente, não reflecte a verdade que os documentos demonstram: quem procedeu a tais pagamentos, todos já depois do decretamento da insolvência, não foi a insolvente, mas sim os respectivos sócios, à custa de património próprio e ou de sociedades por si detidas ou geridas, circunstância à luz da qual dificilmente se compreenderá a pretensa intenção da actuação imputada aos Requeridos de prejudicar os credores!
ss) Factos sob ggg), hhh), iii), jjj) , segundo decorre da sentença recorrida, resultam provados em função das declarações das testemunhas, que «confirmaram que era o Requerido DFL quem tinha o conhecimento das relações comerciais desenvolvidas pela insolvente, relações – clientes e fornecedores - que transitaram para a DFL, que constituiu, sobretudo após perceberem que a insolvente ia perder um cliente importante, o Pingo Doce, incluindo os trabalhadores, tudo cotejado com as regras de experiência comum que nos dizem ter sido uma transferência de meios e de bens da insolvente para a DFL pretendida pela Requerida MJL, mas também pelo sócio, ex gerente de direito, responsável pela área comercial da insolvente, de modo a obviar aos pagamentos das dívidas, incluindo às Credoras Requerentes.».
tt) Ou seja, as “regras de experiência comum”, serviram ao Tribunal para concluir que a transferência de trabalhadores, de uma sociedade “condenada” por impossibilidade de exercício da sua actividade, para outra, assim salvando esses postos de trabalho, foi « de modo a obviar aos pagamentos das dívidas, incluindo às Credoras Requerentes.», o que é absolutamente extraordinário pela incoerência, e bizarro pela iniquidade, tamanha, que nem se deu conta de que pune uma actuação que salvaguardou postos de trabalho e assim, reflexamente, teve como efeito a inexistência de créditos laborais que seriam reclamados na insolvência!
uu) Em jjj) conclui-se que «De acordo com o plano por si engendrado em concertação com a Requerida MJL tornou impossível a cobrança do crédito da ora interessada/credora e dos demais credores.», facto este em manifesta contradição com o facto dado por provado em qq) - «A DA contraiu uma dívida perante a insolvente no montante de € 1.505.887,76.» e em rr) - «Em resultado do não pagamento do referido montante, a insolvente viu-se impossibilitada de proceder ao pagamento da sua dívida para com as Credoras Requerentes, nos montantes de, respetivamente, € 513.645,28 e € 512.506,43.»;
vv) E em hhh) dá-se por provado que «O Requerido DFL apesar de saber que o bem imóvel, os recursos financeiros provindos dos créditos sobre os clientes da insolvente e as viaturas pertenciam à insolvente, concebeu o plano de utilizar a sua posição dentro da aludida sociedade para, através desse exercício de funções, apossar-se dos bens e dos recursos financeiros da insolvente em seu próprio benefício e da sociedade DFL que representa, na qualidade de gerente enquanto sócio das mesmas, ou em que tinha interesses comerciais.»,
ww) Omitindo-se que: (i) Nem a DFL, Lda, nem o requerido DFL ficaram com qualquer bem imóvel da Insolvente, nem isso consta de qualquer parte da sentença; (ii) Nem a DFL, Lda, nem o requerido DFL ficaram com quaisquer recursos financeiros provindos dos créditos sobre os clientes da insolvente, factualidade essa que não foi sequer alegada fosse por quem fosse; (iii) Nem a DFL, Lda - nem o requerido DFL - ficaram com a viaturas automóveis antes pertencentes à insolvente que não tivessem pago, o que bem resulta da sentença proferida nos autos de impugnação de resolução nº 2860/21.2T8VFX-G, onde foi autora a DFL, Lda., e ré a Massa Insolvente de B… – Comércio Alimentar, Lda., e no âmbito do qual o Tribunal considerou como provado: «c) A Autora comprou à insolvente, em 30-06-2020, a viatura ..-QM-.., pelo preço de € 7.500,00, preço que entrou na conta corrente existente entre ambas as empresas como acerto de contas, tendo continuado, porém, a ser fornecedora da insolvente; d) A referida viatura havia sido avaliada em € 7.000,00; e) A Autora comprou à insolvente, em 31-12-2019, a viatura ..-XM-.., pelo preço de € 20.910,00 que entrou na conta corrente existente entre ambas as empresas como acerto de contas, tendo continuado, porém, a ser fornecedora da insolvente; f) Anteriormente, a insolvente havia suportado € 19.316,23, com a rescisão antecipada de um contrato de leasing com o Banco, S.A.».
xx) Assim, o Tribunal recorrido sem indicar um só bem, direito, crédito, um cêntimo que seja, de que a DFL, Lda /DFL / MJL se tenham apropriado, recorre, na confessada ausência de qualquer outro meio de prova, «às regras de experiência comum que nos dizem ter sido uma transferência de meios e de bens da insolvente para a DFL , Lda (…) de modo a obviar aos pagamentos das dívidas, incluindo às Credoras Requerentes.»
yy) Esquecendo /omitindo que, com exclusão das operações que tiveram por objecto parte dos veículos automóveis onde também o Tribunal recorrido se recusou a retirar as ilações que se impunham do facto das resoluções terem sido julgadas ineficazes com a consequente procedência das ações que as impugnaram -- deu por provado que (i) a DFL, Lda / DFL pagaram à Insolvente DFL tudo o que a ela adquiriram (ii) que todos esses valores foram usados pela insolvente / sua gerente MJL para pagamento de créditos vencidos e (iii), não menos relevante no contexto factual em que tudo aconteceu, que «O Requerido DFL era a única pessoa na insolvente que conhecia e dominava os mecanismos de importação de carne e detinha a relação pessoal e comercial, seja com os exportadores, seja com os operadores nacionais onde a carne importada era revendida.» - ggg) dos Factos Provados,
zz) Omissão essa ainda mais gritante e contraditória: tendo sido dado por provado em xx) que a DFL celebrou com a Insolvente um contrato promessa de cessão temporária de área de negócio, cujo preço pagou (zz), em yy) que essa mesma actividade estaria votada à inexistência se permanecesse na insolvente e, também em yy) que a DFL, Lda garantiu a continuidade desta área de negócio, como compaginar estes factos, com a afirmação de «O Requerido DFL apesar de saber que o bem imóvel, os recursos financeiros provindos dos créditos sobre os clientes da insolvente e as viaturas pertenciam à insolvente, concebeu o plano de utilizar a sua posição dentro da aludida sociedade para, através desse exercício de funções, apossar-se dos bens e dos recursos financeiros da insolvente em seu próprio benefício e da sociedade DFL que representa, na qualidade de gerente enquanto sócio das mesmas, ou em que tinha interesses comerciais.» ?
aaa) O Tribunal recorrido olvida porém, na fundamentação apresentada, que a DFL, Lda comprara e pagara por 180 mil euros uma área de negócio reconhecidamente votada à inexistência, bem como que comprara e pagara parte do respectivo stock, pelo preço de € 162.965,16, comprara e pagara equipamento informático, pelo preço de € 21.832,50 e comprara e pagara e a quota GATT, pelo preço de € 42 859, 00, do que decorre que a DFL, Lda não se apossou de quaisquer bens da insolvente: Comprou-os e pagou-os; Não canalizou para si os clientes e as vendas da insolvente: Comprou e pagou uma área de negócio que, necessariamente, incluía os clientes dessa mesma área de negócio, sob pena de nada ter comprado; E não canalizou quaisquer vendas da insolvente para si, porque a insolvente «vendo-se impossibilitada de realizar, logo em 2019, importações a crédito, as instituições bancárias não renovaram os financiamentos contratados, obrigando-a a uma redução da actividade de importação de carne.» - assim tt) dos factos provados – já não tinha, nessa área, quaisquer vendas, pelo menos, com qualquer significado, tratando-se de uma área de negócio que o Tribunal assume que se não fosse vendida quando o foi, nada valeria no futuro por inexistir…
bbb) Seja como for, o relevante aqui é que o Tribunal a quo, condenou ambos os Requeridos «a indemnizarem os credores da sociedade devedora declarada insolvente, mediante montante a liquidar em incidente de liquidação, execução de sentença, nos termos do n.º 4 do art.º 189.º do CIRE, até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos e considerando as forças dos respectivos patrimónios.», sem qualquer ponderação e necessária fundamentação relativa à adequação e proporcionalidade da condenação, assente no pressuposto de que as condutas imputadas contribuíram, seja para a criação, seja para o agravamento da situação da insolvência.
ccc) É que, dispõe o nº 4 do art.º 189º, do CIRE, que « 4 - Ao aplicar o disposto na alínea e) do n.º 2, o juiz deve fixar o valor das indemnizações devidas ou, caso tal não seja possível em virtude de o tribunal não dispor dos elementos necessários para calcular o montante dos prejuízos sofridos, os critérios a utilizar para a sua quantificação, a efetuar em liquidação de sentença.», do que decorre que a afectação pela qualificação, não pressupõe, por si só, a condenação nos termos plasmados no nº 2, al. e) do mesmo artigo, exigindo, de qualquer forma, prova dos demais pressupostos de qualquer indemnização - ilicitude, culpa e nexo de causalidade - que legitime responsabilizá-la pelo seu pagamento, e porque a presunção referida pela sentença apenas disciplina a qualificação da insolvência e não a responsabilidade de indemnizar.
ddd) Destarte, o exercício de qualquer pretensão indemnizatória depende da verificação dos fundamentos legalmente exigidos para fazer de alguém um responsável em sentido jurídico - não se tratando de responsabilidade objetiva ou pelo risco - nos termos gerais da responsabilidade civil previstos pelo art.º 483º do Código Civil, o que sempre seria exigível por apelo a princípios de proporcionalidade ou de proibição de excessos, que na vigência da anterior redação inicial da al. e) levou a jurisprudência a rejeitar a condenação ‘automática’ dos afetados pelo montante dos créditos não satisfeitos, pugnando pela fixação da indemnização após prévia apreciação e por referência, no essencial, à conduta da pessoa afetada, ainda que na perspetiva do seu contributo para a criação ou agravamento da insolvência, que será o mesmo que dizer, por referência ao perigo abstrato tutelado pela norma fundamento da qualificação da insolvência preenchida pela conduta do afetado
eee) No caso nada é dito na sentença recorrida que permita estabelecer uma linear ou justaposta coincidência entre a causa fundamentadora da responsabilidade e a causa ‘preenchedora’ dessa responsabilidade ou, dito de outra forma, entre o perigo de dano presumido pelas normas fundamento da qualificação e o dano concretamente causado pelas condutas omissivas da recorrente, entre o presumido agravamento da situação de insolvência e o concreto valor ou mensuração desse agravamento.
fff) É que, conforme supra se referiu, sendo certo que os Requeridos praticaram os factos enunciados no probatório, é igualmente certo que dessa sua actuação decorre uma redução, quer dos créditos existentes, quer dos créditos que se venceriam em consequência da declaração de insolvência,
ggg) Sendo os existentes, desde logo, os que resultam dos factos: - “ZZ” e AAA”: aplicação da € 425.000,00, proveniente da venda à DFL, Lda parte do respectivo stock, pelo preço de € 162.965,16, equipamento informático, pelo preço de € 21.832,50; e a quota GATT, pelo preço de € 42.859,00, para pagamento à Caixa … por conta de créditos vencidos; - “bbb)” e “ccc”: aplicação da quantia de € 180.000,00, decorrente da venda da fracção autónoma "A", descrito na CRP de Lisboa sob o n.º …, , na amortização da dívida contraída para a sua aquisição, junto da Caixa … com cancelamento da inscrição da hipoteca; - kkk) pagamento a instituições bancárias e à Autoridade Tributária e Aduaneira de € 780.000,00, em 15-11-2021, 13-12-2021, 17-12-2021, 14-01-2022, 17-02-2022, 11-10-2022, e 12-10-2022; A que acrescem os que se venceriam em consequência da insolvência, os laborais, portanto até privilegiados, decorrentes da cessação dos contratos de trabalho de trabalhadores que, com a cedência da área de negócio, foram integrados na DFL, Lda.
hhh) Importando, para o que agora releva, uma clamorosa violação do dever de fundamentação, e bem assim, grosseira violação dos artigos 186º, nº 2, e) e nº 4, ambos do CIRE, a somar à violação do princípio da proporcionalidade, constitucionalmente consagrado, na interpretação implícita que o Tribunal a quo omite apresentar;
iii) Por outro lado, sendo actuação dos requeridos MJL e DFL distinta, desde logo, porquanto ao Requerido DFL não é imputada qualquer responsabilidade relativamente à alienação dos veículos automóveis, constando apenas do acervo factual que tal actuação foi determinada pela Requerida MJL, tendo o Requerido DFL apenas, da mesmo “conhecimento” (não era, à data, legal representante da Insolvente), do que decorre não ter sido dado mínimo cumprimento ao disposto no art.º 189.º, n.º 2, als. a) a e), ambos do CIRE, sendo a condenação tabelar, em iguais termos, apesar de distintas as actuações que lhe dão causa.
jjj) Sendo certo que a letra da Lei não aponta sequer critérios orientadores para fixação do período de inibição, a doutrina e a jurisprudência têm entendido que o juiz deverá ter em conta a gravidade do comportamento e o seu contributo para a situação de insolvência ou o seu agravamento – gravidade do comportamento poderá ser aferida em função do preenchimento do n° 2 ou do nº 3, ocorrendo porém a recorrente circunstância de não descortinarmos na decisão recorrida um raciocínio que permita sustentar o quantum determinado;
lll) Problema agravado tendo em conta que o período fixado se situa acima da média, flagrantemente exagerado, pois face ao que supra se referiu, quer quanto às motivações subjacentes à transmissão do negócio de importação e revenda de carnes para a DFL, Lda, quer da aplicação dos valores assim obtidos no pagamento de dívidas da insolvente, jamais deveria ultrapassar – ainda que se devesse fixar alguma inibição – os 3 anos.
kkk) E, ainda, quando da própria decisão recorrida resulta que «a circunstância de, em parte, o produto das vendas ter revertido para o pagamento de dívidas da insolvente não é excludente da verificação destas previsões normativas, justamente, por ter sido em parte e por não ter servido ao pagamento da totalidade das dívidas vencidas, por um lado, nem à continuidade da actividade da insolvente, por outro, quando muito atenua o grau de ilicitude», divorcia-se (é ostensivo) de qualquer critério legal, campeando na pura arbitrariedade, e precisamente por isso sendo incapaz de apontar qualquer espécie de fundamentação.
mmm) De resto, qualquer interpretação que dispense a concreta e objectiva graduação dos períodos de inibição relativos às pessoas afetadas pela qualificação da insolvência, em função da gravidade do seu comportamento e da sua relevância na verificação da situação de insolvência, constitui flagrante ofensa ao princípio da proporcionalidade e proibição do excesso (que decorre da própria ideia de Estado de Direito e que é claramente traçado no art.º 18.º/2 da CRP, na parte em que se diz que devem “as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos”), que remete para a indagação acerca da adequação entre dois termos ou entre duas grandezas variáveis e comparáveis, ou seja, no caso, a atuação ilícita e culposa, e o período de inibição, independentemente do tipo de responsabilidade que se considere ter sido consagrada no art.º 189.º– seja de cariz meramente ressarcitório.”
O Ministério Público veio responder às alegações, pedindo seja julgado improcedente o recurso interposto, apresentando as seguintes conclusões:
“1. - O Recurso interposto recai sobre a douta sentença, proferida a 31.10.2023, que julgou procedente o incidente de qualificação da insolvência e, em consequência, qualificou como culposa a insolvência de B… - Comércio Alimentar, Lda., NIPC …, e declarou/decretou afectada(o) pela referida qualificação MJL e DFL, com as inerentes consequências legais.
2. – O Ministério Público concorda com o teor da douta sentença recorrida, não merecendo a mesma qualquer reparo, não assistindo assim qualquer razão aos Recorrentes, pois, o Tribunal a quo procedeu a uma adequada valoração da prova e, em consequência, procedeu a uma correcta decisão ao ter qualificado como culposa a insolvência de B... - Comércio Alimentar, Lda., …, e, ao declarar como afectados, pela qualificação, os ora Recorrentes, MJL e DFL.
3. - Insurgem-se os Recorrentes quanto à matéria de facto constante das alíneas dos Factos Provados hh), ii), jj), hhh), iii), jjj) e kkk), e os números 2, 3 e 11 dos Factos Não Provados. Porém, sem razão!
4. - O Tribunal a quo fez uma correcta apreciação da prova, como transparece do exame crítico da mesma, alicerçada no princípio da livre apreciação da prova, inexistindo in casu qualquer erro ou vício da sentença.
5. – Realça-se que, atendendo ao disposto no artigo 11.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e no artigo 5.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, não está o Tribunal vinculado aos factos alegados pelas partes, podendo indagar outros, nem quanto à indagação, interpretação e aplicação das regras do direito.
6. - Verifica-se assim que a Meritíssima Juiz julgou segundo a sua livre e prudente consciência a respeito de cada facto e removeu, sempre que possível, a nuvem que prejudica a visibilidade do facto.
7. - Para o efeito, socorrendo-se da força da impressão que lhe causaram todas as provas, isoladamente ou no seu conjunto, numa análise prudente face à normalidade dos fenómenos, como se extrai do teor da sentença.
8. - Ressalta da sentença proferida pelo Tribunal a quo, ao nível da motivação da decisão de facto, que a sua convicção resultou de uma exaustiva análise realizada a toda a prova documental constante nos autos e demais elementos probatórios, in casu, existentes.
9. - Os factos provados e não provados estão em plena consonância com toda a prova constante dos autos e produzida em audiência, e isso mesmo resulta da fundamentação da Meritíssima Juíza que proferiu a decisão em crise.
10. - Logo, no que concerne à matéria de facto inexiste, in casu, qualquer erro ou avaliação incorrecta dos meios de prova, ou desconsideração por meios de prova constantes dos autos, ou falta de fundamentação ou contradição entre alguns dos factos dados por provados e por não provados.
11. - No caso concreto, não é verdade que da factualidade provada não tenha resultado nenhum facto respeitante aos recorrentes que possa ser subsumida a uma conduta culposa.
12. - No caso concreto a qualificação da insolvência como culposa ocorreu por violação do disposto no art.º 186.º, n.º 2, als. a) e d) do CIRE.
13. - Basta uma leitura atenta da sentença, agora colocada em crise, para se constatar o raciocino lógico e escorreito que o Tribunal a quo realizou quanto à matéria de facto que deu como provada e não provada, e a sua correcta subsunção ao Direito, tendo em conta que as previsões elencadas nas diversas alíneas do citado n.º 2 do artigo 186.º do CIRE correspondem a condutas que integram uma presunção iuris et de iure, da existência de insolvência culposa, existindo, na sentença, fundamentação para tal.
14. - Da leitura da sentença recorrida ressalta a enorme clareza do texto e do sentido da decisão, daí que o texto da sentença se mostre integralmente lógico, bem estruturado e devidamente fundamentado, não padecendo de nenhum vício, erro ou nulidade.
15. - Nenhum reparo que nos afigura tecer à decisão do Tribunal a quo, porque correcta, fundamentada e conforme à Lei.
16. - Logo, deverá improceder o recurso.”
O recurso foi admitido por despacho de 20/09/2024 (ref.ª 162213403).
Foram colhidos os vistos.
Cumpre apreciar.
*
2. Objeto do recurso
Como resulta do disposto nos arts. 608º, n.º 2, aplicável ex vi art.º 663º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4, 639.º n.ºs 1 a 3 e 641.º n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução dada a outras, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso[1]. Frisa-se, porém, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5º, nº 3 do mesmo diploma.
Consideradas as conclusões acima transcritas são as seguintes as questões a decidir por ordem lógico-processual:
1 – Nulidade da sentença;
2 – Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto;
3 – Verificação dos pressupostos de qualificação da insolvência como culposa – als. a) e d) do nº2 do art.º 186º do CIRE;
Concluindo-se pela manutenção da qualificação da insolvência como culposa:
4 – Determinação dos pressupostos da medida da indemnização prevista na al. e) do nº 2 do art.º 189º do CIRE;
5 – Determinação do período de inibição previsto nas als. b) e c) do nº 2 do art.º 189º do CIRE.
*
Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 617º do CPC, se a nulidade da sentença for suscitada no âmbito do recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la, no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso.
No caso presente, os recorrentes pediram a anulação da sentença recorrida e consignaram, em vários pontos das alegações, falta de fundamentação da sentença, sendo que o tribunal recorrido não efetuou a apreciação prevista no preceito citado.
Por dispensável para a apreciação do objeto do recurso, clarifica-se que não foi ordenada a baixa do processo para apreciação da nulidade da sentença que se pode entender arguida pelos recorrentes, a qual se apreciará (art.º 617º, nº 5 do CPC).
*
3. Fundamentos de facto:
O Tribunal de 1ª instância proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto:
“III. 1. 1. Factos provados
a) A insolvente B... – Comércio Alimentar, Lda., …, é uma sociedade comercial por quotas, constituída em 27-09-2004, com sede na Estrada …, e com o objecto social “Importação, exportação, comércio, distribuição, representação de grande variedade de produtos, nomeadamente, de produtos alimentares, bebidas, artigos para o lar, produtos de limpeza, higiene, mobiliário, vestuário. Actividades de consultoria para os negócios e a gestão. Comércio e Indústria de carnes frescas e congeladas e transformadas em todas as suas formas de apresentação, seus derivados e produtos afins. Locação de espaços, bem como prestação de quaisquer serviços conexos.”.
b) Tem o capital social de € 750.000,00, realizado, desde 08-09-2020, em três quotas, uma, no valor nominal de € 375.000,00, outra, no valor nominal de € 180.000,00, ambas da titularidade de F – SGPS, S.A., outra, no valor nominal de € 195.000, 00, da titularidade da Requerida MJL.
c) Desde 31-08-2017 até 08-09-2020, o capital social estava dividido em duas quotas, no valor nominal de € 375.000, 00, cada, da titularidade, respectivamente, do Requerido DFL e de F – SGPS, S.A..
d) A Requerida MJL foi designada gerente da insolvente desde a data da constituição.
e) O Requerido DFL foi designado gerente desde 21-11-2006 até 04-11-2019 (31-10-2019).
f) A sociedade obriga-se com a assinatura de um gerente e ou de procurador com poderes para o acto.
g) A última prestação de contas depositada reporta-se ao ano de 2019 e data de 25-06-2020.
h) A Requerida MJL, sócia e gerente da insolvente, é administradora única da sociedade F – SGPS, S.A..
i) Mediante petição inicial entrada em juízo em 29-09-2021, a devedora apresentou-se à insolvência.
j) Por sentença de 07-10-2021, transitada em julgado, foi declarada em estado de insolvência.
k) Foram reconhecidos créditos no valor total de € 2.997.409, 44, sendo € 820.922,81 e € 824.631,86, das Credoras Requerentes, vencidos, respectivamente, de 30-08-2013 até 25-12-2015 e de 02-09-2015 até 18-02-2016; € 196.939,58, de FF Mbh, vencido de 11-04-2019 a 19-06-2019; € 34.826,52 de SCA. SPA, vencido em 13-05-2019; € 77.495,39 Z SP. J, vencido de 09-06-2019 a 03-08-2019.
l) Para a massa insolvente, foram apreendidos o estabelecimento comercial composto pela universalidade dos meios de produção, bens móveis (3 secretárias, 5 cadeiras, 1 armário baixo de arquivo, 2 computadores, 2 teclados e 2 ratos) e um veículo automóvel com a matrícula ...-...-ZO.
m) As Credoras Requerentes instauraram, em 15-03-2019, contra a insolvente, acção declarativa de condenação, que correu termos no processo sob o n.º 538/19.6T8EVR, Juízo Central Cível de Évora, Juiz 2, julgada procedente por sentença de 23-12-2020, que condenou a insolvente a pagar-lhes a quantia de € 1.424 870,88.
n) Incidentalmente à referida acção, instauraram procedimento cautelar de arresto, decretado por decisão de 28-12-2020, mantida por decisão de 03-08-2021 (após oposição da insolvente), para garantia do referido crédito, sobre os seguintes bens/direitos da insolvente: fracção autónoma “A”, …, Lisboa; recheio do estabelecimento comercial (mercadorias em stock ou em trânsito, mobiliário de escritório, computadores e 28 impressoras), depósitos bancários e direitos de crédito sobre os clientes.
o) Em 19-11-2019, BVL, filha da Requerida MJL, consta como a proprietária do veículo com a matrícula …-SD-…, marca Smart.
p) Em 04-12-2019, SFL, filha da Requerida MJL, consta como a proprietária do veículo com a matrícula …-QT-…, marca BMW.
q) Em 22-01-2020, a insolvente transmitiu a X, Lda. a propriedade do veículo com a matrícula …-VF-…, marca Land Rover, posteriormente transmitido a LMP.
r) Em 28-01-2020, a insolvente transmitiu a V, Lda. a propriedade do veículo com a matrícula …RD-…, marca BMW.
s) Em 15-05-2020, a insolvente transmitiu a DFL, Lda. a propriedade do veículo com a matrícula …-XM-…, marca Peugeot.
t) Em 09-07-2020, a insolvente transmitiu a MFL, filha da Requerida MJL, a propriedade do veículo com a matrícula …-UC-…, marca BMW.
u) Em 27-08-2020, a insolvente transmitiu a DFL, Lda. a propriedade do veículo com a matrícula …-QM-…, marca Smart.
v) Em 27-08-2020, a insolvente transmitiu a D, Lda. a propriedade do veículo com a matrícula ..-TE-…, marca Iveco.
w) Relativamente ao veículo 33-TE-71, a insolvente havia celebrado um contrato de locação financeira com a Caixa A, S.A., com preço de aquisição de € 39.000, 00 (mais IVA) e valor residual fixado em € 3.900, 00 (mais IVA), em 21-07-2017, para vigorar até 21-07-2021, que rescindiu antecipadamente, em 07-07-2020, pelo valor de € 17.654,39 - sendo € 15.585,36, o valor da rescisão e de € 1.929,58, o valor de “débitos vencidos em cobrança” – que a D, Lda pagou à locadora financeira.
x) Relativamente ao veículo …-UC-…, a insolvente havia celebrado um contrato de locação financeira com o Banco, S.A., pelo preço de aquisição de € 37.847,04 e valor residual fixado em € 7.569,40 (mais IVA), em Janeiro de 2018, para vigorar até Janeiro de 2022, que rescindiu antecipadamente, em 05-05-2020, pelo valor de € 27.216,39 - sendo € 21.742,15, o valor da rescisão com venda e de € 385,00 o valor de “montagem de rescisões” – que MFL pagou à locadora financeira.
y) Relativamente ao veículo …-XM-…, a insolvente havia celebrado um contrato de locação financeira com o Banco, S.A., pelo preço de aquisição de € 19.319,93 e valor residual fixado em € 1.931,99 (mais IVA), em Abril de 2019, para vigorar até Abril de 2023, que rescindiu antecipadamente, em 22-01-2020, pelo valor de € 19.316,23 - sendo € 15.319,25, o valor da rescisão com venda e de € 385,00, o valor de “montagem de rescisões” – que a insolvente pagou à locadora financeira, tendo vendido à DFL, Lda., em 31-12-2019, pelo preço de € 20.910,00.
z) Relativamente ao veículo …-QM-…, a insolvente vendeu à DFL, Lda., em 30-06-2020, pelo preço de € 7.500,00.
aa) Relativamente ao veículo …-VF-…, a insolvente havia celebrado um contrato de locação financeira com o Banco B, S.A., pelo preço de aquisição de € 94.552,85 (mais IVA) e valor residual fixado em € 1.891,06 (mais IVA), em 03-08-2018, para vigorar até 15-08-2023, que rescindiu antecipadamente, em 08-01-2020, pelo valor de € 68.845,38 – que a insolvente pagou à locadora financeira, tendo vendido à X, em Dezembro de 2019, pelo preço de € 70.000,00, que pagou.
bb) O veículo …-SD-… foi adquirido à insolvente, por DL, pelo preço de € 5.000,00, que pagou, em Julho de 2019, e que vendeu, pelo mesmo preço, a BVL.
cc) O veículo …-QT-… foi adquirido à insolvente, por DL, pelo preço de € 15.000,00, que pagou, em Julho de 2019, e que vendeu, pelo mesmo preço, a SFL.
dd) A X, Lda. é uma sociedade comercial por quotas que foi constituída, como sociedade anónima, em 19-05-1994, sendo a Requerida MJL sua gerente, desde a data da constituição e seus sócios as filhas MFL e SFL, embora o Requerido DFL tenha sido sócio até 11-07-2019.
ee) A D, Lda. é uma sociedade comercial por quotas que foi constituída, em 22-12-2005, sendo o seu gerente DL desde 17-07-2020, data da cessação de funções, como gerentes, dos Requeridos MJL e DFL, nomeados como tal desde 22-01-2013, tendo como sócios a F – SGPS, S.A. (maioritária) e JRS.
ff) A DFL, Lda. é uma sociedade comercial por quotas, que foi constituída em 16-07-2019, pelos Requeridos DFL e MJL, sendo sua única sócia a X, Lda. e o Requerido DFL seu gerente, com o objecto social “Importação, exportação, comércio, distribuição, representação de grande variedade de produtos, nomeadamente, de produtos alimentares, bebidas, artigos para o lar, produtos de limpeza, higiene, mobiliário, vestuário. Atividades de consultoria para os negócios e a gestão. Comércio e indústria de carnes frescas e congeladas e transformadas em todas as suas formas de apresentação, seus derivados e produtos afins. Locação de espaços, bem como prestação de quaisquer serviços conexos.”
gg) A DFL, Lda foi constituída com sede social na morada da sede da insolvente, onde permaneceu desde 16-07-2019 e até 21-07-2021.
hh) Através de transmissões da propriedade dos referidos veículos, a favor de pessoas de confiança – no caso, familiares diretos e sociedades comerciais geridas pela Requerida ou cujos sócios são os filhos desta ou cujos sócios são também sócios da insolvente –, agiu a Requerida MJL, com o conhecimento do Requerido DFL, sabendo de que estava a ocultar os bens, com o objectivo de não pagar aos credores da insolvente.
ii) Com excepção dos contratos de locação financeira enunciados, desconhece-se se, com o produto das “vendas”, a insolvente efectuou pagamentos aos credores.
jj) O valor de mercado das viaturas estima-se em € 158.500,00.
kk) O Sr. Administrador da Insolvência procedeu às resoluções dos negócios – com excepção da viatura …-RD-… - a favor da massa insolvente, o que, após impugnações deduzidas, vieram a ser declaradas nulas e ineficazes por sentenças proferidas em 16-01-2023.
ll) Em 2018, a insolvente apresentou um prejuízo de € 150.444,50; em 2019, de € 605.684,86 e em 2020, de € 509.925,36.
mm) A actividade da insolvente desenvolveu-se em duas áreas: a) uma representativa de 70%, a distribuição no mercado nacional de produtos de carne importados de todo o mundo, em especial, da América do Sul e da Europa; b) outra, a exportação de produtos de limpeza e higiene para Angola, tendo como cliente único a DA, Lda. e fornecedores únicos a JX, S.A. e JX, Lda..
nn) Entre as sociedades JX, S.A. e JX, Lda e a insolvente foi celebrado um acordo através do qual as primeiras vendiam à segunda produtos do seu comércio que, posteriormente, seriam revendidos por esta ao mercado Angolano, através da Sociedade DA.
oo) A sociedade DA, tinha como sócios: (a) DL, Diretor Geral da insolvente; (b) JP, Administrador da JX, S.A., que, por sua vez, é sócia única da JX, Lda.; (c) MM; e (d) IT, sendo esta última a gerente.
pp) Era JP quem geria toda a parte comercial da DA, em colaboração com a gerência em Luanda.
qq) A DA contraiu uma dívida perante a insolvente no montante de € 1.505.887,76.
rr) Em resultado do não pagamento do referido montante, a insolvente viu-se impossibilitada de proceder ao pagamento da sua dívida para com as Credoras Requerentes, nos montantes de, respetivamente, € 513.645,28 e € 512.506,43.
ss) A insolvente instaurou, em 2016, contra as Credoras Requerentes a acção que correu termos sob o n.º 1222/16.8T8EVR, no Tribunal Judicial da Comarca de Évora, pedindo, além do mais, o reconhecimento da inexigibilidade da dívida, que veio a ser julgada improcedente, por sentença de 03-05-2016, transitada em julgado.
tt) Na sequência da acção instaurada pelas Credoras Requerentes contra a insolvente, referida em m) e n), a insolvente teve notação negativa na avaliação de risco efectuada pelos seus parceiros comerciais, os seguros de crédito foram cancelados, vendo-se impossibilitada de realizar, logo em 2019, importações a crédito, as instituições bancárias não renovaram os financiamentos contratados, obrigando-a a uma redução da actividade de importação de carne.
uu) Contactado pelo Director Geral da insolvente – DL – para viabilização de recurso a Processo Especial de Revitalização, o legal representante das Credoras Requerentes – JP – recusou-se a colaborar e a assinar a declaração conjunta do art.º 17.º do CIRE.
vv) A facturação da insolvente em 2018 era de € 25.032.547,34, em 2019 de € 15.052.322,64 e em 2020 de € 1.406.422,49.
ww) Em alternativa ao PER, a insolvente veio a tomar várias medidas.
xx) Assim, celebrou, em 16-12-2019, com a DFL, Lda., um “contrato promessa de cessão temporária de área de negócio”, pelo período de 10 anos, pelo qual a primeira prometeu ceder à segunda a área de negócio de importação de carnes da América do Sul, em particular, do Brasil, Uruguai e Argentina, carnes estas que, depois, a insolvente revendia no mercado nacional, pelo preço global de € 180.000,00.
yy) A DFL, Lda garantiu a continuidade desta área de negócio, estabelecendo a sua sede na morada da sede da insolvente e com o mesmo objecto social, actividade que estaria votada à inexistência se permanecesse na insolvente.
zz) Em Agosto/Outubro de 2019, a insolvente vendeu à DFL, Lda parte do respectivo stock, pelo preço de € 162.965,16, equipamento informático, pelo preço de € 21.832,50; e a quota GATT, pelo preço de € 42.859,00, tendo a DFL, Lda pago à insolvente o total de € 425.000,00, em 18-12-2019.
aaa) A referida quantia foi paga à Caixa … por conta de créditos vencidos.
bbb) Em 25-08-2020, a insolvente vendeu a fracção autónoma “A”, descrito na CRP de …, pelo preço de € 180.000,00.
ccc) O produto da venda foi utilizado na amortização da dívida contraída para a sua aquisição, junto da Caixa …. com cancelamento da inscrição da hipoteca.
ddd) No ano de 2020, foi contratado um escritório de advogados em Angola, para diligenciar pela cobrança do crédito da insolvente sobre a DA.
eee) Reduziu, ainda, o quadro de pessoal de 12 para 2 pessoas, uma das quais a gerente, a Requerida MJL, tendo parte dos trabalhadores transitado para a DFL, Lda.
fff) Não obstante as medidas tomadas, a insolvente não recuperou a continuidade do negócio
ggg) O Requerido DFL era a única pessoa na insolvente que conhecia e dominava os mecanismos de importação de carne e detinha a relação pessoal e comercial, seja com os exportadores, seja com os operadores nacionais onde a carne importada era revendida.
hhh) O Requerido DFL apesar de saber que o bem imóvel, os recursos financeiros provindos dos créditos sobre os clientes da insolvente e as viaturas pertenciam à insolvente, concebeu o plano de utilizar a sua posição dentro da aludida sociedade para, através desse exercício de funções, apossar-se dos bens e dos recursos financeiros da insolvente em seu próprio benefício e da sociedade DFL que representa, na qualidade de gerente enquanto sócio das mesmas, ou em que tinha interesses comerciais.
iii) De acordo com esse plano o Requerido DFL passou a canalizar para a sociedade que constituiu, a DFL, Lda, os clientes e as vendas da insolvente.
jjj) De acordo com o plano por si engendrado em concertação com a a Requerida MJL tornou impossível a cobrança do crédito da ora interessada/credora e dos demais credores.
kkk) Após a declaração da insolvência, em 15-11-2021, 13-12-2021, 17-12-2021, 14-01-2022, 17-02-2022, 11-10-2022, e 12-10-2022, a insolvente procedeu ao pagamento de cerca de € 780 000, 00 a instituições bancárias e à Autoridade Tributária e Aduaneira.
lll) A Requerida MJL nasceu em 06-10-1952 e está divorciada.
mmm) O Requerido DFL nasceu em 31-03-1983, é filho de DL e de MJL e está divorciado.

III. 1. 2. Factos não provados
1. A venda da viatura …-TE-… ocorreu em 30-06-2020.
2. A DFL, Lda. pagou à insolvente o preço de venda da viatura …-XM-…, de € 20.910,00, e este valor foi considerado no acerto de contas existente entre ambas.
3. A DFL, Lda. pagou à insolvente o preço de venda da viatura …-QM-…, de € 7.500, 00, e este valor foi considerado no acerto de contas existente entre ambas.
4. O preço de venda da viatura …-VF-…, € 70.000,00, corresponde a 80% do valor da viatura adquirida nova.
5. Relativamente à viatura …-SD-…, o valor de € 5.000,00 era devido para rescisão antecipada de contrato de leasing.
6. As viaturas …QT-… e …-SD-… encontravam-se em mau estado de conservação.
7. Relativamente às viaturas em leasing, existiam rendas em dívida.
8. Era JP quem definia os preços da DA, em colaboração com a gerência em Luanda, e quem definia os pagamentos efectuados pela DA.
9. Entre as Credoras Requerentes, a DA e a insolvente foi acordado que o pagamento pela insolvente dos bens a si fornecidos pelas Credoras Requerentes só seria efectuado após o pagamento, pela DA à insolvente, das mercadorias expedidas para Angola.
10. A facturação da insolvente em 2020 cifrou-se em € 1.129.774,85.
11. Em finais de Agosto de 2021, numa reunião em Lisboa, a Requerida MJL foi informada que a DA não tinha qualquer património, não exercia actividade e as suas instalações estavam ocupadas por outra empresa, perante o que decidiu apresentar a insolvente à insolvência.
*
4. Fundamentos do recurso
4.1. Nulidade da sentença
Os recorrentes, a final, pedem a anulação da sentença recorrida por falta de fundamentação. No excurso das alegações, sem autonomização formal da matéria[2], alegam, em geral, falta de fundamentação quanto aos pressupostos da qualificação.
No capítulo relativo aos outros atos de disposição alegam que da sentença não consta “justificação mínima” no sentido de que os factos elencados são suscetíveis de demonstrar objetivamente a respetiva subsunção às als. a) e d) do nº2 do art.º 186º do CIRE – arts. 86º a 91º da motivação e als. gg) e hh) das conclusões. Expõem seguidamente o que deve ser entendido quanto aos conceitos presentes na al. a), com citações de doutrina e jurisprudência.
Transcrevem um excerto da fundamentação da sentença recorrida e acusam-no de falta de silogismo e de ser um salto lógico que corresponde a “flagrante falta de fundamentação” – nºs 110º a 112º da motivação (sem correspondência nas conclusões).
No capítulo relativo à condenação na obrigação de indemnizar alegam a inexistência de “qualquer fundamentação relativa à adequação e proporcionalidade da condenação, assente no pressuposto de que as condutas imputadas contribuíram, seja para a criação, seja para o agravamento da situação da insolvência.” – nº 133 da motivação e al. bbb) das conclusões. Discorrem seguidamente sobre o que entendem ser tais pressupostos e alegam ainda que “nada é dito na sentença recorrida que permita estabelecer uma linear ou justaposta coincidência entre a causa fundamentadora da responsabilidade e a causa ‘preenchedora’ dessa responsabilidade ou, dito de outra forma, entre o perigo de dano presumido pelas normas fundamento da qualificação e o dano concretamente causado pelas condutas omissivas da recorrente, entre o presumido agravamento da situação de insolvência e o concreto valor ou mensuração desse agravamento.” – nº 147 da motivação e al eee) das conclusões.
Nos nºs 149 a 152 da motivação alegam que a não consideração de determinados factos apurados e outros gera iniquidade da sentença e importa violação do dever de fundamentação – cfr. als. ggg) e hhh) das conclusões.
No capítulo relativo ao período de inibição os recorrentes referem que não discernem na decisão recorrida “um raciocínio que permita sustentar-se”, sendo arbitrária e sofrendo de “notória falta de fundamentação” – nºs 174 a 179 da motivação e als. jjj) a kkk) das conclusões.
As alegações em causa, conjugadas com a expressão final de um pedido de anulação da sentença são suscetíveis de ser interpretadas como arguição de nulidade da sentença nos do nº1 do art.º 615º do CPC, pelo que, prevenindo, se passará a conhecer da mesma:
Dispõe o n.º 1 do art.º 615º do CPC:
«1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.»
O art.º 615º do CPC prevê o elenco taxativo de nulidades que podem afetar a sentença.
Como é uniformemente prevenido pela doutrina e jurisprudência, importa sempre distinguir as nulidades de processo e as nulidades de julgamento, sendo que o regime deste preceito apenas se aplica às segundas.
O primeiro exercício é o da subsunção das nulidades arguidas às diversas alíneas do art.º 615º, exercício que os recorrentes não efetuaram.
Não se coloca qualquer questão subsumível à causa de nulidade prevista na alínea a) do nº1 do art.º 615º do CPC.
O que ficou alegado nas alegações de recurso é suscetível de recondução à invocação de não especificação de fundamentos de direito da decisão, nos termos da al. b) do nº1 do referido artigo.
Não são invocados, em relação à decisão recorrida quaisquer fundamentos subsumíveis às previsões das alíneas c), d) e e) do referido artigo.
Quanto à previsão da al. b) do n.º 1 do art.º 615º do CPC, relativa à falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, importa ter em conta que a elaboração da sentença deve respeitar determinadas exigências formais, que o legislador contempla no art.º 607º do CPC.
O nº 3 deste artigo impõe ao juiz que na sentença faça a discriminação autónoma dos factos que considera provados e que indique, interprete e aplique as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final, acrescentando o nº 4 a exigência de análise crítica das provas.
Esta obrigação de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão reflete o dever de fundamentação das decisões imposto pelo nº 1 do artigo 205º da Constituição da República Portuguesa (nos termos do qual «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei»), também regulamentado no art.º 154º do CPC.
O art.º 154.º do CPC sob a epígrafe “dever de fundamentar a decisão”, estabelece:
“1. As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
2. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.”
As partes têm o direito de saber as razões da decisão do tribunal, o que lhes permitirá avaliar a mesma e ponderar a sua impugnação. O dever de fundamentação assenta na necessidade de esclarecimento das partes e constitui uma fonte de legitimação da decisão judicial.
O grau de fundamentação exigível dependerá tanto da complexidade da questão sobre a qual incide a decisão, como da controvérsia revelada pelas partes sobre a situação a decidir. Como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros[3], a fundamentação das decisões judiciais, além de ser expressa, clara, coerente e suficiente, deve também ser adequada à importância e circunstância da decisão. Quer isto dizer que as decisões judiciais, ainda que tenham que ser sempre fundamentadas, podem sê-lo de forma mais ou menos exigente (de acordo com critérios de razoabilidade) consoante a função dessa mesma decisão.
Tem vindo a ser entendido, que só a absoluta falta de fundamentação pode determinar a nulidade da sentença, não se bastando tal vício com uma fundamentação menos exaustiva - neste sentido, entre muitos outros, os Acs.[4] STJ de 08/02/2024 (Nuno Pinto Oliveira – 995/20), 10/05/2021 (Henrique Araújo - 3701/18), 06/07/2017 (Nunes Ribeiro - 121/11), de 10/07/2008 (Sebastião Póvoas - 08A2179) e os Acs. TRL de 18/04/2024 (Carla Cristina Figueira Mato – 7115/20), 11/03/2021 (Inês Moura - 1074/18) e de 18/04/2024 (José Manuel Monteiro Correia – 1912/21)[5], entre muitos outros. 
A fundamentação da sentença deve ser de facto e de direito: com a indicação dos factos provados e não provados e com a indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes. Só assim poderá ser compreensível pelos destinatários.
Assim, além da total ausência ou inexistência de fundamentação, esta nulidade ocorrerá também se a referida fundamentação, pela sua formulação, não permite apreender qual o processo lógico seguido pelo julgador na formação da sua convicção, não sendo possível aferir as razões que levaram a decidir de um determinado modo, colocando em crise a construção do silogismo judiciário (e não o erro de julgamento, que leva à alteração ou revogação e não à nulidade).
Os dois primeiros segmentos da decisão em relação aos quais é invocada falta de fundamentação referem-se à subsunção efetuada na sentença da matéria de facto provada às alíneas a) e d) do nº2 do art.º 186º do CIRE.
Mantendo presentes as coordenadas já adiantadas – total ausência de fundamentação ou impossibilidade de compreensão dessa fundamentação como sendo as únicas possibilidades de nulidade – verificamos que a decisão recorrida, não tendo efetuado uma subsunção conceito a conceito, como defendem os recorrentes deveria ter feito, fundamentou este passo da construção da decisão, precisamente nos trechos criticados em sede de alegações de recurso.
O tribunal recorrido aduziu, como fundamentos para a subsunção a estas duas alíneas do nº2 que:
“Considerando o activo que veio a ser apreendido (facto sob l)), assim como o activo arrestado (facto sob n)), resulta evidente o esvaziamento de activo da insolvente, traduzido em actos de ocultação do património do devedor – consistentes nas “vendas” a familiares e a sociedades constituídas pelos próprios ou por familiares -, por um lado, e na disposição de bens e de clientela a favor de terceiros, no caso, a DFL, Lda. constituída em 16-07-2019, pelos sócios e gerentes, aqui Requeridos, com a mesma sede da insolvente e com o mesmo objecto social, por outro, entende-se que se consideram verificadas as previsões normativas das alíneas a) e d) e, como tal, a dupla presunção inilidível de culpa grave e de nexo de causalidade entre os ilícitos e a criação/o agravamento da situação de insolvência, para sustentar a insolvência culposa.
De facto, a circunstância de, em parte, o produto das vendas ter revertido para o pagamento de dívidas da insolvente não é excludente da verificação destas previsões normativas, justamente, por ter sido em parte e por não ter servido ao pagamento da totalidade das dívidas vencidas, por um lado, nem à continuidade da actividade da insolvente, por outro, quando muito atenua o grau de ilicitude.
Nem a circunstância de a insolvente, após a instauração da acção de cobrança de dívida pelas Credoras Requerentes (factos sob m) e n)), ter obtido notação negativa na avaliação de risco efectuada pelos seus parceiros comerciais, os seguros de crédito terem sido cancelados, vendo-se impossibilitada de realizar, logo em 2019, importações a crédito, as instituições bancárias não renovaram os financiamentos contratados, obrigando-a a uma redução da actividade de importação de carne (facto sob tt)), excluem a ilicitude dos actos de transferência de património/bens e direitos, acima assinalados.”
A discordância desta fundamentação não se analisa em nulidade – a fundamentação foi aduzida e é compreensível – pelo que improcede a nulidade nesta parte.
Relativamente à determinação dos pressupostos da obrigação de indemnização, os recorrentes partem de uma discordância – com a igualdade da medida de responsabilização de ambos os afetados – para afirmar que a sentença não fundamenta a não distinção. Seguidamente elaboram que se exige um plus de fundamentação para a integração da obrigação de indemnizar, após defender, citando jurisprudência, que não corresponde automaticamente ao passivo a descoberto, para afirmar que falta esse acréscimo de fundamentação.
A sentença recorrida, nesta parte, tem que se reconhecer, foi parca na fundamentação. Mas na verdade enunciou, em conjunto para os efeitos das als. a) a e), quais os critérios que seguiu: “Ponderando o volume de dívidas da devedora, no montante elevado de € 2.997.409,44, bem como o preenchimento de dois ilícitos de um total de onze, sendo que tais ilícitos envolvem a transmissão de propriedade de viaturas avaliadas em € 158.500,00 e de outros bens, imóvel, móveis e direitos, no valor global de € 630.000,00, sendo que, em parte, reverteram para o pagamento de dívidas da insolvente - € 133.032,39 e € 630.000,00 – apresentando-se o grau de culpa de um e outro, de 50% [cada]” pelo que não se pode dizer que inexiste fundamentação.
A sentença pronunciou-se expressamente quanto ao grau de culpa de cada um dos afetados e enunciou as razões de tal decisão, pelo que, nesta parte, os argumentos dos recorrentes se traduzem em discordância, a ser analisada em sede de mérito.
A questão de se o montante da indemnização aos credores prevista na al. e) do nº 2 do art.º 189º do CIRE, corresponde sempre ao passivo a descoberto ou pode ser fixada em montante inferior, quando os danos causados pela conduta sejam também inferiores, é uma discussão jurídica, em relação à qual é defensável uma posição que entende tratar-se de um montante indemnizatório fixo, mesmo depois das alterações introduzidas pela Lei nº 9/2022[6].
Está implícito na decisão tomada que se fundou na tese de que a indemnização corresponde ao montante do passivo a descoberto. Existindo uma posição jurídica que justifica a não enunciação de critérios diversos e sendo claro que foi essa a opção tomada, estamos, mais uma vez, perante discordância com a tese seguida, a dilucidar em sede de mérito, não gerando nulidade da decisão recorrida.
No que toca à alegação de que a não consideração (pela forma e na perspetiva dos recorrentes) de determinados factos, importa violação do dever de fundamentação, não se trata de ausência ou incompreensibilidade de fundamentação, mas sim da atividade decisória típica. Há factos que são considerados relevantes e outros não, numa opção que é sindicável por via de recurso quanto ao respetivo mérito e que não constitui nulidade.
Já quanto à medida da inibição, a fundamentação da sentença foi expressa, nos termos já transcritos concluindo pela fixação de um período de inibição de sete anos para cada um dos afetados, pelo que, nos termos das mesmas diretrizes já enunciadas, estamos de novo ante discordância, a ser conhecida em sede de mérito de recurso e não geradora de nulidade.
Improcedem, assim, as nulidades/causas de anulação da sentença alegadas pelos recorrentes.
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4.2. Impugnação da matéria de facto
Os recorrentes impugnaram parcialmente a decisão proferida sobre a matéria de facto pedindo:
- sejam eliminadas da matéria de facto não provada as alíneas hh) (parte), ii) e jj);
- sejam dados como não provados os factos constantes de hhh), iii) e jjj);
- seja alterada a redação dada à matéria da alínea kkk);
- sejam dados como provados os factos constantes de 2 e 3 da matéria de facto não provada;
- seja dado como provado o que consta do nº11 como não provado, sob diferente redação.
Para tanto alegou ter sida dada como provada matéria conclusiva, sem qualquer meio de prova que a sustente, que determinados factos estão em contradição com factos dados como provados e que parte dos factos não provados o deveriam ter sido com base na prova produzida nos apensos de resolução.
O Ministério Público nas suas contra-alegações defende que o Tribunal procedeu a uma adequada valoração da prova e, em consequência, procedeu a uma correta decisão na sua globalidade.
Apreciando:
Nos termos do disposto no nº 1 do art.º 640º do CPC, quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Nos termos do nº 2, al. a), do referido preceito legal, no caso previsto na alínea b), deve também o recorrente, quando os meios probatórios tenham sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de transcrição dos excertos considerados importantes, sob pena de imediata rejeição.
Nos termos da alínea b) do mesmo nº 2, cabe ao recorrido desenvolver a mesma indicação em sentido inverso, ou seja, indicar as concretas passagens que infirmam as conclusões do recorrente, e querendo proceder à sua transcrição, sem prejuízo, porém, dos poderes de investigação oficiosa do tribunal.
Como refere Abrantes Geraldes[7] a verificação das exigências previstas neste preceito deve ser feita à luz de um critério de rigor, já que decorre do princípio da auto-responsabilidade das partes e apenas assim se impede que este tipo de impugnação resvale no mero inconformismo. Importa, porém, não exponenciar os requisitos formais em violação do princípio da proporcionalidade, denegando a reapreciação da matéria de facto “…com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador.”
É, pois, um exercício de equilíbrio que se pede, sendo necessário rigor ancorado no texto da lei, mas sem excessivo formalismo, garantindo o efetivo conhecimento em impugnação de matéria de facto, sempre que as partes cumpram, efetivamente o seu ónus.
Tal como se refere no Ac. STJ de 17/12/19[8] é “…orientação consolidada da jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido da atenuação do excessivo formalismo no cumprimento dos ónus do art.º 640º do CPC, designadamente em todos aqueles casos em que o teor do recurso de apelação se mostre funcionalmente apto à cabal identificação da impugnação da matéria de facto e ao respectivo conhecimento sem esforço excessivo. Cfr., a este respeito, entre muitos, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 08-02-2018 (proc. n.º 8440/14.1T8PRT.P1.S1), de 15-02-2018 (proc. n.º 134116/13.2YIPRT.E1.S1), consultáveis em www.dsgi.pt, e os acórdãos de 17-04-2018 (proc. n.º 1676/10.6TBSTR.E2.S1) e de 24-04-2018 (proc. n.º 3438/13.0TBPRD.P1.S1), cujos sumários se encontram disponíveis em www.stj.pt.”
Recorde-se que, relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o art.º 640º já citado, tem como solução para o seu incumprimento (diversamente da previsão do art.º 639º nº3) a rejeição do recurso, total ou parcialmente, não existindo possibilidade de despacho de aperfeiçoamento - cfr. arts. 635º nº4, 640º nº2, al. a) e 641º nº1, al. b), ambos do CPC.
Analisando a alegação da recorrente à luz das exigências do artigo 640º do CPC e mantendo presente que a menção à impugnação da matéria de facto e a identificação dos concretos pontos de facto erradamente julgados devem constar das conclusões [cfr. 635º nº4, 641º, nº2, al. b) e 640º nº1, al. a), todos do CPC] e que a especificação dos meios probatórios, a indicação das passagens da gravação e a posição expressa sobre o resultado pretendido devem constar da motivação[9], constatamos que:
- a menção aos pontos de facto erradamente julgados consta da conclusão f);
- o resultado pretendido sobre os referidos pontos consta das conclusões l), r), t), y) e z);
- a indicação dos concretos meios probatórios que impunham diversa decisão – ausência de prova, contradição com outros factos provados, documentos identificados, prova produzida noutros apensos – está na motivação e nas conclusões g) a i), j), m) a p), s) e u) a x).
Os recorrentes cumpriram, desta forma, o respetivo ónus, cabendo apreciar a impugnação da matéria de facto.
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É o seguinte o teor das als. hh), ii) e jj) da matéria de facto provada:
hh) Através de transmissões da propriedade dos referidos veículos, a favor de pessoas de confiança – no caso, familiares diretos e sociedades comerciais geridas pela Requerida ou cujos sócios são os filhos desta ou cujos sócios são também sócios da insolvente –, agiu a Requerida MJL, com o conhecimento do Requerido DFL, sabendo de que estava a ocultar os bens, com o objectivo de não pagar aos credores da insolvente.
ii) Com excepção dos contratos de locação financeira enunciados, desconhece-se se, com o produto das “vendas”, a insolvente efectuou pagamentos aos credores.
jj) O valor de mercado das viaturas estima-se em € 158.500,00.
O tribunal fundamentou a prova desta matéria nos seguintes termos:
“Factos sob hh), ii) e jj) – resultam provados em função das declarações prestadas pelo Sr. Administrador da Insolvência, em audiência final, quando referiu que, apurou património de baixo valor – o apreendido – e que havia património que tinha sido objecto de transmissões recentes, pelo que solicitou informações à Requerida MJL, as quais, na sua óptica, não foram satisfatórias, sendo que a mesma nada referiu sobre eventuais prestações em dívida ou a existência de viaturas em leasing, tendo sido apenas apresentada uma única factura de € 13.000,00, facultada pelo adquirente, que corresponde ao documento 9 que juntou com o seu Parecer e respeita ao veículo …-RD-…; nenhuma outra facturação ou documento foi apresentada; mais esclareceu que, como não foi apresentada facturação, o valor de mercado dos veículos foi extraído das páginas da internet habituais, Standvirtual, Pisca-Pisca, …; o mais, no que respeita ao conhecimento e vontade dos Requeridos quanto às transmissões formais dos veículos, face à qualidade dos respectivos adquirentes – familiares directos ou sociedades dos próprios ou de familiares directos - infere-se com recurso a regras de experiência comum, que nos dizem que a retirada de património da esfera jurídica de uma sociedade devedora e sem actividade, mantendo-se, porém, na esfera de entes próximos, supõe a intenção de o ocultar com o propósito de prejudicar a satisfação dos credores.”
Quanto à alínea hh) insurgem-se os recorrentes contra a componente conclusiva da mesma, alegando que, no máximo, teria o tribunal que dar como provado que o Sr. Administrador da Insolvência supõe a intenção de ocultação e não dar esta como provada.
A al. hh) pode ser dividida em três núcleos:
- Através de transmissões da propriedade dos referidos veículos, a favor de pessoas de confiança – no caso, familiares diretos e sociedades comerciais geridas pela Requerida ou cujos sócios são os filhos desta ou cujos sócios são também sócios da insolvente;
- agiu a Requerida MJL, sabendo de que estava a ocultar os bens, com o objectivo de não pagar aos credores da insolvente;
- com o conhecimento do Requerido DFL.
Tendo em conta que as transmissões aqui referidas estão detalhadas nas alíneas o) a cc) da matéria de facto provada e que as relações pessoais e societárias dos compradores constam das alíneas c) e e) e dd) a gg), a primeira parte da al. hh) é apenas uma conclusiva e escusada repetição do que já havia sido dado como provado.
A segunda parte foi dada como provada com base num juízo de experiência comum, juízo do tribunal e não do Sr. Administrador da Insolvência, sendo muito clara a fundamentação nesse particular.
Mas na verdade é um juízo deslocado. Trata-se, no dizer do tribunal, de uma conclusão tirada dos factos provados, logo, não se trata de um facto, mas sim de uma conclusão, que deve ser testada e tirada em sede de mérito.
Basta ver quão próxima da redação da al. a) do nº2 do art.º 186º do CIRE ficou esta parte da al. hh) para compreender que não tem lugar na matéria de facto provada. Tratou-se de um silogismo judiciário que não teve por objeto outro facto, mas antes a subsunção dos factos à norma, pelo que, tal como reclamam os recorrentes, deve ser eliminada, sem prejuízo da sua ponderação em sede de mérito.
Os recorrentes apontam que apenas se indicaram as declarações do Sr. Administrador da Insolvência, cuja verosimilhança ou razão de ciência sequer foi justificada. Não há assim suporte para a opinião do administrador da insolvência, nomeadamente quanto ao conhecimento do requerido DFL, que sequer relevaria por não ser então gerente da insolvente nem ter beneficiado com as transmissões.
Quanto à segunda parte, do depoimento do Sr. Administrador da Insolvência não resultou, de facto, qualquer referência sequer ao conhecimento, por parte do proposto afetado DFL, das transmissões dos veículos.
Mas esse conhecimento resulta já apurado, quanto a alguns veículos, de outros factos provados: as alíneas s), u) e ff). As viaturas de matrícula …-XM-… e …-QM-… foram adquiridas à insolvente pela DFL, Lda, sociedade de que DFL é o único gerente.
Assim, quanto à terceira parte da alínea, no tocante ao facto relativo ao conhecimento por parte do proposto afetado DFL, a parte que pode ser considerada provada resulta já de outros factos e a demais não está suportada por qualquer elemento de prova.
Em resumo, quanto a esta alínea, a primeira parte é uma repetição conclusiva do que já consta na matéria de facto provada, a segunda parte é conclusiva e a terceira parte está parcialmente provada mediante matéria já consagrada nos demais factos provados.
Nestes termos, o facto deverá ser eliminado da matéria de facto provada e deverá ser aditada à matéria de facto provada a parte factual não provada, ou seja, o conhecimento do relativo às transmissões por parte do proposto afetado DFL.
A al. ii) não merece dos recorrentes qualquer detalhe que não a genérica alegação de falta de prova.
Atentando na respetiva redação, em bom rigor, trata-se de um não facto.
O que ficou consignado foi o seguinte:
“Com excepção dos contratos de locação financeira enunciados, desconhece-se se, com o produto das “vendas”, a insolvente efectuou pagamentos aos credores.”
Trata-se de matéria alegada pelos propostos afetados e a técnica correta impõe que se dê como provado ou não provado o facto alegado. O tribunal não pode dar como provado desconhecimento sobre factos alegados. Nesse caso, e partindo do princípio de que não foi produzida prova nesse sentido, os factos “desconhecidos” devem ser dados como não provados.
Assim, também nesta parte a impugnação procede, mas por motivos acrescidos aos alegados – não há prova do “desconhecimento” e não há prova do que ficou alegado, pelo que esta matéria, na parte factual, deve ser dada como não provada. Ficarão excluídas as vendas referidas nas alíneas y) e z), dado que os ora apelantes não alegaram quanto a estas vendas que o respetivo produto se tenha destinado ao pagamento a credores, mas sim que o pagamento se deu através de encontro de contas em conta corrente, matéria que foi objeto de um juízo de não provado que foi também impugnado pelos apelantes e será infra conhecido.
No tocante ao valor dos veículos, apontam os recorrentes que são referidas páginas da internet, sem que tenha sido junto qualquer suporte probatório, sequer um print das consultas às referidas páginas habituais.
No tocante à questão do valor dos veículos (al. jj), efetivamente, e ouvido o depoimento do Sr. Administrador da Insolvência e compulsados os autos, não há qualquer elemento de prova deste concreto valor (€ 158.500,00). Existem faturas nos apensos de impugnação de resolução, mas sem correspondência com este valor e dali resultando que, pelo menos três das viaturas estavam em leasing, tendo sido pagas as prestações vencidas e valor residual, o que pode ou não corresponder ao valor do veículo. A referência à consulta das páginas de internet habituais, além de não documentada, não pode ser considerado como fonte de valores concretos. A consulta das páginas referidas pode fornecer um valor referencial para os veículos, em função da marca, modelo e ano de matrícula, mas que depois tem que ser, no concreto, corrigido em função de vários fatores entre os quais o estado de conservação do veículo.
O valor em causa não pode ser considerado provado por ausência de qualquer prova nesse sentido, devendo o facto em causa passar para a matéria de facto não provada.
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O tribunal deu como provado sob as alíneas hhh), iii) e jjj) que:
hhh) O Requerido DFL apesar de saber que o bem imóvel, os recursos financeiros provindos dos créditos sobre os clientes da insolvente e as viaturas pertenciam à insolvente, concebeu o plano de utilizar a sua posição dentro da aludida sociedade para, através desse exercício de funções, apossar-se dos bens e dos recursos financeiros da insolvente em seu próprio benefício e da sociedade DFL que representa, na qualidade de gerente enquanto sócio das mesmas, ou em que tinha interesses comerciais.
iii) De acordo com esse plano o Requerido DFL passou a canalizar para a sociedade que constituiu, a DFL, os clientes e as vendas da insolvente.
jjj) De acordo com o plano por si engendrado em concertação com a a Requerida MJL tornou impossível a cobrança do crédito da ora interessada/credora e dos demais credores.
E motivou a sua convicção pela seguinte forma:
“Factos sob ggg), hhh), iii), jjj) – resultam provados em função das declarações prestadas pelo legal representante das Credoras Requerentes JP, e dos depoimentos prestados pelas testemunhas DL, FP e CA, que confirmaram que era o Requerido DFL quem tinha o conhecimento das relações comerciais desenvolvidas pela insolvente, relações – clientes e fornecedores - que transitaram para a DFL, que constituiu, sobretudo após perceberem que a insolvente ia perder um cliente importante, o Pingo Doce, incluindo os trabalhadores, tudo cotejado com as regras de experiência comum que nos dizem ter sido uma transferência de meios e de bens da insolvente para a DFL pretendida pela Requerida MJL, mas também pelo sócio, ex gerente de direito, responsável pela área comercial da insolvente, de modo a obviar aos pagamentos das dívidas, incluindo às Credoras Requerentes.”
Os recorrentes apontam, relativamente ao acervo dado como provado sob hhh) que o tribunal não levou em conta que:
- nem a DFL, Lda, nem o proposto afetado ficaram com qualquer bem imóvel, nem tal consta da sentença;
- nem a DFL, Lda nem o proposto afetado ficaram com quaisquer recursos financeiros provindos dos créditos sobre os clientes da insolvente, factualidade essa que não foi sequer alegada;
- a DFL, Lda não ficou com nenhuma viatura que não tivesse pago como ficou provado no apenso G.
O tribunal não retirou qualquer ilação do facto de as resoluções terem sido julgadas ineficazes com a procedência das respetivas impugnações.
O tribunal deu como provado que a DFL, Lda e DFL pagaram à insolvente tudo o que adquiriram e que esses valores foram usados para pagamento de créditos vencidos – factos xx), zz) e aaa).
O tribunal deu ainda como provado que DFL era “a única pessoa na insolvente que conhecia e dominava os mecanismos de importação de carne e detinha a relação pessoal e comercial, seja com os exportadores, seja com os operadores nacionais onde a carne importada era revendida” e que “A DFL, Lda garantiu a continuidade desta área de negócio, estabelecendo a sua sede na morada da sede da insolvente e com o mesmo objecto social, actividade que estaria votada à inexistência se permanecesse na insolvente.” – als. ggg) e yy).
A matéria dada como provada em hhh), iii) e jjj) é contraditada por estes factos que demonstram que a DFL, Lda não se apossou de quaisquer bens da insolvente, antes os tendo comprado e pago. Face ao que ficou provado na al. tt) dos factos provados a insolvente deixou de ter vendas na área de negócio da importação de carne pelo que as vendas não foram canalizadas da insolvente para si.
Apreciando:
Ouvida a prova produzida é forçoso concluir que não resultou da mesma que o proposto afetado DFL tenha concebido o plano de utilizar a sua posição dentro da insolvente para se apossar   dos bens e dos recursos financeiros da insolvente em seu próprio benefício e da sociedade DFL, Lda de que é gerente.
A prova produzida foi no sentido extratado nos factos xx), yy) e eee), não um plano urdido para desviar clientes e património, mas a aquisição de uma área de negócio, que inclui o estabelecimento, o stock e os clientes.
Têm inteira razão os apelantes quando referem a contradição entre este ponto, e outros pontos da matéria de facto provada e a pronúncia sobre matéria não alegada em concreto.
Há apenas referência nos autos a um imóvel, tendo sido apurado que foi vendido e o seu produto utilizado na amortização da dívida contraída para a sua aquisição e não tendo sido alegado – e não havendo qualquer elemento nos autos, do qual se retire que o proposto afetado DFL se apossou desse imóvel. Também não foi alegado, não resulta de qualquer dos depoimentos prestados, nem de qualquer elemento dos autos, que o proposto afetado DFL se tenha apropriado de recursos financeiros da insolvente, provindos de créditos sobre clientes ou outros, o que sempre seria uma conclusão a tirar de factos e não, sob esta forma conclusiva, um facto a dar como provado ou não provado.
Os factos, extirpados de conclusões e de intenções subjetivas, absolutamente desnecessárias no quadro de ilicitude em que nos movemos, dado que as condutas apuradas são todas elas condutas voluntárias, conscientes e planeadas, como celebrar contratos e adquirir bens mediante contratos de compra e venda, são apenas os que já resultam dos factos dados como provados: a insolvente tinha duas áreas de negócios e quando uma delas colapsou (o negócio de Angola) a outra (importação de carnes) foi vendida por determinado preço que foi utilizado para pagar a alguns credores. A venda foi feita pela insolvente, gerida por MJL, a empresa do seu filho, DFL, gerida por este, ou seja, a pessoa coletiva representada por pessoa especialmente relacionada com a devedora, dado que o DFL havia sido seu gerente no período de dois anos que antecedeu a insolvência (factos constantes das als. e) e j) dos factos provados).
O acervo consignado na alínea hhh) é, por fim, globalmente conclusivo, pelo que a matéria em causa deve ser eliminada da matéria de facto provada, sem qualquer reflexo na matéria de facto não provada.
O facto constante em iii) é, na parte factual, verdadeiro, mas em consequência do negócio referido em xx) e não de um plano alheio a estes factos.
Deve, assim, ser alterada a respetiva redação para refletir a prova produzida – que clientes e vendas que haviam sido da insolvente, passaram para a DFL (como confirmado pelas testemunhas FP e CA (ambos simultaneamente clientes e fornecedores da insolvente que o deixaram de ser e depois clientes e fornecedores da DFL).
Passando à análise da matéria constante da al. jjj), trata-se de uma pura conclusão cujos factos base já se encontram consagrados na matéria de facto dada como provada.
Os factos dos quais se retira o esvaziamento de atividade e de suporte à atividade da insolvente constam das alíneas o) a v) – venda dos veículos -, ll) a rr) – colapso da área de negócios com Angola-, tt) – consequências da ação de condenação intentada pelas credoras requerentes do incidente -, xx) a ggg) – venda da segunda área de negócios.
A não cobrança dos créditos de vários credores, entre os quais as ora requerentes, retira-se da al. k) da matéria de facto.
A al. jjj) é de formulação conclusiva e desnecessária, pelo que deve ser eliminada da matéria de facto provada.
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O tribunal deu como provado, sob a alínea kkk) que:
kkk) Após a declaração da insolvência, em 15-11-2021, 13-12-2021, 17-12-2021, 14-01-2022, 17-02-2022, 11-10-2022, e 12-10-2022, a insolvente procedeu ao pagamento de cerca de € 780 000, 00 a instituições bancárias e à Autoridade Tributária e Aduaneira.
E motivou a decisão nos seguintes termos:
“Factos sob kkk) – resultam provados dos documentos 34 a 41, juntos com as Oposições.”
Os recorrentes indicam que os documentos 34 a 41 demonstram que os pagamentos efetuados à Autoridade Tributária não foram efetuados pela insolvente, e entendem que deve o facto ser reformulado nos seguintes termos:
“Kkk) Após a declaração da insolvência, em 15-11-2021, 13-12-2021, 17-12-2021, 14-01-2022, 17-02-2022, 11-10-2022, e 12-10-2022, os Requeridos, através de contas de que são titulares a F SGPS SA (sócia da Insolvente) e a X LDA. (da qual é gerente a requerida MJL) e a própria requerida MJL, procederam ao pagamento de cerca de € 780.000, 00 a instituições bancárias e à Autoridade Tributária e Aduaneira.”
Compulsados os documentos juntos com as oposições sob os nºs 34 a 41 verifica-se tratarem-se, os documentos 34 a 39, de impressões de comprovativos de transferências com os descritivos dívida B... (34 a 37) ou avalistas B... (38 e 39) em que as entidades que procedem à transferência são a F SGPS (34 e 37) ou a X, Lda (35, 36, 38 e 39) e os documentos 40 e 41 são liquidações de IVA relativas à insolvente e comprovativos dos respetivos pagamentos por MJL. Todos os documentos têm datas posteriores à data da declaração de insolvência.
Têm os recorrentes razão quanto à incorreção da matéria de facto indicando que foi a insolvente a efetuar estes pagamentos. Os únicos elementos de prova produzidos, exatamente os valorados pelo tribunal – os pagamentos a bancos e às finanças foram referidos, de forma muito genérica pela testemunha EP que referiu “pagou-se”, sem indicar quantias nem quem pagou – identificam como origem dos pagamentos pessoas diversas: a F, SGPS, a X, Lda e a proposta afetada MJL.
Não pode, porém, ser acolhida a formulação sugerida pelos recorrentes. As relações societárias entre a F SGPS a X, Lda e a insolvente e os propostos afetados já consta das alíneas b), d) e) e dd), não havendo que repetir matéria de facto já provada. Verificando-se algumas imprecisões nas datas serão também estas corrigidas, assim como o montante preciso pago.
Assim, acolhe-se parcialmente a impugnação da matéria de facto nesta parte e altera-se a redação da al. kkk) nos seguintes termos:
kkk) Após a declaração da insolvência, em 18-11-2021, 13-12-2021, 17-12-2021, 14-01-2022, 17-02-2022, 21-11-2022, e 24-11-2022, F Sgps SA, X Lda e MJL procederam ao pagamento a instituições bancárias e à Autoridade Tributária e Aduaneira de dívidas da insolvente e de avalistas da insolvente no valor de € 793.162,29.
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Defendem os recorrentes que a matéria constante dos factos dados como não provados em 2, 3 e 11 da matéria de facto não provada devem ser levados à matéria de facto provada.
O tribunal deu como não provado sob os nºs 2 e 3 a seguinte matéria:
“2. A DFL, Lda. pagou à insolvente o preço de venda da viatura …-XM-…, de € 20.910,00, e este valor foi considerado no acerto de contas existente entre ambas.
3. A DFL, Lda. pagou à insolvente o preço de venda da viatura …-QM-…, de € 7.500,00, e este valor foi considerado no acerto de contas existente entre ambas.”
E no nº11 da matéria de facto não provada fez constar:
11. Em finais de Agosto de 2021, numa reunião em Lisboa, a Requerida MJL foi informada que a DA não tinha qualquer património, não exercia actividade e as suas instalações estavam ocupadas por outra empresa, perante o que decidiu apresentar a insolvente à insolvência.
Foi a seguinte a motivação do tribunal para dar tal matéria como não provada:
“A factualidade considerada não provada resultou de, relativamente a ela, não ter sido produzida qualquer prova (factos sob 1 a 8), ou ter sido produzida prova insuficiente (facto sob 9, referindo-o apenas a testemunha DL, que, do mesmo passo, afastou com a improcedência da acção proposta para esclarecimento da exigibilidade da dívida); ou de ter sido produzida prova de realidade diversa (facto sob. 10, face ao facto provado sob vv) e o facto sob 11, face ao depoimento da testemunha EP, que mencionou que a reunião teve lugar no Verão de 2019 e não em 2021).”
No tocante aos pontos 2 e 3 da matéria de facto não provada alegam os recorrentes que tendo sido dado por provadas as ações de impugnação das resoluções a favor da massa efetuadas pelo administrador da insolvência (al. kk) da matéria de facto provada), e a respetiva procedência deveria o tribunal ter tirado as devidas ilações da inatacabilidade daquelas operações e, sendo o mesmo tribunal e juiz, deveria ter valorado o valor extraprocessual das provas produzidas naqueles processos, nos termos do art.º 413º do CPC.
No apenso G, intentado pela DFL, Lda ficou provado:
“c) A Autora comprou à insolvente, em 30-06-2020, a viatura …-QM-…, pelo preço de € 7.500,00, preço que entrou na conta corrente existente entre ambas as empresas como acerto de contas, tendo continuado, porém, a ser fornecedora da insolvente.
d) A referida viatura havia sido avaliada em € 7.000,00;
e) A Autora comprou à insolvente, em 31-12-2019, a viatura …-XM-…, pelo preço de € 20.910,00 que entrou na conta corrente existente entre ambas as empresas como acerto de contas, tendo continuado, porém, a ser fornecedora da insolvente.
f) Anteriormente, a insolvente havia suportado € 19.316,23, com a rescisão antecipada de um contrato de leasing com o Novo Banco, S.A.”
Entendem que por esta via, tais factos devem ser dados como provados.
Apreciando:
Ouvida a prova produzida e compulsados os documentos juntos aos autos verifica-se a correção da afirmação constante da motivação da sentença recorrida: não foi produzido qualquer elemento de prova. EP declarou, genericamente, que o dinheiro das vendas entrou, mas sem qualquer especificação ou conhecimento direto de qualquer das transações, nomeadamente esta, efetuada com a DFL, Lda.
Em sede geral, o facto de todas as ações de impugnação das resoluções terem sido procedentes – cfr. apensos F a K – não tem qualquer significado probatório. Significa apenas que os negócios resolvidos permanecem eficazes, não podendo os bens em causa ser apreendidos para a massa insolvente.
E dessa procedência das ações, e bem, o tribunal não retirou qualquer ilação, dado que aqui se afere dos pressupostos da qualificação da insolvência como culposa e ali se aferia da impugnação da resolução de determinados negócios jurídicos.
O art.º 413º do CPC, invocado pelos recorrentes consagra o denominado princípio da aquisição processual, que não significa que o tribunal adquire os factos provados noutros processos (mesmo apensos, parecendo ser esse o raciocínio dos recorrentes ao mencionar o valor extraprocessual das provas produzidas naqueles processos) mas sim que “o tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, independentemente da parte que alegou o facto ou da que apresentou o meio de prova: nisto consiste o princípio da aquisição processual.”[10]
O juiz pode usar factos de que tenha conhecimento por virtude do exercício de funções, nos termos do nº 2 do art.º 412º do CPC, o que não se confunde, mas pode abranger, a valoração de factos apurados noutros processos ou em apensos do mesmo processo, ou seja a valoração extraprocessual a que se referem os recorrentes.
Mas para tal deve ter em conta as demais regras aplicáveis e, nomeadamente a regra que regula precisamente o valor extraprocessual das provas: o art.º 421º do CPC, no qual se dispõe:
«1 - Os depoimentos e perícias produzidos num processo com audiência contraditória da parte podem ser invocados noutro processo contra a mesma parte, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 355.º do Código Civil; se, porém, o regime de produção da prova do primeiro processo oferecer às partes garantias inferiores às do segundo, os depoimentos e perícias produzidos no primeiro só valem no segundo como princípio de prova.
2 - O disposto no número anterior não tem aplicação quando o primeiro processo tiver sido anulado, na parte relativa à produção da prova que se pretende invocar.»
Trata-se, aliás, de uma situação de alguma frequência, a tentativa de invocação de matéria de facto provada num processo, para outros efeitos, em processo diverso, nomeadamente sob a veste de autoridade de caso julgado, mas, como nos adverte o Ac STJ de 05/05/2005[11] (Araújo Barros): “Não pode é confundir-se o valor extraprocessual das provas produzidas (que podem ser sempre objecto de apreciação noutro processo) com os factos que no primeiro foram tidos como assentes, já que estes fundamentos de facto não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva decisão judicial.”
O texto do aresto expõe, com clareza que “transpor os factos provados numa acção para a outra - constituiria, pura e simplesmente, conferir à decisão acerca da matéria de facto um valor de caso julgado que não tem, ou conceder ao princípio da eficácia extraprocessual das provas uma amplitude que manifestamente não possui.”
Também Rui Pinto[12] adverte para a mesma problemática
“…, a decisão sobre a matéria de facto começa por apenas valer para o concreto processo em que foi produzida e perde depois autonomia sendo adquirida pela sentença final.
Por outras palavras, a decisão de dar certo facto como assente (cf. art.º 511º CPC) ou a decisão sobre a matéria de facto (cf. art.º 653º nº 2) não têm eficácia jurídica senão no concreto processo para o que foram produzidas.”
E aponta, citando extensa jurisprudência, ser esse o sentido unânime da jurisprudência: o da eficácia extraprocessual da prova, não o da eficácia extraprocessual dos factos tidos como provados. “Por outras palavras: não se importam factos provados.”[13].
Tal não implica que as decisões sobre a matéria de facto tomadas noutro processo não tenham qualquer valor. Mas há que seguir o procedimento prescrito no art.º 421º do CPC, sujeitando os meios de prova lá produzidos à livre apreciação do juiz do presente processo, em conjugação com os demais elementos de prova – e limitados a alguns meios de prova.
Indiscutivelmente este preceito não abrange a confissão ficta por revelia e a admissão por acordo[14], porque não constituem depoimentos ou perícias.
No caso concreto, efetivamente, não tendo a ação de impugnação da resolução, interposta pela DFL, Lda, sido contestada, foram declarados confessados os factos de natureza disponível alegados pela A. (cfr. despacho de 10/10/2022, refª 154243929), e veio a ser proferida sentença na qual foi considerado provado que:
“c) A Autora comprou à insolvente, em 30-06-2020, a viatura …-QM-…, pelo preço de € 7.500,00, preço que entrou na conta corrente existente entre ambas as empresas como acerto de contas, tendo continuado, porém, a ser fornecedora da insolvente.
d) A referida viatura havia sido avaliada em € 7.000,00.
e) A Autora comprou à insolvente, em 31-12-2019, a viatura …-XM-…, pelo preço de € 20.910,00 que entrou na conta corrente existente entre ambas as empresas como acerto de contas, tendo continuado, porém, a ser fornecedora da insolvente.”
Os factos, em si, não podem ser importados como provados para outro apenso do mesmo processo, podendo o tribunal, nos termos do art.º 412º nº2, valorar a prova ali produzida naquele sentido.
Perscrutando a prova documental junta no apenso G verificamos que ali se juntou uma fatura emitida pela insolvente à DFL, Lda, pela venda do veículo de matrícula …-QM-… por € 7.500,00, uma proposta de avaliação da mesma viatura, um contrato de locação financeira celebrado entre a insolvente e o Banco, SA, relativo à viatura de matrícula …-XM-…, os comprovativos do pagamento pela insolvente ao Banco do valor de € 19.316,23 a título de rescisão final daquele veículo e uma fatura emitida pela insolvente à DFL, Lda, pela venda do veículo de matrícula …-XM-… por € 20.910,00.
Nada mais tendo sido junto – nomeadamente um qualquer extrato da conta corrente alegada – podemos concluir que os factos dados como provados naquela ação sob as alíneas c) e e), quanto à forma de pagamento, se basearam estritamente na admissão por acordo nos termos do art.º 567º nº 1 do CPC.
Não podendo os factos ser importados para outro apenso, não sendo aplicável o disposto no art.º 421º do CPC, por se tratarem de factos obtidos mediante admissão por acordo, bem andou o tribunal em não valorar a matéria de facto apurada no apenso G.
O que implica a total correção da motivação do tribunal – não tendo sido produzida qualquer prova sobre estes dois pontos, a matéria em causa apenas pode ser dada como não provada.
Improcede, nesta parte, a impugnação da matéria de facto.
No tocante à matéria dada como não provada sob 11, os recorrentes pedem seja dado como provado:
«Em data não concretamente apurada, mas após o facto referido em ddd), ocorreu reunião em Lisboa, no Hotel Penta, na qual a Requerida MJL foi informada pelo escritório de advogados referido em ddd) dos Factos Provados, que a DA não tinha qualquer património, não exercia actividade e as suas instalações estavam ocupadas por outra empresa, perante o que decidiu apresentar a insolvente à insolvência.»
Invocam a conjugação do depoimento de EP, que situou a reunião em 2019, com o facto dado como provado em ddd) e a sua fundamentação.
A matéria de facto dada como não provada relevava para a imputação que vinha feita aos propostos afetados, de violação do dever de apresentação à insolvência nos termos da al. a) do nº3 do art.º 186º do CIRE, sendo alegado que apenas após a realização daquela reunião a insolvente e a sua administração compreenderam estar em situação de insolvência – cfr. arts. 73º a 75º e 152º a 155º da oposição[15].
Sucede que a sentença recorrida, em parte não impugnada ou posta em causa, por qualquer forma, considerou não verificada a circunstância qualificadora prevista na al. a) do nº3 do art.º 186º do CIRE, estando assim tal ponto coberto pelo caso julgado. Os propostos afetados já não poderão ser nestes autos responsabilizados por violação do dever de apresentação à insolvência.
Tal determina a inutilidade da análise da impugnação da matéria de facto no que toca a este ponto 11 da matéria de facto não provada. Tal matéria – sendo a pretensão dos recorrentes que fique provado que, em data não determinada, mas após outra data indeterminada, situada no ano de 2020 (alínea ddd) da matéria de facto provada) – não tem qualquer relevo para aferir do preenchimento da previsão das alíneas a) e d) do nº 2 do art.º 186º do CIRE, as únicas circunstâncias qualificadoras que foram julgadas verificadas e pelas quais os recorrentes foram condenados e sancionados e sobre cuja verificação versa este recurso.
A análise da impugnação só deve ser efetuada com referência àqueles factos que assumem relevância para a decisão do mérito da causa, ponderando as várias soluções plausíveis de direito; o tribunal está vinculado a providenciar pelo andamento regular e célere do processo, recusando o que for impertinente e dilatório – art.º 6.º, nº 1 do CPC –,  pelo que nenhum sentido ou utilidade teria efetuar uma análise crítica sobre o mérito da valoração da prova feita pela 1ª instância, quando a impugnação recai sobre factos que não tem qualquer potencialidade de influenciar o sentido da decisão, quer se tratem de factos essenciais, instrumentais ou complementares (cfr. o art.º 5.º do CPC)[16].
Assim, não se conhece da impugnação do julgamento de facto no que toca ao facto dado como não provado sob 11 da matéria de facto não provada.
*
Em resumo, na parcial procedência da impugnação da matéria de facto:
- é eliminada a al. hh) dos factos provados;
- é aditado o seguinte aos factos não provados:
O proposto afetado DFL, teve conhecimento das transmissões referidas nas alíneas o) a r), t) e v) da matéria de facto provada;
- é eliminada a alínea ii) da matéria de facto provada;
- é aditado o seguinte facto à matéria de facto não provada:
A insolvente efetuou pagamentos aos credores com o produto das vendas referidas nas alíneas w), x) e aa);
- é eliminada a al. jj) da matéria de facto provada;
- é aditado o seguinte facto à matéria de facto não provada:
O valor de mercado das viaturas referidas em o) a v) da matéria de facto provada estima-se em € 158 500,00;
- é eliminada a al. hhh) da matéria de facto provada:
- é alterada a redação da al. iii) da matéria de facto provada, nos seguintes termos:
iii) Na sequência do negócio referido em xx), DFL passou a canalizar para a sociedade que constituiu, a DFL, Lda, os clientes e as vendas da insolvente na área de negócio de importação de carnes da América do Sul;
- é eliminada a alínea jjj) da matéria de facto provada;
- é alterada a redação da al. kkk) nos seguintes termos:
kkk) Após a declaração da insolvência, em 18-11-2021, 13-12-2021, 17-12-2021, 14-01-2022, 17-02-2022, 21-11-2022, e 24-11-2022, F Sgps SA, X, Lda e MJL procederam ao pagamento a instituições bancárias e à Autoridade Tributária e Aduaneira de dívidas da insolvente e de avalistas da insolvente no valor de € 793.162,29.
*
Com vista à melhor compreensão do julgado, passa-se a reproduzir a matéria de facto, introduzindo as alterações decididas (assinaladas a negrito):
Matéria de facto provada
a) A insolvente B... – Comércio Alimentar, Lda., …, é uma sociedade comercial por quotas, constituída em 27-09-2004, com sede na Estrada …, e com o objecto social “Importação, exportação, comércio, distribuição, representação de grande variedade de produtos, nomeadamente, de produtos alimentares, bebidas, artigos para o lar, produtos de limpeza, higiene, mobiliário, vestuário. Actividades de consultoria para os negócios e a gestão. Comércio e Indústria de carnes frescas e congeladas e transformadas em todas as suas formas de apresentação, seus derivados e produtos afins. Locação de espaços, bem como prestação de quaisquer serviços conexos.”.
b) Tem o capital social de € 750.000,00, realizado, desde 08-09-2020, em três quotas, uma, no valor nominal de € 375 000, 00, outra, no valor nominal de € 180.000,00, ambas da titularidade de F – SGPS, S.A., outra, no valor nominal de € 195.000,00, da titularidade da Requerida MJL.
c) Desde 31-08-2017 até 08-09-2020, o capital social estava dividido em duas quotas, no valor nominal de € 375.000,00, cada, da titularidade, respectivamente, do Requerido DFL e de F – SGPS, S.A..
d) A Requerida MJL foi designada gerente da insolvente desde a data da constituição.
e) O Requerido DFL foi designado gerente desde 21-11-2006 até 04-11-2019 (31-10-2019).
f) A sociedade obriga-se com a assinatura de um gerente e ou de procurador com poderes para o acto.
g) A última prestação de contas depositada reporta-se ao ano de 2019 e data de 25-06-2020.
h) A Requerida MJL, sócia e gerente da insolvente, é administradora única da sociedade F – SGPS, SA.
i) Mediante petição inicial entrada em juízo em 29-09-2021, a devedora apresentou-se à insolvência.
j) Por sentença de 07-10-2021, transitada em julgado, foi declarada em estado de insolvência.
k) Foram reconhecidos créditos no valor total de € 2.997.409,44, sendo € 820.922,81 e € 824.631,86, das Credoras Requerentes, vencidos, respectivamente, de 30-08-2013 até 25-12-2015 e de 02-09-2015 até 18-02-2016; € 196.939,58, de FF Mbh, vencido de 11-04-2019 a 19-06-2019; € 34.826,52 de SCA. SPA, vencido em 13-05-2019; € 77.495,39 Z SP. J, vencido de 09-06-2019 a 03-08-2019.
l) Para a massa insolvente, foram apreendidos o estabelecimento comercial composto pela universalidade dos meios de produção, bens móveis (3 secretárias, 5 cadeiras, 1 armário baixo de arquivo, 2 computadores, 2 teclados e 2 ratos) e um veículo automóvel com a matrícula ….-ZO.
m) As Credoras Requerentes instauraram, em 15-03-2019, contra a insolvente, acção declarativa de condenação, que correu termos no processo sob o n.º 538/19.6T8EVR, Juízo Central Cível de Évora, Juiz 2, julgada procedente por sentença de 23-12-2020, que condenou a insolvente a pagar-lhes a quantia de € 1.424.870,88.
n) Incidentalmente à referida acção, instauraram procedimento cautelar de arresto, decretado por decisão de 28-12-2020, mantida por decisão de 03-08-2021 (após oposição da insolvente), para garantia do referido crédito, sobre os seguintes bens/direitos da insolvente: fracção autónoma “A”, …, Lisboa; recheio do estabelecimento comercial (mercadorias em stock ou em trânsito, mobiliário de escritório, computadores e 28 impressoras), depósitos bancários e direitos de crédito sobre os clientes.
o) Em 19-11-2019, BVL, filha da Requerida MJL, consta como a proprietária do veículo com a matrícula …-SD-…, marca Smart.
p) Em 04-12-2019, SFL, filha da Requerida MJL, consta como a proprietária do veículo com a matrícula …-QT-…, marca BMW.
q) Em 22-01-2020, a insolvente transmitiu a X, Lda. a propriedade do veículo com a matrícula …-VF-…, marca Land Rover, posteriormente transmitido a LMP.
r) Em 28-01-2020, a insolvente transmitiu a V., Lda. a propriedade do veículo com a matrícula …-RD-…, marca BMW.
s) Em 15-05-2020, a insolvente transmitiu a DFL, Lda. a propriedade do veículo com a matrícula …-XM-…, marca Peugeot.
t) Em 09-07-2020, a insolvente transmitiu a MFL, filha da Requerida MJL, a propriedade do veículo com a matrícula …-UC-…, marca BMW.
u) Em 27-08-2020, a insolvente transmitiu a DFL, Lda. a propriedade do veículo com a matrícula …-QM-…, marca Smart.
v) Em 27-08-2020, a insolvente transmitiu a D, Lda. a propriedade do veículo com a matrícula …-TE-…, marca Iveco.
w) Relativamente ao veículo 33-TE-71, a insolvente havia celebrado um contrato de locação financeira com a Caixa …, S.A., com preço de aquisição de € 39.000,00 (mais IVA) e valor residual fixado em € 3.900,00 (mais IVA), em 21-07-2017, para vigorar até 21-07-2021, que rescindiu antecipadamente, em 07-07-2020, pelo valor de € 17.654,39 - sendo € 15.585,36, o valor da rescisão e de € 1.929,58, o valor de “débitos vencidos em cobrança” – que a D pagou à locadora financeira.
x) Relativamente ao veículo ..-UC-…, a insolvente havia celebrado um contrato de locação financeira com o Banco, S.A., pelo preço de aquisição de € 37.847,04 e valor residual fixado em € 7.569,40 (mais IVA), em Janeiro de 2018, para vigorar até Janeiro de 2022, que rescindiu antecipadamente, em 05-05-2020, pelo valor de € 27.216,39 - sendo € 21.742,15, o valor da rescisão com venda e de € 385,00 o valor de “montagem de rescisões” – que MFL pagou à locadora financeira.
y) Relativamente ao veículo …-XM-.., a insolvente havia celebrado um contrato de locação financeira com o Banco, S.A., pelo preço de aquisição de € 19.319,93 e valor residual fixado em € 1 931, 99 (mais IVA), em Abril de 2019, para vigorar até Abril de 2023, que rescindiu antecipadamente, em 22-01-2020, pelo valor de € 19.316,23 - sendo € 15. 319,. 25, o valor da rescisão com venda e de € 385,00, o valor de “montagem de rescisões” – que a insolvente pagou à locadora financeira, tendo vendido à DFL, Lda., em 31-12-2019, pelo preço de € 20.910,00.
z) Relativamente ao veículo …-QM-…, a insolvente vendeu à DFL, Lda., em 30-06-2020, pelo preço de € 7500, 00.
aa) Relativamente ao veículo …-VF-…, a insolvente havia celebrado um contrato de locação financeira com o Banco B, S.A., pelo preço de aquisição de € 94.552,85 (mais IVA) e valor residual fixado em € 1.891,06 (mais IVA), em 03-08-2018, para vigorar até 15-08-2023, que rescindiu antecipadamente, em 08-01-2020, pelo valor de € 68.845,38 – que a insolvente pagou à locadora financeira, tendo vendido à X, em Dezembro de 2019, pelo preço de € 70.000,00, que pagou.
bb) O veículo …-SD-… foi adquirido à insolvente, por DL, pelo preço de € 5.000,00, que pagou, em Julho de 2019, e que vendeu, pelo mesmo preço, a BVL.
cc) O veículo …-QT-… foi adquirido à insolvente, por DL, pelo preço de € 15.000,00, que pagou, em Julho de 2019, e que vendeu, pelo mesmo preço, a SFL.
dd) A X, Lda. é uma sociedade comercial por quotas que foi constituída, como sociedade anónima, em 19-05-1994, sendo a Requerida MJL sua gerente, desde a data da constituição e seus sócios as filhas MFL e SFL, embora o Requerido DFL tenha sido sócio até 11-07-2019.
ee) A D, Lda. é uma sociedade comercial por quotas que foi constituída, em 22-12-2005, sendo o seu gerente DL desde 17-07-2020, data da cessação de funções, como gerentes, dos Requeridos MJL e DFL, nomeados como tal desde 22-01-2013, tendo como sócios a F – SGPS, S.A. (maioritária) e JRS.
ff) A DFL, Lda. é uma sociedade comercial por quotas, que foi constituída em 16-07-2019, pelos Requeridos DFL e MJL, sendo sua única sócia a X, Lda. e o Requerido DFL seu gerente, com o objecto social “Importação, exportação, comércio, distribuição, representação de grande variedade de produtos, nomeadamente, de produtos alimentares, bebidas, artigos para o lar, produtos de limpeza, higiene, mobiliário, vestuário. Atividades de consultoria para os negócios e a gestão. Comércio e indústria de carnes frescas e congeladas e transformadas em todas as suas formas de apresentação, seus derivados e produtos afins. Locação de espaços, bem como prestação de quaisquer serviços conexos.”
gg) A DFL, Lda foi constituída com sede social na morada da sede da insolvente, onde permaneceu desde 16-07-2019 e até 21-07-2021.
hh) Eliminada
ii) Eliminada
jj) Eliminada
kk) O Sr. Administrador da Insolvência procedeu às resoluções dos negócios – com excepção da viatura …-RD-…- a favor da massa insolvente, o que, após impugnações deduzidas, vieram a ser declaradas nulas e ineficazes por sentenças proferidas em 16-01-2023.
ll) Em 2018, a insolvente apresentou um prejuízo de € 150.444,50; em 2019, de € 605.684,86 e em 2020, de € 509.925,36.
mm) A actividade da insolvente desenvolveu-se em duas áreas: a) uma representativa de 70%, a distribuição no mercado nacional de produtos de carne importados de todo o mundo, em especial, da América do Sul e da Europa; b) outra, a exportação de produtos de limpeza e higiene para Angola, tendo como cliente único a DA, Lda. e fornecedores únicos a JX, S.A. e JX, Lda..
nn) Entre as sociedades JX, S.A. e JX, Lda, e a insolvente foi celebrado um acordo através do qual as primeiras vendiam à segunda produtos do seu comércio que, posteriormente, seriam revendidos por esta ao mercado Angolano, através da Sociedade DA.
oo) A sociedade DA, tinha como sócios: (a) DL, Diretor Geral da insolvente; (b) JP, Administrador da JX, S.A., que, por sua vez, é sócia única da JX, Lda; (c) MM; e (d) IT, sendo esta última a gerente.
pp) Era JP quem geria toda a parte comercial da DA, em colaboração com a gerência em Luanda.
qq) A DA contraiu uma dívida perante a insolvente no montante de € 1.505.887,76.
rr) Em resultado do não pagamento do referido montante, a insolvente viu-se impossibilitada de proceder ao pagamento da sua dívida para com as Credoras Requerentes, nos montantes de, respetivamente, € 513.645,28 e € 512.506,43.
ss) A insolvente instaurou, em 2016, contra as Credoras Requerentes a acção que correu termos sob o n.º 1222/16.8T8EVR, no Tribunal Judicial da Comarca de Évora, pedindo, além do mais, o reconhecimento da inexigibilidade da dívida, que veio a ser julgada improcedente, por sentença de 03-05-2016, transitada em julgado.
tt) Na sequência da acção instaurada pelas Credoras Requerentes contra a insolvente, referida em m) e n), a insolvente teve notação negativa na avaliação de risco efectuada pelos seus parceiros comerciais, os seguros de crédito foram cancelados, vendo-se impossibilitada de realizar, logo em 2019, importações a crédito, as instituições bancárias não renovaram os financiamentos contratados, obrigando-a a uma redução da actividade de importação de carne.
uu) Contactado pelo Director Geral da insolvente – DL – para viabilização de recurso a Processo Especial de Revitalização, o legal representante das Credoras Requerentes – JP – recusou-se a colaborar e a assinar a declaração conjunta do art.º 17.º do CIRE.
vv) A facturação da insolvente em 2018 era de € 25.032.547,34, em 2019 de € 15.052.322,64 e em 2020 de € 1.406.422,49.
ww) Em alternativa ao PER, a insolvente veio a tomar várias medidas.
xx) Assim, celebrou, em 16-12-2019, com a DFL, Lda., um “contrato promessa de cessão temporária de área de negócio”, pelo período de 10 anos, pelo qual a primeira prometeu ceder à segunda a área de negócio de importação de carnes da América do Sul, em particular, do Brasil, Uruguai e Argentina, carnes estas que, depois, a insolvente revendia no mercado nacional, pelo preço global de € 180.000,00.
yy) A DFL, Lda garantiu a continuidade desta área de negócio, estabelecendo a sua sede na morada da sede da insolvente e com o mesmo objecto social, actividade que estaria votada à inexistência se permanecesse na insolvente.
zz) Em Agosto/Outubro de 2019, a insolvente vendeu à DFL, Lda parte do respectivo stock, pelo preço de € 162 965, 16, equipamento informático, pelo preço de € 21.832,50; e a quota GATT, pelo preço de € 42.859,00, tendo a DFL, Lda pago à insolvente o total de € 425.000,00, em 18-12-2019.
aaa) A referida quantia foi paga à Caixa … por conta de créditos vencidos.
bbb) Em 25-08-2020, a insolvente vendeu a fracção autónoma “A”, descrito na CRP …, pelo preço de € 180.000,00.
ccc) O produto da venda foi utilizado na amortização da dívida contraída para a sua aquisição, junto da Caixa …. com cancelamento da inscrição da hipoteca.
ddd) No ano de 2020, foi contratado um escritório de advogados em Angola, para diligenciar pela cobrança do crédito da insolvente sobre a DA.
eee) Reduziu, ainda, o quadro de pessoal de 12 para 2 pessoas, uma das quais a gerente, a Requerida MJL, tendo parte dos trabalhadores transitado para a DFL, Lda.
fff) Não obstante as medidas tomadas, a insolvente não recuperou a continuidade do negócio.
ggg) O Requerido DFL era a única pessoa na insolvente que conhecia e dominava os mecanismos de importação de carne e detinha a relação pessoal e comercial, seja com os exportadores, seja com os operadores nacionais onde a carne importada era revendida.
hhh) Eliminada
iii) Na sequência do negócio referido em xx), DFL passou a canalizar para a sociedade que constituiu, a DFL, Lda, os clientes e as vendas da insolvente na área de negócio de importação de carnes da América do Sul.
jjj) Eliminada
kkk) Após a declaração da insolvência, em 18-11-2021, 13-12-2021, 17-12-2021, 14-01-2022, 17-02-2022, 21-11-2022, e 24-11-2022, F Sgps SA, X, Lda e MJL procederam ao pagamento a instituições bancárias e à Autoridade Tributária e Aduaneira de dívidas da insolvente e de avalistas da insolvente no valor de € 793.162,29.
lll) A Requerida MJL nasceu em 06-10-1952 e está divorciada.
mmm) O Requerido DFL nasceu em 31-03-1983, é filho de DL e de MJL e está divorciado.
*
Matéria de facto não provada
1. A venda da viatura …-TE-… ocorreu em 30-06-2020.
2. A DFL, Lda. pagou à insolvente o preço de venda da viatura …-XM-…, de € 20.910,00, e este valor foi considerado no acerto de contas existente entre ambas.
3. A DFL, Lda. pagou à insolvente o preço de venda da viatura …-QM-…, de € 7.500,00, e este valor foi considerado no acerto de contas existente entre ambas.
4. O preço de venda da viatura …-VF-…, € 70.000,00, corresponde a 80% do valor da viatura adquirida nova.
5. Relativamente à viatura …-SD-…, o valor de € 5.000,00 era devido para rescisão antecipada de contrato de leasing.
6. As viaturas …QT-… e …-SD-… encontravam-se em mau estado de conservação.
7. Relativamente às viaturas em leasing, existiam rendas em dívida.
8. Era JP quem definia os preços da DA, em colaboração com a gerência em Luanda, e quem definia os pagamentos efectuados pela DA.
9. Entre as Credoras Requerentes, a DA e a insolvente foi acordado que o pagamento pela insolvente dos bens a si fornecidos pelas Credoras Requerentes só seria efectuado após o pagamento, pela DA à insolvente, das mercadorias expedidas para Angola.
10. A facturação da insolvente em 2020 cifrou-se em € 1.129.774,85.
11. Em finais de Agosto de 2021, numa reunião em Lisboa, a Requerida MJL foi informada que a DA não tinha qualquer património, não exercia actividade e as suas instalações estavam ocupadas por outra empresa, perante o que decidiu apresentar a insolvente à insolvência.
12. O proposto afetado DFL, teve conhecimento das transmissões referidas nas alíneas o) a r), t) e v) da matéria de facto provada.
13. A insolvente efetuou pagamentos aos credores com o produto das vendas referidas nas alíneas w), x) e aa).
14. O valor de mercado das viaturas referidas em o) a v) da matéria de facto provada estima-se em € 158 500,00.
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4.3. Verificação dos pressupostos de qualificação da insolvência como culposa
Nos termos do disposto no art.º 185º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a insolvência é qualificada como culposa ou fortuita, não sendo, porém, a qualificação vinculativa para efeitos da decisão de causas penais ou ações de responsabilidade contra o devedor, terceiros e responsáveis legais.
A insolvência será culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da atuação dolosa ou com culpa grave do devedor ou dos seus administradores de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo – art.º 186º nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Nos termos do nº 2 do preceito, «Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor, que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham:
a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor;
b) Criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com ele especialmente relacionadas;
c) Comprado mercadorias a crédito, revendendo-as ou entregando-as em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente, antes de satisfeita a obrigação;
d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros;
e) Exercido, a coberto da personalidade coletiva da empresa, se for o caso, uma atividade em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse direto ou indireto;
f) Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário aos interesses deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse direto ou indireto;
g) Prosseguido, no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência;
h) Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor;
i) Incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no nº2 do artigo 188º.»
Finalmente, nos termos do nº3 do preceito, «Presume-se unicamente[17] a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular tenham incumprido:
a) O dever de requerer a declaração de insolvência;
b) A obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial.»
Ou seja, a qualificação importa que tenha ocorrido (pelo menos) uma conduta do devedor ou dos seus administradores, de facto ou de direito, na aceção do disposto no art.º 6º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que:
- tenha criado ou agravado a situação de insolvência;
- tal conduta seja dolosa ou com culpa grave, excluindo-se, assim, a culpa simples[18].
- tenha ocorrido nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, ou seja, nos três anos anteriores ao dia da entrada do requerimento inicial do processo de insolvência na secretaria do tribunal, relevando, para além desse prazo, todos os atos praticados entre aquele dia e a data de declaração de insolvência, nos termos previstos no art.º 4º nº2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas[19].
O nº 1 do art.º 186º é o preceito base, no qual se prevê a exigência, para que a insolvência possa ser considerada culposa, de uma conduta de um administrador, de direito e/ou de facto, dolosa ou com culpa grave que apresente um nexo de causalidade com a situação de insolvência ou com o seu agravamento, cometida dentro de um limite temporal.
O nº2 do art.º 186º elenca, de forma taxativa, nas suas alíneas a) a i) situações fácticas que levam sempre à caracterização da insolvência como culposa, presunções iure et de iure, inilidíveis, quer de culpa grave, quer de existência do nexo de causalidade entre a conduta tipificada e a criação ou agravamento da situação de insolvência[20].
O nº3 do preceito, por sua vez elenca condutas cuja verificação faz presumir a existência de culpa grave, para os efeitos do nº1 do art.º 186º, presunção esta ilidível[21], sendo que, para que se possa qualificar a insolvência como culposa é necessário que se verifiquem os demais elementos do nº1 do preceito, nomeadamente, que a conduta criou ou agravou a situação de insolvência[22] [23].
Nos autos estava em causa, conjugando o requerimento inicial e os pareceres do Administrador da Insolvência e do Ministério Público, a qualificação da insolvência da devedora como culposa nos termos das alíneas a) e d) do nº 2 e a) do nº 3 do art.º 186º do CIRE, sendo proposta a afetação dos gerente e ex-gerente, MJL e DFL.
Instruída e julgada a causa o tribunal qualificou a insolvência como culposa, com afetação dos identificados propostos afetados, nos termos das alíneas a) e d) do nº2 do art.º 186º do CIRE.
Em sede geral importa precisar que o período temporal relevante para os efeitos da destas alíneas[24], atentos os factos apurados sob as alíneas i) e j) da matéria de facto provada é o decorrido entre 29/09/18 e 29/09/21 (data de entrada do pedido de declaração de insolvência), extensível até 07/10/21 (data de declaração da insolvência).
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A decisão recorrida concluiu pelo preenchimento das alíneas a) e d) do nº2 do art.º 186º do CIRE, essencialmente, com os seguintes fundamentos (dos quais já não fazemos constar os que foram afetados pela decisão relativa à impugnação da matéria de facto):
- a venda de sete veículos (factos o) a v) a pessoas relacionadas (familiares e sociedades geridas pela proposta afetada MJL, familiares ou sócios da insolvente) pela proposta afetada MJL com o conhecimento do proposto afetado DFL consubstancia ocultação de bens;
-  a venda de à DFL, Lda parte do stock, equipamento informático e quota GATT em agosto/outubro de 2019 e a promessa de cessão temporária da área de negócio da importação de carnes à mesma DFL, Lda pelo peço total de € 425.000,00 (factos zz) e xx);
- a venda de fração autónoma pelo preço de € 180 000, 00 (facto bbb);
- ter sido utilizado o produto das vendas e promessa ao pagamento ao credor Caixa …;
- o (pouco) ativo apreendido e arrestado – als. l) e n);
Com base nestes factos concluiu:
“Considerando o activo que veio a ser apreendido (facto sob l)), assim como o activo arrestado (facto sob n)), resulta evidente o esvaziamento de activo da insolvente, traduzido em actos de ocultação do património do devedor – consistentes nas “vendas” a familiares e a sociedades constituídas pelos próprios ou por familiares -, por um lado, e na disposição de bens e de clientela a favor de terceiros, no caso, a DFL, Lda. constituída em 16-07-2019, pelos sócios e gerentes, aqui Requeridos, com a mesma sede da insolvente e com o mesmo objecto social, por outro, entende-se que se consideram verificadas as previsões normativas das alíneas a) e d) e, como tal, a dupla presunção inilidível de culpa grave e de nexo de causalidade entre os ilícitos e a criação/o agravamento da situação de insolvência, para sustentar a insolvência culposa.
De facto, a circunstância de, em parte, o produto das vendas ter revertido para o pagamento de dívidas da insolvente não é excludente da verificação destas previsões normativas, justamente, por ter sido em parte e por não ter servido ao pagamento da totalidade das dívidas vencidas, por um lado, nem à continuidade da actividade da insolvente, por outro, quando muito atenua o grau de ilicitude.
Nem a circunstância de a insolvente, após a instauração da acção de cobrança de dívida pelas Credoras Requerentes (factos sob m) e n)), ter obtido notação negativa na avaliação de risco efectuada pelos seus parceiros comerciais, os seguros de crédito terem sido cancelados, vendo-se impossibilitada de realizar, logo em 2019, importações a crédito, as instituições bancárias não renovaram os financiamentos contratados, obrigando-a a uma redução da actividade de importação de carne (facto sob tt)), excluem a ilicitude dos actos de transferência de património/bens e direitos, acima assinalados.”
Os recorrentes opõem os seguintes argumentos:
- o desconhecimento do destino do produto dos vendas dos veículos é indiferente, pois para se concluir que dispuseram dos bens em proveito pessoal ou de terceiros, exige-se a demonstração de que o fizeram em prejuízo da insolvente, não pagando os preços de venda, ou adquirindo tais bens por preço inferior ao que tinham;
- a manutenção da frota automóvel não se justificava face à brutal diminuição do volume de negócios e do quadro de pessoal da insolvente, apenas gerando encargos;
- a destruição, dano, inutilização, ocultação, ou desaparecimento não foram minimamente densificados na sentença, e sempre terão de reportar-se a uma parte considerável do património da empresa insolvente, o que não foi concretizado ou densificado;
- o património não é apenas o ativo, contemplando também o passivo, sendo essa a noção de património a que se refere o legislador, não podendo os administradores ser punidos por diminuir o passivo;
- a al. d) não prescinde da verificação do prejuízo, ainda que indireto, para o património do devedor como passo prévio ao nexo entre a situação de insolvência ou seu agravamento como se decidiu no Ac. TRG de 27/04/23 (5329/19.1T8VNF-B.G2);
- a transferência da área de negócios de importação de carne e demais ativos para a DFL, Lda importou uma entrada patrimonial na esfera da insolvente, não estando provado qualquer facto que permita concluir pela delapidação ou prejuízo patrimonial da insolvente;
- essa série de transmissões salvou o negócio de importação de carnes que estava perdido, como resulta da matéria de facto dada como provada na al. yy) da matéria de facto provada;
- a norma pretende prevenir e punir não o enriquecimento de terceiros mas sim o empobrecimento da insolvente;
- teria que se ter apurado que as vendas foram efetuadas por preço inferior ao real ou que o preço não havia sido pago.
O Ministério Publico defendeu ter sido efetuada uma correta subsunção dos factos ao direito.
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Prevê o art.º 186º nº 2, alíneas a) e d) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que se considera sempre culposa, na modalidade de dolo ou culpa grave, a insolvência do devedor, quando o devedor ou os seus administradores, de direito ou de facto, tenham:
«a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor;
d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros;»
Com relevância, apuraram-se os seguintes factos:
o) Em 19-11-2019, BVL, filha da Requerida MJL, consta como a proprietária do veículo com a matrícula …-SD-…, marca Smart.
p) Em 04-12-2019, SFL, filha da Requerida MJL, consta como a proprietária do veículo com a matrícula …-QT-…, marca BMW.
q) Em 22-01-2020, a insolvente transmitiu a X, Lda. a propriedade do veículo com a matrícula …-VF-…, marca Land Rover, posteriormente transmitido a LMP.
r) Em 28-01-2020, a insolvente transmitiu a V., Lda. a propriedade do veículo com a matrícula …-RD-…, marca BMW.
s) Em 15-05-2020, a insolvente transmitiu a DFL, Lda. a propriedade do veículo com a matrícula …-XM-…, marca Peugeot.
t) Em 09-07-2020, a insolvente transmitiu a MFL, filha da Requerida MJL, a propriedade do veículo com a matrícula …-UC-…, marca BMW.
u) Em 27-08-2020, a insolvente transmitiu a DFL, Lda. a propriedade do veículo com a matrícula …-QM-…, marca Smart.
v) Em 27-08-2020, a insolvente transmitiu a D, Lda. a propriedade do veículo com a matrícula …-TE…, marca Iveco.
w) Relativamente ao veículo …-TE-…, a insolvente havia celebrado um contrato de locação financeira com a Caixa …, S.A., com preço de aquisição de € 39.000,00 (mais IVA) e valor residual fixado em € 3.900,00 (mais IVA), em 21-07-2017, para vigorar até 21-07-2021, que rescindiu antecipadamente, em 07-07-2020, pelo valor de € 17.654,39 - sendo € 15.585,36, o valor da rescisão e de € 1.929,58, o valor de “débitos vencidos em cobrança” – que a D pagou à locadora financeira.
x) Relativamente ao veículo …-UC-…, a insolvente havia celebrado um contrato de locação financeira com o Banco, S.A., pelo preço de aquisição de € 37.847,04 e valor residual fixado em € 7 569, 40 (mais IVA), em Janeiro de 2018, para vigorar até Janeiro de 2022, que rescindiu antecipadamente, em 05-05-2020, pelo valor de € 27.216,39 - sendo € 21.742,15, o valor da rescisão com venda e de € 385,00 o valor de “montagem de rescisões” – que MFL pagou à locadora financeira.
y) Relativamente ao veículo …-XM-…, a insolvente havia celebrado um contrato de locação financeira com o Banco, S.A., pelo preço de aquisição de € 19.319,93 e valor residual fixado em € 1.931,99 (mais IVA), em Abril de 2019, para vigorar até Abril de 2023, que rescindiu antecipadamente, em 22-01-2020, pelo valor de € 19.316,23 - sendo € 15.319,25, o valor da rescisão com venda e de € 385,00, o valor de “montagem de rescisões” – que a insolvente pagou à locadora financeira, tendo vendido à DFL, Lda., em 31-12-2019, pelo preço de € 20.910,00.
z) Relativamente ao veículo …-QM-…, a insolvente vendeu à DFL, Lda., em 30-06-2020, pelo preço de € 7500, 00.
aa) Relativamente ao veículo …-VF-…, a insolvente havia celebrado um contrato de locação financeira com o Banco B, S.A., pelo preço de aquisição de € 94.552,85 (mais IVA) e valor residual fixado em € 1.891,06 (mais IVA), em 03-08-2018, para vigorar até 15-08-2023, que rescindiu antecipadamente, em 08-01-2020, pelo valor de € 68.845,38 – que a insolvente pagou à locadora financeira, tendo vendido à X, em Dezembro de 2019, pelo preço de € 70.000,00, que pagou.
bb) O veículo …-SD-… foi adquirido à insolvente, por DL, pelo preço de € 5.000,00, que pagou, em Julho de 2019, e que vendeu, pelo mesmo preço, a BVL.
cc) O veículo …-QT-… foi adquirido à insolvente, por DL, pelo preço de € 15.000,00, que pagou, em Julho de 2019, e que vendeu, pelo mesmo preço, a SFL.
dd) A X, Lda. é uma sociedade comercial por quotas que foi constituída, como sociedade anónima, em 19-05-1994, sendo a Requerida MJL sua gerente, desde a data da constituição e seus sócios as filhas MFL e SFL, embora o Requerido DFL tenha sido sócio até 11-07-2019.
ee) A D, Lda. é uma sociedade comercial por quotas que foi constituída, em 22-12-2005, sendo o seu gerente DL desde 17-07-2020, data da cessação de funções, como gerentes, dos Requeridos MJL e DFL, nomeados como tal desde 22-01-2013, tendo como sócios a F – SGPS, S.A. (maioritária) e JRS.
ff) A DFL, Lda. é uma sociedade comercial por quotas, que foi constituída em 16-07-2019, pelos Requeridos DFL e MJL, sendo sua única sócia a X, Lda. e o Requerido DFL seu gerente, com o objecto social “Importação, exportação, comércio, distribuição, representação de grande variedade de produtos, nomeadamente, de produtos alimentares, bebidas, artigos para o lar, produtos de limpeza, higiene, mobiliário, vestuário. Atividades de consultoria para os negócios e a gestão. Comércio e indústria de carnes frescas e congeladas e transformadas em todas as suas formas de apresentação, seus derivados e produtos afins. Locação de espaços, bem como prestação de quaisquer serviços conexos.”
gg) A DFL, Lda foi constituída com sede social na morada da sede da insolvente, onde permaneceu desde 16-07-2019 e até 21-07-2021.
xx) Assim, celebrou, em 16-12-2019, com a DFL, Lda., um “contrato promessa de cessão temporária de área de negócio”, pelo período de 10 anos, pelo qual a primeira prometeu ceder à segunda a área de negócio de importação de carnes da América do Sul, em particular, do Brasil, Uruguai e Argentina, carnes estas que, depois, a insolvente revendia no mercado nacional, pelo preço global de € 180.000,00.
yy) A DFL, Lda garantiu a continuidade desta área de negócio, estabelecendo a sua sede na morada da sede da insolvente e com o mesmo objecto social, actividade que estaria votada à inexistência se permanecesse na insolvente.
zz) Em Agosto/Outubro de 2019, a insolvente vendeu à DFL, Lda parte do respectivo stock, pelo preço de € 162.965,16, equipamento informático, pelo preço de € 21.832,50; e a quota GATT, pelo preço de € 42.859,00, tendo a DFL, Lda pago à insolvente o total de € 425.000,00, em 18-12-2019.
aaa) A referida quantia foi paga à Caixa … por conta de créditos vencidos.
bbb) Em 25-08-2020, a insolvente vendeu a fracção autónoma “A”, descrito na CRP de Lisboa sob o n.º … pelo preço de € 180.000,00.
ccc) O produto da venda foi utilizado na amortização da dívida contraída para a sua aquisição, junto da Caixa … com cancelamento da inscrição da hipoteca.
iii) Na sequência do negócio referido em xx), DFL passou a canalizar para a sociedade que constituiu, a DFL, Lda, os clientes e as vendas da insolvente na área de negócio de importação de carnes da América do Sul.
No tocante à alínea a) do nº2 do art.º 186º do CIRE, o património, enquanto “conjunto de relações jurídicas com valor económico, isto é, avaliável em dinheiro de que é sujeito activo e passivo uma dada pessoa” – é um fundo real de bens e direitos, efectivo, concreto e continuamente variável na sua composição e montante[25].
Pode ser encarado por três perspetivas[26]:
- como património global, abrangendo todos os direitos e obrigações suscetíveis de avaliação pecuniária de que se é titular num determinado momento;
- como património ilíquido ou bruto, enquanto engloba os elementos do ativo do devedor (bens e direitos), sem ter em conta o passivo; e
- como património líquido, que consiste no valor do ativo depois de descontado o passivo.
No caso concreto, e nomeadamente pelo confronto entre as alíneas a) e b) do nº2 do art.º 186º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, resulta claro que a noção de património que a lei adota para este efeito é a de património ilíquido ou bruto, ou seja, o ativo do devedor sem que se tenha em conta o passivo, esse, objeto de atenção legislativa na alínea b) do mesmo preceito.
Mesmo a descrição das ações típicas inculca que falamos de bens e direitos, de ativos, que, esses sim, concretamente, podem ser destruídos, danificados, inutilizados, ocultados ou feitos desaparecer, condutas cuja caracterização surge impossível se adotarmos qualquer das demais noções de património, que se traduzem em cifras e não em bens ou direitos concretos.
No tocante à alínea d) do mesmo preceito, mantenhamos presente que disposição é “a forma de exercício de um direito que tem como consequência a sua perda, total ou parcial, absoluta ou relativa”[27] e que ato de disposição “é um ato que implica a alienação de direitos de um património, ou a sua oneração, tendo como efeito a diminuição deste ou a alteração da sua composição, no que respeita aos seus elementos estáveis.”[28]. Exige-se ainda o preenchimento da noção de proveito pessoal ou de terceiros.
Diremos ainda, que a lei não exige qualquer elemento subjetivo adicional (intenção de prejudicar credores), para o preenchimento do tipo do art.º 186º do CIRE.
O preenchimento da factualidade prevista em cada uma das alíneas do nº2 do art.º 186º leva, como já referimos, à presunção inilidível de culpa e de nexo de causalidade em relação à causa ou agravamento da insolvência.
Não há que aferir do preenchimento do nº 1 do art.º 186º do CIRE em relação a cada um dos elementos das várias alíneas do nº 2 do mesmo preceito. O prejuízo da devedora não está previsto na al. d) do nº 2 do art.º 186º e não é porque apenas o prejuízo será suscetível de causar ou agravar a insolvência que deve ser aditado extra legem. O preenchimento das alíneas do nº2 do art.º 186º leva ao preenchimento, de forma inilidível, do nº1 do mesmo preceito, sempre e no tocante aos administradores de direito e de facto, e a lei não exige a inversão do raciocínio, ou seja, não impõe que, para prova da causalidade ou agravamento da insolvência, os atos de disposição previstos na al. d) tenham que ter gerado, não apenas benefício dos administradores ou de terceiro, como prejuízo para a insolvente.
Terminada esta caraterização geral, há que proceder à distinção entre as condutas previstas nas als. a) e d) do art.º 186º do CIRE, a fim de se aferir se ambas e cada uma delas se encontram preenchidas.
A distinção entre as condutas previstas nas alíneas a) e d) do nº2 art.º 186º é-nos exemplarmente explicada pelo Ac. TRL de 13/09/2024 (Amélia Sofia Rebelo – 17285/21). Ali se decidiu, numa situação em que havia ocorrido a transmissão do estabelecimento da insolvente e seu consequente esvaziamento, que não se verificava a situação prevista na al. a) do nº2 do art.º 186º do CIRE, mas sim, e apenas a situação prevista na al. d) do mesmo preceito, distinguindo-se, para o efeito:
“a diminuição patrimonial especificamente prevista na al. a) distingue-se da diminuição patrimonial implícita à previsão da al. d) porque, diversamente do que aqui sucede, aquela pressupõe ou reporta a uma ação física sobre os bens[34], no sentido de diminuir o seu valor comercial (destruição ou danificação), de os tornar imprestáveis ou inoperacionais para o fim a que tendem (inutilizado), ou através da não revelação do seu paradeiro ou da sua colocação em paradeiro desconhecido ou local geográfica ou espacialmente inacessível à sua apreensão, de os subtrair à possibilidade de serem localizados e/ou fisicamente apreendidos e ingressarem na disponibilidade fáctica do AI e, assim, do processo de insolvência e da liquidação que nele se cumpra. Em suma, atos por princípio não documentados e/ou dificilmente reconstituíveis pelos credores (ou pelo AI em sua representação) e que tornam impossível ou dificultam a reconstituição/recuperação desses bens para os credores do devedor.”
Também no Ac. TRL de 04/06/24 (Manuela Espadaneira Lopes – 1207/20) se esclareceu que: “Para o efeito da alínea d) do nº 2 deste preceito legal, tem-se entendido que os comportamentos ali previstos tanto são aqueles que têm por efeito a saída dos bens do património do devedor – por exemplo venda ou a doação dos bens -, como os que, embora não implicando necessariamente a saída dos bens do património do devedor, retiram-lhe, no entanto, a disponibilidade, colocando-os na disponibilidade de outrem.”
E no Ac. TRL de 06/02/24 (Nuno Teixeira – 2098/21) enquadrou-se em ambas as alíneas a conduta de venda do único bem da sociedade, um veículo automóvel, nos termos da al. a) porque a transmissão não foi registada e nos termos da al. d) porque o preço recebido foi apropriado pelo administrador, não dando entrada na devedora sociedade.
O Ac. TRC de 17/03/20 (Emídio Santos – 2274/17) distinguiu com clareza as duas situações, ali se afirmando que “a transmissão não configura destruição, danificação ou inutilização do património do devedor. Com efeito, com a transmissão não se destruiu, não se danificou nem se inutilizaram os veículos automóveis da sociedade” e ainda que “a transmissão não é acção que tenha “feito desaparecer … o património do devedor”. Para efeitos da alínea a), a expressão “feito desaparecer… o património do devedor” compreende as acções que fazem sair bens do património do devedor de forma tal que o destino deles não seja conhecido”. E refere-se, finalmente, que “a venda não se ajusta ao conceito de ocultação. No nosso entender, a ocultação que é tida em vista tanto compreende a ocultação física de bens do devedor, como a ocultação jurídica.” sabendo-se do paradeiro dos bens não há ocultação física e sendo a transmissão rastreável, não há ocultação jurídica – como sucederia, num exemplo dado pelo aresto citado, em caso de simulação[29].
O devido enquadramento e interpretação a dar aos conceitos de disposição de bens e proveito pessoal de terceiro para os efeitos da alínea d), ficaram caraterizados no Ac. TRL de 02/10/2023 (Amélia Sofia Rebelo – 1941/13):  “Como é por demais consabido, o processo de insolvência liquidatário traduz-se em processo de execução universal e concursal, que tem como finalidade primeira a satisfação dos interesses patrimoniais dos credores através da liquidação do património para afetação do respetivo produto na satisfação dos direitos dos credores. Execução universal porque, conforme definição de massa insolvente que consta do art.º 46º do CIRE, com exceção dos bens isentos de penhora, abrange todo o património do devedor à data da declaração da insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo. Concursal porque, conforme arts. 90º, 128º e 146º do CIRE, visando a liquidação do passivo global do devedor, procede-se para o efeito à citação de todos os credores do devedor para concorrerem ao produto que resulte da liquidação dos bens que integram o património do devedor, na medida das forças deste e em função da hierarquia/graduação dos créditos de acordo com a respetiva natureza.
Para cumprimento daquele fim a declaração da insolvência do devedor determina a apreensão material de todos os bens que integram a massa insolvente, incluindo o produto da venda desses bens, ainda que arrestados, penhorados, apreendidos ou por qualquer outra forma detidos (cfr. arts. 46º, 149º, 150º, 81º, nº 1, 55º, nº 1 e 158º do CIRE). A preocupação do legislador em salvaguardar a garantia patrimonial dos credores e o cumprimento da universalidade da insolvência liquidatária vai ao ponto de dotar o AI do poder-dever de proceder à resolução extrajudicial de negócios para recuperação das atribuições patrimoniais que, nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência foram concedidas com prejuízo para o património do devedor e, assim, com prejuízo das garantias patrimoniais dos respetivos credores (cfr. arts. 120º e ss. do CIRE). Subjacente à tutela legal visada cumprir com os institutos da qualificação da insolvência e da resolução de atos de caráter patrimonial pelo AI (este com efeito directo sobre a massa insolvente) estão dois princípios estruturante do processo falimentar: a garantia patrimonial dos bens e direitos dos credores dada pelo património do devedor, e a satisfação igualitária dos direitos dos credores. É também em benefício da preservação desta garantia patrimonial e da melhor e mais rápida satisfação dos direitos dos credores que o legislador previu a obrigação específica de o devedor se apresentar à insolvência nos 30 dias seguintes à data do seu conhecimento, presumindo-o de forma inilidível decorridos três meses sobre o incumprimento generalizado de créditos fiscais, contribuições sociais, créditos laborais, ou rendas de qualquer tipo de locação (cfr. arts. 18º e 20º, al. g) do CIRE), impondo o cumprimento da liquidação/venda dos bens do insolvente no âmbito do processo de insolvência para controlo da legalidade do mesmo e da afetação legal devida do produto que dela resulte.
No contexto destes princípios e finalidade, a qualificativa prevista pela al. d), tal como as previstas pelas als. e), f) e g), assumem uma função de pré-proteção dos credores do devedor em situação de insolvência atual ou iminente, sancionando condutas suscetíveis de em abstrato lesar o património e prejudicar a solvabilidade do devedor, independentemente da verificação do perigo concreto de conduzirem a essa situação. Exige ‘apenas’ que de qualquer um dos atos ali previstos resulte benefício para o administrador que o praticou ou para terceiro especialmente relacionado com o devedor nos termos taxativamente previstos pelo art.º 49º, enquanto manifestação sintomática da violação do específico dever de fidelidade a que o administrador está vinculado na gestão do património que lhe está confiado e, assim, daquele perigo (abstrato) de lesão do património e da solvabilidade do respetivo titular. É por referência a estes princípios – da garantia patrimonial e de tratamento igualitário dos credores sociais - que se impõe entender o alcance dos elementos normativos ‘disposto de bens’ e ‘proveito pessoal ou de terceiros’ que integram o facto qualificador da insolvência previsto pela al. d).”
No caso concreto podemos, sem qualquer hesitação apontar como causa da insolvência o falhanço da área de negócio de Angola e a condenação judicial subsequente, nos termos que resultam das als. mm) a tt) da matéria de facto provada.
Mas a disposição da área de negócio sobrante, incluindo os bens e trabalhadores – de importação de carnes da América do Sul – mediante a sua alienação à DLC, Lda, claramente agravou a situação de insolvência porque com essa série de transmissões se procedeu ao esvaziamento da atividade da insolvente e se anulou a sua capacidade de gerar liquidez para pagar aos seus credores.
Foram transações assumidas e formalizadas – vendas de veículos devidamente documentadas, venda de bens e contrato promessa de cessão, sem qualquer rasto de destruição, inutilização ou ocultação.
Seguindo as diretrizes jurisprudenciais acima enunciadas e que se subscrevem, não podemos, com este tipo de condutas considerar preenchida a previsão da al. a) do nº2 do art.º 186º do CIRE. Nada foi destruído, subtraído, escondido, dificultada a averiguação do respetivo paradeiro ou destino. Os bens e direitos foram vendidos, as viaturas por forma a que o Sr. Administrador da Insolvência, desde logo se inteirou das mesmas mediante as pesquisas habituais e a transferência da área de negócio de uma empresa para outra foi titulada mediante a venda de alguns bens (parte do stock, equipamento informático, a quota GATT, dois veículos automóveis e o próprio estabelecimento mediante a cessão da área de negócio).
O que verdadeiramente ocorreu foi uma disposição de bens e direitos da insolvente.
Não temos apurada a venda por preço abaixo do preço de mercado, nem que os preços não tenham sido recebidos.
Apenas em relação aos veículos vendidos à DFL, Lda, que esta alegou, sem lograr provar, que foram pagos mediante encontro de contas em conta corrente, não se apurou ter sido recebido o preço.
Foi também vendido um imóvel – factos bbb) e ccc) – não se tendo apurado que o tenha sido a qualquer das pessoas e sociedades próximas, cujo produto da venda igualmente se apurou ter sido utlizado para amortizar a dívida contraída para a sua aquisição junto da Caixa ….
O que implica que não temos provado o proveito pessoal, nem dos propostos afetados, nem dos adquirentes dos bens e direitos. Importa aqui esclarecer que o facto de haver relações próximas entre as partes nos negócios – cfr. factos constantes das alíneas b) a e) e dd) a gg) – torna as transmissões suspeitas, dignas de averiguação, mas não as transforma, sem mais em atos de disposição previstos na al d) do nº 2 do art.º 186º do CIRE.
O que, no caso concreto, completa a subsunção dos factos provados à alínea d) do nº 2 do art.º 186º é o destino dado ao produto das vendas. A insolvente recebeu € 425.000,00 e optou por escolher a que credores, no caso, a que credor, ia pagar, como apurado na al. aaa) da matéria de facto provada.
No caso do produto da venda do imóvel sabemos[30] que foi usado para pagar o crédito hipotecário que incidia sobre o mesmo. O que significa que o produto da venda do bem foi usado para pagar a quem, ainda que em cenário de liquidação do ativo em insolvência, seria o primeiro a receber.
No caso dos € 425.000,00, que veio a ser o preço global dos stocks, do equipamento informático e da quota GATT, não temos qualquer vestígio de prova de que o credor beneficiado com o pagamento tivesse prioridade de pagamento em relação aos credores que ficaram por pagar, os credores constantes da al. k) da matéria de facto provada.
O que significa que, em resultado desta transação, houve um credor beneficiado em relação aos demais, uma “escolha” por parte dos administradores do devedor do credor a quem pagar, em flagrante violação da garantia patrimonial e do devido tratamento igualitário dos credores sociais que deve nortear os administradores do devedor na insolvência.
A subsunção à alínea d) do nº 2 do art.º 186º do CIRE da situação em que o devedor aliena o seu património e/ou o seu estabelecimento e utiliza a liquidez obtida para pagar a alguns credores em detrimento de outros, foi já decidido pelos Acs. TRL de 20/02/24 (Manuela Espadaneira Lopes – 13811/22), TRL de 02/10/23 (Amélia Sofia Rebelo – 1941/13), TRL de 04/07/23 (Renata Linhares de Castro – 2556/18) e TRL de 06/06/22 (Amélia Sofia Rebelo – 643/13).
Trata-se, como se escreveu naquele Ac. TRL de 06/06/22, já citado da “prática de favorecimento a credor em detrimento de todos os demais credores que, assim, ficaram afastados da possibilidade de, através do devido rateio, concorrerem ao produto” da venda do bem ou bens.
Apenas quando muito claramente o credor “escolhido” não seja beneficiado com o pagamento – como no caso tratado pelo Ac. TRL de 04/07/23, em que o produto da venda de imóvel foi utilizado para ressarcir o crédito hipotecário que recaía sobre o bem em causa, o qual teria sempre prioridade no pagamento – é que esta atividade do devedor de selecionar a quem paga não será censurável à luz da violação do princípio da igualdade dos credores e da al. d) do nº2 do art.º 186º do CIRE.
Nas palavras de Marisa Vaz Cunha[31] “[N]os casos em que existe uma frustração do princípio da igualdade entre os credores, estão em causa as situações em que o devedor satisfaz antecipadamente um crédito de um determinado credor, na sua totalidade, em prejuízo dos restantes. (…) sendo satisfeito, em primeiro lugar em sem qualquer critério, um credor que, em circunstâncias normais, receberia o mesmo e na mesma altura que os restantes.”
Temos noção de que estamos a integrar na noção de proveito pessoal de terceiros proveitos que não resultam dos próprios atos de disposição, mas sim da afetação do respetivo produto, que se dá num segundo momento, por via indireta. Mas cremos que se trata, nos termos do enquadramento dado no Ac. TRL de 02/10/23, já bastamente citado de uma possibilidade não arredada pela lei, nomeadamente quanto os atos de disposição são de molde a, como no caso concreto, esvaziar a atividade da insolvente. Não se tratavam aqui de atos de gestão orientados para a redução de custos por forma a permitir o prosseguimento da atividade e assim gerar alguma liquidez para o pagamento a outros credores (independentemente do sucesso da estratégia). Tratou-se de obter liquidez pela alienação de todo o negócio da sociedade e com essa liquidez optar por pagar a determinados credores, sabendo estar assim a negar aos demais praticamente qualquer hipótese de satisfação, sequer parcial, dos seus créditos.
 No fundo trata-se de situação em que a transmissão dos bens pela devedora os subtrai à possibilidade de através deles se obter a satisfação dos seus créditos a determinados credores, em proveito de outros (que, por regra, sendo também credores se limitam a receber o que já lhes é devido, não lhes sendo exigível que verifiquem o cumprimento do princípio da igualdade entre credores), numa situação extrema em que esses atos de disposição impossibilitam, com toda a probabilidade, a satisfação dos credores não escolhidos.
Nem sempre a atividade do devedor e dos seus administradores de proceder a liquidação extrajudicial e ao pagamento de credores, até mesmo de alguns credores, antes de ser declarado insolvente cairá na alçada desta previsão normativa. Mas não temos qualquer dúvida que assim é quando os atos de disposição em causa são de molde a impossibilitar o ressarcimento, sequer parcial dos demais credores. Basta ver o que sobrou – cfr. al. l) da matéria de facto provada para compreender que a ser vendável, será, com toda a probabilidade, consumido pelas dívidas da massa insolvente, nada restando para satisfazer os créditos reconhecidos de € 2.997.409,44.
Resta acrescentar a total irrelevância dos factos constantes da al. kkk) por dois motivos: os pagamentos só parcialmente foram efetuados por um dos propostos afetados e foram feitos depois da declaração de insolvência e fora do período relevante.
Nestes termos podemos concluir pelo não preenchimento da al a) do nº2 do art.º 186º do CIRE e, embora por razões de facto substancialmente diversas (mas contidas na matéria de facto provada), coincidimos na conclusão de que as condutas apuradas nos autos se subsumem parcialmente à previsão da al. d) do mesmo preceito.
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Os recorrentes insurgem-se, seguidamente, quanto à condenação no pagamento de indemnização aos credores, começando, porém, por pôr em causa a imputação dos factos apurados ao proposto afetado DFL, o que intelectualmente se situa um passo atrás, na determinação de quais os afetados pela qualificação desta insolvência como culposa.
Neste ponto foi a seguinte a fundamentação da decisão recorrida:
 “Qualificar-se-á a insolvência da requerida como culposa, nos termos dos arts. 185.º e 186º, n.º 2, als. a), e d), do CIRE, afectando os Requeridos MJL e DFL.
A imputação subjectiva e objectiva da factualidade subsumível à previsão normativa enunciada ao Requerido DFL emerge da circunstância de, no período relevante, ser ainda gerente da insolvente e da factualidade demonstrada sob ggg) a jjj): O Requerido DFL era a única pessoa na insolvente que conhecia e dominava os mecanismos de importação de carne e detinha a relação pessoal e comercial, seja com os exportadores, seja com os operadores nacionais onde a carne importada era revendida; O Requerido DFL apesar de saber que o bem imóvel, os recursos financeiros provindos dos créditos sobre os clientes da insolvente e as viaturas pertenciam à insolvente, concebeu o plano de utilizar a sua posição dentro da aludida sociedade para, através desse exercício de funções, apossar-se dos bens e dos recursos financeiros da insolvente em seu próprio benefício e da sociedade DFL, Lda que representa, na qualidade de gerente enquanto sócio das mesmas, ou em que tinha interesses comerciais; De acordo com esse plano o Requerido DFL passou a canalizar para a sociedade que constituiu, a DFL, Lda, os clientes e as vendas da insolvente; De acordo com o plano por si engendrado em concertação com a Requerida MJL tornou impossível a cobrança do crédito da ora interessada/credora e dos demais credores.”
Os recorrentes apontam ao tribunal erro de silogismo por ter punido uma atuação que salvaguardou postos de trabalho e reflexamente teve como consequência a inexistência de créditos laborais. Alegam que a atuação dos dois propostos afetados é distinta e que, em relação aos veículos automóveis apenas se imputa a DFL o conhecimento dos atos – não sendo o mesmo, à data, gerente da insolvente. Quanto à venda da área de negócio e bens e direitos afetos à mesma (stock, equipamento informático, quota GATT), nenhum facto permite concluir pelo benefício próprio de qualquer dos dois propostos afetados.
Apreciando, começará por se recordar alguns dados temporais apurados:
- MJL é gerente da insolvente desde a sua constituição – al. d) dos factos provados;
- DFL foi gerente da insolvente até 04/11/19 – al. e) da matéria de facto provada;
- DFL foi sócio da insolvente até 08/09/20 – factos constantes da alínea c);
- o período relevante estende-se entre 29/09/18 e 07/10/21 – als. i) e j);
- a sociedade que adquiriu a área de negócio da importação de carnes, a DFL, Lda, foi constituída em 16/07/19, tem como sócia única uma sociedade cuja gerente é a MJL (X, Lda) e o gerente é o proposto afetado DFL – als. dd) e ff);
- a venda dos stocks, equipamento informático e quota GATT ocorreu entre agosto e outubro de 2019 – al. zz);
- a celebração do contrato promessa de cessão da área de negócio deu-se em16/12/19 – al. xx);
- o recebimento do preço pelas vendas e pelo contrato ocorreu em 18/12/19 – al. zz);
- o preço recebido foi usado no pagamento de créditos vencidos da Caixa … – al. aaa) da matéria de facto provada[32];
- a insolvente vendeu ainda à DFL, Lda.  dois veículos, em 31/12/19 (Peugeot …-XM-… por € 20.910,00) e em 30/06/20 (Smart …-QM por € 7.500,00), cujo preço não se apurou ter sido recebido – als. s), y), u) e z)[33] da matéria de facto provada e nºs 2 e 3 da matéria de facto não provada.
Desta sequência temporal retira-se que todas as vendas da insolvente à DFL, Lda se deram enquanto o proposto DFL era sócio da insolvente e gerente da DFL, Lda. As vendas do stock, equipamento informático e quota GATT deram-se enquanto era gerente de ambas as sociedades.
Mas no tocante a esta causa de agravamento da situação de insolvência da devedora já acima concluímos que o que completa e concretiza a qualificativa prevista na al. d) do nº2 do art.º 186º, a única aqui em causa, é o destino dado ao preço recebido, decisão[34] que foi tomada pela insolvente quando o proposto afetado DFL já não era seu gerente, mas apenas seu sócio.
O que significa que não podemos atribuir ao proposto afetado DFL esta decisão e, logo, não o podemos considerar como tendo praticado o ato em causa – porque ao tempo, como mero sócio, não a podia tomar.
Na falta de alegação de quaisquer outros factos que permitissem imputar esta decisão ao proposto afetado DFL, nomeadamente na qualidade de administrador de facto, temos que afastar a afetação deste quanto a este núcleo de factos, porque materialmente, ele não praticou nem podia ter praticado o ato que leva à subsunção completa à norma.
Restam os veículos automóveis e a possibilidade de afetar o proposto afetado DFL não enquanto gerente/administrador da insolvente, mas enquanto terceiro beneficiado pela disposição de bens da sociedade.
Repetindo a análise acima efetuada, a venda dos veículos automóveis não danificou destruiu, inutilizou, ocultou ou fez desaparecer os mesmos. Trataram-se de atos de disposição, vendas, tracejáveis e tracejadas que possibilitaram a atuação por parte do administrador da insolvência.
Não se tratam, assim, de factos subsumíveis à al. a) do nº 2 do art.º 186º do CIRE, mas sim ao disposto na al. d) do mesmo preceito, desde que apurados factos subsumíveis à totalidade da sua previsão.
Neste ponto, a não prova do recebimento do preço, embora indicie prejuízo para a insolvente (que, como vimos não é elemento da circunstância qualificadora) não demonstra benefício para o terceiro, a sociedade adquirente, a DFL, Lda.
E assim sendo, escusamo-nos de avançar na análise das relações entre esta pessoa coletiva, o proposto DFL, a insolvente e a proposta MJL, dado que não logramos o preenchimento da previsão desta alínea d) do nº2 do art.º 186º do CIRE mediante a matéria de facto apurada nos autos.
Assim, em sede de imputação subjetiva, apenas MJL pode ser afetada pela qualificação desta insolvência como culposa, nesta parte procedendo parcialmente os argumentos a recurso.
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4.4. Consequências da afetação pela qualificação da insolvência como culposa
4.4.1. Responsabilidade civil
A sentença recorrida condenou ambos os afetados “a indemnizarem os credores da sociedade devedora declarada insolvente, mediante montante a liquidar em incidente de liquidação, execução de sentença, nos termos do n.º 4 do art.º 189.º do CIRE, até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos e considerando as forças dos respectivos patrimónios.”
Não aduziu expressamente senão a fundamentação conjunta referida no ponto 4.1. deste acórdão, assim aderindo a uma das posições discutidas na jurisprudência e na doutrina no tocante à fixação de indemnização, a de que a condenação tem como medida o valor do passivo a descoberto.
Os recorrentes discordam, defendendo que a responsabilização civil dos afetados pela qualificação exige a verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil, não se tratando de responsabilidade objetiva.
Defendem ainda, e indicando aderir à posição de Catarina Serra, que a função do passivo não satisfeito passou a ser meramente limitativa, perdendo esta forma de responsabilidade quase toda a sua dimensão punitiva e havendo sempre que apurar o dano diferencial, discriminando-se entre as condutas causadoras – que se aproximarão do montante dos créditos insatisfeitos – e as condutas agravadoras, que ficarão sempre abaixo destes.
Apontam ainda o apelo aos princípios da proporcionalidade e neste de proibição do excesso como proibindo a condenação automática dos afetados pelo montante dos créditos não satisfeitos, citando jurisprudência.
Entendem estar provado que da atuação dos requeridos resultou uma redução dos créditos existentes e dos que se viriam a vencer com a declaração de insolvência, nomeadamente os créditos dos trabalhadores, transferidos para a DFL.
A primeira questão suscitada prende-se com os pressupostos da responsabilidade civil prevista no art.º 189º nº 2, al. e) e nº 4 do CIRE, que os recorrentes defendem serem integralmente autónomos dos pressupostos da qualificação da insolvência como culposa.
Não é, rigorosamente, assim. Como ensina Maria do Rosário Epifânio[35] “A obrigação de indemnizar deve constar obrigatoriamente da sentença que qualifica a insolvência como culposa, não competindo ao juiz qualquer apreciação sobre os pressupostos da responsabilidade civil, mas apenas dos pressupostos da insolvência culposa. Por isso, será que este efeito da qualificação da insolvência como culposa é enquadrável na responsabilidade insolvencial extracontratual subjectiva. Os factos constitutivos da responsabilidade extracontratual (art.º 483.º) estarão aqui preenchidos? Facto voluntário (é o facto que serviu de fundamento à qualificação da insolvência como culposa); a culpa (art.º 186.º, nº1, faz depender a qualificação da insolvência como culposa, expressamente, do dolo ou da culpa grave; a culpa presume-se nos nºs 2 e 3); dano (não satisfação dos créditos no processo de insolvência), nexo de causalidade entre o facto e o dano (criação ou agravamento da situação de insolvência em consequência da atuação – art.º 186.º, nº1, presumido no nº2); ilicitude (os factos que agravam ou criam a situação de insolvência são ilícitos porque violam disposições legais destinadas a proteger interesses alheios, nos termos do art.º 483.º, nº1 do CCivil?)”.
Com a exceção do montante do dano e consequências daí extraíveis – que como refere Catarina Serra[36] depois da alteração legislativa da Lei nº 9/2022 “já não é possível fazer prevalecer o critério do montante dos créditos não satisfeitos” – o facto de estarmos ante responsabilidade aquiliana não altera este panorama: no caso o facto voluntário é a conduta apreciada para os efeitos do art.º 186º, a culpa, sempre a título de dolo ou culpa grave, presume-se, o que aliás leva Catarina Serra[37] a apontar ser o grau de culpa um fator sem grande utilidade na fixação da medida da indemnização, o dano são as consequências no grau de satisfação dos credores das condutas apuradas, tendo por limite máximo o passivo a descoberto, havendo aqui que encontrar o nexo entre o facto e esse dano nos termos defendidos por Catarina Serra[38] (causalidade preenchedora), dado que o nexo presumido entre a conduta e a causalidade ou agravamento não funciona como nexo de causalidade para este efeito e a ilicitude por violação de regras destinadas a proteger interesses alheios (as regras dos nºs 2 e 3 do art.º 186º do CIRE).
No caso concreto, e apenas em relação a MJL, temos claramente preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil nos termos já caraterizados: violou a regra do nº 2, al. d) do art.º 186º do CIRE, nos termos já explicitados em 4.3. deste acórdão. O pagamento a determinado credor e não a outros a quem devia créditos vencidos (cfr. al. k) da matéria de facto provada) é um facto voluntário. A culpa presume-se, nos termos do nº2 do art.º 186º do CIRE. A conduta analisada é de agravamento da situação de insolvência, como também já concluímos, pelo que os danos causados pela sua conduta se analisam no produto das vendas que não foi destinado ao universo geral dos credores, ou seja € 425.000,00 (nexo da responsabilidade civil ou responsabilidade preenchedora). A norma violada (proibição de disposição de bens da devedora em proveito pessoal ou de terceiros é uma norma de proteção de interesses alheios.
Passemos à fixação do montante da indemnização.
Sinteticamente, a redação dada pela Lei nº 16/2012 ao art.º 189º do CIRE, introduzindo a responsabilidade civil nas consequências da qualificação da insolvência como culposa gerou duas correntes, doutrinárias e jurisprudenciais: uma valorando a vertente punitiva da responsabilidade e defendendo que o montante indemnizatório deveria corresponder, automaticamente ao montante dos créditos não satisfeitos, admitindo excecionalmente a ponderação do grau de culpa, e a outra defendendo a ponderação de determinadas circunstâncias como o grau de culpa, a gravidade do ilícito e o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, mediante a invocação do princípio da proporcionalidade.
A segunda tese, denominada corretiva[39], tornou-se rapidamente maioritária na jurisprudência[40], em especial após o Tribunal Constitucional se ter pronunciado no acórdão n.º 280/2015, de 20/05/2015, no qual se decidiu que, tendo em consideração o princípio constitucional da proporcionalidade e da proibição do excesso, na determinação do “quantum indemnizatório”, o tribunal deve atender ao “grau de ilicitude e culpa manifestado nos factos determinantes dessa qualificação legal”.
É também a tese que sufragamos, seguindo a lição do Ac. TRL de 27/04/21 (Isabel Fonseca – 540/19)[41] de que “Em suma, diremos que o regime legal plasmado no art.º 189.º, quanto à indemnização devida aos credores da insolvência, deve ser interpretado, com base numa leitura integrada do texto vertido no seu número 2, alínea e) e número 4 e a exigência de uma leitura conforme ao princípio da proporcionalidade, no sentido de que a indemnização devida pela entidade afetada pela qualificação deverá, em princípio e tendencialmente, corresponder à diferença entre o valor global do passivo e o que o ativo que compõe a massa insolvente logrou cobrir, salvaguardando-se, no entanto, que esse valor possa ser fixado em montante inferior sempre que o comportamento da pessoa afetada pela qualificação justifique essa diferenciação, mormente por ser diminuta a medida da sua contribuição para a verificação dos danos patrimoniais em causa, assim mitigando o recurso àquele critério exclusivamente aritmético e que, por isso, em determinadas circunstâncias, pode ser redutor.”
Trata-se de tema essencialmente pacificado no panorama jurisprudencial atual como resulta da jurisprudência recente do Supremo Tribunal de Justiça:
Assim, no acórdão de 12/12/2023 (Olinda Garcia – 3146/20) decidiu-se que:
“O art.189º, n.2, alínea e) do CIRE, conjugado com o n.4 deste artigo, não prevê uma responsabilização automática dos sujeitos afetados pela qualificação da insolvência culposa determinante do pagamento da totalidade dos créditos reconhecidos para serem pagos pela (insuficiente) massa insolvente. Tal norma não estabelece uma responsabilidade contratual sucedânea desses sujeitos pelas dívidas da insolvente. Trata-se, antes, de uma responsabilidade extracontratual, a apurar na medida da verificação dos respetivos pressupostos gerais, cujo montante tem como limite máximo o valor dos créditos graduados.”
Já no Ac. STJ de 16/11/2023 (Ana Resende – 1937/21), tal orientação havia sido acolhida bem como a diferenciação entre a responsabilidade gerada pela qualificação da insolvência como culposa e outros tipos de responsabilidade.
“IV- Basta que a insolvência tinha sido qualificada como culposa para nascer a obrigação de indemnizar, sem que se tenha de se fazer apelo a qualquer outra fonte, não se confundindo com outras ações indemnizatórias, que possam ser interpostas, com fundamentos diversos.
V- Sem prejuízo do preceituado no n.º 4, do art.º 189, do CIRE, vigente para o caso sob análise, ainda assim, pode-se entender, no acolhimentos dos melhores princípios hermenêuticos, que o Juiz não estará apenas adstrito à reposição mencionada no n.º 2, da mesma disposição legal, mas sim considerar-se que será permitido ao julgador referenciar outros fatores, que não sejam apenas o recurso a simples operações de subtração do ativo ao passivo, mas também um apelo a quaisquer outras circunstâncias que na situação em concreto, relevaram em termos positivos ou negativos.”
Também no Ac. STJ de 02/11/2023 (Maria Olinda Garcia – 644/17) já se havia assumido tal posição:
“I - Tendo sido qualificada como culposa a insolvência da sociedade da qual o requerido era sócio gerente, e tendo este sido, consequentemente, condenado a indemnizar os credores da insolvente, a medida da sua responsabilização face aos credores não é necessariamente decalcada da posição debitória da insolvente, pois comporta também uma dimensão pessoal que lhe confere um carater sui generis dentro do vasto campo da responsabilidade civil.”
Como já referimos na caraterização dos pressupostos da responsabilidade civil, está em causa apenas uma conduta de agravamento da situação de insolvência, estando claramente determinado o prejuízo potencial para os credores não escolhidos para pagamento total ou parcial dos seus créditos: € 425.000,00.
Nos casos previstos nas alíneas do nº2 do art.º 186º do CIRE que se alicerçam na prática de atos de disposição de bens ou na sua ocultação, destruição ou inutilização, o nexo de causalidade entre o facto voluntário, ilícito e culposo e o dano sofrido pelos credores é relativamente simples de aferir. Como se refere no Ac. TRL de 13/09/24 (Amélia Sofia Rebelo – 17285/21)[42], “Concedendo que a afetação pela qualificação da insolvência contém em si mesma a demonstração e verificação da ilicitude do facto fundamento da qualificação, bem como do juízo de censurabilidade que pelo mesmo é passível de ser dirigido ao afetado, no caso o nexo de causalidade entre o ato de disposição de bens que fundamentou a qualificação da insolvência como culposa e o prejuízo sofrido pelos credores da insolvência resulta verificado na medida dos créditos que no âmbito da insolvência seriam pagos pelo valor daqueles bens.”
Nestes termos, procedem parcialmente as conclusões do recurso, fixando-se a medida da indemnização devida por MJL no montante dos créditos não satisfeitos até ao limite máximo de 425.000,00 e considerando as forças do respetivo património.
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4.4.2. Medida da inibição
Os recorrentes questionam ainda a medida da inibição para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, nos termos das alíneas b) e c) do nº2 do art.º 189º do CIRE, que a decisão recorrida fixou em 7 anos.
Atenta a conclusão acima atingida, de não afetação do requerido DFL, está apenas em causa a inibição da requerida MJL.
Alega, em síntese, que tem 59 anos de idade e dedicou os últimos 10 anos de trabalho a construir o modelo de negócio, que lhe assegura a sua única fonte de rendimentos, tendo trabalhado cerca de 30 anos sempre por conta de outrem e que só decidiu iniciar uma atividade por conta própria, quando se viu sem lugar no mercado de trabalho por ter atingido os 50 anos de idade. Refere que na impossibilidade de encontrar trabalho por conta de outrem por motivos da sua idade, e apesar da sua formação académica, se não puder exercer funções de gerência da sociedade que, entretanto, está a tentar retomar a sua atividade, ficará privado de quaisquer meios de subsistência.
Como é pacificamente apontado pela jurisprudência “na ponderação da duração do período de inibição deve levar-se em conta a gravidade da conduta da pessoa afectada com a qualificação culposa da insolvência, as repercussões do comportamento, o grau de culpa (actuação dolosa ou com culpa grave, sendo que no primeiro caso é relevante a natureza do dolo) e o contributo para a situação de insolvência (balizado entre um comportamento que determinou directamente a situação de insolvência e outro que apenas agravou a mesma)”. – Acs. STJ de 06/09/2022 (José Rainho – 291/18) e TRG de 19/01/2023 (José Alberto Moreira Dias – 2710/19) e de 31/01/2019 (Joaquim Boavida – 3478/16).
Também o número de circunstâncias qualificadoras preenchidas[43], as consequências do comportamento bem como, em determinados casos, o tempo decorrido[44] podem e devem ser atendidos.
No caso apurou-se a concorrência de outras causas para a situação de insolvência (o negócio de Angola e as consequências de condenação judicial sofrida na sequência do mesmo), sendo a conduta censurada causadora de agravamento da situação de insolvência.
A recorrente agiu com dolo e a sua conduta preencheu uma circunstância qualificadora.
A medida de inibição fixada situa-se logo abaixo do terço superior da medida abstratamente aplicável prevista nas alíneas b) e c) do nº2 do art.º 189º do CIRE (2 a 10 anos), que se tem por excessiva, tendo em conta que se tratou apenas de um agravamento e dado o montante do prejuízo potencial para os credores.
Entende-se, todo ponderado, alterar a medida da inibição prevista nas alíneas b) e c) do nº2 do art.º 189º do CIRE, fixando a mesma em 4 (quatro) anos.
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Procedem, assim, parcialmente as alegações dos recorrentes, com o seguinte resultado sintético:
- mantém-se a decisão de qualificar como culposa a insolvência de B... - Comércio Alimentar, Lda., …, com sede na Estrada …;
- revoga-se a decisão de declarar afetada pela referida qualificação DFL e revogam-se todas as demais consequentes dessa afetação, de inibição para administrar patrimónios de terceiros por um período de 7 (sete) anos; de inibição para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo período de 7 (sete) anos; de perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por DFL, condenando-o na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos; de condenação de DFL a indemnizar os credores da sociedade devedora declarada insolvente, mediante montante a liquidar em incidente de liquidação, execução de sentença, nos termos do n.º 4 do art.º 189.º do CIRE, até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos e considerando as forças do respetivo património;
- mantém-se a decisão de declarar afetada pela referida qualificação MJL;
- altera-se a medida da inibição de MJL para administrar patrimónios de terceiros por um período de sete anos para um período de quatro anos;
- altera-se a medida da inibição de MJL para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, por um período de sete anos para um período de quatro anos;
- mantém-se a decisão de determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por MJL, condenando-a na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos;
- altera-se a condenação de MJL a indemnizar os credores da devedora no montante dos créditos não satisfeitos até ao limite máximo de 425.000,00 e considerando as forças do respetivo património.
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As custas devidas na presente instância recursiva que, in casu se traduzem apenas nas custas de parte devidas, porquanto se mostra paga a taxa de justiça devida pelo impulso processual do recurso e este não envolveu diligências geradoras de despesas, são devidas pelos recorrentes na proporção de 70%, atento que o Ministério Público, também vencido, se encontra isento de custas, e que os recorrentes decaíram na sua principal pretensão, de qualificação da insolvência como fortuita – arts. 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do Código de Processo Civil[45].
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5. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência:
a) Revogam a sentença recorrida na parte em que declarou afetado pela qualificação da insolvência como culposa DFL;
b) Revogam todas as consequências dessa afetação:
a. a inibição de DFL para administrar patrimónios de terceiros por um período de 7 (sete) anos;
b. a inibição de DFL para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo período de 7 (sete) anos;
c. a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por DFL, e a condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos;
d. a condenação de DFL a indemnizar os credores da sociedade devedora declarada insolvente, mediante montante a liquidar em incidente de liquidação, execução de sentença, nos termos do n.º 4 do art.º 189.º do CIRE, até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos e considerando as forças do respetivo património;
c) Alteram para o período de 4 (quatro) anos, a inibição de MJL, para administrar patrimónios de terceiros;
d) Alteram para o período de 4 (quatro) anos, a inibição de MJL para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa;
e) Alteram a condenação de MJL a indemnizar os credores da devedora no montante dos créditos não satisfeitos até ao limite máximo de € 425.000,00 e considerando as forças do respetivo património;
f) No mais, mantêm a sentença proferida.
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Custas de parte na presente instância recursiva pelos recorrentes na proporção de 70%.
Registe e notifique.

Lisboa, 26 de novembro de 2024
Fátima Reis Silva
Manuela Espadaneira Lopes
Nuno Teixeira
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[1] Cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, junho de 2018, pg. 115.
[2] Não pode deixar de se apontar a incorreção da técnica usada pelos recorrentes, de espalhar, ao longo das alegações, imputações de falta de fundamentação, sem nunca aludir a arguição de nulidade ou referir sequer o art.º 615º do CPC, em especial quando, relativamente a todos os demais pontos a recurso, os individualizaram, sistematizaram e autonomizaram.
[3] Em Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra, 2007, pgs. 72 e 73.
[4] Todos disponíveis em www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem referência.
[5] Este último com exaustiva citação de doutrina e jurisprudência.
[6] É o caso da Sra. Professora Maria do Rosário Epifânio que continua a defender que o montante indemnizatório deverá ser igual ao passivo a descoberto e só excecionalmente inferior – em Manual de Direito da Insolvência, 8ª edição, Almedina, 2022, pgs. 172 e 173.
[7] Cfr. Abrantes Geraldes em Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, 2018, pgs. 169 e 170.
[8] Relatora Maria da Graça Trigo, disponível, como todos os demais citados sem referência, em www.dgsi.pt.
[9] Abrantes Geraldes, local já citado, pgs. 168 e 169 e jurisprudência ali citada.
[10] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa em Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª edição, Almedina, 2022, pg. 526.
[11] Disponível em www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem referência.
[12] Em Valor extraprocessual da prova penal na demanda cível. Algumas linhas gerais de solução, consultado em https://forumprocessual.weebly.com/uploads/2/8/8/7/2887461/valor_extraprocessual_rui_pinto.pdf.
[13] Trata-se de jurisprudência uniforme. Além dos arestos citados podemos apontar, no mesmo exato sentido, os Acs. STJ de 14/01/2021 (Manuel Capelo) e de 29/10/2020 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), entre outros.
[14] Neste exato sentido se pronunciam José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto em Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, 2001, pg. 417 e Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa em Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª edição, Almedina, 2022, pg. 538, Rui Pinto em Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, pg. 635 e José Alberto dos Reis em Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 4ª edição, Coimbra Editora, 1985, pg. 348.
[15] Onde ficou alegado:
73º - Acresce que em finais de agosto de 2021, numa reunião havida em Lisboa, a Dra. DSS, advogada do escritório angolano contratado para cobrar a divida da DA, informou a gerante da B…, MJL, que aquela não possuía qualquer património, não exercendo já qualquer actividade, e que as instalações da mesma sitas na …, Luanda, se encontravam já ocupadas por outra empresa que nada tinha a ver com
a DA.
74º - Tendo aconselhado a B… a nada fazer, considerando que a única alternativa seria pedir a falência da DA mas que, tendo em conta a inexistência de qualquer património, tal iniciativa só iria agravar os custos da B….
75º - Foi perante esta informação e conselho que, gorada qualquer expectativa de cobrança do seu crédito sobre a DA e, consequentemente, gorada a esperança de por via disse pagar à generalidade dos credores e recuperar a B..., a gerência desta última tomou a decisão de a apresentar à insolvência, o que fez em 29.09.2021.
152º - Só em finais de agosto de 2021, na reunião havida com a Exma. Advogada encarregue dessa cobrança, foi definitivamente perdida pela gerente da B… qualquer esperança em vir a cobrar tal crédito.
153º - Situação que, também definitivamente, gorou qualquer possibilidade de recuperação da B… e levou à pronta decisão de se avançar com a sua apresentação à insolvência, o que viria a ser concretizado no mês seguinte.
154º - Em suma: até ao final de agosto de 2021 era convicção fundada da gerência da B... que, com o recebimento dos 1.505.887,76€ que pela DA lhe eram devidos, a B... era recuperável, sendo evitável a sua indesejada insolvência.
155º - Pelo que, manifestamente, não poderemos falar duma apresentação tardia à insolvência.
[16] Neste sentido, entre muitos outros os Ac. STJ de 03/11/2023 (Mário Belo Morgado – 835/15), de 14/07/2021 (Fernando Baptista – 65/18), de 19/05/2021 (Júlio Gomes - 1429/18), de 09/02/2021 (Maria João Vaz Tomé - 26069/18), TRG de 19/12/2023 (Maria João Matos - 1526/22), TRG de 02/03/2023 (Jorge Teixeira – 189/20) e TRC de 25/10/2011(Henrique Antunes - 1006/10).
[17] Na redação dada pela Lei nº 9/2022, de 11 de janeiro, que entrou em vigor em 11/04/2022.
[18] Cfr. Manuel Carneiro da Frada in A responsabilidade dos administradores na insolvência, ROA, Ano 66, Set. 2006, pg. 689
[19] Neste sentido Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 1º Vol., pgs. 79 e 80 onde escrevem em anotação ao art.º 4º: “Isto significa que, quando a relevância de certo acto ou evento, para determinados efeitos, depende da sua prática ou ocorrência até à data de início do processo, esse prazo é estendido até à prolação da sentença.
Não se segue daqui, note-se, que o momento da prolação da sentença substitui o do início do processo, nomeadamente para efeitos de alterar prazos de contagem.
O pensamento legislativo é claramente outro: o de conferir aos actos praticados e aos eventos ocorridos no período intermédio um tratamento tendencialmente idêntico àquele de que desfrutam no caso de se terem verificado até à propositura da acção.”
[20] Neste sentido Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2º Vol., pg. 14, Manuel Carneiro da Frada in A responsabilidade dos administradores na insolvência, ROA, Ano 66, Set. 2006, pg. 692 e, entre outros, os Acs. STJ de 29/06/10 (Rosa Tching – 1965/07), STJ de 15/02/23 (Ana Resende – 822/15), TRE de 02/05/19 (Tomé de Carvalho – 1083/10), TRP de 06/09/21 (Eugénia Cunha – 908/12), TRL de 28/02/23 (Fátima Reis Silva – 5920/21), TRC de 14/06/22 (Paulo Correia – 4114/19), TRG de 01/06/17 (Pedro Damião e Cunha – 1046/16), TRE de 24/03/22 (Emília Ramos Costa – 2528/16), todos disponíveis in www.dgsi.pt, como os demais citados sem referência.
[21] Cfr. nota anterior e ainda Luís Menezes Leitão in CIRE, pg. 175 e Carvalho Fernandes e João Labareda, loc. cit., 2º vol., pg. 15
[22] Cfr. entre muitos outros, Acs. TRP de 19/11/2020 (Freitas Vieira – 65/12), TRL de 11/07/2024 (Manuel Ribeiro Marques – 11118/20), TRP de 20/02/24 (Rui Moreira – 293/23), TRC de 26/10/21 (Emídio Francisco Santos – 4422/17), TRC de 07/09/20 (Arlindo Oliveira – 4366/11), TRG de 26/10/23 (Rosália Cunha – 1892/22) e TRE de 12/05/22 (Isabel de Matos Peixoto Imaginário – 198/14).
[23] Entendimento que a redação dada pelo Lei nº 9/2022 veio confirmar com a introdução do advérbio “unicamente”.
[24] Seria diverso se estivessem em causa a al. i) do nº 2 do art.º 186º do CIRE.
[25] Paulo de Tarso Domingues in Capital e património sociais, lucros e reservas, Estudos de Direito das Sociedades, pg. 135, Almedina, 5ª edição, abril de 2002.
[26] Autor e local citados na nota anterior, pgs. 135 e 136
[27] Ana Prata em Dicionário Jurídico, Vol. I, 5ª edição, Almedina, 2020, pg. 529.
[28] Idem, pg. 44.
[29] A mesma distinção foi efetuada no Ac. TRG de 12/10/23 (José Alberto Martins Moreira Dias – 1412/22).
[30] Al. ccc) da matéria de facto provada.
[31] Em Garantia Patrimonial e Prejudicialidade, Almedina, 2017, pg. 83.
[32] Analisado o documento 11 junto com a oposição verifica-se que a transferência de € 425.000,00 para conta da insolvente se dá em 18/12/19, como apurado em zz) e que no mesmo dia se venceram sete prestações no mesmo montante, que aquela entrada permitiu fossem cobradas, o que significa uma opção voluntária pelo pagamento naquele montante, por aquela via e naquela data.
[33] A diferença de datas entre as alíneas s) e y) e u) e z) explicam-se pelo facto de as primeiras serem as datas da transmissão, ou seja, a data em que foi levada a registo a transmissão de propriedade e as segundas serem as datas de realização dos negócios.
[34] Decisão no sentido de que a mera indicação da conta bancária de destino só pela insolvente poderia ter sido feita.
[35] Em Manual…, pg. 170.
[36] Julgar nº 48, pg. 26.
[37] Julgar nº48, pg. 28.
[38] Julgar nº48, pgs. 30 e 31. Ver também Henrique Antunes, quanto a este ponto em Natureza e Funções da Responsabilidade Civil por Insolvência Culposa, V Congresso de Direito da Insolvência, Coord. Catarina Serra, Almedina, 2019, pgs. 148 e 149.
[39] Por Henrique Antunes em V Congresso de Direito da Insolvência, Coord. Catarina Serra, Almedina 2019, pgs. 150 e ss.
[40] Ver a lista de jurisprudência num e noutro sentidos enumerada por Catarina Serra em O Incidente de qualificação da Insolvência depois da Lei nº 9/2022 – Algumas observações ao regime com ilustrações de jurisprudência, Julgar nº 48, Almedina, Set/Dez 2022, pgs. 23 e ss.
[41] No qual a relatora interveio como adjunta.
[42] E jurisprudência no mesmo sentido, ali citada.
[43] Ac. TRL de 28/02/23 (Fátima Reis Silva - 5920/21).
[44] Assim, por exemplo no caso do Ac. TRL de 13/09/2024 (Paula Cardoso – 1361/07), valorou-se o facto de já terem decorrido 18 anos desde a data da prática dos factos.
[45] Vide neste sentido Salvador da Costa in Responsabilidade das partes pelo pagamento das custas nas ações e nos recursos, disponível em https://blogippc.blogspot.com/.