Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
834/20.0T8LSB-F.L1-6
Relator: JOÃO MANUEL P. CORDEIRO BRASÃO
Descritores: ALIMENTOS PROVISÓRIOS
DESEMPREGO
INSUFICIÊNCIA ECONÓMICA DO PROGENITOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - A eventual precária situação financeira de um progenitor, não pode servir de fundamento válido para a sua exoneração da obrigação legal de prestação de alimentos e tal princípio foi seguido, aquando da fixação do primeiro regime provisório;
- Na ocasião, o progenitor encontrava-se em situação de desemprego, auferindo correspondente subsídio e, mesmo assim, o Tribunal entendeu – e bem- fixar uma pensão de alimentos (75,00€ por cada filho);
- Estando o progenitor a auferir actualmente um salário mensal líquido de €2.000,00, justifica-se um aumento da prestação de alimentos provisória.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. O relatório

A1 veio intentar o Incidente de Incumprimento da Prestação de Alimentos, a 06.12.2022, fixada a favor dos filhos B1, B2, B3, B4 e B5, contra C, alegando que o Requerido, apesar de estar obrigado a contribuir com uma pensão de alimentos no valor mensal de €75,00, a favor de cada filho menor, fixada a título provisório a 21.06.2022, nunca pagou, encontrando-se em dívida para com a Requerente.

Por decisão proferida nos autos principais, datada de 21 de junho de 2022, foi decidido, a título provisório o regime de regulação das responsabilidades parentais:

“A título de alimentos devido a cada um dos filhos, B1, B2, B3, B4 e B5, o progenitor pagará a quantia de €75,00 (setenta e cinco) euros mensais, que entregará à progenitora até ao último dia de cada mês, através de transferência bancária, para conta cujo IBAN a progenitora indique nos autos em 5 dias.
O valor da pensão de alimentos (…) actualizará anualmente em junho de cada ano, de acordo com a taxa de inflação publicada pelo INE relativamente ao ano anterior””
(…)
“Os progenitores repartirão, em igual medida, as despesas médicas, medicamentosas e escolares das crianças, para o que a progenitora remeterá comprovativo do pagamento ao progenitor, que liquidará a sua ½ dentro de 10 dias, através de transferência bancária, para conta cujo IBAN conheça.”

Em 02/05/2023, foi decidido:

1. Declaro verificado o incumprimento do Requerido relativamente a alimentos vencidos, os quais, à data de dezembro de 2022, somavam €2.250,00 (dois mil, duzentos e cinquenta euros);
2. Fixo a prestação a garantir pelo Estado Português às crianças B1, B2, B3, B4 e B5, em substituição de C, no valor mensal para cada de €75,00 (setenta e cinco euros), valor global de €375,00, atualizável anualmente em janeiro, de acordo com a taxa de inflação publicada pelo INE para o ano anterior;
3. Determino que o valor referido supra será assegurado pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores e serão pagos aos menores, na pessoa da progenitora.


Em 14/12/2023, o Ministério Público efectuou a seguinte promoção:

Promovo que seja alterado o regime de exercício das responsabilidades parentais fixado a título provisório, por o valor de €75,00 por criança ser manifestamente insuficiente, devendo a pensão de alimentos ser fixada num valor de €150,00 (cento e cinquenta euros) por filho. Entende que, por ora, não devem ser fixados quaisquer convívios, mesmo em relação ao filho mais novo, o B5, e que a comparticipação nas despesas variáveis deve também ficar por ora sem efeito, para evitar a necessidade de comunicação entre ambos os progenitores.

De seguida, a Mma. Juiz proferiu a seguinte decisão:

                                               (…)
*
Quanto ao doutamente promovido, considerando que atualmente o progenitor desenvolve atividade profissional remunerada com o salário mensal de €2.000,00 e as necessidades das crianças e jovens dos autos, atenta a sua idade e condição, o Tribunal decide, a titulo provisório, alterar o valor da pensão de alimentos, fixando-se o valor de €150,00 (cento e cinquenta euros) por cada filho, onde se inclui o filho maior, B, que agora também se encontra a residir com a progenitora.
Mantém-se ainda a cláusula da repartição das despesas médicas e medicamentosas e despesas de educação que os filhos tenham de realizar, a reclamar mediante a apresentação dos respetivos comprovativos, para o e-mail do progenitor. ---
Notifique.
*

Inconformado, C interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

A- O Tribunal “a quo” proferiu sentença fixando provisoriamente a pensão de alimentos no valor de €150 (cento e cinquenta euros) para cada filho maior ou menor.
B- Esta decisão implica um aumento para o dobro do até aqui aplicável.
C- Consistindo num aumento de 375 euros para 900 euros que o pai não consegue de modo nenhum pagar.
D- Sem que para essa decisão exista qualquer fundamentação de facto ou de direito.
E- Pugnando-se a mesma por nula, ao abrigo do disposto no art.º 154º, al. b) do nº 1 do art.º 615º ambos do CPC e no nº 1 do art.º 205º do CRP.
F- Sendo esta falta de fundamentação para justificação de sentença causa de nulidade,
G- O que se argui, desde já.
H- Deve ser atribuído efeito suspensivo porquanto, o aumento drástico do valor da pensão de alimentos, face ao atual, impossibilita definitivamente o requerido de efetuar o pagamento que já lhe era quase impossível estando a pagar através da Segurança Social com penhora no vencimento, e sendo um aumento muitíssimo elevado e não fundamentado.
I- E ainda, pois não há qualquer fundamentação para esse aumento abrupto para o dobro relativamente aos seis filhos, incluindo aos filhos maiores.
J- Porquanto a produção de prova nem sequer está concluída.
K- Não existindo fundamento para um aumento da pensão para o dobro do valor em vigor.
L- E também, por não existir qualquer fundamentação para este drástico aumento de pensão de alimentos, não pode o recorrente ser tão prejudicado por este despacho tão desfavorável, no tempo de medeia o recurso e a decisão do mesmo.
M- Com a decisão ora recorrida, o tribunal “a quo” violou, entre outras, as disposições dos art.ºs 154º al. b) do nº 1 do art.º 615º do CPC e o nº 1 do art.º 205º da CRP.

O Ministério Público apresentou as seguintes contra alegações:

O Ministério Público, ao abrigo do disposto no artigo 32º, n.º 3 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015 de 08/09 e 638.º, nº 5 do Código de Processo Civil, vem responder ao recurso interposto por C, da decisão provisória proferida em 14.12.2023 nos autos de regulação das responsabilidades parentais acima identificados, na qual se determinou alterar o valor da pensão de alimentos, fixando-se o valor de €150,00 por cada filho.

Afigura-se ao Ministério Público que tal decisão provisória não violou o disposto nos artigos 154.º e 615.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Civil e 205.º da Constituição da República Portuguesa.

Com efeito, adere-se na íntegra aos fundamentos constantes da decisão provisória proferida, não nos merecendo a mesma qualquer reparo.

Há assim que concluir que a decisão judicial proferida pela Mmª Juiz a quo, não padece de qualquer nulidade que a invalide, bem como fez correta avaliação da factualidade e correta aplicação das normas legais aplicáveis.

A apresentou as seguintes contra alegações:

A. O pretendido efeito suspensivo.

1- Tendo a douta decisão recorrida fixado alimentos provisórios, que por definição, se destinam a vigorar na pendência da acção de alimentos, e para garantir aos alimentados que as suas despesas básicas são pagas e asseguradas, constitui contradição com essa natureza, e regime, a concessão do efeito suspensivo ao recurso. Que ademais priva aos alimentados de quantias em dinheiro absolutamente necessárias, essenciais e imprescindíveis, à sua vida, e às suas necessidades básicas.

Os alimentados, todos filhos do casal, vivem em, permanência com a progenitora, em casa desta, que paga todas as despesas dos filhos, incluindo médicas, e escolares, que o progenitor não paga e recusa pagar, constituindo a única e singular contribuição paterna para a subsistência dos menores a fixada quantia de €150,00/mês, e que o mesmo também recusa pagar, não paga.

O Tribunal havia fixado alimentos provisórios de €75,00/mês a pagar pelo progenitor aos menores, quantia que o mesmo nunca pagou desde o 1º dia que tias alimentos foram fixados, e até hoje; e hoje, porque o progenitor tem um nível salarial diferente – ganha, segundo o mesmo declarou, um “salário líquido de €2.000,00/mês” – o Tribunal aumentou o valor dos alimentos provisórios que o mesmo nunca pagou, e não queria pagar, e o progenitor recorreu da decisão (estando no seu pleníssimo direito de o fazer), e pede a atribuição do efeito suspensivo ao recurso, no que já não está no direito de obter.

Como é jurisprudência unânime entre nós, e como se escreveu no Ac. da Relação de Lisboa de 11.09.2020,
“Os alimentos provisórios funcionam, assim, como “primeiro socorro” prestado a quem, em função da idade, das condições físicas ou de circunstâncias de ordem económica ou familiar, se encontra numa situação de carência no que concerne à satisfação do que é essencial para a condição humana. Para que a providência cautelar de alimentos provisórios possa ser acolhida pelo tribunal, torna-se necessário o preenchimento de dois requisitos cumulativos: - Probabilidade de o requerente ser titular de um direito a alimentos; - carecer o requerente da prestação, a título provisório, de alimentos, por não se encontrar em condições de aguardar por alimentos definitivos.”

Os alimentos provisórios são fixados justamente para obviar carências evidentes de alimentos, que no caso são manifestas e patentes, ante o número de filhos em presença (6), todos a viver em permanência com a progenitora, pagando ela todas as despesas dos mesmos… exclusivamente do seu magro salário de €858,81 (a progenitora é técnica de restauro e trabalha em horário completo, não consegue melhor salário do que este, sendo impossível à mesma ter um segundo emprego pois além do emprego tem que assegurar todas as tarefas domésticas diárias inerentes a uma casa partilhada por 7 pessoas: a progenitora e os seus filhos, de 19, 18, 16, 14 12 e 9 anos de idade.

Constituindo os alimentos provisórios algo de que os filhos carecem em absoluto – resultada regra de experiência comum que um salário de €858,00/mês da progenitora é totalmente insuficiente para alimentar 7 bocas, pagar a prestação da casa, água, electricidade, etc., está bom de ver que os alimentos provisórios fixados constituem este “primeiro socorro” de que os alimentados não podem prescindir receber na pendência da acção (e que o Pai mesmo assim recusa a pagar), pelo que seria incongruente com esta natureza atribuir o efeito suspensivo ao recurso.

Se, como ali é dito e constitui jurisprudência firme entre nós, os alimentos provisórios são devidos também porque os alimentados “não se encontram em condições de aguardar por alimentos definitivos” é de todo incongruente atribuir efeito suspensivo à decisão que os fixou.

O que demonstra a falta de fundamento do que o Recorrente pede.

B. Actualização do valor dos alimentos provisórios.

2. Em sede de RRP provisória ficou fixado por este Tribunal, a fls., nos termos do disposto no artigo 28º do RPTC:
 “(…) considerando que actualmente o progenitor desenvolve actividade profissional remunerada com salário mensal de €2.000,00 e as necessidades das crianças e jovens dos autos, atenta a sua idade e condição, o Tribunal decide, a título provisório, alterar o valor da pensão de alimentos, fixando-se o valor em €150,00 por cada filho, onde se inclui o filho maior B que agora também se encontra a residir com a progenitora.”

Os presentes autos constituem um “processo de jurisdição voluntária”

Neste tipo de processos o Tribunal “não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna” (artigo 987º do CPC)

No caso do douto despacho recorrido, as exigências de uma fundamentação compreensiva e precisa do despacho, deixando apreender o iter cognitivo do tribunal e as razões pelas quais o Tribunal assim decidiu, não estão evidentemente dispensadas, mas os termos da sua exigência passam a ser muito menos rigorosos e extensos, não sendo necessária uma fundamentação exaustiva, mas uma fundamentação simples que é a que é compatível com esta sua natureza.
É jurisprudência firme entre nós que “a nulidade por falta de fundamentação prevista no art.º 615º, nº 1 al. b) do CPC só se verifica em caso de ausência absoluta de fundamentação de facto ou de direito, com exclusão da motivação deficiente, medíocre ou errada”.

Convenhamos que neste quadro no douto despacho recorrido não encontramos qualquer falta de fundamentação, de direito e de facto, como não encontramos fundamentação sequer deficiente, e uma vez que no quadro de direito e de facto por si fixado e também sumariado no douto despacho recorrido (ele é bem explícito), encontramos os fundamentos da própria decisão.

Ao contrário do alegado, a partir da leitura do douto despacho recorrido descortinamos qual ou quais fundamentos de direito e de facto que no entender do Tribunal a quo jus-motivam a sua decisão. Pelo que inexiste qualquer nulidade por falta de fundamentação.

3. A decisão recorrida limitou-se a alterar o valor dos alimentos provisórios, que havia sido fixado em decisão anterior, em €75,00 de alimentos para cada menor. Evidentemente que a decisão recorrida convoca implicitamente todos os pressupostos de facto e de direito que presidiram à prolação do regime provisório, seus pressupostos de facto e de direito, e uma vez que através do douto despacho recorrido o tribunal se limito a actualizar o valor para €150,00.

Está assim bom de ver que o douto despacho recorrido, pelo menos implicitamente, em primeira linha se estriba e em todos os pressupostos que presidiram à sua anterior decisão, e que aqui o Tribunal se limitou a actualizar o valor.

4. Para além disso
A fundamentação de facto decorre dos termos das declarações dos progenitores na audiência, e demais adquirido processual, sendo que o douto despacho recorrido até sumarizou essas declarações que constituem o quadro de facto em que o Tribunal se moveu para actualizar o valor da pensão de alimentos dos filhos.

V. Exas., Senhoras e Senhores Desembargadores anotarão o registo nessa matéria de facto em que o Tribunal se moveu: os menores estavam há um ano sem água quente em casa, tomando banho de água fria (em pleno Inverno), porque não há dinheiro para a conta do gás e o progenitor nunca pagou um só euro de pensão de alimentos provisória, ou comparticipou numa só despesa dos menores, apesar dos alimentos provisórios terem sido peticionados em 11.11.2019 e decretados em 21.06.2022.

O progenitor e toda a família paterna alheiam-se deste quadro de facto, como se nada fosse com ele ou eles, e o progenitor ainda incumpre todas e cada uma das decisões do Tribunal nesta (e aliás, também nas demais) matérias.

Optando por claramente viver à margem e ao arredio do direito numa área em que constitui não só uma obrigação legal, como uma obrigação natural, ética e moral. Anotarão igualmente, o que também consta da mesma gravação, o quadro de facto em que a progenitora se move.

Quando entrou no Tribunal, e revistada pela segurança, trazia vários sacos de supermercado dentro da sua saca, que explicou que andam sempre consigo, pois que como tem que colocar todos os dias comida na mesa para si e para 6 filhos, é ajudada por associações que a ajudam, e onde recolhe comida para levar para casa e para dar aos seus 6 filhos.

Além de trabalhar todos os dias em restauro, em horário completo, onde aufere € 858,00/mês, de ser Mãe e cuidadora dos 6 filhos, de ser empregada doméstica da casa com 7 pessoas, e de fazer ginástica para conseguir que as despesas dos filhos sejam pagas, ainda tem que encontrar tempo e forças para ir a estas associações pedir e recolher comida para casa.

O progenitor dá zero. Paga zero. Apesar de decretados alimentos provisórios de € 75,00/filho em Junho de 2022, prefere ignorar este quadro de facto, e só a partir do Verão de 2023 o Fundo de Garantia de Alimentos passou a entregar à Recorrente 4 x 75,00 = €300,00. 5 Ora, este quadro de facto ficou declarado na audiência, consta da gravação da mesma, e o Tribunal valeu-se nela e no quadro de facto recolhido, conforme consta do douto despacho recorrido, e o que consta escrito do mesmo despacho é apenas um sumário, que explicita exactamente (evidentemente, sem o detalhe dos depoimentos) esta matéria
“a) Neste momento não tem sequer dinheiro para pagar o gás, na da de associação em associação com sacos a pedir bens alimentares” (…)
As restantes declarações encontram-se gravadas no módulo H@bilus Media Studio”

O mesmo se passa quanto aos demais pontos de facto: que o progenitor não paga, etc. etc. Que o progenitor se propõe pagar € 80/mês, que “trabalha desde Setembro de 2022”, auferindo um salário líquido de €2.000,00, etc., etc.

Quando foram fixados os alimentos provisórios, como consta da então decisão, o progenitor encontrava-se desempregado (segundo ele), o que agora confirmou, pois disse que que “trabalha desde Setembro de 2022” e ganha €2.000,00 líquidos. (Aliás, tendo os alimentos provisórios de € 75,00/mês sido fixados em Junho de 2022, tendo o progenitor passado a “trabalhar desde Setembro de 2022”, evidentemente não lhe ocorreu melhor conduta do que a de continuar a ignorar olimpicamente a decisão judicial que lhe impunha pagar a pensão provisória).

Igualmente, o Tribunal considerou ser “manifestamente insuficiente o valor de € 75,00 fixado por criança” conforme foi promovido pelo MP na sua douta promoção e achado conforme pelo Tribunal, e se encontra igualmente sumariado na decisão.

Estando aqui plasmada a súmula da restante fundamentação da actualização da pensão.
O Pai não trabalhava e já trabalha (desde Setembro 2022) e €75,00 é manifestamente insuficiente.
Da gravação consta o demais.
Está assim bom de ver que o douto despacho recorrido se encontra suficientemente fundamentado quanto à matéria de facto.

O mesmo se diga quanto à matéria de direito, ante a natureza do processo de jurisdição voluntária permitir a todo o tempo ao Tribunal, mesmo oficiosamente, fixar e determinar estipulações que em cada momento considere necessárias a bem da justiça.
 Como consta do douto despacho recorrido, o MP pediu e promoveu a alteração aos alimentos provisórios, e o Tribunal concordando com aquela douta promoção “por ser manifestamente insuficiente o valor de €75,00 fixado por criança”

O Tribunal, que “não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna” (artigo 987º do CPC), evidentemente moveu-se dentro deste critério e quadro.
I - O dever de fundamentação das decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente, consagrado no art.º 205/1 da CRP e no artigo 154.º do CPC, para além de legitimar a decisão judicial, constitui garantia do direito ao recurso, na medida em que só é viável uma eficaz impugnação da decisão se o destinatário tiver acesso aos seus fundamentos de facto e de direito.
II - Tal dever cumpre-se sempre que a fundamentação da decisão judicial, apesar de algum eventual défice, permite ao destinatário a percepção das razões de facto e de direito, revelando o iter «cognoscitivo» e «valorativo» que a justifica. Ac. da Relação do Porto de 19.10.2015, disponível em www.dgsi.pt

5. Quanto ao demais, o recurso é totalmente infundamentado.

O Recorrente, em evidente distorção da verdade, descreve a progenitora como pessoa que recebe rendimentos fantásticos.

Alega que a progenitora recebe o seu salário + €375,00 de pensão de alimentos dos menores + €648,00 de abono de família dos menores.

Não diz que, conforme consta da matéria de facto, os alimentos dos filhos – que o progenitor não paga - só os passou a receber do Fundo de Garantia de Alimentos e no Verão de 2023, o valor de €300,00 e não de €375,00, e no âmbito do incidente de incumprimento que corre termos como Procº 834/20.0T8LSB-E. apesar de esses alimentos serem devidos desde “o primeiro dia do mês subsequente à data da dedução do respectivo pedido” nos termos do regime do art.º 386º/1 do CPC1

E não diz – porque razão omite essa realidade, o Tribunal poderá perguntar-se – que o progenitor não paga um só euro de todas e cada uma das despesas dos 6 filhos, incluindo as despesas dos menores na escola, ou as despesas de saúde dos menores, sendo que estas últimas incluem apoio psicológico determinado pelos médicos em virtude das perturbações sofridas pelos menores por actos de violência grave praticados pelo progenitor contra os filhos.

O progenitor foi sentenciado por crimes de violência física e psicológica grave praticados contra os filhos, foi interditado pelo Tribunal a contactar os filhos, e em resultado de tudo isso os filhos têm consultas e apoio de psicólogos.

Que é a Mãe que tem que pagar, pois o Pai, causador da situação, recusa pagar um euro que seja, e ainda vem a este Tribunal de recurso alegar que não pode pagar outra coisa que não seja uma pensão de alimentos de €80,00, tal como proposto por si na Conferência onde foi decretado o regime.

6. Como consta dos autos, o agregado familiar da Recorrida é composto por 7 pessoas: ela e os seus seis filhos, que estão todos a seu cargo: 1) B, com 19 anos; 2) B1, com 18 anos; 3) B2, com 16 anos; 4) B3, com 14 anos; 5) B4, com 12 anos; 6) B5, com 9 anos.

A Recorrida paga mensalmente a mensalidade de €597,22 ao banco relativo ao empréstimo da casa, ao qual acresce o condomínio, no valor de €30,00/mês.

A título de alimentação, a Requerente gasta a quantia de €100,00/mês porque não tem mais.
Como consta dos autos, “A Requerente não consegue comprar carne para o seu agregado familiar; apenas comem carne quando lhes é dada pela Refood.
E peixe também não comem, só atum, que vem enlatado e dão-lhe no cabaz alimentar” “Todos os dias a progenitora anda com dois sacos de supermercado dentro da sua mochila para possível recolha de alimentos nos vários pontos e locais onde possa existir disponibilização gratuita para famílias carenciadas.
O progenitor nem quer saber” “O menor B4 por aconselhamento psicológico tem aulas de piano, que tem um custo de €71,50/mês. “Os menores B2, B3, B4 e B5 por aconselhamento médico frequentam todas as semanas consultas de psicologia clínica.” “A Requerente recebe a título de abono de família, a quantia de €748,00, quantia essa que serve para liquidar as consultas de psicologia dos menores.
Que o progenitor em nada comparticipa. “Etc., etc.

7. O progenitor, aliás, ganha mais do que €2.000 euros líquidos por si declarados, ocultando rendimentos.

O progenitor não abdica de nada em favor dos filhos.

Tem casa de família paterna em Sintra onde poderia viver sozinho, e tem a casa dos pais para onde poderia igualmente ir viver, poupando dinheiro e suportando despesas dos filhos.

Vive e ocupa a casa de morada de família, e recusa vendê-la, pagando ao banco o empréstimo, solvendo dívidas, e disponibilizando dinheiro à família. E aí montou um negócio de aluguer de quartos, não declarando rendimento.

O Tribunal perguntar-se-á da razão pela qual o progenitor diz gastar 1.700,00€ dos 2.000,00€ que ganha na prestação da casa, ficando com €300,00 para si, e não diz, que esta a casa é a casa de morada de família, de propriedade conjunta do casal, de onde a Recorrente fugiu com os filhos pro causa das agressões de que todos eram vítimas, e que o mesmo recusa vender para não ter que dar metade do dinheiro da venda à progenitora, e para ali manter o negócio que tem de aluguer de quartos.

Manifestamente que num quadro de normalidade e de experiência comum, ninguém conserva uma casa pela qual paga €1.700,00/mês de empréstimo se tem apenas €2.000,00 de rendimento, quando tem alternativas para viver, grátis, sendo uma delas a casa onde já viveu em Sintra, fechada, propriedade dos pais.

O percurso recursivo do Recorrente é assim mal contado, omissivo, e em qualquer caso, sem fundamento.
*
O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida de imediato, em separado próprios autos e efeito meramente devolutivo.
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Do efeito a atribuir ao recurso:
Pretende o recorrente que ao recurso seja atribuído efeito suspensivo.
Entendemos não existir fundamento para a atribuição de efeito suspensivo,  (1º) face à norma expressa do art.º 32º/4 do RGPTC - em matéria de responsabilidades parentais a regra é o efeito devolutivo - e (2º) à natureza da decisão: facultando-se ao juiz, através art.º 28º do RGPTC, a possibilidade de dar resposta imediata, tutelando os superiores interesses das crianças, a atribuição do efeito suspensivo ao recurso iria colidir com tal tutela justificando-se, pois, a atribuição de efeito devolutivo.
Em face do exposto, bem andou o Tribunal recorrido na atribuição de efeito suspensivo.
*
II. O objecto e a delimitação do recurso

Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece, sob pena de indeferimento do recurso.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:
1. A decisão recorrida é nula, por falta de fundamentação [art.º 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC]?
2. O regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais, provisoriamente fixado, deve ser modificado/alterado, nos termos pretendidos pelo Recorrente?
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
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III. Os factos

Relevantes para decidir a questão que se nos coloca, são os seguintes factos:

Factos dados como assentes da decisão de 20/06/2022 (que reproduziremos em parte, segundo um critério de relevância):

1. Autora e réu casaram civilmente no dia 07/06/2003, sem convenção antenupcial, na 10ª conservatória do registo civil de Lisboa.
2. Na pendência do casamento, autora e réu tiveram 6 (seis) filhos:
 B, nascido a 15/04/2004;
 B1, nascido a 17/08/2005;
 B2, nascida a 20/03/2007;
 B3, nascida a 09/02/2009;
 B4, nascido a 07/06/2011;
 B5, nascido a 22/08/2014.
3. Viveram, desde 2010, na fração sita na rua …, Lisboa, tipologia t3, que adquiririam com recurso a empréstimo habitação.
4. No dia 31/07/2019, a autora saiu da casa de morada de família, levando os filhos do casal.
6. Os menores frequentam o colégio St. …, em Lisboa, cuja mensalidade foi suportada pelo progenitor, exceto o jovem B5, que estuda em escola pública do agrupamento de escolas …, em Lisboa.
7. Após a saída da casa de morada de família, a progenitora e os seis filhos foram viver para uma habitação dos avós maternos, de tipologia t3, localizada em Benfica, Lisboa.
8. Os progenitores são donos de uma fração afeta à habitação, tipologia t2, com uma área bruta privativa de 80 m2, sita na calçada …, em Lisboa, que constituiu a anterior casa de morada de família.
9. O imóvel esteve arrendado de 01/05/2015 a 31/05/2021, mediante o pagamento de renda anual no valor de €7.800,00, €650,00 mensais, que o progenitor recebia.
10. Após a cessação do arrendamento, a progenitora e os filhos passaram a residir no imóvel identificado em 8), que a progenitora transformou em t3.
11. O filho B5 reside por períodos alternados, em média, de uma semana com cada um dos progenitores, desde janeiro de 2021.
12. No verão de 2021, as crianças gozaram férias com o progenitor, tendo pernoitado na casa de morada de família.
13. Após o início do ano letivo, as crianças tomaram refeições com o progenitor na casa de morada de família, onde chegaram a pernoitar.
14. O progenitor procedia à recolha das crianças B1 e B2 na escola e entregava-os na casa da progenitora, pelas 19h00.
15. As duas habitações distam, uma da outra, cerca de 1 km.
16. Os menores declaram gostar de conviver com o progenitor.
17. O progenitor exerceu funções inerentes à categoria profissional de diretor financeiro no hospital …, em Lisboa, auferindo, em média, cerca de €2.500,00 líquidos por mês.
17. O progenitor ficou desempregado a partir de 01/09/2020.
18. O progenitor ficou a viver na casa de morada de família.
19. O progenitor regista junto do ISS-IP uma última remuneração, declarada em 08/2020, no valor de €8.167,19.
20. O progenitor aufere subsídio de desemprego, que, em 11/2021, ascendia a €1.097,00 mensais.
21. O progenitor suportava cerca de €1.050,00 mensais no mútuo bancário e seguros da casa de morada de família e cerca de €330,00-€340,00 mensais no mútuo e seguros da habitação onde a progenitora vive com os filhos.
22. O progenitor suportava o colégio privado frequentado pelos filhos, na ordem dos €1.000,00 mensais.
23.. Em janeiro de 2022 havia dívidas ao colégio, no valor de €7.309,64.
24. Após a separação, a progenitora passou a exercer funções de restauradora/conservadora, trabalhando, por conta própria, das 08h00 às 17h00.
25. Em 09/2021, a progenitora declarou rendimentos ao ISS-IP, no valor de €707,70, e em 04/2022, no valor de €805,59.
26. A progenitora aufere o abono dos filhos, no valor de €172,44, e recorre a ajuda humanitária.

Na diligência realizada em 14/12/2023, a requerente declarou, em súmula:

a) Neste momento não tem sequer dinheiro para pagar o gás, anda de associação em associação com sacos a pedir bens alimentares; ---
b) O requerido não paga a prestação de alimentos que foi fixada provisoriamente para os filhos, apesar de ser muito baixa e manifestamente insuficiente a suportar todas as despesas dos filhos; ---
c) Recebe do Fundo de Garantia de Alimentos o valor de €75,00 (setenta e cinco euros) por filho, mas do filho mais velho, o B, que fez 18 anos deixou de receber, não sabe porquê; ---
d) O filho B já não está a viver com o pai, neste momento encontra-se a viver consigo; -
e) O requerido diz que não tem rendimentos, mas o mesmo trabalha e aluga os quartos vagos da sua residência; ---
f) O filho B5, o mais novo, não quer contactos com o pai; inclusive teve uma depressão pelas situações de conflito causadas pelo pai; ---
g) Propõe que o requerido pague €150 (cento e cinquenta euros) por cada filho, por mês. ---

Por seu turno, o requerido/recorrente declarou, em súmula:

a) O filho B5 nunca teve nenhuma depressão e não é verdade que rejeite ter contactos consigo, pelo que, não estando inibido pelo acórdão crime de ter contactos com este filho defende que deveriam ficar definidas visitas; ---
b) A progenitora contacta-o para tratar de assuntos e pedir pagamento de despesas; ---
c) Pediu através do filho B5 que falasse com a mãe, pois pretende libertar coisas que tem dela lá em casa, mas não obteve ainda resposta; ---
d) Está a trabalhar desde setembro de 2022, auferindo um salário mensal líquido de €2.000,00, mas paga €1.700,00 de amortização do empréstimo da casa e está a pagar à segurança social as pensões dos filhos; ---
e) Conta com a ajuda dos seus pais; ---
f) O filho B5 esteve a viver consigo e nunca apresentou despesas à progenitora; ---
g) Propõe dar €80,00 (oitenta euros) por mês por cada filho; ---

*
IV. O Direito

Primeira questão: Da alegada nulidade, por falta de fundamentação, da decisão da decisão recorrida:

Nas conclusões da apelação, o Recorrente invoca a nulidade da decisão recorrida, por falta de fundamentação [artigo 615º, n.º 1, alínea b), do CPC], argumentando que a mesma não especifica os fundamentos de factos e de direito que justificam a decisão.
Ora, salvo o devido respeito e melhor opinião, não acompanhamos o Recorrente, desde logo, porque a decisão recorrida teve por base a matéria de facto apurada na Conferência de Pais realizada, a partir das declarações prestadas por ambos os progenitores, relativamente às suas situações pessoais, profissionais e  financeiras, bem como a que se apurou relativamente aos filhos, vertida na acta da diligência.
O Tribunal a quo, como se impunha, decidiu, provisoriamente, com base nos elementos disponíveis, não se justificando que aguardasse pela realização de diligências subsequentes, sendo que a sua decisão, por natureza provisória, pode sempre ser alterada e ajustada se a situação dos filhos se se modificar e assim o exigir o seu superior interesse, após nova avaliação.
A decisão em crise configura a modificação de um regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais, de imposição obrigatória, na falta de acordo dos pais na conferência — art.º 38.º do RGPTC.
Ao caso é aplicável o Regime Geral do Processo Tutelar Cível [RGPTC], aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 24/2017, de 24 de Maio, que se rege pelos princípios orientadores de intervenção estabelecidos pela lei de protecção de crianças e jovens em perigo e ainda pelos princípios da simplificação instrutória e oralidade [art.º 4.º/1-a], consensualização [art.º 4.º/1-b] e audição e participação da criança [art.º 4.º/1-c].
Mesmo a conceder-se - e não concedemos - verificar-se insuficiência de fundamentação na decisão em crise, tal deficiência apenas poderia ser encarada como uma patologia (intrínseca) da sentença, que não se confunde com o chamado erro de julgamento que se traduz na desconformidade entre a decisão e o direito - substantivo ou adjectivo.
Só a falta absoluta da especificação dos fundamentos de facto ou de direito e não a fundamentação meramente deficiente, incompleta, medíocre ou pouco convincente, constitui o fundamento da nulidade a que se reporta a alínea b) do n,º 1 do artigo 615º do CPC (Neste sentido, pronunciaram-se, entre outros: os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 05.05.2005 (proc. 05B839); de 12.05.2005 (proc. 05B840), de 03.11.2005 (proc. 05B3239), de 14.11.2006 (proc. 06A1986), de 10.07.2008 (proc. 08A2179) e do STA, de 05.11.2002 (proc. 047814), todos acessíveis em www.dgsi.pt).
Em conclusão: a decisão recorrida mostra-se suficientemente motivada, de facto e de direito, como se referiu supra, não se lhe podendo apontar deficiências que constituam fundamento da nulidade a que se reporta a alínea b) do n.º 1 do artigo 615º do CPC.
Improcedem, portanto, as conclusões do recurso quanto a uma eventual nulidade da sentença recorrida.

Segunda questão: A questão que se nos coloca de seguida é a de saber se o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais provisoriamente fixado deve ser alterado, nos termos pretendidos pelo Recorrente, isto é, no que concerne à prestação de alimentos a cargo do progenitor, aqui Recorrente.
           
Vejamos.
As responsabilidades parentais apresentam-se como um efeito da filiação (artigo1877.º e segs. do Cód. Civil), sendo concebidas como um conjunto de direitos e deveres (poderes funcionais) que competem aos pais relativamente à pessoa e bens dos filhos.
As crianças têm o direito fundamental à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral (art.º 69.º, n.º 1, da CRP e Convenção Sobre os Direitos da Criança, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20/11/89, assinada por Portugal em 26/1/90, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90 de 12/9 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 49/90, ambos publicados publicada no Diário da República, ia Série, n.º 211/90, de 12/10/1990).
A família é a unidade fundamental responsável por fornecer — e deve ser capaz de fornecer - a uma criança um meio ambiente que atenda às suas necessidades físicas e mentais, que seja propício ao normal desenvolvimento físico e mental da criança e à sua integração social.
Por isso, é essencial um bom relacionamento entre cônjuges ou pessoas que vivam em condições análogas às dos cônjuges, entre pais e filhos, entre irmãos, etc.
Havendo ruptura do relacionamento entre os pais impõe-se a necessidade de regular as responsabilidades parentais.
A regulação do exercício das responsabilidades parentais comporta três aspectos: a guarda, o regime de visitas e os alimentos.
O critério legal de atribuição ou repartição das responsabilidades parentais é, consabidamente, o superior interesse da criança — artigos 1905.º do Cód. Civil, 42.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) e 3.º, n.º 1, da Convenção Sobre os Direitos da Criança.
E o interesse superior da criança, enquanto conceito jurídico indeterminado carece de preenchimento valorativo, cuja concretização deve ter por referência os princípios constitucionais, como o direito da criança à protecção da sociedade e do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral (art.º 69.º, n.º 1, da CRP), reclamando uma análise sistémica e interdisciplinar da situação concreta de cada criança, na sua individualidade própria e envolvência (cf. acórdão da Relação de Coimbra, de 3/5/2006, proc. riº 681/06, acessível em www.dgsi.pt).
O artigo 38.º do RGPTC dispõe que: Se ambos os pais estiverem presentes ou representados na conferência, mas não chegarem a acordo que seja homologado, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido, em função dos elementos já obtidos, suspende a conferência e remete as partes ... para a mediação (alínea a) ou audição técnica (alínea b)
Daqui resulta a obrigatoriedade da prolação de decisão provisória sobre a regulação do exercício das responsabilidades parentais.
Foi o que o Tribunal a quo fez, no exercício dos seus poderes-deveres.
Insurge-se o Recorrente contra o montante da pensão de alimentos fixado, como encargo seu, a favor de cada um dos filhos (€150.00 cada), que considera exagerado.
Sublinha-se, na sequência apontada no relatório, que a decisão posta em crise segue-se a uma primeira decisão – tomada, igualmente, no âmbito de fixação de regime provisório-, decisão essa que fixou a pensão de alimentos em 75,00€ mensais para cada filho.
Ora, é inquestionável o dever de cada um dos pais de prover ao sustento dos seus filhos e de assumirem as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação, apenas ficando aqueles desobrigados da prestação de alimentos na medida em que os descendentes estejam em condições de suportar tais encargos, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, conforme decorre do disposto no art.º 1879.º do Código Civil.
Os alimentos compreendem tudo o que é indispensável ao sustento, habitação, vestuário, instrução e educação dos menores ou jovens, devendo ser proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e às necessidades do alimentado [art.ºs 2003.º e 2004.º do Código Civil].
Embora as possibilidades económicas do progenitor não guardião sejam um factor a tomar em conta na fixação da pensão de alimentos, a imposição de tal prestação pecuniária à Requerente, aqui recorrida, não fica prejudicada pelo facto de, em cada momento, aquele não poder vir a não ter meios próprios.
Na jurisprudência dividiram-se as opiniões quanto à questão de saber se devia ser fixada prestação de alimentos a cargo do progenitor, ainda que se ignorasse a sua situação económica e social ou em que se apurasse não auferir rendimentos, argumentando uns que deveria sempre ser fixada uma prestação alimentar e a forma de os prestar, a cargo do progenitor ausente ou não guardião, independentemente do conhecimento da sua situação económica, ou que não aufira rendimentos, com vista á intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, sustentando outros que nestes casos, por ser desconhecida em absoluto a situação económica do obrigado ou em que se apure não auferir rendimentos, não poderá ser fixada tal prestação.
O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo de forma unânime e uniforme, a seguir a primeira orientação, decidindo pela obrigatoriedade da concretização da obrigação legal de alimentos a cargo do progenitor cuja situação económica seja desconhecida ou em que se apure não auferir rendimentos, nomeadamente por estar desempregado.
Sendo de realçar, neste âmbito, a obrigação que incumbe aos progenitores de diligenciar pelo exercício de uma actividade profissional geradora de rendimentos (vide neste sentido o acórdão da Relação de Guimarães, de 2/2/2010, n.º de processo 303/08.6TMBRG.G1, in www.dgsi.pt.).
Retornando ao caso concreto, diremos que a eventual precária situação financeira de um progenitor nunca poderia servir de fundamento válido para lograr obter a sua exoneração da obrigação legal de prestação de alimentos em benefício dos seus carenciados descendentes menores de idade,  e tal princípio foi seguido aquando da fixação do primeiro regime provisório (75,00€ por cada filho); na ocasião, o progenitor encontrava-se em situação de desemprego, auferindo correspondente subsídio e, mesmo assim, o Tribunal entendeu – e bem- fixar uma pensão  de alimentos.
O que está agora em causa é a de saber se estando o progenitor a auferir actualmente um salário mensal líquido de €2.000,00, justifica-se um aumento para o dobro da prestação de alimentos provisória.
Não se olvida que tal fixação não pode desatender às possibilidades económicas do progenitor obrigado – aqui se incluindo uma ponderação entre os rendimentos auferidos e a satisfação dos seus encargos conhecidos -, também não minimizamos que estamos a laborar em sede de decisão provisória, não estando ainda sedimentada prova quanto aos aspectos essenciais  da vida dos menores e progenitores, contudo não podemos deixar de ser sensíveis ao facto de estarmos perante uma descrita grande precariedade económica na vivência quotidiana dos filhos do ex-casal – segundo a progenitora: Neste momento não tem sequer dinheiro para pagar o gás, anda de associação em associação com sacos a pedir bens alimentares-, nem ignorar que, aquando da primeira decisão provisória e não obstante o recorrente/progenitor encontrar-se desempregado, este auferia subsídio de desemprego no valor de €1.097,00 mensais.
Em face do exposto, levando em conta as necessidades dos filhos de recorrente e recorrida e a disponibilidade financeira conhecida do primeiro (aumento para quase o dobro dos rendimentos entre primeira e segunda decisões provisórias), entendemos ajustada a decisão de 1ª instância de fixar a pensão de alimentos a favor de cada um dos filhos do ex-casal em €150,00 mensais.

Pelas razões expostas, improcederá a presente apelação.
*
V. Decisão

Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam em julgar totalmente improcedente a apelação apresentada, mantendo-se na íntegra a sentença proferida na primeira instância.
Custas pelo recorrente.
Registe e notifique.

Lisboa, 23-05-2024
João Manuel P. Cordeiro Brasão
Eduardo Petersen Silva
Adeodato Brotas