Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | VAZ GOMES | ||
Descritores: | DOMÍNIO PÚBLICO HÍDRICO PROPRIEDADE PRIVADA ÓNUS DA PROVA DESAFECTAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/20/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I-Actualmente, de acordo com a Constituição da República Portuguesa (última revisão de 2005), pertencem ao domínio público (art. 84.º, n.º 1, alínea a), não só as águas territoriais, que abrangem fundamentalmente as águas exteriores onde se incluem o mar territorial e águas arquipelágicas, com os seus leitos e os fundos marinhos contíguos, bem como os lagos, lagoas e cursos de água navegáveis ou flutuáveis, com os respectivos leitos, mas também (art. 84.º, n.º 1, alínea f)) outros bens como tal classificados por lei. II-O regime dos bens do domínio público deve ser definido por lei da AR ou por decreto-lei autorizado por força do art.º 165/1/v, estando a lei delimitada na conformação pelas dimensões típicas da dominialidade, como seja a imprescritibilidade ou impossibilidade de ser adquirida por usucapião, a impenhorabilidade, a insusceptibilidade de ser dados como garantia de obrigações, de serem objecto de servidões reais, exclusão de posse privatística e a impossibilidade de serem objecto de execução forçada ou de expropriação por utilidade pública, muito embora seja admissível a desapropriação de bens do domínio público regional ou local por acto do Estado e ainda que a Constituição o não diga podem ser desqualificados como bens do domínio público, mediante uma acto de desafectação e devolvidos ao regime de propriedade privada da Administração podendo depois ser eventualmente privatizados, mediante a sua alienação a entidades particulares. III-Indiscutido no recurso que a Autora logrou provar não só que a parcela de terreno aqui em causa se encontra registada a seu favor, como também que o prédio do qual essa parcela foi desanexada era propriedade privada, por título documental legítimo em 13/08/1863 e em 9/5/1864 como resulta dos pontos 4, 5, 6, da matéria de facto indiscutida, ao Autor apenas cabia essa mesma prova e não também a prova do reatamento de todo o trato sucessivo ou seja a prova das transmissões subsequentes do bem até à sua actual propriedade, por forma a afastar a presunção de domininalidade isto em conformidade com o disposto no art.º 15/1 da Lei 54/2005 de 11/11; IV-Se à data em que foi decretada a expropriação por utilidade pública dos terrenos dos autos (o que inculca a certeza de que em 1927 eram do domínio privado os ditos terrenos) obedeceu à forma legal de Decreto então exigível para tanto, se nesse Decreto se prevê que a expropriação por utilidade pública visa a realização da aspiração dos povos do concelho de adquirirem as terras que cultivam conforme os considerandos do Decreto e o art.º 4 do mesmo diploma, deve concluir-se que a utilidade pública da expropriação traduziu-se na necessidade, logo considerada no Decreto, de ser operada a posterior venda dessas terras às pessoas que as cultivavam, sejam os caseiros, sejam os rendeiros, os meeiros ou os colonos, o que significa que é a própria lei expropriativa que contempla expressamente a posterior desafectação desses terrenos do domínio público; a desafectação concretizou-se, depois, legalmente, pela venda já prevista no diploma expropriativo, o que permite um juízo de certeza de que o terreno reivindicando é privado. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa. I–RELATÓRIO: AUTORA/APELANTE: ...de LUXO, Ld.ª RÉU/APELADO: ESTADO PORTUGUÊS (representado em juízo, pelo Ministério Público). I.1-Inconformada com a sentença de 29/2/2016 (ref.ª41563074) de fls. 353/360 que julgando a acção improcedente por não provada consequentemente não reconheceu a propriedade privada da autora sobre o prédio rústico inscrito na matriz predial sob o art.º 18037 (antes 5960) e descrito na Conservatória do Registo Predial da Ponta do Sol sob o n.º 794/19941121 e absolveu o Réu Estado Português do pedido dela apelou a Autora em cujas alegações em suma conclui: a)O art.º 15 da Lei 54/2005 de 15/11 estatui que quem pretenda obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcela de leitos ou margens de águas de mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis pode obter esse reconhecimento intentando a correspondente acção judicial devendo para o efeito provar documentalmente que tais terrenos eram por título legítimo, objecto de propriedade privada particular ou comum antes de 31 de Dezembro de 1864, o Tribunal entendeu que a Autora teria ainda de provar que a parcela de terreno permaneceu ininterruptamente sob propriedade particular desde então, mas o art.º 15 citado não exige este último requisito para a procedência da acção, assim o entendia a doutrina, no domínio do art.º 8 do DL 468/71 diploma anterior à Lei 54/05 como Diogo Freitas do Amaral e José Pedro Fernandes em “Comentários à Lei dos Terrenos de Domínio Hídrico” Coimbra Editora, 1978, pá. 127 e assim o entende a jurisprudência como no Ac RE de 14/12/2014 relatado por António Ribeiro Cardoso disponível no sítio www.dgsi.pt e no Ac STJ de 04/06/2013 relatado por Gregório Silva Jesus, disponível no mesmo sítio, e a Autora conseguiu fazer a prova daquela único requisito da lei que não exige a demonstração do trato sucessivo e manutenção da propriedade privada desde 1864 até aos dias de hoje, pelo que ocorre erro de interpretação a lei na decisão recorrida (Conclusões A) a O]. b)Mesmo que assim se não entenda, o que se não concede, o Tribunal incorreu em erro ao dar como não provado que o prédio descrito sob o n.º 8..., a fls. 1... v.º do L B-1 da Conservatória do Registo Predial da P... do S... sempre foi ocupado sem qualquer interrupção por todos os seus ante possuidores como é do conhecimento público, atendendo ao depoimento das testemunhas M.C. da S.G... e A.F... de que resultara provado um facto com o n.º 14 que o Estado Português que expropriara o prédio o vendeu a particulares e que esse prédio era, antes, durante e depois da expropriação ocupado e possuído por particulares, pois o mesmo pertenceu ao Conde de C..., depois aos Z..., depois ao domínio particular do Estado que posteriormente o vendeu aos caseiros, família M.R.M... casado com F. da E..., seguidamente por R. da E.R..., M.C.G..., A.R.S..., M.F.G..., A.M.F..., J.L.M.F..., E.M.F... e I.R.F..., posteriormente por Sousa & ... Sociedade e por fim pela recorrente que cultivavam a terra desse prédio e estes por sua vez o venderam à ora recorrente, devendo ser dado como provado o facto dado como não provado em 1; deve ser aditado um facto 9-A com a seguinte redacção “Não obstante se estar perante uma expropriação por utilidade pública a verdade é que os prédios desta expropriação não integraram o domínio público do Estado, mas sim o seu domínio provado continuando os caseiros que cultivavam estas terras antes da expropriação a cultiva-las durante e depois da expropriação mediante o pagamento de uma renda (Conclusões P) a R]. Ao decidir como decidiu o Tribunal violou o art.º 15 da Lei n.º 54/2005 de 11/11, n.º 1 do art.º 31 e n.º 1 do art.º 77 do DL 280/07 de 07/08 n.ºs 1 e 2 do art.º 9 do CCiv e 640, do CPC, devendo revogar-se a sentença recorrida reconhecer-se a propriedade privada da Recorrente sobre o prédio rústico composto de terra de cultivo, com a área de 2.500m2 que confronta a norte com F. F... e outros sul com C... do M..., leste com L... e oeste com A.M. F... e C... do M..., descrito na Conservatória do Registo Predial da P... do S... sob o n.º ...4/1....... da freguesa e concelho da P... do S... registado a favor da Requerente sob a apresentação 5... de 2/11/2011 e inscrito na matriz cadastral sob o art.º rústico 1.... (antes 5...) com as legais consequência, fazendo-se justiça; I.2-O Estado, em contra-alegações, em suma, veio dizer que ao Autor não basta fazer a prova de que o prédio era do domínio privado em momento anterior a 31 de Dezembro de 1864 tendo de provar que tal domínio permaneceu ininterrupto até ao presente, o que o recorrente não logrou fazer. I.3.-Recebido o recurso foram os autos aos vistos dos Meritíssimos Juízes-adjuntos que nada sugeriram; nada obsta ao conhecimento do mérito do mesmo. I.3.-Questões a resolver: a)Saber se ocorre erro na apreciação dos meios de prova e na fixação da decisão de facto negativa do ponto 1 dos factos não provados, devendo ser aditado também um novo facto; b)Saber se ocorre na decisão recorrida erro de interpretação e de aplicação das disposições dos artigos 15 da Lei n.º 54/2005 de 11/11 , n.º 1 do art.º 31 e n.º 1 do art.º 77 do DL 280/07 de 07/08 n.ºs 1 e 2 do art.º 9 do CCiv. II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO. II.1.-O Tribunal deu como assentes os seguintes factos: 1.-A propriedade do prédio rústico, composto de terra de cultivo, com a área de 2 500 m2, situado em L... de B..., freguesia de P... do S..., que confronta a Norte com F.F... e outros, Sul com o C... do M..., Leste com a L... e Oeste com A.M.F... e C... do M..., inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 1.... (antes 5...) e descrito na Conservatória de Registo Predial da P... do S... sob o nº 7.../1......., da freguesia e concelho da P... do S... mostra-se inscrita a favor de “...de Luxo, Lda.” ela inscrição Ap. 5... de 2011/11/02 (artigo 1º da petição inicial). 2.-O prédio identificado em 1. resultou de desanexação do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial da P... do S... sob o n.º 8..., a fls. 1...v do L.º B-1º (artigo 2º da petição inicial). 3.-A descrição n.º 8..., a fls. 1...v do L.º B-1º foi aberta em 19/09/1867 em face de uma “apresentação número 1 do Diário a páginas 10 verso de uma escritura pública por ocasião da qual e à vista da mesma escritura e mais esclarecimentos que exigi do apresentante A.G.H..., casado, proprietário, morador na Rua da P..., freguesia da ..., da cidade do Funchal, por si e como bastante procurador de F.G. dos S..., casado, proprietário, morador ao C... da M..., freguesia de S... L..., da cidade do Funchal, (…) fiz o presente extracto de descrição predial: uma propriedade que se compõe de casas de habitação e outras cobertas de palha onde moram caseiros, palheiros para gado, paredes, lanços e mais pertenças, cultivada por caseiros e meeiros, contendo terra de semeadura, algumas vinhas, terra de horta e diversas árvores de fruto. É situado no L... de B..., freguesia da P... do S..., confronta pelo norte com o segundo Conde de C..., sul com o C... do M..., leste com a R... da C... e oeste com o dito A.d’O.e V... e terras da L... dos E..., que confronta até a T... e o L..., pertencendo ao dito Segundo Conde de C....” (artigo 3º da petição inicial). 4.-Em documento de Ajuste de contas, confissão de dívida e hipoteca celebrado entre o Conde do C... e C.B..., com data de 13 de Agosto de 1863 aquele surge como devedor e dá de garantia para o pagamento do capital e juros que se mostram em dívida “as fazendas e propriedades que constituem a feitoria denominada da L... dos E..., na freguesia da P... do S..., concelho deste nome, as quais são uma grande propriedade, contendo a caza grande da residência, capella, terras e mais pertenças e regalias, no mesmo sítio da L... dos E..., que confronta ao Norte com a rocha, sul com o c... do m..., a leste com a R... da C... e pelo oeste com o T...” (artigo 5º da petição inicial). 5.-Em documento que titula o contrato de mútuo e de arrendamento celebrado entre o Conde do C... e F.G. dos S..., com data de 9 de Maio de 1864, surge referenciada “toda a grande propriedade da L... dos E..., na freguesia da P... do S..., concelho deste nome, com cazas, capella, águas e mais pertenças, a qual confronta ao Norte com a rocha da beira do P..., sul com o c... do m..., a leste com prédios de A.d`O... e oeste com os F...; outra propriedade no L... de B..., dita freguesia e concelho, limitada ao Norte com A.d`O..., Sul com o c... do m..., leste com a r... da c..., e Oeste com A.d`O... (artigo 6º da petição inicial). 6.-Na obra do Padre F.A. da S..., intitulada “A L... dos E... na Ilha da Madeira” é caracterizada a “L... da P... do S... ou dos E...” dizendo “Estendia-se da orla do oceano até o elevado planalto do P... da S... (…) Compreendia então o sítio que hoje propriamente se chama a L... dos E..., o sítio do J... e o sítio do L... de B..., em que ao presente vivem cerca de quatro mil e duzentos habitantes, em casais dispersos e distanciados uns dos outros, cuja vasta área correspondia aproximadamente às duas terças partes da actual freguesia da P... do S..., estendendo-se do “mar à serra”, no dizer de vários documentos antigos. Pelo lado oriental tinha como limite a R... da C..., na partilha da freguesia da T..., e pelo lado ocidental a R... da P... do S..., confinando ao norte, como já foi dito, com os acidentados montes que entestam com a planície do P... da S... e ao sul, com as águas do oceano Atlântico. Toda a L... coube em doação a R.G. da C..., segundo filho varão do capitão donatário do Funchal J.G.Z..., ficando ao primogénito J.G. da C... a sucessão na donatária com todos os privilégios que lhe andavam anexos. (…) Estes terrenos permaneceram intactos, em regímen de vinculação, na posse e usufruto dos sucessivos administradores dos dois morgadios, sendo seus últimos senhorios directos o segundo Conde de C..., com a L... dos E... e o L... de B... e o conselheiro A. de O..., com o sítio do J.... Os primeiros foram vendidos em hasta pública, no ano de 1893, à firma comercial do Funchal A. G... & Cª, e os segundos cedidos em 1920, por venda amigável, aos respectivos caseiros e meeiros” (artigo 7º da petição inicial). 7.-Por escritura pública outorgada a 31 de Outubro de 2011, no Cartório Notarial de P.A.B.N.R..., exarada a fls. 58 a 59 do livro 2... de escrituras diversas F.C. de S.P.A..., na qualidade de administradora e em representação da sociedade “Sousa & ..., S. A.” e gerente e em representação da sociedade comercial “...de Luxo, Lda.” declarou que pelo preço de trezentos e cinquenta mil euros a sua primeira representada vende à segunda representada o prédio rústico sito ao L... de B..., freguesia e concelho de P... do S..., descrito na Conservatória do Registo Predial da P... do S... sob o número 7..., com aquisição registada a favor da vendedora, venda que a segunda representada declarou aceitar (artigo 10º da petição inicial). 8.-Por escritura pública exarada em 24 de Abril de 1995, no Cartório Notarial da P...S..., a fls. 35 a 37v do L.º 3..., J.F. dos S..., na qualidade de procurador de A.M.F... e mulher N.A. de P.M.; I. M.R.F... e marido J.D.P. de A..., outorgando este por si e como procurador de J.L.M.F...; J.M.T.M..., como procurador de E.G.M. F... e mulher R.M.G...; M.C.S.G... e marido J.A. de P...; M.Z. da S.G... e marido H.J. dos S...; M.R. da S.G...; J.R.G... e mulher T. de J.D.G...; M.F.R.G... e marido J.A.G. de A..., outorgando ela por si e como procuradora de A.R.R. da S... e mulher M.N.M. de A. S... declararam que pelo preço de quarenta milhões de escudos, já recebido e de que prestam quitação, vendem à sociedade “Sousa & ..., Sociedade Anónima”, um prédio rústico, com a área de 2 500 metros quadrados, no sítio do L... de B..., freguesia de P... do S..., a confinar norte com F.F... e outros, Sul com o C... do M..., Leste com a L... e Oeste com A.M.F... e C... do M..., inscrito na matriz sob o artigo 5..., descrito na Conservatória do Registo Predial de P... do S... sob o número 0..../2....., registado a favor dos vendedores (artigo 11º da petição inicial). 9.-Com data de 26 de Janeiro de 1928 foi lavrada escritura pública mediante a qual, J. d`A..., como primeiro outorgante, na qualidade de representante do Estado, em nome deste declarou que tendo o Governo resolvido expropriar por utilidade pública e urgente as propriedades da segunda outorgante, a sociedade comercial A. G... e Companhia, representada por A.Z..., sitas no concelho da P... do S..., com todos os direitos que lhes são inerentes, como consta do decreto número 1.... de 26-12-1927, fixa, por esta escritura, o valor da indemnização a pagar à firma referida pela transmissão de direitos que por este instrumento se vai operar, dando em pagamento a quantia de seis milhões setenta e sete mil e quatrocentos escudos; que pelas rendas e rendimentos cobráveis e ainda em dívida pelos caseiros, rendeiros… o Estado dá em pagamento a quantia de trezentos mil escudos; pela segunda outorgante foi dito que concorda com a expropriação decretada pelo diploma mencionado e que aceita receber em pagamento pelos prédios expropriados a quantia mencionada, cedendo ao Estado todos os direitos às referidas propriedades que possuía no concelho da P... do S..., sitas entre a R... da C... e a antiga propriedade do J..., que era de A. d`O. e V..., a leste, a R... da V... da P... do S..., a oeste, o mar, ao sul, o P... da S... a Norte e são especificamente os seguintes; primeiro – prédio rústico e urbano denominado L... de B... descrito na Conservatória da Comarca da P... do S... sob o número 8..., com cultivo de cana-de-açúcar, vinha e outros, com uma área aproximada de trezentos sessenta e um mil e oitocentos metros quadrados [], tudo conforme documento que consta de fls. 256 a 270 p.p. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (artigo 29º da contestação) 10.-A aquisição da propriedade do prédio identificado em 1. a favor de M.R.M... casado com F. da E..., na comunhão geral, figura inscrita pela inscrição G1 Ap. 13/211194, por compra ao Estado (artigo 28º da contestação). 11.-A aquisição da propriedade do prédio identificado em 1., em comum e sem determinação de parte ou direito a favor de R. da E. R..., M.C.G..., M.Z.G..., M.R.G..., J.R.G..., A.R.R. da S..., M. F. G..., A.M.F..., J.L.M.F..., E.M.F.... e I.R.F..., encontra-se inscrita pela inscrição G2 Ap. 14/211194, por sucessão. 12.-A aquisição dessa mesma propriedade a favor de Sousa & ..., Sociedade Anónima encontra-se inscrita pela inscrição Ap. 5 de 1996/03/20, por compra, sendo sujeitos passivos os identificados em 11.. 13. A totalidade do prédio identificado em 1. está integrada na faixa com a largura de 50 metros calculada a partir da linha da máxima de preia-mar de águas vivas equinociais. II.2.-Deu o Tribunal com o não provados os seguintes factos: -o prédio descrito sob o número 8..., a fls. 1...v do L.º B-1º da Conservatória do Registo Predial da P... do S..., sempre foi ocupado sem qualquer interrupção, por particulares, e tradicionalmente, por todos os seus ante possuidores, como é do conhecimento público (artigo 15º da petição inicial); - há notícia de que em 1804 uma grande quebrada caiu dos terrenos sobranceiros da L... e que em 1803 um aluvião da R... da C... já tinha igualmente contribuído para aumentar o L... de B..., ocorrências que coadjuvadas pela acção marinha e acção das águas terão sido determinantes na formação da L... (artigo 26º da contestação). * III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO. III.1.-Conforme resulta do disposto nos art.ºs 660, n.º 2, 664, 684, n.º 3, 685-A, n.º 3, do CPC[1] são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539). III.2.-Não havendo questões de conhecimento oficioso a única questão a apreciar é a que constitui objecto da conclusão de recurso e mencionada em I, supra. III.3. Saber se ocorre erro na apreciação dos meios de prova e na fixação da decisão de facto negativa do ponto 1 dos factos não provados, devendo ser aditado também um novo facto; III.3.1.-Estatui o art.º 640 n.º 1: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente, obrigatoriamente, especificar, sob pena de rejeição: a) os concretos pontos de facto que considerar incorrectamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. O n.º 2 do art.º, por seu turno estatui que “quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar, com exactidão as passagens de gravação em que se funda o recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (alínea a); independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes(alínea b)”. III.3.2.-Era a seguinte a anterior redacção: Dispunha o n.º 1 do art.º 685-B: “Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (alínea a)],e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (alínea b)]” E o n.º 2: “No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 522-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à sua transcrição.” III.3.3.-Os ónus são basicamente os mesmos, vincou-se na alínea c) do n.º 1 do art.º 640 (o que não estava suficientemente claro, mas a doutrina pressupunha), o ónus de especificar a decisão que no entender do recorrente deveria ser proferida sobre a matéria de facto, manteve-se, também, o ónus (com redacção ligeiramente diferente) de identificar, com exactidão (nova redacção), ou identificar precisa e separadamente (anterior redacção) as passagens da gravação em que se funda (comum). III.3.4.-Pode dizer-se que continua válido o entendimento anterior da doutrina nessa matéria. A este propósito referia António Santos Abrantes Geraldes que o recorrente deve especificar sempre nas conclusões os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; para além disso, deve especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (documentos, relatórios periciais, registo escrito), deve indicar as passagens da gravação em que se funda quando tenha sido correctamente executada pela secretaria a identificação precisa e separada dos depoimentos, deve igualmente apresentar a transcrição dos depoimentos oralmente produzidos e constantes de gravação quando esta tenha sido feita através de mecanismo que não permita a identificação precisa e separada dos mesmos, deve especificar os concretos meios probatórios oralmente produzidos e constantes da gravação, quando esta foi feita por equipamento que permitia a indicação precisa e separada e não tenha sido cumprida essa exigência pela secretaria e por último a apresentação de conclusões deficientes obscuras ou complexas a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos para que possa afirmar-se a exigência da especificação na conclusão dos concretos pontos de facto impugnados ou da localização imediata dos concretos meios probatórios. Tudo isto sob pena de rejeição imediata sem convite ao aperfeiçoamento[2]. III.3.5.-O apelante cumpre o seu ónus processual e este Tribunal está em condições de reapreciar a decisão; foi ouvido o suporte áudio. III.3.6. O Tribunal recorrido não deu como provado que o prédio descrito sob o n.º 8... de fls. 1... v do Livro B-1 1 Conservatória do Registo Predial da P... do S... sempre foi ocupado sem qualquer interrupção por particulares e tradicionalmente, por todos os seus ante possuidores como é do conhecimento público (art.º 15 da p.i); na motivação o Tribunal escreveu ser inviável afirmar que tal parcela sempre foi ocupada sem qualquer interrupção, por particulares, desde antes de 1864, na medida em que tal prédio foi alvo de expropriação por Decreto 14832 de 26/12/1927, sempre sendo insuficientes os depoimentos das testemunhas A.M.F... e M.C. da S.G...que apenas atestaram que os respectivos avôs “faziam aquelas terras” e que teriam adquirido o solo ao Governo sendo que teriam falecido há cerca de sessenta anos ou seja, significa que nessa época a propriedade do solo era do Estado. O apelante rebela-se dizendo que tal prédio, após a expropriação, continuou a ser ocupado por particulares, a expropriação não teve em vista a realização de um interesse público nem a prossecução de nenhum das atribuições do Estado, pois se assim fosse os caseiros que antes da expropriação cultivavam a terra, continuaram a trabalhar naqueles prédios e o Estado não poderia proceder à sua alineação sendo inalienáveis, a expropriação não fez integrar o prédio no domínio público do Estado mas sim no seu domínio privado, tanto que o Tribunal deu como provado sob 10 que o prédio depois de expropriado em 1927 foi depois vendido a M.R.M... e F. da E... que deles constam no registo co o proprietários com inscrição G1 13/211194 por compra ao Estado. III.3.7.-Pretende o recorrente, em consonância com a sua alegação de recurso, que se adite um ponto 9-a, dando-se como provado, em suma, que não obstante se estar perante expropriação por utilidade pública dos prédios, os mesmos não integram o domínio público do Estado, mas sim o seu domínio privado, continuando os caseiros a cultivar essas terras. Ora, uma tal expressão integra juízos valorativos de facto e de direito ou ilação jurídica e no que toca aos juízos de direito seguramente não constituem matéria de facto. O ponto 9 da matéria de facto reproduz parcialmente a escritura pública de 26/1/1928 mediante a qual o Estado, tendo resolvido expropriar por utilidade pública e urgente as propriedades da primeira outorgante a sociedade comercial G... e Companhia, propriedade sitas no concelho de P... do S..., entre a R... da C... e a antiga propriedade do J... que era de A. D`O. e V..., a leste a R. da Vila da P... do S..., a oeste o mar, ao sul o P... da S... N..., prédio rústico e urbano denominado L... de B..., descrito na Conservatória sob o n.º 8... conforme o Decreto 14832 de 26/12/1927, fixou pela referida escritura o valor da indemnização que a segunda outorgante aceitou. III.3.8.-As testemunhas A.F...e M.C. da S. G... afiançaram que o avô que tiveram a possibilidade de conhecer, comprou essa propriedade ao Estado que havia expropriado aos Z... e que cultivaram essas terras; como referiu a testemunha M.C... com interesse “…os Z... morreram sem herdeiros, deixaram ao Estado, o Estado acabou por vender aos que faziam o terreno, venda essa a prestações, o meu avô pagou ao Estado…eram os caseiros que tomavam conta daquilo tudo, mais tarde o Estado vendeu e os caseiros ficaram os donos…aquelas terras nunca ficaram ao abandono, tiveram muitas bananeiras, verduras, plantas de toda a qualidade e faziam batata batata-doce, toda a verdura…o meu avô faleceu há uns 30 ou mais anos, o prédio era só dele, ficou para o meu pai, eles morreram e depois vendemos aos donos da empresa Sousa e F... … penso que primeiro era do Conde do C..., foi há muitos anos, não me lembro, só me lembro dos Z... … o Estado tem lá a sua floricultura, outra de agricultura, esses terrenos que o Estado lá tem têm serventia pública…a R... fica ao entrar no L... de B..., do lado da L... da R..., houve aluvião, fez prejuízos nuns restaurantes, o prédio doa autos fica para lá um pedacinho…o prédio que eu vendi à empresa não sofreu alterações com o aluvião do R..., o mar, no entanto, entrou no R... e está mais pequeno..” III.3.9.-É evidente que o testemunho real e directo não pode ir além dos 50/60 anos, as testemunhas não conseguem um relato directo com maior alcance temporal e é seguro que o relato indirecto, de ouvir dizer não pode ter um alcance tão longínquo quanto a data do Decreto Régio de 1864. Mas, ao invés do que o Tribunal recorrido consignou, a prova testemunhal produzida com conhecimento de causa e de forma livre e espontânea garante que o “o prédio descrito em 1 da matéria de facto provada e desanexado do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial da P... do S... sob o n.º 8..., a fls. 1... v.º do Livro B.1, foi ocupado por caseiros, pelo menos desde o momento em que a parcela foi expropriada pelo Estado, em 26/1/1928 conforme ponto 9 dos factos provados, caseiros esses que trabalharam a terra nela plantando vinha, fruta produtos hortícolas, vinha, o que continuaram fazendo depois de terem adquirido a parcela ao Estado.” Fica assim alterado o primeiro ponto dos factos não provados. III.4.-Saber se ocorre na decisão recorrida erro de interpretação e de aplicação das disposições dos artigos 15 da Lei n.º 54/2005 de 11/11 , n.º 1 do art.º 31 e n.º 1 do art.º 77 do DL 280/07 de 07/08 n.ºs 1 e 2 do art.º 9 do CCiv. III.4.1.-Entende o Tribunal recorrido em suma que: -A totalidade da área do prédio em referência está integrada na faixa com a largura de 50 metros calculada a partir da linha da máxima de preia-mar de águas vivas equinociais tal como se pode constatar da delimitação que consta de fls. 326/327 dos autos, ou seja está totalmente integrado na margem dos 50 metros que delimita o domínio público marítimo -O art.º 5/1 do DL 468/71 de 5/11 estatui entre o mais que águas navegáveis ou flutuáveis sujeitas a jurisdição das autoridades marítimas ou portuárias tem a largura de 50 metros e das restantes águas navegáveis ou flutuáveis de 30 metros (art.º 3/1 a 3) das águas do mar e de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis se consideram do domínio público do Estado sempre que tais leitos e margens lhe pertençam, estatuindo o n.º 2 desse art.º 5 que se consideram objecto de propriedade privada sujeitos a servidões administrativas, os leitos e margens de águas não navegáveis nem flutuáveis que atravessem terrenos particulares, bem como as parcelas dos leitos e margens das águas do mar e de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis que forem objecto de desafectação ou reconhecidas como privadas nos termos deste diploma; -A Lei 54/05 de 15/11 revogou os capítulos I e II do DL 468/71 de 5/11 e entrou em vigor em 30/12/05 -Apurou-se que o prédio dos autos confronta a sul com c... do m... está inserida em faixa de terreno contígua à linha que limita o leito das águas com a largura de 50 metros conforme art.ºs 3, 10, 11 e 12 da Lei 54/05, conclui-se que toda a área do prédio da matéria de facto está situada na margem do mar e como tal se presume a dominialidade pública nos termos do art.º 12/1, pelo que a pretensão da Autora apenas poderá proceder não estando alegada ou demonstrada a ocorrência da desafectação, caso logre demonstrar que aquele terreno era objecto de propriedade particular ante de 31/12/1864, ou no caso de se tratar de arribas alcantiladas antes de 22/3/1868 conforme art.º 15 da referida Lei, conforme Ac.STJ de 4/12/07 CJSTJ 2007, III, 168 e Freitas do Amaral e José Pedro Fernandes em Comentários à Lei dos Terrenos do Domínio Hídrico; -A Autora logrou demonstrar que o prédio descrito em 1 chegou à sua titularidade por compra e venda celebrada em 31/10/2011 com a anterior titular do direito inscrita no registo a sociedade “Sousa & ... S.A.” que por sua vez o havia adquirido a A.F... e outros conforme pontos 7 e 8 da matéria de facto, demonstrou ainda que já em 1863, num instrumento de confissão de dívida e hipoteca em que interveio o Conde C... esta dá em garantia de pagamento do capital e dos juros que se mostrem em dívida a fazendas e as propriedades que constituem a feitoria denominada L... dos E... que confronta a Norte com rocha a sul com c... de m... a Leste com R... da C... e a Oeste com o Tojo e essa propriedade abrangia o sítio da L... dos E..., o sítio do J... e o sítio do L... de B... cuja área correspondia a 2/3 da então freguesia da P... do S..., estendendo-se do mar à serra confrontando do sul com as águas do Atlântico referindo ainda o Padre F.A. da S... na obra “A L... dos E... na Ilha da Madeira” que a área correspondente aos sítios da L... dos E... e sítio do L... de B... veio a ser vendida em hasta pública no ano de 1893 à firma A. G... & Companhia conforme ponto 6 e que na sequência do Decreto 14832 de 27/12/27 aquelas propriedades forma expropriadas só em 1994 tendo sido registada a aquisição da parcela que deu origem ao prédio da Autora; -Não obstante as menções à titularidade privada incidente sobre o prédio descrito sob o n.º 8... na Conservatória do Registo Predial da P... do S... referentes ao ano de 1867 e mais do que isso à sua hipoteca em garantia do cumprimento das obrigações assumidas pelo particular já no ano de 1863, factos que revelam que a titularidade privada sobre a titularidade do prédio da qual a parcela referida em foi desanexada, certo é que resultou também provada a expropriação por utilidade pública do prédio em Dezembro de 1927, ou seja deixou de estar na titularidade dos particulares para estar sob a tutela do Estado, parcela que só veio a ser vendida pelo Estado e registada a favor de particulares em 1994 ou que atesta a dominialidade pública entre 1927 e 1994; a Autora apesar da presunção da titularidade do art.º 7 do CRgP e de ter demonstrado a titularidade privada da totalidade do prédio da qual a parcela em questão foi desanexada em data anterior a 31/12/1864 teria que demonstrar a permanência ininterrupta do prédio sob propriedade particular desde antes de 31/12/1864, o que está afastada porque o prédio foi expropriado em 1927 manteve-se em posse pública pelo tempo necessário à formação da usucapião (art.º 15/3 doa Lei 54/05), o que impossibilita a demonstração da aquisição da propriedade por usucapião por parte da Autora, sendo que o negócio de venda posterior desse terreno pelo Estado, porque está fora do comércio, é nulo nos termos do art.º 202/2 e 280 do CCiv. III.4.2.-Discorda a apelante que em suma diz: -Nada no art.º 15 da Lei 54/05 ou em toda esta Lei obriga a que o Autor alegue e prove que o prédio se manteve em propriedade privada desde antes de 31/12/1864 até ao presente como ensinam de resto Diogo Freitas do Amaral e José Pedro Fernandes na mencionada obra , pág. 127, como já se decidiu no Ac RE de 14/12/2014 , no Ac STJ de 4/6/2013, defendem Manuel Bargado em estudo publicado na Internet, Catarina Moreira e Lima, a única prova necessária para o reconhecimento da propriedade privada é a que demonstre que o prédio dos autos estava no domínio privado antes de 31/12/1864, prova que a recorrente conseguiu faz e, não tendo que fazer a prova da reconstituição do trato sucessivo e a da manutenção da posse por particulares; -O destino que foi dado à pare após a expropriação por utilidade pública, não foi de todo público como se apurou na audiência, pois continuou a ser ocupado por particular a quem depois o Estado vendeu as parcelas pelo que essas parcelas não pertenciam ao domínio público do Estado mas sim ao seu domínio privado. III.4.3.-O Estado, em defesa da decisão, em suma, diz o art.º 15/2 citado exige que o Autor alegue e prove não apenas que o imóvel estava na sua propriedade particular em datas anteriores a 31/12/1864 ou 22/3/1868 mas, essencialmente, que essa situação se manteve ininterrupta até ao presente como defendem José Miguel Júdice e José Miguel Figueiredo na “Acção de Reconhecimento da Propriedade Privada sobre Recursos Hídricos” como o Ac RP de 11/11/2014 /CJ 2014, pág. 187. III.4.4.-Actualmente, de acordo com a Constituição da República Portuguesa (última revisão de 200), pertencem ao domínio público (art. 84.º, n.º 1, alínea a)), não só as águas territoriais, que abrangem fundamentalmente as águas exteriores onde se incluem o mar territorial e águas arquipelágicas, com os seus leitos e os fundos marinhos contíguos, bem como os lagos, lagoas e cursos de água navegáveis ou flutuáveis, com os respectivos leitos, mas também (art. 84.º, n.º 1, alínea f)) outros bens como tal classificados por lei. Pela enumeração constitucional dos bens de domínio público verifica-se que tanto se incluem no domínio público bens cuja existência e estado resultam de fenómenos naturais (domínio público natural) como bens cuja existência e estando são uma consequência da intervenção do homem o domínio público artificial sendo o domínio público mencionado na alínea a) do n.º 1 do art.º 84 domínio público natural e necessário.[3] O domínio público nas águas territoriais mencionada no art.º 84/1/a estende-se ao leito das águas territoriais e aos fundos marinhos contíguos às águas territoriais, querendo-se abranger as plataformas continentais, isto é o leito e o subsolo das áreas submarinas mesmo que se estendam para além do mar territorial em toda a extensão natural do território até ao bordo exterior da margem continental ou até ao limite das 200 milhas, conforme Leis 33/77 Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, art.ºs 46 e ss, Lei 2080, base I; além das águas territoriais exteriores pertencem ao domínio público as águas marítimas interior aquém da linha de costa, como as baías, as fozes de rios, os portos e ancoradouros, sendo o domínio público hídrico composto ainda pelos lagos, lagoas e cursos de água navegáveis ou flutuáveis incluindo os respectivos leitos. O regime dos bens do domínio público deve ser definido por lei da AR ou por decreto-lei autorizado por força do art.º 165/1/v, estando a lei delimitada na conformação pelas dimensões típicas da dominialidade, como seja a imprescritibilidade ou impossibilidade de ser adquirida por usucapião, a impenhorabilidade, a insusceptibilidade de ser dados como garantia de obrigações, de serem objecto de servidões reais, exclusão de posse privatística e a impossibilidade de serem objecto de execução forçada ou de expropriação por utilidade pública, muito embora seja admissível a desapropriação de bens do domínio público regional ou local por acto do Estado.[4] Ainda que a Constituição o não diga podem ser desqualificados como bens do domínio público, mediante uma acto de desafectação e devolvidos ao regime de propriedade privada da Administração podendo depois ser eventualmente privatizados, mediante a sua alienação a entidades particulares. [5] III.4.5.-O Código Civil de 1867, no art. 380.º, classificava como públicas “as águas salgadas das costas, baías, fozes, rias e esteiros...”.Depois o Decreto nº 8, de 1 de Dezembro de 1892, aprovou a organização dos serviços hidráulicos, considerando serem públicas “as águas salgadas das costas, enseadas, baías, portos, docas, fozes, rios, esteiros e respectivos leitos, cais e praias, até onde se alcançasse o colo da máxima preia-mar de águas vivas”, e o Decreto nº 952, de 15 de Outubro de 1914, no qual se fixou um limite externo para a jurisdição marítima em terrenos do domínio público, determinando-se que a mesma se estendia a uma “faixa de 50m de largura a contar da linha da máxima preia-mar de águas vivas”. O Decreto nº 5787-IIII, de 10 de Maio de 1919, designado por “Lei das Águas”, reuniu diversas disposições que se encontravam dispersas sobre recursos hídricos, e o Decreto nº 12.445, de 29 de Setembro de 1926 que estabeleceu considerar-se como margem sujeita à fiscalização dos Serviços Hidráulicos nas águas marítimas uma faixa mínima com 50 metros de largura contada a partir da linha do máximo preamar (art. 14.º, nº 3). Finalmente, surge o DL nº 468/71, de 5/11, a proceder à revisão, actualização e unificação do regime jurídico dos terrenos incluídos no domínio público hídrico abrangendo, nos termos do artigo 1.º, “Os leitos das águas do mar, correntes de água, lagos e lagoas, bem como as respectivas margens e zonas adjacentes”, segundo as definições constantes dos artigos seguintes. Este diploma só anos mais tarde veio a ser revogado pela Lei nº 54/2005, de 15/11, que estabeleceu a titularidade dos recursos hídricos, e pela Lei nº 58/2005, de 29/12 que estabeleceu as bases e o quadro institucional para a gestão sustentável das águas. III.4.6.-Indiscutido nos autos que a Autor logrou provar não só que a parcela de terreno aqui em causa se encontra registada a seu favor, como também que o prédio do qual essa parcela foi desanexada era propriedade privada, por título documental legítimo em 13/08/1863 e em 9/5/1864 como resulta dos pontos 4, 5, 6, da matéria de facto indiscutida. Será suficiente para a procedência da acção ao abrigo do art.º 15 da Lei 54/05 de 15/11? III.4.7.-É a seguinte a redacção da Lei 54/2005 à data da entrada da petição em juízo: Artigo 15.º. Reconhecimento de propriedade privada sobre parcelas de leitos e margens públicos: 1-Quem pretenda obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis pode obter esse reconhecimento desde que intente a correspondente acção judicial até 1 de Janeiro de 2014, devendo provar documentalmente que tais terrenos eram, por título legítimo, objecto de propriedade particular ou comum antes de 31 de Dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de Março de 1868. 2-Sem prejuízo do prazo fixado no número anterior, observar-se-ão as seguintes regras nas acções a instaurar nos termos desse número: a)Presumem-se particulares, sem prejuízo dos direitos de terceiros, os terrenos em relação aos quais, na falta de documentos susceptíveis de comprovar a propriedade dos mesmos nos termos do n.º 1, se prove que, antes daquelas datas, estavam na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa; b)Quando se mostre que os documentos anteriores a 1864 ou a 1868, conforme os casos, se tornaram ilegíveis ou foram destruídos por incêndio ou facto semelhante ocorrido na conservatória ou registo competente, presumir-se-ão particulares, sem prejuízo dos direitos de terceiros, os terrenos em relação aos quais se prove que, antes de 1 de Dezembro de 1892, eram objecto de propriedade ou posse privadas. 3-Não ficam sujeitos ao regime de prova estabelecido nos números anteriores os terrenos que, nos termos da lei, hajam sido objecto de um acto de desafectação nem aqueles que hajam sido mantidos na posse pública pelo período necessário à formação de usucapião. III.4.8.-Também o art.º 16:
III.4.9.-Por fim:
III.4.-11. A Lei 54/05 aplica-se assim à Região Autónoma da Madeira; continua por regulamentar, na Região Autónoma da Madeira por diploma da respectiva Assembleia Legislativa, tanto quanto se sabe, o processo de reconhecimento de propriedade privada sobre parcelas de leitos e margens públicos, nos respectivos territórios; sabe-se também que por resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 9/2016/M é proposta a alteração da Lei 54/05 de modo a ter em conta as especificidades daquela Região designadamente quanto à margem que passaria a ser de 25 m em vez dos 50 m; III.4.12.-O antecedente diploma, DL 468/71, de 5/11, nos seus capítulos I e II que ora relevam foi revogado pela mencionada Lei; o art.º 8 tem o mesmo alcance do art.º 15 no que toca à prova (o art.º 8/1 estatuía a obrigatoriedade de prova documental por parte dos particulares que pretendessem obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis de que tais terrenos eram propriedade particular ou comum antes de 31/12/1864 ou tratando-se de arribas alcantiladas antes de 22/3/1868); a propósito desse preceito, diziam já Freitas do Amaral e Pedro Fernandes[6] que o DL acolheu como princípio geral o entendimento da Comissão do Domínio Público Marítimo de que o Estado beneficiava de uma presunção iuris tantum de domininalidade pública dos terrenos que constituem o leito e a margem de águas dominais da sua jurisdição e que caso o interessado dispusesse de prova documental que demonstrasse a entrada no domínio privado, por título legítimo, título legítimo entendido como qualquer modo legítimo de adquiri na expressão do art.º 518 do CCiv de 1867, como o contrato, sucessão por morte, usucapião, acessão, do respectivo terreno em data anterior a 31/12/1864 ou a 22/3/1868 tratando-se de arribas alcantiladas, “o interessado pode ver reconhecido o seu invocado direito de propriedade”; o n.º 1 exigia prova documental e só no caso de não ter essa prova documental é que o interessado como consignado no n.º 2 poderia fazer a prova da posse privada, por qualquer meio, ou seja de que o terreno estava naquelas datas na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa, hipótese dos baldios municipais ou paroquiais; igual prova poderia ser feita se o interessado não dispusesse de documentos anteriores a 31/12/1864 ou 22/3/1868 por se terem tornado ilegíveis ou terem sido destruídos por incêndio ou facto semelhante ocorrido na conservatória ou registo competente; a última situação é a da desafectação do terreno do domínio público em qualquer data para além de qualquer das que foram indicadas provando-se por referência a diploma certidão do despacho de que resultou; fora dessas situações a alienação de bens do domínio público por acto administrativos como entendiam aqueles autores tem de considerar-se nulo e de nenhum efeito por ter um objecto impossível, não tem nenhuma eficácia, o que pressupõe que nenhuma dúvida haja que se trata de uma coisa dominial.[7] III.4.13.-Não havendo dúvidas que a parcela era do domínio privado antes daquelas data, face aos justos títulos que se encontram nos autos, resulta de uma mera interpretação literal do art.º 15 que ao Autor apenas cabia essa mesma prova e não também a prova do reatamento de todo o trato sucessivo ou seja a prova das transmissões subsequentes do bem até à sua actual propriedade, por forma a afastar a presunção de domininalidade, como o defendem os mencionados José Miguel Júdice e José Miguel Figueiredo[8]. O receio manifestado por esses autores de que não há garantia de que o bem não tenha ingressado depois daquelas datas e por um qualquer motivo admissível no domínio público, é infundado neste tipo de acções precisamente porque ao Estado, representado pelo Ministério Público, não oferece especial dificuldade a prova do facto impeditivo ou extintivo do direito do Autor suportado pelos mencionados títulos e presunção registral do art.º 7 do CrgP, ou seja o de que ocorreu, entretanto, acto que fez ingressar o terreno na domininalidade pública. No sentido de que ao Autor não é exigível nesta circunstância documental da propriedade privada outro tipo de prova, vão os mencionados autores Diogo Freitas do Amaral e José Pedro Fernandes na obra mencionada, assim como Catarina Moreira Lima[9] e Manuel António do Carmo Bargado, juiz Desembargador[10]. III.4.14.-Nos tribunais Superiores designadamente na Relação de Évora colheu-se esse entendimento, embora se não desconheça posição diferente designadamente na Relação do Porto e na de Lisboa; também no STJ tem sido esse o entendimento como resulta dos seguintes arestos disponíveis no sítio www.dgsi.pt, cujo sumário, de seguida se transcreve: 6584/06.2TBVNG.P1.S1 Nº Convencional:1ª SECÇÃO Relator:REGÓRIO SILVA JESUS Descritores: DOMÍNIO PÚBLICO DOMÍNIO PÚBLICO MARÍTIMO PRESUNÇÃO JURIS TANTUM COISA ALHEIA ACÇÃO JUDICIAL CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA PERDA DE INTERESSE DO CREDOR INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA Data do Acordão:04-06-2013 Votação:UNANIMIDADE Texto Integral:S Privacidade:1 Meio Processual:REVISTA Decisão:CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA Decreto 14832 de 26/12/1927 (…) Recordamos que na vigência do DL nº 468/71, os particulares deviam provar, documentalmente, que esses terrenos eram, por título legítimo, objecto de propriedade privada ou comum antes de 31 de Dezembro de 1864 (ou de 22 de Março de 1868, em caso de arribas alcantiladas); na falta de documentos comprovativos da propriedade, deviam provar que, naquelas datas, tais terrenos estavam na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa[25]; se a indisponibilidade desses documentos se devesse a se terem tornado ilegíveis ou terem sido destruídos por incêndio ou facto semelhante ocorrido na conservatória ou registo competente, podiam provar que o terreno era objecto de propriedade ou posse privada antes de 1 de Dezembro de 1892; por fim, podiam provar que o terreno havia sido objecto de um acto de desafectação[26]. A Lei nº 54/2005 manteve esta exigência de regime de prova no seu art. 15.º, acrescentando no nº 3 que ao mesmo não ficam sujeitos os terrenos “que hajam sido mantidos na posse pública pelo período necessário à formação de usucapião”, porém, determinou que o reconhecimento desses direitos deva ser feito através de acção judicial a instaurar pelos interessados até 2014. (…) * 81/11.8TBVRS.E1 Relator:ANTÓNIO RIBEIRO CARDOSO Descritores:ESTADO DOMÍNIO PÚBLICO PROVA DOCUMENTAL Data do Acordão:14-12-2014 Votação:UNANIMIDADE Texto Integral:S Sumário:a)–A Lei 54/2005 apenas consagra uma presunção iuris tantum de dominialidade que os particulares podem ilidir intentando a respectiva acção prevista no nº 1 do art. 15º, como já antes o previa o DL 468/71 de 5/11 no seu art. 5º, nº 2. b)–Para que o particular obtenha o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas do domínio público marítimo tem que provar por documento com força bastante que tais terrenos eram, por título legítimo, objeto de propriedade particular ou comum antes de 31 de dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de março de 1868; c)–A prova documental referida no número anterior só pode ser suprida quando se prove que os documentos anteriores a 1864 ou a 1868, conforme os casos, se tornaram ilegíveis (existem mas estão ilegíveis) ou não existem porque foram destruídos, por incêndio ou facto de efeito equivalente ocorrido na conservatória ou registo competente; d)–Caso a prova da ilegibilidade ou da destruição dos documentos por incêndio ou facto de efeito equivalente ocorrido na conservatória ou registo competente, seja feita, fica afastada a presunção de dominialidade; e)–Afastada a presunção de dominialidade, os terrenos “presumir-se-ão particulares” desde que “se prove que, antes de 1 de dezembro de 1892, eram objeto de propriedade ou posse privada”. Sumário do Relator (…) III.4.15.-Pensamos que a letra da lei não exige do Autor da acção intentada ao abrigo do art.º 15/1 da Lei 54/05 a alegação e aprova do reatamento do trato sucessivo desde antes de 1864 até à data em que logrou inscrever o terreno em seu nome; na verdade, provando a Autora, pelos títulos, aquela propriedade privada, antes de 1864, estando o seu direito de propriedade inscrito no registo, não só goza da presunção do direito como logrou afastar a presunção iuris tantum da dominialidade do Estado referida na Lei 54/05, o que só não aconteceria se por qualquer outra razão a parcela tivesse regressado ao domínio público hídrico; o Estado na sua contestação, ultrapassada a matéria de excepção que se não discute aqui, impugna a petição, em suma dizendo que os documentos da Autora são inábeis a provar que ela ou alguém que a antecedeu e de quem eles adquiriram de forma legítima eram proprietários daquele concreto imóvel antes de 31/12/1864 data em que pelo Rei Dom Carlos foi instituído o Domínio Público Marítimo (art.ºs 22 a 28); ora esta questão está ultrapassada pela sentença que reconheceu a idoneidade dos títulos que se não discute no recurso, tendo por isso formado caso julgado; alega, ainda, o Estado que adquiriu toda a propriedade que havia sido o morgadio do Conde de C... no Sítio do L... de B... expropriando tal propriedade à Autora G... & Cia contra o pagamento de um indemnização a esta empresa como resulta da versão completa do Livro “A L... dos E... na Ilha da Madeira”, expropriação concretizada pela escritura de 26/1/1928, ficando a cargo das Finanças do Funchal a administração do local incluindo as futuras vendas aos colonos e arrendamentos conforme Decreto 15.174 de 14/3/1928, venda essa que acabou por ocorrer em 10/2/1989 àqueles a quem a Autora a comprou, negócio esse que deu lugar a inscrições no registo predial que enfermam de nulidade por se tratar de negócio de objecto legalmente impossível, por força dos art.ºs 280/1 do CCiv 669 e 7671/1 do Código de Seabra, sendo o registo nulo porque o art.º 16/b do CRgP estatui essa nulidade de registos feitos com base em títulos insuficientes. Contudo o Estado não pede que se reconheça a propriedade do Estado sobre essa parcela nem pede que sejam canceladas as inscrições registrais a favor da Autora com base nessa nulidade. A sentença recorrida acolhe este raciocínio sustentado em Paulo Cancela de Abreu que refere que o Estado pode reclamar para o domínio público certos terrenos marginais que tenham sido expropriados por estarem compreendidos no leito da corrente navegável ou flutuável ou dentro da linha da máxima preia-mar das águas vivas, no caso de se tratar de águas do domínio público; a decisão recorrida sustenta que, em virtude da expropriação do prédio, este manteve-se integrado no domínio público o que conjugado com a falta de prova da permanência ininterrupta do prédio em 1 sob propriedade particular desde antes de 31/12/1864. A decisão recorrida limitou-se a julgar improcedente a acção em boa parte como base, também no argumento da nulidade da compra da parcela em causa ao Estado, mas, porque não houve reconvenção do Estado no sentido de reconhecer essa parcela como do domínio público, como não houve pedido de cancelamento dos registos da Autora, a improcedência da acção mantém a insegurança jurídica em torno da inscrição predial da parcela a favor da Autora. Será que a parcela de terrenos se manteve em posse pública (por força do Decreto Expropriativo de 1927 e subsequente escritura de expropriação), esta entendida como domínio do Estado pelo tempo necessário à usucapião, circunstância que por si só impediria o regime de prova dos n.ºs 1 e 2 do art.º 15 (cfr n.º 3 do art.º 15 da Lai 54/05 acima transcrito)? III.4.16.-É do seguinte teor o Decreto Expropriativo: III.4.17.-O objectivo da expropriação por utilidade pública não foi o de o Estado ficar possuidor e proprietários das terras, o objectivo declarado foi o de solucionar as “questões a que a exploração delas tem dado lugar e realizar…a aspiração dos povos do concelho de adquirirem as terras que cultivam e que têm valorizado com o seu trabalho e capital”; este objectivo de, após a expropriação, revender as terras aos colonos, rendeiros, meeiros ou caseiros que tiverem pago as rendas vencidas consta expressamente do art.º 4.º do Decreto Expropriativo; o Decreto 15.174 de 14/3/1928 aprovou o regulamento com vista à administração conservação e venda desses terrenos e que se encontra por cópia a fls. 271/273 e o Decreto 19.268 de 24/1/1931 revogou a legislação anterior sobre essa matéria e aprovou novo regulamento que estabelece as condições em que deve se feita a administração e a venda das propriedades do Estado as parceiros agrícolas (meeiros, rendeiros, caseiros e colonos), sitas nos concelhos da P... do S... e do Funchal, distrito do Funchal e que foram adquiridas à firma G... & C.ª por virtude do Decreto 14.832 de 26/12/1927 e da escritura de 28/1/1928 e de cujo art.º 1 do regulamento consta expressamente “As propriedades rústicas e urbanas do Estado na L... dos E... e no L.. de B..., assim como as que faziam parte dos sanatórios da Madeira, serão alienadas no mais curto espaço de tempo, nas condições fixadas neste regulamento e poderão ser arrendadas enquanto se não realizarem as vendas.” (sublinhado nosso)- cfr. fls. 274/277 dos autos. III.4.18.-E que questões de exploração das terras eram essas a que o Decreto Expropriativo faz referência? A obra que se encontra fotocopiada a partir de fls. 191 dos autos com o nome “A L... dos E... na Ilha da Madeira”, editado em 1933 pelo seu autor Padre Fernando Augusto da Silva, dá conta de que o primeiro possuidor e descobridor da L... sita na P... do S... foi o capitão J. G.Z... que a doou depois aos seus filhos e que viu nela os indispensáveis requisitos para ser transformadas em “uma vasta e rica herdade, reservando-a inteiramente paras seus filhos que sem dúvida a converteriam num dos centros de maior actividade industrial e comercial que então existiam em toda a ilha”, Lombada essa que compreendia “o sítio que hoje se chama de J... e o sítio do L... de B..., tendo como limite oriental a R... da C..., na partilha da freguesia da T... e pelo lado ocidental a R... da P... do S... confinando a Norte com os acidentados montes que entestam com a planície do P... da S... e ao sul com as águas do Oceano Atlântico” e que esses terrenos permaneceram intactos “em regímen de vinculação na posse e usufruto dos sucessivos administradores dos dois morgadios, sendo seus últimos senhorios directos o segundo Conde de C..., com a L... dos E... e o L... de B... e o Conselheiro A. d'O... com o sítio do J..., os primeiros foram vendidos em hasta pública no ano de 1893 à firma comercial do Funchal A. G... & Cia” e os segundos cedidos em 1920 por vendas amigável aos respectivos caseiros e meeiros” e que em 1923 “surgiu uma proposta de compra das terras da L... de B... e do L... de B..., destinada à revenda das glebas aos colonos e aos rendeiros delas. Essa revenda simulada ou fictícia foi-se realizando pelo pretendo comprador, vendo-se os proprietários que eram súbditos estrangeiros compelidos a recorrer ao governo português depois de um prudente e consciencioso estudo do assunto, resolveu expropriar aqueles terrenos e indenisar os seus senhorios dos graves prejuízos que lhes tinham sido injustamente causados, conserva-se o Estado na disposição de ceder essas terras por venda e em condições favoráveis aso antigos cultivadores…”, III.4.19.-O art.º 15/3 da Lei citada prevê a dispensa da prova da propriedade nos termos do n.º 1 do mesmo art.º se tiver ocorrido a desafectação dos terrenos do domínio público. A desafectação é o facto jurídico pelo qual uma coisa é distraída do regime de domininalidade a que se encontra sujeita, passando à categoria de coisa do domínio privado.[11] A desafectação implica a cessação da domininalidade, o que ocorre por virtude do desaparecimento das coisas ou em consequência do desaparecimento da utilidade pública que as coisas prestavam ou de surgir um fim de interesse geral que seja mais convenientemente preenchido noutro regime.[12] A desafectação é expressa quando a lei retira a natureza dominial a toda a uma categoria de bens, dizendo-se genérica ou quando determina que certa coisa não possui carácter dominial ou não está afecta a uma utilidade pública, dizendo-se então desafectação singular[13], podendo ainda resultar de uma nova delimitação ou demarcação que deixa no domínio privado, por exemplo o terreno abandonado pelo recuo das águas do mar e consequente avanço da praia, sendo, face ao art.º 19 da Lei 54/05 exigida a reserva de lei não podendo ser feita por acto administrativo, o que sendo feito geraria a nulidade do acto. Já a desafetação tácita prende-se com a falta de utilização pelo público o que implica a perda da característica pública da respectiva utilidade, ficando ela a pertencer ao domínio privado da pessoa colectiva de direito público sua proprietária, daí resultando que a partir do momento em que se haja verificado a tácita desafectação, entra no comércio jurídico-privado e se torna alienável e prescritível.[14] III.4.20.-À data em que foi decretada a expropriação não estava em vigor o art.º 19 da Lei 54/05, contudo o acto expropriativo obedeceu à forma legal de Decreto então exigível para tanto; e é nesse Decreto que se prevê que a expropriação por utilidade pública visa a realização da aspiração dos povos do concelho de adquirirem as terras que cultivam conforme os considerandos do Decreto e o art.º 4 do mesmo diploma acima reproduzido em fac simile do Jornal oficial; a utilidade pública da expropriação traduziu-se na necessidade, logo considerada no Decreto, de ser operada a posterior venda dessas terras às pessoas que as cultiva, sejam os caseiros, sejam os rendeiros, os meeiros ou os colonos, o que significa que é a própria lei expropriativa que contempla expressamente a posterior desafectação desses terrenos do domínio público. III.4.21.-Os bens dominiais podem vir a ser integrados do domínio privado e consequentemente ser objecto de actos do comércio, através da desafectação, desde que realizado pelo órgão competente para tal; assim se entendeu no seguinte aresto do STA disponível no sítio informático www.dgsi.pt cujo sumário e partes se transcrevem: Data do Acordão:08-09-2011 Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA Relator:COSTA REIS Descritores:DOMÍNIO PÚBLICO PRINCÍPIO DA CONFIANÇA DESAFECTAÇÃO Sumário:I-As coisas públicas estão fora do comércio jurídico privado, o que significa serem insusceptíveis de redução à propriedade particular, inalienáveis, imprescritíveis, impenhoráveis e não oneráveis pelos modos do direito privado, enquanto coisas públicas. II-A atribuição do carácter público dominial a um bem resulta não da forma ou das circunstâncias da sua aquisição mas da verificação de um dos seguintes requisitos: (1) da existência de norma legal que o inclua numa classe de coisas na categoria do domínio público, (2) de acto que declare que certa e determinada coisa pertence a esta classe e (3) da afectação dessa coisa à utilidade pública, sendo que esta afectação tanto pode resultar de um acto administrativo formal (decreto ou ordem que determine a abertura, utilização ou inauguração), como de um mero facto (a inauguração) ou de uma prática consentida pela Administração em termos de manifestar a intenção de consagração ao uso público. III-Todavia, o facto das coisas públicas não poderem ser objecto de contratos de direito civil, nem reduzidas à propriedade privada ou ser objecto de posse civil não significa que elas não possam ser subtraídas ao domínio público e integradas no domínio privado e que, na sequência desta alteração, não possam ser objecto de actos de comércio. IV-O princípio da confiança envolve uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica exigindo que a actuação da Administração se paute pelo respeito do direito à certeza e segurança jurídicas e à protecção das suas legítimas expectativas, o que conduz a que devam considerar ilegais os actos que de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva violem aqueles mínimos de certeza e segurança que as pessoas e a comunidade têm direito. V-(...) I-Todavia, o facto das coisas públicas não poderem ser objecto de contratos de direito civil, nem reduzidas à propriedade privada ou ser objecto de posse civil não significa que elas não possam ser subtraídas ao domínio público e integradas no domínio privado e que, na sequência desta alteração, não possam ser objecto de actos de comércio. Ou seja, a lei não impede a alteração do regime de dominialidade das coisas públicas, alteração que se fará através da desafectação do bem integrado no domínio público e da sua integração no domínio privado, mas neste caso essa alteração tem de obedecer às normas legais que a consentem, designadamente as que respeitam à competência do órgão para a fazer. III.4.30.-Mesmo que assim se não entendesse, isto é que aquela possibilidade de alineação a particulares de bens dominais objecto do acto expropriativo, se possa qualificar de desafetação legal, sempre deveria entender-se que as circunstâncias em que ocorreu a expropriação, atendendo aos seus considerandos e razão de ser, não ocorreu verdadeira utilidade pública nessa expropriação, já que os terrenos expropriados se destinavam a ser cultivados pelos parceiros agrícolas que as trabalhavam e à posterior alienação dos mesmos a esses mencionados parceiros agrícolas, o que sempre levaria à conclusão de uma desafectação tácita desses terrenos. Seja por uma ou por outra razão, porque o próprio Decreto expropriativo previa expressamente a posterior alienação das parcelas expropriadas aos parceiros agrícolas, nunca a venda que posteriormente foi feita a estes poderia ser considerada nula, porque em bom rigor não poderá afirmar-se que esses terrenos se encontravam no domínio público ou que eram insusceptíveis de apropriação individual, por força das disposições conjugadas dos art.ºs 202 e 280 do CCiv. A desafectação concretizou-se, assim, legalmente, pela venda já prevista no diploma expropriativo, o que permite um juízo de certeza de que o terreno reivindicando é privado. IV-DECISÃO. Tudo visto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente a apelação, consequentemente, revogam a decisão recorrida que se substitui por estoutra que julga a acção procedente por prova sendo reconhecida como propriedade privada a parcela de leito e margem de água do mar incluídas no prédio rústico composto de terra de cultivo, com a área de 2500 m2 situado no L... de B..., freguesia de P... do S..., que confronta a Norte com F.F... e outros, Sul com o C... do M... Leste com a L... e Oeste com A.M.F... e C... do M..., inscrito na matriz predial respectiva sob o art.º 1... (antes 5...) e descrito na Conservatória do Registo Predial da P... do S... sob o n.º 7.../1......., da freguesia e concelho da P... do S... e inscrita a favor de ... de Luxo, Ld.ª pela inscrição Ap 525 de 2011/11/02. Regime da Responsabilidade por Custas: Sem custas atento o decaimento do Estado, representado pelo Ministério Público e as regras dos n.ºs 1 e 2 do art.º 527 Lx, 20/10/2016. João Miguel Mourão Vaz Gomes Jorge Manuel Leitão Leal Ondina Carmo Laves [1]Na redacção que foi dada ao Código do Processo Civil pela Lei 41/2013 de 26/6, entrado em vigor a 1/9/2013, atenta a circunstância de a acção ter sido instaurada em 21/09/2013, a autuação ter ocorrido em 22/08/2013 e a decisão recorrida ser de 29/02/2016 como resulta dos autos e o disposto no art.º 5/1 do mencionado diploma; ao Código referido pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem. [2]Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, 2008, págs. [3]Gomes Canotilho e Vital Moreira anotação ao art.º 84 da Constituição…, Coimbra Editora, 2007, vol. I. pág 1002 [4]Gomes Canotilho e Vital Moreira, obra e local citados, pág. 1005 [5]Idem pa. 1007 [6]Comentário à Lei dos Terrenos do Domínio Hídrico, Coimbra Editora, 1978, págs. 124 e ss. [7]Autores e obra referenciados, pá.137 [8]Acção de Reconhecimento da Propriedade Privada sobre Recursos Hídricos, Almedina, 2013, pág.81 [9]“As Limitações ao Direito de Propriedade Privada no Domínio Público Marítimo”, dissertação de mestrado em Direito- Ciências Jurídico-Administrativas, da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, disponível on line, pág. 46. [10]O Reconhecimento da propriedade privada sobre terrenos do domínio público hídrico, disponível on line, pág. 18 [11]Freitas do Amaral e José Pedro Fernandes, Comentário…cit. pág. 131. [12]Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, pág. 956 [13] Marcelo Caetano, Manual, pág. 956 [14]Marcelo Caetano, obra cit, pág. 958 |