Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES | ||
Descritores: | EXECUÇÃO TÍTULO AO PORTADOR LEGITIMIDADE ACTIVA CESSÃO DE CRÉDITOS LIVRANÇA EM BRANCO PACTO DE PREENCHIMENTO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/20/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I. No âmbito da legitimidade activa na execução, no caso de título ao portador, será a execução promovida pelo portador do título – nº 2 do art.º 53º do Código de Processo Civil, e tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda. II. Os títulos de crédito, mormente a livrança, pode ser transmitida, além do endosso, por cessão de créditos, sendo que, nesta modalidade, a cessão não carece de se encontrar reflectida no próprio título. III. Ocorrida a cessão de créditos entre a credora primitiva e a exequente a mesma implica, na falta de convenção em contrário, a transferência das garantias e dos acessórios ao abrigo do disposto no artigo 582.º do Código Civil. IV. Não constitui fundamento de ilegitimidade da cessionária a circunstância de a livrança não se encontrar preenchida aquando da cessão, pois a livrança em branco é admitida no nosso ordenamento jurídico (cf. art.º 10.º da LULL), na falta de convenção em contrário, com a transmissão do crédito cambiário emergente da livrança transmite-se para o cessionário o direito de proceder ao seu preenchimento, de acordo com o previsto no respetivo pacto. (Sumário elaborado pela relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório: A presente execução foi intentada por “S... – STC, S.A.” contra F… e M…, sendo apresentado como título executivo uma livrança (emitida em 29/11/2011 pelo ‘BANIF’, com o valor de 8.901,27€, e data de vencimento de 2/05/2024), junta em 26/07/2024. No requerimento executivo alega a exequente que: “1.º Por Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal tomada em reunião extraordinária, de 20 de Dezembro de 2015, foi aprovada a aplicação de uma medida de resolução ao BANIF - Banco internacional de Crédito do Funchal, S.A. e na sequência da qual foi constituída a sociedade OITANTE, S.A. (inicialmente designada por “Naviget”), tendo-se determinado a transferência para a mesma, dos activos, passivos e elementos extrapatrimoniais sob gestão do BANIF - Banco internacional de Crédito do Funchal, S.A., ao abrigo do disposto nos artigos 145.º-E, 145.º-G e 145.º- H do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, conjugado com o artigo 17.º -A da Lei Orgânica do Banco de Portugal. 2.º A OITANTE, S.A. foi, assim, investida na posição de titular dos créditos anteriormente detidos pelo BANIF- Banco Internacional do Funchal, S.A. - cf. artigo 412.º do CPC. 3.º Por contrato de cessão de créditos celebrado em 25 de Novembro de 2016, a OITANTE, S.A. cedeu à sociedade I… , S.A.R.L., os créditos que detinha sobre os Executados, bem como todas as garantias e acessórios a eles inerentes - cf. Contrato de cessão de créditos que ora se junta como Doc. 1, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 4.º A carteira de créditos objecto de cessão inclui o Contrato n.º 398257440143. 5.º Posteriormente, por contrato de cessão de créditos celebrado em 12 de Maio de 2022, a I… S.À.R.L., cedeu à sociedade L…, S.À.R.L, essas mesmas responsabilidades bancárias - cf. Contrato de cessão de créditos que ora se junta como Doc. 2, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 6.º Por fim, por contrato de cessão de créditos outorgado em 29 de Junho de 2022, a L…, S.À.R.L. cedeu-os à sociedade S... - STC, S.A., ora Exequente, sendo por isso a actual titular do direito de crédito, tendo-lhe sido transmitidas todas as garantias e acessórios do mesmo, incluindo, indemnizações e outras obrigações e, designadamente, o direito de obter o cumprimento judicial ou extrajudicial das obrigações - cf. Contrato de cessão de créditos que se junta como Docs. 3 e 4, e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos. 7.º A responsabilidade bancária titulada pelos Executados que integra o perímetro da cessão, encontra-se identificada na linha 11526 da base de dados extraída do CD corresponde ao Anexo 3 (“Empréstimos”) do “Contrato de Compra e Venda” celebrado entre a OITANTE, S.A. e a I..., S.A.R.L., ao Anexo 3 (“Empréstimos”) do “Contrato de Compra e Venda” celebrado entre a I..., S.A.R.L. e a L..., S.À.R.L., e ao Anexo 3 (“Empréstimos”) do “Contrato de Compra e Venda” celebrado entre a L..., S.À.R.L. e a S... - STC, S.A., ora Exequente. 8.º De acordo com o disposto no artigo 577.º n.º 1 do Código Civil: “O credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor”. 9.º A Exequente é dona e legítima portadora de uma livrança subscrita pelos Executados, no montante total de € 8.901,27 (oito mil novecentos e um euros e vinte e sete cêntimos), a qual se venceu em 2 de Maio de 2024, destinada a garantir o cumprimento das obrigações emergentes do contrato supra identificado - cf. Livrança que ora se junta como Doc. 5, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 10.º Nos termos do disposto no artigo 78.º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, o subscritor de uma livrança é responsável da mesma forma que o aceitante de uma letra. 11.º Os Executados não pagaram o montante inscrito na livrança na data do respectivo vencimento, nem posteriormente, apesar de ter sido interpelados para o efeito - cf. Carta de resolução e respectivo AR que ora se juntam como Doc. 6 e 7 e cujo teor se dão por integralmente reproduzido. A 20/09/2024, foi a ora exequente notificada do despacho com o seguinte teor: “Atentas as datas das cessões, e de vencimento da livrança, notifique a exequente para, em dez dias (CPC 734º), esclarecer quem preencheu o montante e data de vencimento – devendo, no mesmo prazo, liquidar os créditos alegadamente cedidos.”. Em resposta a exequente veio informar que “(…) a ora Exequente, actual titular dos créditos cedidos, procedeu ao preenchimento da livrança, tendo para o efeito remetido a respectiva carta de preenchimento da livrança, conforme aliás resulta do Requerimento Executivo”. A 17/10/2024, foi proferido o seguinte despacho: “A presente execução foi requerida em 20-V-24 por “S... – STC, S.A.” contra F… e M… – sendo apresentado como título executivo uma livrança (emitida em 29-XII-11 pela ‘BANIF’, com o valor de 8.901,27€, e data de vencimento de 2-V-24), junta em 26-VII-24. Para justificar a sua legitimidade, a exequente juntou um “ASSIGNMENT AGREEMENT” de 25-XI-16 (entre ‘Oitante S.A.’ e ‘I... S.a.r.l.’), um “SALE AND PURCHASE AGREEMENT” de 12-V-22 (entre ‘I... S.a.r.l.’ e “L... S.a.r.l.”), um “SALE AND PURCHASE AGREEMENT” de 29-VI-22 (entre “L... S.a.r.l.” e exequente) e um “ACORDO DE ALTERAÇAO” de 14-VII-23 (entre “L... S.a.r.l.” e exequente), Notificada para esclarecer quem preencheu a livrança, em 26-IX-24 a exequente declarou tê-lo feito (invocando os artigos 11º§2 e 77º§1 da L.U.L.L.) – não tendo liquidado os créditos alegada e sucessivamente cedidos. Verifica-se que a exequente não foi Parte no “pacto de preenchimento” (alegadamente constante no ‘contrato de crédito pessoal’), e não existiu qualquer “cessão da posição contratual” - concluindo-se, assim, que, não tendo a ora exequente legitimidade para preencher a livrança (que lhe foi entregue parcialmente em branco), o documento não pode valer como título executivo. Motivo por que se indefere liminarmente o requerimento executivo.” Inconformada veio a exequente recorrer formulando as seguintes conclusões: «A. Por Contrato de Cessão de Créditos celebrado a 25 de Novembro de 2016, a Oitante, S.A.- investida na posição do BANIF - cedeu à sociedade I... S.A.R.L. diversos créditos, bem como todas as garantias e acessórios a ele inerentes, incluindo os créditos que aquela instituição bancária detinha sobre os Executados. B. Por contrato de cessão de créditos celebrado a 12 de Maio de 2022, a I..., S.A.R.L., cedeu sociedade L..., S.À.R.L os créditos que detinha sobre os Executados e que se encontram peticionados nos presentes autos, cessão da qual resultou a transmissão de créditos para a mesma, bem como de todas as garantias a eles associadas. C. Posteriormente, por contrato de cessão de créditos, celebrado a 29 de junho de 2022, a L..., S.À.R.L. cedeu à ora Exequente S... STC, S.A., os créditos que detinha sobre os Executados, cessão da qual resultou a transmissão de créditos para a mesma, bem como de todas as garantias a eles associadas. D. Por efeitos do referido contrato de cessão, resultou a transmissão dos referidos créditos para a Requerente, bem como de todas as garantias a eles associadas. E. Tendo acompanhado o pedido dos Contratos de Cessão de Créditos mencionados e respectivos anexos. F. Ora, para provar tal cessão de créditos, foi junta toda a documentação contratual – sendo feita a prova da cessão – no seu Requerimento Executivo como documentos de 1 a 4. G. Sendo que, a 20/09/2024, foi a ora exequente notificada do despacho com o seguinte teor: “Atentas as datas das cessões, e de vencimento da livrança, notifique a exequente para, em dez dias (CPC 734º), esclarecer quem preencheu o montante e data de vencimento – devendo, no mesmo prazo, liquidar os créditos alegadamente cedidos.” H. Nessa senda, veio a ora Exequente esclarecer que, em virtude das Cessões de Crédito já explicadas anteriormente, foi esta que procedeu ao preenchimento da livrança, tendo para o efeito remetido a respectiva carta de preenchimento – cfr. resulta do requerimento executivo. I. Não obstante, em 21/10/2024 o Douto Tribunal a quo indeferiu liminarmente o requerimento executivo porquanto “Verifica-se que a exequente não foi Parte no “pacto de preenchimento” (alegadamente constante no ‘contrato de crédito pessoal’), e não existiu qualquer “cessão da posição contratual” - concluindo-se, assim, que, não tendo a ora exequente legitimidade para preencher a livrança (que lhe foi entregue parcialmente em branco), o documento não pode valer como título executivo.”. J. Sucede, porém que, conforme alegado e demonstrado no Requerimento Executivo, os créditos cujo cumprimento coercivo se peticiona nos presentes autos, foram transmitidos por cessão de créditos a favor da ora Exequente/ Recorrente. K. À data da cessão, a livrança ora transmitida, encontrava-se ainda por preencher, pelo que, naturalmente, de forma a operar plenamente como título executivo nos termos do art.º 703.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil (doravante CPC), bem como do artigo 10.º, aplicável ex vi artigo 77.º, n.º 3 e ainda artigo 76.º, n.º 1, estes respeitantes à Lei Uniforme relativa a Letras e Livranças (doravante LULL), diligenciou o agora titular do crédito, pelo seu preenchimento, nos estritos termos do pacto firmado para o efeito entre a Contraparte e o Credor Originário. L. Pelo que, conforme já foi dito, foi a ora Exequente que procedeu ao preenchimento da livrança dada à execução, na qualidade de cessionária dos respectivos créditos. M. Preenchimento para o qual, de resto, está totalmente legitimado, segundo o disposto nos artigos 11.º, n.º 2 e 77.º, n.º 1 da LULL. N. Com efeito, os títulos de crédito podem ser transmitidos, além do endosso, por cessão de créditos, sendo que, nesta modalidade, a cessão não carece de se encontrar reflectida no próprio título. O. Por tudo o que já foi provado no âmbito do Requerimento Executivo bem como no presente recurso, constata-te a total e absoluta legitimidade da Recorrente para o preenchimento da livrança, pelo que a presente sentença deverá ser revogada, na sua totalidade. P. O mesmo entendimento encontra-se respaldo em inúmeros arestos, do qual destacamos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 22 de novembro de 2016, no âmbito do processo n.º 38/12.5-A.E1.S1. Q. Nos termos do disposto na Cláusula 14.ª das Condições Gerais do contrato, o Banco ficou irrevogavelmente autorizado a preencher a livrança com o valor que lhe é devido, fixando as datas de emissão e vencimento. R. O empréstimo deixou de ser pago, e nessa sequência, face ao incumprimento definitivo, não restou alternativa à Cessionária, ora Exequente, senão preencher a livrança dada em garantia do cumprimento contratual. S. Não obstante as diligências efectuadas pela Exequente para resolução extrajudicial, os Executados persistiram no incumprimento, razão pela qual foi intentada a competente ação executiva. T. Na ação executiva, a legitimidade que é concedida aos sujeitos que constam do título executivo como credor e devedor é igualmente reconhecida aos seus sucessores: se houver sucessão no direito ou na obrigação exequendos, são partes legítimas na execução os sucessores dos sujeitos que figuram no título como credor e devedor da obrigação exequenda. U. No caso em apreço, a dívida em que os Executados são parte, foi alvo de cessão de créditos, conforme supra exposto. V. Uma vez tendo o respectivo contrato de mútuo sido alvo de cessões de crédito e sendo a Recorrente parte legítima, configura o artigo 53.º do CPC que a execução deve ser promovida pela pessoa que, no título executivo, figura como credor. W. Por outro lado, determina o artigo 53.º n.º 2 do CPC, que se o título for ao portador, será a execução promovida pelo portador do título. X. Impõe-se sublinhar que a livrança é um título que é ao portador e que o original foi junto aos autos pela Exequente. Y. A posse do título validamente adquirida, legitima o portador a exercer o direito. Z. Para os devidos efeitos, deve a Exequente, com o requerimento executivo demonstrar a legitimidade, alegando e provando os factos constitutivos da cessão, o que sucedeu. AA. Tal legitimidade foi comprovada pela Exequente no Requerimento Executivo, com a junção dos contratos de cessão de créditos, e posteriormente, após a distribuição da ação, ao oferecer aos autos o original da livrança que serve de título à execução. BB. O facto de a livrança ter sido transmitida por efeitos de uma cessão ordinária de créditos, é acto bastante para legitimar a Recorrente a preenchê-la. CC. Pelo que, tendo o Douto Tribunal a quo decidido não resultarem provadas as cessões de créditos, ou seja que não foi oferecida prova de que a Recorrente é a actual titular dos direitos de crédito emergentes da livrança dada à execução, não se extrai dessa decisão que resulte provado que os direitos de crédito emergentes da livrança dada à execução não hajam sido objecto de cessão. DD. Não se coadunando com o nosso sistema jurídico, mostrando-se ainda em oposição com o mesmo. EE. Razão pela qual, salvo devido respeito por opinião diversa, não se mostram reunidos os pressupostos para indeferir liminarmente o requerimento executivo. FF. Atendendo aos motivos supra explanados, é forçoso concluir pelo manifesto erro de apreciação do Direito na douta sentença proferida pelo Tribunal a quo.». Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir. * Questão a decidir: O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida. Importa assim, saber se, no caso concreto: - É de considerar a ilegitimidade da exequente no preenchimento da livrança, dado tal ter sido feito pela própria, após a cessão do crédito pela primitiva credora. * II. Fundamentação: Os factos a considerar são os referidos e datados no relatório que antecede, cujo teor se reproduz. * III. O Direito: A questão essencial a decidir prende-se com a possibilidade de o cessionário e, logo, no âmbito da cessão de créditos, ficar legitimado a preencher o título dado como garantia num contrato, no caso de incumprimento deste, a coberto do pacto de preenchimento firmado entre o devedor e o primitivo credor. O Tribunal recorrido após ter indagado a autoria e a data do preenchimento do título dado à execução – a livrança, bem como questionar a exequente se “liquidou os créditos alegadamente cedidos”, tendo obtido a resposta que foi a ora Exequente, enquanto actual titular dos créditos cedidos, veio a indeferir liminarmente a execução. Fundamenta tal decisão na circunstância de a exequente não ter sido Parte no “pacto de preenchimento” e não ter existido qualquer “cessão da posição contratual”, concluindo que não lhe assiste legitimidade para preencher a livrança, pelo que o documento não pode valer como título executivo. Na defesa da revogação de tal decisão, veio a exequente convocar os actos de transmissão ocorridos que, no seu entender, a legitimam a preencher o título dado à execução e, deste modo, intentar a execução em causa. Agasalha a sua posição, quer na cessão do crédito operada, bem como no previsto nos artigos 10.º e 11º nº 2, aplicável ex vide artigo 77.º, n.º 3 e ainda artigo 76.º, n.º 1, da Lei Uniforme relativa a Letras e Livranças (doravante LULL). Mais dizendo que os títulos de crédito podem ser transmitidos, além do endosso, por cessão de créditos, sendo que, nesta modalidade, a cessão não carece de se encontrar reflectida no próprio título. Convoca jurisprudência que sufraga tal posição, destacando o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de novembro de 2016, processo n.º 38/12.5-A.E1.S1. Quanto aos factos atinentes a estes autos, a par das cessões, alega que nos termos do disposto na Cláusula 14.ª das Condições Gerais do contrato celebrado entre o BANIF e os executados, o Banco ficou irrevogavelmente autorizado a preencher a livrança com o valor que lhe é devido, fixando as datas de emissão e vencimento. Afirmando que o empréstimo deixou de ser pago, e nessa sequência, face ao incumprimento definitivo, não restou alternativa à Cessionária, ora Exequente, senão preencher a livrança dada em garantia do cumprimento contratual. Sustenta, assim, a sua legitimidade quer com base no art.º 53.º n.º 2 do CPC, quer na natureza do título, como sendo ao portador. Antecipando, assiste claramente razão à apelante. Senão vejamos. É do conhecimento público que o Banco de Portugal, em Reunião Extraordinária do Conselho de Administração, realizada no dia 19 de Dezembro de 2015, às 18h00m, ao abrigo do disposto nos números 1, 3, 5 e 9 do artigo 145º-M do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, deliberou: a) Declarar que o “Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A.” se encontra «em risco ou em situação de insolvência» («failing ou likely to fail»), nos termos e para os efeitos do disposto pelo artigo 145º-E, n.º2, alínea a), do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras; b) Iniciar o processo de aplicação da medida de resolução prevista na alínea a), do número 1 do artigo 145.º-E do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras ao Banif-Banco Internacional do Funchal, S.A.; c) Promover diligências tendentes à alienação da actividade do “Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A.” junto do “Banco Popular Español, S.A.” e do “Banco Santander Totta, S.A.”; Na sequência dessa deliberação, o Banco de Portugal, em reunião extraordinária do Conselho de Administração ocorrida em 20 de Dezembro de 2015, às 23h30m, deliberou, além do mais, constituir a sociedade “Naviget, S.A.” (cuja denominação foi, posteriormente, alterada para “Oitante, S.A.”), transferir para esta entidade os direitos e obrigações correspondentes a activos do “Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A.”, constantes do anexo 2 à deliberação, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 145º-S e na alínea c) do n.º2 do artigo 145º-T, em articulação com o n.º1 do artigo 145º-L, todos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras; e alienar ao “Banco Santander Totta, S.A.” os direitos e obrigações, que constituam activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do “Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A.”, constantes do Anexo 3 à deliberação. Nos termos do art.º 4.º/1/a), 14/5 do Regulamento (EU) 1024/2013 do Conselho de 15/10/2013 e pelo art.º 88º do Regulamento (EU) 468/2014 de 16/4/2014, em 22/5/2018, veio o Banco Central Europeu revogar ao BANIF a autorização para o exercício da actividade de instituição de crédito, produzindo a decisão de revogação os efeitos da declaração de insolvência (arte. 5.º/1 e 2 e 8º/2 do Regime Especial de Liquidação das Instituições de Crédito e Sociedade Financeiras1) e, consequentemente, a dissolução e entrada em liquidação do BANIF. Logo, a OITANTE, S.A. foi, assim, investida na posição de titular dos créditos anteriormente detidos pelo BANIF- Banco Internacional do Funchal, S.A. Ora, foi alegado e comprovado documentalmente pela exequente que, por contrato de cessão de créditos, celebrado em 25 de Novembro de 2016, a OITANTE, S.A. cedeu à sociedade I..., S.A.R.L., os créditos que detinha sobre os Executados, bem como todas as garantias e acessórios a eles inerentes, especificamente o relativo ao Contrato n.º 398257440143. Foi referido ainda no requerimento executivo e junto documento onde se alude que, por contrato de cessão de créditos celebrado em 12 de Maio de 2022, a I..., S.À.R.L., cedeu à sociedade L..., S.À.R.L, essas mesmas responsabilidades bancárias. Por fim, foi junto documento e alegado que, por contrato de cessão de créditos outorgado em 29 de Junho de 2022, a L..., S.À.R.L. cedeu-os à sociedade S... - STC, S.A., ora Exequente, o crédito em causa, tendo-lhe sido transmitidas todas as garantias e acessórios do mesmo, incluindo, indemnizações e outras obrigações e, designadamente, o direito de obter o cumprimento judicial ou extrajudicial das obrigações. A decisão recorrida afirma a inexistência de legitimidade da exequente, por entender que não foi cedida a posição contratual da primitiva credora ( que seria, portanto, o BANIF), mas sim cedido o crédito, o que, no seu entender, determinava que não pudesse vigorar o pacto de preenchimento e, logo, a possibilidade de dar à execução a livrança preenchida pela actual cessionária. Na verdade, nos termos do art.º 53º do Código de Processo Civil , que dispõe sobre a legitimidade na execução, a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor. Porém, nos termos do nº 2 se o título for ao portador, será a execução promovida pelo portador do título. Acresce que prescreve o art.º 54º do Código de Processo Civil que tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda; no próprio requerimento para a execução o exequente deduz os factos constitutivos da sucessão. Ora, na definição da cessão de créditos, ao que ocorre é sucessão num crédito por efeito de um negócio jurídico inter vivos (v.g., venda, doação, troca) através do qual o credor transmite a um terceiro o seu direito. (cf. Dias Marques, In Noções Elementares de Direito Civil, 7.ª edição, Lisboa, 1992, pág. 188). Acerca da admissibilidade da cessão, prescreve o artigo 577º, nº 1, do Código Civil que o credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor, contanto que a cessão não seja interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor. Como bem alude Gil Valente Maia ( in Julgar on line, dezembro de 2021, pag. 3) a cessão de créditos constitui um fenómeno translativo que implica uma modificação meramente subjetiva da obrigação: ao credor originário sucede um “novo” credor, mantendo-se, no entanto, a relação obrigacional totalmente inalterada quanto ao respetivo objecto e ao programa contratual convencionado junto do credor originário, incluindo todas as garantias eventualmente associadas à obrigação (identidade objetiva). Este último aspeto – intangibilidade do conteúdo obrigacional– verifica-se, desde logo, na impossibilidade de o devedor ver a sua posição jurídica afetada, podendo opor ao cessionário todos os meios de defesa que poderia opor em relação ao credor primitivo (artigo 585.º do Código Civil). Os requisitos e os efeitos da cessão entre as partes são definidos em função do negócio que lhe serve de base, como decorre do disposto no artigo 578.º do Código Civil, implicando a cessão, na falta de convenção em contrário, a transferência das garantias e dos acessórios ao abrigo do disposto no artigo 582.º do Código Civil. A única particularidade é que a cessão de créditos apenas produz efeitos em relação ao devedor, desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite - artigo 583.º, n.º 1 do CC, comunicação essa invocada pela exequente nos autos e que não constitui objecto da decisão de indeferimento. Logo, tal bastaria para concluir pela legitimidade do cessionário para intervir na execução. Na decisão recorrida fez-se a correlação entre o pacto de preenchimento e a circunstância de a exequente não ser “parte” no mesmo, por entender que só ocorreria se tivesse existido uma cessão da posição contratual e não, ou apenas, a cessão do crédito. Tal raciocínio, a vingar, determinaria desde logo a impossibilidade de se considerar parte legitima em tal preenchimento a entidade a quem foi decidido considerar cedidos os créditos no âmbito da deliberação do BdP, mas tão somente à credora original, a qual estaria igualmente impedida, face à sua liquidação, por força da perda de autorização para o exercício da actividade de instituição de crédito, operada pelo Banco Central Europeu. O título dado à execução é efectivamente uma livrança, invocando a Exequente que por força da cessão de crédito operada é dona e legítima portadora de uma livrança subscrita pelos Executados, no montante total de € 8.901,27 (oito mil novecentos e um euros e vinte e sete cêntimos), a qual se venceu em 2 de Maio de 2024, destinada a garantir o cumprimento das obrigações emergentes do contrato que identificou e foi objecto de cessão. Com efeito, a exequente apresentou na presente execução, intentada a 20/05/2024, uma livrança subscrita pelos executados F… e M…, emitida em 29/12/2011, pelo ‘BANIF’, com o valor referido e data de vencimento de 2/05/2024. Resulta da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (LULL), nos seus artigos 77º e 11º, que a par do endosso, a livrança é transmissível pela forma e com os efeitos de uma cessão ordinária de créditos. Aliás, caso a letra ou a livrança tenham inscritas as palavras “não à ordem” ou expressão equivalente, as mesmas só podem ser transmitidas pela forma e com os efeitos de uma cessão ordinária de créditos. Tal determina que a livranaça pode livremente ser transmitida pela forma e com os efeitos duma cessão de créditos (cf. Carolina Cunha, In Letras e Livranças, Paradigmas Actuais e Recompreensão de um Regime, pág. 77 a 84.10). Ora, a cessão de créditos, na falta de convenção em contrário, importa a transmissão para o cessionário das garantias e outros acessórios do direito transmitido, sendo que a livrança foi subscrita, como garantia do pagamento da importância em dívida por força do contrato, cujo crédito foi invocado como tendo sido cedido à ora exequente. Logo, a livrança entrou na posse da exequente através de uma cessão ordinária de créditos. E tal transmissão da livrança juntamente com o crédito que a mesma garante ou cauciona é válida e legalmente prevista, pelo que a exequente é legítima portadora da livrança, legitimação material a suprir a legitimação formal, já que não consta do próprio título, e pode acionar os seus subscritores pelo seu não pagamento. (cf. art.º 54º do Código de Processo Civil.). Quanto à circunstância de não se encontrar preenchida, mormente quanto à data de vencimento e valor em dívida, dúvidas não há que a livrança em branco é admitida no nosso ordenamento jurídico, face ao art.º 10.º da LULL, pelo que ocorrendo cessão de crédito, deve a mesma ser entregue pelo subscritor ao credor conjuntamente com uma autorização de preenchimento (pacto de preenchimento). Acresce que como bem se explicita no Acórdão do STJ de 6/12/2018 ( proc. nº 653/14.2TBGMR-B.G1.S2, in www.dgsi.pt): 1. O pacto de preenchimento associado a uma livrança subscrita em branco não tem, por regra, natureza intuitu personae (art.º 577º, nº 1, do CC). 2. Por isso, na falta de convenção em contrário, com a transmissão do crédito cambiário emergente da livrança transmite-se para o cessionário o direito de proceder ao seu preenchimento, de acordo com o previsto no respetivo pacto. O pacto de preenchimento previsto no art.º 10º da LULL constitui um acordo que, em regra, não ganha autonomia fora da relação jurídica em que foi subscrito. Constitui um instrumento jurídico que permite ao credor proceder ao preenchimento dos elementos em falta de forma que corresponda ao que efetivamente foi contratado, quer em termos de vencimento, quer de indicação do montante da obrigação. Segundo o Ac. do STJ de 25/5/2017( p. nº 9197/13, em www.dgsi.pt) “o pacto de preenchimento é um contrato firmado entre os sujeitos da relação cambiária e extracartular que define em que termos deve ocorrer a completude do título cambiário, no que respeita aos elementos que habilitam a formar um título executivo, ou que estabelece em que termos se torna exigível a obrigação cambiária”. É abundante a jurisprudência que decide pela legitimidade do cessionário quanto a títulos cambiários em branco, com o respectivo pacto de preenchimento, decorrente do contrato de onde deriva tal crédito. Como bem se refere no recente Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 7/03/2024 (Proc. nº 890/22.6T8MAI-A.P1, in www.dgsi.pt) I - Os documentos sem força probatória plena ficam sujeitos à livre apreciação, dependendo a sua eficácia probatória da livre apreciação do juiz. II - A impugnação do documento particular de cessão não determina, pois, que ao mesmo não possa ser reconhecido valor probatório. III - A identificação do crédito exequendo como cedido alcança-se dos termos da página do Anexo ao contrato de cessão junta aos autos, não suscitando perplexidade de maior a não assinatura digital daquele, atenta a presuntiva extensão ou dimensão do mesmo, como, de forma não escamoteável, a entrega à cessionária exequente do título de crédito exequendo e da totalidade dos elementos necessários ao seu preenchimento (como de outro modo poderia a livrança tê-lo sido, como admitido) justifica a inferência necessária pela transmissão do preciso crédito exequendo. IV - A entrega ou transmissão da livrança e demais elementos do crédito serve de substrato (para além da prova directa da cessão, como já caracterizada) ao juízo de inferência, de dedução/indução, ajustando-se, de acordo com as regras da lógica e os princípios da experiência, à transmissão do crédito pela cessão cujo contrato foi junto; de modo que possível ultrapassar o estágio da dúvida ou possibilidade simples, para uma sede de probabilidade qualificada, que vem a ser o da certeza judiciária. V - Demonstrado que o exequente embargado sucedeu (por acto inter vivos – contrato de cessão de créditos) ao credor na titularidade activa da obrigação exequenda, tem de reconhecer-se a sua legitimidade activa – sucedeu (por acto inter vivos) a quem no título dado à execução figura como credor. VI - As letras e livranças podem ser transmitidas, para além do endosso, também por acto entre vivos, com os efeitos de uma normal cessão de créditos ou por sucessão mortis causa, não perdendo, por isso, a sua natureza de títulos executivos (artigo 46.º ,alínea c) do Código de Processo Civil). VII - É parte legítima na execução, enquanto cessionário do título, o exequente que alegou ser portador de livrança por a ter adquirido por contrato de cessão de posição contratual que celebrou com o emitente da livrança, observando, assim, o disposto no artigo 56.º/1 do Código de Processo Civil. VIII - De acordo com este preceito, que contempla desvios à regra geral de determinação da legitimidade na execução, segundo a qual (ver artigo 55.º/1 do C.P.C.) esta tem de ser promovida pela pessoa que no título figura como credor, que no caso é o cedente e não o cessionário, admite-se a possibilidade de a execução poder ser instaurada por este último. IX - A cessão de créditos está regulamentada nos arts. 577.º e segs. do CC e tem efeitos distintos do endosso. X - Uma vez cedido o crédito resultante do negócio subjacente à subscrição da livrança (mútuo oneroso), igualmente esta se transmite como acessório de garantia do pagamento do mesmo crédito. XI - Por via da legitimação material conferida pelo negócio de cessão de créditos, a exequente é portadora legítima da livrança, podendo, com base nela, executar os seus subscritores pela falta do pagamento.(sublinhado nosso). Em sentido idêntico se decidiu no Acórdão da Relação de Guimarães, de 13/06/2019 (proc. nº 2915/18.0T8VCT-B.G1), ao indicar que: A letra e a livrança podem ser validamente transmitidas a terceiros, quer através do endosso, quer mediante cessão ordinária de créditos (artºs. 77.º e 11.º da LULL), sendo esta última a única forma de transmissão caso tenham inscritas as palavras “não à ordem” ou expressão equivalente, como é o caso. Assentando in casu o indeferimento liminar da execução na ilegitimidade da exequente, é manifesto que é de revogar a decisão, pois convoca a exequente a cessão do crédito nos termos sobreditos, o que determina a sua legitimidade, procedendo, assim, o presente recurso. Deste modo, impõe-se a revogação da decisão recorrida. Quanto à responsabilidade relativamente a custas, de acordo com o disposto no art.º 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. Nos termos do art.º 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria. A pretensão que o apelante trouxe a juízo é-lhe inteiramente favorável, porém, os executados não tiveram intervenção, ainda que possam ser considerados vencidos. No entanto, estando paga a taxa de justiça devida pela interposição do recurso e não há contra-alegações, nem o recurso envolveu a realização de despesas (encargos), não há lugar ao pagamento de custas em qualquer das suas vertentes (cf. art.º 529º, n.º 4 do CPC). * IV. Decisão: Por todo o exposto, Acorda-se em julgar procedente o recurso de apelação interposto pela exequente e, consequentemente, revoga-se a decisão que indeferiu liminarmente a execução, por verificação da ilegitimidade da exequente, ordenando-se o seu prosseguimento. Sem mais custas. Registe e notifique. Lisboa, 20 de Fevereiro de 2025 Gabriela de Fátima Marques Cláudia Barata Teresa Pardal |