Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | NUNO LOPES RIBEIRO | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PRAZO DE RECURSO PROPRIEDADE HORIZONTAL OBRAS ILÍCITAS ABUSO DE DIREITO DEMOLIÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I. Havendo impugnação da decisão sobre a matéria de facto, que tenha por objeto a reapreciação da prova gravada, a lei concede um alargamento do prazo, por mais dez dias, para a interposição do recurso de apelação. II. Para que o recorrente possa usufruir desse acréscimo de 10 dias, a impugnação da matéria de facto efetuada deve refletir efetivamente essa reapreciação. III. A sanção natural para a execução pelo condómino de obras ilícitas nas partes comuns de edifício em regime de propriedade horizontal é a sua demolição, não constituindo, por isso, abuso do direito, o pedido dessa demolição nem poderá a reconstituição natural ser substituída por indemnização fixada ao abrigo do princípio da equidade. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa I. O relatório AA interpôs a presente acção comum, contra BB e CC, peticionando: Pelo exposto, deve ser julgada provada e procedente a presente acção e, consequentemente, serem as Rés solidariamente condenadas: - A proceder, a expensas suas, à demolição das obras inovatórias concretizadas nas fracções “H” e “I” e nas zonas comuns existentes no 2º piso do prédio urbano constituído sob o regime de propriedade horizontal em causa, - A proceder, a expensas suas, à reconstrução das ditas fracções e das zonas/elementos comuns, com reconstituição natural do estado anterior à concretização das inovações ilícitas sub judice; - A pagar, a título de sanção pecuniária compulsória, o montante que vier a ser fixado pelo Tribunal, mas não inferior a € 50,00, por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações peticionadas e de € 250,00 por cada dia que decorrer após a sentença; - A pagar à Autora uma indemnização pelos danos patrimoniais, supra invocados nos arts. 48º e 49º da p.i, no montante de €:17.168,50 (dezassete mil cento e sessenta e oito euros e cinquenta cêntimos), e não patrimoniais, supra alegados nos arts. 50º a 57º da p.i, em montante não inferior a €:10.000,00 (dez mil euros), acrescido de juros, à taxa legal, a contar da citação, até ao integral pagamento; - E, ainda, a pagar à Autora uma indemnização pelos danos futuros que venham a resultar da sua intervenção ilícita e os que resultarem da demolição e reposição do edifício no estado anterior às inovações concretizadas, a liquidar em execução de sentença. - Sendo, ainda, as Rés condenadas nas custas do processo, incluindo as de parte. Para tanto, alegou, em síntese, ser possuidora e legítima proprietária das frações autónomas designadas pelas letras “B”, “C”, “D”, “E”, “F” e “G”, a que correspondem as permilagens, respetivamente, de 47/1000, 40/1000, 47/1000, 212/1000, 128/1000 e 158/1000, todas do prédio urbano, sito na Rua da ..., n.ºs ..., da freguesia de ..., constituído em propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob n.º ..., da freguesia de ... e inscrito na matriz predial urbana, sob o artigo ....º, da freguesia de .... Por seu turno, a 1a Ré é proprietária das frações autónomas designadas pelas letras “H”, correspondente ao segundo andar direito, e “I”, correspondente ao segundo andar esquerdo, integrantes do mencionado prédio urbano, a que correspondem as permilagens, respetivamente, de 90/1000 e de 105/1000. A 2.ª ré, procedeu a obras ilegais, sem a respetiva autorização condominial, pelo que deverão as mesmas ser demolidas e reposta a situação anterior. Acrescentou, ainda, que na sequência da execução de tais obras, sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais, os quais deverão ser objeto de indemnização. Vieram as rés, impugnando motivadamente a factualidade vertida na petição inicial, contestar a presente ação, alegando, em síntese, que promoveram a reabilitação e restruturação do prédio sito na Rua da ..., visando iniciar a atividade de alojamento local, na modalidade de “hostel” nas frações propriedade da 1.a Ré, sitas naquele edifício. Acrescentaram que as obras efetuadas tinham respaldo camarário quando foram iniciadas, sendo que a sua legalização apenas depende da autorização condominial, a qual depende exclusivamente da autora. Excepcionaram ainda as rés a ineptidão da petição inicial, a ilegitimidade da autora, o abuso de direito e a excessiva onerosidade e impossibilidade da pretendida reposição natural do imóvel, concluindo pela improcedência total da demanda. A Autora respondeu às exceções invocadas pelas Rés, propugnando pela respectiva improcedência. Em sede de audiência prévia, foi proferida decisão de indeferimento da ampliação do pedido apresentada ela autora e das excepções de ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade activa. Foi, ainda, definido o objecto do litígio e procedeu-se à selecção dos temas da prova (aditando-se mais um tema da prova, por despacho de 7/6/2023). * Realizada audiência final, foi proferida sentença, em 23/8/2024, com o seguinte dispositivo: Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo a presente ação improcedente, por não provada, e, consequentemente, absolvo as Rés BB e CC, dos pedidos deduzidos pela Autora AA. * Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: 1 - Com o devido respeito, parece-nos ter o Tribunal a quo feito uma errada interpretação e valoração da prova válida e eficazmente produzida. 2 - A prova produzida e constante dos autos impunha que houvessem sido dados como provados concretos pontos de facto e, por outro lado, impunham que fossem dados como não provados pontos de facto que a Sentença recorrida julgou provados. 3 - Especificam-se, em cumprimento do ónus previsto no artigo 640º, n.º 1, al. a) do CPC, os concretos pontos de facto que se considera terem sido incorrectamente julgados: Pontos de facto que devem ser julgados não provados: - Ponto 34 dos factos provados: “A reposição do edifício como se encontrava antes da intervenção das Rés, implicaria a demolição de andar de habitação finalizado - nomeadamente ao nível de telhado de cobertura, pilares, estruturas, vigas, vigotas, piso, janelas, etc. - acrescidos de incómodos para as Rés e demais habitantes do imóvel, decorrentes dos trabalhos ” - Ponto 35 dos factos provados: “Os custos de demolição das obras concretizadas pelas Rés no prédio urbano em causa nos autos, acrescido dos custos de reposição da realidade urbanística preexistente, ascenderiam um valor superior a € 500.000,00 (quinhentos mil euros). 4 - No que toca a ambos os supra transcritos pontos de facto (n.º 34 e n.º 35), dados como provados, a Sentença recorrida fundamentou a decisão com base, exclusivamente, nos três depoimentos testemunhais prestados por DD, engenheiro eletrotécnico, representa a empresa que fez a fiscalização da obra EE, arquiteto e FF, Engenheiro civil, foi o empreiteiro da obra. 5 - Pode ler-se, na Sentença, a propósito da fundamentação dos factos provados e com referência expressa às citadas testemunhas que, “[O[s três depoimentos testemunhais acima referidos, revelaram-se precisos, rigorosos e muito esclarecedores, sendo as únicas testemunhas que conhecem o edifício por fora e por dentro e acompanharam as obras realizadas no segundo andar do edifício, razão pela qual o Tribunal os valorou, em detrimento dos demais, ao considerar demonstrados os factos ínsitos nos pontos 30. a 38. da Matéria de Facto Provada. ” 6 - No que diz respeito ao Ponto 34 dos factos provados, tal como resulta da fundamentação vertida na Sentença sobre esta matéria, apenas é possível retirar que a testemunha DD “considera não ser possível repor o edifício como estava porque os materiais estavam deteriorados”. Por seu turno, a testemunha EE refere que para “repor o que estava não é possível pois isso implicava voltar a por barrotes públicos. Ninguém aceitaria, ao nível de licenciamento camarário, demolir o reforço estrutural feito para repor o que estava. É possível demolir o que foi feito e repor a configuração geométrica do telhado, o que implicaria a demolição da cobertura.” E, por último, quanto ao depoimento da testemunha FF, fundamenta apenas a douta decisão recorrida que esta testemunha “concluiu que a reposição como estava seria impossível, pois, os materiais estavam podres e velhos. A reposição com outros materiais seria possível, mas com custos muito elevados.” 7 - Percorrendo a motivação patente na Sentença recorrida, nada dela se pode retirar no sentido da prova do respectivo concreto ponto de facto n.º34, nomeadamente, quanto à extensão e alcance da demolição, não sendo possível concluir que tal demolição incidisse sobre a totalidade do andar de habitação finalizado e que abarcasse a totalidade dos elementos estruturais que o compõem - nomeadamente, pilares, estruturas, vigas, vigotas, piso, janelas, etc. 8 - De resto, nenhuma prova foi produzida no sentido de permitir a conclusão que a demolição, prévia à reconstituição do edificado pré-existente, implicasse a totalidade do andar de habitação finalizado e que abarcasse a totalidade dos elementos estruturais que o compõem - nomeadamente, pilares, estruturas, vigas, vigotas, piso, janelas, etc. 9 - Existe uma certa contradição entre o quanto ficou expresso na fundamentação da matéria de facto e este concreto ponto de facto provado, designadamente, quando se pode ler, na dita fundamentação, que a testemunha EE admite que “[É] possível demolir o que foi feito e repor a configuração geométrica do telhado, o que implicaria a demolição da cobertura”, o que, inabalavelmente, nos transmite a perspectiva e a conclusão de que os trabalhos de demolição do existente poderiam, até, ficar circunscritos a pouco mais do que a cobertura. 10 - Impunha-se ao Tribunal a quo a formação de uma convicção no sentido de ser dado como não provado o concreto ponto de facto 34, tendo incorrido em erro de julgamento, ao dar como provado tal facto, com base nos depoimentos das referidas testemunhas, na medida em que dos mesmos não resulta demonstrado tal factualidade devendo concluirse pela insuficiência ou carência de elementos bastantes para prova desse mesmo facto e pela ausência de qualquer outra prova sobre o facto dado por provado. 11 - Nos termos do disposto no artigo 640º, n.º 1, al. c) do CPC, indica-se a decisão que, no entender da Apelante, deve ser proferida sobre a concreta questão de facto impugnada: - deve ser julgado não provada a matéria de facto referente ao ponto n.º 34 dos factos provados. 12 - No que concerne ao ponto 35 dos factos provados, fundamentado também com base nos três supra referidos depoimentos testemunhais, percorrendo a motivação constante da fundamentação da matéria de facto vertida na Sentença recorrida sobre a matéria, não se descortina a indicação de qualquer fundamento suficiente e que permita obter a exteriorização das razões da convicção do Tribunal a quo e da correcção da sua decisão. 13 - Tal como se fundamenta na Sentença recorrida, a testemunha DD, apenas se referiu ao “preço da empreitada” que, no entanto, não ficou demonstrado nos autos. Por sua vez, quanto à testemunha EE, nenhuma informação ou referência foi feita ou resulta que permitisse apontar para a demonstração e conclusão de que os custos de demolição, acrescidos dos custos de reposição da realidade urbanística preexistente ascendessem a uma quantia superior a €:500.000,00 (quinhentos mil euros). O mesmo se diga no que toca ao depoimento da testemunha FF. Aliás, muito pelo contrário, o depoimento desta testemunha parece revelar-se crucial no que toca ao apontado erro de julgamento. 14 - Efectivamente, no que se refere a ponto de facto provado n.º35, existe meio probatório, constante do processo que impõe decisão diversa da recorrida, nomeadamente, e cumprindo o ónus previsto no artigo 640º, n.º1 al. b) e n.º 2, al. a) do CPC, o depoimento da mencionada testemunha FF, Engenheiro civil, e empreiteiro da obra, do qual se indicam as seguintes passagens, por referência à Acta de Audiência de Julgamento, cuja sessão teve lugar no dia 30/11/2023, a saber: do minuto 25:31 até ao minuto 29:16, quando a testemunha, instada pela Ilustre Mandatária das Rés acerca da possibilidade de reposição do prédio no estado anterior à intervenção das Rés, e suas dificuldades e implicações ao nível da execução e dos respectivos custos, referiu ser possível mas com custos muito elevados que concretizou poderem ascender à quantia de 150.000,00, 200.000,00 ou 250.000,00 euros. 15 - Tal como se pode verificar através da audição das passagens da gravação do depoimento assinalado, a testemunha refere, muito ao contrário do que erradamente se entendeu dar como provado pelo Tribunal recorrido, que ... 16 - Deve, também em relação ao ponto 35 dos factos provados, concluir-se que a Sentença incorreu em erro de julgamento ao tê-lo dado como provado, ostentando, neste segmento, uma fundamentação claramente deficiente, atenta a manifesta insuficiência e carência de elementos para prova desse mesmo facto e pela ausência de qualquer outra prova sobre esse mesmo o facto. 17 - Indica-se, nos termos do disposto no artigo 640º, n.º 1, al. c) a decisão que, no entender da Apelante, deve ser proferida sobre a concreta questão de facto impugnada: - deve ser julgada não provada a matéria de facto referente ao ponto n.º 35 dos factos provados. 18 - O Tribunal a quo devia ter dado como provados concretos pontos de facto que resultaram da alegação feita no artigo 45º da p.i., nomeadamente: “As obras sub judice alteram a linha arquitectónica do prédio e aumentam o volume da construção e a área das fracções autónomas da 1.ª Ré e modificaram a área daquelas fracções, em detrimento do espaço comum e em desconformidade com as especificações fixadas no título constitutivo da propriedade horizontal. ” 19 - Esta sobredita factualidade resulta, pelo menos em parte, como provada, tendo em conta determinados e concretos pontos de facto que a douta Sentença sob recurso julgou como provados, nomeadamente: - Ponto n.º 4 dos factos provados: Neste concreto ponto de facto provado, pode ler-se, a propósito do pedido emissão de parecer apresentado pela 2.ª Ré na Câmara Municipal de Lisboa, acerca de uma pretendida intervenção urbanística para “alteração arquitetónica a efetuar no edifício” (...), “pelo qual propunha a concretização de: a) “Alterações interiores do segundo piso do edifício para adaptar a um Hostel; b) Alterações exteriores no desenho da cobertura do edifício _para conseguir maior área útil no desvão da cobertura” Ponto n.º 11 dos factos provados: Neste concreto ponto de facto, por sua vez, já se refere à “comunicação prévia” entregue pela 2.ª Ré em 15-06-2015, para “obras de edificação de alteração e ampliação - processo n.º 1017/EDI/2015 - no 2.º andar do edifício, na Rua da ..., n.º ...0...-21, freguesia de ..., “pretendendo unificar as atuais frações autónomas H e I”, do prédio urbano em causa nos autos. Ponto n.º 13 dos factos provados: Neste ponto, deu-se como provado terem as obras sido iniciadas em fevereiro de 2018, as quais encerraram os seguintes trabalhos: - A demolição/remoção do telhado de cobertura existente; - A remoção do pavimento do 2.ºpiso, que por sua vez constitui, simultaneamente, uma parte do teto e cobertura do 1.º piso, e a destruição de parte do alçado principal e da fachada; - A reconstrução parcial da cobertura com o nivelamento pela cumeeira mais elevada; - A colocação de janelas zenitais na cobertura tardoz; - A reconstrução parcial da fachada da Rua da ... - paredes exteriores e vãos, com inclusão de novas fenestrações nas fachadas, que implicou um alteamento das paredes- mestras que existiam; - Modificação da altura (pé-direito) nos compartimentos interiores das frações “H” e “I”; - Construção de terraço na cobertura e instalação de climatização com implantação de máquinas nesse terraço; (...) - Criação de um alçapão na zona comum e colocação de uma claraboia no teto da escada comum.” 20 - Com mero recurso à matéria de facto provada, é possível concluir o seguinte: - A construção levada a cabo pelas Rés implicou uma alteração arquitetónica a efetuar no edifício caracterizada por envolver alterações interiores do segundo piso do edifício para adaptar a um Hostel e alterações exteriores no desenho da cobertura do edifício para conseguir maior área útil no desvão da cobertura —ponto 4 dos factos provados. Tal intervenção consistiu na concretização de“obras de edificação de alteração e ampliação circunscritas ao 2.º andar do edifício, com unificação das _ frações autónomas H e I”, do prédio urbano em causa - ponto 11 dos factos provados. E, de resto, através de todo o elenco das concretas obras realizadas, patente no ponto 13 dos factos provados. 21 - Essa mesma conclusão pode ser obtida através da simples análise e comparação entre documentos existentes nos autos, meios de prova estes que se indicam ao abrigo do disposto no artigo 640, n.º 1, al. b) do CPC, nomeadamente: Doc n.º 21 junto com a p.i.: fotografia que retrata o edifício antes do início das obras; Doc. n.º 22 junto com a p.i.: planta e alçado do edifício antes das obras; Doc. n.º 23 junto com a p.i.: planta de cobertura e alçado da Rua da ... com a intervenção proposta e concretizada; Doc. n.º 24 e Doc. n.º 25 juntos com a p.i.: planta com a ocupação proposta no pedido de informação prévia apresentado pela 2.ª Ré. 22 - Como se refere no acórdão do S.T.J. de 20/7/82, B.M.J. 319º, pág. 301, arranjo estético «significa o conjunto dos elementos estruturais de construção que, integrados em unidade sistemática, lhe conferem a sua individualidade própria e específica») nem ao arranjo estético do edifício (que, como refere o Cons. Aragão Seia, «Propriedade Horizontal», 2.ª ed., pág. 105, respeita «ao conjunto de características visuais que conferem unidade sistemática ao conjunto.»). 23 - Portanto, tudo aponta no sentido indubitável de que se deve julgar como provado o concreto ponto de facto que, nos termos do disposto no artigo 640º, n.º 1, al .c) do CPC, que se indica, designadamente: Ponto de facto: “As obras alteraram a linha arquitectónica do prédio e aumentaram o volume da construção e a área das fracções autónomas da 1.ª Ré, em detrimento do espaço comum e em desconformidade com as especificações fixadas no título constitutivo da propriedade horizontal.” 24 -_A douta Sentença recorrida julgou provados os seguintes pontos de facto: Ponto n.º 31. (...) o qual, em momento prévio à intervenção urbanística realizada, se encontrava em mau estado de conservação, por nunca ter sido objeto de beneficiação, nomeadamente, condições deficitárias de salubridade, isolamento térmico, segurança. Ponto n.º 32. O prédio, face a sua antiguidade - cuja construção é datada de 1914 - apresentava diversas deficiências quer a nível estrutural, com fissuras nas paredes, como também a nível de redes de consumos domésticos (quadro elétrico, redes de águas e esgotos, etc.). 25 - A simples leitura dos supratranscritos pontos de facto, atendendo ao tempo verbal utilizado na redacção dos verbos “encontrar” e “apresentar” que dela fazem parte (i.e. pretérito imperfeito do indicativo), pode facilmente inculcar a ideia - falsa - de que, após a intervenção urbanística concretizada pelas Rés e em sua consequência, tivessem sido corrigidos os problemas e que o prédio houvesse passado a um normal/bom estado de conservação. 26 - Ora, como se sabe, a intervenção das Rés circunscreveu-se ao 2º piso do edifício, onde estão localizadas as fracções pertencentes à 1.ª Ré e, como é bom de ver, a verdade é que o prédio, mesmo com a intervenção levada a cabo pelas Rés, ainda se encontra em mau estado de conservação, precisamente nas áreas correspondentes aos pisos que não foram objecto de beneficiação - ou seja, o r/c e o 1º piso. 27 - Razão pela qual, o prédio ainda apresenta deficiências quer a nível estrutural, com fissuras nas paredes, como também a nível de redes de consumos domésticos, concretamente, nas zonas e instalações correspondentes ao r/c e ao 1º piso, que não foram objecto de obras de beneficiação. 28 - Pelo exposto, devem ser alterados os referidos concretos pontos de facto provados, com o adicionamento, na sua redacção dos verbos “encontrar” e “apresentar”, ambos no presente do indicativo, esclarecedores desses mesmos ponto de facto, pela forma que infra se indica, ao abrigo do disposto no artigo 640º, n.º 1, al. c) do CPC, designadamente: Ponto n.º 31. (...) o qual, em momento prévio à intervenção urbanística realizada, se encontrava, e ainda se encontra, em mau estado de conservação, por nunca ter sido objeto de beneficiação, nomeadamente, condições deficitárias de salubridade, isolamento térmico, segurança. Ponto n.º 32. O prédio, face a sua antiguidade - cuja construção é datada de 1914 - apresentava, e ainda apresenta, diversas deficiências quer a nível estrutural, com fissuras nas paredes, como também a nível de redes de consumos domésticos (quadro elétrico, redes de águas e esgotos, etc.). 29 - Por outro lado, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação da lei, devendo, concomitantemente, ser alterada a decisão de mérito proferida. 30 - No entanto, não merece qualquer censura o segmento decisório do Tribunal a quo quando considerou que “[R]esulta da matéria de facto provada que a intervenção levada a cabo pelas Rés não se encontra sustentada na respetiva deliberação condominial (Pontos 9., 10., 22., 23., 24. e 25. da Matéria de Facto Provada), a qual exige autorização por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, nos termos do art.º 1422,º, n,º 3, do CC.” E que que “[A] obra em causa intervencionou, entre outras partes, a fachada e o telhado do edifício que, por força do Código Civil (CC), é considerado imperativamente são consideradas partes comuns (artigo 1421.º, n.º 1, als. a) e b), do CC) ”, bem como quando considerou que “(...) para a Ré poder realizar aquelas obras, tinha de obter essa prévia aprovação, conforme o citado artigo 1425.º, n.º 1., do CC, não o tendo feito, então a obra foi realizada sem se refletir no título constitutivo e sem necessária aprovação prévia do condomínio, sendo, por isso ilegal (...) ”. 31 - Por conseguinte, não restaram quaisquer dúvidas ao Tribunal recorrido acerca da ilegalidade da obra efectuada pelas Rés e, nestas circunstâncias, concluiu que, “(...) consequentemente, em princípio teria de ser demolida, pois só assim se obteria a legalidade e a defesa do interesse público que subjaz à organização da propriedade horizontal e que contendem com os interesses de todo o condomínio.” 32 - Todavia, mal andou o Tribunal a quo, no que toca à aferição da excepção de abuso de direito da Autora invocada pelas Rés. 33 - Tal como resulta da douta fundamentação da Sentença recorrida, o Tribunal a quo, pronunciando-se sobre a questão do abuso de direito, elencou e teve em consideração a seguinte factualidade alegada na contestação: - “(...) é a Autora a maior promotora da violação do título da propriedade horizontal - fazendo, de forma efetiva e atual, um uso diverso da afetação prevista para as frações sua propriedade.” - cfr. artigo 126º da contestação; - “(...) existir um desequilíbrio ou desproporção intolerável entre o exercício do direito e os efeitos práticos dele derivados,(...), porquanto, se revela impraticável e censurável a exigência às ora Rés de demolição custosa das obras por si edificadas, todas elas a suas expensas - que importam uma beneficiação do prédio objeto das mesmas, em favorecimento dos demais condóminos - para propiciar uma vantagem não concretizada pela autora (...)” - cfr. artigo 154º da contestação. 34 - Foi sobre estes concretos pontos de facto que o Tribunal a quo se pronunciou e fundamentou juridicamente a questão, concluindo pela existência do abuso de direito por banda da Autora. 35 - No que toca ao primeiro argumento, relativamente à violação do título da propriedade horizontal, pode ler-se na Sentença recorrida, “o Tribunal nem sequer valorou, para efeitos de qualificação da obra levada a cabo pelas Rés como ilegal, a eventual desconformidade da mesma com as especificações fixadas no título constitutivo da propriedade horizontal, porquanto, a inexecução total da obra e a sua falta de legalização camarária, obstou a que o desiderato com que foi realizada - “alterações interiores do segundo piso do edifício para adaptar a um Hostel” - fosse atingido, o que só por si faz soçobrar qualquer violação daquele título. ” 36 - Porém, no que se refere ao segundo dos apontados argumentos, entendeu o Tribunal recorrido que “a única modalidade do abuso de direito que merece ser ponderada é a do desequilíbrio no exercício de posições jurídicas, uma vez que as outras remanescentes têm alcance claramente diverso da situação aqui retratada.” 37 - Apreciando a situação em apreço, considerou a douta Sentença recorrida “(...) haver uma “desproporção grave ” entre a vantagem que a A. obteria com a demolição das obras, radicada apenas na reposição anterior para a qual não era necessária qualquer autorização condominial, a qual está, afirme-se, absolutamente dependente da Autora, na qualidade de proprietária da maioria das frações constitutivas do edifício (Ponto 1. da Matéria de Facto Provada), face aos incómodos, despesas e trabalhos acrescidos que tal demolição sempre implicaria para as Rés, para não falar na eventual impossibilidade física de o fazer, na medida em que os materiais substituídos encontravam-se deteriorados (Pontos 31. e 32. da Matéria de Facto Provada). 38 - E concluiu no sentido de se encontrar “(...) claramente apurada uma situação de exercício abusivo do direito por parte da Autora (...)”, cujas pretensões “(...) ainda que legalmente suportadas, se apresentariam em concreto contrárias ao normal sentimento de justiça”, e que obstam ao exercício do direito. 39 - A “desproporção grave”, traduz-se no exercício do direito de forma abusiva, sempre que a vantagem dele resultante para o titular é mínima e desproporcionada com um sacrifício severo de outrem. 40 - Não se pode esquecer que o texto do artigo 334º do Código Civil exige que o comportamento do exercente seja manifestamente contrário à boa fé, aos bons costumes e ao fim social e económico do direito. Não basta que seja contrário, tem de o ser manifestamente. 41 - Os fundamentos aduzidos na douta Sentença recorrida que levaram o Tribunal a quo a concluir pela verificação de “desproporção grave”, foram, nomeadamente: 1 - Os incómodos, despesas e trabalhos acrescidos que tal demolição sempre implicaria para as Rés; 2 - E a eventual impossibilidade física de o fazer, na medida em que os materiais substituídos encontravam-se deteriorados. 42 - Quanto ao primeiro dos mencionados fundamentos, desde logo, s.m.o. e com o devido respeito, a douta Sentença recorrida incorre em vício de fundamentação, que se revela ser claramente insuficiente. Na verdade, cabe questionar: Quais os concretos incómodos? Que despesas? E quais os concretos trabalhos que a demolição implicaria? 43 - Nada se provou nos autos a respeito da dimensão, extensão e características dos “incómodos”, das “despesas” e dos “concretos trabalhos” que fossem necessários para a demolição. 44 - Ainda no que se refere aos “incómodos” dos trabalhos da demolição, s.m.o., este argumento não é, por si só, determinante nem suficiente para qualificar como abusivo o exercício do direito da Autora. Na verdade, é comum e notório, qualquer que seja a demolição, que os respectivos trabalhos provoquem, como é natural, incómodos, em maior ou menor escala. Além disso, seria necessário apurar, em concreto, quais os incómodos que a demolição implicaria para as Rés, o que não foi concretizado nos autos. 45 - O segundo fundamento, no que toca à abordada impossibilidade física da demolição, associada ao facto de que os materiais substituídos se encontravam deteriorados, parece-nos até existir uma certa contradição, entre a fundamentação da matéria de facto e a de direito. 46 - Da matéria de facto provada, não resulta ser impossível a demolição - cfr. ponto 34 dos factos provados - antes pelo contrário. 47 - Acresce a este propósito que, na fundamentação da matéria de facto, pode ler-se, na douta Sentença sob recurso, com respeito ao depoimento prestado pela testemunha das Rés EE que “[R[epor o que estava não é possível pois isso implicava voltar a por barrotes públicos. Ninguém aceitaria, ao nível de licenciamento camarário, demolir o reforço estrutural feito para repor o que estava. É possível demolir o que foi feito e repor a configuração geométrica do telhado, o que implicaria a demolição da cobertura ”, e, ainda, com referencia ao depoimento prestado pela testemunha das Rés FF, Engenheiro civil, que foi o empreiteiro da obra e que “[C[oncluiu que a reposição como estava seria impossível, pois, os materiais estavam podres e velhos. A reposição com outros materiais seria possível, mas com custos muito elevados. 48 - Tais fundamentos confirmam inequivocamente a possibilidade de demolição, contradizendo qualquer raciocínio que apontasse para a sua impossibilidade prática. 49 - Ademais, não se compreende, nem se concede, que o estado de deterioração dos materiais substituídos possa constituir, a nosso ver, fundamento negatório do pedido de demolição, por duas ordens de razão: - desde logo, porque a respectiva reconstituição da situação edificada pré-existente, poderia ser efectuada com o máximo aproveitamento possível da estrutura nova existente; - e, por outro, definida que fosse a melhor forma de a realizar, obviamente a reconstituição não seria efectuada com recurso a materiais deteriorados. Tal reconstituição, a priori, implicaria a utilização de materiais novos compatíveis com a estrutura existente. 50 - Para além disso, e ainda quanto ao estado de deterioração dos materiais que foram substituídos, tal como consta da douta fundamentação da Sentença, o Tribunal teve em consideração os pontos 31 e 32 dos factos provados, ou seja: 31. (...) o qual, em momento prévio à intervenção urbanística realizada, se encontrava em mau estado de conservação, por nunca ter sido objeto de beneficiação, nomeadamente, condições deficitárias de salubridade, isolamento térmico, segurança. 32. O prédio, face a sua antiguidade - cuja construção é datada de 1914 - apresentava diversas deficiências quer a nível estrutural, com fissuras nas paredes, como também a nível de redes de consumos domésticos (quadro elétrico, redes de águas e esgotos, etc.). 51 - Tal como já foi anteriormente referido (a propósito da impugnação da matéria de facto) não é menos verdade que o prédio, mesmo com a intervenção levada a cabo pelas Rés, ainda se encontra em mau estado de conservação, precisamente nas áreas correspondentes aos pisos que não foram objecto de beneficiação - ou seja, o r/c e o 1º piso. Razão pela qual, aliás, o prédio ainda apresenta deficiências quer a nível estrutural, com fissuras nas paredes, como também a nível de redes de consumos domésticos, concretamente, nas zonas e instalações correspondentes ao r/c e ao 1º piso, que não foram objecto de obras de beneficiação. 52 - Em relação à necessária “desproporção grave” resultante do exercício do direito, no sentido na sua não verificação, existem diversos factores que os autos evidenciam: nada se sabe acerca do valor das obras concretizadas; nada se sabe acerca do valor da reconstituição natural. Sabe-se ser possível a reposição no estado anterior. 53 - Acresce ainda, no que toca às desvantagens que resultaram da intervenção das Rés, ser notório, que uma eventual reabilitação dos pisos inferiores, ficará sempre condicionada na sua extensão e abrangência, por comparação e em termos de semelhança, aos que foram concretizados no piso 2 e que o beneficiaram consideravelmente e, por conseguinte, valorizaram-no (assim como às fracções da 1.ª Ré nele existentes) relativamente aos pisos inferiores, onde se localizam todas as outras fracções autónomas. 54 - Parece-nos, assim, existir uma valorização ilícita do piso 2, que impede ou dificulta idêntica valorização dos pisos inferiores. 55 - Parece ser evidente que a obra concretizada condiciona a recuperação/reabilitação dos pisos inferiores. E, por conseguinte, implica a sua própria desvalorização (para além da perda de competitividade relativa se pensarmos na ocupação habitacional, em termos de valor locativo (concorrencial); de exploração comercial (alojamento local) ou de valor de mercado. 56 - Não restam dúvidas que a Autora sofre danos por força da intervenção da Ré, totalmente ilegal, ilícita, que apenas contribui simbolicamente para a melhoria térmica (sem se saber em que grau/escala de importância) dos pisos inferiores e que impede que estes possam beneficiar de reabilitação qualitativamente idêntica - por se encontrar assente sobre paredes mestras perimetrais do edifício - valorizando relativamente as suas fracções e impedindo idêntica valorização das restantes, incrementando substancialmente o seu valor de mercado, pelo estado de conservação, tipo de construção e utilização, e tendo em conta a sua afectação económica/comercial (como Hostel). 57 - Por outro lado, diga-se também que a Autora sempre manifestou a sua oposição à intervenção da Ré, iniciada em Fevereiro de 2018, oposição essa que se traduzida, desde logo, através da instauração, logo em 2015, de acção judicial de anulação da deliberação de condomínio - que originou o processo n.º 23245/15.4T8LSB, cujos termos correram no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Cível de Lisboa, Juiz 11 - com a qual as Rés se haviam munido para avançarem com as obras que vieram a concretizar - deliberação essa que veio a ser efectivamente anulada em sede de recurso, pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 15/02/2018, transitado em julgado em 04/10/2018 - cfr. pontos 9 e 10 dos factos provados. 58 - Note-se, ainda, que apesar de saber da frontal oposição da Autora às obras em causa por si fomentadas e de ter tido oportuno conhecimento do teor do citado Acórdão de 15/02/2018, as Rés não se coibiram de, ainda assim, darem inicio às respectivas obras em Fevereiro de 2018! - cfr. ponto 13 dos factos provados. 59 - A Autora sempre se opôs à concretização da intervenção urbanística dos autos, medida em que apenas visavam o 2º piso do prédio urbano em causa. Na realidade, as obras concretizadas, como bem se compreende, não se destinaram a beneficiar todo o edifício, mas apenas o piso onde se encontram as fracções da Ré e zonas comuns nele existentes. 60 - Não deve considerar-se ilegítimo, no âmbito do direito de propriedade e de compropriedade em contexto condominial, o exercício, por quem dele é titular, do direito de oposição à concretização de uma obra, tida como inovatória, concretizada nas partes comuns do edifício, sem autorização do condomínio, que apenas incidiu sobre parte do prédio (piso 2), que abrange duas fracções, pertencentes ao condómino que a realizou: - que (esmagadoramente) apenas beneficia o piso 2 (renovação total); - que envolveu a demolição da cobertura e do piso 2; - com alteração da linha arquitectonica e volumetria do edifício; - passando de cinco a dez fenestrações; - tendo em vista o exercício da actividade de alojamento local através da exploração do piso 2 como “Hostel”; - unificando duas fracções que antes se encontravam fisicamente separadas, descaracterizando a sua autonomia enquanto fracções individualizadas e previstas no título constitutivo da propriedade horizontal; - pretendendo destinar, com essa obra, área que o título constitutivo da propriedade horizontal, afectava à utilização como armazém; - contra o vontade expressa de 805/1000 dos condóminos, expressada por deliberação tomada em assembleia geral. 61 - É absolutamente indiscutível que está em causa nestes autos a realização de obras que afectam partes comuns (vide artigo 1421º, nº 1, alínea b), do Código Civil) do edifício constituído em propriedade horizontal e que devem ser qualificadas como inovações. 62 - Tratando-se aqui de inovações, tal significa que a descrita modificação nas partes comuns do Condomínio - que é indiscutível e irrefutável - teria necessariamente que ser autorizada, em assembleia, pelo conjunto maioritário dos condóminos e não tendo sido tais obras submetidas ao veredicto da Assembleia de Condóminos, é evidente que as edificações, modificando a linha arquitectónica e o arranjo estético do edifício, terão que ser consideradas ilícitas, legitimando qualquer outro condómino a pedir a respectiva eliminação. 63 - Atente-se em que o regime específico da propriedade horizontal contém obrigações de carácter imperativo e interesse público que nenhum dos condóminos pode ignorar ou desrespeitar, sendo a proibição de introduzir modificações (quaisquer que elas sejam) na linha arquitectónica ou no arranjo do prédio uma delas. 64 - É, a todos os títulos, incompreensível que as Rés, sabendo da natureza e características das avultadas obras a que iria proceder, não se tenham dado ao trabalho de as submeter previamente à apreciação da Assembleia de Condóminos, na qual, poderiam obter a sua aprovação. 65 - Poderia inclusivamente a 1.ª Ré ter solicitado a intervenção das entidades oficiais competentes com vista à sanação dos problemas resultantes da falta de conservação ou beneficiação do edifício, responsabilizando se necessário o Condomínio, compelindo-o energicamente a proceder aos trabalhos de reparação e conservação que se revelassem necessários. 66 - Os factos dados como provadas não suportam a conclusão de que a Autora tenha agido, ao instaurar a presente acção, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. 67 - Trata-se, no fundo, de uma questão de pura legalidade. O que está aqui em causa é, pura e simplesmente, o frontal desrespeito pelos procedimentos legais imperativamente exigidos pelo regime da propriedade horizontal e em especial o disposto nos artigos 1422º, nº 3, e 1425º, nº 1, do Código Civil. 68 - Não o tendo feito, então a obra foi realizada sem se refletir no título constitutivo e sem necessária aprovação prévia do condomínio, sendo por isso ilegal e, consequentemente, tinha de ser demolida pois só assim se obteria a legalidade e a defesa do interesse público que subjaz à organização da propriedade horizontal e que bolem com os interesses de todo o condomínio (Sandra Passinhas, ob. citada, página 270). 69 - Deve, assim e naturalmente, que arcar com a consequência legal associada a tal flagrante omissão, ou seja, a respectiva demolição. 70 - Para além disso, é insofismável que foram as próprias Rés, ao realizarem as obras em causa nos autos, que violaram clamorosamente o estatuto e os procedimentos legais imperativamente exigidos pelo regime da propriedade horizontal e que, s.m.o., ao invocarem, agora, o abuso de direito da Autora, incorrem, elas próprias numa situação abuso de direito. 71 - No caso em apreço, quando colocados perante o comportamento da 1.ª Ré (dona da obra), marcado por um contexto de clara violação de regras imperativas reguladoras das relações condominiais, agindo de forma marcadamente prepotente e não olhando a meios para atingir os fins, afigura-se-nos estarmos perante um flagrante abuso de direito, na vertente/tipologia “Tu quoque”. 72 - O princípio da proibição do tu quoque, como concretização do princípio da proibição do abuso do direito, significa quem actual ilicitamente, em desconformidade com o direito, não pode prevalecer-se das consequências jurídicas de uma actuação ilícita da contraparte - Vide, p.ex., os acórdãos do STJ de 14 de Março de 2019 (processo n.º1189/15.0T8PVZ.P1.S1) e de 10 de Janeiro de 2023 (processo n.º 20894/18.2T8LSB.L1.S1) 73 - Daí que as Rés, tendo actuado ilicitamente, não podem prevalecer-se das consequências jurídicas de uma actuação da Autora, caso fosse esta irregular. 74 - Ensina António Menezes Cordeiro - in António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil- Parte Geral. Exercício Jurídico, Vol. V, 3a edição revista e actualizada, Almedina, 2021, pág. 411 - que “abuso do direito” é “uma mera designação tradicional para o que se poderia dizer “exercício disfuncional de posições jurídicas”. Por isso, ele pode reportar-se ao exercício de quaisquer situações e não, apenas, ao de direitos subjetivos”. “A fórmula tu quoque (também tu!) exprime a regra pela qual a pessoa que viole uma norma jurídica não pode, depois e sem abuso: i) ou prevalecer-se da situação jurídica daí decorrente; ii) ou exercer a posição jurídica violada pelo próprio; iii) ou exigir a outrem o acatamento da situação já violada.” - cfr. ob cit. pág.365. 75 - Acresce dizer que a atuação das Rés torna-se mesmo particularmente grave quando vem invocar a seu favor o instituto do abuso do direito. 76 - É que a própria invocação deste instituto é, em sim mesma, abusiva, naquilo em que excede manifestamente os limites impostos pelos bons costumes e pela boa fé e ainda pelo fim social e económico do direito. 77 - Viola a boa fé e os bons costumes porque faz o mal e depois queixa-se. Pratica o ato ilícito e depois, socorre-se do abuso do direito para se livrar das respetivas consequências. Não há bons costumes, não há boa fé que suportem este comportamento. 78 - Tal como refere Pedro Pais de Vasconcelos, (in “O abuso do abuso do direito - Um estudo de Direito Civil” - Instituto do Conhecimento da Abreu Advogados - https://www.almedina.net/ebooks) “[O] instituto do abuso de direito não pode servir para afastar, no caso concreto, as soluções legais quando, por esta ou outra razão, se não concorda com elas. Tem de ser argumentado, demonstrado, sujeito a contraditório, sindicado, enfim, fundamentado substancialmente, como válvula de escape do sistema, de aplicação cuidadosa e excecional. Na sua aplicação deve respeitar os próprios termos em que está formulado no artigo 334º do Código Civil, deve contribuir para assegurar o respeito pelos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito cujo exercício está em questão. Sempre que o efeito prático da aplicação do abuso de direito se traduza num resultado, ele próprio, contrário aos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, estar-se-á perante o abuso do abuso do direito. A aplicação do artigo 334º do Código Civil será então bloqueada pelo próprio artigo 334º do Código Civil.” 79 - A invocação do abuso do direito por parte das Rés, num caso como este, constitui abuso do direito de invocar o abuso do direito, mais sinteticamente, um abuso do abuso do direito. 80 - Ao invocar o abuso do direito, nas circunstâncias deste caso, são as Rés quem abusam, por exercerem o seu direito de invocar o abuso de modo manifestamente contrário ao fim social e económico do regime jurídico injuntivo de Ordem Pública de proteção que está em questão. 81 - A decisão da 1.ª Instância que o aceitou violou, pois, em vez de aplicar o regime jurídico do artigo 334º do Código Civil. 82 - A douta Sentença recorrida violou as disposições previstas nos artigos 1422º e 1425º e no artigo 344º todas do Código Civil. Nestes termos e nos demais de direito e com o douto suprimento do Venerando Tribunal ad quem, deve ser julgado procedente o presente recurso e, consequentemente, ser revogada a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, como é de inteira Justiça. * Os réus contra-alegaram, propugnando pela intempestividade do recurso e concluindo pela respectiva improcedência. * O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida de imediato, nos autos e efeito meramente devolutivo. Sob despacho do relator, a recorrente respondeu, propugnando pela tempestividade do recurso apresentado. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. * II. O objecto e a delimitação do recurso Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio. De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo. Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece, sob pena de indeferimento do recurso. Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras. Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal: A tempestividade do recurso. A impugnação da matéria de facto. O abuso do direito e a excessiva onerosidade da reconstituição natural. * A tempestividade do recurso Invocaram as recorridas, nas suas alegações, a intempestividade do presente recurso, na medida em que, tendo o requerimento recursório sido apresentado com aproveitamento do acréscimo de dez dias previsto no art.º 638º, nº 7 do Código de Processo Civil, o mesmo não tem por objeto a reapreciação da prova gravada. * Em Recursos no NCPC, 3ª ed., pág. 125, refere Abrantes Geraldes que “o recorrente apenas poderá beneficiar deste prazo alargado se integrar no recurso conclusões que envolvam efectivamente a impugnação da decisão da matéria de facto tendo por base depoimentos gravados”. “caso contrário, terá de se sujeitar ao prazo geral do art.º 638º, nº 1. Se, apesar de existir prova gravada, o recurso for apresentado além do prazo normal sem ser inserida no seu objecto a impugnação da decisão da matéria de facto com base na reapreciação daquela prova verificar-se-á uma situação de extemporaneidade determinante da sua rejeição”. Veja-se, a este respeito, o Acórdão do STJ de 15/11/2017 (Olindo Geraldes), disponível na base de dados www.dgsi.pt: “I. Havendo impugnação da decisão sobre a matéria de facto, que tenha por objeto a reapreciação da prova gravada, a lei concede um alargamento do prazo, por mais dez dias, para a interposição do recurso de apelação. II. O benefício do alargamento do prazo justifica-se pelo ónus de alegação que recai sobre o recorrente, no âmbito da impugnação da matéria de facto. III. O benefício não se estende à impugnação da matéria de facto baseada apenas na reapreciação da prova documental. IV. A interpretação feita do art.º 638.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, não viola qualquer princípio de natureza constitucional, nomeadamente o da igualdade e da tutela jurisdicional efetiva.” Ainda do STJ, veja-se também o Acórdão de 9/2/2017 (Ferreira Pinto), disponível na mesma base de dados: “4. Para que o recorrente/apelante possa usufruir desse acréscimo de 10 dias, a impugnação da matéria de facto efetuada deve refletir efetivamente essa reapreciação. 5. Se nas conclusões não existir, concreta ou implicitamente, qualquer referência à prova gravada e nem se fizer alusão a qualquer depoimento, não beneficia o recorrente daquele acréscimo.” Da Relação de Lisboa, veja-se o Acórdão de 4/12/2012 (Rosa Maria Ribeiro Coelho), também em www.dgsi.pt: I – Quando, sendo claro e constando das conclusões o desígnio da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente, por desatenção ou inépcia, não procede às especificações legalmente exigidas, não é intempestiva a apresentação das alegações no prazo alargado estabelecido nas disposições combinadas dos nºs 2 e 6 do art.º 698º do C. P. Civil (na redação anterior à introduzida pelo Dec. Lei nº 303/2007, de 24.08), apenas se impondo a rejeição do recurso de facto, com conhecimento do recurso sobre a matéria de direito. II – Mas se o recorrente, embora fazendo uso daquele prazo de 40 dias, em lado algum formula o desígnio de ver alterada a decisão do Tribunal de 1ª instância que apreciou os factos, não lhe atribuindo qualquer erro de julgamento, nem pedindo que a Relação a altere em qualquer ponto, haverá intempestividade de apresentação das alegações, geradora da deserção do recurso. Da mesma relatora, veja-se o Acórdão de 12/4/2011, disponível na citada base de dados: “Tendo em consideração o regime legal exposto, duas situações distintas podem ocorrer. Desde logo, aquela em que o recorrente, embora fazendo uso do prazo alargado próprio do recurso que abranja a decisão proferida sobre os factos, nenhuma crítica dirige a essa mesma decisão, ou dirigindo-a, não inclui nas conclusões o seu propósito de a ver alterada em qualquer ponto, sendo assim manifesto que a não põe em causa. Aqui, indiscutível será a intempestividade do recurso que, pura e simplesmente, não deve ser admitido. Dissemelhante será o caso em que o apelante, apesar de ter usado aquele prazo e de manifestar o inequívoco propósito de impugnar a decisão proferida sobre os factos, não o faz, porém, em moldes que permitam apreciar o seu mérito, por não ter dado cumprimento às exigências de natureza formal impostas por lei, como sejam as mencionadas especificações. Neste quadro não se estará perante uma interposição fora de prazo geradora da inadmissibilidade do recurso, mas perante uma impugnação que, na parte atinente à matéria de facto, será objecto de rejeição. Para além destes dois quadros, outros surgirão, de contornos menos nítidos e de enquadramento legal mais duvidoso, em que se poderá ficar na dúvida sobre se o recorrente usou o prazo alargado porque tinha efectivamente em mente impugnar a decisão proferida sobre os factos, embora, na prática, devido a inépcia ou falta de atenção, o não tenha conseguido em termos formalmente profícuos, ou se, diversamente, para poder beneficiar daquele prazo suplementar recorreu a pretensa “impugnação”, construindo-a, também aqui, em termos que sempre levariam à sua rejeição. A salvaguarda do direito ao recurso impõe, a nosso ver, que se opte, em caso de dúvida, por considerar que se está perante um recurso que, visando também a impugnação da decisão de facto, não foi apresentado em termos que formalmente viabilizem o seu conhecimento; só em caso de poder concluir-se pelo aproveitamento infundado e abusivo do alargamento do prazo, por ser seguro que o apelante desenhou uma aparência de recurso de facto para poder beneficiar de prazo mais alargado, será de considerar o recurso – na sua totalidade - como interposto fora de prazo e, portanto, inadmissível.” * Ora, a recorrente alegou o seguinte: 2.2.1.2 - Ponto 35 dos factos provados: No que concerne ao ponto 35 dos factos provados, tal como se referiu antes, a Sentença recorrida fundamentou a decisão sobre este ponto de facto com base, exclusivamente, nos três depoimentos testemunhais prestados por DD, engenheiro eletrotécnico, representa a empresa que fez a fiscalização da obra EE, arquiteto e FF, Engenheiro civil, foi o empreiteiro da obra. Ora, percorrendo a motivação constante da fundamentação da matéria de facto vertida na Sentença recorrida sobre a matéria, não se descortina a indicação de qualquer fundamento suficiente e que permita obter a exteriorização das razões da convicção do Tribunal a quo e da correcção da sua decisão. Na realidade, tal como se fundamenta na Sentença recorrida, a testemunha DD, apenas se referiu ao “preço da empreitada”, que, no entanto, não ficou demonstrado nos autos. Por sua vez, quanto à testemunha EE, nenhuma informação ou referência foi feita ou resulta que permitisse apontar para a demonstração e conclusão de que os custos de demolição, acrescidos dos custos de reposição da realidade urbanística preexistente ascendessem a uma quantia superior a €:500.000,00 (quinhentos mil euros). O mesmo se diga no que toca ao depoimento da testemunha FF. Aliás, muito pelo contrário, o depoimento desta testemunha parece revelar-se crucial no que toca ao apontado erro de julgamento. Efectivamente, no que se refere a ponto de facto provado n.º35, existe meio probatório, constante do processo que impõe decisão diversa da recorrida, nomeadamente, e cumprindo o ónus previsto no artigo 640º, n.º 1 al. b) do CPC, o depoimento da mencionada testemunha FF, Engenheiro civil, e empreiteiro da obra. Nos termos do disposto no artigo 640º, n.º 2, al. a) do CPC, indicam-se as seguintes passagens do depoimento da testemunha FF, por referência à Acta de Audiência de Julgamento, cuja sessão teve lugar no dia 30/11/2023, a saber: - do minuto 25:31 até ao minuto 29:16, quando a testemunha, instada pela Ilustre Mandatária das Rés acerca da possibilidade de reposição do prédio no estado anterior à intervenção das Rés, e suas dificuldades e implicações ao nível da execução e dos respectivos custos, referiu ser possível mas com custos muito elevados que concretizou poderem ascender à quantia de 150.000,00, 200.000,00 ou 250.000,00 euros. Tal como se pode verificar através da audição das passagens da gravação do depoimento assinalado, a testemunha refere, muito ao contrário do que erradamente se entendeu dar como provado pelo Tribunal recorrido, que ... Por conseguinte, deve, também em relação ao ponto 35 dos factos provados, concluir-se que a Sentença incorreu em erro de julgamento ao tê-lo dado como provado, ostentando, neste segmento, uma fundamentação claramente deficiente, atenta a manifesta insuficiência e carência de elementos para prova desse mesmo facto e pela ausência de qualquer outra prova sobre esse mesmo o facto. Anote-se, ainda, que este concreto ponto de facto assume alguma relevância, se tivermos em conta que seria este o critério objectivamente mais adequado para se apurar sobre a julgada desproporção da pretensão da Autora, relacionada com a reposição natural da construção ilegal fomentada pelas Rés. Assim, indica-se, nos termos do disposto no artigo 640º, n.º 1, al. c) a decisão que, no entender da Apelante, deve ser proferida sobre a concreta questão de facto impugnada: - deve ser julgada não provada a matéria de facto referente ao ponto n.º 35 dos factos provados. Concluindo a recorrente: 14 - Efectivamente, no que se refere a ponto de facto provado n.º 35, existe meio probatório, constante do processo que impõe decisão diversa da recorrida, nomeadamente, e cumprindo o ónus previsto no artigo 640º, n.º 1 al. b) e n.º 2, al. a) do CPC, o depoimento da mencionada testemunha FF, Engenheiro civil, e empreiteiro da obra, do qual se indicam as seguintes passagens, por referência à Acta de Audiência de Julgamento, cuja sessão teve lugar no dia 30/11/2023, a saber: do minuto 25:31 até ao minuto 29:16, quando a testemunha, instada pela Ilustre Mandatária das Rés acerca da possibilidade de reposição do prédio no estado anterior à intervenção das Rés, e suas dificuldades e implicações ao nível da execução e dos respectivos custos, referiu ser possível mas com custos muito elevados que concretizou poderem ascender à quantia de 150.000,00, 200.000,00 ou 250.000,00 euros. 15 - Tal como se pode verificar através da audição das passagens da gravação do depoimento assinalado, a testemunha refere, muito ao contrário do que erradamente se entendeu dar como provado pelo Tribunal recorrido, que ... Desse modo, haverá que concluir que a recorrente impugnou, efectivamente, o ponto 35. provado, propondo distinta redacção, com base, também, na reapreciação da prova gravada - mais exactamente, de um ponto concreto da gravação no depoimento de uma testemunha. Pelo que a recorrente beneficiou do alargamento do prazo de dez dias, para apresentação do seu requerimento de interposição de recurso. Tendo sido remetida notificação electrónica da sentença recorrida, em 2/9/2024, a apresentação do requerimento em 16/10/2024, acompanhado do comprovativo da multa a que se refere o art.º 139º, nº 5, a) do Código de Processo Civil, mostra-se tempestiva, sem necessidade de maiores considerações. Desse modo, mostra-se tempestivo o presente recurso, apresentado no 1º dia útil subsequente ao termo do prazo de 40 dias, previsto no art.º 638º, nºs 1 e 7 do Código de Processo Civil e acompanhado do comprovativo do pagamento da multa a que se refere o art.º 139º, nº5, a) do mesmo Código. * III. Os factos Receberam-se da 1ª instância os seguintes factos provados: 1. A Autora é possuidora e legítima proprietária das frações autónomas designadas pelas letras “B”, “C”, “D”, “E”, “F” e “G”, a que correspondem as permilagens, respetivamente, de 47/1000, 40/1000, 47/1000, 212/1000, 128/1000 e 158/1000, todas do prédio urbano, sito na Rua da ..., n.ºs ..., da freguesia de ..., constituído em propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob n.º ..., da freguesia de ... e inscrito na matriz predial urbana. 2. A BB é proprietária das frações autónomas designadas pelas letras “H”, correspondente ao segundo andar direito, e “I”, correspondente ao segundo andar esquerdo, integrantes do mencionado prédio urbano, a que correspondem as permilagens, respetivamente, de 90/1000 e de 105/1000. 3. Consta no título constitutivo da propriedade horizontal do prédio urbano em causa, com respeito às frações “H” e “I”, o seguinte: “(...) Fração H - segundo andar direito, ocupação de escritório ou armazém, com acesso por uma escada comum que parte do vestíbulo do edifício, com entrada pelo número duzentos e seis A. Fração I - segundo andar esquerdo, ocupação de escritório ou armazém, com acesso por uma escada comum que parte do vestíbulo do edifício, com entrada pelo número duzentos e seis A. (...)”. 4. A 2.ª Ré apresentou, na Câmara Municipal de Lisboa, um pedido de emissão de parecer favorável, que deu origem ao processo administrativo n.º 255/EDI/2014, através de emissão de pedido de informação prévia, acerca de uma pretendida intervenção urbanística para “alteração arquitetónica a efetuar no edifício”(...) supra identificado, pelo qual propunha a concretização de: a) “Alterações interiores do segundo piso do edifício para adaptar a um Hostel; b) Alterações exteriores no desenho da cobertura do edifício para conseguir maior área útil no desvão da cobertura” 5. Das observações ínsitas no ponto 5.1 da informação prévia referida em 4. consta que “A proposta do empreendimento consiste em dotar o 2º andar do edifício de condições de habitabilidade para o uso de alojamento local com a capacidade de 43 utentes, sendo: 6 quartos para 12 utentes; 9 camaratas para 27 utentes;1 camarata para 4 utentes; 10 instalações sanitárias.” 6. Por decisão proferida em 06 de junho de 2014, pelo Vereador da Câmara Municipal de Lisboa, foi emitido parecer favorável ao respetivo pedido de informação prévia. 7. Em 09.07.2015, a Autora recebeu uma carta registada com aviso de receção, com data de 07-07-2015, remetida pela Ré BB, com o seguinte assunto: “COMUNICAÇÃO A CONDÓMINOS AUSENTES DA ASSEMBLEIA”, acompanhada de “ATA AVULSA”. 8. Na ata referida em 7. consta que “aos 29 dias de Junho de 2015, pelas 10:30, reuniu, em segunda convocatória, porquanto na primeira convocatória não se encontravam presentes todos os condóminos, no seu logradouro, a Assembleia de condóminos do prédio sito na Rua da ..., nºs ..., em Lisboa, para deliberar sobre a seguinte ordem de trabalhos: a) Realização de obras de beneficiação do prédio, nomeadamente nas suas áreas comuns, para a qual será necessária maioria qualificada.”. 9. Consta da Ata referida em 7., que estiveram presentes, na qualidade de condóminos: GG e BB, tendo sido “aprovada por unanimidade dos presentes” a proposta apresentada por BB, constante da ordem de trabalhos, que consistiu no seguinte: “realização de obras de beneficiação do prédio, nomeadamente nas suas áreas comuns, de acordo com o relatado na memória descritiva exibida na assembleia. Designadamente: i. Unificar a cobertura pela cota mais elevada, enquadrando o alçado principal, reconstruindo parcialmente a fachada poente ao nível do 2.º piso e prolongando-a na continuidade das paredes existentes atuais. Para tanto serão utilizados acabamentos idênticos aos atuais preservando as características e linguagem arquitetónica existentes, nomeadamente a telha cerâmica portuguesa e o sistema etics/reboco pintado a tinta para exterior na cor existente. ii. Construção de terraços na cobertura para colocação e ocultação de equipamentos de climatização, com acesso por alçapão na zona comum. iii. Colocação de claraboia para desenfumagem no teto da escada comum por questões de segurança contra - incêndios. iv. Colocação de fenestrações nas duas fachadas para assegurar a iluminação natural e ventilação dos compartimentos interiores”. 10. No âmbito da ação judicial, instaurada pela Autora em 2015, que originou o processo n.º 23245/15.4T8LSB, cujos termos correram no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Cível de Lisboa, Juiz ..., a deliberação referida em 9. veio a ser anulada, em sede de recurso, pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 15-02-2018, transitado em julgado em 04/10/2018. 11. A 15-06-2015, a 2.ª Ré, sociedade CC na sequência do pedido de informação prévia que havia sido apresentado, apresentou na Câmara Municipal de Lisboa, uma comunicação prévia de obras de edificação de alteração e ampliação - processo n.º 1017/EDI/2015 - no 2.º andar do edifício, na Rua da ..., n.º ..., freguesia de ..., “pretendendo unificar as atuais frações autónomas H e I”, do prédio urbano em causa nos autos. 12. (...) A qual foi admitida por despacho do Vereador da Câmara Municipal de Lisboa, de 17-05-2016, aposto na INF n.º 20599/INF/DPEDI/GESTURBE/2016, de 06-05-2016, elaborada pela Divisão de Projetos de Edifícios, da Direção Municipal de Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa e do qual consta designadamente o seguinte: “(...) 9. CONCLUSÃO/PROPOSTA 9.1 - A Intervenção incide essencialmente no segundo andar e numa área de Superfície Pavimento de 412 m2, de acordo com a memória descritiva a fls. 24 a 30, bem como a ficha de elementos estatísticos (INE) a fls. 83, não havendo lugar a compensação, por se tratar de uma obra sem impacte relevante nos termos do art.º 6.º do RMUEL; 9.2 Considerando a homologação favorável do processo antecedente n.º 255/EDI/2014 com parecer favorável da DGPC; 9.3 Considerando que a proposta enquadra-se nas normas legais e regulamentares relativas ao especto exterior e a inserção urbana e paisagística das edificações, assim como o uso habitacional (alojamento local) proposto; 9.4 - Considerando que no âmbito deste procedimento foram entregues as respetivas especialidades, verificando-se a sua conecta instrução; no entanto, aquando do pedido de autorização de utilização terão de ser entregues os respetivos elementos Instrutórios, conjuntamente com os certificados de exploração de eletricidade, de águas e o projeto de segurança contra-incêndios aprovado pela ANPC. Face ao exposto, somos de parecer favorável e consideramos que o projeto da operação urbanística em apreço, requerida pela presente comunicação prévia, reúne condições de admissão ao abrigo do RJUE na reação em vigor. (...)». 13. Em fevereiro de 2018, a 2.ª Ré (com o conhecimento e no interesse da 1.ª Ré) deu início às obras, as quais encerraram os seguintes trabalhos: - A demolição/remoção do telhado de cobertura existente; - A remoção do pavimento do 2.º piso, que por sua vez constitui, simultaneamente, uma parte do teto e cobertura do 1.º piso, e a destruição de parte do alçado principal e da fachada; - A reconstrução parcial da cobertura com o nivelamento pela cumeeira mais elevada; - A colocação de janelas zenitais na cobertura tardoz; - A reconstrução parcial da fachada da Rua da ... - paredes exteriores e vãos, com inclusão de novas fenestrações nas fachadas, que implicou um alteamento das paredes-mestras que existiam; - Modificação da altura (pé-direito) nos compartimentos interiores das frações “H” e “I”; - Construção de terraço na cobertura e instalação de climatização com implantação de máquinas nesse terraço; - Instalação de novas redes (águas, esgotos, eletricidade e telecomunicações); - Colocação de pavimento elevado nas zonas dos quartos e camaratas do pretendido “Hostel” (para passagem inferior de esgotos). - Criação de um alçapão na zona comum e colocação de uma clarabóia no teto da escada comum. 14. No dia 17-05-2018, a obra foi embargada administrativamente, conforme Auto de Embargo n.º 76/2018, por um período de 12 meses, notificado à 2.ª Ré através de ofício datado de 22-05-2018. 15. No dia 13-07-2018, a 2.ª Ré apresentou providência cautelar de suspensão imediata da eficácia de ato administrativo, contra o Município de Lisboa e contra a 1.ª Autora (contrainteressada) pedindo o decretamento provisório da providência, que correu termos, sob o n.º 1314/18.9BELSB, na 2.a Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa. 16. No dia 13-07-2018, a 2.ª Ré apresentou providência cautelar de suspensão imediata da eficácia de ato administrativo, contra o Município de Lisboa e contra a 1.ª Autora (contrainteressada) pedindo o decretamento provisório da providência, que correu termos sob o n.º 1314/18.9BELSB, na 2.ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa. 17. No âmbito da providência cautelar mencionada em 16., as obras foram retomadas com fundamento na prorrogativa legalmente consagrada da suspensão da eficácia do embargo, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 128.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. 18. Em 24-10-2018, foi proferida sentença que indeferiu a providência cautelar referida em 16., não tendo sido decretada a suspensão do embargo. 19. A 2.ª Ré interpôs recurso da sentença e por despacho datado de 18-01-2019, foi o recurso admitido, tendo o processo subido ao Tribunal Central Administrativo de Lisboa, com efeito meramente devolutivo, significando que tal embargo retomou os seus efeitos a partir da data da notificação da sentença, ou seja, desde 25-10-2018. 20. Em 06-12-2018, foi pela Câmara Municipal de Lisboa declarada a caducidade da comunicação prévia, o que foi notificada a 2.ª Ré em 12-12-2018. 21. Em 21-03-2019, foi proferido Acórdão pelo Tribunal Central Administrativo de Lisboa, que negou provimento ao recurso interposto pela 2.ª Ré, confirmando a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa. 22. Em 17-07-2019, pelas quinze horas, na ......, em Lisboa, sob convocatória da AA, ora Autora, regularmente entregue e enviada por carta registada a todos os condóminos, reuniu em segunda convocatória, a Assembleia Geral Extraordinária de Condomínio do prédio urbano sito na Rua da ..., números ..., da freguesia de Santa Maria Maior, concelho de Lisboa, constituído em propriedade horizontal, encontrando-se presentes e ou representados que constituíam 100,00% da totalidade do prédio ou do capital investido, correspondente à permilagem de 1000/1000, com o seguinte Ponto Único - Apreciação referente às inovações concretizadas nas zonas comuns do condomínio pela empresa CC, na sequência da decisão judicial que anulou a deliberação deste condomínio que aprovou tais inovações, tomada na Assembleia Geral realizada no dia 29/06/2015, e deliberação acerca das medidas a implementar em face da anulação da referida deliberação. 23. (...) Pela Autora, foi posta à consideração a possibilidade de proceder à demolição total das inovações concretizadas e reposição do anterior estado do prédio antes do início das inovações e consequente imputação de custos que tal intervenção venha a dar causa a quem de direito, nomeadamente, à dona da obra CC e/ou à BB. 24. (...) A proposta de reposição/demolição em causa recebeu os votos favoráveis dos Condóminos proprietários das frações A, B, C, D, E, F e G, que totalizam 805/1000, e os votos contra da Condómina proprietária das frações H e I, que totalizam 195/1000. 25. (...) Posta à votação a proposta de conclusão das obras/inovações previstas de acordo com o projeto em causa, a serem concretizadas pela sociedade CC, a mesma recebeu os votos favoráveis da Condómina proprietária das frações H e I, que totalizam 195/1000 e votos contra dos Condóminos proprietários das frações A, B, C, D, E, F e G, que totalizam 805/1000, pelo que foi a mesma rejeitada pelos Condóminos presentes. 26. Em 21 de Agosto de 2019, foi elaborada uma “proposta de embargo” pela Polícia Municipal de Lisboa, dirigida ao Senhor Vereador do Urbanismo da Entidade Requerida, na qual, sob o assunto “Execução de Obras sem a Necessária Licença - Solicitação de Ordem de Embargo”, se lê, entre o mais, o seguinte: «Reportando-me ao assunto em epígrafe, informo V Exa que, esta Policia, realizou uma fiscalização ao imóvel, sito na(o) Rua da ..., nº ...,2º andar, Lisboa, ao abrigo do Art.º 93.º e n.º 1 do Art.º 95º, ambos do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro (...), tendo sido constatado que ali estão a ser executadas obras de ampliação sem a necessária licença, descritas conforme consta na Informação n.º 39296.19.8.4, de 20-08- 2019, da qual se junta cópia e faz parte integrante desta Proposta. Face ao exposto, verifica-se infração ao preceituado na alínea d) do n.º 2 do Art.º 4º do RJUE, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro (...), pelo que ao responsável pela execução das obras, foi elaborada a Participação Interna, cujo Processo vai ser instruído, na Divisão de Contraordenações da C.M.L. Face ao exposto, proponho o seguinte: a) O embargo das obras atualmente em curso, nos termos do Art.º 102.º- B, n,º 1, alínea a), do RJUE, com referência à alínea k) do n." 2 do artigo 35º e n.º 2 do artigo 36º da Lei n.º 75/2013 e à alínea qq) do n.º 3 do ponto C do Despacho n.º 99/P/2017, de 23 de novembro. b) A fixação do prazo de doze meses para a validade do embargo, a contar da data da sua execução, de harmonia com o n.º 1 do Art.º 104. º do RJUE, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro (...); c) Que não deverá haver lugar à Audiência dos interessados, nos termos do Art.º 124.º, n.º 1; alínea a) do CPA, atendendo à natureza dos factos acima descritos e à urgente necessidade de impedir a continuação da obra lesiva da legalidade, com vista a evitar que a mesma se consolide na ordem jurídica (...)». 27. Em face da informação precedente, por despacho do Senhor Vereador da Câmara Municipal de Lisboa de 22-08-2019, foi determinado o embargo total da obra em curso no 2º andar de acordo com a al. a) do nº1 do art.º 102ºB do RJUE, tendo sido elaborado o Auto de Embargo e de constatação de obras nº128/2019, com a necessária correção constante da informação 39915.19.8.4 quanto à identificação da proprietária. 28. No dia 28-08-2019, as Rés apresentaram providência cautelar de suspensão imediata da eficácia de ato administrativo, contra o Município de Lisboa e contra a 1.ª Autora (contrainteressada) pedindo o decretamento provisório da providência, que corre termos sob o n.º 1595/19.0BELSB, na 32 Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa. 29. Em 20-12-2019, foi proferida sentença que indeferiu tal procedimento cautelar. 30. As obras referidas em 13., implicaram uma melhoria significativa das condições de segurança, conforto e isolamento térmico do prédio. 31. (...) o qual, em momento prévio à intervenção urbanística realizada, se encontrava em mau estado de conservação, por nunca ter sido objeto de beneficiação, nomeadamente, condições deficitárias de salubridade, isolamento térmico, segurança. 32. O prédio, face a sua antiguidade - cuja construção é datada de 1914 - apresentava diversas deficiências quer a nível estrutural, com fissuras nas paredes, como também a nível de redes de consumos domésticos (quadro elétrico, redes de águas e esgotos, etc.). 33. Na sequência das obras referidas em 13., as frações propriedade da autora, estão, agora, dotadas com um teto com características reforçadas pela execução de novo pavimento ao nível do segundo piso. 34. A reposição do edifício como se encontrava antes da intervenção das Rés, implicaria a demolição de andar de habitação finalizado - nomeadamente ao nível de telhado de cobertura, pilares, estruturas, vigas, vigotas, piso, janelas, etc. - acrescidos de incómodos para as Rés e demais habitantes do imóvel, decorrentes dos trabalhos. 35. Os custos de demolição das obras concretizadas pelas Rés no prédio urbano em causa nos autos, acrescido dos custos de reposição da realidade urbanística pré-existente, ascenderiam um valor superior a € 500.000,00 (quinhentos mil euros). 36. O logradouro do prédio tem toldos/telheiros erigidos pelos arrendatários a quem a Autora cedeu o gozo das frações referidas nos pontos 1. e 2. 37. Aquando da remoção do telhado de cobertura, as Rés asseguraram a instalação de cobertura provisória do edifício e vedaram o estaleiro, por forma a obstar a entrada de chuvas, ventos e outros visando manter o mínimo de segurança e conforto térmico ao edifício. 38. Durante a execução das obras referidas no ponto 13., devido a uma tempestada, houve um perfil/barrote do andaime que caiu sobre a cobertura de uma das frações localizadas no rés-do-chão, a qual foi reparada. * Foram considerados não provados os seguintes factos: 1. Durante a execução da demolição/remoção do telhado de cobertura que existia e ao removerem o pavimento do 2.º piso, que constitui parte do teto e cobertura do 1.º piso, onde se localizam grande parte das frações autónomas da Autora, foram provocadas na cobertura das frações localizadas no rés-do-chão, infiltrações de águas pluviais e queda de entulhos. 2. (...) A Autora, para proceder à reparação despendeu a quantia de € 8.620,00 (oito mil seiscentos e vinte euros) e a quantia de € 8.548,50 (oito mil quinhentos e quarenta e oito euros e cinquenta cêntimos). 3. A saúde da Autora agravou-se com o stress e preocupação sofridas na sequência das obras referidas no ponto 13. da Matéria de Facto Provada. 4. A reparação referida no ponto 38., foi efetuada a expensas da Autora. 5. A reparação referida no ponto 38., foi efetuada a expensas da primeira Ré. 6. A Autora aufere mensalmente a título de renda por cada uma das frações, entre os € 300,00 (trezentos euros) e € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros), sem que, para tanto, tenha celebrado os respetivos contratos de arrendamento, nem emita os correspondentes recibos de quitação das rendas pagas. * A impugnação da matéria de facto. Dispõe o art.º 662º n.º 1 do Código de Processo Civil: A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Tem sido entendido que, ao abrigo do disposto no citado preceito, a Relação tem os mesmos poderes de apreciação da prova do que a 1ª instância, por forma a garantir um segundo grau de jurisdição em matéria de facto. Donde, deve a Relação apreciar a prova e sindicar a formação da convicção do juiz, analisando o processo lógico da decisão e recorrendo às regras de experiência comum e demais princípios da livre apreciação da prova, reexaminando as provas indicadas pelo recorrente, pelo recorrido e na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto. Neste sentido, vide António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pág. 287: O actual art.º 662º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava. Como se disse, através dos nºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia. O Tribunal não está vinculado a optar entre alterar a decisão no sentido pugnado pelo recorrente ou manter a mesma tal como se encontra, antes goza de inteira liberdade para apreciar a prova, respeitando obviamente os mesmos princípios e limites a que a 1ª instância se acha vinculada. * Sobre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe o art.º 640º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto: 1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º. Assim, os requisitos a observar pelo recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto, são os seguintes: - A concretização dos pontos de facto incorrectamente julgados; - A especificação dos meios probatórios que no entender do recorrente imponham uma solução diversa; - A decisão alternativa que é pretendida. Por fim, qualquer alteração pretendida pressupõe em comum um pressuposto: a relevância da alteração para o mérito da demanda. A impugnação de factos que tenham sido considerados provados ou não provados e que não sejam importantes para a decisão da causa, não deve ser apreciada, na medida em que alteração pretendida não é suscetível de interferir na mesma, atenta a inutilidade de tal acto, sendo certo que de acordo com o princípio da limitação dos atos, previsto no art.º 130.º do Código de Processo Civil não é sequer lícita a prática de atos inúteis no processo. Veja-se o Acórdão do STJ de 17/05/2017 (Fernanda Isabel Pereira), também disponível em www.dgsi.pt: “O princípio da limitação de actos, consagrado no artigo 130º do Código de Processo Civil para os actos processuais em geral, proíbe a sua prática no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – desde que não se revelem úteis para este alcançar o seu termo. Trata-se de uma das manifestações do princípio da economia processual, também aflorado, entre outros, no artigo 611º, que consagra a atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes, e no artigo 608º n.º 2, quando prescreve que, embora deva resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, o juiz não apreciará aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Nada impede que também no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão fáctica seja observado tal princípio, se a análise da situação concreta em apreciação evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual, cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir. Com efeito, aos tribunais cabe dar resposta às questões que tenham, directa ou indirectamente, repercussão na decisão que aprecia a providência judiciária requerida pela(s) parte(s) e não a outras que, no contexto, se apresentem como irrelevantes e, nessa medida, inúteis.” E, ainda, os Acórdãos da Relação de Guimarães, de 15/12/2016 (Maria João Matos) e desta Relação de 26/09/2019 (Carlos Castelo Branco), também da citada base de dados: Não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.). * Neste enquadramento genérico, que flui do texto legal interpretado pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, vejamos a impugnação deduzida. 3 - Especificam-se, em cumprimento do ónus previsto no artigo 640º, n.º 1, al. a) do CPC, os concretos pontos de facto que se considera terem sido incorrectamente julgados: Pontos de facto que devem ser julgados não provados: - Ponto 34 dos factos provados: “A reposição do edifício como se encontrava antes da intervenção das Rés, implicaria a demolição de andar de habitação finalizado - nomeadamente ao nível de telhado de cobertura, pilares, estruturas, vigas, vigotas, piso, janelas, etc. - acrescidos de incómodos para as Rés e demais habitantes do imóvel, decorrentes dos trabalhos ” - Ponto 35 dos factos provados: “Os custos de demolição das obras concretizadas pelas Rés no prédio urbano em causa nos autos, acrescido dos custos de reposição da realidade urbanística preexistente, ascenderiam um valor superior a € 500.000,00 (quinhentos mil euros). 23 - Portanto, tudo aponta no sentido indubitável de que se deve julgar como provado o concreto ponto de facto que, nos termos do disposto no artigo 640º, n.º 1, al. c) do CPC, que se indica, designadamente: Ponto de facto: “As obras alteraram a linha arquitectónica do prédio e aumentaram o volume da construção e a área das fracções autónomas da 1.ª Ré, em detrimento do espaço comum e em desconformidade com as especificações fixadas no título constitutivo da propriedade horizontal.” 28 - Pelo exposto, devem ser alterados os referidos concretos pontos de facto provados, com o adicionamento, na sua redacção dos verbos “encontrar” e “apresentar”, ambos no presente do indicativo, esclarecedores desses mesmos ponto de facto, pela forma que infra se indica, ao abrigo do disposto no artigo 640º, n.º 1, al. c) do CPC, designadamente: Ponto n.º 31. (...) o qual, em momento prévio à intervenção urbanística realizada, se encontrava, e ainda se encontra, em mau estado de conservação, por nunca ter sido objeto de beneficiação, nomeadamente, condições deficitárias de salubridade, isolamento térmico, segurança. Ponto n.º 32. O prédio, face a sua antiguidade - cuja construção é datada de 1914 - apresentava, e ainda apresenta, diversas deficiências quer a nível estrutural, com fissuras nas paredes, como também a nível de redes de consumos domésticos (quadro elétrico, redes de águas e esgotos, etc.). No caso, a improcedência das excepções de abuso de direito e de excessiva onerosidade da reconstituição natural, que infra se determina, torna inútil a apreciação da impugnação. * Pelo exposto, não se aprecia a impugnação da matéria de facto. * IV. O Direito Do abuso do direito e da excessiva onerosidade Fundou a Exma. Juíza a quo a sua decisão nas seguintes considerações jurídicas: De todo o modo, parece-nos inequívoco haver uma “desproporção grave” entre a vantagem que a A. obteria com a demolição das obras, radicada apenas na reposição anterior para a qual não era necessária qualquer autorização condominial, a qual está, afirme-se, absolutamente dependente da Autora, na qualidade de proprietária da maioria das frações constitutivas do edifício (Ponto 1. da Matéria de Facto Provada), face aos incómodos, despesas e trabalhos acrescidos que tal demolição sempre implicaria para as Rés, para não falar na eventual impossibilidade física de o fazer, na medida em que os materiais substituídos foram encontravam-se deteriorados (Pontos 31. e 32. da Matéria de Facto Provada). Parece-nos, assim, claramente apurada uma situação de exercício abusivo do direito por parte da Autora, uma vez que “A hipótese de desproporção de exercício pode revestir a forma de desequilíbrio grave entre o beneficio que da procedência da acção poderá advir para o titular exercente e o correspondente sacrifício que é imposto a outrem pelo exercício de tal direito, surgindo assim como possibilidade legalmente prevista de correcção de soluções que, ainda que legalmente suportadas, se apresentariam em concreto contrárias ao normal sentimento de justiça”, vide Ac. do STJ de 24.02.2015, nos termos do qual se obstou ao exercício do direito que nele estava em causa, o que, igualmente sucede no caso vertente. * Antes do mais, um reparo prévio: Não se encontra em discussão a ilegalidade das obras efectuadas nas partes comuns do edifício. Cita-se, neste passo, a decisão recorrida, que, de forma exemplar, enquadrou essa ilegalidade manifesta: Alega a Autora, no essencial, que as obras em causa (Ponto 13. da Matéria de Facto Provada), modificadoras da linha arquitetónica do edifício, constituem inovação em parte comum do mesmo, foram levadas a cabo, no essencial, sem prévia autorização da assembleia de condóminos e encontram-se em desconformidade com as especificações fixadas no título constitutivo da propriedade horizontal. Resulta da matéria de facto provada que a intervenção levada a cabo pelas Rés não se encontra sustentada na respetiva deliberação condominial (Pontos 9., 10., 22., 23., 24. e 25. da Matéria de Facto Provada), a qual exige autorização por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, nos termos do art.º 1422,º, n,º 3, do CC. Efetivamente, estabelece o n.º 3 do art.º 1422.º do CC que "as obras que modifiquem a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tal se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio”, afigura-se-nos ser sempre de exigir a prévia realização de assembleia de condóminos. A assembleia de condóminos, enquanto órgão de deliberação dos condóminos, cujo funcionamento não deixa de estar sujeito a regras específicas (nos termos do art.º 1423.º do C. Civil), acaba por constituir o momento adequado para a discussão dos vários assuntos relativos ao prédio e ao relacionamento entre os condóminos - sendo certo que é essa mesma discussão que pode e deve levar à aprovação ou rejeição das propostas submetidas a deliberação. A obra em causa intervencionou, entre outras partes, a fachada e o telhado do edifício que, por força do Código Civil (CC), é considerado imperativamente são consideradas partes comuns (artigo 1421.º, n.º 1, als. a) e b), do CC). Como tal, afigura-se-nos não ser relevante para aferir da legalidade das obras realizadas, se as mesmas prejudicam ou não a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício nos termos do artigo 1422.º, n.º 2, a), do CC, pois, esta regra só se aplica às obras inovadoras realizadas nas frações individuais e não nas partes comuns. Aqui, por regra, o condómino não pode realizar qualquer obra, quer beneficie quer prejudique aquela linha e arranjo (Acs. STJ de 22/02/2017, disponível in www.dgsi.pt). Para poder realizar obras nas partes comuns, o condómino tem de obter autorização do condomínio que as aprove por maioria qualificada (desde que representativa de 2/3 do valor total do prédio), conforme artigo 1425.º, n.º 1, do CC, nos termos do qual “(...) sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as obras que constituam inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio (sem prejuízo de se poder ter de recorrer a outro tipo de maioria qualificada, por exemplo, a unanimidade, conforme a situação mencionada no Ac. do STJ de 22/02/2017). E, para nós, para a Ré poder realizar aquelas obra, tinha de obter essa prévia aprovação, conforme o citado artigo 1425.º, n.º 1., do CC, não o tendo feito, então a obra foi realizada sem se refletir no título constitutivo e sem necessária aprovação prévia do condomínio, sendo, por isso ilegal e, consequentemente, em princípio teria de ser demolida, pois só assim se obteria a legalidade e a defesa do interesse público que subjaz à organização da propriedade horizontal e que contendem com os interesses de todo o condomínio. * Concordando com tais considerações, recorda-se, neste ponto, o decidido pelo STJ, em Acórdão de 18/4/2024 (Fernando Baptista), disponível em www.dgsi.pt: O fim social e económico do direito é a função instrumental própria do direito, a justificação da respectiva atribuição pela lei ao seu titular, sendo a sanção natural para a execução pelo condómino de obras ilícitas nas partes comuns de edifício em regime de propriedade horizontal a sua demolição, não constituindo, por isso, em princípio, abuso de direito o pedido de demolição dessas obras. Tal direito à demolição surge-nos expresso no art.º 829º, nº1 do Código Civil. E entende-se como pacífica a não aplicabilidade à realização de obras ilegais pelo condómino, violadoras do estatuto da propriedade horizontal, a «válvula de escape» aberta pelos arts. 566º, nº1, in fine e 829º, nº2 do mesmo Código, como tem sido argumento pacífico do Supremo Tribunal de Justiça. Veja-se, nesse sentido, os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, todos disponíveis em www.dgsi.pt: Em 11/10/1989 (Ferreira Dias), decidiu-se A sanção a aplicar ao condómino que desobedeça à lei nesta matéria é a demolição da inovação, a qual não pode ser substituída, ao abrigo dos artigos 829 n. 2 e 566 do Código Civil, por indemnização ao lesado, já que estes normativos só procedem para o não cumprimento das obrigações em geral e não para efeitos relacionados com a propriedade horizontal. Em 26/5/1992 (Fernando Fabião), decidiu-se A sanção correspondente à realização de tais obras é a destruição delas, isto é, a reconstituição natural, não podendo tal sanção ser substituída por indemnização em dinheiro, ao abrigo do princípio da equidade, uma vez que este princípio só vale para o não cumprimento das obrigações em geral e não para a violação do estatuto do condomínio. Em 4/11/1999 (Ferreira de Almeida), decidiu-se À realização de obras ofensivas do disposto, na alínea a) do n. 2 do artigo 1422, do C.Civil, terá de corresponder a sanção da destruição das mesmas, isto é reconstituição natural, a qual não poderá ser substituída por indemnização a ser fixada ao abrigo do princípio da equidade estabelecido nos artigos 566 n.º 1, "in fine" e 829 n. 2 do mesmo diploma, já que tal princípio só vale para o não cumprimento das obrigações em geral e não para a violação do estatuto real do condomínio, subjacentes ao que se encontram regras de interesse e ordem pública atinentes à organização da propriedade, que contendem com os interesses dos restantes condóminos do prédio. Em 17/5/2017 (Nunes Ribeiro), decidiu-se A sanção natural para a execução pelo condómino de obras ilícitas nas partes comuns de edifício em regime de propriedade horizontal é a sua demolição (art.º 829.º, n.º 1, do CC), não constituindo, por isso, abuso de direito, o pedido de demolição dessas obras já que é a própria lei que o determina e o condómino, requerendo-o, não está a exceder em nada os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do respectivo direito, mas antes a reagir contra o condómino que inovou, para que o edifício seja restituído ao estado anterior. Efectivamente, o princípio da equidade, que subjaz à ponderação em questão, só vale para o não cumprimento das obrigações em geral e não para a violação do estatuto real do condomínio em que estão em jogo "regras de interesse e ordem pública atinentes à organização da propriedade, que bolem com os interesses de todos os condóminos do prédio" (Antunes Varela, R.L.J. 108, 59 e 69; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume III, 366). Desse modo, nos afastamos das considerações, ainda que doutas, da 1ª instância: a desproporção grave entre as vantagens da reconstituição natural e os incómodos ou custos da mesma, não pode constituir óbice à sanção natural para a ilegalidade praticada (a demolição), quer por invocação do princípio da equidade fundamentado nos arts. 566º nº 1, "in fine" e 829º nº 2 do Código Civil quer pela cláusula geral de salvaguarda do abuso do direito. * Esta conclusão não prejudica o acionamento do instituto do abuso do direito, desde que verificados os seus pressupostos específicos (arredada se mostrando a desproporção grave de entre os mesmos). * A figura do abuso do direito está na lei para tornar mais ético o nosso ordenamento jurídico, com vista a impedir a conjugação de forças antijurídicas que, por vezes, a imposição fria e rígida da lei possa levar a cabo, em confronto com o ideal de justiça que sempre deve andar, indissoluvelmente ligado, à aplicação do direito e dentro da máxima "perde o direito quem dele abusa" e em oposição ao velho adágio romano "qui suo jure utitur neminem laedit". "É uma cláusula geral, uma válvula de segurança, uma janela por onde podem circular lufadas de ar fresco, para obtemperar a injustiça gravemente chocante e reprovável" - Ac. do STJ de 21.09.1993, C.J.; tomo III; pág. 21. Daí que, embora se não vejam grandes dificuldades para a institucionalizar, já se encontram alguns estorvos quando se procura saber se em cada caso concreto esta forma de expressão tem ou não acolhimento. O abuso do direito está consagrado na nossa lei - art.º 334.º do Cód. Civil que dispõe: É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. "Trata-se do exercício anormal do direito próprio. O exercício do direito em termos reprovados pela lei, ou seja, respeitando a estrutura formal do direito, mas violando a sua afectação substancial, funcional ou teleológica. Para que haja lugar ao abuso do direito é necessária a existência de uma contradição entre o modo ou o fim com que o titular exerce o direito e o interesse ou interesses a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito" (Prof. A. Varela; Obrigações; I Vol.; pág. 514 /516). Na fórmula "manifesto excesso dos limites impostos pela boa-fé" vêm a doutrina e a jurisprudência incluindo os casos de inalegabilidade de nulidades formais, da chamada conduta contraditória ("venire contra factum proprium"), da “exceptio doli” (poder que uma pessoa tem de repelir a pretensão do autor, por este ter incorrido em dolo), da “suppressio” e da “surrectio” (o direito que não foi exercido em certas condições e durante certo lapso de tempo, não pode mais sê-lo: faz desaparecer um direito que não corresponda à efectividade social - “suppressio”; ou faz surgir um direito não existente antes, juridicamente, mas que, na efectividade social era tido como presente - “surrectio”) e a doutrina condensada na expressão “tu quoque”, genericamente definida como perante violações de normas, as possibilidades de sanção são limitadas para aquele que incorreu, ele próprio, na violação desses mesmos preceitos legais - a fórmula tu quoque traduz, com generalidade, o aflorar de uma regra pela qual a pessoa que viole uma norma jurídica não poderia sem abuso, exercer a situação jurídica que essa mesma norma lhe tivesse atribuído; está em jogo um vector axiológico intuitivo, expresso em brocardos como ”turpitudinem suam allegans non auditur” ou “equity must come with clean hands” ou infidelidade contratual mútua (António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, in Da Boa Fé no Direito Civil, págs. 837 e segs.). A nossa lei protege a personalidade humana, tanto no campo civilístico - art.º 70.º, n.º 1, do Cód. Civil - como no plano da nossa lei fundamental, garantindo o respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos - art.º 288.º, d) e a observância dos princípios estatuídos na Declaração Universal dos Direitos do Homem (art.º 16.º, n.º 2). Não diz o legislador o que deve entender-se por “personalidade física ou moral” referida no normativo do art.º 70.º, n.º 1, do Cód. Civil. Mas, a questão de se saber qual o alcance e extensão do conteúdo do conceito de personalidade humana juridicamente relevante a integrar naquela expressão está relacionada com a natureza humana, que toma como objecto de conhecimento - toda a personalidade humana é um ser com uma estrutura mais alargada, de teor relacional, sócio-ambientalmente inserida e que abarca dois pólos interactivos: o “eu” (enquanto conjunto de funções e potencialidades de cada indivíduo) e o “mundo” (tomado este, quer de um ponto de vista psicológico interno, quer ainda, no plano da actividade relacional, como o próprio conjunto das forças ambientais em que se situa cada indivíduo -Capelo de Sousa; O Direito Geral de Personalidade; pág. 109/110 e 200). Deste modo, a todo o indivíduo é reconhecida a prerrogativa de exigir de outrem que honre a sua personalidade humana; e aqueles que estão onerados com esta obrigação não podem furtar-se à juridicidade deste dever, explicitando-se que ao titular da personalidade humana é juscivilisticamente reconhecido no art.º 70.º do Cód. Civil mum feixe de verdadeiros poderes jurídico de exigir dos demais sujeitos o respeito da sua personalidade, não lhe sendo apenas outorgados meros poderes jurídicos de pretensão ou simples expectativas jurídicas de respeito (Capelo de Sousa; Obra citada; pág. 394). * Nas suas contra-alegações, as rés desenvolveram a aplicação do instituto, acrescentando à discussão outros argumentos, que cumpre analisar individualmente: 112º Temos por seguro e inequívoco que as Rés, mormente a 1.º Ré: i. proveu pela obtenção de deliberação legitimadora das obras visadas realizadas no segundo andar do imóvel e nas suas partes comuns, a expensas exclusivas daquela que beneficiariam todos os condóminos, inclusive a Autora, ora Recorrente; Este argumento não colhe de forma evidente. A tentativa de obter uma deliberação legitimadora das obras não justifica a sua realização, pois tal deliberação não foi adoptada. Não se vê fundamento para equiparar a tentativa de obtenção da deliberação dos condóminos com a existência dessa deliberação, que, simplesmente, não ocorreu. ii. desencadeou junto das edilidades existentes pelas licenças necessárias ao prosseguimento das aludidas obras, que veio, inclusive, a obter, o que abona pela legalidade da construção; Como se viu, não está em causa a legalização camarária das obras; a ilegalidade das mesmas emerge da desconformidade com o regime legal da propriedade horizontal. Veja-se o referido Acórdão do STJ de 25/5/2000 (Ferreira de Almeida), disponível em www.dgsi.pt: Uma permissão camarária para construir, com observância das normas administrativas aplicáveis, não tem, nem pode ter, a virtualidade para impor uma compressão do exercício do direito de propriedade dos outros condóminos. iii. viu anulado a ata de condomínio legitimadora das obras por avanço motivado pela Autora da demanda, aqui recorrente; Mostra-se em absoluto irrelevante a motivação da discordância da autora e o facto de ser a única proprietária de todas as restantes fracções. O equilíbrio entre os diversos proprietários, em propriedade horizontal, encontra-se definido por Lei e, como é evidente, não assenta na ponderação entre o número de proprietários, votando por cabeça. As deliberações em assembleia de condóminos são aprovadas pela ponderação global das permilagens respectivas de cada fracção autónoma, quer pertençam a uma multiplicidade de pessoas quer a apenas uma. iv. a Recorrente, pelo menos desde 2012, ocupa, sem qualquer autorização dos demais condóminos e em violação do título constitutivo, o logradouro do imóvel em benefício e prol próprio; Mostra-se irrelevante também esta circunstância. Em primeiro lugar, apenas se provou que 36. O logradouro do prédio tem toldos/telheiros erigidos pelos arrendatários a quem a Autora cedeu o gozo das frações referidas nos pontos 1. e 2. Não se encontra provada qualquer oposição dos demais condóminos ou que o logradouro se encontre ocupado em proporção superior ao gozo de cada fracção autónoma. Em segundo lugar, mesma a existir tal ocupação ilegal do logradouro, por parte da autora ou dos arrendatários das fracções desta, tal não constitui justificação para a realização de obras em partes comuns distintas do edifício, por parte das rés, contra a vontade deliberativa da assembleia de condóminos. Sempre podem as rés reagir contra tal ocupação ilegal (a verificar-se), como a autora reagiu contra a realização de obras não autorizadas nas partes comuns do edifício. Não justificar o ilícito com outro ilícito, sem que aquele se mostre causado por este. v. as Recorridas assumiram, a custas suas, as obras no edificado, com enfoque no segundo andar, que aportaram benefícios incontestáveis a todo o edifício; Também este argumento se mostra irrelevante. As obras foram realizadas contra a vontade deliberada em assembleia de condóminos. A imputação dos custos apenas à proprietária que realizou tais obras ou o benefício do prédio, não constituem causa obstativa à consequência de tal ilegalidade. vi. Paralisada a obra no segundo andar do imóvel, por artifícios movidos pela Autora e face a impossibilidade de legalização, por razão única de a Autora não aprovar a deliberação necessária a assegurar a conformidade do edificado no estado atual, esta última avança com a presente demanda com vista à demolição. Nem sequer se entende este argumento. Assenta sempre no mesmo pressuposto: a vontade da autora é insuficiente para impedir a realização das obras ou a suficiência dessa vontade repugna ao Direito. Sucede que não concordamos com tal acepção. Diremos mais: a realização das obras nas partes comuns do edifício, dependia da concordância da autora. E não apenas da vontade da ré, proprietária de duas fracções. Em suma, não se vê que a autora tenha criado nas rés a convicção justificada de que não se oporia às obras, que a autora tenha deixado decorrer um período de tempo suficiente sem reagir ou deduzir oposição a essas obras, criando nas rés a confiança de que tais obras poderiam ser efectuadas ou que a autora tenha praticado qualquer ilícito, que justifique a realização das obras. Todas estas circunstâncias seriam típicas da verificação do abuso do direito – e não se verificaram. Pelo contrário, apurou-se que: 10. No âmbito da ação judicial, instaurada pela Autora em 2015, que originou o processo n.º 23245/15.4T8LSB, cujos termos correram no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Cível de Lisboa, Juiz ..., a deliberação referida em 9. veio a ser anulada, em sede de recurso, pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 15-02-2018, transitado em julgado em 04/10/2018. 13. Em fevereiro de 2018, a 2.ª Ré (com o conhecimento e no interesse da 1.ª Ré) deu início às obras (…). Ou seja, as rés iniciaram as obras em Fevereiro de 2018, bem sabendo que a autora se opunha às mesmas – tendo interposto a acção de anulação da deliberação em 2015. E, em 15/2/2018, essa deliberação foi efectivamente anulada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, pelo que, mesmo que se tivessem iniciado as obras nesta data, sempre estariam em tempo de ser interrompidas. Não se vê, assim, como podem invocar as rés qualquer situação de confiança consolidada, imputável a acção ou omissão da autora, no sentido da legalidade ou não oposição às obras em questão. Por um lado, arredada se mostra, como se viu, a ponderação dos custos da demolição, à luz do princípio da equidade. Por outro lado, nenhuma circunstância se provou, típica do preenchimento do instituto de abuso do direito, que obste àquela consequência normal da realização de obras ilegais. Pelo que, nessa parte, procede o recurso, improcedendo a excepção de abuso do direito, bem como a de excessiva onerosidade invocada na contestação. * Assim se conclui que devem ser demolidas as obras realizadas nas partes comuns do edifício e reposição da situação anterior. Especificando-se as seguintes obras, daquelas realizadas e que por isso devem ser demolidas e repostas na situação anterior: -A reconstrução parcial da cobertura com o nivelamento pela cumeeira mais elevada – deve ser reconstruída a cobertura pela altura anterior; - A inclusão de novas fenestrações nas fachadas, que implicou um alteamento das paredes-mestras que existiam; - Modificação da altura (pé-direito) nos compartimentos interiores das frações “H” e “I”; - Construção de terraço na cobertura e instalação de climatização com implantação de máquinas nesse terraço; - Criação de um alçapão na zona comum e colocação de uma claraboia no teto da escada comum. As restantes obras realizadas são excepcionadas da obrigação de demolição, ora porque não se referem às partes comuns do edifício ora porque se mostra naturalmente impossível a reposição natural. São estas: - A remoção do pavimento do 2.º piso, que por sua vez constitui, simultaneamente, uma parte do teto e cobertura do 1.º piso, - A colocação de janelas zenitais na cobertura tardoz; - Instalação de novas redes (águas, esgotos, eletricidade e telecomunicações); - Colocação de pavimento elevado nas zonas dos quartos e camaratas do pretendido “Hostel” (para passagem inferior de esgotos). Deve manter-se a improcedência dos restantes pedidos formulados, - A pagar, a título de sanção pecuniária compulsória, o montante que vier a ser fixado pelo Tribunal, mas não inferior a € 50,00, por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações peticionadas e de € 250,00 por cada dia que decorrer após a sentença; - A pagar à Autora uma indemnização pelos danos patrimoniais, supra invocados nos arts. 48º e 49º da p.i, no montante de €:17.168,50 (dezassete mil cento e sessenta e oito euros e cinquenta cêntimos), e não patrimoniais, supra alegados nos arts. 50º a 57º da p.i, em montante não inferior a €:10.000,00 (dez mil euros), acrescido de juros, à taxa legal, a contar da citação, até ao integral pagamento; - E, ainda, a pagar à Autora uma indemnização pelos danos futuros que venham a resultar da sua intervenção ilícita e os que resultarem da demolição e reposição do edifício no estado anterior às inovações concretizadas, a liquidar em execução de sentença., Pois não foi a decisão da sua improcedência objecto do presente recurso. E procedendo a apelação. * V. A decisão Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam em, na procedência da apelação, revogar parcialmente a decisão recorrida e, em consequência, a) Determinar a demolição e reconstituição natural do estado anterior, das seguintes obras no edifício em causa: -A reconstrução parcial da cobertura com o nivelamento pela cumeeira mais elevada – deve ser reconstruída a cobertura pela altura anterior; - A inclusão de novas fenestrações nas fachadas, que implicou um alteamento das paredes-mestras que existiam; - Modificação da altura (pé-direito) nos compartimentos interiores das frações “H” e “I”; - Construção de terraço na cobertura e instalação de climatização com implantação de máquinas nesse terraço; - Criação de um alçapão na zona comum e colocação de uma clarabóia no teto da escada comum, b) mantendo, no restante, a decisão recorrida. Custas pelas recorridas. * Lisboa e Tribunal da Relação, 10 de Abril de 2025 Nuno Lopes Ribeiro Gabriela de Fátima Marques António Santos |